98
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MIRIÃ SOARES DOS SANTOS A referenciação nos textos do gênero carta pessoal produzidos por alunos da Educação de Jovens e Adultos MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA São Paulo 2015

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

  • Upload
    ngodien

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

MIRIÃ SOARES DOS SANTOS

A referenciação nos textos do gênero carta pessoal produzidos por alunos da Educação de Jovens e Adultos

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

São Paulo 2015

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

MIRIÃ SOARES DOS SANTOS

A referenciação nos textos do gênero carta pessoal produzidos por alunos da Educação de Jovens e Adultos

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

São Paulo 2015

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

Banca Examinadora

___________________________________

___________________________________

___________________________________

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

Dedico este trabalho à Prof. Dra. Vanda Maria

da Silva Elias, que me orientou na construção

desta dissertação por mais de um ano. Sem sua

orientação profissional, ao mesmo tempo firme

e afetuosa, sem seu incentivo, mesmo nas

situações mais adversas, eu não teria

conseguido.

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

Agradecimentos

É preciso ser grata, em primeiro lugar, pelo privilégio de estar viva e com

condições de realizar mais uma conquista, depois de tantos revezes.

Agradeço aos meus pais, Benedito Antonio dos Santos (in memorian) e

Maria Soares dos Santos, que, com sua simplicidade e sabedoria, me

incentivaram a estudar sempre e me mostraram que um mundo melhor e uma

vida mais digna são possíveis.

Às minhas professoras do Ensino Fundamental, D. Conceição, e do

Ensino Médio, Ana Maria, por despertarem em mim o amor pela nossa Língua

Portuguesa.

Aos meus professores da graduação na UNIP, Inez Sautchuck, Luiz

Antonio Ferreira, Dina Maria Martins Ferreira, Oscar D’Ambrosio, Cibele M.

Dugaich, Marcia Ligia Di Roberto Guidin, entre tantos outros, que me

incentivaram a prosseguir nos estudos e a me aperfeiçoar no conhecimento da

língua e da literatura.

À amiga Lindabel Delgado Cardoso, que fez uma campanha incansável

pra que eu retornasse aos estudos depois de tantos anos distante. Valeu a pena!

A todos os professores do Programa de Estudos Pós-graduados em

Língua Portuguesa da PUC-SP, em especial ao Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira,

o primeiro a me acolher sob sua orientação, pelas lições memoráveis, pelo

privilégio de compartilhar de sua sabedoria, pela dedicação aos alunos. Muito

obrigada!

À Professora Dra. Vanda Maria da Silva Elias, minha orientadora na maior

parte do caminho, que, mesmo distante, torce por mim e me incentiva a seguir

em frente.

Ao Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira que, diante da dificuldade,

tomou para si a tarefa de me orientar nesta última etapa da caminhada.

A todos os meus alunos e alunas da EJA de Guarulhos, especialmente

das escolas Sítio do Pica-pau Amarelo e Crispiniano Soares, por me

proporcionarem momentos maravilhosos de grandes aprendizados e de muitas

emoções. Por sua dedicação, sua força de vontade e sua certeza de que o

conhecimento é a maior riqueza do ser humano.

À CAPES, pela bolsa de estudos, sem a qual seria muito difícil continuar,

pois me deu tranquilidade para dedicar mais tempo aos estudos.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais por alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), do 6º. ao 9º. anos, de duas escolas da Rede Municipal de Guarulhos. Foram analisadas treze cartas produzidas por alunos da EJA, que compõem o corpus da pesquisa, de um universo de quarenta cartas no total. A base teórica deste estudo leva em consideração os teóricos da Linguística Textual (LT), como Mondada & Dubois, Beaugrande, Teun van Dijk, Luiz Antonio Marcuschi, Jean Michel Adam, Cavalcante & Lima, Lima e Feltes, Apothelóz, Schwarz-Friesel, Morato, Koch, Elias, entre outros, para os conceitos de texto e contexto, referenciação, coerência, frames ou enquadres e anáforas indiretas, além de Bakhtin no que se refere aos estudos dos gêneros textuais. Os estudos sobre a referenciação estão na agenda atual da LT e trazem novas perspectivas de trabalho com textos, no que se refere à produção e compreensão. Especificamente, tratou-se neste trabalho da análise das anáforas indiretas, que são elementos presentes no contexto sociocognitivo dos interlocutores e estabelecem associações e/ou inferências para manter a progressão textual e para a construção da coerência. Buscamos explorar neste estudo principalmente as representações mentais expressas nos textos que garantem a progressão textual, por meio da adoção de duas categorias de análise: Introdução de referentes – de forma ancorada e não-ancorada, e Recategorização de referentes – por meio de reconstrução/reativação, desfocalização/desativação e encapsulamento e rotulação. Os resultados das análises mostraram que os textos produzidos pelos alunos da EJA são coerentes e as anáforas indiretas garantiram a coerência e a progressão textual.

Palavras-chave: Linguística Textual. Referenciação. Anáforas indiretas. Educação de Jovens e Adultos. Cartas pessoais

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

ABSTRACT

This research aims to analyze the referential process in personal letters written by students of the Youth and Adult Education (EJA) from two schools of the city of Guarulhos. From a universe of forty letters, we selected thirteen letters, which is the corpus of this dissertation. The theoretical basis of this study takes into account the Text Linguistics and the main authors in this field, such as Mondada & Dubois, Beaugrande, Teun van Dijk, Luiz Antonio Marcuschi, Jean Michel Adam, Cavalcante and Lima, Lima and Feltes, Apothelóz, Schwarz-Friesel, Morato, Koch, Elias, among others, referring to concepts of text and context, referential progression, frames, referents as discourse objects, and indirect anaphora. We also based our analyses in Bakhtin, with regard to the studies of genres. Studies on the referents are in the current agenda of the Text Linguistics and bring new perspectives to work with texts, as regards the production and comprehension. Specifically, we have analyzed the indirect anaphora as a phenomenon for the coherence construction and text progression, based in socio-cognitive context of the interlocutors in order to establish associations and / or inferences to keep the textual progression and for the construction of coherence. We seek to explore in this study mainly mental representations expressed in the texts that guarantee the textual progression through the adoption of two categories of analysis: Introduction of anchored and non-anchored referents, and Recategorisation of referents through reconstruction / reactivation , blurring / deactivation and packaging and labeling. The results showed that the texts produced by students of EJA are consistent and indirect anaphora ensured coherence and textual progression.

Keywords: Text Linguistics. Reference. Indirect anaphora. EJA. Genre Personal letters

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

Capítulo 1 – Fundamentação Teórica 13

1.1 Texto e contexto 13

1.2 Frames ou enquadres 18

1.3 Referenciação 20

1.3.1 Referenciação e coerência 22

1.4 As anáforas indiretas 25

Capítulo 2 – Situando o corpus e os sujeitos da pesquisa 28

2.1 Corpus: cartas pessoais 28

2.2 Os sujeitos da pesquisa 30

2.3 A Educação de Jovens e Adultos no Brasil 31

2.3.1 A Educação de Jovens a Adultos de Guarulhos 33

2.4 As escolas participantes da pesquisa 35

Capítulo 3 – Procedimentos Teórico-metodológicos e Análises 37

3.1 Procedimentos teórico-metodológicos 37

3.2 Seleção das categorias de análise 39

3.3 Análises 40

3.3.1 Cartas Familiares 41

Texto 1 – Aluna De. 41 Texto 2 – Aluna M. 44 Texto 3 – Aluna T. 46 Texto 4 – Aluna R. 48 Texto 5 – Aluna N. 50 Texto 6 – Aluno L. 52 Texto 7 – Aluna C. 55

3.3.2 Cartas para amigos(as) 59

Texto 1 – Aluna G. 59 Texto 2 – Aluna E. 62

3.3.3 Cartas de amor 65

Texto 1 – Aluno W. 65 Texto 2 – Aluna S. 67 Texto 3 – Aluna F. 69 Texto 4 – Aluno C.E. 71

Considerações Finais 74

Referências Bibliográficas

ANEXO – Cartas Pessoais

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí

que a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade

se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção

das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar

escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti

levado – e até gostosamente – a “reler” momentos

fundamentais de minha prática, guardados na

memória, desde as experiências mais remotas de

minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da

importância do ato de ler se veio em mim constituindo.”

