225

Click here to load reader

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

  • Upload
    trannga

  • View
    261

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MOISÉS ALVES AUGUSTO

Morfologia Contrastiva entre Português e Kimbundu: obstáculos

e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os

kimbundu em Angola

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2016

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MOISÉS ALVES AUGUSTO

Morfologia Contrastiva entre Português e Kimbundu: obstáculos

e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os

kimbundu em Angola

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa sob a orientação do professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira.

SÃO PAULO

2016

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou

parcial desta Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________________________________

Data: 15/06/2016

E-mail: [email protected]

A871

Augusto, Moisés Alves

Morfologia contrastiva entre português e kimbundu: obstáculos e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São Paulo: s.n., 2016.

225 p. ; 30 cm.

Referências: 215-225

Orientador: Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, 2016.

1. Bilinguismo 2. Tradição gramatical 3. Morfologia 4. Português/kimbundu

CDD 469

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Augusto, Moisés Alves. Morfologia contrastiva entre português e kimbundu: obstáculos e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola. 225 p. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

Banca Examinadora:

_________________________________________

_________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Há quem manifeste um profundo desdém pelo estudo da sua

língua vernácula, como se fosse desdouro aprender à língua

da terra que nos viu nascer, a língua que falavam os nossos

avoengas, cuja memória é, para todos os povos, sagrada.

Cordeiro da Mata

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

DEDICATÓRIA

Pela mente de quem escreve perpassam tantas ideias sobre o que se quer

escrever, e simultaneamente a procura da concatenação lógica, para que, o que

perfila na mente encontre uma linguagem e um espaço que o substancie, para

isso, é necessária a ajuda de muitos intervenientes.

Dedico esta obra a todos os que trabalham, para que as línguas nacionais

de Angola, entre as quais o kimbundu, encontrem espaço no mundo das letras,

com recursos abonatórios como a gramática, dicionários e outros tipos de

literatura, que sirvam de meios para cultivar, valorizar, difundir e conservar às

línguas nacionais a par da língua portuguesa, que com esta, elas têm uma

convivência secular e convidem o mesmo espaço linguístico na boca dos seus

utentes, não esquecendo, também, que as línguas nacionais são veículos

recheados do legado vivo que recebemos dos nossos ancestrais, e mantêm o

vigor das nossas culturas e identidade nacionais.

Dedico este trabalho a todos os que o lerem, e encontrarem nestas páginas

algo útil, que lhes suscite reflexões para melhorar, inovar o que foi aqui aflorado,

ou pelos menos o gosto de poder compartilhar, sugerir reformulações e até

mesmo alterações.

Outrossim, minha dedicatória vai para todos os que de maneira explícita ou

implícita contribuíram para realização deste trabalho, com muita honra e distinção

cito o Professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira e a secretária do Programa

de Língua Portuguesa, Lourdes Scaglione.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

AGRADECIMENTOS

“A gratidão é memória do coração”, assim diz uma máxima popular. No

desfecho deste trabalho, minha gratidão grassa para todos os que contribuíram

para que o curso e a tese do Doutorado chegassem a bom porto, tendo em conta

as várias vicissitudes passadas como o desafio do reconhecimento dos

documentos escolares, o percurso da distância intercontinental, na aturada

travessia do oceano Atlântico, uma espécie de eco reminiscente da história da

travessia do mesmo Atlântico pelas caravelas que de Angola e outros pontos de

África partiam para as terras de Santa Cruz, o Brasil.

Nessas circunstâncias, muita ajuda e compreensão se diluiu em prol da

minha situação acadêmica, por isso, permitam que expresse cordialmente e, com

muita firmeza: Minha profunda gratidão a Deus Pai pelo dom da vida;

Minha gratidão aos meus pais pela primorosa educação ao jeito dos seus

tempos e aos meus familiares e confrades pelo apoio prestado;

Minha profunda gratidão ao meu orientador, a secretária do Programa de

Língua Portuguesa, e aos professores pela ajuda e compreensão dispensadas;

Minha gratidão aos Frades Franciscanos Capuchinhos de São Paulo;

Se tem dito que, as palavras são de prata e o silêncio é de ouro, a todos

quantos tocarem o serviço, e que esperavam um gesto de gratidão explícito, e não

o tiveram, encontrem-se agradecidos na panaceia do meu silêncio. Aqui fica

reiterado o meu reconhecimento e admiração por tudo quanto o curso de

Doutorado me pode transmitir, que servirá de base e suporte para o meu trabalho

de docência e, outrossim, para as posteriores investigações e publicações

agendadas para os tempos vindouros.

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Mapa etnolinguístico de René Pélissier.............................. 48 Quadro 2: Mapa de localização de línguas e grupos etnolinguísticos

de Angola............................................................................ 51

Quadro 3: Geolinguística dos subgrupos do kimbundu....................... 52 Quadro 4: Divisão gramatical............................................................... 65 Quadro 5: Sequências vocálicas.......................................................... 126 Quadro 6: Morfologia........................................................................... 130 Quadro 7: O uso do termo Morfema.................................................... 134 Quadro 8: O uso do termo Monema.................................................... 134 Quadro 9: Morfologia, as dez classes de palavras.............................. 144 Quadro 10: Dez classes de substantivos segundo o prefixo da

formação de número (singular – plural).............................. 146

Quadro 11: Substantivos da 1ª classe................................................... 147 Quadro 12: Substantivos da 1ª classe que fazem singular (variável) e

plural (ji).............................................................................. 147

Quadro 13: Substantivos (inanimados) da 2ª classe............................. 148 Quadro 14: Substantivos (animados) da 2ª classe................................ 148 Quadro 15: Substantivos da 3ª classe................................................... 148 Quadro 16: 3ª classe, formação aumentativo dos substantivos........... 149 Quadro 17: Substantivos da 4ª classe................................................... 149 Quadro 18: Substantivos da 5ª classe................................................... 150 Quadro 19: 5ª classe, formação de nomes abstratos 150 Quadro 20: Substantivos da 6ª classe................................................... 151 Quadro 21: Substantivos da 6ª classe com plural em (ji)..................... 151 Quadro 22: 7ª classe formação do diminutivo dos substantivos........... 151 Quadro 23: Substantivos da 8ª classe................................................... 152 Quadro 24: Substantivos da 9ª classe................................................... 153 Quadro 25: 9ª classe, formação do plural de palavras estrangeiras e

empréstimos........................................................................ 153

Quadro 26: Substantivos da 10ª classe................................................. 154 Quadro 27: Nomes invariáveis ou incontáves........................................ 154 Quadro 28: Derivação por prefixação binária......................................... 158 Quadro 29: Derivação por prefixação trenária....................................... 158 Quadro 30: Conectores de relação genitiva........................................... 160 Quadro 31: Aglutinação por prefixo substantivador “ka”....................... 161 Quadro 32: Empréstimos/ estrangeirismos............................................ 162 Quadro 33: Neologismos........................................................................ 162 Quadro 34: O determinante em kimbundu – artigo definido................... 167 Quadro 35: Indeterminante abertos em kimbundu – artigo indefinido.. 167 Quadro 36: Determinantes possessivos em kimbundu.......................... 168 Quadro 37: Determinantes referenciais em kimbundu........................... 169 Quadro 38: Ocorrências dos determinantes referenciais em kimbundu 170 Quadro 39: Os adjetivos em kimbundu.................................................. 171 Quadro 40: As locuções adjetivas.......................................................... 171 Quadro 41: Verbos qualificativos, ou locuções adjetivas....................... 172

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Quadro 42: Concordância dos qualificadores com os substantivos por prefixos.................................................................................

172

Quadro 43: O adjetivo anteposto ao substantivo.................................... 173 Quadro 44: O adjetivo posposto ao substantivo..................................... 173 Quadro 45: O superlativo absoluto sintético........................................... 174 Quadro 46: Superlativo absoluto analítico.............................................. 175 Quadro 47: Pronomes pessoais em kimbundu....................................... 175 Quadro 48: Pronomes pessoais e pronomes prefixos em kimbundu.... 176 Quadro 49: Prefixos: pronomes, de concordância e de verbo ser no

presente................................................................................ 177

Quadro 50: Pronomes: elocutivos, alocutivo e delocutivos.................... 178 Quadro 51: Pronomes interrogativos em kimbundu................................ 179 Quadro 52: Locuções interrogativas....................................................... 179 Quadro 53: Regência dos pronomes relativos........................................ 180 Quadro 54: Quantificadores em kimbundu............................................. 181 Quadro 55: Noção de quantificador........................................................ 182 Quadro 56: Numerais em kimbundu....................................................... 183 Quadro 57: 1 a 6 números pospostos ao substantivo (qualificadores).. 184 Quadro 58: 7 a 10 os números são antepostos aos substantivos.......... 184 Quadro 59: Numerais a partir de 7 em kimbundu................................... 185 Quadro 60: Números fracionários ou partitivos...................................... 186 Quadro 61: Pronomes pessoais absolutos e pronomes prefixos............ 187 Quadro 62: Pronomes prefixos regentes do verbo................................. 188 Quadro 63: Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no

passado................................................................................ 188

Quadro 64: Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no futuro; (nganda/ngondo)..................................................................

188

Quadro 65: Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no conjuntivo.............................................................................

189

Quadro 66: Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no condicional............................................................................

189

Quadro 67: Verbo kukala “ter e estar”, seguido da preposição “ni –à/ o /com”.....................................................................................

190

Quadro 68: Verbo say - “ter” é invariável................................................ 190 Quadro 69: “Ku” prefixo regente do infinitivo dos verbos........................ 191 Quadro 70: Verbos monossílabos........................................................... 191 Quadro 71: Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no

passado remoto.................................................................... 192

Quadro 72: Verbos com vogal temática em - a, e, o............................... 193 Quadro 73: Verbos com a vogal temática em - i, u,............................... 193 Quadro 74: Verbos com a vogal temática em - a, e, o, u seguidos m e

n final ene............................................................................. 193

Quadro 75: Verbos com a vogal temática em – a, u, i, seguidos de m e n final ine...............................................................................

194

Quadro 76: Verbos com a vogal temática em – o, u – final = “wele”....... 194 Quadro 77: Verbos com a vogal temática em – a, u,- final = “wile”......... 194 Quadro 78: Verbos com a vogal temática em – o, final “wene”.............. 195 Quadro 79: Verbos com a vogal temática em – a, u, i final “wine”.......... 195

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Quadro 80: Verbos dissílabos com a vogal temática em – u final em “dile”......................................................................................

195

Quadro 81: Verbos com a vogal temática em – i final “idile”................... 196 Quadro 82: Verbos com a vogal temática em – i final “ngejile”............... 196 Quadro 83: Verbo no sistema de presente em kimbundu....................... 196 Quadro 84: Verbo no sistema de futuro em kimbundu............................ 197 Quadro 85: Verbos no sistema de pretérito em kimbundu...................... 197 Quadro 86: Verbo no imperativo em kimbundu....................................... 197 Quadro 87: Verbos no sistema de condicional em kimbundu................ 198 Quadro 88: Verbos no sistema de conjuntivo em kimbundu................... 198 Quadro 89: Verbo no infinitivo em kimbundu.......................................... 198 Quadro 90: Verbalizadores – advérbios.................................................. 199 Quadro 91: Conectores de palavras – preposições................................ 200 Quadro 92: Conectores de frases – conjunções...................................... 201 Quadro 93: Expressão de reação vital – interjeições.............................. 201

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Augusto, Moisés Alves. Morfologia contrastiva entre português e kimbundu: obstáculos e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola. 225 p. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

RESUMO

Hoje em Angola, o bilinguismo português-kimbundu ou multilinguismo português-outras línguas africanas1, faz parte do legado histórico do povo angolano, revestido de uma importância intrínseca para identidade e a coesão de Angola. Uma vez expurgado da língua portuguesa o nauseabundo fedor colonial, ela ficou língua oficial do estado angolano e símbolo de unidade nacional no contexto da comunicação. O kimbundu e as outras línguas africanas continuam com o estatuto de línguas nacionais, veículos da nossa tradição e identidade culturais. A morfologia contrastiva português-kimbundu é uma análise que se serve do método comparativo sobre as conexões de semelhanças, divergências e peculiaridades entre estruturas morfológicas das duas línguas de origens totalmente diferentes. A morfologia contrastiva português-kimbundu objetiva-se pelo conhecimento da estrutura e do funcionamento morfológico das duas línguas para que sirva de suporte para o cultivo e desenvolvimento delas, em ambientes acadêmicos com base em razões sólidas, que assegurem a eficácia e conservação das mesmas línguas e, também, para melhor servir-se delas na comunicação cotidiana na vasta parcela territorial do norte de Angola. Ao fazer esta pesquisa, compartilhamos e julgamos estar a aprimorar o material para o ensino e a aprendizagem de português-kimbundu à base do método comparativo.

Palavras-chave: Bilinguismo, Tradição Gramatical, Morfologia, Português

kimbundu.

1 Usa-se o termo “línguas africanas de Angola”, e não apenas línguas bantu, porque a língua

Khoisam, falada pelo povo Khoisam, que habita ao sudeste de Angola não faz parte do grupo familiar das línguas bantu.

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

Augusto, Moisés Alves. Morfologia contrastiva entre português e kimbundu: obstáculos e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola. 225 p. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

ABSTRACT

Today in Angola, the Portuguese bilingualism - kimbundu or Portuguese multilingualism - other African languages, is part of the historical legacy of the Angolan people, coated with an intrinsic importance for identity and cohesion of Angola. Once expunged from the Portuguese colonial nauseating stench, was the official language of the Angolan state and national unity symbol in the context of communication. The Kimbundu and other African languages continue with the status of national languages, vehicles of our tradition and cultural identity. The Portuguese contrastive morphology - Kimbundu is an analysis that uses the comparative method of the connections of similarities, differences and peculiarities between morphological structures of the two languages of totally different backgrounds. The Portuguese contrastive morphology - the objective is to kimbundu the knowledge of the structure and morphological functioning of the Portuguese-Kimbundu languages to serve as a support for the cultivation and development of them in academic environments based on sound reasons, to ensure efficiency and conservation same language and also to better serve them in everyday communication in the vast territorial portion of northern Angola. By doing this research, share and feel we are improving the material for teaching and learning Portuguese -kimbundu the basis of the comparative method.

Keywords: Bilinguismo, Tradição Gramatical, Morfologia, Português – kimbundu.

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 16

CAPÍTULO 1 ORIGEM, ENCONTRO E CONVIVÊNCIA SECULARES ENTRE

PORTUGUÊS E KIMBUNDU ............................................................................... 22

1.1 Origem e percurso da língua portuguesa.................................................... 22

1.1.1. A chegada da língua portuguesa no reino de Ndongo e Matamba ..... 29

1.1.2 A diglossia da língua portuguesa em relação ao kimbundu ................. 30

1.1.3 A hegemonia da língua portuguesa e os estatutos de assimilado e

indigenato ...................................................................................................... 33

1.1.4. O pretuguês ........................................................................................ 35

1.1.5. Um cenário de bilinguismo português - kimbundu .............................. 38

1.1.5.1. O bilinguismo mercantil .................................................................... 39

1.1.5.2. O bilinguismo e a política colonial .................................................... 41

1.1.5.3. O bilinguismo antroponímico ............................................................ 43

1.1.5.4. O bilinguismo toponímico ................................................................. 43

1.1.5.5. O bilinguismo religioso ..................................................................... 44

1. 2. Origens e geolinguística do kimbundu ...................................................... 46

1.2.1. Origens do kimbundu .......................................................................... 46

1.2.2. Geolinguística do kimbundu ................................................................ 50

CAPÍTULO 2 A TRADIÇÃO GRAMATICAL ........................................................ 59

2.1. Percurso histórico da gramática ................................................................ 59

2.1.1. A gramática explícita ou teórica quanto ao conteúdo .......................... 66

2.1.2. A gramática explícita ou teórica quanto ao método ............................ 67

2. 2. O fenômeno gramatização ........................................................................ 70

2. 3. Resenha referencial sobre gramatização do português............................ 77

CAPÍTULO 3 A GRAMATIZAÇÃO DO KIMBUNDU ........................................... 84

3.1. Cronologia das obras literárias em kimbundu ............................................ 84

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

3. 2. As obras principais da gramatização do kimbundu ................................... 90

3. 2. 1. Gentio de Angola sufficientemente instruído nos mysterios de nossa

sancta fé, 1641 .............................................................................................. 91

3. 2. 2. A arte da língua de Angola, oferecida à Virgem Senhora N. do

Rosário, mãe e senhora dos mesmos pretos ................................................ 93

3. 2. 2.1. Estruturação da Arte da língua de Angola ...................................... 96

3. 2. 2. 2 Título: A arte da língua de Angola ................................................ 102

3. 2. 2. 3 Licenças ....................................................................................... 104

Da Ordem .................................................................................................... 104

Do Santo Officio .......................................................................................... 104

Do Ordinário ................................................................................................ 104

Do Paço ...................................................................................................... 104

3. 2. 2. 4. Advertências de como se “hade” ler e escrever esta língua ........ 106

3. 2. 2. 5. Dos nominativos .......................................................................... 108

3. 2. 2. 6. Notas finais “FINIS, LAVS DEO” ................................................. 110

3. 2. 3. A gramática elementar do kimbundu ou língua de Angola publicada

em 1888-1889 por Heli Chatelain ................................................................ 111

3. 2. 4. Gramática de kimbundu de José Luíz Quintão (1934) .................... 118

3. 2. 5. O alfabeto de kimbundu .................................................................. 125

CAPÍTULO 4 A FORMULAÇÃO MORFOLÓGICA ........................................... 129

4.1. A formulação da morfologia tradicional ................................................... 130

4. 2. A formulação emergente da morfologia .................................................. 140

CAPÍTULO 5 A MORFOLOGIA CONTRASTIVA ENTRE PORTUGUÊS E

KIMBUNDU ........................................................................................................ 144

5.1. Os substantivos e suas classes em kimbundu ........................................ 145

5. 2. Formação das palavras em kimbundu .................................................... 157

5. 3. A noção de gênero ................................................................................. 163

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

5. 4. Determinante - (Artigo) ........................................................................... 166

5. 5. Determinante possessivo ....................................................................... 168

5. 6. Determinantes referenciais .................................................................... 169

5. 7. Qualificador - (Adjetivo) ......................................................................... 170

5. 8. Pronomes pessoais ............................................................................... 175

5. 9. Pronomes interrogativos ........................................................................ 178

5. 10. Pronomes relativos .............................................................................. 180

5. 11. Quantificadores .................................................................................... 181

5. 12. Numerais ............................................................................................. 183

5. 13. Verbo ................................................................................................... 187

5. 14. Verbalizador ......................................................................................... 199

5. 15. Conectores de palavras ....................................................................... 199

5. 16. Conectores de enunciados .................................................................. 200

5. 17. Reação vital ......................................................................................... 201

CONCLUSÃO .................................................................................................... 203

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 215

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

16

INTRODUÇÃO

Esta introdução apresenta a essência e as linhas mestras que norteiam o

ser e o desenvolvimento desta pesquisa, revelando-se como uma chave de leitura

para a compreensão de quanto vem a seguir, em uma lógica que se processa nos

antecedentes como pressupostos dos consequentes, principalmente, quando se

trata, nesta pesquisa, da morfologia contrastiva português-kimbundu.

É sabido que toda língua é uma condição indispensável para a realização

do ser humano em uma determinada sociedade onde ela é usada, como bem o

frisou Faraco (2016, p. 9-11), “[…] as línguas não existem em si e por si; elas não

são entidades autônomas, as línguas são elas e seus falantes; elas e as

sociedades que as falam”.

Com alicerce na convivência de um bilinguismo secular, desde 1560 até

hoje, entre a língua portuguesa e a língua kimbundu, no norte de Angola,

absorvendo os falantes e ocupando os mesmos espaços geográficos e temporais,

afloram logo na mente de quem reflete sobre esse fenômeno as seguintes

indagações: como se explica a existência do bilinguismo português-kimbundu?

Como é, e o porquê se mantém esse bilinguismo? Qual é o impacto que tem na

vida acadêmico-cultural da sociedade? Por que nunca se extinguiu ou se resvalou

para o surgimento de uma língua crioula como aconteceu em outras partes da

África?

O fenômeno do bilinguismo português-kimbundu é complexo porque está

intimamente atado às dinâmicas histórico-políticas e às construções imaginário-

ideológicas dessa sociedade onde é exercido.

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

17

Para responder, até onde podemos, as questões sobre algumas dimensões

acerca do bilinguismo português-kimbundu urgiu a necessidade da formulação

desta tese, com título de: Morfologia contrastiva entre português e kimbundu,

obstáculos e suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os

kimbundu em Angola.

O conceito “contrastivo” é um adjetivo singular qualificativo que deriva do

verbo “contrastar” proveniente do latim “contrastare” revestido de um valor

polissêmico: opor, contrapor, estar em oposição. No contexto “Morfologia

contrastiva” que aqui se trata, não se quer sublinhar as oposições, mas frisar as

marcas contrastantes de diferenças linguísticas na realização dos mesmos

conteúdos morfológicos, que condensam os mesmos significados, mas que têm

realizações de significantes diferentes na articulação de cada uma das duas

línguas; português e kimbundu.

Para o suporte de um trabalho deste gênero, servimo-nos do método

descritivo, analítico comparativo com o recurso das deduções e das induções que

desembocam em evidências que dimanam das suas inferências.

Sendo línguas de naturezas diferentes, a pesquisa em sentido lato, passa,

necessariamente, por um levantamento sobre origem e convivência seculares do

bilinguismo português-kimbundu até chegar às questões gramaticais que se

prendem com a gramatização do kimbundu, que consistiu na elaboração da

gramática e do dicionário do kimbundu.

A gramatização do kimbundu está ancorada fundamentalmente nas

abordagens gramaticais de Francesco Pacconio, Pedro Dias, Heli Chatelain e

José Luiz Quintão. O conhecimento intrínseco da constituição da morfologia de

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

18

cada língua e os aspectos contrastivos, existentes entre a morfologia do

português e do kimbundu, constituem o sentido restrito desta pesquisa.

Esta pesquisa é constituída por cinco capítulos:

O capítulo 1 trata do bilinguismo português-kimbundu, revelando a origem,

o encontro e a convivência seculares entre português e kimbundu que se foi

fazendo em diferentes etapas e, cada etapa com sua complexidade.

O português é uma língua neolatina, que engendra na sua formação vários

substratos e adestratos de outras línguas europeias como o celta, o báltico, o

germânico, além de extra europeia, como o árabe; enquanto que o kimbundu é

uma língua bantu, que resultou de um esfacelamento e transformação do proto-

bantu, em muitas línguas bantu, entre essas o kimbundu.

Tem havido tentativas de se resgatar o “proto-bantu” por meio de estudos

comparativos das palavras e estruturas existentes entre as línguas bantu,

determinando o fenótipo e genótipo, que conduzem à gênese de articulações

lexicais e gramaticais muito semelhantes e muito aparentadas, derivadas de um

tronco comum.

O capítulo 2 apresenta uma resenha da tradição gramatical extirpada das

veias da tradição gramatical greco-latina e da gramatização dos vernáculos

europeus, entre esses o português.

É do português que se gramatizou o kimbundu como fonte primária,

sistemazando em moldes da gramática portuguesa o kimbundu. Por exemplo,

aplicaram ao kimbundu a formulação dos dois gêneros: masculino e feminino,

segundo os parâmetros da gramática portuguesa. O kimbundu tem três gêneros:

masculino, feminino e neutro. Nesse aspecto, configura-se mais com a

formulação dos três gêneros em latim e em grego e não se configura com a

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

19

formulação portuguesa, a qual os gramáticos tomaram como modelo e aplicaram-

no a gramática do kimbundu, para captar fenômenos dessa espécie, tornou-se

necessário fazer uma resenha sobre a gramatização do português.

No capítulo 3, perpassa-se pelo cenário da cronologia das obras e do

percurso da gramatização do kimbundu, com base nos trabalhos editados em

parâmetros da gramática portuguesa e de outros vernáculos nascentes naquela

época, segundo a tradição gramatical greco-latina.

Os autores que gramatizaram o kimbundu tinham diversos objetivos, entre

esses, os mais nítidos eram dois: o catequético missionário e o imperialista

hegemônico colonizador. Sem descurar as suas santas intenções, os gramáticos,

naquela altura, não miravam e nem se moviam para oferecer um alfabeto, uma

gramática e um dicionário aos nativos e utentes da língua kimbundu e tampouco

procuravam o desenvolvimento e o prestígio dela, isto não estava em causa.

As anotações gramaticais de kimbundu, de Francesco Pacconio, de 1641,

constam como o limiar de passagem do kimbundu de uma língua ágrafa para a

pauta das línguas letradas, e serviram de base à primeira gramática de kimbundu,

A arte da língua de Angola, oferecida à Virgem Senhora N. do Rosário, Mãy e

Senhora dos mesmos pretos, do Padre Pedro Dias, missionário jesuíta, publicada

em 1697 em Lisboa, escrita e usada na Bahia.

A grammatica elementar do kimbundu ou língua de Angola, publicada em

1888-1889, por Heli Chatelain, está fundamentada e decalcada na obra de Pedro

Dias.

A gramática de kimbundu, de José Luís Quintão, editada em 1934, tomou

como fonte primária e alicerce a gramática de Heli Chatelain, aperfeiçoando-a.

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

20

Essas obras serviram de base para todas as gramáticas do kimbundu que

foram surgindo posteriormente, e serviram de referência para a pesquisa em

curso.

O capítulo 4 prende-se com questões morfológicas, sublinhando a

formulação da morfologia tradicional e da morfologia emergente.

Da morfologia tradicional extraiu-se uma síntese para servir de recurso que

se permeie às analogias que consistem em constatações de semelhanças e

diferenças entre as formulações morfológicas do português e as do kimbundu,

que ocorrerá no capítulo 5.

A formulação emergente da morfologia foi referenciada nesta pesquisa

como uma abordagem mais condizente com a estratificação linguística da

morfologia kimbundu, particularmente, na asseveração de apresentar a morfologia

sob a dimensão de palavras lexicais e de palavras gramaticais. As palavras

lexicais são as que servem de suporte nominal ou substantival e as palavras

gramáticas servem apenas como meios funcionais da língua, essa dimensão

concilia-se melhor com o funcionamento da língua kimbundu.

O Capítulo 5 trata da morfologia contrastiva entre o português e o

kimbundu, evidenciando os obstáculos e as suas causas na escrita e no ensino

da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola. Para identificar os

contrastes, o capítulo 5 faz a exposição da morfologia do kimbundu que se vai

revelando diferente na sua estrutura e formulações, ao mesmo tempo que se

evidenciam os contrastes em relação à morfologia portuguesa.

Se os significados dos conceitos das unidades morfológicas encontram

cabimento em kimbundu, assim como em qualquer língua do mundo, o

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

21

desencadear e a formulação dos seus significantes revelam-se divergentes ou até

arbitrários.

Se o português popular, por várias razões, é impregnado de substratos e

conceitos lógicos da gramática kimbundu, o mesmo fenômeno tem acontecido

quando se escreve o kimbundu, usando estruturas e conceitos da gramática

portuguesa.

Como o bilinguismo português-kimbundu (ou mesmo o multilinguismo

português e as línguas africanas de cada região de Angola) é um fenômeno

vigente na comunicação do povo angolano no seu dia a dia, urge a necessidade

de se estudar o funcionamento e as estruturas gramaticais dessas línguas,

traçando os critérios que viabilizem, com conhecimento de causa, a acomodação

do bilinguismo ou do multilinguismo existente, e permita a conservação e o

desenvolvimento harmonioso do sistema linguístico angolano, como legado

histórico recebido dos nossos ancestrais, que cobre, mesmo ainda hoje, a nossa

comunicação nacional, e marca nossa identidade, forjando o espaço de Angola na

africofonia e na lusofonia, assim como na cosmofonia.

Por questões de ordem cronológica, começaremos o primeiro capítulo com

abordagens sobre a origem, o encontro e a convivência seculares entre português

e kimbundu porque é o fenômeno onde dimana e fundamenta a justificação do ser

e de pesquisar a morfologia contrastiva entre português-kimbundu.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

22

CAPÍTULO 1 ORIGEM, ENCONTRO E CONVIVÊNCIA SECULARES ENTRE PORTUGUÊS E KIMBUNDU

Neste capítulo são apresentados dados históricos sobre a constituição do

português e do kimbundu e de como se influenciaram na configuração linguístico-

cultural em Angola.

1.1 Origem e percurso da língua portuguesa

A abordagem sobre a origem e o percurso da língua portuguesa está sendo

apresentada em função do desenrolamento do bilinguismo português – kimbundu,

portanto, é uma análise que se assenta na demonstração histórica da origem do

português e da capacidade que essa língua teve de conviver com tantas línguas,

acomodando e inserindo em seu seio vários recursos linguísticos, extraídos das

línguas com as quais manteve contato bilíngue, ou mesmo multilíngue, em

circunstâncias diversas, formando e consolidando, assim, a sua morfologia.

O contato da língua portuguesa com o kimbundu, em si, é uma novidade,

mas como dimensão linguística de natureza diversa não é algo extraordinário

para a língua portuguesa, visto que ela já teve vários contatos bilíngues e

multilíngues com várias línguas diferentes desde a sua origem, como veremos a

seguir.

A origem e o desenvolvimento tão diferentes de numerosas línguas no

mundo se carcterizam como um problema tão complexo e discutido quanto o da

gênese humana.

Sabe-se, com certeza, que a língua portuguesa e os demais idiomas

românicos são o resultado de uma lenta e estratificada transformação, através

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

23

dos séculos, de uma outra língua, o latim que, por sua vez, era, também, a

transformação de outra língua, o indo-europeu.

As pesquisas realizadas no século XIX, pelo filólogo alemão Franz Bopp,

demonstraram pelo estudo comparativo de diversos estratos fonéticos,

morfológicos e sintáticos das várias línguas indo-europeias a existência do indo-

europeu.

O indo-europeu era falado por um povo, quase sem história escrita, que se

convencionou chamar ariano ou ária, muitas são as hipóteses sobre o berço dos

árias. Supõe-se, entre outras teses, que seu habitat era a região compreendida

entre certa parte do centro da Europa e, a leste, estendendo-se até o Turquestão

e as estepes russo-siberianas (SPINA, 2011, p. 22-23). Do indo-europeu

derivaram várias línguas, dentre as quais o latim.

O latim era a língua dos latinos, povo que habitava o Lácio, região da Itália

Central. Com o aumento crescente do seu poder, aumentava também a ambição

pela conquista. O exército romano espalhou-se, durante séculos, na conquista de

vários povos, em uma ânsia desmedida de domínio, subjugando os povos, e a

todos impondo seus costumes e sua língua: o latim vulgar. De tal forma, os povos

conquistados assimilaram a influência do conquistador que, mais tarde, o que se

denominou de “romanos”, era na verdade, uma amálgama de povos

conquistados. O imperador Caracala, no ano 212, concedeu a todos os

habitantes do império à cidadania romana, nesse sentido, Esperança Cardeira

(2006) escreveu o seguinte:

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

24

[…] desde 218 a. C., data em que o exército romano, no quadro da Segunda Guerra Púnica, desembarca na Península Ibérica, dando início a um longo processo de aculturação dos povos peninsulares, a romanização. [...] A ocupação não se traduziu, apenas, em administração, mas também, em colonização […]. É no latim vulgar que tem origem as línguas românicas. A expressão “latim vulgar”, ou (sermo vulgaris), segundo a classificação de autores latinos, designa a língua com todas as suas variedades e tem sido utilizada para distingui-la da modalidade literária […]. Uma importante fonte para o estudo do latim vulgar é o “Appendix Probi, um manuscrito que corrige formas incorretas – e certamente frequentes – da língua falada”. (CADEIRA, 2006, p.19-21).

Formado já sob o prestígio da mais rica e bela civilização da antiguidade, a

civilização grega, o império do oriente, embora inicialmente se tivesse submetido

à administração romana, continuava profundamente helenizado e exercia grande

influência sobre a civilização dos conquistadores romanos, sobretudo na língua

latina. A dominação romana sobre a Grécia, segundo José Joaquim Nunes (1969)

é considera dessa forma:

É claro que a Grécia que, no dizer de Horácio, de avassalada se tornou avassaladora, contribuiu mais que nenhuma outra das nações com que os romanos se tinham posto em contato para esta tamanha revolução; a leitura dos seus poetas inspirou naturalmente o desejo de imitação e o conhecimento, cada vez mais difundido, do grego, foi um auxiliar valioso para o aperfeiçoamento da língua latina; de tal maneira que aquele influiu nesta, que por fim o seu léxico, sua versificação e sintaxe eram grande parte gregos. (NUNES,1969, p. 6)

A língua literária, em contato com as civilizações mais adiantadas, como a

grega, vicejou extraordinariamente na vasta e rica literatura latina, até que a

invasão dos bárbaros a interrompeu degenerando em baixo latim.

E foi no latim medieval ou baixo latim que se condensaram as gramáticas

escritas dos vernáculos europeus, eivadas de palavras novas, tomadas das

línguas faladas e da grande contribuição do léxico e formulações gregas.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

25

O latim enquanto língua literária continuou esfacelando-se em sermos

vulgares, levado pelos soldados e pela plebe às mais longínquas regiões do

Império romano, que também se moldavam, (SPINA, 2011, p. 24-27).

O latim vulgar serviu de canal para o nascimento do português, não

descurando a influência do léxico grego e, até mesmo, de outras línguas

europeias, em certa dosagem, que se imbricaram no português. A esses

fenômenos, se acrescenta, também, a invasão feita pelos mouros “árabes -

berberes” da África do Norte à Península Ibérica.

Nesse contexto, o português é uma língua que se originou do latim vulgar

em cruzamento com outras línguas faladas na Península Ibérica, por exemplo, o

pré-céltico, o celtibero2 que cederam e se vergaram à hegemonia do latim,

(ASTRIZ, 2008, p. 108).

Nessa vertente linguística, outro fator a considerar-se são as invasões

sucessivas de outros povos que fragmentaram o território do império romano e

provocaram ebulições linguísticas que vão determinar, a partir do século IX, as

formações dos diversos romanços. Desde o século V, o império foi invadido pelos

povos germânicos (bárbaros), tribos nômades que ocuparam o Norte, o Centro e

algumas partes do Sudeste da Europa; a partir dos séculos VI e VII, pelos

eslavos, e no século VIII pelos árabes.

Os suevos fixaram-se na Galiza, e em parte da Lusitânia, fundaram um

reino, que mais tarde foi absorvido pelos visigodos. Foi nesse tempo da ocupação

do território pelos suevos que se processou a gestação do romanço galego-

português.

2 O basco – é a única língua que, atualmente, permanece em âmbito regional, como marca de

aspecto cultural ultranacionalista.

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

26

Quando a violência das invasões germânicas foi, aos poucos,

decrescendo, os bárbaros passaram a romanizar-se, adotaram a cultura dos

povos vencidos que lhes era superior, cristianizaram-se e assimilaram o latim

vulgar. Contribuíram, porém, para acelerar a evolução da língua. Assim, se

encontram, no vocabulário português, vários termos de origem germânica, como

por exemplo, os termos seguintes, referentes a várias dimensões:

- à dimensão sociopolítica: arauto, banda, bandeira, bando, branco, dardo,

feudo, franco, galopar, orgulho, rico, roubar, tacanho.

- à dimensão militar: baluarte, escaramuça, guerra, trégua.

Os árabes, povo de origem semita, cuja religião, o Islamismo, agredia os

princípios da religião cristã, penetraram na Europa pela Península Ibérica,

apoderando-se dela, dominando o reino visigótico. Oito séculos durou a

dominação dos muçulmanos na Península Ibérica (711-1492); Granada, o último

reduto da resistência moura, foi recuperada em 1492, no reinado dos reis

católicos da Espanha, Fernando e Isabel (SPINA, 2011, p. 24-27). Referindo-se à

presença árabe na Peninsula Ibérica, Esperança Cardeira (2006) afirmou que:

[…] Em 711 os árabes invadiram a Península Ibérica. Uns dois anos depois já tinham subjugado toda a região meridional e, subindo até ao Mondego, empurram os hispano-godos para a cordilheira norte. Instauram uma administração árabe, centrada em Córdova. Após alguns episódios mais ou menos sangrentos, a zona sob o domínio árabe, pacificada, apresentava um panorama que, durante cerca de cinco séculos, não mudará muito: cristãos a norte, muçulmanos, hispano-godos convertidos ao Islão, moçárabes e judeus no Centro – Sul [...]. Moçárabe é o termo de origem árabe, que designa a população cristã vivendo sob o domínio árabe, preservando a sua identidade cultural, e mantendo as suas tradições cristãs. (CARDEIRA, 2006, p. 31)

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

27

Nesse tempo da presença dominadora dos muçulmanos na Península

Ibérica, a língua árabe conviveu no mesmo espaço com um estrato linguístico de

origem latina. O vocabulário árabe entrou na “língua portuguesa”, referindo-se a

várias dimensões:

- aos antropônimos; - Alberto, Albuquerque, Alcântara, Alfredo, Almeida.

- à dimensão política administrativa e bélica; - Alarido, Alcaide, Alfândega,

Alferes, Algazarra, Almirante.

- à arquitetura e organização urbana; - alpendre, açoteia, aldeia, andaime,

armazém, azulejo, bairro, tabique.

- à agricultura; - albufeira, açude, azenha, nora.

- à ciência; - alfarrábio, algarismo, álgebra, chafariz, azimute, cifra, zénite,

zero.

- às plantas:- açafrão, albarrã, alface, acelga, azeitona, cenoura, maçaroca,

alfazema, alcachofra, lima, limão e laranja.

- aos instrumentos: - alicate, alfinete, almofariz, rabeca e tamboril (CUNHA,

2013, p. 17).

É necessário lembrar-se que o prefixo “al”, inicial de certas palavras

portuguesas, remonta o artigo do árabe “al” remanescente em palavras

aglutinadas, como nos reportam os exemplos citados: Alberto, Albuquerque,

Alcântara, Alfredo, Almeida, Alarido, Alcaide, Alfândega, Alferes, Algazarra,

Almirante, alpendre, aldeia, albufeira, alfarrábio, algarismo, álgebra, albarrã,

alface, alfazema, alcachofra, alicate, alfinete, almofariz.

Existe um levantamento etimológico e filológico3 das palavras derivadas de

outras línguas e do árabe, segundo Esperança Cardeira (2006) essas palavras

3A palavra etimologia é de ascendência grega, trata da história ou origem das palavras e da

explicação do significado de palavras através da análise dos elementos que as constituem.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

28

foram absorvidas e são usadas no léxico português, isto é: [...] para dar uma ideia

do peso que o léxico árabe exerce na língua portuguesa, e essas palavras são

hoje usadas sem se saber identificar as suas origens pelos utentes comuns.

(CARDEIRA 2006, p. 31-35)

Quando Portugal tornou-se reino independente da Galiza, estendeu-se

para o Sul, anexando as regiões reconquistadas por Dom Afonso Henriques, e

seus sucessores prosseguiram na luta contra os mouros, até que, em 1250, Dom

Afonso III concluiu a conquista do Algarve, fixando, então, os limites de Portugal

que temos hoje. Mesmo politicamente delineado, em Portugal, a língua falada

naquela faixa de terra continuou sendo, ainda, o galego-português até o século

XIV, quando fatores políticos, sociais e linguísticos determinaram a quebra da

relativa unidade linguística, galego-português, (SPINA, 2011, p. 30-33).

No século XIII, no início do reinado de Dom Dinis, a Chancelaria régia

adotou o português como língua escrita, multiplicando-se os diplomas reais e

particulares, as leis gerais e locais produzidos em português. Mas a adoção do

português enquanto língua de escrita, embora decisiva para a afirmação da

língua, teve de se refletir em uma prática bastante difundida de produções e

autoafirmações legais.

A língua portuguesa, em substituição ao latim, tornou-se viável com Dom

Dinis e passa a funcionar como língua dos documentos oficiais, ao mesmo tempo

Algumas palavras derivam de outras línguas, possivelmente de uma forma modificada (as palavras-fontes são chamadas étimos). Por meio de antigos textos e comparações com outras línguas, os etimologistas tentam reconstruir a história das palavras - quando eles entram em uma língua, quais as suas fontes, e como a suas formas e significados se modificaram. Enquanto que, o termo filologia segundo o dicionário Houaiss deriva do grego e define a filologia como “o estudo do desenvolvimento de uma língua ou de famílias de línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica baseada em documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nessas línguas”. Filologia, em um sentido lato, estuda uma língua, civilização, cultura ou a literatura em determinada posição histórica.

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

29

em que se promove a criação da Universidade em Lisboa, no ano de 1290

(CARDEIRA, 2006, p. 44-45).

Desde o século XII, até os nossos tempos, a língua portuguesa vem sendo

um grande veículo de comunicação impregnada de diversos interesses, conforme

as necessidades dos seus utentes; quer a nível pessoal, quer a nível

sociopolítico.

No século XV, a língua portuguesa começou sendo usada pela expansão

marítima portuguesa em busca de satisfações de interesses econômicos, políticos

e até culturais, em uma escala inter-regional e intercontinental.

Nessa odisséia expansionista, o uso da língua portuguesa foi evoluindo no

tempo e no espaço, servindo-se dela mercantilistas, religiosos, imperialistas,

colonialistas, nacionalistas, oficialistas, de vários povos, impregnando-a de várias

conotações. Foi nesse contexto da expansão marítima que a língua portuguesa

chegou ao reino do Ndongo e Matemba.

1.1.1. A chegada da língua portuguesa no reino de Ndongo e Matamba

No século XVI, a língua portuguesa esteve a serviço da expansão marítima

lusa, à mercê de interesses econômicos e políticos portugueses, pondo em

contato pessoas de diferentes continentes e culturas, pela presença, pela mímica,

pela palavra, pelo silêncio autorreflexivo, como um modo de palavra internalizada

e como uma marca de intuição, suposição ou de adivinhar e querer compreender

para poder comunicar com outro presente fisicamente, mas oculto pela diferença

de ser, de falar, e de estar.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

30

Foi naquele dia, três de maio de 1560, quando a língua portuguesa cruzou

e se confrontou com o kimbundu, uma língua totalmente diferente e

estranhamente diversa, - o português - saindo da boca de Paulo Dias de Novais,

e seus companheiros chocaram-se com o kimbundu, a língua de Ngola Kilwanji,

de seu povo e de seu reino em Ndongo e Matamba, com a intenção de

estabelecer a comunicação por meio dessas duas línguas diversas (português-

kimbundu) entrosando pessoas humanas de cores, culturas e regiões diferentes.

O contato dos expansionistas europeus com os povos encontrados em

outros continentes deu origem a muitos fenômenos linguísticos, como o

aparecimento de: língua franca, pidgins, crioulos4, diglossias, assimilação da

língua dos colonizadores, anulação da língua dos colonizados, formação de

bilinguismos ou até de multilinguismos (LEMES, 2013, p. 53-57).

A presença da língua portuguesa estava impregnada de muitos interesses

fastos e nefastos em relação ao reino do Ndongo e Matemba, as consequências

fizeram-se sentir com o fluir dos tempos, degenerando em uma diglossia.

1.1.2 A diglossia da língua portuguesa em relação ao kimbundu

A diglossia é um fenômeno que acontece nas áreas onde coexistem duas

línguas, e uma delas passa a gozar de um estatuto de superioridade hegemônico

4 Entre tantas exposições existentes para explicar os conceitos pidgins, crioulos, e diglossia

serviu-nos a exposição de Natália Bernabéu Morón que verba o seguinte: os pidgins são línguas de contato usadas por comunidades que falam duas ou mais línguas diferentes e que necessitam de uma forma de comunicação comum para satisfazer objetivos específicos. Os pidgins surgiram em contextos como o comércio entre populações distintas (como se verifica na bacia do Mediterrâneo) ou nas plantações surgidas na sequência dos processos de colonização. Um traço característico dos pidgins é o fato de não serem a língua materna de nenhuma das pessoas que as utiliza. Linguisticamente o crioulo é uma designação comum que se aplica a várias línguas resultantes do desenvolvimento de pidgins. Os crioulos geralmente surgem em ambientes coloniais. Língua franca é a língua que um grupo multilíngue forja para que todos consigam comunicar-se uns com os outros, é geralmente diferente de todas as línguas naturais faladas pelos membros do grupo (MORÓN, 2008, p. 42-45).