Paulo Freire

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

10

INTRODUÇÃO

O primeiro passo para a realização desta pesquisa foi a inquietação

permanente durante as aulas de língua portuguesa na Educação de Jovens e

Adultos (EJA), diante das dificuldades que os alunos enfrentam para escrever

textos de maneira autônoma. Fazer com que os alunos deixem a tradição

copista, tão internalizada devido a suas experiências escolares anteriores, para

construírem seus próprios textos, com base em seus conhecimentos de mundo,

enciclopédicos, lexicais e nos modelos que já têm internalizados na memória é,

sem dúvida, um desafio que acompanha todos os professores da língua materna.

Transposta a primeira dificuldade dos alunos, que é a de colocar as

próprias ideias no papel, resta ao professor saber como esses textos foram

construídos e de que maneira os conhecimentos foram articulados na forma

escrita. Essa tarefa, não menos desafiadora, só é possível quando nos

debruçamos sobre as teorias que estudam o texto e seus fenômenos,

especialmente a Linguística Textual (LT), a fim de compreender os processos

sociocognitivos de construção dos textos, à luz das novas descobertas da LT,

relacionando-as à prática docente, principalmente quanto ao ensino dos gêneros

textuais.

Com base nessa aliança fundamental entre teoria e prática é que se

desenvolveu esta pesquisa de mestrado, que se insere na linha de pesquisa

Leitura, escrita e ensino de Língua Portuguesa do Programa de Estudos Pós-

graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, e que tem como objetivo principal analisar a construção referencial nos

textos do gênero carta pessoal, produzidos por alunos da EJA de Guarulhos

(SP), por meio das anáforas indiretas. Como objetivos complementares,

verificar-se-á como se dá a constituição dos sujeitos pesquisados, uma vez que,

como alunos da EJA, apresentam especificidades na construção referencial para

expressar seu projeto de dizer.

A questão que norteou esta pesquisa foi: como se constitui o processo de

referenciação na produção escrita dos alunos da EJA? Para responder a essa

questão, a princípio bastante ampla, foram estabelecidos alguns objetivos

específicos para esta pesquisa: escolher o gênero textual a ser adotado para

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

11

análise (carta pessoal), selecionar o arcabouço teórico (conceitos de texto,

contexto, frames, referenciação e anáforas indiretas, na perspectiva

sociocognitiva-interacional da LT), identificar as estratégias de referenciação

presentes nos textos (anáforas indiretas) e definir as categorias de análise

(ativação, reativação, desativação, encapsulamento e rotulação).

Para alcançar tais objetivos, foram analisadas 13 cartas pessoais à luz da

LT, na perspectiva sociocognitiva-interacional, que constituem o corpus desta

pesquisa. A seleção dessas cartas se deu a partir de um universo de 40 textos

produzidos por duas turmas de alunos da EJA, do 6º ao 9º. anos, por serem

consideradas suficientes para a análise da referenciação.

Essas cartas foram escritas durante o ano de 2014, como resultado de

uma sequência didática que abordava o ensino dos textos narrativos, em suas

mais variadas formas. Primeiramente, foram apresentados aos alunos os

conceitos de textos narrativos e gêneros textuais. Em seguida, foi exibido o filme

Narradores de Javé, a fim de ilustrar e promover a discussão sobre as formas de

contar histórias e a importância de escrevê-las. Num terceiro momento, foram

apresentados textos de diversos gêneros que continham narrativas (músicas,

poesias, contos, crônicas etc.) e os alunos foram solicitados a escreverem um

conto em dupla, tendo como ponto de partida o parágrafo inicial.

Diante das dificuldades apresentadas pelos alunos para escrever o conto,

o passo seguinte teve por objetivo aproximar os alunos de um gênero que já era

conhecido pela maioria: a carta pessoal. As orientações gerais estabeleciam que

a carta deveria conter, além das características já apresentadas (data, vocativo,

assinatura e post scriptum), a narrativa de um acontecimento (uma novidade, um

segredo guardado há tempos, uma notícia bombástica etc.). O tema das cartas

era livre e cada aluno escolheu o seu destinatário e o assunto de que trataria.

Esta dissertação está organizada em três capítulos. No Capítulo 1,

apresentamos a base teórica que fundamentou a pesquisa no que diz respeito

às definições e conceitos sobre LT, texto, contexto, frames, referenciação,

anáforas indiretas. Os principais autores consultados foram Mondada & Dubois

(1995, 2003), Cavalcante, Rodrigues e Ciulla (2003), Koch (2008, 2009, 2011),

Bentes e Leite (2010), Marcuschi (2002, 2006, 2007, 2010), van Dijk (2012,

2013), Denis Apothelóz (1995/2003), dentre outros.

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

12

No Capítulo 2, apresentamos o corpus e buscamos situar os sujeitos da

pesquisa. O corpus é composto de 13 cartas pessoais produzidas pelos alunos

da EJA de Guarulhos (segundo segmento da Educação Fundamental, 6º ao 9º

ano), divididas por frames, com base nos temas escolhidos pelos próprios

alunos: 7 cartas familiares, 2 cartas para amigos(as) e 4 cartas de amor, e

constam no anexo desta dissertação. A coleta das cartas se deu em 2014,

quando esta pesquisadora atuava como professora de Língua Portuguesa em

duas escolas da Rede Municipal de Educação de Guarulhos na modalidade EJA.

Os sujeitos da pesquisa são alunos jovens e adultos, entre 15 e 80 anos de

idade, moradores das regiões periféricas da cidade de Guarulhos.

Ainda no Capítulo 2, há um breve histórico sobre a Educação de Jovens

e Adultos no Brasil e em Guarulhos, assim como as diretrizes pedagógicas que

constituem o Projeto Político-pedagógico da Rede Municipal de Guarulhos, em

consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), e uma

apresentação das duas escolas participantes da pesquisa.

No Capítulo 3, são apresentados os procedimentos teórico-metodológicos

e as análises do corpus. Para determinar os procedimentos teórico-

metodológicos, baseamo-nos em Severino (2013), cujas orientações e conceitos

auxiliaram a esclarecer a abordagem adotada e as categorias de pesquisa.

Esta dissertação de mestrado foi desenvolvida entre 2013 e 2015, com o

apoio da CAPES, que garantiu bolsa de estudos a partir de julho de 2014.

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

13

CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Texto e contexto

A Linguística Textual (LT) é o ramo da Linguística que toma o texto como

seu principal objeto de estudo. Nesses quase 50 anos de existência, a LT

desenvolveu estudos fundamentados nas diversas concepções de texto

desenvolvidas ao longo do Século XX. Dentre elas, Koch (2009, p. xii) cita as

seguintes:

1. Texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico (concepção de base gramatical); 2. Texto como signo complexo (concepção de base semiótica); 3. Texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção de base semântica); 4. Texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática); 5. Texto como (...) produto acabado de uma ação discursiva (concepção de base discursiva); 6. Texto como meio específico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa); 7. Texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos (concepção de base cognitivista); 8. Texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional).

A primeira concepção, de base gramatical, definia texto a partir da

completude gramatical de uma frase, ou sentença. Assim, somente eram

considerados textos as frases de estruturas gramaticais complexas. Essa

concepção foi amplamente adotada nas escolas no Brasil nas décadas de 1970,

1980 e 1990, a despeito dos avanços nos estudos da LT. Mesmo sendo uma

teoria já superada, ainda persiste no ideário de muitos professores, que têm

dificuldade de se desvincular do ensino da gramática por meio de frases soltas,

uma vez que assim foram ensinados.

Ao elencar essas concepções, Koch (2009) delineia a evolução dos

estudos e pesquisas sobre o texto empreendidos pela LT, que, ao contrário de

outras teorias, não buscou anular as concepções anteriores, mas partiu delas

para reestruturar-se e repensar as concepções sob novos olhares, mediante

novas evidências. A esse respeito, Lakoff (1977, apud Marcuschi, 2007, p. 66)

propôs um contínuo entre as teorias linguísticas com o objetivo de demonstrar

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

14

que o radicalismo das ideias extremas não solucionaria os problemas

linguísticos, mas sim que a solução estaria no contínuo.