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

31

em relação à outra. Nessa perspectiva, Natalia Bernabéu Moron (2008) observa-

se que: “Em muitas colônias europeias da África viveu-se uma situação de

diglossia, a língua da potência colonial é a língua de prestígio, enquanto as

línguas nacionais são apenas usadas em contexto informal” (MORON, 2008,

p.43).

O português e o kimbundu como essência linguística, em si, são apenas

meios de comunicação dentro das sociedades humanas que as usam,

viabilizando as relações sociais mediante à verbalização de emissão e à recepção

de mensagens entre os seus utentes, em moldes bilaterais ou unilaterais

conforme as exigências das circunstâncias a que se adéquam no movimento e no

momento da comunicação.

A diglossia da língua portuguesa em relação ao kimbundu consistiu no

estatuto de superioridade e no exercício da hegemonia que o português passou

beneficiar em relação ao kimbundu. Esse estatuto de superioridade hegemônica

resume-se nas seguintes posições:

a) A posição letrada/grafada da língua portuguesa em relação à situação

ágrafo/rupestre da língua kimbundu de tradição oral.

b) O envolvimento da língua portuguesa em um estatuto de prestígio

associado aos avanços técnico-científicos que se viabilizavam por meio dela e,

isto, se ostentava na exposição mercantil dos pertences e haveres dos seus

utentes, causando e exigindo o reconhecimento do impacto de superioridade.

c) O português tornou-se um motivo de discriminação social, atribuindo um

estatuto de superioridade social a quem o falasse correntemente em demérito de

quem falava apenas o kimbundu.

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

32

d) O português como condição imposta pelas autoridades coloniais como

língua obrigatória para todos os atos públicos, excluindo a cidadania para quem

não falasse o português. A obrigação de se saber falar português era uma das

condições primárias (elementares) para se ter o direito de ser cidadão.

e) A obrigação de todo o ensino rudimentar, em germe, ser administrado só

na língua portuguesa, fazendo exceção às missões que podiam administrar com

restrição o ensino em sistema bilíngue, português–kimbundu, especificamente só

para fins catequéticos, mas sempre sob o olhar atento e o controle da polícia

colonial.

f) A hegemonia linguística do colonialismo imperialista português nos seus

critérios e exigências arrogantes de superioridade racial e de civilizador

inquestionável das supostas raças inferiores foi veiculada por meio da língua

portuguesa.

Um dos aspetos marcadamente hegemônicos do colonialismo imperialista

português é a aplicação do estatuto de assimilado5 em contraposicão ao estatudo

do indigenato.

5 O termo “Assimilado” foi formulado em 1895, por Arthur Girault, correspondia à crença de que a

nação francesa sempre fora capaz de aculturar outros povos e de que através dessa tradição ela até teria tal incumbência. Os assimilados podiam, por exemplo, adquirir propriedade e não eram obrigados pela autoridade a trabalhar em obras públicas. Porém, tinham que prestar o serviço militar e trabalhar para o serviço público, apresentar formação escolar em francês e português, comprovar bens e manter uma vida cristã. Diferente das colônias francesas, a quantidade de assimilados nas colônias portuguesas permaneceu mínima, Angola tinha a maior taxa com 0,77%.

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

33

1.1.3 A hegemonia da língua portuguesa e os estatutos de assimilado e

indigenato

Na Angola colonial, a língua portuguesa era uma condição que estabelecia

a fronteira entre os dois mundos: o da assimilação e o do indigenato.

A condição primária para se ser assimilada passava, necessariamente,

pela obrigação de se saber falar a língua portuguesa, e a condição primária para

se ser considerado indígena era a de não saber a língua portuguesa.

A política de assimilação foi uma tentativa da França e de Portugal

destruirem a tradição cultural de suas colônias africanas, através da

europeização, que consistia na formação de umas elites privilegiadas para servir

aos interesses dos colonizadores, contrastando com a larga maioria da população

exposta à exploração e apegada às suas tradições e à sua língua. Conforme

constata Afonso Van-dunem Mbinda (2008), na explanação que ele faz acerca da

assimilação em Angola, que consistiu em:

[...] ter idade superior a 18 anos, falar corretamente a língua portuguesa, exercer uma profissão arte ou ofício que garanta um rendimento capaz para a sua manutenção e a das pessoas a seu cargo, comprovando possuir os meios suficientes para este efeito, ter uma boa conduta e manifestar a ilustração e os novos hábitos pressupostos para a aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses. (MBINDA, 2008, p. 36).

Em termos linguísticos, no contexto da colonização portuguesa, no reino do

Ndongo e Matamba, o indígena é aquela pessoa que não sabe falar a língua

portuguesa e não se rege pelos critérios e hábitos sociais da colonização lusa.

O estatuto do indígena consistia em um conjunto de critérios de sujeições e

de obrigações aos deveres que os angolanos negros ou indígenas deviam

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

34

executar sob a orientação portuguesa. Esse estatuto e suas orientações estavam

expressos em vários diplomas legais.

O habitante da comunidade indígena era suscetível a todo tipo de

arbitrariedades coloniais: como ser preso, enviado como escravo para o Brasil ou

para outros pontos da América Latina ou ser submetido ao trabalho forçado,

segundo as necessidades das autoridades coloniais.

Os indígenas não tinham virtualmente nenhum direito civil, ou jurídico, nem

cidadania. Nisso, colonialmente, a sociedade estava estruturada em três classes

sociais: os indígenas, os assimilados e os brancos.

Para um indígena alcançar e obter o estatuto de "assimilado" e poder

usufruir de direitos a que estava vedado, era necessário saber falar o português,

ler e escrever, renunciar aos costumes tradicionais e viver à maneira portuguesa,

isto é, ser chamado “branco de cor negra”, como esclarece Afonso Van-dunen

Mbinda (2008) perscrutando o teor da legislação colonial, sobre os indígenas:

[...] consideram-se indígenas os indivíduos de cor negra ou seus descendentes, que tendo nascido ou vivendo habitualmente nelas, não possuam ainda a ilustração e os hábitos individuais e sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses. Consideram-se igualmente indígenas os indivíduos nascidos de pai e mãe indígena em local estranho àquelas províncias, para onde os pais se tenham temporariamente deslocado. (MBINDA, 2008, p. 35)

Noventa oito por cento da população negra nunca atingiram o estatuto de

cidadão na Angola colonial. O conhecimento da língua portuguesa era uma das

condições primárias e necessária para se ser cidadão. Nessa época, o uso

corrente da língua portuguesa estava restrito aos centros urbanos em construção

com uma presença considerável de brancos portugueses e as camadas mais

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

35

pobres das cercanias das cidades, os negros, falavam um português popular,

(português não padrão) que, por ironia, os brancos portugueses chamavam de

“pretuguês”.

1.1.4. O pretuguês

A palavra pretuguês deriva de dois termos; a sílaba inicial da palavra preto

“pre” e as duas últimas sílabas da palavra português “tuguês” originou a palavra

“pretuguês”. A palavra pretuguês é uma amálgama porque é constituida por uma

combinação reestruturada de formas de palavras truncadas.

Se, por um lado, o pretuguês é um termo pejorativo, usado pelos

portugueses para deplorar o português falado pelos negros sem nenhuma

instrução escolar, por outro lado, o pretuguês é a maneira funcional de usar o

português, baseado em substratos das regras gramaticais implícitas do kimbundu,

geralmente ditados pelo critério das necessidades comerciais ou pelo

constrangedor relacionamento com o aparato do funcionalismo da administração

colonial portuguesa.

Podemos entender melhor esse fenômeno com os posicionamentos de

Marcos Bagno (2015), em seu livro de sociolinguística:

[…] o que eu pretendo mostrar, no livro, é que tudo aquilo que é considerado erro no Português Não Padrão tem uma explicação científica, do ponto de vista linguístico ou outro: lógico, pragmático, psicológico. […] a gente ri de uma frase como “Cráudia fala ingrês e gosta de chicrete”, mas não ri de “A igreja de São Brás é perto da praia”, muito embora as palavras das duas frases tenham uma mesma explicação histórica. E por que a gente ri? Porque a segunda frase tem palavras que pertencem à língua literária, à língua escrita, à língua que se aprende na escola e é usada pelas pessoas importantes, ricas, poderosas, “bonitas”. Já a primeira frase, não. Ela tem palavras usadas por pessoas que,

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

36

como bem disse a Vera, sofrem com as injustiças sociais, nunca puderam ir à escola aprender a língua literária, escrita, dos “ricos”, e falam um português diferente do nosso. Mas, como estamos vendo, a língua delas não tem problema nenhum: é coerente, segue as tendências naturais do português e tem uma lógica histórica. — O problema dessas pessoas, então — conclui Sílvia —, não é linguístico, é social? — Exatamente — confirma Irene. — “E enquanto não for resolvido, continuará a ser um problema sem a menor graça...” (BAGNO, 2015, p. 34-47).

O pretuguês requeria muita intuição ao falante de língua materna kimbundu

para se fazer entender, cumprindo, assim, as ordens emanadas e determinadas

pelas autoridades coloniais de se falar, apenas, a língua portuguesa nos centros

onde morassem portugueses. Nessa perspectiva, Márcio Rogério de Oliveira

Cano e Dieli Vesaro Palma (2012) escreveram o seguinte:

Nesse caso, marcas do uso linguístico têm relação com as classes sociais (nível de escolaridade, por exemplo), os grupos sociais (de profissões, por exemplo). Por isso, dizemos que as variações têm diferentes matizes que se sobrepõem [...]. No entanto, é necessário muita atenção [...] tendo em vista que o indivíduo não pode ficar estigmatizado por usar uma variedade x ou y e ser chamado de “burro” ou de pessoa com pouco estudo. É necessário aprender essa variedade em uma perspectiva de uso. Dependendo dos traços da pessoa ou da comunidade com qual irá interagir, [...] terá de ficar atenta ao vocabulário, linguagem mais coloquial ou mais formal etc. Lembremos que esse tipo de estudo deve sempre ser marcado pelo desenvolvimento da competência discursiva e do uso da língua e nunca para reconhecer traços estereotípicos negativos. (CANO; PALMA, 2012, p.88-89).

Com a intenção de evitar os castigos e punições corporais como

consequência do não cumprimento da proibição de falar kimbundu em atos

oficiais, o povo servia-se de um português forjado ao jeito das suas suposições

individuais, não era algo comum como acontece com os crioulos, era algo

espontâneo e variável de pessoa para pessoa, segundo as várias circunstâncias

de cada momento.

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

37

O pretuguês era usado para satisfazer o desiderato dos portugueses,

pretendendo, que toda a gente que se lhes dirigisse a palavra deveria expressar-

se em português, quanto mais se assemelhasse aos moldes da fruição do

português europeu ou os reproduzisse, maior era a consideração com que se

agraciava ao negro, que assim procedia, com o intuito de estimular os outros a

fazê-lo, também.

A expansão e o incremento do uso da língua portuguesa, em Angola, na

última metade do século XX, devem-se ao alastramento do ensino primário até às

zonas rurais.

Igualmente, o incremento da língua portuguesa aconteceu, essencialmente,

com o aumento do número de colonos portugueses, tanto de homens como de

mulheres, espalhando-se com sua coragem de penetrar um pouco para as zonas

recônditas do interior e por todos os lados das áreas urbanas e rurais de Angola.

Simultaneamente passou a vigorar o bilinguismo ou até mesmo multilinguismo,

porque muitos angolanos já dominavam mais de uma língua bantu e fez-se o

acréscimo de mais uma língua com o aparecimento do português.

Não obstante a imposição da língua portuguesa pela potência

colonizadora, a população, sem abandonar o kimbundu, começou a usar,

também, o português.

O kimbundu continuou como a língua do povo coexistindo com o português

ao mesmo tempo, no mesmo espaço geográfico e com os mesmos utentes,

forjando um cenário de bilingismo português – kimbundu.

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

38

1.1.5. Um cenário de bilinguismo português - kimbundu

Entendemos aqui por bilinguismo a coexistência de dois sistemas

linguísticos diferentes que os falantes de uma determinada região usam como

veículos de comunicação alternada dentro de uma sociedade, dependendo das

circunstâncias, com igual fluência ou com maior proeminência para uma das

línguas, assim, como bem o clarificou Natália Bernabéu Morón (2008) na sua

explanação gramatical:

O termo bilinguismo pode referir-se a duas situações distintas: aplicado a casos individuais, refere-se à situação de falantes que possuem duas línguas maternas; aplicado aos Estados designa a situação em que coexistem duas (ou mais línguas); é nesta última acepção que o termo é usado. Em alguns Estados como na Suíça, existem várias línguas, cada uma delas ocupando uma área geográfica diferente […]. Por outro lado, existem casos como a Bélgica onde, na área de Bruxelas, se fala francês e flamengo, ou como na Espanha onde o castelhano coexiste com o galego na Galiza com o basco no País Basco e com o catalão na Catalunha. Apenas nestes últimos casos se fala de bilinguismo. Ou seja, existe bilinguismo ou multilinguismo nas áreas geográficas onde se fala mais de uma língua (MORÓN, 2008, p. 42)

O bilinguismo português - kimbundu é uma dimensão que vai perfazendo o

seu percurso histórico desde 1485, envolvendo europeus e africanos, transpondo

diversas etapas e maneiras de convivência entre contundências de colonizadores

e colonizados, ditando e revestindo-se de aspectos hegemônicos a favor das

classes dominadoras, como veículo de passagem de ideologias para assegurar o

poder e manter a legitimação das classes sociais. O escritor Oliveira Marques

(2001) nos faz entender isso melhor, quando escreveu que:

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

39

A utilização da língua portuguesa pela minoria social de ascendência luso-africana não impediu que essa elite angolense praticasse o bilinguismo nas suas relações sociais. Porém, em ambiente familiar, o português não era prática generalizada, nem sequer em Luanda. (MARQUES, 2001, p. 415).

O cenário da sua existência do bilinguismo português - kimbundu pode ser

analisado sob o prisma de vários seguimentos, prendendo-se com as intenções,

práticas seculares, atuações de seus autores e atores e as consequências que

dimanam das mesmas realizações. Para uma melhor compreensão, podemos

enquadrar o bilinguismo em seguimentos, escalonando-os da maneira como

segue:

1.1.5.1. O bilinguismo mercantil

O bilinguismo mercantil é um mecanismo que subsistiu na acomodação

constrangedora, que corresponde à época em que o português chegou a Angola

como mera língua mercantilista a serviço da expansão e exploração marítima

portuguesa.

Essa época é singularizada pela fase emergencial, caracterizada pela

urgência de se instaurar um entendimento bilateral entre falantes de português e

os de kimbundu para garantir não só as trocas comerciais (objetos e “víveres”),

mas também eventuais negociações políticas, nesse sentido Carlos Alberto

Faraco (2016) frisou o seguinte:

Uma alternativa bastante produtiva para enfrentar a questão linguística foi lançar mão das línguas, ou seja, falantes de português que sabiam línguas ou aloglotas que aprendiam o português – pessoas que, por seu saber linguístico, podiam dar suporte a eventos de comunicação em contextos bilíngues ou multilíngues, servindo como intérpretes nos contatos entre

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

40

portugueses e os habitantes das diferentes regiões a que chegavam os navegadores ou que eram por eles ocupadas [...]. Diversas foram as origens das línguas. Alguns (os primeiros, no século XV) eram moradores de Portugal que, por qualquer motivo, conheciam outra(s) língua(s), em especial o árabe. Outros eram nativos das regiões alcançadas pelos navegadores, eram capturados e levados a Portugal para aprenderem o português. (FARACO, 2016, p. 63)

O contato secular e permanente que Portugal sempre teve com o Norte da

África facilitou a seleção de algumas pessoas com algum conhecimento das

línguas africanas (árabe, línguas nilo-saarianas e bantu) e do ambiente africano.

Esses conhecedores teriam percorrido a África por meio de camelos

através de rotas paralelas às trajetórias fluviais do Nilo, do Níger, do Kongo e do

Zambeze, os rios mais longos da África. Eles praticavam um comércio esporádico

em pequena escala e de um impacto diminuto, mas permeando trocas de falares

e mútuo entendimento de várias denominações linguísticas, geralmente a base de

formação de pidgins era de nível oral. Para Carlos Alberto Faraco (2016), a

comunicação realizou-se de vários modos, afirmando que:

Paralelamente aos esforços deliberados para garantir a comunicação por meio de intérpretes, houve dinâmicas linguísticas espontâneas que escaparam a qualquer planejamento ou ordenamento. A urgência do mútuo entendimento em contextos multilíngues criou as condições para o surgimento, na costa africana, de um pidgin [...]. Os pidgins constituem uma solução pragmática que permite um nível restrito de comunicação, em eventos esporádicos, entre falantes de línguas diferentes e mutuamente incompreensíveis. (FARACO, 2016, p. 68)

Com a chegada dos expansionistas, os kimbundu sem abandonarem a sua

língua materna eram constrangidos a aprender a falar algum português para

facilitar as relações comerciais, dando-lhes acesso aos mercados de

comerciantes portugueses, isto é, para comprar produtos europeus e vender os

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

41

produtos locais provenientes da agricultura, da mineração, do artesanato: o

marfim, as peles, a borracha e até alguns utensílios de cerâmica local.

As pessoas aprendiam a falar o português conforme ouviam e captavam

dos portugueses, porque não havia um ensino formal que pautasse a

aprendizagem da língua portuguesa. O português era uma língua estranha e

diferente, e foi sendo concebido e falado com o suporte da lógica da gramática

implícita ou reflexiva do kimbundu, surgindo o português não padrão, ou popular,

com um substrato da gramática do kimbundu, no qual os empréstimos e

neologismos linguísticos entre kimbundu e português eram muito acentuados.

Alguns comerciantes portugueses, em número muito exíguo, aprenderam o

kimbundu para granjear simpatia entre a população local e obter maiores

vantagens comerciais, passando a falar simultaneamente o português e um

kimbundu aportuguesado.

1.1.5.2. O bilinguismo e a política colonial

Como se costuma dizer, “um império uma língua”, as autoridade coloniais

em Angola, já em uma segunda fase, tinham em mira a imposição do português

como língua do império e, assim, abolir as línguas africanas, mas o escasso

número de falantes do português em relação ao maior número dos utentes das

línguas bantu, em Angola, impediu a execução do projeto colonial sobre a

glotofagia do kimbundu e das outras línguas angolanas, como bem o salientou

Joaquim d`Almeida da Cunha, expressando-se assim:

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

42

Pensam muitos que as línguas d`África devem desaparecer. A experiência de uma dominação de quase quatrocentos anos protesta contra semelhante asserção. Nas nossas colônias do continente africano ainda não conseguimos fazer desaparecer uma língua, e onde mais pudemos inculcar a portuguesa, criamos entre o povo um creolo mais difícil de estudar e de entender. Enquanto não compreendermos bem os povos africanos, nem podemos exercer domínio eficaz, nem dar-lhes ensino profícuo, e muito menos substituir a deles pela nossa língua (CHATELAIN, 1888-89, p. IX).

Uma vez, falhado o plano da glotofagia, foi tolerada pela política colonial a

coabitação simultânea do kimbundu e do português no sistema de comunicação,

fortalecendo o bilinguismo na região.

Porém, para a difusão do português em demérito do kimbundu, algumas

medidas foram tomadas, tais como:

a) O poder colonial anulou os poderes das autoridades locais sobre os

seus territórios, forçou-os a submeterem-se e prestar-lhes colaboração,

obrigando-os a usarem o português no relacionamento com as autoridades

coloniais, traduzirem ordens do português para o kimbundu e convencerem as

suas populações a falarem o português como um favor e um meio necessário

para serem civilizadas.

b) Às autoridades locais não lhes eram concedidos direitos políticos, a não

ser no quadro da respectiva vida tribal, regendo os seus usos e costumes

tradicionais, e as comunidades locais passaram a ser chamadas de comunidades

indígenas, contrastando com as comunidades civilizadas ou cidades em

construção onde se devia falar apenas o português.

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

43

1.1.5.3. O bilinguismo antroponímico

Entende-se por bilinguisno antroponímico o uso de um nome em português

(António) e o cognome em kimbundu (Nzumbi), ficando o nome formado por

“António Nzumbi”. Com isso, intentou-se a ação do colonialismo cultural com a

obrigação do uso de antropônimos em português como condição para adquirir

qualquer documento de identidade e como uma das condições primárias para a

obtenção de cidadania ou de legalização de qualquer propriedade.

As pessoas passaram a usar os nomes portugueses só para questões

documentais e os nomes kimbundu para manter o vínculo com a própria tradição.

Assim, começou a perfilação de nomes de origem portuguesa e kimbundu;

(António Kahwesa), (Maria Júlia Divwa), (Marta Mayamba Nzumbi). A igreja

também, para o batismo, exigia nomes cristãos, que praticamente coincidiam com

os nomes portugueses, nesse aspecto Luís da Camara Cascudo (1983) escreveu

assim:

O nome individualizando a coisa, deu-lhe personalidade, substância, destino. Destacando-a da espécie, criou-lhe uma fisionomia, estabelecendo uma força mágica, inseparável e perpétua nos dois elementos indestrutíveis: nome e massa nominada [...]. O nome é a essência da coisa, da entidade denominada. Sua exclusão extingue o que se denominou. No plano utilitário as coisas existem pelo nome. (CASCUDO, 1983, p. 626-627).

1.1.5.4. O bilinguismo toponímico

Designa-se por bilinguisno toponímico o uso de um nome kimbundu e outro

em português para se denominar uma determinada localidade ou região

geográfica.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

44

Foram elaboradas pelo sistema colonial cartografias suprimindo os

topônimos em kimbundu ou em outras línguas bantu com a obrigação de designá-

los por nomes portugueses; (Mbanza kongo – São Salvador), (Kalandula - Duque

de Bragança), (Ndalatandu – Vila Salazar), (Sumbe – Novo Redondo),

(Wakokungo – Santa Comba Dão), (Bié – Silva Porto), (Uíji – Carmona), (Huambo

– Nova Lisboa), (Namibe – Moçamedês). Os mesmos locais passaram a ter dois

nomes.

Para evitar repressões e punições de várias ordens ou castigos corporais,

a população foi fazendo o uso dos dois nomes conforme as circunstâncias o

exigiam, quando se falasse com gente local usavam os nomes kimbundu para

conservar a tradição e quando se falasse com os colonos portugueses usavam os

nomes dados por eles, para se abrilhantar a colonização e evitar punições, assim,

se viveu no bilinguismo toponímico.

1.1.5.5. O bilinguismo religioso

Por bilinguismo religioso entende-se o uso de duas línguas (português-

kimbundu) para a realização de um mesmo ato religioso. Enquadrada nesta

perspectiva a atividade desempenhada pelos missionários preocupados em

aprender o kimbundu e editar catecismos de português – kimbundu e kimbundu -

português e, posteriormente, fazer a tradução da sagrada escritura das línguas

latina ou das neolatinas para o kimbundu com o fim de anunciar a mensagem

cristã ao povo nas línguas (português-kimbundu), nesse sentido Maria Carlota

Rosa (2013) afirmou que:

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

45

A companhia de Jesus afirmou sua atuação nessa área e tomou como “próprio do instituto da” Companhia de IESU ajudar o próximo, e decorrer por várias partes do mundo trazendo as almas ao verdadeiro conhecimento de seu criador, e para isto se tenha meios necessário para saber a língua daqueles com que tratamos [...]”. Uma consequência imediata dessa política afetou a atitude em relação a essas línguas recém-conhecidas dos europeus, qualificadas por sua estranheza e exotismo na adjetivação como estranhas, bárbaras, peregrinas. Aprender “lenguas barbaras y peregrinas” era central para “semblar la fé em las regiones de los infieles”. O tratar de suas almas retirava do estudo dessas línguas o estigma de tempo perdido e ocupação escusada. Não seria estudo indigno dos anos o aprender de novas línguas bárbaras, quando são necessárias para a conversão das almas. (ROSA, 2013, p. 50-51)

Para atingir o desiderato da evangelização, usando línguas locais das

regiões em vias de evangelização, primou-se pelo estudo das estruturas

morfológicas que as constituem e as regras implícitas e reflexivas que asseguram

o seu funcionamento, desembocando, assim, no processo da gramatização.

O exercício da gramatização das línguas extra europeias fez-se por

métodos comparativos e estruturando essas línguas em moldes da tração

gramatical greco-latina e dos contornos dos vernáculos europeus nascentes e

existentes à época.

A gramatização do kimbundu surgiu e realizou-se no cenário do bilinguismo

português-kimbundu, compreendendo vários objetivos, mas o primário foi o de ser

um meio imprescindível para a evangelização.

A origem e a geolinguística do kimbundu foram estudas como parte

integrante para transferências de duas tecnologias: a gramática e o dicionário que

são os pilares do saber metalinguístico. Para isso, o tema a seguir faz um

levantamento acerca da origem e da geolinguística do kimbundu.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

46

1. 2. Origens e geolinguística do kimbundu

O tema da origem e geolinguística do kimbundu têm como objetivo

apresentar e enquadrar o aparecimento, o percurso histórico e a geolinguística do

kimbundu até aos nossos dias.

1.2.1. Origens do kimbundu

O kimbundu é uma das línguas angolanas, pertencente ao grupo das

línguas bantu, isto é, um dos subgrupos que constituem a família linguística

nigero-kongolesa, ou kardofanina. Essa família linguística Nigero-kongolesa, ou

kardofanina é um grupo das línguas bantu que derivam do proto-bantu, que é um

proto-idioma ao qual se deve por esfacelamento e abrangência a expansão

linguística bantu.

As línguas bantu caracterizam-se por concatenações lexicais,

essencialmente prefixadas para determinarem as suas categorias gramaticais.

Essas características as identificam e as distinguem de outras famílias

linguísticas existentes no continente africano.

Na África, a origem das línguas, (de modo geral), perfila-se em quatro

grandes grupos: nilo-chariano/saariano, camito-semíticas, nígero-congolês/

kardofanina e o khoisan.

A palavra “bantu” deriva do prefixo plural (ba) e da palavra (mutu) que

significa pessoa, portanto, bantu significa pessoas. O plural das palavras em

kimbundu e nas outras línguas bantu é formado por prefixação. Essa estrutura

linguística elementar é subjacente a todas as línguas que constituem essa família,

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

47

segundo os estudos comparativos e a classificação realizada na África do Sul, em

1826, pelo linguista Wilhem Bleek (MUDIAMBO, 2014, p. 35-37).

Segundo a taxonomia tradicional das línguas africanas, alicerçadas no

modo como se formam as palavras e estabelecem as relações gramaticais na

oração, o kimbundu é uma língua analítica e aglutinante. Analítica porque utiliza

elementos morfológicos livres, como conectores de palavras e de frases,

determinantes para expressar as relações gramaticais. Aglutinante porque as

relações gramaticais se estabelecem, também, mediante a junção de afixos aos

radicais, raízes (GONZALEZ, 2008, p. 52-53).

O termo kimbundu, em si, é uma palavra polissêmica, em sentido lato

designa um grupo etnolinguístico de Angola que compreendia o reino de Ndongo

e Matamba. Em sentido restrito designa a língua “kimbundu”.

O kimbundu era a língua usada no reino de Ndongo e Matamba, que tinha

a capital em Mbanza Kabassa, e estava localizada aproximadamente onde se

encontra situada hoje a cidade Ndondo na província (estado) de Kwanza Norte,

ocupando as duas margens do rio Kwanza e, este era uma via fluvial de grande

importância para a ligação com Luanda que era uma localidade marítima para

pescas e fornecimento de sal.

Geralmente, alguns estudiosos usam a palavra “Ambundu/Ambundos” para

designar o grupo etnolinguístico kimbundu e língua bunda para designar o

kimbundu como se pode observar no mapa etnográfico que René Pélissier (2013,

p. 337):

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

48

Quadro 1 - mapa etnolinguístico de René Pélissier

Fonte: René Pélissier (2013, p. 337).

O termo “Ambundos/ambundu” deriva da palavra “Mbundu”, que na língua

kimbundu significa simplesmente pessoa negra. Prefixando o gramema “A” à

palavra “Mbundu” forma-se o plural da palavra “Ambundu”, o que significa apenas

pessoas negras, nessas designações o gramático Heli Chatelain (1888-89, p. XI)

esclareceu o seguinte:

Na literatura portuguesa e estrangeira esta língua era conhecida até hoje sob o nome de “língua bunda” ao passo que entre os brancos de Angola é mais conhecida como “ambundo” Scientificamente, porém, nem uma outra destas denominações é admitida: a primeira por ser quase um termo obsceno na língua que se pretende designar, a segunda porque significa “os pretos” e não a sua linguagem, ambas por não serem usadas pelos indígenas que falam a língua em questão, “kimbundu”, pelo contrário, é o termo vernáculo. (CHATELAIN,1888-89, p. XI)

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

49

Nesta pesquisa, usa-se o termo “kimbundu”, tendo em conta a dimensão

polissêmica que o termo “kimbundu” envolve, designando o grupo etnolinguístico

e a língua que o mesmo grupo usa. A distinção da dimensão binária que o termo

“kimbundu” envolve (kimbundu como grupo etnolinguístico e kimbundu como

língua) faz-se pelo contexto em que se encontra aplicado o termo “kimbundu”,

como acontece com o termo “português”, que tanto pode designar a língua

portuguesa, ou ser tomado como um adjetivo gentílico.

Para fundamentar-se acerca do uso do termo “kimbundu”, fez-se recurso à

tradição oral, em três localidades onde se fala o kimbundu (Ndalatando, Samba-

kaju e Malanje), sobre a identidade nominal do grupo étnico a que pertencem,

foram unânimes em afirmar que são kimbundu e não ambundu.

O gramático Heli Chatelain (1888-89, p. XI) referindo-se ao prefixo “ki”, que

antecede a palavra kimbundu, classifica-o como um prefixo idiomático ou

linguístico, porque precede as palavras “mbundu – preto” com prefixação

aglutinante de “ki +mbundu = a palavra torna-se “kimbundu”, isto é, a língua dos

pretos. O mesmo sucede para a palavra “kongo – região do kongo” com

prefixação aglutinante de “ki +kongo = torna-se kikongo” língua do reino do kongo.

O prefixo “ki” em kimbundu não pode ser tomado simplesmente como um

prefixo idiomático/linguístico, os dois casos citados formam uma das ocorrências

das asserções. Não se pode generalizar o fato para outras línguas, onde isso

ocorre, em cada língua, precisa-se de uma análise pontual e específica.

O prefixo “ki” em kimbundu também não deve ser confundido com a

formação aglutinada do grau aumentativo sintético, como sucede nas palavras:

“ditadi - Pedra /kiditadi – Pedrona”; “dyala – homem / kidyala – homenzarrão”;

“muhatu – mulher /kimuhatu –mulherona”.

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

50

O prefixo “ki” em kimbundu, outossim, entra na categoria das palavras

primitivas do kimbundu que começam em “ki” como é caso das palavras: “kitadi –

dinheiro”; “kinama – perna”; “kitanda – praça”; “kituminu – mandamento”.

O prefixo “ki” em kimbundu é polissêmico e requer uma análise acurada

conforme o contexto em que se encontra.

1.2.2. Geolinguística do kimbundu

O kimbundu é a única língua do reino Ndongo e Matamba que

geograficamente povoava as margens do Rio Kwanza desde o Oceano Atlântico

até a baixa de Kassanje e compreendiam as extensões do percurso de todo o rio

Lucala.

O kimbundu estabelece os limites com os seguintes grupos

etnolinguísticos: a Norte com o kikongo, a Oeste com o tchokwe lunda, a Sul com

o ngangela e o umbundu. Esses grupos etnolinguísticos podem ser localizados no

mapa que aqui apresentamos. Este mapa apresentado, geralmente, reúne

consenso entre utentes e estudiosos das línguas nacionais de Angola, tendo em

consideração os vários mapas que são apresentados e, muitas vezes, não

coincidem com a real configuração etnolinguística de Angola devido às várias

mudanças de nomeclaturas em várias fases históricas de Angola.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

51

Quadro 2 – Mapa de localização de línguas e grupos etnolinguísticos de Angola

Fonte: René Pélissier (2013, p. 337).

A língua kimbundu no reino de Ndongo e Matamba servia de veículo de

comunicação e de identidade grupal, porque pelo falar se distinguia o utente

dessa língua dos outros utentes de grupos etnolinguísticos diferentes. Os reinos

estabeleciam as suas fronteiras com base nas línguas faladas. A cada reino

correspondia uma língua, um rei e um território, identificados por traços de hábitos

comuns e procederes coletivos que se ramificavam no ser e no estar absorvidos

e externados por cada membro do grupo no seu agir singular. Esses procederes

distinguiam e caracterizavam a cultura de cada grupo etnolinguístico na sua

especificidade.

Sob a égide de um rei que tinha o título Ngola, o grupo etnolinguístico

kimbundu era governado centralmente e repartia-se em vários subgrupos ou

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

52

regiões que são: Dembos, Njinga, Ngola, Kibala, kissama e Songo. Esses

subgrupos ou regiões de kimbundu apresentam variantes linguísticas

consideráveis entre os seus utentes com isoglossas e isófonas, nesse âmbito

Natalia Bernabéu Morón (2008) esclareceu que: “Chama-se isófona à linha que,

num mapa dialectal, marca a fronteira que delimita uma região com

características fonéticas particulares e isoglossa à linha que marca os limites da

zona de ocorrência de uma palavra” (MORÓN, 2008, p. 37).

Apesar da desagregação do reino do Ndongo e Matamba, anulado pelo

sistema colonial e a organização da atual República de Angola, os subgrupos

etnolinguísticos kimbundu existem até hoje, podendo ser localizados no mapa que

se segue:

Quadro 3 – Geolinguística dos subgrupos do kimbundu

Fonte: René Pélissier (2013, p. 337).

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

53

No reino de Ndongo e Matamba, a sucessão ao poder era por direito

“mater– linear” ou materno. Ao rei sucedia o filho ou a filha mais velha da primeira

irmã do rei. Esse procedimento estendia-se até aos administradores que exerciam

o poder local nas regiões que faziam parte do reino. No Ndongo e Matamba, o

poder poderia ser exercido, também, por mulheres, o que é quase uma exceção

naquele tempo em terras africanas. Quando morreu o rei Ngola Kilwanji, sua irmã

Nzinga Mbandi sucedeu-lhe ao trono real, tornando-se Rainha do Ndongo.

As autoridades e seus familiares andavam livremente sem guardas, porque

o poder era exercido como um serviço à comunidade. A comunidade devia

respeito e submissão às autoridades sem pressão policial ou coerção de força.

As pessoas sentiam-se de tal modo integradas na comunidade e a

obediência ao poder legislativo era sagrada, e salvaguardava os interesses de

todos os membros da comunidade.

As autoridades não ostentavam opulência que contrastava com a vida do

cidadão comum, a convivência entre o poder e o cidadão era algo imediato, mas,

sempre na base ao respeito pela autoridade.

O rei era assistido por um colégio de anciãos. Todo o cidadão gozava de

liberdade, e cabia-lhe uma parcela de terra para prover o seu sustento. À

agricultura, a pesca, o artesanato, a fundição de metais e a olaria eram as

principais atividades. O reino não tinha prisões para deter os criminosos, cada

crime cabia ao chefe da comunidade e a seu conselho aplicarem a sentença,

conforme a gravidade do crime. A pessoa que incorria em crimes graves infringia-

lhe a pena máxima de reparação do dano, e quem se encontrava nesta condição

é que era considerado o escravo.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

54

Uma escravatura comercial não existia nos hábitos do Ndongo e de

Matamba, trouxeram-na os portugueses e a fomentaram fortemente. Pressioram

as autoridade locais a praticá-la para satisfazerem os seus interesses.

Na segunda metade do século XVI, no dia 3 de maio de 1560, deu-se a

chegada oficial da língua portuguesa no reino do Ndongo e de Matamba, foi o

germe de um bilinguismo secular de português-kimbundu que se grassa até aos

nossos dias como herança histórica linguística.

Neste contexto, o bilinguismo português-kimbundu por uma questão

referencial pode ser pautado em três fases.

A primeira fase é a emergencial, sedimentada na urgência de instaurar um

entendimento bilateral entre falantes de português e os falantes de kimbundu para

garantir não só as trocas comerciais (objetos e “víveres”), mas também eventuais

negociações políticas (FARACO, 2016, p. 63).

A segunda fase do bilinguismo português-kimbundu aconteceu e foi

marcada pela anulação dos poderes locais, pela imposição do sistema colonial e

pelo comércio criminoso de escravos, com isto, houve o aparecimento de colonos

estabelecidos em regiões conquistadas que aprendiam algum kimbundu em

contato com as populações autóctones e o surgimento dos mestiços nascido do

cruzamento entre portugueses e mulheres kimbundu, estas aprendiam as duas

línguas, fez-se sentir a presença de nativos da terra que aprendiam o português

no próprio território colonizado.

A terceira fase do bilinguismo português-kimbundu consistiu na

consolidação da língua portuguesa entre as massas populares das cercanias das

cidades nascentes e das comunidades locais do interior, usando o português

como segunda língua e até para alguns como primeira língua.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

55

Foi nessa fase que se deu ênfase à reformulação dos antropônimos,

topônimos e a transformação do poder local do reino do Ndongo e Matamba para

uma formatação da sociedade, segundo os arquétipos das necessidades coloniais

e imperiais de Portugal.

Em questões linguísticas, o kimbundu continuou sendo falado de maneira

explosiva pela população e o português manteve-se também como língua

segunda para os falantes de kimbundu.

A miscigenação de portugueses com as mulheres africanas gerou uma

prole de mestiços que era educada por suas mães em kimbundu. Esse processo

resultou no uso generalizado do kimbundu em Luanda nos séculos XVII e XVIII.

A elite que foi forjada neste ambiente luso-africano, ocupando o aparelho

administrativo, permitiu que o kimbundu circulasse simultaneamente ao lado do

português que se afirmava como uma língua franca entre as autoridades,

funcionários e comerciantes, gerando um ambiente bilíngue em Luanda, nessa

questão Oliveira Marques (2001) sustentou o seguinte:

Apesar de um século atrás, Sousa Coutinho ter proibido aos moradores, criarem seus filhos na “língua ambunda” como era corrente nos fins do século XVIII. Na realidade, não é difícil reconhecer a preferência das mães e amas negras pela língua kimbundu no seio das famílias luandenses. (MARQUES, 2001, p. 416).

O decreto de 1765, de Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, que

governou Angola desde 1764 até 1772, (NGANGA, 2008, p. 12), desencorajava

veementemente o uso de línguas africanas na educação das crianças, e nas

relações sociais, particularmente, em postos com a presença de portugueses.

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

56

Coutinho primou por uma inviabilização da africanização cultural e

linguística que brotava em cada momento, com a proibição do uso do kimbundu

na educação das crianças e funções públicas.

Nos mesmos parâmetros, José Mendes Ribeiro Norton de Matos,

governador de Angola, no seu segundo mandato, que aconteceu desde 1921 até

1923, uma das primeiras medidas que tomou para alargamento e enraizamento

da língua portuguesa foi a aplicação do decreto nº 77 que proibia,

terminantemente, o ensino de línguas angolanas nas escolas. Este Alto-

comissário de Angola, fazendo uso desse decreto (77) de 1921, proíbe inclusive a

utilização de línguas africanas em escolas missionárias, onde o uso se tentava

generalizar por questões pastorais, mormente nas escolas protestantes (que

recusavam pô-las de lado), foram encerradas no norte de Angola, (COSTA, 2006,

p. 44-45). Não obstante as proibições do kimbundu em ambientes acadêmicos

votaram essa língua a desprezos com termos pejorativos com o intuito de

desencorajar o uso e sua aprendizagem, como bem o frisou Oliveira Marques

(2001) quando escreve: “[…] os portugueses […] pouco se importando com ele

[…] chegam a chamar ao kimbundu (língua de cão ou de macaco) e afirmam que

estudá-lo é uma aberração do espírito [...]” (MARQUES, 2001, p. 435).

Como se vem observando, vários foram os obstáculos encontrados na

convivência babélica entre as línguas portuguesa e kimbundu, assim como

também aconteceu com as outras línguas de Angola em relação ao português.

A formação do português nasce da hegemonia da língua latina sobre as

línguas dos povos ibéricos submetidos à colonização romana.

Mas a forma inversa aconteceu quando a violência das invasões

germânicas foi, aos poucos, decrescendo, os bárbaros invasores passaram a

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

57

romanizar-se: adotaram a cultura dos povos vencidos que lhes era superior,

cristianizaram-se e assimilaram o latim vulgar, contribuíram, também, para

acelerar a evolução da língua.

Na expansão portuguesa, se por um lado, se fez ressoar a língua

portuguesa na África, América Latina e na Ásia, por outro lado, favoreceu o

surgimento de pidgins e de várias línguas crioulas africanas e asiáticas à base do

português.

Na América Latina, deu-se a transformação de línguas indígenas

americanas em línguas coloniais, as chamadas línguas gerais, por fim, deu-se a

consolidação, no Brasil, de uma inteira comunidade extraeuropeia em que a

língua portuguesa se consolidou hegemonicamente como língua primeira no

decorrer do século XIX (FARACO, 2016, p. 62-63).

Contrariamente ao aconteceu na Europa e na América Latina, em Angola,

a colonização portuguesa não conseguiu suplantar o kimbundu e outras línguas

locais, apesar de tantos planos de glotofagia em demérito das línguas nacionais

de Angola. As línguas africanas em Angola permanecem vivas e sobreviveram a

todas as tentativas de glotofagia, favorecendo apenas a coexistência de um

bilinguismo e multilinguismo seculares.

A convivência bilíngue português - kimbundu já está no sexto século, essas

línguas exercem influências profundas nos utentes das regiões onde elas

coabitam paralelamente, preenchem o cenário da comunicação com motivações,

estruturações e reestruturações histórico-linguísticas muito profundas, perfazendo

a identidade peculiar na cosmolinguística dessas comunidades, e já não é mais

algo acidental.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

58

No mundo etnolinguístico angolano, o kimbundu é a segunda língua

nacional mais falada - por cerca da quarta parte da população. Era uma língua

com grande relevância; por ser a língua da capital de Angola, Luanda, grande

cento de movimentações de pessoas e mercadorias, também, é essa língua que

deu e recebeu muitos vocábulos do português.

O bilinguismo português-kimbundu é fenômeno secular que requer

aprofundamentos gramaticais e históricos para conhecer e compreender melhor o

seu funcionamento, é isso que será tratado no capítulo a seguir.

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

59

CAPÍTULO 2 A TRADIÇÃO GRAMATICAL

Este capítulo apresenta o percurso da formação evolutiva da gramática,

começando pela Índia, passando pelas estratificadas reformulações dos gregos, e

as revigoradas resseções adaptativas dos romanos, estendendo-se até aos

vernáculos europeus. Esse processo sedimentou e selou os arquétipos

normativos para as formulações e as elaborações das gramáticas e das

gramatizações em potência.

2.1. Percurso histórico da gramática

O percurso histórico da gramática apresenta o intinerário percorrido pelas

elaborações, estruturações, restruturações, recessões e adaptações gramaticais

desde as formulações mais elementares até as mais complexas como as que

conhecemos hoje.

“γραμματική”, (grammatiké), é o termo grego que passou para o português

com a designação de gramática. A gramática, em sentido lato, designa as

diversas dimensões que se prestam viáveis para fazer-se o estudo de uma língua

nas suas mais variadas formas suscetíveis de serem analisadas, estruturadas e

pautadas em regras normativas ou em princípios funcionais.

As primeiras descrições linguísticas conhecidas foram produzidas em obras

de gramáticos hindus, no primeiro milênio a. C., na Índia antiga. O sânscrito

(palavra que significa perfeito) era considerado como uma língua mágica e

sagrada e, por essa razão, não podia sofrer nenhuma alteração de pronúncia ao

ser usada nos ritos religiosos. É, pois, em consequência dessa preocupação

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

60

religiosa que as descrições minuciosas do sânscrito vão surgir e ancorar as

estruturas elementares da gramática.

Os preliminares das primeiras gramáticas explícitas e sistemáticas

apareceram na idade de ferro na Índia, nos trabalhos de Yaska (século VI a. C.),

Pánini (IV a. C.) e seus comentadores Pingala (século III a. C.), Katayayana e

Patandjáli (século II a. C). O mais conhecido entre estes gramáticos hindus é

Panini, que viveu no século V ou IV a. C.

A descrição dos sons, a representação das sílabas por diferentes

caracteres, conforme as consoantes e as vogais que as constituem, as regras ou

definições com que o autor explica a construção das frases ou nomes compostos

mostram um conhecimento aprofundado do funcionamento do sânscrito.