Há muito que a concepção de texto mudou. Passada a primeira fase da

LT, em meados da década de 1960, em que o texto era considerado como um

conjunto de frases conexas, a partir da virada pragmática, no final da década de

1970, a Linguística Textual se dedicou ao estudo do processamento do texto.

Nessa época, dava-se importância aos estudos de como o leitor processava as

informações do texto.

Na década de 1980, a LT assumiu o estudo do texto numa perspectiva

cognitiva. Assim, texto passou a ser o resultado da ativação de processos

mentais. A obra de Beaugrande & Dressler (1981) pode ser considerada um

marco desse período, pois postulam que o texto se origina na interligação de

múltiplas operações cognitivas (KOCH, 2009).

Outro importante representante desse período é Teun van Dijk, que, de

acordo com Koch (2009, p. 23), é: “(...) um dos pioneiros da introdução de

questões de ordem cognitiva no estudo da produção, compreensão e

funcionamento dos textos”, com os modelos episódicos ou de situação.

A partir da década de 1990, surgem novas orientações para o estudo do

texto. A escrita, os atos de fala e a leitura passam a ser consideradas atividades

sociocognitivas-interacionais. Nessa perspectiva, falar/escrever e ler depende

não apenas de decifrar os códigos linguísticos, mas, principalmente, de ativar

conhecimentos prévios, de mundo, individuais e coletivos, para construir o

sentido do texto, assim como, de considerar o contexto em que se inserem as

atividades linguísticas.

Desde os estudos de Humbolt, no início do Século XX, sobre os

encadeamentos do discurso, passando pela noção de sintagma da língua, de

Saussure, e pela definição de enunciação de Benveniste, os teóricos e analistas

do texto buscam complementar os estudos e suprir as lacunas deixadas por seus

antecessores. (ADAM, 2011)

Assim, não se pode negar que as três fases iniciais da LT (transfrástica,

pragmática e cognitiva) trouxeram grandes contribuições para os estudos atuais

do texto e serviram de base para a construção da concepção sociocognitiva-

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

15

interacional, concepção adotada atualmente pela LT, e à qual nos filiamos nesta

pesquisa, que entende o texto como lugar de interação e de construção de

sentidos. Nessa perspectiva, os sentidos são construídos na interação autor-

texto-leitor, ao contrário das concepções anteriores, em que os sentidos ou

estavam centrados na própria materialidade do texto, ou na intencionalidade do

autor (o que o autor quis dizer?), ou ainda nos processos mentais ativados pelo

leitor para compreender o texto.

O que a concepção sociocognitiva-interacional propõe é que o foco dos

estudos do texto deve estar na tríade autor-texto-leitor, pois, segundo Koch e

Elias (2012, p. 10):

(...) na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que — dialogicamente — se constroem e são construídos no texto, considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores.

Ainda, segundo as autoras (2012, p. 11), o texto é lugar para “uma gama

de implícitos, dos mais variados tipos” e que somente podem ser compreendidos

quando se considera o contexto sociocognitivo dos atores sociais. Por isso,

afirma-se que os sentidos do texto, seja falado, seja escrito, não são dados a

priori, mas sim construídos no momento da interação com os sujeitos. Cabe,

portanto, a esses sujeitos construir sentidos baseados não somente na

materialidade linguística, mas também por suas memórias discursivas,

individuais e/ou compartilhadas, seus conhecimentos prévios, seu conhecimento

de mundo, suas concepções culturais e sociais.

Entretanto, as estratégias para a compreensão do texto não são

consensuais. Autores como Grice (1975) e Gumperz (1982) divergem quanto à

noção de inferência, elemento fundamental para a compreensão de um texto e

para que o texto seja visto como tal. Para o primeiro, as relações sociais não têm

papel crucial, enquanto que, na perspectiva gumperziana, a noção de sentido

negociado e situado assume papel central.

No intuito de relativizar as duas posições antagônicas, Marcuschi (2007,

p. 21) afirma que:

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

16

Com base nestas observações, sugere-se um modelo de interpretação para as atividades discursivas que não se concentre no privilégio do código, nem na supremacia do raciocínio lógico nas atividades interpretativas de um modo geral. (...) defende-se que fenômenos sociais e interativos são constitutivos da produção de sentido.

Ao tomarmos os enunciados na perspectiva de uma teoria referencial exclusivamente centrada no código e de caráter eminentemente lexicalista, ser-nos-á impossível aceitar como textos uma série de produções linguísticas que, com uma visão ampliada de significação, podem ser perfeitamente entendidas.

Marcuschi (2007) define com muita propriedade a tarefa do analista do

texto e do professor de língua portuguesa: considerar as produções linguísticas

a partir de uma visão ampliada de significação. Essa afirmação é fascinante

porque busca romper com o ensino tradicionalista e de base gramatical, centrada

no léxico e na artificialidade da língua, para considerar o sujeito na construção

das produções escritas, ou faladas.

Dessa forma, concordamos com Beaugrande (1997, p. 10), que define

texto como: “evento comunicativo em que convergem ações linguísticas,

cognitivas e sociais”. Ou seja, o texto é um construto que envolve no mínimo três

aspectos: a língua, as ações cognitivas dos sujeitos acionadas em sua interação

com essa língua e seus papéis sociais, em diálogo constante. E assim é porque

a língua está em constante movimento, modificando-se, ampliando-se, como um

organismo vivo, e também porque as pessoas se entendem numa comunicação

não apenas por causa das regras da língua, mas principalmente por seus

saberes compartilhados sobre o mundo e a sociedade. A famosa metáfora

apresentada por Beaugrande (1997) ilustra bem essa noção de que a

materialidade linguística é apenas a ponta do iceberg; todas as demais ações

que envolvem a produção do texto encontram-se mais nas profundezas.

Essa definição de Beaugrande (1997), amplamente adotada pela LT para

os estudos do texto nos dias atuais, nos leva à noção de contexto. Em momentos

anteriores, contexto era tido como o entorno lexical do texto, hoje

reconhecidamente tratado como co-texto, conforme afirma Koch (2011, p. 23):

“Na fase inicial das pesquisas sobre o texto, que se tem denominado a fase da

análise transfrástica, o contexto era visto apenas como o entorno verbal, ou seja,

o co-texto.”

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

17

Na fase pragmática, os estudiosos da LT voltaram-se para o estudo e a

descrição dos usuários da língua, como interlocutores, mas ainda não se

consideravam os sujeitos como atores sociais, cuja produção se dá no interior

de determinada cultura, em determinada sociedade. (KOCH, 2011)

Posteriormente, surgiu o conceito de contexto sociocognitivo, que leva em

conta a gama de conhecimentos de um indivíduo (enciclopédicos,

sociointeracionais, procedurais etc.), compartilhados com outros indivíduos.

Nessa interação, cada um traz consigo uma bagagem cognitiva que, como afirma

Koch (2011, p. 24), “já é, por si mesmo, um contexto.”

Para Van Dijk (2012, p. 161), “os contextos são definidos por modelos

mentais e são, por definição, únicos.” Segundo o autor: “O contexto pode ser

usado para representar o episódio comunicativo como um todo, incluindo o

próprio evento comunicativo (texto, fala), ou meramente para representar o

entorno social relevante de tal evento.” (2012, p. 167-168)

Da forma como é hoje entendido na LT, o contexto abrange não somente

o co-texto, mas também a situação de interação mediata e imediata e os

aspectos sociocognitivos dos indivíduos na interação. Ou seja, é preciso

considerar não apenas o impacto direto das situações sociais no texto e na fala,

mas também as diferenças entre os falantes. Por isso, os modelos de contexto

não são estáveis e são mais ou menos controlados e controláveis. (VAN DIJK,

2012)

A Psicologia Cognitiva da produção e compreensão do texto, que surgiu

no início dos anos 1970, juntamente com as novas abordagens de língua e

discurso das Letras e das Ciências Sociais, realçou o papel fundamental do

conhecimento no processamento discursivo e a natureza dinâmica, flexível, das

estratégias de produção e compreensão, também introduziu a noção

fundamental de modelos mentais como a base do uso linguístico. (VAN DIJK,

2012)

A teoria dos modelos de contexto defendida por Van Dijk (2012) sugere

que produzir e compreender o texto e a fala adequada e estrategicamente

pressupõe que os participantes sejam capazes de analisar, compreender e

representar as situações sociais, tanto individualmente como em grupo.

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

18

Entretanto, não há uma teoria única sobre contexto, mas diversas

concepções, que variam no tempo e de autor para autor, e que devem ser

levadas em conta para melhor compreendermos a noção aqui abordada.

Conforme afirma Van Dijk (2013, p. 89), “(...) um ato de fala usualmente está

encaixado no desenvolvimento da (inter)-ação. Uma análise contextual é,

portanto, um processo permanente (...)”.

Para alcançar os objetivos desta pesquisa e para melhor elucidar essa

questão dos contextos, adotaremos a concepção de modelos de contexto de Van

Dijk (2013), uma vez que essa concepção nos leva à noção de frames,

indispensável para a análise do corpus aqui apresentado no Capítulo 2.

1.2 Frames ou enquadres

Os conhecimentos que acumulamos no decorrer da vida e que

expressamos por meio dos enunciados não são amorfos. Ao contrário, esses

conhecimentos são organizados em sistemas conceituais. Uma das formas de

explicar essa organização é por meio dos frames (ou enquadres).

Segundo Van Dijk (2013, p. 78), frames são “(...) unidades de

conhecimento, organizadas segundo um certo conceito”. Assim, segundo o

autor, se entendermos o frames numa perspectiva mais restrita, podemos afirmar

que:

( ) os atos de fala podem estar associados aos frames. Antes de tudo, nós temos sequências típicas dos atos de fala, cujas estruturas têm um caráter mais ou menos convencional ou ‘ritual’, tais como proferir conferências, fazer pregações, realizar conversações cotidianas ou escrever cartas de amor. (2013, p. 79)

Para a realização desses atos de fala, é preciso ter os conhecimentos de

mundo e enciclopédicos necessários a fim de organizarmos as informações

necessárias mentalmente e recorrermos às estratégias adequadas para nos

comunicarmos. Isso acontece, por exemplo, com as cartas de amor, ou com as

cartas pessoais de maneira geral, cuja escrita requer o conhecimento prévio do

modelo composicional (de que deve haver data, apresentação, narração de

episódios, ou argumentação, fechamento e saudação). Esse é um conhecimento

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

19

do tipo frame, ou seja, existe um modelo convencional para a escrita de cartas

pessoais.

Nesse sentido, Van Dijk (2013, p. 80) afirma que: “(...) é o nosso

conhecimento de mundo e a sua organização mental do tipo frame que decide

se as condições necessárias à adequação dos atos de fala foram realmente

preenchidos ou não”. Ou seja, os frames são mais ou menos estáveis, podendo

variar individualmente, pois a organização mental e os conhecimentos de mundo

variam muito entre os sujeitos, mesmo pertencentes a uma mesma sociedade e

a um mesmo meio cultural. A construção do conhecimento e dos modelos

mentais vai depender também das vivências individuais e coletivas.

Em artigo publicado no Caderno de Letras da UFF, Morato (2010, p. 95)

resgata a seguinte definição de frames, segundo Goffman:

Em sua obra Frame Analysis (1974), Goffman concebe os frames como enquadres, metáfora que funciona para se

compreender melhor o que no campo da Sociologia é também denominado “contexto”, “conhecimento prévio”, “situação social”. Enquadres, assim, são compreendidos como estruturas sociais relacionadas intimamente com a linguagem, reconhecidas e modificadas pelos indivíduos – “agentes de mudanças e de condução do envolvimento interacional” - em contextos e práticas discursivas situadas.

De acordo com Lima e Feltes (2013, p. 41), frames são:

(...) modelos proposicionais que estruturam, em certo formato, nosso conhecimento advindo de experiências passadas, diretas ou indiretas, na relação com o mundo, sendo armazenados em nossa memória de longo prazo, tendo, a partir daí, um papel fundamental na geração de inferências e predições. Essas estruturas são dinamicamente modificadas à medida que novas experiências consolidam ou modificam nossos conhecimentos.

Ainda, segundo as autoras (2013, p. 42), “(...) a noção de frame é

desenvolvida por Minsky ([1985], 1989). (...) traduzido como ‘moldura’ ou

‘enquadre’, é uma espécie de esqueleto, como um molde com lacunas a serem

preenchidas”. Essa definição é bastante elucidadora na medida em que o corpus

objeto de análise desta pesquisa está estruturado justamente por frames, ou

enquadres, uma vez que as cartas pessoais foram escritas com base no modelo

conhecido pelos alunos, em experiências prévias, e os textos produzidos se

enquadram no frame cartas pessoais (de amor, para amigos e/ou para a família).

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

20

Além de considerar a organização mental do tipo frame decisiva para a

realização da escrita dos textos, é também na escolha dos objetos de discurso

nas práticas discursivas situadas que se observa a construção do texto por meio

da referenciação, assunto que será tratado no próximo tópico.

1.3 Referenciação

Em oposição à visão tradicional de que a língua é um sistema de normas

ao qual todos os usuários devem recorrer para representar o mundo, Mondada

e Dubois (1995/2014) apresentam uma concepção sobre como os sujeitos

constroem versões públicas do mundo por meio das suas práticas discursivas e

cognitivas situadas social e culturalmente.

Segundo as autoras, os sujeitos constroem significados para o mundo em

que vivem no momento de suas atividades e de acordo com os contextos. A

questão que passa a ser colocada a partir dos questionamentos das autoras é:

“como as atividades humanas, cognitivas e linguísticas, estruturam e dão um

sentido ao mundo”? (1995/2014, p. 20) Em outras palavras, as autoras tratam da

referenciação como um processo originado de práticas simbólicas dos sujeitos e

não de práticas preexistentes.

Assim, referenciação diz respeito a “(...) uma relação entre o texto e a

parte não-linguística da prática em que ele é produzido e interpretado”.

(RASTIER, 1994, apud MONDADA E DUBOIS, 1995/2014, p. 19). Nesse

sentido, Monda e Dubois (1995/2014, p. 20) afirmam que:

Estas práticas não são imputáveis a um sujeito cognitivo abstrato, racional, intencional e ideal, solitário face ao mundo, mas a uma construção de objetos cognitivos e discursivos na intersubjetividade das negociações, das modificações, das ratificações de concepções individuais e públicas do mundo.

Nenhum ser humano vive isoladamente. É no contato com o outro, na

intersubjetividade, que nasce o texto e, portanto, os sentidos são construídos e

negociados no momento mesmo da interação. Ou seja, a referenciação é o

processo de construção e reconstrução dos sentidos do texto a partir da

intersubjetividade dos sujeitos reais que buscam expressar-se por meio de

objetos cognitivos e discursivos individuais e públicos.

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

21

Com essa concepção de referenciação, Mondada e Dubois (1995/2014)

propõem uma ruptura com as teorias que postulam que os objetos são dados a

priori no mundo, um mundo objetivo, “pronto” para ser interpretado e

representado, e com a estabilidade das categorias (etiquetas). É na pluralidade

de atores que se constituem as entidades, individual e socialmente.

Segundo Koch (2009, p. 60):

A referenciação constitui, assim, uma atividade discursiva. (...) Isto é, os processos de referenciação são escolhas do sujeito em função de um querer-dizer. Os objetos de discurso não se confundem com a realidade extralinguística, mas (re)constroem-na no próprio processo de interação.

Koch (2009, p. 56) corrobora com a concepção de Mondada e Dubois

(1995/2014), no que se refere à instabilidade entre as palavras e as coisas:

Em última análise, a língua não existe fora dos sujeitos sociais que a falam e fora dos eventos discursivos nos quais eles intervêm e nos quais mobilizam suas percepções, seus saberes, quer de ordem linguística, que de ordem sociocognitiva, ou seja, seus modelos de mundo. Estes, todavia, não são estáticos, (re)constroem-se tanto sincrônica quanto diacronicamente, dentro das diversas cenas enunciativas, de modo que, no momento em que se passa da língua ao discurso, torna-se necessário invocar conhecimentos — socialmente compartilhados e discursivamente (re)construídos (...).