Essa preocupação com a preservação da pureza da língua, ou seja, evitar

as consequências da mudança linguística – perfaz a atitude constante que

caracteriza a gramática de Panini e dos restantes gramáticos hindus – vai sendo

retomada ao longo dos séculos e persiste ainda nas chamadas gramáticas

normativas, por exemplo, as gramáticas escolares destinadas ao ensino da

língua.

No Oriente, a gramática surgiu como uma disciplina do helenismo, a partir

do século III a. C., com autores como o Rhyanus e Aristarco de Samotrácia. O

estudo da língua desenvolvido pelos gregos orienta-se em dois sentidos.

Por um lado, a curiosidade e o interesse acerca da origem da linguagem,

da mudança e da diversidade linguística levaram a reflexões filosóficas, como as

que encontramos em Platão (428-348 a. C.) e em Aristóteles (384-322 a. C.).

O ponto crucial dessas reflexões situa-se na discussão entre a defesa feita

por Platão no Crátilo (13) sustentando que “as palavras refletem, por sua

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

61

natureza, a realidade que nomeiam” e a convicção de Aristóteles, afirmando que

“o significado das palavras resulta de um acordo entre os homens e, portanto, é

convencional” (MATEUS, 2006, p. 31).

Por outro lado, os autores gregos procuraram alcançar um conhecimento

mais aprofundado acerca do funcionamento do grego. A análise da língua grega,

em todos os seus níveis, começou por permitir um aperfeiçoamento do alfabeto, e

também conduziu a elaboração de artes da língua ou gramática.

A autoria da primeira Arte da gramática (Τέχνη Γραμματική) é atribuída a

Dionísio de Trácia, nos anos 170-190 a. C., isto é, no século II a. C. É a obra mais

elaborada em formulação morfológica que existe na antiguidade. Dionísio

distingue oito partes do discurso: artigo, nome, pronome, verbo, particípio,

advérbio, preposição e conjunção (MATEUS, 2006, p. 32), nessa linha de

identificação gramatical, Sylvain Auroux (2009) afirmou:

A gramática, propriamente dita, só nasce mais tarde, dois séculos antes de nossa era, na atmosfera filológica da Escola de Alexandria. Segundo Sextus Empiricus, Dionísio de Trácia a define como “o conhecimento empírico levado o mais longe possível e que se lê nos poetas e nos prosadores”. Mas, a força da gramática encontrada nos escritos que nos restam de Apolônio reside no fato de que ela adapta definitivamente a teoria das partes do discurso à linguagem natural, insistindo em sua definição sobre os traços morfológicos. (SYLVAIN, 2009, p. 29)

A análise sintática do grego é desenvolvida na obra de Apolônio Díscolo,

no século II d. C., que, na esteira de Aristóteles, considera que a estrutura da

frase assenta-se em dois elementos fundamentais: o sujeito e o predicado.

O conhecimento da língua e o desenvolvimento da gramática entre os

gregos estiveram intimamente ligados à preocupação da interpretação dos textos

dos poetas antigos, sobretudo dos célebres poemas épicos; Ilíada e Odisseia,

atribuídos a Homero, (século IX ou VIII a. C.), dando, desse modo, origem à

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

62

criação da filologia, com o intuito de estudar a língua a partir de textos literários ou

não. Aos gregos cabe o mérito de terem iniciado o estudo formal da gramática, a

partir de uma perspectiva filosófico-linguística.

No Ocidente europeu, as obras dos gramáticos gregos e a sua formulação

gramatical tiveram grande repercussão, por meio de recessões feitas pelos

gramáticos latinos. Os gramáticos Orbilius Pupillus, Remmius Palaemon, Marcus

Valerius Probus, Marcus Verrius Flaccus e Aemilius Asper arquitetaram a

gramática latina seguindo os arquétipos da gramática grega. Com a hegemonia

do império romano dominando muitos povos, eles receberam a tradição

gramatical grega, configuraram-na e traduziram-na para o latim (MATEUS, 2006,

p. 32-33).

No entanto, também, se deve ter em conta a importância dos gramáticos

latinos, sobretudo, porque muitas das suas obras apontam e desenvolvem

dimensões diferentes ao estudo filosófico-linguístico e à formulação gramatical

grega.

Varrão (116-127 a. C.), um gramático latino, distingue o uso da língua

comum do uso literário (considerado como o bom uso), presta uma atenção

especial às questões etimológicas e procede a uma codificação das regras

fundamentais da língua latina.

Apesar das obras dos gramáticos latinos serem mais demoradamente

descritas na história da linguística do que as dos gregos, o seu mérito é,

sobretudo, o de nos terem dado a conhecer as reflexões gramaticais e filosóficas

dos seus antecessores, na linha, aliás, de outros ensinamentos que Roma foi

buscar na Grécia subjugada.

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

63

Na Idade Média, a gramática latina mantinha-se como modelo nos países

nórdicos e anglo-saxônicos, foi sistematicamente remodelada, adaptada e

veiculada como porta para o uso e ensino de língua estrangeira e, nesse

contexto, o latim, durante séculos, desempenhou a função de língua franca.

Nos países neolatinos, os estudos e formulações das gramáticas das

línguas vernáculas da Europa ocidental, até meados do século XVI, procediam a

partir do plágio e adaptações de versões escritas da gramática latina.

O espaço de tempo, que se inscreve entre 1452 e 1455, foi marcado pelo

advento da imprenssa de Gutenberg. Essa oficina assegurou a multiplicação e

difusão das versões gramaticais, desde a Ars Minor, uma gramática escolar de

Elius Donatus, cuja edição pode ter antecedido a da Bíblia de Gutenberg. As

gramáticas das línguas vernáculas passaram, assim, a chegar mais facilmente às

mãos dos estudantes da época.

Com o renascimento, desenvolveu-se, de forma sistemática, o estudo das

línguas particulares ou vernáculas, afastando-se da atenção tradicional que se

prendia, apenas, aos aspectos gerais e que se restringia às considerações

gramaticais anteriores, como as definições das formas das palavras, e a uma

visão genérica de “sujeito” e “predicado” como partes imprescindíveis da oração.

O começo do interesse pela variação dialetal aparece nos primórdios do

Renascimento e pode se focalizar no início do século XIV; os gramáticos

começaram a examinar as características que distinguiam as línguas entre si.

A partir de um tratado de Dante sobre catorze dialetos italianos, mostra-se

a sensibilidade do poeta às diferenças dialetais. Foi, também, no final da Idade

Média e no início do Renascimento, que se deu um incremento do ensino da

leitura e da escrita em vernáculos.

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

64

Em uma perspectiva prática do ensino e do estudo da língua, nos séculos

XVII e XVIII, foram desenvolvidos estudos e reflexões filosóficas abundantes

sobre a linguagem humana e as características universais das línguas, tendo

como exemplo a Gramamaire générale et raisonée dos franceses Arnault e

Lancelot, em 1660. Surgiram, assim, nos séculos seguintes, em várias línguas,

gramáticas filosóficas que procuravam os fundamentos da capacidade humana de

falar e interpretar as estruturas das línguas de acordo com aspectos lógicos do

pensamento (MATEUS, 2006, p. 32-33).

Nesse contexto, abriu-se a possibilidade de haver tantas gramáticas

quantas forem possíveis e viáveis às dimensões pertinentes dos estudos de uma

língua sob os seus diferentes aspectos.

O termo "gramática" passa a ser usado em acepções distintas, referindo-se

quer ao saber que os falantes têm interiorizado acerca da sua língua materna – a

chamada gramática reflexiva ou implícita –, quer ao manual onde as regras de

regulação e uso da língua estão explícitas (SANTOS, 2009, p. 99),

compreendendo as análises gramaticais moldadas segundo dois aspectos: de

metodologia e de conteúdo, como se observa no esquema seguinte:

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

65

Quadro 4 – Divisão gramatical

Gramática

Gramática implícita

Gramática Externa

Conteúdo Método

Gramática prescritiva/normativa Gramática Tradicional

Gramática histórica/diacrônica Gramática Estrutural

Gramática descritiva/sincrônica Gramática Generativa

Gramática comparativa Gramática Transformacional

Gramática contrastiva Gramática Textual/Pragmática

Gramática geral

Gramática universal

Gramática funcional

Fonte: o autor

A gramática reflexiva ou internalizada é o conhecimento que o falante tem

do sistema da sua língua materna. Ela está voltada ao processo linguístico, e não

ao produto do ato linguístico (fala).

A gramática explícita ou teórica parte das evidências linguísticas da

gramática implícita ou internalizada no falante, estuda e explica as suas regras e

o seu sistema do funcionamento. Portanto, a gramática explícita ou teórica

realiza-se no conjunto dos estudos linguísticos que se prendem à análise do

conteúdo ou da metodologia para explicar e expor as regras e suas constituições,

as formulações das estruturas, seu uso e funcionamento e as imbricações

sincrônicas e diacrônicas de uma língua.

A gramática explícita ou teórica tem se desenvolvido em duas perspectivas

que se prendem com o conteúdo e o método (JANOTTI, 1992, p. 199).

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

66

2.1.1. A gramática explícita ou teórica quanto ao conteúdo

A gramática explícita ou teórica quanto ao conteúdo abarca ou estuda

várias dimensões, como as seguintes:

A gramática prescritiva ou normativa é aquela que impõe regras a

determinados comportamentos linguísticos como corretos, marginalizando outros

que não se enquadram nos padrões indicados por essa, também estabelece

teorias sobre a aquisição, geração e funcionamento da língua.

A gramática histórica/diacrônica é aquela que estuda a evolução dos

diversos fatos da língua, desde a sua origem até a época presente, ou seja,

analisa a evolução histórica de uma língua. A rigor, portanto, pode-se dizer que a

gramática histórica é a apresentação da história interna de uma língua. Alguns

preferem chamá-la de linguística diacrônica, por só considerarem gramática, em

seu verdadeiro sentido, a gramática normativa.

A gramática descritiva é aquela que estuda as caraterísticas de uma língua

em um determinado momento de sua história, independentemente do uso que se

faz da linguagem, se é correta ou não (SILVA, 1983, p. 12).

A gramática comparada é aquela que faz a análise comparativa da

evolução nas mais diversas línguas, buscando pontos em comum entre elas.

A gramática contrastiva ocupa-se dos estudos linguísticos com o objetivo

de apontar diferenças e semelhanças entre as estruturas linguísticas de

gramáticas de línguas diferentes.

A gramática geral busca elaborar os princípios gerais aos quais todas as

línguas obedecem.

A gramática universal esmera-se na classificação dos fatos linguísticos que

se observam e se realizam universalmente.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

67

A gramática funcional estuda o modo como determinada língua é usada por

seus falantes para fins de comunicação.

2.1.2. A gramática explícita ou teórica quanto ao método

A gramática explícita ou teórica quanto ao método vai se realizando ao

longo dos tempos, segundo vários critérios de formulações, estruturações e

restruturações que visam melhorar as adequações para o serviço e o uso das

línguas, como as seguintes:

A gramática tradicional (a mais antiga) rege-se pelo critério de autoridade,

seleciona os escritores considerados mais importantes, são os que devem servir

de norma. Concebe-se a língua como um ser vivo que nasce, cresce, se

desenvolve, envelhece e morre. A época de maturidade linguística é aquela em

que se situariam os grandes autores de referência. Cerne entre a diacronia e a

sincronia. Acentua a importância da linguagem escrita sobre a coloquial.

A gramática estrutural é o estudo que concebe a língua como um sistema

em que todas as partes podem e devem ser consideradas em sua solidariedade

sincrônica. Cada língua é entendida, pois, como um sistema de relações - ou um

conjunto de sistemas relacionados - cujos elementos carecem de validez fora das

relações de equivalência e contraste que mantêm entre si, essa análise ancora-se

em Saussure, com a publicação de Cours de Linguistique Générale (1916, Curso

de linguística geral), texto que reúne suas idéias sobre a linguagem (ROSA, 2000,

p. 36-37).

A gramática generativa é um sistema que permite gerar um conjunto infinito

de frases gramaticais. Apresenta em sua gramática a criatividade do falante e a

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

68

sua capacidade de emitir e de compreender frases inéditas. A gramática gerativa

foi elaborada no final da década de 1950 por Noam Chomsky, com contribuições

dos linguistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

A gramática transformacional trata do aspecto criativo da faculdade da

linguagem e aborda os processos de transformação pelos quais passa o

sintagma. É possível conceber tipos diferentes de gramática ge(ne)rativa, vários

foram os tipos diferentes desde os primeiros trabalhos. A gramática

transformacional foi chamada, às vezes, de gramática gerativa transformacional,

foi lançada por Noam Chomsky, em 1957 (MORÓN, 2008, p. 26-27).

A gramática textual estuda o texto como um conjunto de enunciados, que

podem ser escritos ou orais, compostos desde uma palavra até chegar às

orações. Existem determinados efeitos gramaticais que não podem ser explicados

se não se sair da constituição dos elementos formais da oração, como é o caso

da alínea e do parágrafo e outros auxiliares que concorrem para o

desenrolamento das orações e que permeiam a veiculação da mensagem

comum.

A pragmática estuda todos os envolvimentos e proposições

extralinguísticas que parte do enunciado linguístico, isto é, tudo o que há de se ter

em conta para entender a mensagem final.

As considerações sobre os vários enfoques possíveis de análises e

estudos gramaticais não ficaram estagnadas no tempo, mas vão se

desenvolvendo com várias propostas e inovações até os estudos dos nossos

dias. Em uma visão atual, o gramático brasileiro Ataliba Castilho (2012), sobre os

enfoques gramaticais, sintetizou que:

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

69

Se você sair por aí catando teorias linguísticas e gramaticais poderá ordená-las em várias direções, dependendo de seu interesse. Realizei essa “tarefa de casa”, ou “dever” como também se diz, identificando pelo menos quatro grandes direções: A língua como um conjunto de produtos – sua Gramática será descritiva. A língua como um conjunto de processos mentais estruturantes – sua Gramática será funcionalista-cognitiva. A língua como um conjunto de processos e de produtos que mudam ao longo do tempo – sua Gramática será histórica. A língua como um conjunto de “usos bons” – sua Gramática será prescritiva. (CASTILHO, 2012, p. 42)

Toda língua tem uma lógica que a rege, isto é, tem sua própria gramática

implícita, mesmo que ainda esteja em situação ágrafa e usada apenas como

internalizada nos falantes que a possuem, a qual lhes permite ordenar as

estruturas morfológicas das palavras e a concatenação sistemática das frases,

produzindo a comunicação e o entendimento entre os utentes, naquela mesma

comunidade linguística.

A gramática em sentido lato não se vincula exclusiva e restritamente a esta

ou àquela língua em especial, senão a todas. Existe um germe estrutural, por

assim dizer, em todas, realizando a conexão de regras essenciais subjacentes ao

funcionamento de cada língua em particular.

Pode-se, assim, partir da estrutura gramatical de uma determinada língua

para servir de chave de estudos para desvendar as regras gramaticais existentes

em outra língua, observando linhas de semelhanças ou de disparidades, e este

processo se desemboca na gramatização.

A gramatização é um fenômeno que viabilizou a formulação das gramáticas

dos vernáculos europeus e das línguas extraeuropeias partindo do modelo da

tradição gramatical greco-latina. O fenômeno gramatização será tratado no tema

seguinte.

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

70

2. 2. O fenômeno gramatização

O tema “o fenômeno gramatização” apresenta o processo que conduz a

descrever e instrumentar uma língua na base de duas tecnologias que são, ainda

hoje, os pilares do saber metalinguístico: a gramática e o dicionário (AUROUX,

2009, p. 65).

Entende-se por gramatização o conjunto de mecanismos pelos quais

passam uma língua ágrafa, sujeitando-a a um letramento, pautando-a em regras

normativas e viabilizando-a em processos de transignificação para outra língua,

segundo os arquétipos greco-latinos da gramática e do dicionário, mediante estes

dois processos de conhecimento linguístico: o epilinguístico e o metalinguístico.

Denomina-se por língua ágrafa aquele idioma que possui regras implícitas

ou internalizadas (não letradas), apenas, conhecidas e dominadas pelos seus

falantes maternos, geralmente assentes em uma tradição oral.

Por exemplo, 70% dos kimbundu, em Angola, domina apenas a língua em

sistema ágrafo. Esses utentes passam-na oralmente de geração para geração. O

seu acervo linguístico é assegurado pelo testemunho da comundidade onde ele

se desenrola, com citações de fórmulas ancoradas na tradição, sujeitando-a à

verificação normativa oral, recorrendo a expressões como: “segundo a nossa

tradição”, “como dizem os mais velhos”, “como sempre se disse na nossa

sociedade”, “cumprindo a norma dos nossos antepassados”. Essas expressões

são evocadas nos momentos de correções, e citações para dar maior autoridade

ao que se está dizendo. Nessa tradicão oral, a língua e o repertório do saber

pertencem à comunidade, e não ao indivíduo. Uma citação nunca é individual ou

de um autor particular, como se faz na tradição greco-latina: (segundo Camões,

ou segundo Machado de Assis).

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

71

O primeiro conhecimento da língua é internalizado, isto é, aquele que todo

locutor possui de sua língua. O segundo conhecimento é representado e

interpretativo, construído e manipulado enquanto tal, com a ajuda de mecanismos

interlinguísticos (FÁVERO, 2006, p. 45-47), nessa perspectiva, Sylvain Auroux

(2009) afirmou o seguinte:

O saber linguístico é múltiplo e principia naturalmente na consciência do homem falante. Ele é epilinguístico, não é colocado por si na representação, antes de ser metalinguístico, isto é, representado, construído e manipulado enquanto tal com a ajuda de uma metalinguagem (elementos autonímicos e nomes para os signos). A continuidade entre o epilinguístico e o metalinguístico pode ser comparada com a continuidade entre a percepção e a representação física nas ciências da natureza. (AUROUX, 2009, p. 17).

Do ponto de vista dos sujeitos que efetuam a gramatização, ela é realizada

por meio de dois processos binários: a endogramatização – endotransferência e a

exogramatização - exotransferência.

A endogramatização é um processo de gramatização que consiste na

endotransferência, isto é, na passagem interna na própria tradição linguística.

Nesse caso, a gramatização é realizada dentro de uma mesma tradição

linguística, feita por locutores nativos da língua ou não.

A exogramatização é o processo que ocorre quando há uma

exotransferência, isto é, a passagem realiza-se de uma tradição linguística para

outra língua de diferente natureza.

A origem da gramática latina corresponde a uma endogramatização e a

uma endotransferência cultural que parte do grego para o latim, sendo as duas

línguas da mesma família de ascendência indo-europeia. O mesmo aconteceu

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

72

com a gramatização dos vernáculos na Europa que se realizou dentro da mesma

tradição linguística latina (ASTIZ, 2008, p. 53-57).

Porém, nota-se também que houve uma gramatização massiva, que se fez

a partir de uma só tradição linguística inicial, a greco-latina, para outras línguas do

mundo.

Depois do advento da escrita, no terceiro milênio antes da nossa era, a

gramatização constituiu a segunda revolução técnico-linguística e suas

consequências práticas para a organização das sociedades humanas são

consideráveis. Essa revolução só terminou no século XX e criou uma rede

homogênea de comunicação centrada inicialmente na Europa.

Cada nova língua foi integrada à rede dos conhecimentos linguísticos, de

maneira semelhante à incorporação de cada região no mapa do mundo

representada pelos cartógrafos europeus. Isso aumentou a eficácia dessa rede e

de seu desequilíbrio em proveito de uma só região do mundo, a Europa, e moldou

as ciências da linguagem, a que devemos a primeira revolução científica do

mundo moderno (AUROUX, 2009, p. 35-36).

A gramatização no contexto da diversidade das línguas das nações

europeias e o desenvolvimento do capitalismo mercantil foram um motor decisivo

para a padronização dos vernáculos europeus. Esse fenômeno é contemporâneo

com a gramatização das línguas de outros continentes, mas ela é posterior à

utilização ocidental e à extensão da imprensa.

A imprensa foi a mola impulsionadora que acompanhou o desenvolvimento

e é a causa do grande sucesso da gramatização. As duas dimensões,

gramatização e imprensa, fazem parte da mesma revolução técnico-linguística. A

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

73

imprensa viabilizou a multiplicação e difusão dos textos e a diminuição dos

custos. Segundo Esperança Cardeira (2006), a difusão aconteceu desse modo:

[…] a tipografia assegurou uma difusão muito maior a muitos mais textos. As gramáticas das línguas vernáculas e escritas nessas mesmas línguas passaram, assim, a chegar mais facilmente às mãos dos estudantes da época (CARDEIRA, 2006, p. 33).

A gramatização dos vernáculos na Europa consistiu em adaptações da

gramática latina para as restrições regionais das línguas ocidentais, em

autoafirmação.

O latim medieval era uma língua técnica largamente artificial, ao mesmo

tempo que era uma língua intelectual, influenciada em suas próprias estruturas

pelos vernáculos.

Não obstante a gramatização dos vernáculos, os gramáticos latinos se

mantiveram como modelo durante toda a Idade Média.

Foi, também, no final da Idade Média e no início do Renascimento que se

deu um incremento do ensino da leitura e da escrita em vernáculo,

correspondendo às necessidades provocadas pelas circunstâncias históricas da

época, por exemplo, as viagens marítimas, as consequentes de trocas

econômicas e as autoafirmações político-sociais (CARDEIRA, 2006, p. 33-37).

Outrossim, a dimensão da gramatização dos vernáculos na Europa assiste

o latim, permanecendo por vários séculos como língua privilegiada de estudos e

de comunicação científica acurados, ao mesmo tempo que as atividades

intelectuais das novas elites e as atividades espirituais de uma grande parte da

população vão se apoiar, a partir de então, sobre uma cultura prática codificada

em vernáculos.

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

74

Essa cultura corresponde a uma verdadeira política linguística apoiada e

realizada pelo absolutismo centralizador, e à afirmação dos nacionalismos

linguísticos europeus que, segundo Segismondo Spina (2008) isso pode:

[…] explicar-se pelo afã de se tentar impor o estudo sistemático das línguas modernas em substituição do latim, que ainda permanecia a língua defendida pelos humanistas. O elogio e a defesa das línguas nacionais foram unânimes na Europa românica. (SPINA, 2008, p. 288)

As primeiras gramáticas dos vernáculos europeus são as do islandês, do

irlandês, do gaulês e do provençal, correspondendo, evidentemente, às correntes

das literaturas e poéticas da época (AUROUX, 2009, p. 52).

No domínio dos saberes linguísticos, a gramatização emerge como uma

espécie de macroacontecimento, com uma estrutura complexa inicialmente, isto

é, quando os vernáculos europeus eram sistematicamente gramatizados,

assentaram na base de uma orientação prática, que se definiu muito lentamente a

partir das artes da tradição greco-latina.

A gramática torna-se, simultaneamente, uma técnica pedagógica para a

aprendizagem das línguas e um meio para descrevê-las, e habilita a

aprendizagem de línguas estrangeiras. Antonio José dos Reis Lobato (1770),

referindo-se à habilidade que a gramática oferece para a aprendizagem de

línguas estrangeiras, escreveu o seguinte:

[…] Ninguém pode duvidar do grande proveito, que alcança cada hum em saber a Grammatica de sua mesma língua, porque não somente consegue fallala com certeza, mas também fica desembaraçado para aprender com muita facilidade qualquer outra. A razão disto he claríssima; por quanto na Grammatica Materna, de que já o uso nos tem ensinado a prática das suas regras, sem difficuldade se aprendem muitos princípios, que são comuns a todas as línguas (LOBATO, 1770, p. X).

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

75

A expansão das nações europeias acarretou uma situação de rivalidade

entre elas, o que se traduz, no final, por uma concorrência reforçada, porque é

institucionalizada entre as línguas. A velha correspondência do ditado “uma

língua, uma nação,” tomando valor não mais pelo passado, mas pelo futuro,

adquiriu um novo sentido: as nações transformadas, quando puderam, em

Estados vão fazer da aprendizagem e do uso de uma língua oficial uma obrigação

para os seus cidadãos e para os territórios descobertos (BRAUDEL, 1989, p. 26).

O encontro com novos continentes gerou novos choques linguísticos,

culturais e mercantis que só à custa de superioridades técnico-científicas e

imposições forçadas logrou o “modus vivendi”, subjugando povos ao longo dos

séculos XV ao XX.

A gramatização dos vernáculos europeus é contemporânea de uma

discussão sobre suas origens, filiações e sobre suas relações com as línguas que

foram encontradas pelo mundo conquistado. Tratou-se de um empreendimento

que não teve nenhum equivalente no mundo greco-latino. Falando sobre essa

singularidade, Sylvan Auroux (2009) caracterizou-a desta forma:

[…] Os ocidentais se chocam com a diferença da morfologia e identificam a raiz (asl) dos gramáticos árabes com a terceira pessoa do pretérito (Erpenius: “estque radix tertia praeteriti personna singularis masculina”), provavelmente porque na tradição latina só se podem reconhecer “palavras” portadoras de sentido ou “letras” que não significam nada. (AUROUX, 2009, p. 47)

Geralmente, a primeira causa da gramatização surge como necessidade de

aprendizagem de uma língua ágrafa. Toma-se como modelo uma tradição

gramatical de uma língua já existente e aplica-se esse modelo para formular a

gramática da língua que se quer aprender. Para se alcançar esses objetivos

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

76

requer um conhecimento internalizado da língua se quer gramatizar em uma

determinada cirunstância.

Por exemplo, no caso da gramatização do irlandês ou do provençal, não se

tratava somente de fornecer para essas línguas um instrumento para literatura e

poesia, mas de deslocar para o meio linguístico uma série de atividades, como: o

acesso a uma língua de administração, o acesso a um corpus de textos sagrados,

o acesso a uma língua de cultura, o acesso às relações comerciais e políticas e a

viagens de expedições militares e de explorações marítimas.

Os objetivos da gramatização das línguas dos povos do além-mar,

conquistados pela expansão europeia, aparecem como um conjunto de critérios

muito interesseiros, por exemplo: o acesso a uma língua para melhor dominar os

seus utentes, a imposição de uma religião e a sedimentação de vários tipos de

colonialismos, nessa questão, Sylvan Auroux (2009) teceu as seguintes

considerações:

A gramatização pelos europeus supõe a alfabetização, isto é, majoritamente, a transcrição de uma língua em caracteres latinos. Essa alfabetização se efetua primeiro selvagemente e por analogia: o locutor nativo, alfabetizado numa língua (o latim), adapta a escrita ao som que ele percebe. Rapidamente com imprensa a estandardização, a ortografia se torna um problema, às vezes acidentalmente discutido. (AUROUX, 2009, p. 47)

Outrossim, a gramatização extraeuropeia fundamenta-se nas tecnologias

europeias que os tradutores da célebre teoria da “razão gráfica”, de Jack Goody6,

adaptam e aplicam às línguas das sociedades orais conquistadas. Nutria-se o

preconceito que elas não tinham gramática, e essa atitude explica o orgulho

6 Jack Goody - nascido em 1919 - conhecido entre os antropólogos por sua importante atuação

como africanista e etno-historiador, notabilizou-se como um dos teóricos da "grande partilha" entre oralidade e escrita. Tem defendido, com bastante coerência e originalidade, que no âmago da cultura escrita habita uma espécie de "razão gráfica" que sempre faz a diferença, desde que aparece e se dissemina. Sentiu-se à vontade tanto entre nativos de tribos africanas quanto entre os antigos gregos, semitas e egípcios.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

77

exacerbado, como o de J. Eliot quando reduz a “nada” “as regras” das línguas

orais, redundando na confusão de identificar o saber metalinguístico em relação

ao saber epilinguístico, e a lógica gramatical implícita como algo subjacente em

todas as línguas naturais do mundo (AUROUX, 2009, p. 26).

Sendo as regras gramaticais e seus processamentos linguísticos algo

intrínseco e subjacente em todas as línguas naturais do mundo, para evidenciar

esse fenômeno, o tema seguinte faz uma resenha referencial sobre a

gramatização do português que é um dos modelos da gramatização do kimbundu.

2. 3. Resenha referencial sobre gramatização do português

A “resenha referencial sobre gramatização do português” é um tema que

apresenta os critérios que viabilizaram a formulação e a adequação para a língua

portuguesa das duas tecnologias epistemológicas greco-latinas que consistem na

elaboração da gramática e do dicionário, dotando, dessa forma, a língua

portuguesa de duas dimensões essenciais: a prescritiva e a metalinguística.

O galego-português cedeu lugar à língua portuguesa, nos meados do

século XIV, em razão de diversos eventos históricos. Entretanto, com a

independência de Portugal, as circunstâncias sociais, econômicas e culturais

tomaram outros rumos e o galego-português já não correspondia mais às novas

necessidades.

O português seguiu então seu curso em separado, passando a assumir

características próprias como instituição linguística da nova nacionalidade

(SPINA, 2008, p.148), como se costuma dizer: “uma só rei em uma só nação e

em uma só língua”.

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

78

Em Portugal, como em boa parte dos países de matriz românica, até

meados do século XVI, o estudo das línguas vernáculas já estava sendo

administrado, mas baseava-se nas gramáticas escritas em latim e seguiam o

modelo das primitivas gramáticas latinas. Leonor Favero e Molina (1996) nesse

sentido, escreveram o seguinte:

[...] essa tradição gramatical greco-romana desemboca na intensa proliferação de obras gramaticais e paragramaticais (apologias, defesas, louvores, ensaios normativos ou histórico-culturais, especulações dialéticas) no Renascimento. Porém, se na Idade Média a disciplina ligada à retórica era a gramática latina, agora, no Renascimento, a gramática deixa de ser necessariamente a latina e incide sobre as línguas vernáculas, como término de um longo processo que começou com Vulgari Eloquentia, de Dante. (FAVERO; MOLINA, 1996, p. 21)

Em terras lusas, onde já se falava português havia alguns séculos, a partir

de uma tradição gramatical ligada à tradição latino-humanística da Idade Média,

os homens do Renascimento elaboraram um esquema gramatical que vão aplicar

às línguas modernas, como primeiro estágio da nobilitação delas (BUESCU,

1984, p. 11).

O movimento humanístico, na segunda metade do século XV, suscitou uma

cultura clássica, favorecendo uma elite de eruditos, (de que é exemplo André de

Resende, cujas obras foram escritas em latim), debruçado na leitura dos modelos

clássicos, sobretudo latinos. Os escritores portugueses foram naturalmente

levados a introduzir na língua portuguesa inúmeros latinismos, aportuguesando as

formas importadas e refazendo as formas arcaicas. Esse procedimento esteve na

base do aparecimento das primeiras gramáticas da língua portuguesa (FLORIDO,

2012, p. 199).

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

79

A gramatização do português é um caso nitido de endogramatização,

porque é um processo que consiste em uma endotransferência, sendo o

português uma língua de filiação latina. Nesse caso, a gramatização é realizada

dentro de uma mesma tradição linguística e é feita por locutores nativos da

mesma língua.

A Grammatica da lingoagem portuguesa é a primeira gramática da língua

portuguesa, publicada em Lisboa, em 1536, de autoria de Fernão de Oliveira,

presbítero secular e professor de retórica em Coimbra, por ordem de D. Fernando

de Almada. A descrição que Fernão de Oliveira faz das vogais e das consoantes

do português é um interessantíssimo exemplo, pelo lugar de relevo que o autor dá

às questões de articulação dos sons e como ele as coloca. É tão extremado o

nacionalismo de Fernão de Oliveira que, para ele, a língua portuguesa tem uma

perfeição natural e inconfundível, como bem Segismondo Spina (2008) no-lo dá a

entender quando escreve que “[…] tem de seu a perfeyção da arte que outras

nações aquirem com muyto trabalho, […] e com tudo apliquemos nosso trabalho a

nossa língua e gente, […] e nam trabalhemos em língua estrangeira” (SPINA,

2008, p. 288).

Coseriu (apud FÁVERO,1996, p.19-27) fez uma análise da gramática de

Fernão de Oliveira e teceu as considerações em dois sentidos, salientando o que

ela traz de positivo e não descurando das mazelas que ela também tem:

[…] o ponto de partida da obra de Oliveira, para a descrição do português, é a Gramática espanhola de Nebrija de 1492, à qual se refere, embora não a tenha simplesmente seguido. Além de Nebrija, cita outros autores, confirmando suas opiniões: Varrão, Cícero, Quintiliano, Aulo Gélio, Garcia de Resende. Nem tudo em Oliveira é positivo. No dizer de Coseriu (1975), ele é mau etimológico, como acontece com outros sincronistas da época, por exemplo, Meigret, autor da primeira gramática francesa e publicada em 1550. Suas explicações são muitas vezes ingénuas

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

80

ou incorretas; não lhes é clara a origem latina de palavras como livro, porta, casa, mulher, homem, afirmando que se devemos buscar no latim, grego, castelhano ou francês a origem de tantas palavras […]. A força de Oliveira reside, porém, como bem indicou Coseriu, no domínio fónico, influenciado, talvez, por Nebrija [...]. A gramática, no sentido mais estrito (morfossintaxe), é tratada por ele rapidamente, procurando libertar-se do modelo latino, do mesmo modo que outros gramáticos da época […]. Esse distanciamento é bastante claro, por exemplo, no tratamento dado ao artigo e sua contração com as preposições e na conjugação dos verbos; aparece, também, na conceituação de gramática, ao dizer pretender apenas descrever as formas que expressam categorias gramaticais. A obra de Fernão de Oliveira, Gramática da linguagem portuguesa (1536), não está escrita nos moldes das gramáticas latinas nem nos das que se seguiram […]. A gramática apresenta-se como uma obra proeminentemente fonológica, com referências diminutas da ortografia, morfologia e a sintaxe. (FÁVERO, 1996, p. 19-27)

Haviam passado quatro anos quando surgiu a Gramática da língua

portuguesa, que se deve ao mestre João de Barros, seu autor, editada igualmente

em Lisboa, em 1540. Para um melhor conhecimento acerca dessa obra de João

de Barros, torna-se oportuno ler o que Leonor Fávero e Molina (1996) escreveram

a respeito dela:

João de Barros afirma serem nove as partes do discurso: nome (substantivo e adjetivo), verbo, pronome, advérbio, artigo, particípio, conjunção, preposição e interjeição […], estuda-as e até aos seus acidentes: qualidade, espécie, figura, gênero, número, declinação […]. Mas, parece preocupado em mostrar as diferenças e chega mesmo a ridicularizar o emprego que alguns fazem de construções latinas, fora do espírito do português […]. Brescu diz que João de Barros pressentiu ou discerniu claramente as principais inovações do português, dentre as quais destancam-se: - A existência do artigo: (artigo é uma das partes da oraçam a, […] nam tem os Latinos). - O desaparecimento das declinações, […]. - Formação composta do comparativo: (E ante nós e os Latinos há ésta diferença: eles fazem comparativos de todolos seus nomes adjectivos, … e nós nam temos máis comparativos que estes: maior, menor, … melhor, …pior). - Redução das conjugações: (Os latinos têm quatro conjugações: nós três, [ …]). - Formação perifrástica de tempos verbais, […] - Desaparecimento da quantidade: ([…] os Latinos e Gregos sentem milhór o tempo das sílabas por cáusa do vérso do que ô nós sintimos nas trovas, porque cási espera a nóssa orelha o consoante que a cantidade, dado que a tem). (FÁVERO; MOLINA, 1996, p. 36-37)

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

81

João de Barros enumera seis motivos fundamentais e abonatórios para o

louvor à língua portuguesa: riqueza vocabular, conformidade com a língua latina e

filiação nela, gravidade e majestade, sonoridade agradável, caráter abstrato e

possibilidade de enriquecer o seu vocabulário por meio de adoções e adaptações

(sobretudo de latinismos) (SPINA, 2008, p. 288-289).

O aparecimento dessas gramáticas, que tinham como antecedente e até de

modelo a Gramática de la lengua castellana de António de Nebrija, publicada em

Salamanca, em 1492, que tinha por base as próprias versões da gramática latina,

explica-se pelo afã de se tentar impor o estudo sistemático das línguas modernas

em substituição ao latim, que ainda permanecia a língua defendida pelos

humanistas.

O elogio e a defesa das línguas nacionais foram unânimes na Europa

românica. Por exemplo, Joachim du Bellay publicou, em 1549, depois do diálogo

em louvor da língua portuguesa, de João de Barros, a sua Defense et illustration

de la langue française.

A defesa da língua portuguesa se fazia não só em relação à latina, mas

ainda em face da moda vigente do castelhano, que, às vezes, se paralelizava

com a língua portuguesa. Tanto Fernão de Oliveira como João de Barros

defenderam a excelência da língua portuguesa, censurada por pobreza do

vocabulário pelos homens doutos da época (SPINA, 2008, p. 288-289).

Além de se tratar de obras escritas em vernáculo, essas versões da

gramática portuguesa fornecem informações sobre a constituição das palavras e

das frases. Com esses trabalhos, se abriu a história da gramática prescritiva da

língua portuguesa. Mas, a área de estudo da língua que conheceu maior

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

82

desenvolvimento, a partir e durante o século XVI, foi a fonética, em consequência

da importância que se deu, pela primeira vez, à língua falada.

Durante a primeira metade do século XVI surgiram numerosas cartinhas,

ou cartilhas, para aprender a ler, utilizadas em Portugal, mas também enviadas

para as terras longínquas, como a cartinha publicada em conjunto com a

gramática de João de Barros, com a indicação, datada de 1512, de um envio de

livros para a Índia (MATEUS, 2006, p. 32-34).

No mesmo século, ainda se publicaram várias ortografias, salientando-se: a

Ortografia da língua portuguesa de Duarte Nunes de Leão (1576), as Regras

gerais, breves e compreensivas da melhor ortografia de Bento Pereira (1666) e a

Ortografia ou arte de escrever e pronunciar com acerto a língua portuguesa de

Madureira Feijó (1734).

Entre os séculos XVI e XVIII, o ensino das línguas vernáculas ocupou um

espaço progressivamente mais amplo. Em Portugal, a par das gramáticas, das

cartinhas e das ortografias surgiram dicionários e vocabulários – que são

descrições do léxico da língua portuguesa em que o latim ocupava já uma parte

diminuta. Notável nesse domínio é o vocabulário de Rafael de Bluteau, uma obra

enciclopédica em dez volumes, publicada entre 1712 e 1721.

Foi, também, no século XVIII, e com o firme apoio do Marquês de Pombal,

que floresceu e se impôs a importância da aprendizagem do português nas

escolas básicas.

Luís António Verney inicia o seu verdadeiro método de estudar para ser útil

à república e à Igreja (1746) pela afirmação de que é necessário aprender a

gramática da língua materna como base e “porta” para outros estudos.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

83

Foi, aliás, a preocupação com o ensino da “norma culta” e da correta

ortografia e sintaxe que levou à criação, no tempo de Pombal, da Real Mesa

Censória, cuja função consistia em eliminar os textos que apresentassem

aspectos censuráveis de conteúdo ou de forma, incluindo a “ortografia bárbara”

ou a “sintaxe solecista”, termos usados para referir erros de ortografia e de

sintaxe.

A par dessa perspectiva prática do ensino e do estudo da língua, os

séculos XVII e XVIII foram pródigos em reflexões filosóficas sobre a linguagem

humana e as características universais das línguas. Tendo como exemplo a já

citada Grammaire générale et raisonée dos franceses Arnault e Lancelot (1660),

surgiram nos séculos seguintes, em várias línguas, gramáticas filosóficas que

fundamentam a capacidade humana de falar e interpretar as estruturas das

línguas de acordo com aspectos lógicos do pensamento.

Em Portugal, a obra mais notável e conhecida nesse domínio foi a

Gramática filosófica da língua portuguesa de Jerónimo Soares Barbosa

(MATEUS, 2006, p. 32-34).

As obras gramaticais do Renascimento revestem-se de uma forma prática,

pois a expansão marítima coloca o homem da Europa em contato com outros

povos, impondo-lhes sua língua. Isso explica o grande número de gramáticas

pedagógicas (FÁVERO, 2006, p. 21).

Foi nessa época da expansão marítma europeia que o português chegou e,

posteriormente, foi imposto no reino do Ndongo e Matamba, fazendo um

bilinguismo na coexistência e uso simultaneo de português-kimbundu. O

kimbundu que será analisado no fluir cronológico de suas obras e o percurso feito

para ser gramatizado, tudo isto, constitui o tema do seguinte capítulo.

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

84

CAPÍTULO 3 A GRAMATIZAÇÃO DO KIMBUNDU

O tema gramatização do kimbundu apresenta o processo da passagem do

kimbundu de condição de língua ágrafa para o estatuto de língua letrada,

moldando-a segundo os critérios das duas tecnologias metalinguísticas da

tradição greco-latina: a gramática e o dicionário.

Para o kimbundu, o processo de gramatização foi se fazendo, ao longo de

vários séculos, de autores de várias sensibilidades, de diferentes níveis de

conhecimentos do kimbundu e em condições geográficas díspares, como se pode

observar, esse percurso por meio da exposicção cronológica das obras literárias

publicadas em kimbundu no tema seguinte.

3.1. Cronologia das obras literárias em kimbundu

O tema da cronologia das obras literárias em kimbundu apresenta os

trabalhos publicados nesta língua, desde a primeira obra até a mais atual. Desde

1641, ano da publicação da primeira obra, até 1990, ano da obra mais recente

que foi publicada, ao todo foram publicadas 19 obras em três séculos e meio.

A média é de seis obras por cada século. Esta porcentagem é um bom

indicativo para se deduzir que o letramento do kimbundu é muito ínfimo. Boa

franja dos seus utentes permanece à margem do mundo das letras e o kimbundu

é veiculado, “grosso modo”, com base na transmissão oral. Para podermos fazer

o percurso do mundo literário do kimbundu, ao longo dos três séculos e meio,

apresentamos, a seguir, as obras publicadas e os seus autores:

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

85

1589 -1641 – O catecismo, gentio de Angola sufficientemente instruido nos

mysterios de nossa santa fé é uma obra de Padre Francesco Pacconio & António

do Couto. Apresenta as notações gramaticais que compõem proto-corpus literário

da língua kimbundu. Teve três edições diferentes, obra póstuma revista na edição

mais antiga por António Couto, jesuíta.

1607-1687 – Padre Antonio Maria de Monteprandone, capuchinho italiano

(1607-1687), que traduziu para o latim, editadas pela Propaganda Fide, as obras

que compõem o corpus literário sobre o kimbundu, apresentando uma

exemplificação do kimbundu que coincide com partes do catecismo de Pacconio e

Couto, que foram publicadas 55 anos antes da gramática de Padre Pedro Dias.

1697 – Padre Pedro Dias, jesuíta, 1696 que escreveu e usou na Bahia,

Brasil, A arte da língua de Angola, oferecida à Virgem Senhora N. do Rosário,

Mãy e Senhora dos mesmos pretos, que foi publicada em 1697, em Lisboa. É

uma gramática da língua kimbundu baseada na audição e apreensão da língua

utilizada pelos escravos oriundos de Angola, em Salvador, Bahia, no Brasil.

O Mukumji, (mensageiro), é uma obra que não está datada, mas que tem

características dos catecismos da época dos padres jesuítas e é contemporânea

à A arte da língua de Angola de Pedro Dias, segundo a explanação de Heli

Chatelain (1888-89) essa obra é:

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

86

[...] uma produção do mesmo tempo que as precedentes, inédita, sem data nem nome d’autor, é um cântico religioso, chamado o “Mukunji”, se conserva e perpetua na memória do povo e em manuscrito imperfeitíssimo. O assunpto de que trata é o nascimento e a morte de Jesus. Deve ser uma versão ou imitação do latim. Por certas razões inclinamos a attribuir a paternidade d`este tentame artístico a um curioso, natural de Angola. (CHATELAIN, 1888-89, p. XVI).

Com o Mukunji termina a fase literária denominada período dos jesuítas em

Angola. Em 12 de julho de 1759, os jesuítas e os integrantes da Companhia de

Jesus foram expulsos de Portugal e de suas colônias pelo Marquês de Pombal

(Sebastião José de Carvalho e Melo), poderoso Secretário de Estado do Rei de

Portugal, D. José I.

1864 - Francina, que publicou um trabalho gramatical com o título:

Ellementos grammaticaes da língua bunda.

1804 -1805 – Padre Bernardo Maria de Cannecattim, que elaborou a

Collecção de observações grammaticaes sôbre a língua bunda, ou angolense,

(kimbundu), editada pela Imprensa Régia.