Mondada e Dubois (1995/2014, p. 21) postulam uma teoria que se opõe

a “uma perspectiva utópica (ou nostálgica) de uma cartografia perfeita entre as

palavras e as coisas”, pois essa perspectiva tende a apontar as imperfeições dos

sujeitos em suas atividades linguísticas e desconsidera as construções

sociocognitivas interacionais. Um exemplo claro é a forma como ainda se

avaliam os textos produzidos pelos alunos, partindo-se de uma perspectiva

negativa, que destaca as imperfeições, os “erros”, os “problemas cognitivos”, a

falta de conhecimento da chamada “norma culta”, enquanto os processos

subjacentes a essas imperfeições, como os recursos linguísticos, cognitivos e

discursivos ativados pelos sujeitos no ato da escrita são ignorados.

Essas avaliações equivocadas ainda persistem no ambiente escolar

porque existe a tendência de relacionar as categorias às propriedades do mundo,

quando o melhor seria relacionar as categorias “(...) aos discursos sócio-

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

22

históricos e aos procedimentos culturalmente ancorados”. (MONDADA E

DUBOIS, 1995/2014, p. 27)

Ao considerarmos que o corpus objeto de análise desta pesquisa

constitui-se de cartas pessoais escritas por alunos da EJA, chegamos a uma

importante definição de referenciação que muito nos auxiliará nas análises,

posteriormente: “a referenciação é uma construção colaborativa de objetos de

discurso” (MONDADA E DUBOIS, 1995/2014, p. 35). Ou seja, ao escrever uma

carta pessoal, os objetos de discurso podem ser completados, enriquecidos,

ampliados pelo(s) interlocutor(es) leitores mesmo na ausência do sujeito leitor.

Nesse sentido, Marcuschi (2007, p. 119) afirma que:

(...) não podemos confiar apenas nas características estruturais da interação nem nas propriedades comunicativas da língua, nem nos contextos físicos (imediatos) de produção da interação, mas devemos estar atentos para o que os falantes fazem com tudo isso, se queremos de fato perceber como eles se entendem.

Assim, concordamos com Marcuschi (2007, p. 138-139) e com Mondada

e Dubois (1995/2014) sobre a não existência de uma estabilidade dada a priori

para as entidades no mundo e na língua. Segundo o autor (p. 139): “(...) as

categorias linguísticas e cognitivas são instáveis e culturalmente sensíveis. A

nomeação e a referenciação é um processo complexo que precisa ser analisado

na atividade sócio-interativa”.

É por meio dos processos de referenciação que construímos o mundo em

que vivemos. Ou seja, o mundo não preexiste às vivências dos sujeitos, mas é

construído e reconstruído diariamente na interação com outros sujeitos. Como

bem diz Marcuschi (2007, p. 80): “Sentidos são bens humanos e não fenômenos

naturais.”

1.3.1 Referenciação e coerência

Como já afirmamos acima, a referenciação é uma relação intersubjetiva e

social no seio da qual as versões do mundo são publicamente elaboradas e

avaliadas para adequação às finalidades práticas e às ações em curso dos

enunciadores. É, portanto, uma atividade discursiva e implica escolhas

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

23

significativas para representar estados de coisas em função de um “querer-

dizer”. (MONDADA & DUBOIS, 1995)

Apothelóz & Reicher-Bérguelin (1995, p. 266, apud KOCH, 2009, p. 58)

adotam as seguintes postulações para o estudo da referenciação:

a) a referência diz respeito sobretudo às operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso se desenvolve;

b) o discurso constrói aquilo a que faz remissão, ao mesmo tempo que é tributário dessa construção; (...)

c) eventuais modificações, quer físicas, quer de qualquer outro

tipo, sofridas “mundanamente” ou mesmo predicativamente por

um referente, não acarretam necessariamente no discurso uma

recategorização do léxico, sendo o inverso também verdadeiro.

Assim, na construção de um texto, o autor pode partir de um modelo já

existente e conhecido por ele (frames ou enquadres) e que funcionará como

ponto de partida para a construção referencial. À medida que o texto se

desenvolve, haverá remissões e retomadas ao referente inicial, ou a elementos

extra-textuais (implícitos), e também modificações, pois, ao representar o mundo

por meio de objetos de discurso, o autor busca na memória discursiva, individual

e coletiva, e nos conhecimentos partilhados os dados que lhe são afeitos para,

assim, construir seu texto. Ou seja, a construção referencial se dá na ativação,

desativação e reativação dos objetos de discurso para uma representação do

real.

Entretanto, esse processo de ativação, desativação e reativação, assim

como as rotulações e os encapsulamentos, só é possível porque os

conhecimentos que armazenamos durante a vida não são organizados de

maneira caótica, mas sim em blocos significativos, em modelos cognitivos, que

são fundamentais para a construção da coerência.

Segundo Mondada (2001, p. 9, apud LIMA e FELTES, 2013, p. 33), os

objetos de discurso são:

(...) entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos participantes: é no e pelo discurso que são postos, delimitados, desenvolvidos e transformados objetos de discurso que não preexistem a ele (o discurso) e que não têm estrutura física, mas que, ao contrário, emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica discursiva.

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

24

A construção dos objetos de discurso pode ser observada no corpus

objeto de análise desta pesquisa na medida em que os referentes revelam as

formulações discursivas dos autores para construir o seu projeto de dizer, seja

por meio de uma carta de amor, seja uma carta para um amigo(a), ou cartas

familiares.

Para o estudo da referenciação nos textos do gênero carta pessoal,

produzidos por alunos da EJA, interessam-nos particularmente os elementos

presentes no contexto sociocognitivo, que estabelecem associações e/ou

inferências, entre eles, as anáforas indiretas, para a progressão do texto e a

construção da coerência.

Entre os diversos aspectos que envolvem os encadeamentos referenciais,

Marcuschi (2006, p. 192) relaciona alguns procedimentos gerais:

a) retomada de referentes por repetição de itens lexicais mantendo a correferencialidade;

b) retomada de referentes por sinonímia ou paráfrase baseada na significação lexical, mantendo ou não a correferencialidade;

c) retomada referencial por pronominalização correferencial;

d) progressão referencial com estratégias realizadas por processos de associação, ou seja, pela anáfora associativa, sem caráter correferencial;

e) continuidade fundada em processos cognitivos realizados por metáforas, metonímias etc. sem correferencialidade;

f) progressão textual como construção referencial por

inferenciação baseada em representações mentais sem

retomada nem correferenciação. (Grifos do autor)

Dentre esses procedimentos, daremos especial atenção aos itens (d), (e)

e (f) acima, que tratam das estratégias por associação, da continuidade fundada

em processos cognitivos e da progressão textual baseada em representações

mentais.

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

25

1.4 As anáforas indiretas e a progressão textual

Conforme Koch e Elias (2012, p. 134): “Quando escrevemos, podemos

recorrer a dois tipos de introdução de referentes textuais: ativação ‘ancorada’ e

ativação ‘não-ancorada’”1. Assim, dizemos que a introdução de um objeto de

discurso totalmente novo no texto é “não ancorada” quando não há termos

precedentes a ele no co-texto; já a introdução “ancorada” é aquela que se faz

por meio da introdução de um novo objeto de discurso que pode ser associado

a elementos presentes no co-texto ou no contexto sociocognitivo dos

interlocutores.

As anáforas indiretas, também denominadas inferenciais, mediatas,

profundas, semânticas e associativas, caracterizam-se pelo emprego de

expressões que não têm referente explícito no texto, mas que podem ser

inferidas a partir de elementos explícitos. Ou seja, as anáforas indiretas são

introduções ancoradas, decisivas para a interpretação do texto, pois “mobilizam

conhecimentos dos mais diversos tipos armazenados na memória dos

interlocutores”. (SCHWARZ, 2000, apud KOCH, 2009, p. 107)

Estudos recentes têm tratado as anáforas indiretas não apenas como um

processo de retomada de antecedentes no texto (como os sintagmas nominais),

mas como um processo que envolve muito mais que um mero procedimento

“search-and-match” (buscar e marcar), de acordo com Schwarz-Friesel (2007, p.

VIII). Ou seja, o processo anafórico não é mecânico e restrito ao texto, mas

altamente complexo e atrelado ao contexto de leitura ou produção escrita.