1888-889 – Heli Chatelain, que publicou a Grammatica elementar do

kimbundu ou língua de Angola. Ele usa de forma correta a palavra kimbundu

como uma das línguas de Angola e estabelece a sua distinção em relação às

línguas kikongo, umbundu e outras.

1893 – Joaquim Dias Cordeiro da Matta, (angolano), que publicou o ensaio

de Diccionário kimbundu-portuguez (1893) e a Cartilha racional para se aprender

a ler o kimbundu, escrita à semelhança da Cartilha maternal de João de Deus.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

87

1934 – António Assis Júnior, angolano, que publicou o Dicionário

kimbundu-português.

1934 – José Luís Quintão, que publicou a Gramática de Kimbundo.

1950-1951 – Rodrigo de Sá Nogueira, que publicou um artigo sobre as

Línguas bantas e o português, temas de linguística.

1958 – Rodrigo de Sá Nogueira, que publicou a obra Da importância do

estudo científico das línguas africanas.

1961-1964 – António da Silva Maia, que publicou o Dicionário

complementar português-kimbundu- kikongo.

1962 – João de Almeida Santos, que publicou As classes morfológicas nas

línguas banto.

1964 – António da Silva Maia, que publicou o Dicionário rudimentar

português-kimbundu.

1972 – José Redinha, que publicou O estudo das línguas angolanas e a

linguística.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

88

1976 – Carta Cultural de África da 13a seção, de 5 de Julho de 1976, em

que os chefes de estados e dos governos membros da OUA (Organização da

Unidade Africana) debruçaram-se, de uma forma clara, no capítulo V, artigo 18,

que verba o seguinte: “Os estados africanos deverão preparar e pôr em prática as

reformas necessárias para a introdução das línguas africanas em todos os

setores. O ensino deverá ser conduzido a par de uma alfabetização das

populações”.

1977 – O Departamento de Cultura e Desporto - Instituto Nacional de

Línguas em Angola, que publicou o Histórico sobre a criação dos alfabetos em

línguas nacionais.

1978 – Instituto Nacional de Línguas em Angola, que foi criado pelo

Decreto nº 62/78, e que ficou sob o controle do Ministério de Educação. Por

decisão da Secretaria de Estado da Cultura, em 1978, criou-se o Instituto de

Línguas Nacionais.

1980 – Instituto de Línguas Nacionais, que organizou e geriu a formação de

técnicos e formadores de base em linguística bantu.

1982 – Padre Inácio Olazabal, que publicou a Gramática elementar da

língua kimbundu.

1985 – O Instituto Nacional de Línguas, que publicava no jornal de Angola

temas sobre a saúde pública e prevenção sanitária em seis línguas nacionais.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

89

1987 – Em Luanda, a Secretaria de Estado da Cultura, Instituto de Línguas

Nacionais, no Boletim nº 1, que publicou os alfabetos das línguas kikongo,

kimbundu, umbundu, cokwe, e o Kwanyama.

1990 – Em Luanda, a Secretaria de Estado da Cultura, Instituto de Línguas

Nacionais, que publicou a gramática kimbundu, projeto-ang/88/006,

Desenvolvimento das línguas nacionais na República Popular de Angola, (R.P.A).

Atualmente, existe o canal Rádio Ngola Yetu que emite um noticiário e

programas em 12 línguas nacionais: kikongo, kimbundu, umbundu, cokwe,

ngangela, fiyote-ibinda, songo, luvale, nyaneka-humbe, e Kwanyama. A Televisão

de Angola emite programas em 7 línguas nacionais: kikongo, kimbundu,

umbundu, cokwe, ngangela, ibinda-fiyote e Kwanyama.

Em consideração acurada, as Anotações gramaticais de kimbundu de

Francesco Pacconio serviram de base à Língua de Angola de Pedro Dias. A

gramática de kimbundu de Heli Chatelain cita e tem como recurso a obra de

Pedro Dias. José Luís Quintão tem como fundamento da sua obra a gramática de

kimbundu de Heli Chatelain que cita como fonte segura. Foram consideradas

essas obras fontes das quais derivam todos os trabalhos posteriores em

kimbundu. Urge resenhá-las, tecendo o grau de intertextualidade como obras

principais da gramatização do kimbundu, que é o tema seguinte.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

90

3. 2. As obras principais da gramatização do kimbundu

O tema: as obras principais da gramatização do kimbundu apresenta os

trabalhos dos gramáticos que realizaram a passagem do kimbundu como língua

ágrafa e de tradição apenas oral, com uma gramática internalizada nos seus

utentes, para condição de uma língua letrada, dotada de gramática e dicionário.

A gramatização do kimbundu é um processo de exogramatização porque

ocorre em uma exotransferência, isto é, a passagem realiza-se de uma tradição

linguística para outra língua de tradição e de natureza diferente.

A gramatização do kimbundu comporta uma intertextualidade nas obras

que realizaram-se de uma forma crítico-evolutiva, em processos: - de recepção, -

de assimilação, - de elaboração e transformação, e - de edição final. Os textos

apresentam muitas imbricações sempre à procura da melhor forma de apresentar

o estado mais correto do kimbundu.

Desde a primeira obra até a mais recente que se conhece, a tendência é

sempre apresentar o kimbundu da melhor maneira possível, conforme o tempo e

as suas circunstâncias geo-históricas, o nível de conhecimento, de domínio da

língua e da variante linguística em que o autor está imbuído, tudo isto põe em

evidência as diferenças que as obras apresentam, como bem transparece nas

obras seguintes:

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

91

3.2.1. Gentio de Angola sufficientemente instruído nos mysterios de nossa

sancta fé, 1641

Gentio de Angola suufficientemente instruído nos mysterios de nossa

sancta fé é um catecismo elaborado e usado pelo Padre Francisco Pacconio, da

Companhia de Jesus, que viveu em Angola nos anos 1586-1641, publicado

postumamente, em 1642, com adaptações feitas pelo Padre António do Couto.

Apresenta a doutrina cristã formulada em métodos mnemônicos de

pergunta-resposta, (português-kimbundu), e apresenta um anexo de

apontamentos gramaticais. Esses proto-princípios de apontamentos gramaticais

de kimbundu, contidos no catecismo de Pacconio, tomaram-se como substrato

de referência para a gramatização do kimbundu.

Conhecendo esse catecismo, Heli Chatelain (1888-89) teceu as seguintes

considerações: “O primeiro livro que foi impresso em kimbundu e o segundo em

qualquer língua africana é o catechismo do Padre Pacconio, intitulado: Gentio de

Angola sufficientemente instruido, etc.” (CHATELAIN, 1888-89, p. XV).

Padre António do Couto (+1666), nascido de uma mãe negra em São

Salvador do Congo, em Angola, apresenta um conjunto de advertências sobre os

aspectos do kimbundu. De acordo com Cole, essas breves advertências

constituem-se, até onde se sabe, na mais antiga tentativa – publicada – de

descrição de uma língua bantu, não obstante que ele aponte a existência de

registros de línguas bantu que recuam até 1506.

Em 1661, a obra de Pacconio e Couto ganhou uma tradução latina das

mãos de um frade capuchinho, António Maria de Monteprandone (1607-1687),

publicada pela Propaganda Fide (ROSA, 2013, p. 71). A terceira edição da obra

da Pacconio foi realizada em 1784, hoje é uma obra raríssima.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

92

Em uma dimensão crítica acerca da obra de Pacconio e das três edições

que essa obra teve, Heli Chatelain (1888-89), referindo-se às considerações feitas

por Cannecattim sobre essa obra, reescreveu o seguinte:

N`ele verteu o autor da língua portugueza na bunda várias cousas pertencentes à doutrina christã, fazendo igualmente algumas explicações da mesma doutrina em dialogo. No princípio e fim da segunda e terceira edições se encontram algumas regras grammaticaes, que se acham no cathecismo da primeira edição, e só o que há de mais nas sobreditas são umas regras brevíssimas, e sem nenhum exemplo, das quaes algumas não estão em uso, o que faz presumir que na língua bunda tem havido alguma variedade. Não só isso, mas os muitos e gravíssimos defeitos, de estar cheio o referido opúsculo foram motivo para d`elle me não servir nas minhas observações, etc. (CHATELAIN, 1888-89, p. XV)

Diante da análise crítica acerca da obra de Pacconio feita por Cannecattim,

Heli Chatelain (1888-89) assumiu uma atitude apologética e afirmou:

Tendo examinado o opusculo devemos dizer que achamos a crítica do Cannecattim não só excessiva, mas injusta. Considerando a época em que foi composto, o livrinho merece, no ponto de vista linguístico, todo o louvor, tanto pela correcção grammatical como pela consequência orthographica. (CHATELAIN, 1888-89, p. XV-XVI).

Os princípios de apontamentos gramaticais de kimbundu contidos no

catecismo de Pacconio serviram de base para a elaboração da gramática de

Padre Pedro Dias, com o título: A arte da língua de Angola, oferecida a Virgem

Senhora N. do Rosário, Mãy, e Senhora dos mesmos pretos, que é o próximo

tema.

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

93

3.2.2. A arte da língua de Angola, oferecida à Virgem Senhora N. do Rosário,

mãe e senhora dos mesmos pretos

A arte da língua de Angola, oferecida a Virgem Senhora N. do Rosário,

Mãy, e Senhora dos mesmos pretos é a primeira gramática do kimbundu,

apresenta as prescrições letradas para o uso normativo do kimbundu de forma

estruturada, segundo o modelo de tradição gramatical greco-latina. Foi elaborada

e escrita por Padre Pedro Dias, da Companhia de Jesus, na Bahia, em 1696, e

publicada em Lisboa, na Officina de Miguel Deslandes, impressor de S. M., com

todas as licenças, no ano de 1697. Dias, para a elaboração da sua obra, serviu-se

das anotações gramaticais e do kimbundu corrente no catecismo do Padre

Francisco Pacconio.

O Padre Pedro Dias, em 1694, escrevia ao Padre Tirso Gonzales, que

desempenhou o cargo de Superior Geral da Companhia de Jesus, desde 1687

até 1705, informando-lhe que, em 1624, tinha começado a escrever um

vocabulário português-angolano e que pretendia, ao concluí-lo, compor um

vocabulário angolano-português (ROSA, 2013, p. 23-27).

Sublinhando a primazia da sua obra, Pedro Dias lamenta a morosidade de

todas as autorizações necessárias para a publicação, que se deviam às diversas

licenças de autoridades eclesiásticas e civis pelas quais tinha que passar a obra.

Em tom de desabafo, Pedro Dias havia exclamado assim: “[…] estão à espera

dela muitos novos e velhos que trabalham com estes miserabilíssimos e

ignorantíssimos homens, e não se acha nenhuma Gramática desta língua no

Brasil nem no Reino de Angola”. (ROSA, 2013, p. 26).

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

94

A inexistência de uma gramática de kimbundu em Angola é fato real que

não escapa a Pedro Dias, por vários fatores, entre os quais, no início do século

XVII, havia a circulação frenética de homens e mercadorias entre Brasil e Angola

muito considerável.

Os jesuítas estavam presentes nas duas colônias, estabelecendo uma

troca impressionante de pessoal missionário, escravos e literatura. Outra

demonstração clara da ligação entre as duas colônias até aparece no

encadeamento das invasões holandesas, nesse aspecto, Luciano Figueiredo

(2013) afirmou o seguinte:

Na estratégia holandesa, os portos comerciais dos dois lados do Atlântico sul eram alvos conjugados [...] e para comprar alguns escravos negros, sem os quais nada de proveitoso se pode fazer no Brasil [...] é muito precioso que todos os meios apropriados se empreguem no respectivo tráfico na Costa da África [...]. Nassau lança seus navios sobre o maior mercado atlântico de cativos de Angola. (FIGUEIREDO, 2013, p. 46-47)

O Brasil, para a cultura das suas terras e de outros trabalhos, precisava de

escravos e um grande número deles era capturado em Angola. A importância de

Angola era extrema para o Brasil.

Salvador Correia apelara, no Rio Janeiro, ao patriotismo, e até aos

interesses dos homens abastados, que a perda da posse de Angola a favor dos

holandeses prejudicaria o trabalho e o desenvolvimento do Brasil.

Salvador partiu no dia 12 de maio para Angola, alçando a vitória, quase

miraculosa, expulsando os holandeses no dia 15 de agosto de 1648. A vitória de

Salvador Correia e a derrota dos holandeses deixou uma lembrança tão viva na

memória do povo que, ainda em 1812, celebrava-se, em Luanda, uma festa em

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

95

ação de graças pela vitória7. Nesse sentido, no que tange a honrar Salvador

Correia e sua vitória, Maria Eugênio Neto (2011) escreveu o seguinte: “Em

Angola havia apenas 2 liceus: Liceu Nacional Salvador Correia em Luanda e o

Liceu Nacional Diogo Cão em Sá da Bandeira” (NETO, 2011, p. 42).

Brasil e Angola constituiam então um “espaço aterritorial”, o “arquipélago

lusófono composto pelos enclaves da América portuguesa e das feitorias de

Angola”, as duas partes unidas pelo oceano (ROSA, 2013, p. 56-57).

Nessa altura, Brasil e Angola eram duas partes do mesmo império

português das duas margens do oceano Atlântico. “Brasil – ou – Angola” não

parece ser uma questão distante no mundo em que Dias escreveu a gramática. A

relação entre esses dois territórios era então bem mais estreita do que agora, a

ponto de, no início do século XVII, essa ligação verificava-se entre os padres

jesuítas residentes nas duas margens do ocêano Atlântico. Nesse aspecto,

Serafim Leite escreveu que: “[...] sugerir ao Provincial de Portugal a proposta de

tornar Angola missão do Brasil, para virem de lá Padres de língua, aptos a

tratarem com os negros”. (LEITE, 2004, p. 336).

A arte da língua de Angola, oferecida a Virgem Senhora N. do Rosário,

Mãy, e Senhora dos mesmos pretos foi redigida na Bahia, em 1696, para as

necessidades pontuais de um Brasil escravocrata e só foi publicada em 1697, em

Lisboa, três anos antes da morte do autor.

7 Em Luanda, as origens do Liceu “Salvador Correia” remontam a 25 de Abril de 1890. Em 1924,

assumiu a designação de Liceu Nacional Salvador Correia de Sá e Benevides, em homenagem ao homem que reconquistou Luanda para a coroa portuguesa em 1648, depois da cidade ter sido ocupada por holandeses.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

96

3. 2. 2.1. Estruturação da Arte da língua de Angola

Na Arte da língua de Angola, Padre Pedro Dias não apresenta nenhum

índice ou sumário, mas, pelos conteúdos e para uma chave de leitura, podemos

traçar o esquema da seguinte forma:

1 - Título: A arte da língua de Angola, oferecida a Virgem Senhora N. do

Rosário, Mãy, e Senhora dos mesmos pretos, pelo P. Dias da Companhia de

Jesus.

2 - Licenças - Da Ordem

Do Santo Officio

Do Ordinário

Do Paço

3 – A Arte da língua de Angola oferece – “Advertências de como se ‘hade’

ler & escrever esta língua”

4- Dos nominativos

5 - Pronomes primitivos ego etc.

6 - Pronomes demonstrativos, hic, iste etc.

7 - Pronomes relativos

8 - Pronomes demonstrativos, meus, tuus, etc.

9 - As partículas distintivas das pessoas são as seguintes:

Sing 1.ngui 2.u, 3.u. plur, 1.Tu 2.mu 3. A

10 - Conjugação que serve para todos os verbos (Notas)

a) Verbos negativos

b) Do verbo substantivo

11 – Rudimentais

12 - Gêneros

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

97

13 - Dos pretéritos (Advertência)

14 - Dos verbos compostos

15 - Das composições de nomes verbais

16 - Dos aumentativos

17 - Sintaxe (Notas)

18 - Verbos personale

19 - Prima, & secunda, persona etc.

20 - Aut cum plus significamus etc.

21 - Verbum infinitum etc.

22 - Você copulative

23 - Nomina adjective (Notas)

24 - Relativum qui, que, quod (Notas)

25 - Interrogatio & responsio

26 - Genitivum post nomen

27 - Partitivos

28 - Superlativa

29 - Verba neutra

30 - De Constructione verbi activi

31 - Dativos & accusativos depois dos verbos

32 - Verbos auferendi

34 - Verbum passivum

35 - Própria pagorum

36 - Dos gerúndios em di, do, dum

37 - Advérbios

38 - Interjeição

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

98

39 - Conjunções

40 - Notas.

FINIS, LAVS DEO

Em a Arte da língua de Angola, Pedro Dias nunca utilizou a palavra

kimbundu, apenas “língua de Angola”, mas sabe-se que, em Angola, desde

sempre, existiram várias línguas, e o kimbundu só se fala em uma região e não

abarca toda a extensão do território angolano. Para esclarecer essa questão, urge

tecer as seguintes considerações:

A perplexidade de vislumbrar Angola na formulação de Pedro Dias e sua

compreensão geopolítica do contexto hodierno só surge para quem olhar para

Angola como um país da África austral. Pedro Dias, porém, não escreveu tendo

em consideração a extensão territorial do mapa da República de Angola, porque

suas fronteiras são posteriores, definidas com base na conferência de Berlim, em

1884-1885, isto é, na segunda metade do século XIX. O conceito de Angola de

Pedro Dias para seus coetâneos e seus leitores se circunscreve a Angola do

século XVII, do reino do Ndongo e Matamba, diferente geograficamente da

Angola de hoje.

Angola é uma palavra que derivou do termo Ngola, que é de língua

kimbundu, e significava título de realeza no Reino do Ndongo e Matamba, como

demonstra o elenco dos últimos reis – rei Ngola Inene, ao qual sucedeu o rei

Ngola Kilwanji, cuja extensão do território compreende hoje as províncias de

Luanda, Bengo, Kwanza Norte, Malanje, o sudoeste do Uíge e o norte do Kwanza

Sul.

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

99

O kimbundu era a língua que identificava o reino do Ndongo e Matamba e,

nos primeiros tempos, os portugueses passaram a chamar o território de - “terras

de Ngola” - usando essa sinédoque para designar o reino do Ndongo e Matamba.

“A” (letra antecedida à palavra “Ngola”), em kimbundu, funciona como um

gramema que marca o plural. Nesse caso, a palavra (Angola) significa “dos

Ngolas ou os Ngolas”. Nessa acepção, os portugueses usavam o termo para se

referir às terras dos Ngolas ou reino Ndongo e Matamba, onde se situa Luanda, o

grande centro, e um dos portos principais, onde eram exportados muitos

escravos, arrastados de muitas partes do interior de vários reinos.

Os escravos exportados a partir de Luanda, independentemente das suas

origens, aprendiam algum kimbundu, eram batizados nessa língua antes de

serem embarcados para o Brasil. Da designação do reino de Angola, o nome

posteriormente estendeu-se e passou a designar todo o território do país que é a

Angola de hoje (MUDIAMBO, 2014, p. 36).

Pedro Dias (1697) na Arte de língua de Angola, parece intuir e já esclarecer

o problema das várias línguas de Angola quando trata dos pretéritos dos verbos,

elucidando o seguinte:

Têm os verbos desta língua geralmente três pretéritos perfeitos; o 1. Significa há pouco tempo; o 2. que mais tempo; o 3. que há muito mais tempo. Porém tem-se por experiência que algumas vezes usam um por outro; deve ser pela variedade de línguas e das terras e nações de proveniência. (DIAS, 1697, p. 24).

A Companhia de Jesus, no século XVII, tinha a sua missão em Luanda –

Angola; também, estava envolvida no tráfico dos escravos, exportando-os para o

Brasil para as necessidades daquela companhia e dos seus engenhos.

Atendendo o fluxo dos escravos que embarcavam no porto de Luanda, em

Angola, para o Brasil, Pedro Dias escreveu a Arte da língua de Angola

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

100

(kimbundu), formulando os elementos essenciais da morfologia do kimbundu,

tecendo advertências fonéticas, vocábulos e construção de frases, adaptando

esse aparato linguístico ao contexto do dia a dia entre ele e os escravos que

chegavam de Angola. Sylvan Auroux (2009) discernindo sobre essas situações,

afirmou:

[…] aquém desse patamar, a única realidade que conta são os indivíduos humanos que se comunicam entre si. As relações de comunicação só podem se efetuar na base das competências linguísticas, isto é, de aptidões atestadas por suas realizações para que haja comunicação, é preciso que certas aptidões tenham entre si ar de família, sem que seja necessário, mesmo provável que sejam idênticas. É preciso também que elas se realizem em certo meio de vida e em um contexto social. (AUROX, 2009, p. 127-128)

O procedimento de Pedro Dias de elaborar e publicar a Arte de língua de

Angola, e um vocabulário português-angolano, e angolano-português, é peculiar,

mas não é original porque a Companhia de Jesus, como instituição

evangelizadora, se havia projetado para esse tipo de obras8, já existiam outras

artes de outras línguas em nível da Companhia de Jesus que estavam em voga e

serviam de arquétipos.

Para se cumprir o desiderato assumido pela Companhia de Jesus de

evangelizar os povos nas próprias línguas, propunham-se critérios assentes nas

orientações para a produção típica de material didático para a aprendizagem e o

ensino de línguas estrangeiras, como gramáticas, vocabulários e os catecismos

que exemplificariam as frases de línguas ágrafas.

8 Já constava das Constituições de 1558 que os missionários jesuítas se esforçassem para

aprender bem a língua do povo. As regras comuns reapresentavam a mesma diretiva: cada um deveria aprender a língua da região em que residisse, a não ser que sua língua nativa fosse aí de maior proveito (ROSA, 2013, p. 50).

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

101

O domínio de uma língua consistia na aquisição do vocabulário,

conjugação dos verbos, ou declinar e ter a capacidade de construir frases

condizentes com as necessidades circunstanciais.

O método gramatical aplicável a todas as línguas era uma proposta nova

de ensino de Amaro Roberedo, publicado em 1619, em consonância ao método

do Jesuíta Manuel Alvares (FÁVERO, 1996, p. 40-42), nesse contexto, analisando

o desenrolar da utilização gramatical dos jesuítas, Maria Carlota Rosa (2013)

escreveu o seguinte:

A gramática de Manuel Álvares viria a substituir o trabalho do flamengo Johannes Despauterius, ou Jan van Pauteren (1460-1520), adotado nos colégios da Companhia em Portugal em razão de não haver outra que lhe fosse superior, como comenta o Pe. Francisco Rodrigues [...] que os nossos professores adotem a gramática do P. Manuel. Se em algum método parecer muito elevada para a capacidade dos alunos, adote então a gramática romana, ou após consulta ao Geral, mande compor outra semelhante, conservando sempre, porém, a importância e propriedade de todas as regras do P. Álvares. (ROSA, 2013, p. 63-64).

Pedro Dias afirma não haver nenhuma obra precedente em kimbundu: “e

não se acha nenhuma gramática desta língua no Brasil nem no Reino de Angola”.

A obra em si, a Arte da língua de Angola (1697) é original, mas, para a sua

elaboração, serviram de matéria-prima as advertências gramaticais, aplicadas aos

conceitos doutrinais, de Padre Francisco Pacconio, escritas algumas décadas

antes. Sobre esse aspecto, Maria Carlota Rosa (2013) manifestou-se assim:

Para fazer uma gramática do quimbundo, além de um modelo descritivo, Pedro Dias precisava de uma codificação que registrasse os dados dessa língua. Um trabalho surgido na própria Companhia de Jesus cerca de meio século antes, escrito pelo Padre Francisco Pacconio (1589-1641) lhe traria ajuda. (ROSA, 2013, p. 63-64)

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

102

Consta que Pedro Dias9 nunca tinha estado em Angola e, em 1663,

dominava já a língua desse lugar. Para assegurar a correção da gramática e a

isenção de erros, ele se serviu de revisores competentes, à altura do domínio da

língua de Angola.

O Padre Serafim afirmava ser angolano, catequista de escravos, que

entrou na Companhia de Jesus, em 1683, e que percorria os engenhos e impelia

os senhores a conceder plena liberdade aos escravos para praticarem a religião

nos dias destinados ao culto divino. Faleceu no Recife, em 1707.

António Cardoso dizia que era angolano, catequista de escravos. Entrou na

Companhia de Jesus em 1684 e foi reitor do Colégio do Rio de Janeiro, onde

morreu em 1749.

Outro, António Cardoso, o mais velho, era português, nascido em Braga,

“Padre que esteve muito tempo em Pernambuco, e de quem se dizia, em 1694,

que sabia bem a língua de Angola” (LEITE, 1938-1950, p. 274-279).

3. 2. 2. 2 Título: A arte da língua de Angola

A Arte de Pedro Dias começa com a Oferta da obra à “Virgem Senhora

Nossa do Rosario, Mãy, e Senhora dos mesmos pretos”. Essa devoção à Nossa

Senhora estava muito em voga na época10. Os autores da época costumavam

9 “Foi superior de Porto Seguro, Reitor de Santos, Procurador nos Engenhos. Entre 1683 e 1690

foi Reitor do Colégio Jesuíta da Olinda, um dos três colégios reais do Estado do Brasil entre os séculos XVI e XVIII [...]. Era versado em Medicina e, quando da eclosão da epidemia do “mal da bicha” em Pernambuco, teria tratado muitos negros da África com remédios que ele próprio manipulava. Foi considerado um grande defensor dos escravos, que, em multidão, acompanharam seu enterro na Bahia, em 1700” (ROSA, 2013, p. 23).

10 Em 1671, o português António Caminha esculpiu uma imagem de Nossa Senhora da Glória e a

colocou numa ermida de taipa no alto de um morro no começo da Praia de Uruçumirim (atual Praia do Flamengo). Tal ermida daria origem, no século seguinte, à Igreja de Nossa Senhora da

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

103

oferecer as obras às pessoas ilustres de renome social ou aos santos. Assim

Pedro Dias oferece a sua obra “Virgem Senhora Nossa do Rosário”

A Arte de Pedro Dias é uma formulação destinada para os evangelizadores

jesuítas, com o intento de atingirem os seus evangelizandos em sua própria

língua materna. Ela espelha a pastoral de transmissão oral da palavra por meio

da pregação, método pedagógico catequético adotado pela Companhia de Jesus

nas suas missões visando aos evangelizandos iletrados, nesse sentido, Leonor

Fávero e Molina (1996) escreveram que:

[...] como se pode observar, a gramática não tem por finalidade de ensinar a língua, mas fornecer modelos (literários) àqueles que já possuem a língua padrão; ela é ao mesmo tempo o reflexo e o resultado de uma organização social e ferramenta da classe dominante, uma força ativa de sua ideologia, para manutenção desta dominação: o gramático, talvez sem perceber, desempenha o papel ideológico de exclusão do saber (e do poder) das camadas que não constituem a elite. (FÁVERO; MOLINA, 1996, p. 45)

O potencial destinatário de Pedro Dias não é o analfabeto negro de Angola,

homem, mulher ou criança falante de língua materna kimbundu ou sua língua

secundária, mas um jesuíta falante de uma língua europeia e do latim, na prática

de aprendizagem de uma língua com intenções missionárias. Os padres jesuítas

chegaram à conclusão de que não era uma tarefa fácil para uma pessoa adulta

aprender uma língua estrangeira. Em consonância com o fenômeno de

aprendizagem de uma língua extra europeia, Maria Carlota Rosa (2013) escreveu

assim:

Glória do Outeiro. No mesmo ano, terminaram as obras da Igreja de Nossa Senhora do Monte Serreado, no Morro de São Bento, ligando os morros do Castelo e de São Bento.

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

104

[…] e os que vêm de Portugal, ainda que aprendam a língua, nunca chegam a mais que a entendê-la e poder falar alguma coisa, pouco para ouvir confissões, nem acabam tanto com os índios como os outros (os sujeitos nascidos no Brasil), que sabem seus modos de falar. (ROSA, 2013, p. 23)

3. 2. 2. 3 Licenças

Da Ordem

Do Santo Officio

Do Ordinário

Do Paço

Na época em que foi publicada a Arte da Língua de Angola, eram

necessárias as licenças e ordem de três entidades (Do Santo Officio11, Do

Ordinário local12 e Do Paço) para uma obra ser publicada e obter credibilidade.

As duas primeiras instâncias de censura constituíam a manifestação de poder

religioso, e a terceira, do poder do rei. Nenhuma das três instâncias de autoridade

supracitada, naquele momento, tinha uma sede no território brasileiro.

A primeira delas, a do Santo Ofício, presidia o território brasileiro com a

sede de jurisdição do tribunal localizada em Lisboa.

A segunda era a do Ordinário local, em princípio o bispo titular da diocese.

A terceira e última licença era de competência do poder real, concedida

pela “Mesa do Desembargo do Paço, Tribunal Superior com sede em Lisboa,

11

Santo Ofício – ou Inquisição: era uma instituição do sistema jurídico da Igreja Católica Romana com o fim de combater aos hereges, pois segundo a concepção da Igreja Católica, uma heresia constituía um grave delito contra a doutrina ou unidade da Igreja. 12

Ordinário local: esta expressão, na Igreja Católica, designa o Bispo de uma diocese, geralmente salientando o múnus de coordenador e supervisor, como verba no Direito Canônico nos Cânones 549, §1 e 2; 560, “- Nos casos em que o julgar oportuno, o Ordinário local pode ordenar […]” e no Cânone 562; “- Sob a autoridade do ordinário local e respeitando os legítimos estatutos e os adquiridos […]” Cân. 1064 “– Compete ao Ordinário local cuidar que essa assistência seja devidamente organizada, ouvindo, se parecer oportuno, homens e mulheres de comprovada experiência e competência”. Código do Direito Canônico, (JOÃO PAULO II,1983, p. 263-265).

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

105

“constituído por um corpo de magistrados” (os desembargadores do Paço),

presidido pelo rei até 1564, todavia, no século XVII, já era presidido pelo

desembargador mais antigo”13.

Para os padres das Ordens Religiosas, o caso dos padres jesuítas, além

das licenças já mencionadas, eram necessárias as prévias autorizações de seus

superiores; provincial14 e geral15, antes de apresentarem as obras às instâncias

de poder supracitadas.

Para a obtenção de todas essas autorizações, naquela época, as obras

produzidas no Brasil se viam obrigadas a serem enviadas à Lisboa. Outrossim,

havia ainda um motivo correlativo para a obra ir à Metrópole, além da submissão

às instâncias de censura, mesmo que autorizada, a obra não poderia ser

impressa no Brasil, porque não havia permissão da Coroa Portuguesa para a

abertura de prelos no Brasil colônia, como havia nas colônias das terras da África

e da Ásia, mas não para colônia do Brasil.

Somente em 1808, com o estabelecimento da Família Real no Brasil,

houve a criação da Impressão Régia, e com isso a atividade da impressoria

passou a desenvolver-se regularmente no Brasil, uma vez que as condições

materiais foram estabelecidas com a chegada da Família Real e seu séquito

(ROSA, 2013, p. 23).

13

Portugal/Direção Geral de Arquivos, 2008. 14

Provincial: é a palavra com que se designa o cargo, é um superior de nível hierárquico de alto grau numa instituição religiosa e que se subordina ao comando de um superior geral da mesma instituição, supervisionando todos os membros numa divisão territorial da ordem chamada de “província”. 15

Superior Geral: na Igreja Católica, refere-se a um religioso eleito para governar todo o Instituto ou Ordem Religiosa. O Padre Geral, como é comumente conhecido, reside na Cúria Generalícia em Roma.

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

106

3. 2. 2. 4. Advertências de como se “hade” ler e escrever esta língua

“Pronunciar, & escrever he como na língua latina” (DIAS, 1697, p. 1). Não

obstante esta afirmação de Pedro Dias, referindo-se ao kimbundu, não se pode

esperar que ele tivesse tido em mente a pronúncia reconstituída do latim clássico,

mas a de um latim pronunciado em termos das convenções ortográficas do

português, em um período em que o latim tomara as diversas pronúncias

nacionais (BURKE, 1991, p. 59).

A ortografia adotada para a grafia do kimbundu na formulação do

catecismo e princípios gramaticais de Pacconio & Couto e na Arte de Pedro Dias

baseava-se no alfabeto latino, propagado, também, para o português. Essa base

compartilhada sustentou para o mundo português, do final dos anos de mil e

seiscentos, a ortografia portuguesa, que também se guiava, então, pela relação

de letra-som a partir dos textos latinos, estendendo essa prática à formulação

ortográfica para as terras do império português, mesmo que se leve em conta a

liberdade que permitia procedimentos de cunho individual que se encontram

veiculados nas obras desse tempo, norteadas pelo esforço de: “[…] cada hum

farâ como lhe melhor parecer […]” (ROSA, 2013, p. 85).

Pedro Dias buscou no latim e no português a justificação de todos os sons

do kimbunbu, mas, debatendo-se com algumas dificuldades, primou pela

inovação que urge das diferenças de sons, relacionando símbolos de alfabeto

latino a sons inexistentes no latim-português, por meio de novas combinações

que, no caso do kimbundu, geraram os dígrafos como: mb, mp, ng, nj, nv, nz.

Nesse sentido, Heli Chatelain (1888-89) observou o seguinte:

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

107

[...] m e n não nasalizam a vogal antecedente, mas a consoante imediata. Ambos representam o nasal: m ante as labiais b, v, no sertão também ante p e f (mb, mv, mp, mf) e n ante as dentais brandas d, z, j e a gutural branda g (nd, nz, nj, ng). O m e n precedendo consoante sempre se devem escrever e pronunciar juntamente com a consoante, v.g. ambula = a + mbu + la (deixa); ndongo = ndo+ngo (nome do reino kimbundu); ngengi= nge+ngi (rico). (CHATELAIN, 1888-89, p. XXIII).

Apesar das inovações forçadas pela diferença abismal de certos sons,

Pedro Dias permanece ancorado na tradição ortográfica latino-portuguesa como

fundamento, pela familiaridade dos estudos e pela praticidade de adequação ao

novo sistema. Diversas práticas gráficas coexistiram no português desde a Idade

Média, criando um cenário que Maquilhas qualifica de “ortografia pluriforme”, de

coexistência de diversas normas ortográficas (MARQUILHAS, 2000, p. 234).

A ortografia pluriforme do português fez parte de um quadro linguístico

ainda mais complexo entre o século XV e o início do século XVIII, porque, nesse

período, havia em Portugal uma situação de bilinguismo: português e espanhol.

Não obstante a isso, pode-se falar em ortografia pluriforme para o português,

reconhecia-se a existência de usos difundidos entre aqueles que se escreviam em

português, tanto que escrever em português ou em espanhol foi percebido como

usar de regras diferentes; sobre isso Maria Carlota Rosa (2013) escreveu o

seguinte:

A ideia de uma ortografia padrão, fixada em vocabulários ortográficos e validada por instrumentos legais (como o Decreto 6583/2008, que promulgou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa), é estranho ao período aqui em estudo; não deve ser buscado no quimbundo e tampouco antes do século XX no português. (ROSA, 2013, p. 85-87)

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

108

Prover o kimbundu de uma ortografia constituiu, portanto, um recurso para

acelerar o conhecimento linguístico, começando por “vocábulos” e concordâncias,

até formulação de “phrases” necessárias à pregação.

O kimbundu era uma língua ágrafa no século XVII, pode-se dizer que a

publicação do catecismo de Pacconio e da Arte de Pedro Dias não alteraram essa

situação. A ortografia do kimbundu, naquele tempo, não diferia, essencialmente,

daquela que era considerada para o registro de uma outra língua necessária às

missões jesuítas no Brasil: o tupinambá. Ao finalizar a parte em que tratava das

letras na Arte de gramática da língua, mais usada na costa do Brasil pelo Padre

José Anchieta (1595), ele nesse trabalho verbalizou o seguinte:

[…] isto das letras, orthographia, pronunciação, & accento, seruira pera saberem pronunciar, o que acharem escrito, os que começão aprender: mas como a lingoa do Brasil não está em escrito, senão no continuo vso do falar, o mesmo vso, & viua voz ensinarâ melhor as muitas variedades que tê, porque no escreuer, & a accentuar cada hum farâ como lhe melhor parecer. (ANCHIETA, 1595, p. 9).

As artes, como também vocabulários e catecismos, não pretenderam ser a

iniciação linguística para uma cultura escrita, mas é parte de um projeto de

formação missionária para a pregação oral. Os trabalhos em kimbundu de

Pacconio & Couto, assim como o de Pedro Dias, eram ferramentas para

auxiliarem os missionários na sua ação de evangelização.

3. 2. 2. 5. Dos nominativos

Os nominativos, para Dias: “Não tem esta língua declinações, nem casos,

mas tem singular & plural, v.g. nzambi, Deos. Gimzambi, Deuses” (DIAS, 1697, p.

4).

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

109

Segundo Dias, as letras formam sílabas, estas constituem as palavras.

Nessa arquitetura gramatical, os dois primeiros elementos, embora não tenham

significado, são estruturas componentes da palavra.

A palavra tem significado e, combinada a outras, constrói o enunciado.

Sobre ela e suas relações no enunciado, recaem sob as atenções da obra

gramatical. Seguindo a tradição, as classes gramaticais são definidas,

basicamente, por suas características morfológicas. Assim, dentre as oito partes,

há aquelas variáveis – o nome, o pronome, o verbo, o particípio – e há aquelas

que são invariáveis – a preposição, o advérbio, a interjeição e a conjunção.

Não há adjetivo na lista; foi compreendido como uma subclasse dos nomes

onde há o emprego da expressão latina “plural nomina adjectiva”, como Álvares

faz na sua arte.

O particípio e o verbo são duas classes distintas nesse modelo. Na tradição

latina, o verbo tem tempo, além de número e pessoa, mas não caso. O particípio

tem tempo, como o verbo, e caso, como o nome. Em uma língua sem caso, Dias

apresenta, em sequência após o verbo, gerúndios e particípios.

Nesse modelo, uma palavra variável, (regular), pode ser tomada como

modelo (ou paradigma) para o conjunto de variações na forma de outras palavras,

(regulares), variáveis de mesma classe de declinação ou conjunção. Pode,

também, servir como forma primitiva para gerar outras formas de palavra.

O latim não tem artigos, e Dias não individualiza essa classe no kimbundu

nem emprega a denominação artigo. Dias emprega o termo partícula. É como

partícula que Dias classifica o artigo português, sem distingui-lo da preposição “a”.

Se, por um lado, Dias classifica o artigo português como partícula, por

outro lado, partícula não é sinônimo de artigo em sua obra. Partícula é um termo

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

110

gramatical que denota, de modo vago, uma sequência de letra, em princípio curta,

mas uma sequência a que se pode atribuir um significado (ROSA, 2013, p. 97-

102).

3. 2. 2. 6. Notas finais “FINIS, LAVS DEO”

Mesmo não apresentando a ordem rigorosa e clássica da estrutura

gramatical latina, A arte da língua de Angola, de Pedro Dias, configura-se com a

estrutura gramatical greco-latina. Os termos de advertências e notas são usados

para chamar atenção. Esse sistema de notas ou advertências referem-se aos

casos em que o kimbundu se apresenta como totalmente outro em relação ao

esquema latino. Esse aspecto é comum nas gramáticas missionárias, foi

importante para a transmissão, de modo geral, de aspectos que eram

considerados como divergentes daqueles expostos pelas regras de base latina.

Os verbos são apresentados pela comparação temporal, adaptando-os ao

esquema latino que, muitas vezes, extrapolam as nuances que veiculam para um

utente nato, principalmente, nos casos dos ideofonos. Nessa perspectiva, Maria

Carlota Rosa (2000) constatou que:

Neste grupo estão palavras onomatopaicas que, em diferentes

línguas, funcionam como nome, verbo, adjetivo ou advérbio, mas

que formam classes fechadas. Em uari, por exemplo, os ideofonos

são numerosos e funcionam como verbos e nomes. (ROSA, 2000,

p. 113).

Pedro Dias oferece pouco relevo à sintaxe da língua, tal como a

entendemos hoje. Ele chama de sintaxe ao estudo das classes gramaticais em

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

111

situação discursiva, tendo em vista, principalmente, as construções estabelecidas

em torno do “nome” e do “verbo”.

A ordem direta da Frase = Substantivo + Verbo + Complemento Direto,

(F=S+V+CD) funciona como substrato das ‘funções sintáticas’ da frase. O mesmo

esquema se tentou adequar ao kimbundu, ou seja, manter a fórmula clássica

partindo da formulação portuguesa.

Apoiando-se na formulação latina, o nominativo está para o sujeito, o

acusativo para o complemento direto, o ablativo para indicações circunstanciais e

o dativo para os complementos indiretos. A ordem direta da colocação hierárquica

dos elementos da oração “F = S+V +CD+CI” pouco importa para o latim, o que

conta na frase é o caso em que se encontra a palavra, e é isto que define a

função que cada palavra ocupa na frase, e não sua ordem hierárquica de

colocação funcional, regendo-se por estrutura perfilada e fixa, segundo a função

de cada palavra na frase. Também, circunstancialmente, o kimbundu guia-se por

lógica semelhante à latina, (nga di mbiji = eu comi peixe/ mbiji nga di = eu comi

peixe).

A gramática A arte da língua de Angola, oferecida a Virgem Senhora N. do

Rosário, mãy, e senhora dos mesmos pretos, de Pedro Dias, é umas das fontes

principais para elaboração da gramática de Heli Chatelain, que será analisada a

seguir.

3.2.3. A gramática elementar do kimbundu ou língua de Angola publicada em

1888-1889 por Heli Chatelain

A gramática elementar do kimbundu ou língua de Angola apresenta a

reformulacão e elaboração gramatical do kimbundu no século XIX, com base nos

trabalhos gramaticais precedentes de Francesco Pacconio, Pedro Dias e do

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

112

dicionário de kimbundu, de Joaquim Dias Cordeiro da Mata, descartando-se os

estudos de kimbundu de Cannecattin.

Heli Chatelain, missionário protestante, é o autor da Gramática elementar

de kimbundu, ou língua de Angola, publicada em Genebra, em 1888-1889. Esteve

em Angola desde 1885 até 1888, passou os primeiros dois anos em Luanda para

estudar a língua portuguesa e só no terceiro ano é que se deslocou de Luanda

para Malanje, no interior de Angola, viagem que, naquela época, era estimada

entre 10 a 12 dias para se chegar ao destino. Foi nessa localidade que encontrou

espaço e condições favoráveis para se dedicar ao estudo do kimbundu, apesar da

árdua tarefa que tinha como missionário e professor de português na Missão

Protestante Americana. Ele confessou que somente à noite podia dispor de

algumas horas para tomar nota das observações feitas durante o dia (BAIÃO,

1946, p. 77-79).

Essa gramática é destinada para que os kimbundu amem a sua língua, os

portugueses, funcionários e comerciantes, encontrem um meio de socialização

africana, os missionários tenham veículo para a evangelização do povo, e os

africanistas usufruam de um meio útil para a investigação.

Os destinatários da obras de Heli Chatelain são classificados segundo as

suas classes sociais: naturais de Angola, colonos portugueses de várias funções,

missionários e africanistas permeando-se na gramática um cunho ecumênico, e

deixa entender de maneira sutil o problema angustiante da convivência

discrepante e discriminatória das classes sociais na Angola colonial. A esse

respeito Heli Chatelain (1888-89) exprimiu-se desse modo:

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

113

O livro que apresento ao público é destinado principalmente a quatro classes de pessoas: - aos nossos irmãos de cor, pretos e pardos de Angola, com fim de aprenderem a estimar e a cultivar a sua bela língua pátria, - aos nossos amigos portuguezes, funcinários e negociantes em Angola, para que possam melhor cumprir com os seus deveres e atender os seus interesses, tão particulares como nacionaes, - aos missionarios, christãos de qualquer seita, a fim de se habilitarem a anunciar o Evangelho ao “povo que anda em trevas e que habita na região da sombra da morte”, - e finalmente aos nossos colegas africanistas, que de ha muito pediam uma nova grammatica da lingua de Angola. (CHATELAIN, 1888-89, p. IX)

A Angola presenciada e vivida por Heli Chatelain, desde 1885 até 1888,

era, de fato, uma sociedade plena de contrastes, onde se sobressaía uma

esmagadora maioria de comunidades rurais e uma minoria urbanizada composta

por alguns africanos e europeus. As atitudes dos vários grupos sociais oscilavam

entre a integração forçada e gradual ao novo sistema colonial e a resistência a

essa integração com reminiscências amargas da captura de escravos e

deportações sem retorno para o Brasil e outras partes das Américas, lugares

nunca conhecidos pelos negros (MARQUES, 2001, p. 263).

Nessa década de 80, do século XIX, se fizera sentir na colônia uma

crescente atividade exercida localmente por comerciantes, exploradores, militares

e missionários europeus. Com pretensões especulativas, por um lado, ou

animados pela conquista de posições estratégicas, por outro lado. As suas ações

eram empreendidas com vista a determinadas regiões, para o desenvolvimento

de relações comerciais com povos do interior, ao mesmo tempo em que em

ambiente de perplexidade que então se vivia, Portugal efetuava o reconhecimento

das áreas de influência que eventualmente viria a ocupar.

Nessa época, atuou um grupo de pressão constiuído pelos fundadores da

Sociedade Promotora de Conhecimentos Geográficos, criada em Luanda, em

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

114

1880, por Henrique de Carvalho e por outros interessados na expansão do

comércio colonial.

A década de 1880-1890 foi assinalada pelo agravamento dos conflitos que

requeriam uma solução diplomática quando a intervenção militar não conseguia

resolvê-los. As questões do Zaire (Kongo Democrático), de Lunda e de Barotse,

resultantes de disputas entre as pretensões portuguesas, belgas e inglesas,

giravam em torno da preservação das rotas comerciais com o Nordeste e a

defesa da utopia do mapa “cor-de-rosa” (BRUNSCHWIG, 1974, p. 78-88).

Heli Chatelain (1888-89), conhecendo o contexto angolano, fez a

delimitação geolinguística do kimbundu, assim determinada:

As línguas princípaes com que o kimbundu confina - o kixikongo ao norte, as linguas kioko e lunda a leste e o umbundu ao sul – não são, por consequencia, tão diferentes d´elle e entre si, que sabendo-se um d´estes idiomas ou conhecendo a sua construcção, porém, não seja fácil apprender tambem qualquer outro. Observamos, porém, que as línguas com que o kimbundu tem mais analogia, são os seus vizinhos immediatos, kixikongo, fallado no antigo Reino, hoje Districto do Congo, e o umbundu, fallado no antigo Reino, hoje Districto de Benguuella, aos quaes convem juntar o oshindonga, ao sul du Cunene e o kinyika de Mombasa na Costa oriental. (CHATELAIN, 1888-89, p. XIV)

Mesmo conhecendo a cosmolinguística de Angola, Chatelain designa a sua

obra de Gramática elementar do kimbundu ou língua de Angola. A expressão

“língua de Angola” causa perplexidade, como se fosse a única língua a cobrir toda

Angola. Nesse aspecto, ele retoma e continua a vislumbrar Angola na formulação

de Pedro Dias e sua compreensão geopolítica naquele cenário.

No contexto de Chatelain, Angola como um território da África austral já

estava definida com base na conferência de Berlim (1884-1885), isto é, na

segunda metade do século XIX. Mas a obra de Chatelain, publicada em 1888,

retomou a formulação de Padre Pedro Dias, ao identificar o kimbundu, como

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

115

língua de Angola, como se fosse a única língua nativa, em tais circunstâncias já

se revela uma imprecisão, que envolve um erro.

Quanto ao kimbundu, Chatelain aponta as áreas geográficas que falam o

kimbundu e distingue os subgrupos etnolinguísticos do kimbundu pelas suas

isofonias e as respectivas isoglossias (MORÓN, 2008, p. 37) entre o kimbundu

de Luanda e o kimbundu do sertão de Ambaca.

Essas distinções coincidem, também, com as divisões de categorias

sociais entre os negros influenciados pelos brancos, habitantes das cercanias das

cidades nascentes, e os negros do sertão que não têm as interferências da

europeização. Heli Chatelain (1888-89) observa essas circunstâncias

expressando-se assim:

A área em que se falla o kimbundu é approxidamadamente egual á do actual Districto de Loanda, [...] Pungo Andongo, Malange, Ambaca, Golungo Alto, Ambriz, Bengo e os subgrupos dialetais, [...] Quissamas, Libolos, Masongos, Jingas, Bondos e todas as tribus independentes e até aqui refractarias á civilisação e ao jugo portuguez, e cujos dialectos tenham suas particularidades... não se pode negar o seu parentesco com as línguas que lhes defrontam do outro lado... consta-nos que os da Quissama, do Libolo e dos Masongos teem analogia com o umbundu... o dialecto dos jingas seria o kimbundu mais puro, o que se fallava na antiga côrte de Angola ou Ndongo, [...] aos dialectos do kimbundu, devemos primeiro distinguir entre os dialectos intermediaros, que aggregámos ao grupo fallados por povos absolutamente gentios, e o kimbundu propriamente dito, fallado pelos indigenas em parte semi-civilisados dos concelhos acima enumerados, os quaes são governados por chefes portuguezes e sobas avassallados. Se quizessemos notar todos os matizes de pronunciação e todas as diferenças lexicologicas e morphologicas, teriamos de subdividir o kimbundu em quasi tantos “patois” quantas são as villas e povoações do districto de Loanda; entre todos porém avultam dous: o de Loanda, e como typo dos do sertão, o d`Ambaca. (CHATELAIN, 1888-89, p. XII-XIII)

Quanto à estrutura da gramática de Chatelain, pode ser divida em seis

partes, a saber:

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

116

A primeira parte é constituída por questões fonéticas, sublinhando a

chamada de atenção sobre as especificidades de pronúncia em kimbundu. Essa

parte fonética é muito semelhante a da gramática de Pedro Dias.

A segunda parte consiste na morfossintaxe, uma conceitualização

demonstrativa da existência e funcionamento das 10 classes de substantivos e

das categorias gramaticais em kimbundu. A sintaxe aparece na formação de

frases como modelos de referência para o uso e funcionamento da língua.

Assevera as concordâncias por prefixações, e critérios de identificação de

palavras prefixadas e suas ocorrências.

A terceira parte comporta 61 provérbios de kimbundu recolhidos e

colecionados, pelo autor.

Na quarta parte, o autor faz uma exposição de enigmas e advinhas.

A quinta parte é preenchida por alguns contos, apólogos ou narrações.

A sexta parte comporta a exposição das diferenças principais e variações

linguísticas (dialetais) entre o kimbundu do sertão (Ambaca) e o de Luanda.

Em termos de crítica literária, os estudos precedentes sobre o kimbundu

são tomados por Heli Chatelain, que fez análises e teceu considerações em duas

dimensões; por um lado, receber, louvar e adaptar e, por outro lado, criticar e

reprovar. Sobre o catecismo de Francesco Pacconio, Heli Chatelain (1888-89)

qualificou-o assim:

Considerando a epoca em que foi composto, o livrinho merece, no ponto de vista linguistico, todo o louvor, tanto pela correcção grammatical como pela consequencia orthographica. No que diz respeito ao dialecto particular do catechismo são, salvo poucas excepções, perfeitamente correctas. (CHATELAIN, 1888-89, p. XVI)

Heli Chatelain (1888-89) considera a gramática de Pedro Dias, A arte da

língua de Angola, publicada em Lisboa, em 1697, uma obra pequena, mas correta

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

117

e é adotada como referência para o seu trabalho. Sobre ela teceu a seguinte

referência:

A primeira obra puramente grammtical sobre o kimbundu foi A Arte da Lingua de Angola, oferecida a Virgem Senhora nossa do Rosário, Mãy, e Senhora dos mesmos Pretos, pelo P. Pedro Dias, da Companhia de Jesus, na Officina de Miguel Deslandes, impressor de S. M. Com todas as licenças no ano 1697. Este livrinho era já tão raro nos fins do século passado que Cannecattin não teve conhecimento d´elle. Conhecemo-lo nós por uma cópia manuscripta que o sr. Dr. Alfredo Troni de Loanda nos fez obsequio de nos emprestar na vespera do nosso embarque para a Europa. Este trabalho desenvolve e completa as “regras brevissimas” que acompanham o catechismo, do qual, também, são tirados os exemplos que devem elucidar as regras. Estas, conquanto não primem pela correcção do portuguez, nem pela proriedade da terminologia, provam, no entanto, que o autor entenia bem o mechanismo do kimbundu. (CHATELAIN, 1888-89, p. XVI)

Heli Chatelain tece uma severa crítica considerando os trabalhos de

Bernardo Maria de Cannecattim, o Dicionário da língua bunda, publicado em

Lisboa, em 1804, e suas observações gramaticais como incorretas e portadoras

de uma escrita confusa. Nesse sentido, Heli Chatelain (1888-89) asseverou que:

Em 1804 o capuchinho italiano Fr. Bernardo Maria de Cannecattim deu à luz o seu prolixo e confuso “Dicionario da lingua bunda ou angolense” com a tradução latina e portugueza, seguido no anno seguinte da sua “collecção de Observacções grammaticaes sobre a lingua bunda etc.,” teve a honra de uma segunda edição en 1859. Estes trabalhos são respeitaveis pelas excellentes intenções do autor. Os prefacios de ambos são muito interessantes historicamente e conteem muitas boas cousas sobre a conveniencia para portuguezes de aprenderem a lingua dos indigenas, sendo, todavia, para lastimar a forma por que o autor falla dos pretos, chamando-lhes brutos etc..., Enquanto ao seu valor lexicologico e grammatical... tem tantos e tão grosseiros erros, imperfeições e defeitos... e por isso, em vez de auxilio e utilidade, serve ao contrario de um gravissimo embaraço não só para europeus, mas até aos mesmos eclesiasticos naturaes de Angola. (CHATELAIN, 1888-89, p. XVI)

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

118

Padre António Moreira Basílio, citado pelo Padre Domingos Viera Baião

(1940), ambos missionários em Angola, avalia a obra de Heli Chatelain e

descortina-a como um plágio ensombrado da gramática de Pedro Dias, A arte da

língua de Angola, publicada em Lisboa (1697); em uma crítica acerrima afirmou

que:

A gramática de Chatelain nada mais é que uma atualização “aliás perfeita” da gramática de Padre Pedro Dias, com base no prefácio do próprio Chatelain […] à apresentação de uma jóia de tão alto valor linguístico como a gramática de Chatelain, a coberto de tão fraco dispêndio de energia própria. (in BASILIO apud BAIÃO, 1946, p. 77-79).

A obra de Chatelain é a única gramática de kimbundu que é trilingue,

usando simultaneamente o inglês, o português e o kimbundu. As explicações do

funcionamento gramatical do kimbundu são realizadas em inglês e português,

atingindo, assim, o maior número de utentes, e também é uma das obras mais

citadas em nível internacional no que concerne ao estudo do kimbundu.

O gramático José Luiz Quintão serviu-se dessa obra como uma das fontes

principais para os estudos de kimbundu que concluiu na publicação da Gramática

de kimbundu, com a primeira edição em 1934, constituindo no tema seguinte.

3. 2. 4. Gramática de kimbundu de José Luíz Quintão (1934)

A gramática de kimbundu de José Luíz Quintão é de 1934, nasce em

mundo acadêmico na escola superior colonial, apresenta a dimensão do

kimbundu em uma Angola colonial do século XX.

Na gramática de Quintão tem-se a intenção de se estudar o kimbundu não

para o seu cultivo e desenvolvimento, mas como um instrumento oportuno para

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

119

penetrar no pensamento e psicologia dos povos bantu com o intuito de dominá-

los. O prefácio e o prólogo dessa mesma gramática passam essa mensagem de

manunteção da hegemonia colonial usando essa língua local.

José Luíz Quintão assumiu a regência provisória da cadeira de professor

de kimbundu, em novembro de 1932, na Escola Superior Colonial de Luanda,

suprindo a vaga aberta pelo falecimento do seu competente e dedicado professor

J. M. Delgado. Dois anos depois de ter assumido o ensino da língua kimbundu,

elaborou e publicou a Gramática de kimbundu, em 1934, com o intuito de suprir a

lacuna da escassez das versões da gramática de kimbundu e de satisfazer as

exigências de todos os que se dedicam ao estudo da glória africana em um

sistema colonial, como bem expressou o próprio Quintão (1934):

Tornando-se de absoluta necessidade a publicação de uma gramática de kimbundo, não só para o estudo dos alunos que frequentam a Escola Superior Colonial, mais ainda para toda a categoria de pessoas, que de qualquer forma, exerçam o seu mister na nossa província de Angola; pois, só pelo conhecimento perfeito da língua indígena se pode exercer um domínio eficaz e ministrar ao indígena um ensino profícuo; e não havendo uma gramática de fácil compreensão, metódica, clara, e que se imponha como livro didáctico, a-fim-de com facilidade poder ser assimilada. (QUINTÃO, 1934, p. 1).

Para a elaboração da obra, Quintão faz uso da tradição dos estudos

precedentes ao seu alcance, que grassam desde o século XVI até o seu tempo.

Trabalhos e edições essas que mantêm viva a mesma tradição. Referindo-se a

alguns estudos de línguas africanas, recorre a W.B. Boyce, Sir Georg, W. E.

Emmanuel Bleck e a tantos outros, mas Quintão (1934) afirma ter como fontes

próximas e mais usuais Chatelain e Cordeiro da Mata, e assim ele faz essa

revelação:

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

120

Confesso que nesta tarefa, fui muito auxiliado pela Gramática de Heli Chatelain e pelo Dicionário de Joaquim Dias Cordeiro da Mata, ambos livros, especialmente o primeiro, tive de, frequentemente, consultar e compulsar para uma coordenação adequada a atingir o fim a que me propuz. (QUINTÃO, 1934, p. 1)

A Gramática de kimbundu, de José Luiz de Quintão, em questões de

unidades da matéria é constituída por:

1- Prefácio

2 - Prólogo

3 - Fonética

4- Morfossintaxe

5- Resumo em quadros dos principais assuntos

6- Exercícios

7- Diferenças principais entre o dialeto do Sertão e o de Luanda

8- Vocabulário kimbundu-português

9 – Vocabulário português-kimbundu

O objetivo da publicação da gramática de Quintão ultrapassa a dimensão

pura e simplesmente acadêmica, para se revestir de uma dimensão sociopolítica,

religiosa e até hegemônica, como julga o mesmo Quintão (1934), afirmando:

Julgo e convenço-me de que esta obra prestará um bom serviço, aos missionários, militares, funcionários públicos, negociantes, agricultores e a todas as pessoas em contacto com os indígenas da região, mas mui especialmente aos magistrados ou a quem suas vezes fizer, isto é, a quem esteja confiado o julgamento de certas causas, e que, para conhecer a qual das partes litigantes, assiste a razão, terá de recorrer a um intérprete (a maior parte das vezes subornado) para fazer o interrogatório, não podendo, por este processo dar uma sentença justa, a não ser com excessiva cautela. É, pois, indispensável e de absoluta necessidade, a toda categoria das pessoas anteriormente mencionadas, o conhecimento perfeito da língua indígena, visto ser a maior arma de assimilação política

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

121

que os povos colonizadores devem manejar para obter vantagens incalculáveis, preparar um futuro risonho e conseguir o desideratum visado. (QUINTÃO, 1934, p. 2).

João de Castro Osório (1934) lavrou um arguto e brilhante prefácio, em

setembro de 1934, revestindo-o de um tom hiperbólico e certa dose de

dogmatismo. Verbalizou assim:

[…] Facto curioso: em todas as obras dos portugueses nos estudos de filologia africana há uma constante preocupação prática da utilidade desses estudos na obra da colonização, e a mesma preocupação, o mesmo sentido de utilidade, embora com método superior, se vinca na obra do Professor José Luiz Quintão. (QUINTÃO, 1934, p. VI).

Para Osório (1934), a gramática de Quintão, pelo conhecimento da língua

que proporciona, é um instrumento oportuno para penetrar no pensamento e

psicologia dos povos bantu, cuja convivência já era secular, afirmando que:

[...] por outro lado, o longo convívio com os povos de língua bantu – na obrigação de bem penetrar a sua psicologia e as modalidades mais complexas e mais recônditas do seu pensamento ou da sua expressão, permitiu-lhe realizar uma obra viva e perfeita, em que o sentido exacto das palavras e das construções e modalidades do discurso não sofre, como nalguns outros, os erros de uma interpretação literal e quantas vezes errada. (QUINTÃO, 1934, p. VII).

Quanto ao método usado na gramática de Quintão, ele fez uma incursão

na história das ideias das línguas bantu, relevando a osmose do espírito de

ciência abstrata ao procedimento prático e utilitário, e Osório (1934) teceu essa

apreciação:

Desde o século XVI até hoje uma série de estudos, de trabalhos, de edições, mantém viva a mesma tradição. Necessário, porém, se tornava que n`um único livro, com um método superior, com uma visão clara do fim prático a que estes livros se destinam e ao mesmo tempo com elevação científica se realizasse emfim um método das línguas bantu. Para um dos dialectos bantu, para o kimbundo, vem este livro, continuando uma tradição e completando, n`uma realização perfeita, suas tentativas, realizar a obra

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

122

necessária. Dois intuitos e duas directrizes se reúnem neste livro: - o espírito de ciência abstracta e o espírito prático e utilitário. Fusão que faz deste método, realmente, uma obra sobremodo notável, coroamento de um grande esforço cientifico de conhecimento e a sua adaptação a fins reais de acção,... O sentido prático e utilitário revela-se neste método completo para o estudo do kimbundo, […] que oferece quer na gramática, quer na exemplificação dos exercícios para o processo de construção das frases, […] método que servirá facilmente de base para estudo de qualquer dos outros dialectos bantu. Uma fácil substituição de vocabulário, e quantas vezes uma leve alteração de som ou de modalidade de pronúncia – que permitira com a base deste método o aprender qualquer das línguas bantu. (QUINTÃO, 1934, p. VI-VII).

Hodiernamente, a gramática de Quintão encontra muita ressonância como

ponto de partida para aprofundamentos posteriores ou para correções e mudança

nos estudos atuais da língua kimbundu.

O professor António Fernandes da Costa, da Universidade Católica de

Angola (UCAN), em seu livro Rupturas estruturais do português e línguas bantu

em Angola, de 2006, rebuscando alguns dos instrumentos teóricos do seu

trabalho centralizado na linha das investigações desenvolvidas por Uriel

Weinreich e Robert Lado, no domínio do bilinguismo, afirma que a medula

espinhal da reflexão que fez tem a sua sustentação nas pesquisas herdadas dos

autores anteriores (COSTA, 2006, p. 26). Versando sobre a pluralização nominal

em português e sobre o verbo suporte, em relação à operação similar em

kimbundu, António Fernandes da Costa (2006) retoma os estudos de José Luiz

Quintão e sustenta o seguinte:

Como a quase totalidade dos autores bantuístas, José Luís Quintão, no prosseguimento da tradição instaurada por Bleeck, agrupa os nomes em classes no estudo dos mesmos, em quimbundo, e atribui a cada classe um número. Assim, os nomes são repartidos em 10 classes, de acordo com o quadro transcrito do autor cujo teor se respeita na íntegra (COSTA, 2006, p. 100).

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

123

Porém, o mesmo professor Costa dissocia-se de Quintão, e de outros

autores, na análise dos mecanismos de concordância que antecedem os nomes

em kimbundu que, às vezes, são confundidos com as categorias equivalentes ao

gênero, requerendo maior atenção. Desse modo, o professor Costa (2006)

elucida seguinte:

A exemplo do que se verifica com maioria dos autores, José Luiz Quintão, ao estudar o mecanismo de concordância do nome, não teve a consciência de que estudava uma categoria equivalente ao género. Pois, não faz qualquer referência a esta categoria gramatical (COSTA, 2006, p. 121).

Desde as anotações gramaticais de Pacconio (1589-1641) até a publicação

da gramática de Quintão, há uma prevalência gradativa de intertextualidade,

entrelaçando imbricações de textos anteriores nos textos posteriores. Nesse

aspecto, Wieser e Koch (2009) sustantam que:

Num mundo no qual já existem textos, é impossível produzir novos textos sem fazer referência aos micros e macrotextos previamente existentes, e todo texto novo transforma-se, imediatamente, num possível ponto de referência para textos posteriores. (WIESER; KOCH, 2009, p. 199).

A arte da língua de Angola, de Pedro Dias, foi uma evolução quantitativa e

qualitativa feita em relação aos estudos primários de Pacconio, cujo

conhecimento e domínio do kimbundu foram efetuados por meio de muito contato

e de grande trabalho prestado na assistência aos escravos que falavam

kimbundu.

Pedro Dias ouviu, captou, analisou, elaborou e escreveu A arte da língua

de Angola, tendo como objetivo ser um instrumento útil para os missionários

jesuítas aprenderem o kimbundu e poderem evangelizar os escravos

provenientes de Angola, que se encontravam no Brasil.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

124

A gramática de Heli Chatelain, ancorada nos estudos de Pedro Dias,

procurou discernir a correção do kimbundu, deplorando o kimbundu falado em

Luanda como cheio de empréstimos de palavras portuguesas, e o kimbundu

falado no sertão, ou fora de Luanda, como genuíno e, simultaneamente, critica os

estudos linguísticos de kimbundu, de Bernardo Maria Cannecattim,

apresentando-os como confusos e cheios de erros, adotando a Arte da língua de

Angola, oferecida a virgem senhora n. do rosário, mãy, e senhora dos mesmos

pretos, de Pedro Dias, como breve e correta.

O objetivo de Chatelain consistiu em assegurar a pureza da língua

kimbundu ao serviço religioso e como meio harmônico de convivência social entre

as várias classes de Angola do seu tempo.

A gramática de kimbundu, de José Luiz Quintão, é fruto dos estudos

anteriores sobre as línguas bantu e, especificamente, enraizada na gramática de

Chatelain e no Dicionário do kimbundu, de Joaquim Dias Cordeiro da Mata.

Quintão serve-se das duas variantes do kimbundu, ou seja, a de Luanda e a do

sertão. A gramática de Quintão reveste-se de vários objetivos: acadêmico,

cultural, político-social com um posicionamente acentuadamente colonial.

Pacconio, Pedro Dias, Chatelain e Quintão usaram um alfabeto latim-

português, cuja fonética aportuguesada do kimbundu está veiculada nas obras

desses autores, que só em 1977 foi questionada com a criação do Instituto

Nacional de Línguas em Angola, publicando um Histórico sobre a criação dos

alfabetos para as línguas Nacionais de Angola, para melhor adequar os fonemas

e sons à originalidade da sua pronúncia e evitar hiatos ou cacófatos, mantendo,

assim, a candura e a propriedade das suas especificidades que as tornam

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

125

diferentes e distintas de outras línguas. Nessa sequência, o tema seguinte versa

sobre o alfabeto kimbundu.

3. 2. 5. O alfabeto de kimbundu

O desenvolvimento do alfabeto kimbundu encontrou respaldo e conhece

um grande impulso como meio da promoção e cultivo de língua kimbundu, à luz

da formulação do teor da Carta Cultural da África, na 13a seção de 5 de Julho de

1976, na qual os Chefes de Estados e de Governos africanos, membros da OUA

(Organização da Unidade Africana), debruçaram-se, de forma clara, no capítulo V,

artigo 18, com o seguinte teor: “Os Estados africanos deverão preparar e pôr em

prática as reformas necessárias para a introdução das línguas africanas em todos

os setores da sociedade. O ensino deverá ser conduzido a par de uma

alfabetização para as populações”.

Em ressonância às determinações da OUA, de 1976, o Departamento de

Cultura e Desporto, abarcando o Instituto Nacional de Línguas, em Angola

publicou, em 1977, o histórico sobre a criação dos alfabetos de línguas nacionais

de Angola.

Com o desenrolar de trabalhos e fóruns sobre as línguas nacionais em

Angola, em 1978, o Instituto Nacional de Línguas em Angola foi criado pelo

Decreto nº 62/78, ficando sob o controle do Ministério da Educação.

Esses trabalhos de reestruturação das instituições e, particularmente, o das

pesquisas que vão sendo realizadas têm sempre em conta e são fundamentados

em coadunação com os parâmetros estabelecidos pela AFI (Associação da

Fonética Internacional), e convencionaram-se segundo as regras aplicadas para

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

126

as línguas do grupo bantu em vigor na AFLBA (Associação Fonética das Línguas

Bantu) (KOUNTA, 1977, p. 50-70), que são as seguintes:

1ª Regra estabelecida pela AFI, em consonância com a AFLBA e a CICIBA

(Centro Internacional da Civilização Bantu da OUA), que funciona desde 1960.

A primeira experiência foi feita com o swahili na Tanzânia e no Kenya. No

que se refere às vogais, acordou-se:

As vogais são: a, e, i, o, u, - e o - w, y

O h é usado aspirado antes de qualquer vogal: Hadi, Henda.

Segundo a 1ª Regra da AFIBA, nas línguas bantu nenhuma das palavras

deve terminar em consoante ou semiconsoante, mas todos os vocábulos têm de

terminar em vogais – a, e, i, u).

2ª Regra: não é permitido o encontro de duas ou três vogais dentro da

mesma palavra. Por isso, foi convencionado o uso w e y para w+e = wé / y+e =

yé. O uso de w e y servem para separar a sequência vocálica, por exemplo;

wawé.

Quadro 5 - Sequências vocálicas

ua = wa ia = ya

ue = we ie = ye

ui = wi ii = yi

uo = wo io = yo

uu = wu iu = yu

Fonte: o autor

3ª Regra: As línguas bantu devem ser codificadas (escritas) na base da

pronúncia dos locutores nativos que não estão influenciados por nenhuma língua

estrangeira. Todas as palavras devem ser escritas com o mesmo alfabeto. Cada

letra é monossonante, isto é, representa um som.

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

127

4ª Regra: O uso das vogais - a e i o u - obedece ao princípio da regra nº 2

e 3. Exemplos: o uso correto do w (ué = we). O u diante das vogais (a, e, i, o, u)

varia para w, (wa, we, wi, wo, wu). No ditongo wa há uma ditongação, isto é, uma

transposição violenta das vogais. O w só pode aparecer no princípio e no meio da

palavra, e nunca no fim.

5ª Regra: O uso correto do y. O i diante das vogais (a, e, i, o, u), o mesmo i

varia para y, (ya, ye, yi, yo, yu).

O w só pode aparecer no princípio e no meio da palavra, e nunca no fim

(KOUNTA, 1977, p. 69).

Em resumo, o alfabeto kimbundu: a, b, bh, d, e, f, ng, h, i, j, k, l, m, n, ny, o,

ph, s, t, th, u, v, w, x, y, z dos quais vinte grafemas são utilizados para a escrita

das consoantes, vogais e semivogais.

Os cinco dígrafos são usados para a escrita das oclusivas aspiradas, (bh,

ph, th), das oclusivas pós-nasais (ng) e (ny), para a nasal palatal (KOUNTA, 1977,

p. 50-70).

O grafema “R” utilizado por Pedro Dias e gramáticos posteriores, “Ririeno =

hoje e Rimi = língua” (DIAS, 1697, p. 1). O “R” não se usa em kimbundu corrente

e não aparece no alfabeto atual do kimbundu, porém o mesmo grafema também

aparece nas palavras “Riá, rijina e rimuka” nas Lições de Gramática de

Quimbundo, - português e bantu – Dialecto de Omumbuim e no Vocabulário

kimbundu-português, de Silva Maia (1957, p. 144).

As gramáticas supracitadas, quanto à morfologia, estão estruturadas em

uma concepção da tradição greco-latina passada para os vernáculos e dos

vernáculos para o kimbundu. Essas gramáticas têm uma abundante formulação

conceitual da morfologia. A sintaxe serve apenas para ilustrar as palavras nas

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

128

frases, português-kimbundu e de kimbundu-português. Elas não desenvolvem

nenhuma análise sintática pormenorizada, são gramáticas, essencialmente

morfológicas. Elas têm um grande valor de base para os estudos posteriores.

Sobre a morfologia portuguesa como campo de analogia em relação à

morfologia kimbundu, em perspectiva contrastiva constitui o tema do quarto

capítulo, que é o proxímo, começando por uma exposição sintética da morfologia

portuguesa.

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

129

CAPÍTULO 4 A FORMULAÇÃO MORFOLÓGICA

O tema; “a formulação morfológica” apresenta, em perspectiva linguística,

a morfologia como parte da gramática que trata da análise intrínseca das palavras

e suas estruturas, esmiuçando-as, delimitando-as e fazendo as classificações dos

componentes e das unidades que comportam as palavras desembocando em

definições.

As palavras são analisadas isoladamente nos seus elementos mórficos ou

morfemas. Nesse contexto, a análise morfológica comporta duas unidades

formais: a palavra e o morfema.

Hodiernamente, o estudo da morfologia envolve uma dicotômia, que

consiste na escolha do enfoque sobre o estudo morfológico entre a perspectiva da

palavra e a perspectiva do morfema.

A gramática tradicional nasceu e desenvolveu-se pela abordagem

descritiva – normativa da palavra, tomando como essência o estudo das dez

classes das palavras. Com o fluir dos tempos, alguns linguistas enveredaram pela

abordagem morfológica assente nos morfemas com o intuito de superar as

dificuldades da percepção morfológica em determinadas dimensões não

acessíveis a partir das palavras. Nesse contexto, a formulação morfológica

dimensiona-se em duas perspectivas: a tradicional e a emergente.

Entende-se por morfologia tradicional a abordagem morfológica

perspectivada e fundamentada no estudo da palavra, sua formação e

classificação, visto que a peculiaridade da morfologia é estudar as palavras

perscrutando-as isoladamente, tanto que, a morfologia tradicional é centrada em

analisar as dez classes de palavras e suas estratificações.

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

130

Entende-se por morfologia emergente a abordagem morfológica que prima

pela divisão das palavras, vinculando e estruturando-as, apenas em duas

dimensões fundamentais: - a dimensão de palavras lexicais e a dimensão de

palavras gramaticais.

Quadro 6 - Morfologia

Morfologia

Tradicional Emergente

Dez classes de palavras Palavras lexicais e gramáticais

Palavras variávies Palavras invariávies Palavras lexicais Palavras gramaticais

Substantivos Advérbios Substantivos Artigos

Artigos Conjunções Adjetivos Pronomes

Adjetivos Preposições Verbos Advérbios

Pronomes Interjeções Numerais Conjunções

Numerais Preposições

Verbos Interjeções

Fonte: o autor

4.1. A formulação da morfologia tradicional

A palavra Morfologia é uma aglutinação dos termos gregos “Morfo = forma”

e “logia = tratado/discurso”, portanto, Morfologia é a parte da gramática que

estuda as palavras quanto às suas formas ou flexões e à sua estratificação em

classes.

Desde a formulação Dionisiana (170-90 a.C.) das oito partes que

distinguem discurso em artigo, nome, pronome, verbo, particípio, advérbio,

preposição e conjunção, ficou delineada a estrutura da morfologia e foi se

desenvolvendo ao longo de séculos.

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

131

O estudo das classes desenvolveu-se entre os gregos da antiguidade

clássica, que chegaram ao número de nove: substantivo, adjetivo, artigo,

pronome, verbo, preposição, conjunção, advérbio e interjeição. Só mais tarde, o

numeral, que ora aparecia no grupo dos substantivos, ora no grupo dos adjetivos,

foi reclassificado como classe autônoma.

A palavra isolada, ou seja, fora do contexto, é atribuida a uma determinada

classe gramatical de acordo com as características que lhe são peculiares, tal

como vem apontada nos verbetes de dicionários, sobre a apresentação de

possíveis acepções de palavras em outros contextos, Maria Carlota Rosa (2000)

tece as seguintes considerações:

A noção de palavra permanece central, mas a sua estrutura interna passa a despertar interesse na medida em que os elementos que a constituem são elos no estabelecimento de relações entre uma língua, no caso o português, e um ancestral linguístico. (ROSA, 2000, p. 34).

Na língua portuguesa, há dez classes de palavras, dividas em variáveis e

invariáveis. As palavras variáveis são aquelas que alteram sua forma para

expressar mudança de gênero (masculino, feminino), número (singular, plural),

grau (normal, comparativo, aumentativo, diminutivo e o superlativo), pessoa (1ª,

2ª, 3ª, do singular e do plural), tempo (presente, passado e futuro), modo

(indicativo, conjuntivo, imperativo, condicional e infinito), voz (ativa e passiva) e de

aspecto (pontual, habitual/iterativo, atemporal).

As palavras são unidades linguísticas dotadas de significado. Elas são

formadas por uma ou várias unidades menores chamadas morfemas, também

dotadas de significado.

As noções de gênero, número, grau, pessoa, tempo, modo, voz e aspecto,

que tornam viáveis as possibilidades de alteração da forma das palavras para

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

132

exprimirem as realizações e atuações das classes gramaticais, chamam-se

categorias gramaticais (AREAL, 1970, p. 52-53).

Tradicionalmente as classes gramaticais condensaram-se em:

- Palavras Variáveis:

Substantivo é a palavra nuclear que envolve a noção de ser ou existente.

Adjetivo é a palavra modificadora que caracteriza os seres.

Artigo é a palavra determinante que se antepõe ao substantivo.

Pronome é a palavra que se usa em vez de um nome substituindo-o.

Numeral é a palavra que porta a noção de quantidade, ordem, fração ou

múltiplo.

Verbo é a palavra exprime ação, estado, processo e duração.

- Palavras Invariáveis:

Advérbio é a palavra modificadora que indica circunstância.

Preposição é a palavra transitiva que estabelece relações entre as

palavras.

Conjunção é a palavra transitiva, une orações ou sintagmas da mesma

natureza.

Interjeição é a palavra que exprime sentimentos de forma exclamativa,

supressa!

A inserção da palavra na classe gramatical pode variar. O fato de uma

palavra pertencer tipicamente a uma classe gramatical não exclui que, em outros

contextos, ela assuma uma característica que a enquadre em outras classes

gramaticais, particularmente nas funções que exercem as palavras em várias

circunstâncias (DUARTE, 2000, p. 27-68).

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

133

O primeiro conhecimento linguístico de que o ser humano dispõe é,

precisamente, o léxico da língua. As unidades lexicais são constituídas por sons

que, quando lhes atribuímos um valor, transformam-se em fonemas. O conjunto

de fonemas com uma significação ou noção linguística transforma-se em

morfema, e os morfemas eclodem em palavras (QUIVUNA, 2014, p. 55).

A palavra é uma unidade linguística dotada de significado. Ela é formada

por uma ou várias unidades menores chamadas morfemas.

O morfema é a unidade mínima dotada de significado. O significado de

uma palavra resulta da combinação dos significados das suas partes ou

morfemas.

O morfema é o conceito geral que designa a menor noção linguística que

possui significado. Pode ser lexical ou gramatical.

O morfema lexical ou lexema, na terminologia do linguista francês André

Marinet (1908 – 1999), é o elemento mórfico que apresenta o significado lexical.

O lexema, também chamado de semantema ou de morfema lexical, traz o recorte

de sentido do mundo biossocial, isto é, o elemento que estabelece a significação

referente ao ambiente físico, biológico, socioeconômico e cultural, entre outros

aspectos. Para Maria Cecília e Ingedore (1983), essa terminologia é suscetível de

variações:

A terminologia usada para designar as unidades de primeira articulação varia muito. A. Martinet designa-as monemas, distinguindo, ainda, os lexemas, monemas que se situam no léxico e morfemas, os que se situam na gramática. Já a linguística norte-americana, de modo geral, denomina os monemas de morfomenas, distinguindo os morfemas lexicais /cant/ dos gramaticais /-a-/ /va/. (SILVA; KOCH, 1983, p. 12).

Ao lexema se opõe o morfema gramatical ou gramema cuja natureza é

essencialmente relacional e não nocional; felicidade «felic – morfema lexical».

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

134

O gramema é o elemento mórfico que apresenta função puramente

relacional ou gramatical. Pode ser constituído de afixos, desinência, preposições,

ou conjunções. Alguns linguistas chamam a esse elemento simplesmente de

morfema em oposição a lexema; felicidade «idade – morfema gramatical»

Quadro 7 – O uso do termo Morfema

Morfema

Lexical Gramatical

Cas (a) S

Fonte: o autor

Há gramáticos que empregam o termo monema em vez de morfema, e

fazem uso da palavra morfema só para designar o morfema lexical e a palavra

gramema, utilizam-na apenas para designar o morfema gramatical.

Quadro 8 – O uso do termo Monema

Monema

Lexema Gramema

Cas (a) s

Fonte: o autor

O morfema que veicula o significado lexical das palavras chama-se radical.

Os radicais podem ocorrer livres (nos casos de palavras como – mar ou lar – são

formados apenas por um radical), e os morfomenas que ocorrem sempre

associados a um radical para fazer sentido e ter significado chamam-se

morfomenas gramaticais ou gramemas.

O termo radical deriva do latim “radix”, é um lexema ou semantema,

portador de significação, presente em outras palavras. É que se convencionou

chamar de elemento formador de palavras cognatas, isto é, da mesma família

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

135

etimológica, distinguindo-se, porém, o radical, como elemento matriz de

formulações e derivações sincrônicas, ficando para o termo raiz como conceito

matriz de formulações e derivações diacrônicas; livro, livreiro, livraria, (livr –

radical). Nessa dimensão, sobre a noção de raiz das palavras, Ernesto Carneiro

Ribeiro (1890) sublinhou o seguinte:

Entre os termos raiz e radical ou thema faz-se a distinção seguinte:

A raiz é o elemento geralmente monossylabico, irredutível,

commum às palavras que ela forma, pode constar apenas de um

grupo consonântico, exprime uma ideia geral e vaga, sem a ideia

accessoria de tempo, lugar, pessoa ou número; O radical ou thema,

porém, tem por si mesmo uma significação, é uma palavra mais ou

menos completa; é o que fica intacto e invariável quando ao

vocábulo se tiram as letras ou syllabas que denotam os acidentes

dos nomes pronomes, adjectivos e verbos.

Na formação das nossas línguas passam as raízes por três phases,

estados ou períodos sucessivos, a que dão os philologos as

denominações de monossyllabismo, aglomeração ou aglutinação e

fusão ou flexão.

No primeiro períodos as palavras se compõem só de raízes, que se

juxtapõem sem se fundir, guardando cada uma dellas sua

independência e autonomia. Representa este período o estado

primitivo da linguagem.

As línguas neste primeiro estádio e que, por circunstâncias

especiais, podem nelle persistir ou passar aos dois períodos

subsequentes, chamam-se monossyllabicas ou isolantes. Taes são

o chinez, o annamitico, o thibetino, o siamez e o birmano.

O período de agluntinação é aquelle em que as raízes se unem

para formar palavras complexas, ficando uma delas intacta e

perdendo a outra sua independência e forma primitiva. Taes são a

maior parte das línguas africanas, as línguas americanas as uro-

altaicas, as maleo-polynesicas, o japonês, o coreu e o vasconço.

No terceiro período, chamado flexão ou fusão, raiz e elementos

accessorios unem-se e fundem-se, constituindo um só todo, um

corpo único, perdendo todas ellas sua independência e autonomia.

São exemplos desse terceiro período todas as línguas indo-

germanicas e as línguas semitas a que pertencem o chaldeu, o

syriaco, o assyrio, o hebreu, o fenício e o árabe. (RIBEIRO, 1890, p.

170).

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

136

O afixo é um gramema que se agrega ou se subtrai ao radical, derivando,

assim, novas palavras ou modificando a significação anterior. Os gramemas, pela

anteposição a um radical, designam-se prefixo, pela interposição designam-se

infixos, pela posposição designam-se sufixos.

Em português, os morfemas flexionais são sempre sufixos e indicam

valores gramaticais como: gênero, número, pessoa, modo. As formas resultantes

dessas combinações de sufixos com um radical correspondem às formas em que

se pode estratificar uma palavra.

Os morfomenas derivacionais podem ser prefixos ou sufixos, juntam-se a

um radical para formar novo radical, resultando na formação de uma nova

palavra; por exemplo: juntando o sufixo “eiro” ao radical simples “ferr” obtém-se o

radical derivado “ferreir” que forma a palavra “ferreiro.” Os afixos constituem uma

lista fechada e, por isso, é possível listar todos os elementos que são afixos do

português. Os radicais formam uma lista aberta e é impossível fazer o inventário

completo dos elementos portadores de significado lexical de uma língua.

A vogal temática é o elemento que se pospõe imediatamente ao radical.

Existem vogais temáticas nominais “banana, estudante, peito” e verbais, “amar,

beber, partir”.

A vogal temática e a consoante de ligação são elementos mórficos que

viabilizam a acomodação sonora na derivação ou formação de palavras para não

criar hiatos ou encontros consonantais incomuns na língua. A desinência é o

elemento final da palavra, indicativo de flexão e pode ser nominal e verbal.

Portanto, para uma análise sincrônica dos mecanismos utilizados na

formação de palavras, levar-se-á em conta a existência de palavras simples e

compostas, conforme contenham um ou mais morfemas lexicais (SILVA; KOCH,

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

137

1983, p. 32-36). Geralmente, os processos de estruturação das palavras mais

frequentes na língua portuguesa são:

- A derivação é um termo que procede do latim “derivatio”, é um processo

que consiste em formar palavras, a partir de uma palavra já existente. A primeira

palavra é chamada primitiva e a palavra formada é designada por palavra

derivada.

A derivação se processa por meio de afixos: prefixação, infixação,

sufixação, derivação regressiva (desfixação), derivação imprópria e

parassintética. Apesar das condições supracitadas da derivação, há casos em

que aparecem as mais sofisticadas derivações, cuja análise requer estudos

diacrônicos acurados.

- A Composição é um processo que reside em formar palavras por meio da

junção de dois ou mais radicais ou lexemas, desembocando na justaposição ou

aglutinação.

Na justaposição, emprega-se o hífen nas palavras compostas como traço

de ligação e autonomia de acento, cujo elemento, de natureza nominal, adjetival,

numeral ou verbal, constitui uma unidade sintagmática e semântica, geralmente o

primeiro lexema fica subordinado ao segundo: «arco-íris, decreto-lei, médico-

cirurgião, tenente-coronel, norte-americano». Na aglutinação, os vocábulos ligam-

se em uma só palavra sob a égide do mesmo acento.

- O hibridismo deriva do grego (hibris = “excesso, ou violência”) e do latim

(híbrida = cruzamento de espécies diferentes). Híbrida é toda a palavra composta

por elementos estruturais provenientes de idiomas diferentes.

- A abreviação ou redução é um processo que consiste em obter as

palavras por meio de uma redução (geralmente da parte final da palavra).

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

138

- A abreviatura deriva do latim (abbreviatus: particípio do verbo abbreviare),

cujo significado era “tornar breve” “encurtar”, “reduzir” é o processo que consiste

em formar palavras geralmente por meio da supressão da(s) primeira(s) letra(s)

de um vocábulo. Não se lê o que se escreve, mas sim o que se subentende. A

abreviatura sempre finaliza com um ponto, (etc. = etecétera – em latim, et cetera,

“e outras coisas”; Dr. = Doutor; V. Exª. =Vossa Excelência; Prof.= Professor).

- A sigla provém do latim (síngula – sinais isolados), é formada pela

combinação de letras de palavras. Não tem uma estrutura morfológica e sua

formação obedece a critérios não-linguísticos, como, por exemplo, a sua extensão

(a grande maioria tem três ou quatro letras) (OUA = Organização da Unidade

Africana; MPLA = Movimento Popular de Libertação de Angola). As siglas são

muito frequentes nas designações institucionais (organizações oficiais ou

privadas, empresas, clubes, regulamentos etc.) e nas designações de técnicas e

aparelhos.

- O truncamento é um mecanismo que consiste na redução de uma palavra

através da eliminação de sílabas; as formas truncadas mantêm, em geral, a

categoria gramatical e o significado da palavra original: otorrinolaringologista –

otorrino; quilograma – quilo; motociclo- moto.

As formas de base são, respectivamente, “inicision e nominate”, sendo os

derivados obtidos por sufixação e posterior intervenção de uma regra de

reajustamento que suprime o morfema que precede o sufixo. Essas regras de

reajustamentos recebem o nome geral de truncamento, só são aplicadas depois

de todas as regras da formação das palavras observadas, mas são regras

morfológicas e não são regras fonológicas. A primeira condição de truncamento

prende-se com questões temáticas, a segunda condição envolve sufixos

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

139

derivacionais e a terceira condição trata de fenômenos de hapologia (VILLALVA,

2000, p. 139-140).

- A amálgama é uma reestruturação de formação de palavras que se

baseia em combinação de formas truncadas: domos (casa) + informática =

domótica.

- Os acrônimos são, tal como as siglas, formas reduzidas de designações

longas, mas, ao contrário daquelas, os acrônimos dão origem a uma sequência

compatível com a estrutura morfológica da língua. Por isso, uma sequência como

SIDA = Síndroma da Imuno Deficiência Adquirida pode ser lida como uma

palavra, enquanto que as siglas têm de ser soletradas. Outros exemplos de

acrônimos: IVA = Imposto sobre o Valor Acrescentado. TOC = Técnico Oficial de

Contas. PIB = Produto Interno Bruto.