Segundo a autora (2007, p. IX):

The interpretation of most anaphoric descriptions is highly context-sensitive. In order to access the referencial entity described by an anaphor the reader ou hearer must seek information beyond the anaphoric NP itself.2

1 Os termos ‘ancorada’ e ‘não-ancorada’ foram cunhados por Prince (1981) e traduzidos livremente por Koch (2009). 2 Tradução livre: A interpretação da maioria das descrições anafóricas é altamente sensível ao contexto. Para acessar a entidade referencial descrita por uma anáfora, o leitor ou o ouvinte deve buscar informações além do próprio Sintagma Nominal anafórico.

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

26

As anáforas indiretas são também responsáveis pela progressão textual,

por meio da inserção de novos referentes que ativam a referencialização mental,

acarretando uma ampliação do modelo textual, e pela continuidade referencial,

por meio das retomadas ou remissões aos mesmos domínios de referência.

Segundo Koch (2011, p. 108):

Anáforas deste tipo desempenham um papel extremamente importante na construção da coerência. Muitas vezes, por ocasião do processamento textual, existem diversas representações tópicas potenciais e, somente no co-texto subsequente, fica claro, por meio do encadeamento referencial efetuado, qual delas deve ser selecionada na interpretação.

Toda anáfora indireta depende de processos inferenciais, ativados na

construção ou no processamento textual, e podem ser de dois tipos, segundo

Schwarz (2000, apud Koch, 2011, p. 108):

1. Ativação de conhecimentos de mundo armazenados na memória de longo termo para a desambiguização, precisão ou complementação de unidades e estruturas textuais; e

2. A construção das informações, ou seja, a formação dinâmica e dependente de contexto (“situada”) de representações mentais, com vistas à construção do modelo de mundo textual.

Como se verá no Capítulo 3, quando da análise do corpus, a construção

textual está claramente estruturada nos processos inferenciais, conceituais e

lexicais, seja na ativação de conhecimentos de mundo armazenados na

memória, seja na inserção de informações na prática situada para a construção

de mundo por meio dos objetos de discurso.

Ainda com base em Schwarz (2000) Koch (2011, p. 109) adota a seguinte

classificação da autora para as anáforas indiretas:

1. de tipo semântico - baseadas no léxico; 2. de tipo conceitual – baseadas no conhecimento de mundo (esquemas); e 3. de tipo inferencial – inferencialmente baseadas.

Esses três tipos estão ligados entre si e devem ser vistos como um

contínuo, não sendo possível analisar apenas um tipo de anáfora indireta, tendo

em vista que os limites entre um tipo e outro não são fixos e nem sempre são

claramente definidos.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

27

Para melhor esclarecer o funcionamento das anáforas indiretas,

recorremos novamente a Koch e Elias (2012, p. 136), que afirmam:

Diferentemente das anáforas diretas que retomam (reativam) referentes previamente introduzidos no texto, estabelecendo uma relação de correferência entre o elemento anafórico e seu antecedente, na anáfora indireta, geralmente constituída por expressões nominais definidas, indefinidas e pronomes interpretados referencialmente sem que lhes corresponda um antecedente (ou subsequente) explícito no texto, ocorre uma estratégia de ativação de referentes novos, e não uma reativação de referentes já conhecidos, o que constitui um processo de referenciação implícita, conforme pontua

Marcuschi (2005). (Grifamos)

Não se tratará, aqui, portanto, de analisar as anáforas diretas, mas sim os

implícitos que são evocados na memória discursiva quando são introduzidos

novos objetos de discurso e a relação que se estabelece entre eles no texto.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

28

CAPÍTULO 2 – SITUANDO O CORPUS E OS SUJEITOS DA PESQUISA

2.1 Corpus: cartas pessoais

O corpus desta pesquisa de mestrado é composto por 13 cartas pessoais

escritas por alunos do 6º. ao 9º. ano da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de

duas escolas municipais de Guarulhos: Escola da Prefeitura de Guarulhos Sítio

do pica-pau amarelo e Escola da Prefeitura de Guarulhos Crispiniano Soares.

Essas 13 cartas foram selecionadas de um universo de 40 para serem

analisadas quanto às ocorrências das anáforas indiretas.

O estudo dos gêneros textuais faz parte do planejamento semestral da

área de conhecimento denominada Cultura e Linguagem. Dentre os diversos

gêneros trabalhados em sala de aula, o gênero carta pessoal proporcionou

material importante para a realização desta pesquisa, pois, por ser um gênero

próximo à realidade dos alunos, tem boa aceitação, é relativamente mais fácil de

ser produzido, pois é um modelo conhecido, e se revelou importante elemento

de análise da referenciação na escrita de jovens e adultos.

A partir de uma sequência didática que envolveu o resgate das memórias

individuais e coletivas, e o estudo da estrutura do texto narrativo e do gênero

textual carta pessoal, os alunos das duas escolas acima referidas construíram

suas cartas, com tema livre, para os destinatários que lhes eram mais caros.

Assim, 30 alunos escolheram escrever cartas para seus familiares distantes, 7

alunos escreveram cartas de amor e 3 alunos escreveram cartas para seus

amigos/amigas. Tendo em vista a variedade de temas das cartas, foram

selecionadas para análise 7 cartas familiares, 2 cartas para amigo(a) e 4 cartas

de amor.

Segundo Bakhtin (2003, p. 282), os gêneros textuais resultam em “formas-

padrão relativamente estáveis de um enunciado” sócio-historicamente situados.

Assim, todas as formas de comunicação se dão por meio de gêneros textuais,

que são classificados de acordo com a tipologia textual (narrativos, descritivos,

argumentativos etc.).

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

29

Segundo Marcuschi (2002), alguns gêneros apresentam mais de uma

tipologia textual, como é o caso da carta pessoal, que pode apresentar

exposições, descrições e narrações num mesmo texto.

Essa maleabilidade torna as cartas pessoais um gênero que favorece o

ensino e a observação de diversos tipos textuais. Assim, muitas vezes por meio

de uma atividade aparentemente simples, o professor pode desenvolver

concepções importantes de narração, exposição, argumentação etc.

Ainda segundo Marcuschi (2002, p. 19), os gêneros textuais surgem de

acordo com “(...) necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na

relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se

considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes (...)”.

Os enunciados são atos de comunicação social e pressupõem uma

interatividade entre autor-texto-leitor para a construção de sentidos. O leitor não

é um ser passivo, que somente recebe as informações, assim como o autor não

tem total domínio de todos os sentidos que pretende sejam construídos pelo

leitor. Da mesma forma, o texto, por si só, não produz um único sentido. É preciso

que esses três elementos interajam intersubjetivamente. Para tanto, além do

conhecimento do código (língua) e da escolha dos termos lexicais, o leitor

acionará também conhecimentos prévios presentes em sua memória discursiva

para construir sentido(s) no texto.

A imensa heterogeneidade de gêneros levou Bakhtin (2003) a classificá-

los como primários e secundários. Os primários referem-se a situações de

comunicação cotidianas, espontâneas (carta, bilhete, diálogo etc.). Os

secundários são aqueles que representam situações comunicativas mais

complexas e elaboradas (teatro, romance, tese científica etc.).

O corpus objeto de análise — cartas pessoais — situa-se nos gêneros

primários e faz parte da proposta de ensino de gêneros textuais para alunos da

EJA (segundo segmento do Ensino Fundamental). Por serem gêneros menos

complexos e fazerem parte de seu cotidiano, além de permitirem uma linguagem

mais informal e espontânea, os alunos demonstraram certa familiaridade para

escrever cartas e, ao mesmo tempo, sentiram-se mais livres para usarem de

criatividade.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

30

É importante destacar alguns aspectos dos gêneros textuais, conforme

Bakhtin (2003): conteúdo temático, plano composicional e estilo. Esses aspectos

estão relacionados entre si e variam de acordo com a situação de comunicação

e a finalidade. Nos casos em análise, a situação de comunicação é a sala de

aula e a finalidade é produzir uma carta para fins de avaliação da escrita e de

verificação da evolução das habilidades dos alunos desde a escrita de um

bilhete, passando pelos recados, telegramas, comentários em redes sociais, e-

mails, até uma carta.