- A onomatopeia é um mecanismo que se desenvolve em formar palavras a

partir da tentativa de reprodução ou imitação de um som extra-humano

- O neologismo é um processo que se estratifica em várias dimensões: o

mórfico, o fonético, o semântico e o sintático. O principal elemento distintivo entre

o neologismo e o empréstimo (ou estrangerismo) é a adaptação que a palavra

sofre ao ser incorporada em um sistema linguístico.

- O estrangeirismo ou empréstimo (lexical) ocorre quando a criação de uma

nova palavra se faz por incorporação no léxico de uma palavra originária de outra

língua sem alteração. As novas palavras são introduzidas, geralmente,

acompanhando a aquisição de novos produtos, de novas técnicas, de novos

conceitos.

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

140

Ao longo da história do português, a origem predominante dos

empréstimos lexicais foi variando conforme as circunstâncias de maior influência

(MOURA, 2011, p. 182).

4. 2. A formulação emergente da morfologia

O tema “formulação emergente da morfologia” apresenta as palavras em

movimento linguístico que se perfilam em duas vertentes principais: - por um lado,

as palavras que se referem a entes concretos ou imaginário - e por outro lado,

uma gama de palavras que se revestem, apenas, de mecanismo de coesão e

funcionamento da língua.Enquanto que, classicamente, se tem denominado a

morfologia como a parte da gramática que estuda as classes das palavras sob a

perspectiva da forma. Entretanto, é necessário especificar os termos centrais

palavra e forma, ambos altamente indeterminados, além de comuns à linguagem

técnica e à linguagem cotidiana e cambiantes, em diferentes visões do fenômeno

linguístico.

Nesse contexto, em vez de dez classes de palavras, a morfologia

emergente classifica as palavras em: palavras lexicais e palavras gramaticais.

As palavras lexicais são aquelas que se referem a seres, objetos, atributos

e a eventos do mundo real ou imaginário, portanto, são os substantivos, os

adjetivos, e os verbos. A base de uma palavra lexical é a unidade a que aplicam

os processos morfológicos quer flexionais quer derivacionais, mas cada lexema

ou semantema constitui a essência do núcleo de sentido e é o elemento que

estabelece a significação referente ao ambiente físico, biológico, socioeconômico

e cultural, entre outros aspectos.

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

141

Os processos de mudança lexical afetam sobretudo as categorias lexicais,

isto é, os verbos, os nomes e os adjetivos. Assim, as listas dos elementos que

pertencem a cada uma dessas classes abertas sofrem constantes alterações ao

longo do tempo devido à introdução e ao desaparecimento de palavras, neste

aspecto Jeni Silva Turazza (2005) sustentou o seguinte:

[…] a lexia é o elemento oferecido aos interlocutores de uma língua natural para a construção e a detecção de visões de mundo, de ideologias, de sistemas de valores: o lugar privilegiado das mutabilidades que permite a interação continua entre língua, cultura, ideologia e sociedade. Assim, a lexia não pode ser concebida como elemento portador de informações unicamente linguística, nem fechados sobre si mesmos, mas como estruturas duráveis e evolutivas. É esta dinâmica resultante de uma constante construção-reconstrução que faz da lexia o ponto de encontros e desencontros entre uma pluralidade de processos de estruturação que não se fazem presentes nos modelos transfrásticos (TURAZZA, 2005, p. 57).

Palavras gramaticais ou gramemas são aquelas que não têm referência em

si, pois remetem apenas ao mecanismo de coesão e funcionamento da língua.

Elas articulam a estrutura textual: são os artigos, os pronomes, e os conectores,

(elementos de coesão, tais como as conjunções e as preposições), entre outros.

As listas desses gramemas podem ser exaustivamente enumeradas em um

dado momento, porque os seus constituintes se mantêm estáveis ao longo de

largos intervalos de tempo. Os lexemas gramaticais formam classes fechadas;

como as preposições, os advérbios, as conjunções, os determinantes e os

pronomes. Não obstante a estabilidade, os gramemas também sofrem alterações,

obedecendo a um ritmo lento e muito moroso, em relação aos semantemas

(ROSA, 2000, p. 103-108).

Desde 1968, Bernard Pottier vem desenvolvendo estudos que buscam

estabelecer parâmetros para delimitar, metodologicamente, as fronteiras entre

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

142

signo lexical, vocábulo e palavra. As pesquisas do autor têm servido de

ancoragem para outros estudiosos elaborarem fundamentos teóricos que buscam

dar conta da produtividade lexical.

O léxico ativo é o conjunto de palavras que cada falante realmente usa. A

dimensão desse léxico depende de fatores socioculturais (profissão do falante,

nível cultural etc.) mas é sempre inferior a do léxico passivo. O léxico passivo é o

conjunto de palavras que cada falante conhece, (alguns estudos apontam que um

falante médio adulto conhece, pelo menos, entre 30 a 50 mil palavras) (MORÓN,

2008, p. 94).

A leximização da lexe implica marcas de semas genéricos, específicos,

virtuais e gramaticais. Os semas genéricos e específicos, embora nem sempre

suscetíveis de serem diferenciados com precisão, referem-se a traços de

significações que veiculam a visão antropocultural do grupo. Por isso, trazem

marcas de categorização genéricas e especificas da comunidade sócio-linguística

e cultural para a designação dos seres do universo extralinguístico. Os semas

virtuais ou virtuemas são traços de significação individual, compreendendo,

portanto, a visão específica do falante/ouvinte.

Os gramemas ou taxes, sempre associados aos semas genéricos,

específicos e virtuais para a construção da base lexêmica nominal ou verbal,

referem-se a marcas de categorização linguística (classes gramaticais), visto

serem as taxes os elementos que permitem diferenciar no enunciado, o verbo do

nome, o nome substantivo do nome adjetivo, e essas duas classes, dos advérbios

(TURAZZA, 2005, p. 58-59).

As lexias lexicais compreendem a classe das designações e resultam de

uma estruturação semio táxica, capaz de estabelecer diferentes modelos para a

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

143

produção de lexias da classe das designações. As lexias gramaticais resultam de

uma estruturação táxica, isto é, dependentes da natureza das taxes que se

estruturam para a formalização de modelos lexicais. As lexias gramaticais se

refazem, também, e compreendem duas classes: a classe das relações,

abarcando as gramemas que põem em relação as lexias de designação; a classe

da formulação, implicando gramemas que veiculam a(s) intenção(ões) do locutor,

exercendo importante papel nos mecanismos de enunciação: declarativa,

expressiva, diretiva, assertiva e compromissiva (TURAZZA, 2005, p. 59).

Em síntese, as lexias de designação são as que representam os referentes

antropo-sócio-culturais, geradores e refletores da visão de mundo do grupo, as

lexias de relação e de função têm o papel de articular as relações entre as

primeiras no universo discursivo, manifestando, de certa forma, a intenção do

locutor, através de mecanismos de modalidades, explícitos ou implícitos, no

enunciado (TURAZZA, 2005, p. 60).

As formulações morfológicas, tradicional e emergente em língua

portuguesa, servem de base para estabelecer os paralelismos e as analogias

contrastivas em relação à morfologia do kimbundu no capítulo a seguir.

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

144

CAPÍTULO 5 A MORFOLOGIA CONTRASTIVA ENTRE PORTUGUÊS E KIMBUNDU

O tema “morfologia contrastiva entre português e kimbundu” apresenta a

diferença da formulação e impostação dos mesmos significados que constituem a

gramática em significantes e estruturações diversas, isto é, quanto às

estratificações, concatenações e frequências linguísticas, variando segundo as

concepções lógicas e convencionais do desenrolamento e fluir dos mesmos

significados em significantes e enquadramentos díspares que cada língua

comporta e como se articulam na boca dos seus utentes.

Com intuito de ilustrar os contrastes entre a morfologia portuguesa e a do

kimbundu, que constitui o cerne desta pesquisa, comecemos por traçar os

parâmetros contrastivos, tomando, por base, uma descrição das ocorrências de

classes de palavras.

Para o estudo da morfologia portuguesa, a sua gramática tradicional é

arquitetada segundo os pilares das dez classes de palavras, das quais seis são

variáveis e quatro invariáveis.

Quadro 9 – Morfologia, as dez classes de palavras

Morfologia as dez classes de palavras

Variáveis Invariáveis

Substantivos Advérbios

Artigos Conjunções

Adjetivos Preposições

Pronomes Interjeições

Numerais

Verbos

Fonte: o autor

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

145

5.1. Os substantivos e suas classes em kimbundu

Os autores bantuístas, na continuação da tradição das línguas bantu,

instaurada por Bleeck, fazendo o estudo dos nomes ou substantivos, agrupam os

nomes em classes e a cada classe é atribuído um número. Assim, os nomes em

kimbundu são repartidos em dez classes fundamentadas na categoria gramatical

da formação do número (singular e plural).

Enquanto que a morfologia portuguesa assenta nas dez classes de

palavras, a chave da morfologia kimbundu, bem como de todas as línguas bantu,

se fundamenta nas dez classes de nomes.

Os seres são divididos em determinados números de classes agrupadas

segundo a noção numérica da formação do singular e plural que comportam os

prefixos de classes que regem o funcionamento das concordâncias e suas

contrações entre as vogais iniciais das palavras dos prefixos do genitivo.

O conhecimento dessas classes é de absoluta necessidade para se poder

situar a palavra no seu cosmo linguístico, tecer relações de concordância,

construir as unidades linguísticas para produzir sentido na emissão de

mensagens.

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

146

Quadro 10 – Dez classes de substantivos segundo o prefixo da formação de número (singular – plural)

Classes Classe de prefixo Exemplificação

Singular Plural Singular Português Plural

1ª Mu A muhatu Mulher ahatu

2 ª Mu Mi Muxi pau / árvore mixi

3 ª ki I Kinama perna imana

4 ª di Ma Dibengu Rato mabengu

5 ª u Maw Uta Arma mawta

6 ª lu Malu Lubambu Corrente malubambu

7 ª tu Matu Tuji Fezes matuji

8 ª ku Maku Kufwa Morte makufwa

9 ª i Ji ímbwa Cão jimbwa

10 ª ka tu Kaditadi pedrinha tumatadi

Fonte: (QUINTÃO, 1934, p.14).

As classes são regidas por morfemas gramaticais ou gramemas prefixais,

que condensam uma noção ontológica de número (singular e plural) que

adicionados aos nomes ou substantivos tornam-se prefixos substantivais.

Notas sobre as dez classes:

Segundo Quintão e outros estudiosos do kimbundu, as classes perfilam-se

segundo uma ordem existencial dos seres, (QUINTÃO, 1934 p.14), sendo assim:

Iª Classe: mu – a

À primeira classe pertencem os nomes de entes racionais, (pessoas), cujos

prefixos do singular (mu) e plural (a) são (mu – a).

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

147

Quadro 11 – Substantivos da 1ª classe

Singular – um Plural – a

Muthu - pessoa Athu - pessoas

Muhatu - mulher Ahatu - mulheres

Mulambi - cozinheiro Alambi - cozinheiros

Os pessoais são variáveis no singular mas fazem todos o plural em a

Zwa - Zwa Azwa – As Zwas

Ntonica - Antónica Antonica – As Antónicas

Nzumbi - Nzumbi Anzumbi – Os Nzumbis

Fonte: o autor

Apesar de os gramáticos haverem taxado a primeira classe como a classe

dos entes racionais, há palavras que designam seres racionais que não cabem

nessa classe, porque têm o singular em (mu) e não fazem o plural em (a)

exemplo:

Quadro 12 – Substantivos da 1ª classe que fazem singular (variável) e plural (ji)

Singular (vários) Plural (ji - ma)

Mpangue - irmão Jimpange - irmãos

Ngana - senhor Jingana - senhores

Soba - soba Jisoba - sobas

Dikamba - amigo Makamba - amigos

Fonte: o autor

2ª Classe: mu - mi

À segunda classe pertencem os nomes de entes inanimados (coisas) cujos

prefixos do singular(mu) e plural (mi) são (mu – mi), e abrange quase todos os

nomes de árvores e plantas:

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

148

Quadro 13 – Substantivos (inanimados) da 2ª classe

Singular – um Plural – mi

Muxi - árvore Mixi - árvores

Mukolo - corda Mikolo - cordas

Mukanda - carta Mikanda – cartas

Muzonge - molho Mizonge - molhos

Fonte: o autor

Porém, os gramáticos não apontam as exceções que a segunda classe

envolve, depois de uma constatação por indução das ocorrências supracitadas,

temos os casos que constituem exceções, porque as palavras “muxima e mwenhu

começam com (mu) no singular e plural (mi) e designam entes animados como:

Quadro 14 – Substantivos (animados) da 2ª classe

Singular – um Plural - mi

Mwenhu – alma Myenhu - almas

Muxima – coração Mixima - corações

Fonte: o autor

3ª Classe: ki - i

À 3ª classe pertencem todos os nomes, cujos prefixos do singular (ki) e

plural (i) são (ki – i), e abrange também todos os aumentativos.

Quadro 15 – Substantivos da 3ª classe

Singular – ki Plural - i

Kima - coisa Ima - coisas

Kinama – perna Inama - pernas

Kiba - pele Iba - peles

Kitadi - dinheiro Itadi - dinheiros

Kitanda - mercado Itanda - mercados

Fonte: o autor

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

149

Em kimbundu, para formar o aumentativo, acrescenta-se um “ki” à palavra

e, é necessária uma perícia ou domínio da língua para não confundir a formação

do aumentativo com as palavras que começam com a sílaba inicial “ki”. Essas

regras são as mesmas que se vão encontrar na décima classe para formação do

grau aumentativo:

Quadro 16 – 3ª classe, formação aumentativo dos substantivos

Singular – variável Plural - ki

Dyala - homem Kidyala - homenzarrão

Demi - língua Kidime - linguona

Dilonga – prato Kidilonga - pratão

Muhatu – mulher Kimuhatu - mulherona

Nkila - rabo Kinkila - rabão

Fonte: o autor

4ª Classe: di – ma

A esta classe pertencem todos os nomes, cujos prefixos do singular e do

plural são (di – ma). Quando o prefixo singular dessas classes aparece na outra

parte do termo, concordando com o nome, este deixa, muitas vezes, de levar o

seu prefixo.

Quadro 17 – Substantivos da 4ª classe

Singular – di Plural - ma

Dibengu – rato Mabengu - ratos

Dibitu - porta Mabitu - portas

Dilonga – prato Malonga - pratos

Ditadi - pedra Matadi - pedras

Ditemu – enxada Matemu - enxadas

Fonte: o autor

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

150

5ª Classe: u – mau

A esta classe pertencem os nomes, cujos prefixos do singular (u) e plural

(mau) são (u-mau). Nessa classe e nas classes, VI, VII, e VIII, o prefixo do plural

ma se antepõe ao singular, ficando: mau, malu, matu, maku no plural.

O prefixo mau pode se contrair em “mô”: “a+u = o” (mau + ulungu =

môlungu), ou também se diz no plural, mata, môta, ou mawta.

Quadro 18 – Substantivos da 5ª classe

Singular – u Plural - mau

Uhaxi - doença Mawhaxi - doenças

Ulungu - canoa Mawlungu - canoas

Usuku - noite Mawsku - noites

Uta - arma Mawta - armas

Fonte: o autor

O prefixo “u” serve para a formação de nomes abstratos, que indicam

qualidades, servindo-lhes de base para outros nomes, por exemplo:

Quadro 19 – 5ª classe, formação de nomes abstratos

Singular – variável Plural - u

Haxi - doente Uhaxi - doença

Mpange - irmão Umpange - irmandade

Nguma - inimigo Unguma - inimizade

Nzambi - Deus Unzambi - divindade

Fonte: o autor

6ª Classe: lu – malu

A esta classe pertencem os nomes, cujos prefixos do singular (lu) e plural

(malu) são “lu-malu.”

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

151

Quadro 20 – Substantivos da 6ª classe

Singular – lu Plural - malu

Lubambu - corrente Malubambu - correntes

Lumbu - muro Malumbu - muros

Lumwenu - espelho Malumwenu - espelhos

Fonte: o autor

Em alguns casos, algumas palavras dessa classe em lu/malu formam o

plural como na décima classe. Geralmente são substantivos coletivos.

Quadro 21 – Substantivos da 6ª classe com plural em (ji)

Singular – lu Plural - ji

Lumbanji - costela Jimbanji - costelas

Lundanji - raiz Jindanigi - raizes

Lundemba - cabelo Jindemba - cabelos

Lunguba - amendoim Jinguba - amendoins

Fonte: o autor

7 ª Classe: tu – ma

A esta classe pertencem os nomes cujos prefixos do singular (tu) e plural

(ma) são “tu-ma”. Tuxi / matuxi – fezes.

É uma classe muito restrita em vocábulos, geralmente, ensombrados pelo

prefixo do grau diminutivo com o acréscimo dos prefixos singular (ma) e plurais

(tu).

Quadro 22 – 7ª classe formação do diminutivo dos substantivos

Singular – variável Plural - tu

Makhu - mão Tumakhu - mãos

Makutu - mentira Tumakutu - mentirinhas

Mahonjo - banana Tumahonjo - bananinhas

Malamba - angústia Tumalamba - angustinhas

Fonte: o autor

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

152

8ª Classe: ku – maku

A esta classe pertencem os nomes, cujos prefixos do singular (ku) e plural

(maku) são “ku-maku.” Ela engloba o infinitivo de todos os verbos em kimbundu,

ao mesmo tempo que designam substantivos. Portanto, são substantivos

verbalizados ou verbos substantivados. O uso das palavras no plural dá-lhes uma

significação concreta de substantivo.

Quadro 23 – Substantivos da 8ª classe

Singular – ku Plural - maku

Kudya - comer Makudya - comidas

Kufwa - morrer Malufa - mortes

Kunwa - beber Makunwa - bebidas

Kuzwela - falar Makuzwela - falares

Fonte: o autor

“ku” é um gramema que só se realizar junto a um lexema, designando um

substantivo e simultaneamente a mesma forma enuncia uma ação, que só

adquire sentido em um determinado contexto, por exemplo a palavra “Ku + dya” -

designa o infinitivo do verbo comer em kimbundu.

9ª Classe: i – ji

A esta classe pertencem os nomes, cujos prefixos do singular (i) e plural (ji)

são “i – ji.”

Todas as palavras que não se enquadram nas classes supracitadas

geralmente fazem o plural, ji.

As palavras que começam por dígrafos: - mb, nd, nj, nt, mp, nv, nz, -

geralmente fazem o plural prefixando um ji.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

153

Quadro 24 – Substantivos da 9ª classe

Singular – i Plural - ji

Ixi - terra Jixi - terras

Imbwa - cão Jimbwa - cães

Inzo - casa Jinzo - casas

Palavras iniciadas por dígrafos

Ngunzu - saudades Jingunzu - saudades

Njinda - nervo Jinjinda - nervos

Ntambi - óbito Jintambi - óbitos

Fonte: o autor

Reconhece-se nessa classe a ausência de qualquer prefixo de outras

classes e o plural dela serve de suporte para a formação do plural das palavras

não contempladas nas classes supracitadas. Uma boa parte das palavras

estrangeiras/empréstimos ou neologismos que entraram em kimbundu geralmente

fazem o plural em “Ji”.

Quadro 25 – 9ª classe, formação do plural de palavras estrangeiras e empréstimos

Singular – variável Plural – ji

Divulu - livros Jidivulu /Madivu - livros

Kalassa - calças Jikalassa - calças

Mbinza - camisas Jimbinza - camisas

Vyaw - avião Jivyaw - aviões

Fonte: o autor

10ª Classe: ka – tu

À esta classe pertencem todos os nomes cujos prefixos do singular (ka) e

plural (tu) são “ka – tu.” - Compreende todos os diminutivos e formam-se

prefixando ka ao nome que se quer diminuir.

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

154

Quadro 26 – Substantivos da 10ª classe

Singular – ka Plural - tu

Kakibamba - coisinha Tuybamba - coisinhas

Kadibengu - ratinho Tumabengu - ratinhos

Kamona - filhinho Twana - filhinhos

Kaynzo - casita Tuynzo - casitas

O “Ka” substantivar serve para formar palavras aglutinadas e forma o plural em a 1ª classe

Singular - ka Plural - a

Kajimbolo - Padeiro Jinjinda - padeiros

Kajinzo - homem de casas Akajinzo - homens de casas

Kamaka - Pessoa problemática Akamaka - pessoas problemáticas

Fonte: o autor

Nomes invariáveis ou incontáves

Os nomes invariáveis ou incontáves em kimbundu não sofrem alteração de

gênero e nem de número.

Quadro 27 - Nomes invariáveis ou incontáves

Dinyota - sede

Dizuya - calor/tempera

Kuxixima - desgraça

Másu - urina

Maji - óleo

Mbambe - frio

Menya - água

Nvula - chuva

Tubya - fogo

Uoma - medo

Fonte: o autor

Gramáticos, como Heli Chatelain, usam esses nomes também no plural,

mas em kimbundu eles não são contáveis e não variam, não têm plural, indicam

quantidades indeterminadas existentes na natureza (CHATELAIN, 1888-89, p.6).

A formulação do quadro de Quintão, (1934, p. 14), sobre as 10 classes de

prefixos identificados, segundo o número singular e plural, determinando o

enquadramento dos substantivos e regendo as concordâncias e contrações com

as preposições, não abarcam toda a dimensão do enquadramento das palavras

em kimbundu, neste âmbito, o esquema reproduz uma consonância com as dez

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

155

classes de palavras em português, deixando a margem uma gama de palavras,

como se pode ilustrar a seguir:

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (H), têm o prefixo de

classe no plural geralmente em (Ji), Hadi (sofrimento) –Jihadi (sofrimentos).

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (Mb), têm o prefixo de

classe no plural geralmente em (Ji),

Mbanzu (pensamento) –Jimbanzu (pensamentos).

Mbolo (pão) –Jimbolo (pães).

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (Mp), têm o prefixo

classe no plural geralmente em (Ji), Mpambu (cruzamento) –Jimpambu

(cruzamentos).

As palavras que têm o prefixo de classe no singular em digrafo (Nd), têm o

prefixo de classe no plural geralmente em (Ji), Ndengue (pequeno) –Jindengue

(pequenos).

As palavras que têm o prefixo de classe singular em digrafo (Ng), têm o

prefixo de classe no plural geralmente em (Ji), Nganga (feiticeiro) –Jinganga

(feiticeiros).

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (Nz), têm o prefixo de

classe no plural geralmente em (Ji), Nzambi (Deus) - Jinzambi

Nzumbi (espírito) – Jinzumbi (espíritos).

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (Nv), têm o prefixo de

classe no plural geralmente em (Ji), Nvunda (confusão) – Jinvunda (confusões).

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (S), têm o prefixo de

classe no plural geralmente em (Ji), Sanji (galinha) –Jisanji (galinhas).

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

156

As palavras que têm o prefixo de classe singular em (w), têm o prefixo de

classe no plural geralmente em (ma), Wenji (negócio) – Mawenji (negócios).

Fazendo uma indução sobre as várias ocorrências, é possível verificar que

uma boa parte das palavras em kimbundu faz o plural acrescentando o prefixo “Ji”

à palavra.

O plural das palavras em kimbundu é essencialmente realizado por meio

da prefixação e o plural das palavras em português é realizado por meio de

flexões.

O processo da formação do plural em kimbundu é contrastivo em relação

ao processo da formação das palavras em português.

Utentes da língua materna kimbundu quando falam ou “escrevem” em

português, por causa do esquema da gramática kimbundu que têm internalizada,

geralmente usam apenas o plural nas primeiras palavras do enunciado e omitem-

no nas últimas palavras da sequência do enunciado; “Nós falamo” , “eu e ele

fomo.”

Utentes da língua materna portuguesa, e até alguns escritores, quando

falam ou escrevem em português, por causa do esquema da gramática

portuguesa que têm internalizada, geralmente usam o plural no fim das palavras, -

“Os povos bantus/bantos, ou as línguas bantas.”- essas palavras em kimbundu ou

em outras línguas bantu já encontram o plural por prefixação. “ntu” é um lexema

que significa pessoa e “ba” é silabalização do gramema “a” que é a marca do

plural para seres racionais, portanto, a palavra “bantu” significa pessoas, ou

fenômenos heterogênios que se prendem com dimensões antropológicas e

socioculturais que identificam um vasto grupo humano na África negra.

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

157

5. 2. Formação das palavras em kimbundu

Toda língua apresenta processos de construção de palavras, cujas partes

constituintes podem ser estudadas, e quando se estuda a estrutura das palavras,

consideram-se geralmente o aspecto fonético e o aspecto mórfico, no entanto,

esta pesquisa restringe-se apenas à dimensão mórfica.

O morfema é o termo geral que designa a menor unidade linguística que

possui significado lexical (radical, radix, raiz) ou gramatical.

Raiz – quanto ao conceito de raiz, em kimbundu, é o elemento que se

realiza geralmente em quatro níveis; monossilábico, bissilábico, trissilábico e

polissilábico. A raiz é irredutível e comum em todas as palavras que se originam

dela; exemplo a raiz “dya”

Dya – come / kudya – comida / ku-dya – comer/ ady – comensais / kadya

–aquele que come/ makudya – comidas / kakudya – comidinha.

Afixos – no que se refere aos afixos, o kimbundu é uma língua

essencialmente prefixada, mas existem casos de sufixos também. Quanto à vogal

temática, não se faz sentir em kimbundu. As desinências realizam-se, também,

por prefixação, sem a ocorrência de uma vogal temática, esse aspecto contrasta

muito com a formulação portuguesa.

A derivação de palavras em kimbundu realiza-se geralmente por meio de

processos de prefixação:

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

158

a) Derivação por processo de prefixação binária

Quadro 28 - Derivação por prefixação binária

prefixação binária

Dikamba - amigo Ukamba - amizade

Kulamba - cozinhar Mulambi - cozinheiro

Mavu - terra Kamavu – proprietário de terras

Mbanzu - pensamento Mumbanji – pensador

Mbolo - pão Kajimbolo – padeiro

Ndandu - parente Undandu - parentesco

Ngana - senhor Ungana - poder

Ngadyama - pobre Wadyama - pobreza

Ngenji - rico Wenji - riqueza

Nzoji - sonho Kajinzoji - sonhador

Nzambi - Deus Unzambi - divindade

Kufa - morrer Lufa - morte

Tunga - construir Ntungi - construir

Zeka - dorme Nzeki - dorminhoco

Fonte: o autor

b) Derivação por processo de prefixação trenária

Quadro 29 - Derivação por prefixação trenária

prefixação trenária

Haxi – doente Uhaxi - doença Mukwa uhaxi – doente permanente

Kubeza - adorar Mubeji - adorador Mukwa beza – Temente

Kuvala – nascer Wavaluka –nascido Mukwa kuvala, Kivadi – parturiente

Kwendesa – guiar Mwendexi- condutor Mukwa -kwendesa – condutor

Kuzwela – falar Muzwedi - falador Mukwa kuzwela – orador

Kutanga – ler Mutangi – leitor Mukwa kutanda – aquele que tem lido

Fonte: o autor

c) A derivação de palavras por sufixação se constituem em poucos casos

em kimbundu, geralmente, acontecem mais na formação do sistema dos verbos

no passado.

Ku-zola –amar, gostar / nga + zol + ele – tinha amado

Ku – banga – fazer/ nga + bang + enga – tinha feito

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

159

A derivação regressiva processa-se de maneira oposta em relação ao

português, subtrai-se a sílaba inicial ao verbo que é sempre (ku-) indicador do

infinitivo e obtém-se a palavra génerica (tunga).

Ku-tunga – construir / Tunga – ato de construir, constrói

Ku-kala – ficar / Kala – ato de ficar, fica

Ku-mona – ver / Mona – ato de ver, veja

A derivação imprópria é aquela que uma palavra muda de classe

gramatical sem sofrer nenhuma alteração, em kimbundu esse processo é muito

frequente, principalmente nos verbos que ficam substantivos, uma boa parte de

nomes são derivados de verbos e de nomes de dias ou outras circunstâncias da

vida que marcam as famílias.

Madya dya Sábalo – Maria Sábado (sábalo –“sábado”)

António dya Kwenda – António Kwenda, (kwenda -“andar”)

A composição que é o processo que consiste em formar palavras por meio

da junção de dois ou mais radicais ou lexemas por justaposição ou aglutinação,

em kimbundu, forma-se de maneira diversa em relação ao português.

Todos os antropônimos completos formados em kimbundu são justapostos:

“Nzwa-dya-kongo” = Nzwa é o nome do filho

= dya é um conector genitival

= Kongo é o nome do progenitor.

Mukwa-kitadi – rico

Mukwa-woma – medroso

Mukwa-nguzu – forte

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

160

O processo da derivação das palavras em kimbundu é contrastivo em

relação ao processo da derivação das palavras em português.

A justaposição em kimbundu subsiste na composição de palavras por meio

de conectores de relação genítiva, estipulada por meio de gramemas prefixais

que estabelecem as concordâncias, fazem conexões, estratificam relações de

posse /genitiva, de descrição, de destinação, de caracterização e de qualificação,

permitindo a ligação entre substantivos ou conectando subtantivos a um adjetivo

primário em uma relação de determinação, que equivale à preposição portuguesa

“de”; (Mona –a – Nzambi = filho de Deus).

Quadro 30 – Conectores de relação genitiva

Classes Relação Genitiva Exemplificação

Singular Plural Singular Plural

1ª Wa A Muhatu wa kafonga

Mulher do pastor

Ahatu a tukafonga

Mulheres dos pastores

2 ª Wa ya Mutwe wa mutu

Cabeça de pessoa

Mitwe ya athu

Cabeças de pessoas

3 ª Kya ya Kinama kya muhatu

Perna de mulher

Inama ya muhatu

Pernas de mulher

4 ª Dya ma Diyaki dya sanji

Ovo de galinha

Mayaki ma sanji

Ovos de galinha

5 ª Wa ma Uta wa mukongo

Arma do caçador

Mawta ma mukongo

Armas dos caçadores

6 ª Lwa ma Lumbu lwa`nzo

Muro da casa

Malumbu ma jinzo

Muro das casas

7 ª Twa ma Tuxi twa ngombe

Fezes de boi

Matuxi ma ngombe

Fezes de boi

8 ª Kwa ma Kudia kwa mona

Comida do filho

Makudia ma mona

Comidas do filho

9 ª Ya ja Nzo ya mundele

Casa do branco

Jinzo já mundele

Casas do branco

10 ª Ka twa Kamona ka muhatu

Filhinho/a de mulher

Tumona tua muhatu

Filhinhos/as de mulher

Fonte: o autor

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

161

A relação genitiva concorda sempre com o possuídor e nunca com o

possuido (NTONDO, 2006, p. 101). A relação genitiva, que em português é

representada pela preposição “de”, em kimbundu se realiza por meio de

conectores que variam segundo os prefixos genitivais que concordam e se

contraem as vogais iniciais das palavras desigam os nomes possuídores

A concordância da primeira classe pode estender-se a todos os nomes de

racionais, e até a alguns irracionais personificados. Os objetos personificados

fazem a concordância segundo as regras da prefixação da primeira classe

(CHATELAINE, 1889, p. 10-14).

A aglutinação subsiste na junção do “ka” como noção de prefixo-

substantivador mais a palavra em posição de aglutinante, originando a

substantivação da palavra prefixada pelo “ka” conotando varias dimensões:

Quadro 31 - Aglutinação por prefixo substantivador “ka”

Kajinzo – homem de casas

Kamakalu – homem de carros

Kajimbolo – homem dos pães

Kajidemba – pessoa de muitos cabelos

Kamakutu – homem de mentiras

Kameso - pessoas de olhos grandes

Fonte: o autor

É necessária uma acurada atenção para que não haja confusão com os

prefixos da 10ª classe, singular (ka) e no plural (tu), compreendendo a formação

dos diminutivos (CHATELAIN, 1888-9, p. 8).

A onomatopeia como mecanismo que consiste em formar palavras a partir

da tentativa da reprodução ou imitação de um som extra-humano é muito usual na

linguagem coloquial do kimbundu, imitação de sons de: veículos, pássaros e

fenômenos.

Wabiti ni dikalu “nvunvunvu” = passou de carro – “nvunvunvu”

Eza ni jimota “wemwemwem” = vieram de moto – “wemwemwem“

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

162

Os ideofonos são palavras onomatopaicas ou de redundâncias que ocorrem

em kimbundu e, em outras línguas bantu, também, funcionam como nomes,

verbos ou advérbios (ROSA, 2000, p. 113).

Nvula ya noko, noko – A chuva foi abundante e demorada

Way ni kuzwela – zwela - foi falando espaçadamente.

Imbamba yabete yabete – as coisas estavam molhadissimas

Em kimbundu, há muitos estrangeirismos ou empréstimos de palavras

provenientes de línguas europeias, principalmente do português, adaptadas ou

incorporadas, em kimbundu sem alterações:

Quadros 32 – Empréstimos/ estrangeirismos

Bolo

Casaco

Mesa

Missa

Rádio

Sacola

Sardinha

Telefone

Fonte: o autor

Em kimbundu, há neologismos porque certas palavras provenientes do

português sofreram adaptações ao serem incorporadas no kimbundu.

Quadros 33 – Neologismos

Dikalu - carro

Divulu - livro

Loloji - relógio

Lumingu - domingo

Jikalasa - calças

Jisapatu - sapatos

Mpapela - papel

Ngalufu - garfo

Xicola - escola

Vyaw - avião

Fonte: o autor

É necessário observar que, em kimbundu, todos os empréstimos e

neologismos fazem o plural acrescentando o prefixo “ji” (CHATELAIN, 1888-9, p.

7).

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

163

O processo da formação de palavras e suas estruturações em kimbundu

contrasta com à formação de palavras e suas estruturações em português.

5. 3. A noção de gênero

A noção de gênero provém naturalmente da noção de sexo. Inicialmente,

seriam do gênero masculino os substantivos que designam pessoas e animais do

sexo masculino, do gênero feminino, os substantivos que designam pessoas e

animais do sexo feminino e do gênero neutro os substantivos que designam

coisas inanimadas, isentos de sexo natural.

Em latim, há três gêneros, masculino, feminino e neutro. Os substantivos

masculinos eram geralmente de tema em u, (servum-servo). São masculinos os

nomes de homens, povos, vento, rios e de meses.

Os substantivos femininos têm o tema em a (servam-serva). São femininos

os nomes de mulheres, de países, de ilhas e a maior parte dos nomes de cidades,

árvores e dos substantivos abstratos.

Os substantivos neutros são os nomes de letras do alfabeto, os infinitivos

dos verbos, tomados substancialmente, as palavras indeclináveis no singular e no

plural, (exceto os nomes de pessoas derivados de línguas estrangeiras), e

qualquer palavra que, sem ser substantivo, se emprega como tal: “honestum”, a

honestidade, (ZENONI, 1961, p. 22-23).

Em grego, a maioria dos casos dos substantivos que no nominativo

singular termina em as, ns e os são masculinos.

Os casos dos substantivos que no nominativo singular terminam em a, n

são femininos.

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

164

Os casos dos substantivos que no nominativo singular que terminam em i,

o e ma são neutros (SCHNEIDER, 2005, p. 53).

A noção de gênero ficou alterada com a passagem desses conceitos

masculino, feminino e neutro da gramática greco-latina para os vernáculos

europeus. Em português, essa distinção do gênero obliterou-se e o gênero das

palavras passa a ser uma marca gramatical, masculino e feminino

correspondendo a uma diferenciação do sexo natural e, no caso dos nomes que

designam seres inanimados, a atribuição de gênero tornou-se puramente

arbitrária, ficou excluído e negligenciado o gênero neutro.16

A arbitrariedade dessa atribuição de gêneros aos seres inanimados pode

ser facilmente observada se compararmos o gênero dos nomes destes seres em

várias línguas europeias:

- Em português - carro é uma palavra masculina – em francês o mesmo

substantivo – voiture é uma palavra feminina.

- Em português - navio é uma palavra masculina – em inglês o mesmo

substantivo – ship é uma palavra feminina.

- Em português - mesa é uma palavra feminina – em alemão o mesmo

substantivo – tisch é uma palavra masculina.

Os nomes dos seres inanimados não possuindo sexo em si, recebem e

variam de gênero conforme a determinação dos acordos gramaticais, este

processo designa-se por gênero gramatical, ou seja, o gênero é atribuído

gramaticalmente ao substantivo não em consonância com o grau do gênero

natural, que não é possuído por esses seres inanimados, como o têm as pessoas

16

Segundo Américo Areal (1970), […] já antes da fixação dos indo-europeus, os semicivilizados viam em tudo forças vivas equivalentes as dos animais. Os nomes das árvores, por exemplo, eram femininos, visto estas serem consideradas fêmeas por darem frutos. Os frutos, porém, já eram neutros. Deste modo, o gênero nada de preciso passou a indicar. Por isso, quando os substantivos nomeiam coisas, o género é puramente convencional.” (AREAL 1970, p. 76).

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

165

e os animais irracionais (masculino e feminino), Portanto, os nomes dos seres

inanimados não tem qualquer relação com o gênero natural, e a denominação de

gênero em relação a eles envolve mecanismos arbitrários entre as várias línguas

(PINTO, 2005, p. 116-120).

Como verbalizou Quintão, em kimbundu: “Todos os nomes de entes

animados são comuns de dois ou epicenos, exceto os seres com nomes

especiais para cada sexo” (QUINTÃO, 1934, p. 13).

Tradicionalmente, designa-se por substantivos comuns-de-dois os nomes

nos quais os artigos determinam e distinguem o gênero masculino ou feminino, «o

cliente, a cliente; o doente, a doente». Ora, o artigo em kimbundu não determina o

gênero mas apenas o existente substantivado, portanto, não existem substantivos

comuns-de-dois em kimbundu.

A designação dos nomes de seres que mantêm sempre a forma neutra, e a

distinção de gênero acontecem pelo acréscimo das palavras distintivas macho ou

fêmea aos seres animados, que tradicionalmente se designam por substantivos

epicenos.

Podemos afirmar, que, como acontece em latim e em grego, o kimbundu,

também, tem três gêneros. A fundamentação para a determinação do gênero em

kimbundu é o sexo natural. O latim e o grego para a determinação do sexo

baseiam-se na questão da terminação das palavras, e o kimbundu baseia-se na

questão do gênero natural. Os gêneros masculino e femininos restringem-se aos

animais sexuados e o gênero neutro para todos os seres assexuados.

Nessa perspectiva, a formulação do gênero em kimbundu contrasta com o

português e coaduna-se com a formulação do grego e do latim que admitem os

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

166

três gêneros: masculino, feminino e neutro, não obstante, a diferença conceitual

que fundamente a existência dos três gêneros em cada tradição linguística.

5. 4. Determinante - (Artigo)

O conceito de artigo definido em kimbundu não coincide com o conceito do

artigo em português. O artigo definido em kimbundu é um determinante

existencial. Para o português, o artigo é a palavra que antecede o substantivo e

sua finalidade é indicar o gênero e o número, podendo generalizar ou

particularizar o substantivo ao qual se refere. Maria Carlota Rosa (2000) nesse

sentido escreveu o seguinte:

Artigos como; o, um e demonstrativos como; este, esse, aquele, são determinantes. Para alguns autores, este rótulo é restrito apenas a artigos e demonstrativos. Num uso mais amplo, artigos e demonstrativos são determinantes referenciais e destacam-se de dois outros tipos de determinantes: os quantificadores, palavras que denotam quantidade como; todos, ambos, cada, algum e numerais cardinais e os possessivos como; seu, meu. (ROSA, 2000, p.112).

O determinante em kimbundu é um gramema, que se antepõe aos

substantivos e porta a noção de indicativo de um existente ou de uma

substantivação. O determinante é invariável em gênero e número, como em inglês

(FERNANDES, 1991, p.152). Tem a mesma forma e a mesma função em todas

as circunstâncias em que aparece para os três gêneros e dois números:

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

167

Quadro 34 – O determinante em kimbundu – artigo definido.

Singular Plural

O dyala - o homem O mala/mayala - os homens

O kimbamba - a coisa O imbamba /ima - as coisas

O mbiji - o peixe O jimbiji - os peixes

O muhatu - a mulher O ahatu - as mulheres

O nzamba - o elefante O jinzamba - os elefantes

Fonte: o autor

A noção de um determinante, assim, é muito diferente da noção do artigo

definido em português, que varia em gênero e número consoante os substantivos

que são definidos pelo mesmo artigo que os antecede.

O determinante de substantivação (substantival) em kimbundu é

contrastivo em relação aos artigos definidos em português.

O artigo indefinido em kimbundu é um indeterminante de existentes reais,

abstratos ou hipotéticos. Quanto ao artigo indefinido, Quintão (1934, p. 14) afirma

não haver artigo indefinido em kimbundu. Porém, uma análise mais acurada

atesta a existência de indeterminastes abertos ou vagos, que geralmente se

pospõem aos substantivos e vinculam a eles noções de forma indeterminada, só

variam em número, e concordam com a classe do substantivo a que se referem,

mas são invariáveis quanto ao gênero, como verba nas expressões seguintes:

Quadro 35 – Indeterminante abertos em kimbundu – artigo indefinido

Singular Plural

Umoxi – um/uma, único/única Amoxi – uns/ umas

Dyala dimoxi – um homem Mayala ou mala amoxi – uns homens

Muhatu umoxi – uma mulher Ahatu amoxi – umas mulheres

Muthu umoxi – uma pessoa Athu amoxi – umas pessoas

O indeterminante aberto se distingue nitidamente dos numerais, como podemos

verificar nos exemplos seguintes:

Moxi Designa número cardinal Um

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

168

Kyadianga Designa número ordinário Primeiro

Ludianga Designa número multiplicativo Primeira vez

Bando imoxi Designa número fracionário (Um) meio

Fonte: o autor

O uso do indeterminante de substantivação aberto ou vago em kimbundu é

contrastivo em relação ao uso dos artigos indefinidos em português.

5. 5. Determinante possessivo

O pronomes possessivos em kimbundu são determinantes possessivos,

estabelecem uma relação que vincula o possuído ao possuidor ou possuidor ao

possuído.

Os determinantes possessivos são sempre colocados depois do nome que

lhes serve de referência de forma anafórica ou catafórica, dependendo das

circunstâncias, geralmente são sempre enclíticos. Concordam com os nomes

antecedentes, por meio do prefixo do genitivo, mas se “a” for o prefixo do genitivo,

dá-se uma contração entre a e as vogais. Cada determinante possessivo deve

obedecer as regras da concordância, conforme as dez classes de prefixos.

Quadro 36 – Determinantes possessivos em kimbundu

Forma longa Forma abreviada Tradução

Yami `ami Meu/ minha

Yay Yé Teu/ tua

Yamwene Yé Seu/sua

Yetu/essu Étu Nosso/nossa

Yenu Énu Vosso/vossa

Yaw Yá Seus/Suas

Exemplos:

O dimi d`yami - A minha língua

O nguzu yai - A tua força

O nvunda yamwene - A sua confusão/ confusão dele

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

169

O jihenda yetu - A nossa caridade

O kutena kwenu - O vosso poder

O Izwatu yaw - As suas roupas/A roupa deles

O dimi d`yami - A minha língua

Fonte: o autor

Em kimbundu, os determinantes possessivos não variam de gênero em

relação ao possuído nem em relação ao possuidor, só variam de número em

relação aos possuídos e com eles tecem a concordância.

O ser e o uso de determinantes de posse em kimbundu é contrastivo em

relação ao ser e uso dos pronomes possessivos em português.

5. 6. Determinantes referenciais

Os pronomes demonstrativos em kimbundu são determinantes referenciais,

que estabelecem uma noção de relação tridimensional apoiando-se em noções de

unidades dêiticas.

Os determinantes referenciais são utilizados simultaneamente de maneira

anafórica e de apresentação. Distinguem-se em três formas:

Quadro 37 – Determinantes referenciais em kimbundu

Forma I - yú - este mesmo (perto de um mim).

Forma II - yów - esse mesmo (perto de um ti).

Forma III - ywna - aquela mesmo (longe de um mim e ti).

Fonte: o autor

Esses determinantes referenciais recebem um tom alto na primeira sílaba.

Este esquema reporta as ocorrências possíveis em vários contextos contando

com as concatenações de concordâncias segundo as classes de palavras em

todas as posições onde são empregues.