Embora a carta pessoal seja um gênero relativamente estável e

pressuponha uma organização predefinida (data, vocativo, linguagem em 1ª.

pessoa, saudação, assinatura), o estilo do escritor pode dar a ela um caráter

individualizado e criativo, assim como os objetos de discurso evidenciam os

processos sociocognitivos para construção do texto e uma representação do

mundo.

Dessa forma, as cartas pessoais foram construídas de acordo com o

projeto de “querer-dizer” dos alunos. De acordo com Koch (2002, p. 31): “O

sujeito, na interação, opera sobre o material linguístico que tem à sua disposição,

operando escolhas significativas para representar estados de coisas, com vistas

à concretização do seu projeto de dizer.” Ou seja, para expressar seus

pensamentos, para se comunicar, o sujeito autor faz escolhas de referentes que

o levam a concretizar esse desejo.

2.2 Os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa são os alunos da EJA (período noturno) que

cursaram o segundo segmento do Ensino Fundamental em 2014 (6º. ao 9º. ano)

em duas escolas municipais de Guarulhos, conforme acima referidas. Essa

modalidade de educação básica inclui alunos a partir dos 15 anos completos e

não estabelece limite máximo de idade.

Para esta pesquisa, colaboraram alunos de 15 a 80 anos de idade,

moradores das regiões periféricas da cidade de Guarulhos, com renda salarial

baixa e muitas dificuldades para conciliar trabalho, família e estudos. A maioria

dos alunos participantes da pesquisa é do sexo feminino, com idades entre 16 e

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

31

70 anos; e a minoria é de alunos do sexo masculino, com idades entre 15 e 50

anos.

As mulheres, em sua maioria, escreveram para os filhos e para as mães.

Já a maioria dos homens escreveu para um amigo, ou amiga, e para um amor.

A questão de gênero não será abordada aqui, mas é interessante observar as

escolhas do projeto de dizer de cada um a partir dos destinatários porque é

dessa escolha primeira, e primordial, que os objetos de discurso serão

construídos para representar o seu querer-dizer.

2.3 A Educação de Jovens e Adultos no Brasil

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96)3 é a

legislação que regulamenta o sistema educacional (público e privado) do Brasil

(da educação básica ao ensino superior). Na Seção V – Da Educação de Jovens

e Adultos, a LDB dispõe:

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.

§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

§ 3o A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.741, de 2008)

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.

§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:

I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos;

II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.

3 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 05.jan.2015

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

32

§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

Com base nas disposições da LDB, a resolução CNE/CEB Nº 1, de 5 de

julho de 2000, estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

de Jovens e Adultos, destacando a importância de considerar as situações, os

perfis e as faixas etárias dos estudantes. De acordo com essas diretrizes, a EJA

deve pautar-se pelos princípios de equidade, diferença e proporção, propondo

um modelo pedagógico próprio, de modo a assegurar:

a distribuição específica dos componentes curriculares, a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades diante do direito à educação;

a identificação e o reconhecimento da alteridade dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores;

a proporcionalidade, com disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos, com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica.

O Conselho também indica as funções dessa modalidade de ensino:

reparadora, equalizadora e qualificadora, reconhecendo que a EJA representa

uma dívida social ainda não reparada para aqueles que não tiveram acesso à

leitura e à escrita como bens sociais. (2010, p. 17)

A EJA, enquanto modalidade da Educação Básica, e reconhecendo os

sujeitos que participam dela, a concretude de suas vidas e as formas como

interagem com o conhecimento, deve criar as condições de superação das

barreiras impostas pela sociedade letrada aos que ainda não dominam a leitura

e a escrita.

As Diretrizes curriculares Nacionais representam, sem dúvida, um grande

desafio para todos os educadores, especialmente aqueles de Cultura e

Linguagem, que têm, tradicionalmente (embora não exclusivamente), a

incumbência de mediar as atividades de leitura e escrita dos alunos, incentivando

a produção autônoma e crítica de textos de diversos gêneros.

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

33

2.3.1 A Educação de Jovens e Adultos de Guarulhos

A Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos publicou, em abril de

2010, a Proposta Curricular da Rede Municipal de Educação, construída

democraticamente com os professores e gestores das escolas municipais. Essa

Proposta Curricular estrutura-se em um Quadro de Saberes Necessários (QSN)4

estruturado por modalidade de ensino: Educação Infantil, Educação

Fundamental e Educação de Jovens e Adultos.

No que se refere à Educação de Jovens e Adultos, modalidade à qual

pertencem os sujeitos desta pesquisa e suas produções escritas, o QSN traz

como concepção:

Os programas de Educação de Jovens e Adultos têm como eixo norteador de suas ações formativas o mundo do trabalho, priorizando a formação de potencialidades e dimensões humanas que são próprias do Tempo de Vida do educando. Para tanto, reafirma a necessidade de Programas de Educação de Jovens e Adultos com Educação Profissional, como PROEJA FIC, Movimento de Alfabetização – MOVA, Programa Brasil Alfabetizado, Programa de Bolsa-Auxílio ao Desempregado e PROJOVEM. (QSN, 2010, p. 91)

Assim, na EJA Guarulhos busca-se promover a formação integral do ser

humano, reconhecendo e respeitando suas histórias de vida, saberes,

experiências, vivências, culturas, valores, bem como a realidade política e social

das quais ele faz parte, propiciando espaços para reflexão sobre sua realidade

social e pessoal.

A EJA Guarulhos estrutura-se em dois eixos principais:

1. Identidade e Cultura - consideram-se os vínculos entre as atividades

humanas (culturais por excelência) e sua relação com a representação que cada

indivíduo faz de si mesmo, a partir da construção de sua história, num contexto

sócio-político-educacional que contribui para sua formação identitária, e a

corporeidade, que é o olhar sobre o próprio corpo e seus sentidos, vinculado à

própria existência do indivíduo.

2. Mundo do Trabalho - consideram-se as relações de trabalho em

associação ao processo educacional e à própria busca por melhores posições

4 Fonte: www.guarulhos.sp.gov.br. Quadro de Saberes Necessários, 2010.

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

34

em trabalhos menos alienantes e mais satisfatórios, que venham ao encontro

desse novo indivíduo que (re)nasce ao tomar consciência de suas habilidades e

das infinitas possibilidades que se apresentam no decorrer da vida.

Assim, respeitar os alunos em sua integralidade significa considerá-los

como cidadãos participativos, sujeitos de suas próprias histórias e elementos

transformadores da realidade, proporcionando o ambiente necessário para que

os alunos se apropriem de novas ferramentas cognitivas durante todo o processo

e alfabetização e letramento e, consequentemente, na continuidade dos estudos.

Para que seja possível a articulação dos saberes necessários a uma

educação de qualidade social, a EJA Guarulhos está estruturada em blocos de

área do conhecimento: Corporeidade e Relações Sociais, Cultura e Linguagem,

dentro do qual estão Língua Portuguesa, Arte e Cultura e Língua Estrangeira

(Inglês e/ou Espanhol), Expressões e Linguagens Matemáticas, e Natureza e

Sociedade, em que estão inseridas a História, a Geografia e as Ciências

Naturais.

No que diz respeito à área de Língua Portuguesa, pertinente para esta

pesquisa, o currículo da EJA Guarulhos, segundo segmento da Educação

Fundamental (6º ao 9º ano) está estabelecido com base nos seguintes principais

saberes:

Desenvolvimento do hábito de leitura e produção de textos escritos que circulam no espaço social do trabalho (currículo, carta, jornal, ofício, projeto, memorando, exposição).

Consideração da linguagem como meio de formação, informação e comunicação.

Confronto das opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações culturais.

Leitura com autonomia dos diversos tipos de textos (informativos, instrucionais, jornalísticos, televisivos).

Produção e reescrita de textos, visando à coesão, coerência, acentuação, pontuação, paragrafação, ortografia, concordância verbal, nominal e síntese.

Utilização dos recursos gramaticais (conjunções, pronomes, preposições, sinônimos, tempos verbais, advérbios etc.).

Análise de textos de diferentes construções que fazem referência a lugar (advérbios, locuções adverbiais) para compreensão dos usos.