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

170

Quadro 38 – Ocorrências dos determinantes referenciais em kimbundu

Pref. de Iª Forma IIª Forma IIIª Forma

u Yú Yów Yuná

a Yá, á, awa Ó Aná, yaná

I Yíyí (eyi) Yoyo, (oyo) Iná

ki Kiki, (eki) Kyokio (okyo) Kiná

di Didi (edi) Dyodyo (odyo) Diná

Ji Jiji (eji) Jojo (ojo) Jiná

lu Lulu (olu) Lolo (olo) Luná

tu Tutu (otu)) Toto (oto) Tuná

ku Kuku (oku) Koko (oko) Kuná

ka Kaka (aka) Koko (oko) Kaná

ma/a Mama (ama) Momo (omo) Maná

Este, esta, estes, estas Esse, essa, esses, essas Aquele(s), aquela(s)

Exemplos

Yú - este Muhatu - mulher Muhatu yú – esta mulher

Diná - aquele Dikalu - carro Dikalo diná – aquele carro

Dyodyo - esse Dimi - língua Dimi dyodyo - essa língua

Fonte: o autor

O ser e o uso de determinantes de referenciais em kimbundu é contrastivo

em relação ao ser e uso dos pronomes possessivos em português.

5. 7. Qualificador - (Adjetivo)

Em kimbundu, em vez do termo adjetivo usa-se o termo qualificador, para

garantir abrangência de várias frequências, estruturações e locuções

circunstanciais como um campo aberto. O qualificador é a palavra que expressa

uma característica ou qualidade ou atributo que se identifica ou que se atribui a

um ser ao qual se refere. Evidencia uma qualidade ou uma propriedade de um ser

de maneira positiva ou negativa, constituindo uma peculiaridade do mesmo ser,

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

171

que se põe em relevância, modifica a extensão ou a abrangência de sentido do

substantivo.

Segundo Pedro Dias (1697, p. 35), em kimbundu, “Todos os adjetivos no

plural começam pela letra vogal, pela qual começa o seu substantivo no plural,

ainda que o tal substantivo comece por alguma consoante, v.g. – Mala anene”.

Para Quintão (1934, p. 51), “Os adjetivos propriamente ditos são poucos

em quimbundo”, destes, apresentamos aqui alguns;

Quadro 39 – Os adjetivos em kimbundu

Adjetivos em kimbundu

Obe – novo

Okulu – velho

Ofele – pequeno

Onene/kinene – grande

Fonte: o autor

Segundo ainda Quintão (1934, p. 52), “Como em kimbundu há poucos

adjetivos, são estes substituídos por locuções adjetivas17”:

Quadro 40 – As locuções adjetivas

-Os nomes abstratos juntam-se ao substantivo, pelo genitivo para qualificá-los;

Muhatu wa nguzu – mulher forte Dyala dya ulalu – homem preguiçoso

- Os nomes concretos ligam-se ao substantivo pelo prefixo para qualifica-los

Haxi - doente Eme ngi haxi – eu sou doente

- Os nomes compostos formam locuções adjetivas

Mukwa-kitadi – Pessoa rica

Mukwa-woma – Pessoa medrosa

Mukwa-nguzu - pessoa forte

Mukwa- mona - vidente

Fonte: o autor

Por verbos qualificativos, ou locuções adjetivas que exerçam

simultaneamente as funções de predicativos ou qualificativos, temos por exemplo;

17

Em latim, os adjetivos no feminino declinam-se pela primeira declinação; no masculino e neutro pela segunda declinação. Os adjectivos da segunda classe seguem a terceira declinação e podem ter três, duas ou uma só forma. Os adjectivos de três formas – triformes são «treze» somente e acabam no nominativo em –er, -is, -e, (ZENONI, 1961, p. 33).

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

172

Quadro 41 - Verbos qualificativos, ou locuções adjetivas

Verbos qualificativos, ou locuções adjetivas

Ku - aba – ser bonito Muhatu wa uaba – mulher bonita

Ku - neta – engordar Kilumba kya nete – jovem gorda

Ku - xikelela – escurecer Kizwa kya xikelela – dia escuro

Ku - zela – embranquecer Dyulu dya zele – céu branco

Fonte: o autor

A concordância dos qualificadores com os substantivos é feita por meio de

prefixos de dupla função, de concordância e genitivo, conforme as regras das

classes de prefixos. Se o prefixo concordante tem “a”, ele se realiza por meio de

contrações com as vogais iniciais das palavras a que se segue. Esse “a”

desaparece diante do singular na 10ª classe e do plural da 1ª, 4ª, e 8ª classes de

prefixos. O “i” da 9ª classe também desaparece.

Quadro 42 - Concordância dos qualificadores com os substantivos por prefixos

Singular Plural

Dyaki dyakinene - ovo grande Mayaki makinene - ovos grandes

Kyalu kyofele - cadeira pequena Yalu yofele - cadeiras pequenas

Kinda kyobe - cesta nova Inda yobe - cestas novas

Kinda kyo kulu - cesta velha Inda yokulu - cestas velhas

Inzo yokulu - casa velha Jinzo jyokulu - casas velhas

Muthu obe - pessoa nova Athu wobe - pessoas velhas

Nxi ofele - pau pequeno Mixi yofele - paus pequenos

Ulungu wobe - canôa nova Mawlungu mobe - canôas novas

Uta wa kinene - arma grande Mauta ma kinene - armas grandes

Fonte: o autor

Em kimbundu, os qualificadores são uniformes18, não apresentam

nenhuma alteração quando se referem ao gênero, pois possuem uma única forma

para os gêneros masculino e feminino; o mesmo acontece para o gênero neutro.

18

(AREAL, 1970, p. 94-95) - As categorias de uniformes e biformes dos adjectivos, quando ao género, assentam no latim. Com efeito, nesta língua, havia adjectivos (os da primeira classe) que tinham uma forma diferente para cada género; e outros (os da segunda classe biformes) com uma forma única para o masculino e para o feminino. Assim 1ª classe justum (masculino, donde justo) – justam (feminino donde justa), 2ª classe fortem (forma comum ao masculino e ao feminino donde forte). Terribilem (igualmente forma comum aos dois géneros, donde terribil = terrível).

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

173

Os qualificadores em kimbundu sempre se pospõem aos substantivos que

qualificam.

É estranho para o kimbundu os valores (qualidades) que assumem os

adjetivos quando se antepõem ou se pospõem ao substantivo como acontece em

português, em que:

- O adjetivo anteposto ao substantivo atribui a ele características ou

qualidades, psicológicas, morais, abstratas ou conceituais.

Quadro 43 – O adjetivo anteposto ao substantivo

Caro amigo – querido

Grande coração – pessoa de bem

Grande professor – excelente

Pobre homem – coitado

Fonte: o autor

- O adjetivo posposto ao substantivo atribui a ele características

quantitativas, físicas, concretas ou materiais.

Quadro 44 – O adjetivo posposto ao substantivo

Amigo caro – oneroso

Companheiro velho – idoso

Homem pobre – sem recursos

Professor grande – alto

Fonte: o autor

Quanto à formulação dos graus dos qualificadores, o kimbundu contrasta

com os adjetivos portugueses nos graus superlativos absoluto sintético e

analítico. Zavoni Ntondo (2006), analisando os qualificadores na tradição bantu

nas expressões língua ngangela, verbalizou o seguinte:

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

174

Lexemas com o funcionamento nominal e verbal podem, em ngngela reivindicar o estatuto de adjetivo. Assim podemos reagrupá-los em duas categorias distintas: - Os lexemas de primeira ordem ou primários, numericamente limitados. - Os lexemas de segunda ordem ou secundários, em números importante, derivados de verbos. Aos lado destes, destacam-se também alguns nominais com sentido abstrato e advérbios que podem funcionar como elementos qualificativos, (NTONDO, 2006, p. 79).

Quanto ao grau dos qualificadores, urge sublinhar que o superlativo relativo

absoluto analítico e sintético apresenta características diferentes do português.

O superlativo absoluto sintético forma-se também por meio de ideofonos,

que se fazem no alongamento da última sílaba ou pela reduplicação do adjetivo.

Quadro 45 - O superlativo absoluto sintético

Ima fususuuu - coisas esmagadíssimas

Kizwa kyedi péleleee -dia branquíssimo

Menya a benyaaaa - água brilhantíssima

Usuku wedi píuuu - noite escuríssima

Wedi evéee - tudo escutadíssimo

Fonte: o autor

A reduplicação dos substantivos, também chamado superlativo hebraico

(FERREIRA, 2002, p. 157):

Ngana ya jingana – rei dos reis.

Njimo ya njimo – sábio dos sábios.

O superlativo absoluto analítico é formado pelos adjetivos kionene, kiavulu,

kyambote, kyaba, ou se acrescenta um “ka”, mas não é o “ka” do diminuitivo, da

10ª classe, mas um “ka” substantivador que indica qualidade existente na palavra

a que ele se antepõe:

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

175

Quadro 46 – Superlativo absoluto analítico

Kajidivulu - muito estudioso

Kajivunda - muito confucionista

Kabanga - muito belicista

Kajijinda - muito nervo

Kamaka - muito problemático

Kajihenda - muito caridoso

Fonte: o autor

Pelas ocorrências formuladas, deduz-se que o ser e o uso dos

qualificadores em kimbundu é contrastivo em relação ao ser e uso dos adjetivos

em português.

5. 8. Pronomes pessoais

O Pronome19 em kimbundu é toda a unidade linguística que substitui um

nome, ou desempenha a função de nome. Serve também para indicar a posição

pessoal no tempo ou para questionar e estabelecer relações circunstanciais com

os seres aos quais se refere.

Quadro 47 – Pronomes pessoais em kimbundu

Pronomes

Pessoas Pessoais

absolutos

Prefixos Relativos Infixos Recíprocos a 6 b

Oblíquos

Sing 1ª Eme ngi Ngi ngi Di kwal´eme o kwami

2ª Eye u U ku Di kwal´eye o kwye

3ª Mwene u, a U mu Di kwa mwene o kwe

Plu 1ª Etu tu Tu tu Di kwal´etu o kwetu

2ª Enu nu/mu Nu nu/mi Di kwal´enu o kwenu

3ª Ene a A a Di kwal´ene o kwâ

Fonte: o autor

19

- O pronome é uma classe de palavras muito importante para o texto, pois permite uma melhor articulação das ideias por meio de referências e retomadas que evitam repetições desnecessárias. Nesse sentido, saber usar bem os pronomes garante produzir um texto mais coeso, ou seja, mais articulado. As referências textuais feitas por meio de pronomes podem ser anafóricos (quando o pronome retoma algo que já foi dito anteriormente, exemplo: - O esforço pode trazer nos trazer muitos resultados, mas ele nem sempre é aplicado para a obtenção destes). Ou catafóricos (quando o pronome anuncia algo que ainda será dito, exemplo: - A verdade é esta, jamais conseguirão superar seus limites) (DALEFI, 2006, p. 136).

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

176

Com efeito, é pronome toda a unidade que em um enunciado pode ocupar

o lugar de um substantivo, pois o substantivo em linguística corresponde a um

constituinte nominal, cujo papel é de evocar esse substantivo, mesmo que esteja

presente ou ausente.

Em kimbundu é possível formular unidades linguísticas que comportam o

estatuto de nome. Os pronomes são unidades suscetíveis de substituir os

antropônimos, exemplos:

Quadro 48 – Pronomes pessoais e pronomes prefixos em kimbundu

Pronomes Pessoais Pronome prefixo

Eme Eu Ngi Eu

Eye Tu U Tu

Mwene Ele/ela U Ele/ela

Etu/ “esswe” Nós Tu Nós

Enu Vós Nu Vós

Ene Eles A Eles

Exempos:

Eme ngi muhatu - Eu sou mulher

Eye u mona - Tu és filho

Mwene u kimonya - Ele é preguiçoso

Etu tu jingenji - Nós somos ricos

Enu nu jingadyama - Vós sois pobres

Ene o jingana - Eles são autoridades

Fonte: o autor

Esses prefixos desempenham o papel de pronomes, de prefixos de

concordância e do verbo ser no presente quando são clíticos junto dos pronomes

pessoais absolutos e simultaneamente sublinham o tempo e o aspecto verbal.

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

177

Quadro 49 - Prefixos: pronomes, de concordância e de verbo ser no presente

Prefixos com função de pronomes, prefixo de concordância e de verbo ser no presente

Prefixos Pronome regente Pro. Pref. de concordância Pref. Verbo ser/ pres.

Ngi Ngi zwela -eu falo Nga mbiti – eu passei Eme ngi - eu sou

U U zwela -tu falas Wa mbiti - tu passaste Eye u - tu és

U U zwela -ele fala Wa mbiti – ele passou Mwene u – é

Tu Tu zwela -nós falamos Twa mbiti – nós passamos Etu tu – nós

somos

Nu Nu zwela -vós falais Nwa mbiti – vós passastes Enwe nu – vós sois

A A zwela -eles falam A mbiti – eles passaram Ene a – eles são

Fonte: o autor

Nesse caso supracitado, o prefixo desempenha o papel de pronome

pessoal, por essa razão é, também, chamado de prefixo pronominal ou prefixo

pronome.

O pronome é chamado de pronome substantivo quando não vem

acompanhado de substantivo. Sua presença assume a forma de núcleo do

sintagma, podendo desempenhar, geralmente, o papel de substantivo, entre

outras funções.

Essas unidades prestam-se à classificação e à conceitualização

pronominal/nominal, segundo o funcionamento que viabilizam com o seu emprego

e o envolvimento no movimento de uma lógica acionista.

Primeira pessoa, ou seja, quem fala: Eme / ngi = Eu e Etu/Eswe = Nós.

Segunda pessoa, ou seja, para quem ou com quem se fala: Eye =Tu e Enu= vós.

Terceira pessoa, ou seja, de quem se fala: ele(a) /eles (as), Mwene = ele/a e Ene

= eles/as. Essa movimentação forma pronomes elocutivos, pronomes alocutivos e

pronomes delocutivos (NTONDO, 2006, p. 192-193).

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

178

Quadro 50 – Pronomes: elocutivos, alocutivo e delocutivos.

Pronomes elocutivos – correspondem às primeiras pessoas singular e plural

Eme Ngi Eu

Etu Tu Nós

Pronomes alocutivos – correspondem as segundas pessoas singular e plural

Eye U Tu

Enwe Nu Vós

Pronomes delocutivos – correspondem as terceiras pessoas singular e plural

Mwene U Ele ela

Ene A Eles elas

Fonte: o autor

Essas articulações do pronome pessoal adicionado ao prefixo de

concordância, verbal e temporal, simultaneamente contrasta com a formulação

morfológica portuguesa.

5. 9. Pronomes interrogativos

Os pronomes interrogativos são palavras ou expressões que se permeiam

como veículos para emitir perguntas: para pessoas – quem? para coisas – o que

é?; para circunstâncias – qual/quanto e variações?.

Em kimbundu, o pronome interrogativo realiza-se dentro da lógica de

contrações e combinação das regras de classes dos prefixos, revelando-se

variáveis e invariáveis, e pela combinação das quatro formas – nani, kyebi, kwebi,

kikuxi, ihyi - são os pronomes que catalisam essencialmente as expressões

interrogativas:

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

179

Quadro 51 – Pronomes interrogativos em kimbundu

Pref. de concord. 1ª Forma 2ª Forma 3ª Forma 3ª Forma

U Unani (wa` né)? Webi?

A Yanani (ya`né)? ahyí?

I Yebi? Ikuxi? Iyhyí?

Ki Kyanani (kya`né)? Kyebi? Kikuxi? Kyahyí?

Di Dyanani (dya`né)? Dyebi? Dyahyí?

Ji Jyanani (jya`né) ? Jyebi? Jikuxi? Jyahyí?

Lu Lwanani (lwa`né) ? Lwebi? Lukuxi? Lwayhyí?

Tu Twanani (twa`né) ? Twebi? Tukuxi? Twayhyí?

Ku Kwanani (kwa`né) ? Kwebi?

Ka Kwanani (kwa`né) ? Kakwebi? kayhyí?

ma/a Manani (ma`né) ? Kwebi? makuxi? mayhyí?

Formas

1ª Forma – nani (né)? - quem?

2ª Forma – kwebi? - onde?

3ª Forma – kikuxi? - quanto?

4ª Forma – ihyi? - quê?

Exemplos:

Ditady dyebi? – qual é a pedra?

Itumino ikuxi? – quantos mandamentos?

Lukwako lwebi? – qual é a mão?

Majina manani? – nomes de quem?

Tuditela kwebi? - vamos aonde?

Fonte: o autor

Os pronomes interrogativos - Kyá? Ngó? Ndingi? - são invariáveis.

A esses pronomes supracitados se adiciona as locuções interrogativas:

Quadro 52 - Locuções interrogativas

Locuções interrogativas

Lumoxi ngó? – uma só vez?

Nani dingi? - quem é mais?

Kikuma –kya – ihyí? – por que causa?

Fonte: o autor

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

180

Em kimbundu, os recursos interrogativos expressam atos diretivos, em que

a intenção do locutor é pretender que o interlocutor responda a questão que lhe é

formulada. Para formar os recursos interrogativos circunstanciais, o kimbundu

serve-se de várias formulações locutivas.

5. 10. Pronomes relativos

O kimbundu usa os pronomes relativos como formas anafóricas, que se

referem a um nome ou seu equivalente já mencionado antecedentemente, dando

a impressão de um “pleonasmo pronominal”.

Os pronomes relativos se aglutinam aos prefixos pronominais e aos

prefixos de concordância, como geralmente acontece com os verbos conjugados

com pronomes oblíquos átonos: “Madya yú nga zola kyavulu, wala mu Lwanda –

A Maria, que eu muito amo, está em Luanda”.

O kimbundu constrata muito com o português na regência dos pronomes

relativos por causa dos pronomes prefixos, prefixos genitivos e de concordância,

que vão se contraindo segundo a combinação de formação das classes a que

pertencem.

Quadro 53 - Regência dos pronomes relativos

Regência dos pronomes relativos

Pr. Absoluto Pr. prefixo Pr. relativo verbo

Eme Nga ku zola Eu que o tenho amado

Eye Wa Mu zola Tu que o tens amado

Mwene Wa Ku zola Ele que o tem amado

Etu Twa Nu zola Nós que os temos amado

Enu Nu A zola Vós que os tendes amado

Ene A nu zola Eles que os têm amado

Fonte: o autor

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

181

Muitas palavras que funcionam como pronomes relativos em alguns

contextos podem funcionar de modo diverso em outros âmbitos.

Sempre que surgir dúvidas se uma palavra é ou não um pronome relativo,

se deve verificar se ela de fato retoma a função de nome/pronome antecedente.

5. 11. Quantificadores

Os quantificadores indicam se a referência de uma expressão nominal diz

respeito a todos os elementos de um conjunto ou a um subconjunto. Eles podem

ainda expressar o cardinal do conjunto referido, quer de forma aproximativa

(quantificadores indefinidos), quer de forma exata (numerais cardinais)

(GONZALES, 2008, p. 103).

Quadro 54 – Quantificadores em kimbundu

Pref/classe e

Pref./Concord.

Oso Ososo Wamukwa Wengi Avulu Ofele

U Wosso wossowosso wamukwa wengi wavulu wofele

A avulu

I Yosso yossoyosso yamukwa yengi yavulu yofele

Ki Kyosso kyossokyosso Kyamukwa kyengi kyavulu kyofele

Di Dyosso dyossodyosso Dyamukwa dyengi dyavulu dyofele

Ji Jyosso jyossojyosso jyamukwa jyengi jyavulu jyofele

Lu Lwosso lwossolwosso Lwamukwa lwengi lwavulu lwofele

Tu Twosso twossotwosso Twamukwa twengi twavulu twofele

Ku Kwosso kwossokwosso kwengi kwavulu kwofele

Ka kavulu kawofele

ma/a Mwosso mwossomwosso amukwa mwengi mavulu mawofele

Avulu - muitos (demais)

Ofele - pouco

Osso - todo

Ossosso - qualquer

Wamukwa - outro (da mesma espécie)

Wengi - outro (de diferente espécie)

Fonte: o autor

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

182

Como se depreende no quadro 54 supracitado, em kimbundu, os

quantificadores são invariáveis em gênero e número, mas se articulam sofrendo

muitas contrações com os prefixos de classes e com as vogais de concordância

das palavras com que se relacionam; esse aspecto contrasta com a dimensão

portuguesa dos quantificadores que variam em gênero e número.

Em kimbundu, o termo de quantificador é atribuído às unidades associadas

aos substantivos que veiculam a noção de quantidade e podem ser:

Quadro 55 - Noção de quantificador

- Totalizadores

Essa noção de totalidade é expressa pelo lexema yoso, posposto geralmente ao

substantivo

kyma kyosso – toda a coisa

Bata dyosso – todo povo

O lexema –yosso – pode, também, determinar um numeral ou pronome pessoal, como

mostram as seguintes atestações:

Kyadi kyosso – todos os dois

Enu yoso – todos voçês

O lexema –yosso – também exprime noções adverbiais de consequência “assim” e de

ubiquidade, respetivamente:

Ngombe way sota kizwa kyosso – procurou a vaca durante todo o dia.

kudya wa sota bandu jyosso – procurou a comida em todo o lado.

- Plurizador

A noção de quantidade indefinida é expressa pelo lexema – yavulu –, determina apenas

substantivos no plural, tem o funcionamento de lexema adjetival primário:

Mvula yavulu – muita chuva

Athu avulu - muitas pessoas

Ima yavulu – muitas coisas

- Individualizador

A noção de individualizador é expressa pelo lexema numeral – imoxi:

Yala dimoxi - um homem, o único homem.

Mbiji imoxi – um peixe, o único peixe.

- Partitivo indefinido

Em kimbundu, os lexemas say, amoxi, mbandu são quantificadores que se revelam

partitivos indefinidos em vários contextos:

Say ibundu – alguns frutos há

Athu amoxi – algumas pessoas

Mbandu yakamukwa – outra parte

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

183

- Distributivo

O kimbundu utiliza os lexemas, “mbandu”, “kala”, “muya” para exprimir a noção de

distribuição indefinida:

Mbandu - metade

Kala muhatu - cada mulher

Muya kima - por cada coisa

Fonte: o autor

5. 12. Numerais

Os numerais indicam uma quantidade de seres e objetos ou designam o

lugar que eles ocupam em uma determinada série, portanto, são: – cardinais,

ordinais, multiplicativos, fracionários, coletivos - estas palavras que exprimem de

uma maneira precisa uma quantidade (número), uma sucessão ou um conjunto

ordenado, uma multiplicidade.

Quadro 56 – Numerais em kimbundu

Cl./P Pref.

Con.

Moxi

1

Yadi

2

Tatu

3

Wana

4

Tano

5

Samanu

6

1ª U umoxi

2ª A amoxi ayadi Atatu awana atano asamanu

3ª I imoxi yadi Itatu iwana itano isamanu

4ª Ki kimoxi kyadi kitatu kiwana kitano kisamanu

5ª Di dimoxi

6ª Ji jimoxi jyadi jitatu jiwana jitano jisamanu

7ª Lu lumoxi lwyadi lutatu lwana lwtano lusamanu

8ª Tu tumoxi twyadi tutatu twana tutano tusamanu

9ª Ku kumoxi

10ª Ka kamoxi kayadi katatu kawana katano kasamanu

- ma/a

Fonte: o autor

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

184

Em kimbundu, os numerais cardinais designam o número certo.

Os números de 1 a 6 fazem a concordância por meio do prefixo de classe

do nome e o prefixo do conector de concordância.

Muthu - u – moxi = uma pessoa Kizua – ky – moxi = um dia

Ilumba –i – yadi = duas jovens Mbolo – ji – tanu = Cinco pães

Os números de 1 a 6 funcionam como qualificadores precedidos do prefixo

de concordância “kya”, também.

Quadro 57 - 1 a 6 números pospostos ao substantivo (qualificadores)

Números de 1 a 6 qualificadores precedidos do prefixo de concordância “kya”

1 Moxi Muthu u-moxi Uma pessoa

2 Yadi Athu ky-adi Duas pessoas

3 Tatu Athu ki-tatu Três pressoas

4 Wuana Athu ky-wana Quatro pessoas

5 Tana Athu ki-tanu Cinco pessoas

6 Samanu Athu ki-samanu Seis pessoas

Fonte: o autor

Os números de 7 a 10 são colocados como substantivos regendo a

concordância por meio prefixo “dya”:

Quadro 58 - 7 a 10 os números são antepostos aos substantivos

Números de 7 a 10 como substantivos regendo o prefixo “dya”

7 Sambwadi sambwadi dya athu Sete pessoas

8 Nake nake dya athu Oito pessoas

9 Divwa divwa dya athu Nove pessoas

10 Dikuini dikwini dya athu Dez pessoas

Os números de 10 para cima mencionam-se:

11 – kwini ni moxi

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

185

12 - kwini ni kyadi

20 – makwini a yadi

100 – khama

200 – khama jyadi

1000 - kwini kya khama

Fonte: o autor

Quadro 59 - Numerais a partir de 7 em kimbundu

Números de 7 a 10 regidos pelos prefixos de classe e de concordância

Prefixo de classe - Prefixo de Concord. Sambwadi 7 Nake 8 Vwa 9 Kwini 10

U

A

I

Ki

Di dinake divwa dikwini

Ji

Lu

Tu

Ku kusambwadi kudinake Kudivwa kudikwini

Ka kasambwadi kanake kavwa kakwini

ma/a makwini

Os numerais ordinais

1ª dyanga kizwa kya dyanga – primeiro dia

2ª kayadi kizwa kya kayadi – segundo dia

3ª katatu kizwa kya katatu – terceiro dia

4ª kawana kizwa kya kawana – quarto dia

5ª katana kizwa kya katanu – quinto dia

6ª kasamanu

7ª kasambwadi

8ª kanake

9ª kadiva

10ª kakwini

Multiplicativos

Page 186: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

186

Muluyadi - dobro ---- nga gikibange muluyadi = fiz isso em dobro

Mulutatu - tripulo ---- wafutu mulutatu = pagou a tripilicar

Mulwana-quádruplo --- jimbo ay fumanesa mulwana = quadriplicaram a notícia.

Fonte: o autor

Fracionários ou partitivos

Os números fracionários expressando uma divisão ou partes de um todo,

em kimbundu, formam-se antepondo a palavra bandu regendo prefixos de

concordância - i ou ji – e as respectivas contrações de classes antepostas aos

números, formando uma locução fracionária. A noção do fracionário ou partitivo

existe em português como em kimbundu, mas a realização ou aplicação da

conceituação dessa noção fracionária é contrastante entre o kimbundu e o

português:

Quadro 60 - Números fracionários ou partitivos

Números fracionários expressando uma divisão ou partes

Akwa-bandu - são da parte de

Bandu – meio, metade

Ka-bandu – metadinha

Ki-bandu – grande metade

Ku-bandu - pela parte

Mu-bandu – na metade (interioridade)

Tu-bandu - pequenas partes ou parcelas

Kamoxi o kambandu – dimiuitivo – pequena parte ou pequena porção de uma série.

Kimoxi o kimbandu– aumentativo – uma parte grande ou porção maior de um todo.

Umoxi, dimoxi - único.

Bandu ji –yadi (bandu jyadi) - duas partes, dois meios.

Bandu ji-tatu (bandu jitatu) – três partes.

Bandu ji-wana (quatro partes) – Quatro partes.

Fonte: o autor

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

187

5. 13. Verbo

O verbo é uma palavra variável que por meio de flexões e combinações

designa ações, exprime qualidades, estados ou a existência de seres (ideias)

suscetíveis de serem considerados no tempo presente, pretérito e futuro. Os

verbos em kimbundu estruturam-se por paradigmas e flexões que contrastam com

as formulações dos verbos em português (CHATELAIN, 1888-89, p. 32-72).

Quadro 61 - Pronomes pessoais absolutos e pronomes prefixos

Pronomes pessoais, absolutos e prefixos

Pr. p. absolutos Pr. prefixos

Eme - eu Ngi Eme ngi - eu sou

Eye - tu U Eye u - tu és

Mwene - ele U Mwene u - ele é

Etu - nós Tu Etu tu - nós somos

Enu - vós Nu Enu nu - vós sois

Ene - eles A Ene a - são

Fonte: o autor

O verbo ser em kimbundu é veiculado pela dimensão ontológica dos

pronomes pessoais absolutos adicionados aos pronomes pessoais prefixos

regentes do tempo, mais o nome a que se refere como predicativo do ser:

Eme ngi muhatu – eu sou mulher

Eye u kilumba – tu és jovem

Ene a tangi - eles/as são leitores

Pronomes prefixos regentes do verbo, determinando a pessoa e o sistema

do tempo presente do indicativo, por exemplo, o verbo fazer –kubanga:

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

188

Quadro 62 - Pronomes prefixos regentes do verbo

Pronomes prefixos regentes do verbo (pessoa e tempo presente)

Ngi – eu ngi-banga - faço

U - tu u-banga - fazes

U - ele u-banga - faz

Tu - nós tu-banga - fazemos

Nu - vós nu-banga - fazeis

A - eles a-banga - fazem

Fonte: o autor

Quadro 63 - Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no passado

Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no passado

Pronome pessoais prefixo Marca do pretérito Verbo

Ngi a/e Ku-banga Nga-bange - fiz

U Wa-bange - fizeste

U Wa-bange - fez

Tu Twa-bange -fizemos

Nu Nwa-bange - fizeste

A A-bange - fizeram

Fonte: o autor

Quadro 64 - Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no futuro; (nganda/ngondo)

Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no futuro

Pronome pes. prefixos Marca do futuro Verbo

Ngi Anda/ondo Ku-banga Nganda-kubanga -farei

U Wanda-kubanga -farás

U Wanda-kubanga -fará

Tu Twanda-kubanga -faremos

Nu Nwanda-kubanga -fareis

A Anda-kubanga -farão

Fonte: o autor

Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo expressando uma ordem -

o imperativo. O “phé” é uma expressão de realce para sublinhar o imperativo, que

pode, também, ser dispensando.

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

189

Eye banga-kyo ou Banga-kyo phé eye - Faz tu.

Enwe bangeno-kyo ou bangeno-kyo phé enwe – fazei vós.

Quadro 65 - Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no conjuntivo

Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no conjuntivo

Pro. p. prefixos Marca do

conjuntivo

Verbo

Ngi ki/e Ku-banga Ngi ki-bange - que eu faça

U U ki-bange - que tu faças

U U ki-bange -que ele faça

Tu Tu ki-bange - que nós façamos

Nu Nu ki-bange -que vós façais

A A ki -bange -que eles façam

Fonte: o autor

A formação do condicional se faz usando o verbo auxiliar “kuzola”, que é

um verbo polissêmico e se distingue pelo contexto em que se encontra. O verbo

ku-zola pode significar: amor, gostar, querer e anelar.

Quadro 66 - Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no condicional

Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no condicional

Pr. p. pr. Marca do cond. Verbo

Ngi zolele kuki Ku-banga Nga zolele kuki -banga – gostaria fazer

U Wa zolele kuki -banga

U Wa zolele kuki -banga

Tu Twa zolele kuki -banga

Nu Nwa zolele kuki -banga

A A zolele kuki -banga

Fonte: o autor

Em kimbundu, o verbo “kukala” significa em português “ter e estar”. Ao

verbo “kukala” deve pospor-se sempre a preposição “ni = à, o, com”

Page 190: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

190

Quadro 67 – Verbo kukala “ter e estar”, seguido da preposição “ni –à/ o /com”

Verbo “kukala, - ‘ter, estar”, sempre seguido da preposição “ni –à/ o /com”.

Pronome pessoal Verbo preposição

Eme - eu Ku -kala Ni Eme ngala ni eu tenho

Eye - tu Eye wala ni tu tens

Mwene - ele Mwene wala ni ele tem

Etu - nós Etu twala ni nós temos

Enu - vós Enu nwala ni vós tendes

Ene - eles Ene ala ni eles tem

Exemplos:

Eme ngala ni divulu – Eu tenho o livro.

Eme ngala ni Madya – Eu estou com a Maria.

Eya wala ni kilo - Tu tens sono.

Fonte: o autor

O verbo “ter”, em kimbundu, é também representado pelo verbo “say, - ter”.

Esse verbo não tem prefixo “ku” no infinitivo, é invariável; expressa, também, a

noção de existir e haver, outrossim, é regido apenas pelos pronomes pessoais

absolutos e unicamente no tempo presente.

Quadro 68 - Verbo say - “ter” é invariável

Verbo “ter = say - não tem prefixo “ku” como infinitivo, é invariável

Pronome pessoal absoluto Infinitivo verbo

Eme - eu Say Say Eme say eu tenho

Eye - tu Eye say tu tens

Mwene - ele Mwene say ele tem

Etu - nós Etu say nós temos

Enu - vós Enu say vós tendes

Ene - eles Ene say eles tem

Fonte: o autor

O verbo “say” é invariável, e só é conjugado usando os pronomes pessoais

absolutos tomando o sentido de ter. Quando é usado de forma impessoal toma o

sentido de haver ou existir “say jisanji = galinhas há ou existem galinhas”

(CHATELAIN, 1888-89, p. 12).

Page 191: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

191

“Ku” é prefixo do infinitivo dos verbos

Ku – banga = kubanga – fazer.

Os verbos, em kimbundu, todos começam com o prefixo do infinitivo “ku” e

terminam sempre com vogal “a”, com exceção do verbo “say” que é invariável.

Quanto à vogal temática, em kimbundu, é identificável de seguinte modo:

se subtrai ao verbo a primeira sílaba (ku), que é prefixo do infinitivo “ku”, a vogal

da sílaba a seguir constitui a vogal temática, é uma lógica e um proceder

totalmente diferente e contrastante com a formação verbal portuguesa.

Quadro 69 - “Ku” prefixo regente do infinitivo dos verbos

“Ku” prefixo regente do infinitivo dos verbos

Infinitivo

Ku – lenga /fugir Lenga---foge Ngalenge - fugi Ngandakulenga -fugirei

Ku - jima /apagar Jima -- apaga Ngajimi - apaguei Ngandakujima -apagarei

Ku–sota /procurar Sota -

procura

Ngassota - procurei Ngandakusota - procurarei

Ku - tala/olhar Tala - olha Ngatale - olhei Ngandakutala -olharei

Fonte: o autor

Os verbos, em kimbundu, têm 5 vogais temáticas – a, e, i, o, u, - isso

justifica a variação dos verbos, que requerem um conhecimento específico porque

não se restringem a um paradigma de conjugação para todos os verbos

(QUINTÃO, 1934, p. 44-46).

Quadro 70 - Verbos monossílabos

Verbos monossílabos

Ku – ya/ ir Ndá --- vai Ngay – fui

Ku- dya/ comer Dya – come Ngady – comi

Ku- nwa/ beber Nwa – bebe Nganu – bebi

Page 192: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

192

Ku- fwa / morrer Fwa – morre Ngafu - morri

Ku –tá/ pôr Tá – põe Ngate - pus

Verbos dissílabos

Ku – bana / dar Bana --- dá Ngabana – dei

Ku- beka / trazer Beka ---traz Ngabeka - trouxe

Ku- beta / bater Beta --- bate Ngabeta - bati

Ku- disa / alimentar Disa - alimenta Ngadisa - alimentei

Ku- jiba / matar Jiba--- mata Ngajiba - matei

Ku-jika / fechar Jika --- fecha Ngajika – fechei

Ku-nyana/ roubar Nyana – rouba Nganyana – roubei

Kw- iza / vir Eza/iza –vem Ngeza - vim

Verbos polissílabos

Kw-ambata / levar Ambata – leva Ngambata – levei

Kw-ongeka/ ajuntar Ongeka – ajunta Ngongeka – ajuntei

Ku-sukula / levar Sukula - lava Ngasukula – lavei

Fonte: o autor

A formação do passado remoto ou pretérito mais que perfeito, em

kimbundu, processa-se de seguinte modo:

- Pronomes pessoais prefixos (nga) + raiz do verbo (bang) + os sufixos temperais

marcas do passado remoto (ele). Quanto à formação do passado, o kimbundu

admite muitos sufixos para viabilizar noções de pretérito, condicional e de

conjuntivo de maneira gradativa.

Quadro 71 - Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no passado remoto

Pronomes pessoais prefixos regentes do verbo no passado remoto

Pr. pes. prefixos Marca do passado remoto Verbo

Ngi a -ele Ku-banga Nga-kubangele -fizera

U Wa-kubangele

U Wa-kubangele

Tu Twa-kubangele

Nu Nwa-kubangele

A A-kubangele

Fonte: o autor

Page 193: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

193

Verbos que têm a vogal temática em - a, e, o – terminam em = “ele”.

Quadro 72 - Verbos com vogal temática em - a, e, o.

Verbos com a vogal temática em - a, e, o – que terminam em = “ele

Ku-banga - fazer banga - faz ngabangele Fizera

Ku-beta - bater beta - bate ngabetele Batera

Ku-bonga - apanhar bonga - apanha ngabongele apanhara

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em - i, u, – terminam em = “ile”:

Quadro 73 - Verbos com a vogal temática em - i, u,

Verbos com vogal temática em - u, i, wi – que terminam em = “ile”

Ku-bita - passar Bita - passa ngabitile passara

Ku-dya - comer dya - come ngadile comera

Ku-jiba - matar jiba - mata ngajibile matara

Ku-sumba - comprar sumba - compra ngasumbile comprara

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em - a, e, o u, com a presença de m e n

puros – terminam em = “ene”:

Quadro 74 – Verbos com a vogal temática em - a, e, o, u seguidos m e n final ene.

vogal temática em - a, e, o u = terminam em = “ene”

Ku-betama - curvar betama - curva ngabetamene curvara

Ku-nana - puxar nana - puxa ngananene puxara

Ku-neta - engordar neta - engorda nganetene engordara

Ku-tonesa - acordar tonesa - acorda ngatonesene acordara

Ku-fukama - ajoelhar fukama - ajoelha ngafukamene ajoelhara

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em – a, u, i, com a presença de m e n

puros – terminam em = “ine”.

Page 194: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

194

Quadro 75 - Verbos com a vogal temática em – a, u, i, seguidos de m e n final ine

vogal temática em – a, u, i = “ine”

Ku-balumuka– levantar balumuka – levanta ngabalumukine levantara

Ku-kina - dansar kina – dansa ngakinene dansara

Ku-nwa – beber nwa – beba nganwine bebera

Ku-kuna – plantar kuna – planta ngakunine bebera

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em – o, u – terminam em = “wele”:

Quadro 76 - Verbos com a vogal temática em – o, u – final = “wele”

Vogal temática em – o, u = “wele”

Infinitivo Vogal temática

Ku-bongolola - conciliar bongolola - concilia ngabongolwele Conciliara

Ku-sukula - levar sukula - lava ngasukwele Lavara

Ku-tolola - partir tolola - parte ngatolwele Partira

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em – a, u - penúltima ula – terminam em =

“wile”:

Quadro 77 - Verbos com a vogal temática em – a, u,- final = “wile”

Vogal temática em – a, u, = “wile”

Infinitivo Vogal temátca

Ku-batula – cortar batula - corta ngabatwile Cortara

Ku-katula – tirar katula - tira ngakatwile Tirara

Ku-lundula – herdar lundula - herda ngalundwile herdara

Ku-tambula – receber tambula - recebe ngatambwile recebera

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em – o, as penúltimas sílabas ona – terminam

em = “wene”:

Page 195: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

195

Quadro 78 - Verbos com a vogal temática em – o, final “wene”

Vogal temática em – o- = “wene”

Infinitivo Vogal temátca

Ku-bokona - entrar bokona – entra ngabokwene entrara

Ku-kondona - limpar condona – limpa ngakondwene limpara

Ku-kohona - tossir kohona – tossi ngakohwene tossira

Fonte: o autor

Verbos que têm a vogal temática em – a, u, i - e as penúltimas sílabas

uma – terminam em = “wine”:

Quadro 79 - Verbos com a vogal temática em – a, u, i final “wine”

Vogal temática em – a, u, i = “wine”

Inifinitivo Vogal temátca

Ku-samuna - pentear samuna – penteia ngasamwine penteara

Ku-sumuna - desmaiar umuna – desmaia ngasumwine desmaiara

Ku-tukumuna- desvendar tukumuna – revela ngatukumwine revelara

Ku-ditunina - negar ditune – nega ngadituninine recusara

Fonte: o autor

Verbos dissílabos que têm a vogal temática em – u- e a última sílaba la –

terminam em = “dile”.

Quadro 80 - Verbos dissílabos com a vogal temática em – u final em “dile”

Vogal temática em – u = “dile”

Infinitivo Vogal temática

Ku–sula despachar sula – despacha ngasudile despachara

Ku – tula tula - posa ngatudile Posara

Ku- kula – crescer kula – cresce ngakudile crescera

Fonte: o autor

Os verbos que têm a vogal temática em – i- e a última sílaba la – terminam em =

“idile”:

Page 196: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

196

Quadro 81 - Verbos com a vogal temática em – i final “idile”

Vogal temática em i = “idile”

Infinitivo Vogal temática

Ku -dila = chorar dila chora ngadidile Chorara

Ku-bixila = chegar bixila chega ngabixidile chegara

Ku- titila – palpitar titila palpita ngatitidile palpitara

Fonte: o autor

Os verbos que têm a vogal temática em – i- e a última sílaba za – terminam em =

“jile”: Ku -iza - vir / iza ou eza - venha = ngejile - viera, são pouco frequentes

em kimbundu.

Quadro 82 - Verbos com a vogal temática em – i final “ngejile”

Vogal tem – i = za

Infinitivo Vogal temática

Ku – iza / vir i – za - venha ngejile Viera

Fonte: o autor

A gramatização de adaptação dos vernáculos (português) para o kimbundu

cita os tempos seguindo os paradigmas da gramática portuguesa (CHATELAIN,

1888:32-65), mas pelo que se depreende da noção do tempo dos verbos em

línguas bantu e em consonância com os estudos de bantuistas (NTONDO, 2006,

p. 137), podemos estabelecer os seguintes paradigmas:

Quadro 83 – Verbo no sistema de presente em kimbundu

Presente

Imediato

Faço

Progressivo

Estou fazendo

Habitual

Faço habitualmente

Ngi banga Nga ma banga Ngene ku banga

U banga Wa ma banga Une ku banga

U banga Wa ma banga Une ku banga

Tu banga Twa ma banga Tune ku banga

Page 197: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

197

Nu banga Nwa ma banga Nune ku banga

A banga A ma banga Ene ku banga

Fonte: o autor

Quadro 84 – Verbo no sistema de futuro em kimbundu

Futuro

Imediato - farei - precisão Futurável

Nganda kubinga (ngondo banga) Ngaka banga

Wanda kubinga Waka banga

Wanda kubinga Waka banga

Twanda kubinga Twaka banga

Nwanda kubinga Nwaka banga

A nda ubinga Aka banga

Fonte: o autor

Quadro 85 - Verbos no sistema de pretérito em kimbundu

Pretérito

Imediato

Fiz agora

Próximo

Fiz há um tempo

Médio

Fiz várias vezes

Remoto

Fizera uma vez

Nga bange Nga ki bange Nga bangenga Nga ki bangele

Wa bange Wa ki bange Wa bangenga Wa ki bangele

Wa bange Wa ki bange Wa bangenga Wa ki bangele

Twa bange Twa ki bange Twa bangenga Twa ki bangele

Nwa bange Twa ki bange Nwa bangenga Nwa ki bangele

A bange A ki bange A bangenga A ki bangelele

Fonte: o autor

Quadro 86 – Verbo no imperativo em kimbundu

Imperativo

Banga kyo eye - Faça tu

Bangeno kyo enu. Fazei vós

Fonte: o autor

Page 198: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

198

Quadro 87 – Verbos no sistema de condicional em kimbundu

Condicional

Presente

Gostaria fazer

Passado

Gostaria no passado

Nga zolele kubanga Nga zolele ku ki banga

Wa zolele kubanga Wa zolele ku ki banga

Wa zolele kubanga Wa zolele ku ki kubanga

Twa zolele kubanga Twa zolele ku ki banga

Nwa zolele kubanga Nwa zolele ku ki banga

A zolele kubanga A zolele ku ki banga

Fonte: o autor

Quadro 88 – Verbos no sistema de conjuntivo em kimbundu

Conjuntivo

Presente

Que eu faça

Passado

Se eu tivesse feito

Ngi kibange Se nga kibangele

U kibange Se wa kibangele

U kibange Se wa kibangele

Etu kibange Se twa kibangele

Enu kibange Se nwa kibangele

Enea kibange Se wa kibangele

Fonte: o autor

Quadro 89 – Verbo no infinitivo em kimbundu

Infinitivo

Kubanga – Fazer

Fonte: o autor

Page 199: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

199

5. 14. Verbalizador

Em kimbundu, o advérbio chama-se verbalizador, porque a ação enunciada

pelo verbo passa a ser entendia segundo uma determinação acrescida pelo

verbalizador, por exemplo: “mwene wadi ni lusolo – ele comeu apressadamente”.

O verbo comer recebe outra noção de pressa/rapidez; ficou verbalizado com duas

noções (comer e rapidez). A noção acrescida alterou o verbo, isto é verbalizou-o.

Quadro 90 - Verbalizadores – advérbios

Modo Wamadya ni lusolo Come apressadamente

Causa Wafu ni nzala Morreu à fome.

Companhia Weza neme Veio comigo.

Dúvida Many kya se wanda kubixila Não se sabe se vai chegar.

Intensidade Ngakalakala kya vulu Trabalhei muito.

Lugar Twaxikama bu kididi dya xidi Sentamos em um sítio sujo.

Negação Kukibange ndenge Não faça isso garoto/a.

Instrumento Wamujiba ni poko Matou à faca.

Finalidade Wamakalekela o kitadi Trabalha pelo salário.

Fonte: o autor

5. 15. Conectores de palavras

Para o kimbundu, as preposições são gramemas ou morfemas gramaticais

que põem em conexão as palavras tecendo as relações dêiticas existentes entre

elas.

Os principais conectores locativos em kimbundu são: Mu – dentro, Bu –

sobre, Ku - junto, Ni / No – com, sê – sem. Dessas conexões se derivam as

Page 200: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

200

locuções conectivas para vincular as várias circunstâncias em que são

necessários os conectores de palavras20.

Quadro 91 - Conectores de palavras – preposições

Conectores locativos de palavras em kimbundu

Mu – dentro

Bu – sobre

Ku - junto,

Ni / No – com, sê – sem

Locuções conectivas de palavras

Bu kanga dya – fora de

Ku tandu dya – em (por) cima de

Ku mbandu ya – ao lado de

Ku polo ya – em frente, diante de

Ku dima dya – atrás de, depois de

Kwa mukwa – noutro lugar

Mu kaxaxi ka – no meio de, entre

Mu moxi – moxi - um por um

Mu amukuâ – noutro lugar

Tunde…katé – desde …até

Fonte: o autor

5. 16. Conectores de enunciados

Para o kimbundu, as conjunções são conectores de frases. Os conectores

de frases são gramemas ou morfemas gramaticais que põem em conexão as

frases nos discursos, tecendo as relações de coordenação e de dependências

existentes entre enunciados em ordenação gramatical. Em kimbundu, os

principais conectores de frases são:

20

Em hebraico, só existem três formas de preposições: “be – em, le - para e ka- como, e”, que são determinadas pela consoante ou sílaba inicial da palavra à qual são prefixadas. (LAMBDIM, 2003, p. 54-55).

Page 201: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

201

Quadro 92 – Conectores de frases - conjunções

Conectores de frases - conjunções

Anga - e

Maji - mas

Mbata - porque

Mukonda - porque

Ni – e, com

Phe – pois, porém

Sé – se

Sumbala – ainda que, apesar de

Locuções conectoras

Anga, se – apesar de

Maji zé – mesmo assim

Né … né - nem … nem

Ni …ni - tanto … como

No…no - tanto …assim

Fonte: o autor

5. 17. Reação vital

Em kimbundu, a interjeição tem a noção de reação vital, porque só é

possível aos seres animados. Ela, geralmente, é súbita e espontânea,

respondendo aos vários estímulos circunstanciais que se apresentam no

momento. Expressa por meio de sentimentos, sons ou expressões corporais,

assumindo vários valores semânticos:

Quadro 93 - Expressão de reação vital –interjeções

Expressão de reação vital

Ah! Ahah! - expressão admiração!

Ayhwé! ayhwé! – expressão de dor!

Eeeé! - chamada de atenção

Kinga! – espera! Calma

Ndoko! – vamos! Inicia!

Oh! – exclamação de surpresa!

Phi - silêncio! Caluda

Tata! Tata! - inovação ao pai na aflição

Tana-ko! - bem –vendido!

Tunda! - fora

Tund`é! – fora daqui

Tussange -“bem-vindo”

Xé! - olá

E! oh! ah! - chamar a atenção de alguém

Lamba dy`ami - autocomiseração, ou autopunição, - pobre de mim.

Lamba dy`ei - imprecação – desgraçado, azarado.

Page 202: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

202

Ma! ma! ma! – expressão usada para chamar os animais.

Mam`é! mam`é! – invocação da proteção maternal

Mam`etu-é! mam`etu-é! - invocação da proteção maternal na dor

Ngané! – Ó senhor! chamada particularizada a um presente

Tat`etw-é! Tat`etw-é! – inovacação ao pai na aflição pedindo socorro

Xenu! - serve para chamar alguém sem evocar o nome

Xibyá! xibyá! xibyá! – usa-se para chamar cães….

Fonte: o autor

O vocativo: é ngana! ou ngan`yé! oh ngana – tudo isso equivale a

expressão - “Senhor”!

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

203

CONCLUSÃO

Esta guisa conclusiva é um corolário dos antecedentes que foram

desenvolvidos nos temas que constituem o corpo deste trabalho, sobre a

morfologia contrastiva entre português e kimbundu.

A morfologia contrastiva português-kimbundu é um filamento que surge da

dimensão linguística do bilinguismo português e kimbundu que se instaurou no

norte de Angola desde 1560, absorvendo falantes das duas línguas e ocupando

os mesmos espaços geográficos e temporais.

Esse fenômeno da coexistência linguística português-kimbundu permeia-se

por muitas indagações; - como explicar a existência do bilinguismo português-

kimbundu? Por que se mantém esse bilinguismo secular que perdura até aos

nossos dias e que já faz parte da nossa herança histórica, brindando-se como um

patrimônio cultural em uma Angola multilíngue? Qual é o impacto que tem na vida

acadêmico-cultural da sociedade? Por que nunca se extinguiu ou se resvalou

para o surgimento de língua um crioula como aconteceu em outras partes da

África?

Essas perguntas muito oportunas que afloram a nossa mente como

introspecção social que visa compreender o nosso fenômeno linguístico, suas

origens, seu desenvolvimento e seus itinerários atuais, que encontram

explicações e respostas fundamentadas no devir histórico da nossa sociedade,

são refletidas neste trabalho.

O português e o kimbundu não são línguas que existem em si e por si; elas

não são entidades autônomas, essas línguas são elas e seus falantes; elas e a

sociedade que as fala e que as mantêm vivas como meio necessário para a

comunicação interna da sociedade e internacional.

Page 204: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

204

O português é uma língua de origem latina que absorveu muitos elementos

de outras línguas com que esteve em contato ao longo da sua história.

A língua portuguesa chegou à região do kimbundu, em Angola, como mero

veículo de comunicação ao serviço mercantilista da expansão portuguesa.

Com a formação do império luso, a língua portuguesa tornou-se um

instrumento hegemônico à mercê do imperialismo colonialista português. Foi

durante aquele tempo do imperialismo colonialista português que se orquestraram

as tentativas de glotofasia sobre o kimbundu, a impraticabilidade dessa ação, por

causa de vários fatores, cristalizou o bilinguismo secular português-kimbundu.

O bilinguismo secular português-kimbundu sobreviveu durante muito tempo

em uma diglossia do português sobre o kimbundu viabilizando um leque de

imposições que resultaram em várias facetas e esfacelamentos multidimensionais

como; o bilinguismo mercantil, politico-colonial, antroponímico, toponímico e o

bilinguismo religioso.

O bilinguismo religioso consistiu na aprendizagem do kimbundu pelos

missionários, com o intuito de evangelizar o povo em português e kimbundu como

línguas usadas naquele meio social para converter o maior número possível de

pessoas ao cristianismo entre a comunidade africana, sem descurar os europeus

na diáspora africana.

Os missionários, para obter a eficiência de sua ação evangelizadora,

editaram e serviram-se dos catecismos de português-kimbundu e kimbundu-

português e, posteriormente, fez-se a tradução da sagrada escritura das línguas

latina ou das neolatinas para o kimbundu.

Para o processo literário da edição de catecismos e da tradução da Biblia

para o kimbundu, primou-se pelo estudo das estruturas morfológicas e das regras

Page 205: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

205

internalizadas que asseguram o funcionamento lógico do kimbundu. Esse estudo

foi moldado segundo os arquétipos gramaticais greco-latinos e da gramática

português nascente, desembocando no processo da gramatização do kimbundu.

A gramatização do kimbundu é fruto do cenário do bilinguismo português-

kimbundu ancorada, primariamente, como meio para facilitar a aprendizagem do

kimbundu para fins religiosos, isto é, um meio imprescindível para a

evangelização.

As anotações gramaticais do catecismo “Gentio de Angola

suufficientemente instruído nos mysterios de nossa sancta fé”, de Padre

Francisco Pacconio, da companhia de Jesus, que viveu em Angola nos anos

1586-1641, publicado postumamente, em 1642, é o primeiro livro que foi impresso

em kimbundu, teve três edições. Essa obra tornou-se o protótipo de todas as

outras obras que foram publicadas posteriormente sobre o estudo da língua

kimbundu.

A arte da língua de Angola, oferecida à virgem Senhora N. do Rosário, Mãy

Senhora dos mesmos pretos, de Padre Pedro Dias, foi redigida na Bahia, em

1696, para as necessidades pontuais de evangelizadores de escravos que

falavam kimbundu em um Brasil escravocrata, publicada em 1697, em Lisboa,

três anos antes da morte do autor. Essa obra é o máximo expoente do kimbundu

letrado no século XVII, com o fedor de um kimbundu da diáspora sob o ambiente

escravocrata. As obras de Pacconio e a de Pedro Dias serviram de suporte para a

gramática de Heli Chatelain.

A gramática elementar do kimbundu ou língua de Angola foi publicada por

Heli Chatelain, missionário protestante, em Genebra, em 1888-1889. Chatelain

esteve em Angola desde 1885 até 1888, apresentando o kimbundu do século XIX

Page 206: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

206

. É uma gramática cultora da língua kimbundu, tem um cunho social e

ecumênico, emerge nela o problema angustiante da convivência discrepante e

discriminatória entre as classes sociais na Angola colonial.

Essa gramática é destinada aos natos de língua materna kimbundu, aos

portugueses, funcionários e comerciantes como meio de socialização africana,

aos missionários como veículo para facilitar a evangelização do povo e aos

africanistas como meio de investigação.

Para os estudos em kimbundu, a gramática de Chatelain é a única que é

trilingue, usando simultaneamente o inglês, o português e o kimbundu. Essa

característica abriu uma projeção internacional para os estudos de kimbundu e

tornou-se a gramática mais citada a nível internacional, servindo de fonte para a

elaboração da gramática de Quintão.

A gramática de kimbundu, de José Luíz Quintão, é de 1934, foi publicada

principalmente para um mundo acadêmico, sua elaboração está ancorada nos

estudos de W. B. Boyce, Sir Georg, W. E. Emmanuel Bleck, além de outros, mas

como fontes próximas e mais usuais citam-se as obras de Chatelain e de Cordeiro

da Mata.

Apresenta a dimensão do kimbundu no século XX, em uma Angola em

pleno auge do sistema colonial. Estuda o kimbundu como um instrumento

oportuno para penetrar no pensamento e psicologia dos povos bantu com o intuito

de dominá-los e perpetuar a hegemonia colonial, usando essa língua local.

Os seus destinatários são os alunos da escola superior colonial e toda a

categoria de pessoas, que de qualquer forma, exerciam o seu ministério público

na Angola colonial, isto é, aos missionários, militares, funcionários públicos,

Page 207: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

207

negociantes, agricultores e a todas as pessoas em contato com os indígenas da

região, mas muito especialmente aos magistrados.

A gramatização do kimbundu processa-se gradualmente através da

intertextual que começa com as notações gramaticais do catecismo de Francisco

Pacconio, evolui na primeira formulação rigorosamente gramatical do kimbundu

de Pedro Dias, ascendeu quantitativa e qualitativamente na Gramática elementar

do kimbundu ou língua de Angola de Heli Chatelain, estendendo-se até as

reformulações gramáticais do Kimbundu de José Luiz Quintão, esse percurso da

gramatização perfaz o corpus literário para a fundamentação dos estudos do

kimbundu sem descurar todas as outras publicações. Cada gramática, ao seu

modo, tentou responder a uma inquietação linguística do seu tempo à mercê de

interesses de várias ordens, desde o evangélico ao sociopolitico com todas as

artimanhas hegemônicas que abrangem.

Pacconio vivênciou o bilinguismo nas comunidades tradicionais de Angola

do seu tempo, servindo-se do português e de uma variante do kimbundu. Pedro

Dias viveu uma dimensão bilíngue entre os escravos na Bahia que falam

kimbundu em um ambiente que se ia construindo, apenas, com a intenção

linguística direcionada para o português e o silenciamento das outras línguas quer

africanas quer ameríndias.

Heli Chatelain viveu o bilinguismo no colonialismo discrepante entre as

classes socais favorecidas e desfavorecidas em Luanda, capital de Angola, e no

sertão, em Malanje.

Luiz Quintão expõe o kimbundu do século XX no mundo acadêmico de

Luanda explicado em língua lusa com intuito de conhecer a língua do povo para

melhor dominá-lo.

Page 208: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

208

A dimensão bilíngue prevalece em todas essas gramáticas. São gramáticas

sobre o kimbundu escritas e explicadas em português e ainda não existe

nenhuma gramática escrita e explicada em kimbundu (kimbundu-kimbundu); usa-

se o português para se descrever e explicar o kimbundu. As gramáticas são de

kimbundu em língua portuguesa, por si, essa dimensão envolve também um

bilinguismo.

Somente nas décadas dos anos setenta e oitenta, do século XX, que o

kimbundu teve o alfabeto elaborado, tendo em conta as particularidades que

caracterizam essa língua.

Em conformidade com às determinações da Organização da Unidade

Africana (OUA) sobre o estudo das línguas locais, o Departamento de Cultura e

Desporto, abarcando o Instituto Nacional de Línguas, em Angola, publicou, em

1977, o histórico sobre a criação dos alfabetos em línguas nacionais de Angola,

reforçando o suporte tradicional dos estudos sobre o kimbundu e outras línguas

bantu em Angola.

Como o estudo da morfologia volta-se à análise intrínseca das palavras e

suas estruturas, esmiuçando-as, delimitando-as e fazendo as classificações dos

componentes e das unidades que comportam as palavras, desembocando em

definições, nisso, a morfologia comporta duas unidades formais: a palavra e o

morfema que eclodiu na apresentação da morfologia em duas perspectivas que

são: a tradicional e a emergente. A tradicional centra-se na palavra e suas classes

e a emergente prima pela divisão da palavra em lexemas e gramemas.

A morfologia kimbundu, quanto aos significados, coincide com a morfologia

portuguesa, mas no que se refere aos seus significantes, a lógica do seu

Page 209: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

209

desenrolamento, os posicionamentos dos elementos mórficos e a sua

concatenação linguística contrasta muito em relação ao português.

A morfologia portuguesa assenta o seu conteúdo principal nas dez classes

de palavras, o kimbundu assenta a sua morfologia nas classes dos substantivos,

segundo a lógica de prefixos regentes de formulações ontologicamente numéricas

(singular e plural) das classes em consonância, o prefixo genitival e as contrações

circunstanciais que vão se efetivando, segundo as regras de combinações

preestabelecidas.

As classes dos substantivos processam-se segundo uma escala

ontológica. Essa escala ontológica é visada pelas marcas distintivas que se

realizam segundo os prefixos de classes em ordem numérica (singular e plural).

Torna-se uma necessidade absoluta conhecer as classes dos prefixos que regem

os substantivos para se poder situar a palavra no seu cosmo linguístico, tecer

relações de concordância para construir as unidades linguísticas e produzir

sentido na emissão de mensagens.

Os substantivos em português e em kimbundu são palavras nucleares que

nomeiam entes, mas contrastam na maneira como formam o número, o gênero e

o grau. Em kimbundu, - o número é formado antepondo um gramema ao

substantivo, conforme a classe a que pertence, portanto, o plural é formado por

prefixação, e em português o plural é feito por flexões de sufixos.

Com exceção dos nomes que têm uma forma própria para masculino e

para o feminino, todos os outros substantivos animados são epicênos, fazem a

distinção do gênero pospondo ao substantivo o epíteto de macho ou fêmea, e os

seres inanimados pertencem ao gênero neutro. O kimbundu tem esses três

Page 210: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

210

gêneros: masculino, feminino e neutro; essa lógica contrasta com a da formulação

portuguesa de número e gênero.

O grau em kimbundu é sempre formado por prefixação, por meio do

gramema “ka” para o diminutivo e “ki” para o aumentativo, isso contrasta com a

formulação portuguesa do grau.

A formação das palavras em kimbundu realiza-se, grosso modo, por

prefixação e alguns casos por sufixação. A derivação de palavras em kimbundu

realiza-se, geralmente, por meio de processos de prefixação.

A derivação regressiva processa-se de maneira oposta em relação ao

português, subtrai-se a sílaba inicial ao verbo que é sempre (ku-) indicador do

infinitivo e obtém-se a palavra génerica.

A derivação imprópria, em kimbundu, é processo muito frequente,

principalmente nos verbos que são substantivados.

A composição por justaposição ou aglutinação em kimbundu forma-se de

maneira diversa em relação ao português.Todos os antropônimos completos

formados em kimbundu são justapostos. A justaposicão em kimbundu subsiste na

composicão de palavras por meio de conectores de relação genítiva com várias

noções de caracterização.

A aglutinação subsiste, geralmente, na junção do “ka” como noção de

prefixo-substantivador (e não do “ka” como noção de diminutivo). O prefixo “ka”

substantivador é adicionado à palavra em posição de aglutinante, originando a

subtantivação da palavra prefixada pelo “ka”, dotando-a de várias dimensões.

As onomatopeias e os ideofonos ocorrem em kimbundu como processos

de formação de palavras e sua maneira de processamento contrasta com a do

português.

Page 211: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

211

O artigo definido em kimbundu é um determinante constituído pelo

gramema “O”, que se antepõe aos substantivos, tem a noção de indicar um

existente ou uma substantivação, é invariável em gênero e número, como em

inglês. Tem a mesma forma e a mesma função em todas as circunstâncias em

que aparece para os três gêneros e dois números, nisso contrasta e não coincide

com o conceito do artigo em português.

O artigo indefinido em kimbundu é um indeterminante que atesta a

existência de maneira aberta ou vaga, se pospõe aos substantivos, só varia em

número, concordando com a classe do substantivo a que se refere.

Os pronomes possessivos em kimbundu são determinantes que

estabelecem uma relação que vincula o possuído ao possuidor ou o possuidor ao

possuído, são sempre colocados depois do nome (enclíticos) que lhes servem de

referência de forma anafórica ou catafórica. Concordam com os nomes

antecedentes, por meio do prefixo do genitivo e as respectivas contrações com os

prefixos de classe a que pertecem. Em kimbundu, os determinantes possessivos

não variam de gênero em relação ao possuído, só variam de número.

Os pronomes demonstrativos para o kimbundu são determinantes

referenciais, estabelecem uma noção de relação tridimensional apoiando-se em

noções de unidades dêiticas.

Em kimbundu, os adjetivos são qualificadores, expressam uma

característica, qualidade ou atributo que se identifica ou que se atribui a um ser ao

qual se refere. A concordância dos qualificadores com os substantivos é feita por

meio de prefixos de dupla função de concordância e de genitivo, conforme as

regras das classes de prefixos. Os qualificadores são uniformes e invariáveis,

Page 212: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

212

antepondo ou pospondo-os aos substantivos, que não alteram o sentido como

acontece em português.

Os pronomes pessoais em kimbundu são todas as unidades linguísticas

que substituem um nome, ou desempenham a função de nome. Servem também

para indicar a posição pessoal no tempo ou para questionar e estabelecer

relações circunstanciais com os seres aos quais se referem.

Em kimbundu, existem prefixos desempenham o papel de pronomes,

prefixos de concordância, prefixos verbais sublinhando simultaneamente o tempo

e o aspecto verbal.

Os pronomes interrogativos em kimbundu realizam-se dentro da lógica de

contrações e combinação das regras de classes dos prefixos em quatro formas.

O kimbundu usa os pronomes relativos como formas anafóricas, que se

referem a um nome ou ao seu equivalente, já mencionado anteriormente, dando a

impressão de um “pleonasmo pronominal”.

O kimbundu contrasta muito com o português na regência dos pronomes

relativos, por causa dos pronomes prefixos, prefixos genitivos e de concordância

que se vão contraindo segundo a combinação das classes a que pertencem.

Em kimbundu, o termo de quantificador é atribuído às unidades associadas

aos substantivos que veiculam a noção de quantidade. Em português, os

quantificadores variam em gênero e número, contrastando com o kimbundu que

são invariáveis.

Os numerais indicam uma quantidade de seres ou objetos, designando o

lugar que eles ocupam em uma determinada série, portanto, são: – cardinais,

ordinais, multiplicativos, fracionário, coletivos - exprimem de uma maneira precisa,

Page 213: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

213

uma quantidade (número), uma sucessão, um conjunto ordenado ou uma

multiplicidade.

Os verbos em kimbundu estruturam-se por paradigmas e flexões que

contrastam com as formulações dos verbos em português. São regidos por

pronomes pessoais absolutos e pronomes prefixos. Todos começam com o

prefixo do infinitivo “ku” e terminam sempre com vogal “a”, com exceção do verbo

“say” que é invariável, se conjuga no tempo do modo indicativo

Para obter a vogal temática em kimbundu subtrai-se do verbo a primeira

sílaba (ku), que é prefixo do infinitivo, a vogal da sílaba a seguir constitui a vogal

temática. Os verbos em kimbundu têm cinco vogais temáticas – a, e, i, o, u.

Nessa sequência silábica, temos verbos monossilábicos, dissilábicos, trissilábicos

e polissilábicos. Essa lógica verbal é totalmente diferente e contrastante com a

formação verbal portuguesa

Em kimbundu, o advérbio chama-se verbalizador, porque a ação enunciada

pelo verbo passa a ser entendida segundo uma determinação acrescida pelo

verbalizador.

Para o kimbundu, as preposições são gramemas ou morfemas gramaticais

que põem em conexão as palavras, tecendo as relações dêiticas existentes entre

elas.

As conjunções são gramemas ou morfemas gramaticais que põem em

conexão as frases e discursos, tecendo as relações de coordenação e de

dependências existentes entre enunciados em ordenação gramatical.

Em kimbundu, a interjeição tem a noção de reação vital, porque só é

possível aos seres animados.

Page 214: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

214

Pelo quanto foi exposto, deduz-se uma dimensão nitidamente contrastiva

entre a morfologia portuguesa e a do kimbundu. Esse aspecto de ser diferente e

totalmente outro tornou-se irredutível e foi um dos fatores que evitou a criação de

uma língua crioula que resultaria de um sincretismo português-kimbubdu. O

encontro entre português-kimbundu teceu fronteiras intransponíveis, viabilizando

apenas empréstimos e neologismos mas mantendo-se as linhas paralelas de um

o bilinguismo secular, onde cada língua conserva a própria identidade.

A formulação da morfologia emergente da gramática, que divide as

palavras em duas dimensões, as palavras lexicais ou lexemas como

enunciadoras de entes concretos, abstratos ou imaginários, e a palavras

gramaticais ou gramemas como palavras articuladoras das funções linguísticas, é

a mais consentânea com os parâmetros do funcionamento morfológico e

linguístico do kimbundu.

Fazendo esta pesquisa deixamos aqui um material para compreender os

obstáculos e as suas causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os

kimbundu em Angola.

Page 215: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

215

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura tradicional bantu. Artipol: Águeda, 2006. AA. VV. Uma política de língua para o português. Instituto de linguística teórica e computacional. Lisboa: Edições Colibri, 2002. ______. Gramática da língua portuguesa, Caminho Colecção Universitária, série Linguística, 7ª edição. Lisboa: Editorial Caminho, 2006. ______. Língua portuguesa. Vol. 13. Lisboa: Santillana Constância, 2008 (Enciclopédia do Estudante). AMORIM, Clara; SOUSA, Catarina. Gramática da língua portuguesa revista e atualizado de acordo com o dicionário terminológico. Porto: Areal Editores, 2009. ANÇÂ, Maria Helena. A sala de aula como espaço da pesquisa pedagógica – A gramática do outro lado do espelho. In: II Congresso Internacional sobre a formação de professores nos países de língua e expressão portuguesa. Porto Alegre, 17-20 de Junho de 1997. ______. “A Língua portuguesa em África”. Revista Internacional de Língua Portuguesa, Universidade Aveiro, v. 1, n. 2, p. 20-22, 2002. ANCHIETA, José de. Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. António de Mariz. Disponível em: <http:/bndigital.lbn.br/scripts/pdf>. Acesso em: 18 jan. 2012. ANDRADE, Ernesto de. Línguas africanas, breve introdução à fonologia e à morfologia. Lisboa: Editora A. Santos, 2007. AREAL, Américo. Curso de português. Vol. I. Porto: Edições Asa, 1977 (Enciclopédia Estudo). ARP, Robert. 1001 Ideias que mudaram nossa forma de pensar. Rio de Janeiro: Sextante, 2014. ARRUDA, Lígia. Gramática de português para estrangeiros. Porto: Bloco Gráfico, 2004. ______. Gramática de português língua não materna. Porto: Porto Editora, 2006. AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. 2. ed. Campinas: Unicamp, 2009. AZEVEDO, M. Olga. Gramática prática de português do 3º ciclo de ensino básico e do ensino secundário. Lisboa: Raiz, 2013.

Page 216: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

216

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália – novela sociolinguística. 4. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2015. BAGNO, Marcos; STUBBS, Michael; GAGNÉ, Gilles. Língua materna, letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. BAIÃO, Domingos Viera. O kimbundu sem mestre. Porto: Imprensa Moderna, 1946. BARBOSA, Jerónimo Soares. Grammatica philosophica da língua portuguesa. 5. ed. Lisboa. BASÍLIO, Margarida. Estruturas lexicais do português: uma abordagem gerativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1980. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1999. ______. Ensino da gramática: opressão? Liberdade? 12. ed. São Paulo: Ática, 2006. BENDER, Gerald J. Angola sob o domínio português: mito e realidade. Luanda: Editorial Nzila, 2004. BORREGANA, António Afonso. Gramática universal / língua portuguesa. Lisboa: Texto Editora, 1996. BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. Lisboa: Editorial Teorema, 1989. BRUNSCHWIG, Henri. A partilha da África negra: 1880-1914. São Paulo: Perspectiva, 1974. BUENO, Eduardo. Brasil uma história. Rio de Janeiro: Ed. Leya, 2012. BURKE, Peter. Esboço para uma história social do latim pós-medieval. In: BURKE, Peter; PORTER, Roy. Linguagem, indivíduo e sociedade: história da linguagem. Tradução A. L., Hattnher, A. J. Gonçalves. São Paulo: UNESP, 1993. CAMARA, Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Editora Vozes, 1984. CANO, Márcio Rogério de Oliveira; PALMA, Dieli Vesaro. A reflexão e a prática no ensino 1 de língua portuguesa. São Paulo: Blucher, 2012. CARDEIRA, Esperança. O essencial sobre a história do português. Luanda: Edições Zila, 2006. CASCUDO, Luís da Câmara. Civilização e cultura. Vol. 1. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1938.

Page 217: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

217

CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português Brasileiro. 1. Ed. 2. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. CASTRO, Ivo. Introdução à história do português. 2. ed. Lisboa: Edições Colibri, 2006. CHATELAIN, Heli. Kimbundu grammar, gramática elementar de kimbundu língua de Angola. Genebra: Typ. de Charles Sorucrardt, 1888-89. ______. Contos populares de Angola, cinquenta contos em quimbundu. Lisboa: Col. E anot. Port., 1964. ______. Folk-tales of Angola: fifty tales, with Ki-mbundu text literal English translation, introduction and notes. Honululu, Hawaii: University Press of the Pacific, 2001. CHIVELA, D. Leonordo; GRILO, Luisa M. Alves. Manual de alfabetização kimbundu. Luanda: Gráfica Think Afro, 2014. COSTA, João. O Advérbio em português europeu. Lisboa: Edições Colibi, 2008. CUESTA, Pilar Vasquez; LUZ, Maria Albertina Mendes da. Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Edições 70, 1980. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindey. Nova gramática do português contemporâneo. 6. ed. Rio de Janeiro: 2013. DA COSTA, António Fernandes. Rupturas estruturais do português e línguas bantu em Angola, para uma análise diferencial. Luanda: Edição Universidade Católica de Angola (UCAN), 2006. DALEFI, Roberto. Enciclopédia do estudante, 17 gramática e linguística. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2008. DEL FABRO, Rafael; PETERLINI, Flaviano. Gramática kikongo. Padova: Segretariato Missionari Cappuccini, Prima ristampa, 1994. DIAS, Pedro. Arte da língua de Angola, oferecida a Virgem N. Senhora do Rosário, mãy, e senhora dos mesmos pretos, pelo P. Dias da Companhia de Jesus. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1697. ______. Arte de língua de Angola. Rio de Janeiro: Edições Fac-similar, 2006. DUARTE, Inês. Língua portuguesa instrumento de análise. Lisboa: Universidade Aberta, 2000. DUARTE, Paulo Mosânio T.; LIMA, Maria Claudete. Classes e categorias em português. Fortaleza: EUFC, 2000.

Page 218: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

218

ESTERMAN, Carlos. Problemas da terminologia cristã nas traduções de textos sagrados em línguas bantas. Lisboa: Ocidente, 1973. ESTRELA, Edite. VV. Saber Escrever Saber Falar: um guia completo para usar correctamente a língua portuguesa. 14. ed. Alfragide – Portugal: Publicações Dom Quixote, 2014. ELISEU, André Simões. VV. Enciclopédia do estudante, gramática portuguesa. Lisboa. FARACO, Carlos Alberto. História sociopolitica da língua portuguesa. São Paulo: Parabola Editorial, 2016. FÁVERO, L. L.; MOLINA, M. A. G. A. Concepções linguísticas no século XIX – A gramática no Brasil. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. ______. As concepções linguísticas no século XIX – A Gramática Portuguesa. São Paulo: UNICAMP, 1996. FEREIRE, António. Gramática latina. 6. ed. Braga: Livraria Apostolados da imprensa, 1998. ______. Gramática grega. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

FERNANDES, João; NTONDO, Zavoni. Angola: povos e línguas. Luanda: Nzila, 2002. FERREIRA, A. Gomes. Gramática da língua portuguesa. Porto: Porto Editora, 2006. FIGUEIREDO, Luciano. História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro, Ed. Casa da Palavra, 2013. FILHO, D’Silvas. Universal – Prontuário erros corrigidos de português. Luanda: Textos Editores, 2007. FLORIDO, Maria B.; DA SILVA, Maria Emília. Gramática básica da língua portuguesa. Porto: Porto Editora, 2012. GOMES, Álvaro. Gramática viva. Lisboa: Didáctica Editora, 2000. ______. Gramática pedagógica e cultural de língua portuguesa. Porto: Edições Flumen, 2006. GOMITO, Aldónio; CAVACAS, Fernanda. Escutar, falar – oralidade. Lisboa: Editores Associados, 2005. GONTIJO, Silvana. O Mundo em comunicação. Rio Janeiro: Aeroplano, 2001.

Page 219: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

219

HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre la diversidad de la estructura del lenguaje humano y su influencia sobre el desarrollo spiritual de la humanidad. Tradução e prólogo de Ana Agud. Barcelona: Centro de Publicaciones del MEC, 1990. JANOTTI, Aldo. Origens da universidade: a singularidade do caso português. EdUSP, 1992. JOÃO PAULO II, Papa. Código de direito canónico. São Paulo: Edições Loyola, 1983. KAMBWA, Augusto. «A problemática da coabitação linguística em Angola». Orações de Sapiência, Dossiê 2. Luanda: Edições Kulonga, 2003. KHEDI, Valter. Morfomenas do português. São Paulo: Ática, 1993. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; SILVA, Maria Cecilia Pérez de Souza. Linguística aplicada ao português: morfologia. São Paulo: Cortez, 1983. KOCH, I.G. Villaça; WIESER, H. Peter. Linguística textual perspectivas alemãs. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. KOUNTA, Maria Celeste P. A. Histórico sobre a criação dos alfabetos em línguas nacionais. Instituto Nacional de Língua. Lisboa: Edições 70, 1977. LAMBDIN, Thomas O. Gramática do hebraico bíblico. Tradução Walter Eduardo Lisboa. São Paulo: Paulus, 2003. LEITE, Serafim. Padre Pedro Dias, autor da arte da língua de Angola, apóstolo dos negros no Brasil. Portugal em África n. 4, v. 2, p. 9-11, 1947. LEMES, Cinthia Aparecida, A Língua portuguesa de Angola: descrição dos processos de formação de palavras com base em textos literários. 2013. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2013. LOBATO, Antônio José dos Reis (1823). “Arte da grammatica da lingua portugueza”. 13. impressão. Lisboa: Na Impressão de João Nunes Esteves. 1. ed: 1770. LOPES, Carlos Alberto Gonçalves. Lições de morfologia da língua portuguesa. Jacobina:Tipô-Carimbos, 2003. LOPES, Óscar. Gramática simbólica do português / (Um Esboço). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1971. LUSAKALALU, Pedro. Línguas e unidades glossonínmicas. Luanda: Nzila, 2005. MAIA, António da Silva. Epítome de gramáticas portuguesa e quimbundo. Dialectos do quanza-Sul e quanza – Norte. 1. ed. Luanda: Cucujães, 1964.

Page 220: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

220

______. Lições de Gramática de quimbundu, (Português e Banto). 2. ed. Dialecto omumbuím. Língua indígena de Gabela-Amboim- Quanza-Sul- Angola-África Ocidental Portuguesa. Luanda: 1964. MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve história de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 2001. MARQUES, A. H. de Oliveira; SERRÃO, Joel. Nova história da expansão portuguesa (Volume XI) o império africano (1890 -1930). Lisboa: Editorial Estampa, 2001. MARQUILHAS, Rita. O Original de imprensa e a normalização gráfica no século XVIII, Lisboa: Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa. ______. A Faculdade de Letras: leitura e escrita em Portugal no século XVII. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2000. MARTELOTTA, Mário Eduardo; VV. Manual de linguística. São Paulo: Editora Contexto, 2013. MATEUS, Maria Helena Mira. “A língua portuguesa: unidade e diversidade”. Actas do 1º Encontro APL. Lisboa 1985, p. 145-163. ______. Uma política de língua para o português. Instituto de linguística teórica e computacional. Lisboa: Edições Colibri, 2002. ______ et al. Gramática da língua portuguesa, Caminho coleção universitária, série Linguística, 7ª ed. Lisboa: Editorial Caminho, 2006. MATEUS, Maria Helena Mira; VV. Fonética, fonologia e morfologia do português. Lisboa: Universidade Aberta, 1990. MATEUS, Maria H. e CARDEIRA, Esperança. Norma e variação. Lisboa: Editorial Caminho 2007.

MATEUS, Maria H, BRITO, A., DUARTE, I.; FARIA, I. Gramática da língua portuguesa. 3. ed. Lisboa: Editorial Caminho, 2003 MBINDA, Afonso Van-dunen et al. História do MPLA. Vol 1. (1940-1966). 1. ed. Luanda: Edição CDIH, 2008. MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e a linguística portuguesa. 5. ed. Rio Janeiro: Académica, 1975. MESQUITA, Roberto Melo. Gramática da língua portuguesa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. MINGAS, Amélia A. "O português em Angola: Reflexões". VIII Encontro da associação das universidades de língua portuguesa. Vol. 1. Macau: Centro Cultural da Universidade de Macau, 1998.

Page 221: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

221

______. Interferência do kimbundu no português falado em Luanda. Luanda: Chá de Caxinde, 2000. MOREIRA, Vasco; PIMENTA, Hilário. Gramática do português. Porto: Porto Editora, 2009. MORÓN, Natalia Bernabéu e VV. Enciclopédia do estudante. Vol.13. Língua portuguesa I. Lisboa: Santillana Constância, 2008. MOUNIN, Georges. História da linguística: das origens ao século XX. Porto: Despertar, 1970. MOURA, José de Almeida. Gramática do português actual. Lisboa: Bloco Gráfico, 2006. MOTA, Maria António Coelho e Vv. Gramática do português, Vol. I e II. Lisboa: Fundação Calouse Gulbenkian, 2013. NEEDHAM, J. La tradition scientifique chinoise. Paris: Herman, 1974. NETO, Maria Eugénia; NETO, Irene. Agostinho Neto e a libertação de Angola (1949-1974) – arquivo da pide dgs, Vol. I. Luanda: Fundação Dr. Agostinho Neto, 2011. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. 2. Reimpressão. São Paulo: Editora Unesp, 2000. NUNES, José Joaquim. Compêndio de gramática histórica portuguesa. 7. ed. Lisboa: Clássica Editora, 1969. PÉLISSIER, René. História das campanhas de Angola. 3. ed. Minho: Companhia Editoria do Minho, 2013. PIEL, Joseph-Maria. Origens e estrutura histórica do léxico português. In: Estudos de Linguística Histórica Galego-Portuguesa. Lisboa, IN-CM, 1989. PIMPÃO, Álvaro J. da Costa. História da literatura portuguesa. Vol. I. Lisboa: Clássica Editora, 1942. PINTO, José M. C. Novo prontuário ortográfico. 2. ed. Lisboa: Plátano Editora, 2000. PISANI, Vittore. Grammatica latina, storica e comparativa. Torino: Rosemberg & Sellier, 1948. QUINTÃO, José Luiz. Gramática de quimbundo. I. ed. Luanda: Edições “Descobrimentos,” 1934.

Page 222: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

222

REDINHA, José. O Estudo das línguas angolanas e a línguistica. Luanda: Prisma, 1972. REIS, Victorino. I Sociolinguística, dinâmica funcional vs problemas funcionais da língua. Luanda: Editora Zila, 2006. RIBEIRO, Ernesto Carneiro. 1890. Serões grammaticaes ou nova grammatica portugueza. Salvador: Livraria Progresso, 1955. RIO-TORTO, Graça Maria. Morfologia derivacional, Teoria e aplicação ao português. Porto: Porto Editora, 1998. ROSA, Maria Carlota. Introdução a morfologia. São Paulo: Contexto, 2000. ______. Uma Língua africana no Brasil colônia de seiscentos. Rio de Janeiro: Ed 7 Letras, 2013. SANTOS, J. Almeida. (Perspectiva de) Gramática comparada dos falares angolanas. Nova Lisboa: S. ed. Mimeografado, 1962. ______. As Classes morfológicas nas línguas bantu, III – Subsídios para Gramática Comparada e Dicionário Comparado dos Falares Bantos Angolanos. Nova Lisboa: S. ed. Mimeografado, 1962. SANTOS, João Marinho dos. Estudos sobre os descobrimentos e a expansão portuguesa. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1998. SANTOS, Veraluce L. dos. Ensino de língua portuguesa. IESDE Brasil S. A, 2009. SARDINHA, Leonor; OLIVEIRA, Luísa. Gramática formativa de português, 2. ed. Lisboa: Didática Editora, 2010. SCHNEIDER, Nélio. Isso é grego para mim. Rio dos Sinos: Editora Unisinos, 2005. SILVA, Luiz Antônio da. O nome e seus determinantes. São Paulo: Atual, 1989. SILVA, Maria Cecilia Pérez de Souza; KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Linguística aplicada ao português: morfologia. São Paulo: Cortez, 1983. SIMONE, Raffaele. L`educazione línguistica. Firenze: La Nouva Itália, 1979 SOBRINHO, B. Lima, A língua portuguesa e a unidade do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. SPINA, Segismondo, História da língua portuguesa. São Paulo, Ateliê Editorial, 2008. TORRINHA, Francisco. Elementos de gramática portuguesa. Porto: Maranus 1930.

Page 223: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

223

TURAZZA, Jeni Silva. Léxico e criatividade. 1. ed. São Paulo: Annablume, 2005. OLIVEIRA, Mário A. Fernandes de. Línguas de Angola, o quimbundo. Lisboa, 1973. VIARO, Mário Eduardo. Morfologia histórica. São Paulo: Cortez, 2014. VILLALVA, Alina. Estruturas morfológicas: unidades e hierarquias nas palavras do português. Fundação Calouste Gulbenkian: Fundação para a Ciência e a Tecnologia: Ministério da Ciência e da Tecnologia, 2000. ______. Morfologia do português. Lisboa: Universidade Aberta, 2008.

VILELA, Mário. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almeida, 1995. WARMENHOVEN, João. Vocabulário da língua do kimbundo de Angola. Gemert: Missie Informatie Dienst, 1994. WIESER, H. Peter; KOCH, I. G. Villaça, Linguística textual perspectivas alemãs. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. ZENONI, G. Gramática latina. 3. ed. Cucujães: Editorial Missões, 1966.

DICIONÁRIOS ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da língua portuguesa contemporânea. Vol. I –II. Lisboa: Editorial Verbo, 2001. AZEVEDO, António Carlos Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. BARRETO, Mário. Através do dicionário e da gramática. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1986. CASTELO, Malaca. Dicionário de língua portuguesa contemporânea, Academia de Ciências de Lisboa, Lisboa: Editorial Verbo, 2001. COBE, Francisco Narciso. Novo dicionário português-kikongo. 1. ed. Luanda: Mayamba Editora, 2010. CORDEIRO DA MATA, Joaquim Dias. Ensaio do dicionário quimbundo-portuguez. Lisboa: Typographia Stereotypia da Casa Editora de António Maria Pereira, 1893. CORREIA, Carlos. Moderno dicionário das 8.000 palavras. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1984.

Page 224: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

224

CRISTOVÃO, Fernando e VV. Dicionário Temático da lusofonia. Lisboa: Textos Editores, 2007. CUNHA, António Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. CUQ, Jean Pierre et al. Dictionaire du français langue étrangère et seconde. Paris: Édition Jean Pencraach, 2003. DANIEL, H. Etango. Dicionário de umbundo. Huambo: Edições Naho, 2002. DUARTE, Paulo Mosânio T.; LIMA, Maria Claudete. Classes e categorias em português. Forteleza: EUFC, 2000 DUBOIS, Jean. Larousse de la langue française – lexis. Paris: Larousse, 1979. ECHAUDEMAISON, C. D. Dicionário de economia e ciências sociais. Porto: Porto Editora, 2001. GALISSON, R.; COSTE, Daniel. Dicionário de didática das línguas. Coimbra: Almedina 1984. HOUASS, António. Dicionário de língua portuguesa: temas e debates. Lisboa: Global Noticias Publicações, 2005. KUNZIKA, Emanuel. Dicionário de provérbios kikongo. Luanda: Editorial Nzila, 2008. LEÃO, Duarte Nunes de. Ortografia e origem da língua portuguesa. Lisboa: Editora Imprensa Nacional, 1983. MAIA, António da Silva. Dicionário complementar português – kimbundu – kikongo (línguas nativas do Centro e do Norte de Angola). Luanda: Nzila, 2010. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de pedagogia. 1. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2000. MONTENEGRO, Helena Mateus. Glossário de termos gramaticais. Mirandela: João Azevedo Editor, 2001. MOUNIN, Georges. História da linguística: das origens ao século XX. Porto: Despertar, 1970. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de pedagogia. 1. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2000. OLIVEIRA, Anabela Dinis Branco. Dicionário de metalinguagens da didáctica. Porto: Porto Editora, 2000.

Page 225: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC …©s Alves... · causas na escrita e ensino da língua portuguesa entre os kimbundu em Angola / Moisés Alves Augusto. – São

225

OLIVEIRA, Frei Hermínio Bezerra. Palavras que mudaram de significado. 2. ed. Forteleza: Expressão Gráfica e Editora, 2015. PETTERLINI, Flaviano; DEL FABRO, R. Dicionário de kikongo. Pádova: Estampa Santa Giustina, 1977. SEGUIER, Jayme de. Dicionário prático ilustrado. Porto: Lello & Irmão, 1947.

SINCLAIR, John C. English language dictionary. London: Collins, 1987. SPITZER, Carlos. Diconário analógico da lingua portugesa. Porto Alegre: Globo, 1936. VILELA, Mário. Dicionário do português básico. Porto: Asa Edições, 1991. XAVIER, Maria Francisca; MATEUS, M. H. Mira. Dicionário de termos linguísticos. Vol. I e II. Lisboa: Edições Cosmos, 1990.