Compreensão da Arte como manifestação cultural, coletiva e individual.

Escrita, leitura e reconhecimento de textos de diversos gêneros e fontes com capacidade de perceber sua funcionalidade e utilizá-los como fonte de conhecimento e cultura.

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

35

Acesso à informação e comunicação na sociedade contemporânea.

Compreensão, respeito e legitimidade das diferentes variedades da Língua Portuguesa.

Conhecimento e valorização das variações linguísticas e posicionamento crítico contra o preconceito linguístico como parte fundamental da identidade cultural da comunidade dos falantes.

Desenvolvimento da criatividade a partir do exercício da imaginação, da liberdade de expressão e da confiança.

Apropriação das diferentes formas do discurso linguístico/literário e as tradições orais.

Identificação das pistas dadas pelo autor para uma compreensão aprofundada do texto.

Contextualização dos fatos apreendidos nos textos, trazendo-os à realidade.

Entendimento da intencionalidade do interlocutor na construção do discurso.

Inferência de conceitos e posicionamento diante dos valores veiculados pelo texto.

Apreensão do texto a partir das sensações visuais, auditivas, táteis, olfativas e gustativas geradas pela leitura.

Análise crítica de informações recebidas por meio de diversas mídias.

Reconhecimento dos hibridismos culturais na formação da identidade cultural.

A construção do plano de ensino de Língua Portuguesa, portanto, se dá a

partir desses saberes, que são o norte estabelecido na Proposta Curricular da

Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos para a EJA. O corpus desta

pesquisa insere-se, principalmente, no que diz respeito ao primeiro saber

necessário, que busca valorizar o uso de gêneros textuais frequentes no mundo

do trabalho.

2.4 As Escolas participantes da pesquisa

A Escola da Prefeitura de Guarulhos (EPG) Crispiniano Soares foi

fundada em 1974 e atende às modalidades: Educação Infantil, Educação

Fundamental (primeiro segmento), Educação Especial (educação de surdos) e

Educação de Jovens e Adultos (primeiro e segundo segmentos da Educação

Fundamental). Localizada em uma região central da cidade, na EJA a escola

atende alunos das regiões periféricas do entorno, e alunos surdos de todas as

regiões da cidade, por ser o único polo de educação de surdos no município.

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

36

A escola conta com 6 classes de Educação Infantil, 22 de Educação

Fundamental (em três períodos), 2 classes de Educação Especial e 3 classes de

EJA (período noturno). As instalações da escola incluem biblioteca com um

número vasto de livros paradidáticos em quantidade suficiente para leitura

individual ou em dupla, laboratório de informática com acesso a internet, com

computadores suficientes para atender 30 alunos aproximadamente, auditório

equipado com data-show, notebook e caixas de som, mini-quadra descoberta,

pátio e refeitório.

A EPG Sítio do Pica-pau Amarelo, fundada em 1979, atende às

modalidades: Educação Infantil, Educação Fundamental (primeiro segmento) e

Educação de Jovens e Adultos (primeiro e segundo segmentos da Educação

Fundamental). Localizada em região central da cidade, atende alunos do entorno

periférico.

A escola conta com 13 classes de Educação Infantil (em três períodos),

14 classes de Educação Fundamental (em três períodos) e 3 classes de

Educação de Jovens e Adultos (período noturno). As instalações da escola

disponíveis aos alunos incluem: biblioteca com vasto número de livros

paradidáticos para leitura individual ou em dupla, laboratório de informática com

acesso a internet, com computadores suficientes para atender 25 alunos

aproximadamente, pátio, mini-quadra descoberta, sala de vídeo (na própria

biblioteca) equipada com TV 42”, DVD e notebook.

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

37

CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS E

ANÁLISES

3.1 Procedimentos teórico-metodológicos

Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, foi desenvolvida a partir da

combinação de duas categorias de pesquisas: a pesquisa bibliográfica e a

pesquisa de campo.

De acordo com Severino (2013, p. 122-123):

A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos.

Na pesquisa de campo, o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem (...). Abrangem desde os levantamentos (surveys), que são mais descritivos, até os estudos mais analíticos.

Para alcançarmos o objetivo proposto para esta pesquisa, partimos da

pesquisa bibliográfica, com base nos estudos da Linguística Textual na

perspectiva sociocognitiva-interacional (segundo Koch, Koch e Elias,

Marcuschi); conceitos de texto (segundo Beaugrande, Koch); conceituação de

referenciação e progressão referencial (segundo Mondada & Dubois, Koch,

Bentes e Leite, Marcuschi, van Dijk); concepção de contexto (segundo van Dijk,

2012) e frames (van Dijk, 2013).

Paralelamente, identificamos nas cartas pessoais escritas por alunos da

EJA (Ciclo II – Etapa final do Ensino Fundamental) de duas escolas de Guarulhos

o corpus ideal para a análise da referenciação, especialmente no que se refere

às anáforas indiretas. A partir da definição do corpus, iniciamos a pesquisa de

campo, que resultou na escrita de 40 cartas pessoais (cartas familiares, cartas

para amigos(as) e cartas de amor), das quais 13 foram selecionadas para

constituírem o corpus a ser analisado nesta dissertação, por serem consideradas

suficientes para a constatação da construção referencial por meio de anáforas

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

38

indiretas, a confrontação das ocorrências encontradas e a comprovação dos

dados analisados.

Essas cartas foram escritas durante o ano de 2014, como resultado de

uma sequência didática que abordava o ensino dos textos narrativos, em suas

mais variadas formas. Primeiramente, foram apresentados aos alunos os

conceitos de textos narrativos e gêneros textuais. Em seguida, foi exibido o filme

Narradores de Javé, a fim de ilustrar e promover a discussão sobre as formas de

contar histórias e a importância de escrevê-las. Em seguida, foram apresentados

textos de diversos gêneros que continham narrativas (músicas, poesias, contos,

crônicas etc.) e os alunos foram solicitados a escreverem um conto em dupla,

tendo como ponto de partida o parágrafo inicial.

Diante das dificuldades apresentadas pelos alunos para escrever o conto,

o passo seguinte teve por objetivo aproximar os alunos de um gênero que já era

conhecido pela maioria: a carta pessoal. As orientações gerais solicitavam que

a carta deveria conter, além das características já apresentadas (data, vocativo,

assinatura e post scriptum), a narrativa de um acontecimento (uma novidade, um

segredo guardado há tempos, uma notícia bombástica etc.).

Embora não tenham seguido as orientações à risca, é possível observar

o empenho dos alunos da EJA na escrita dessas cartas pessoais por meio dos

referentes utilizados. Algumas são fictícias, outras são baseadas em fatos de

suas próprias vidas, mas o mais importante é que o querer dizer de cada um está

refletido por meio da escolha dos objetos de discurso, como se observará no

capítulo das análises.

A pesquisa bibliográfica e a coleta de dados na pesquisa de campo nos

possibilitaram definir as categorias de análise. As análises serão efetuadas

observando os processos de referenciação utilizados pelos alunos na escrita das

cartas pessoais, especificamente no que se refere às anáforas indiretas.

Ao final, serão apresentadas as considerações sobre as análises

efetuadas, possíveis resultados e sugestões para trabalhos futuros.

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

39

3.2 Seleção das Categorias de Análise

Como já mencionado anteriormente, as anáforas indiretas são

responsáveis pelos processos fundamentais para a construção e progressão

textual por meio da introdução de novos referentes, ou objetos de discurso, ainda

não mencionados (ativação não-ancorada) ou associados ao co-texto, ou ao

contexto sociocognitivo dos interlocutores (ativação ancorada), da retomada

desses referentes (reativação), da desfocalização, quando o objeto ativado e

reativado sai de foco, dando lugar a um novo objeto de discurso (reativação) e

dos encapsulamentos e rotulações, expressões nominais que, ao mesmo tempo

que sumarizam referentes anteriores, introduzem novos objetos de discurso,

garantindo a progressão textual (KOCH, 2009, 2011).

Assim, considerando a complexidade das anáforas indiretas e com base

no arcabouço teórico apresentado no Capítulo 1 desta dissertação, foram

selecionadas as seguintes categorias para análise do corpus, com base nas

ocorrências observadas:

1ª. Categoria - Introdução de referentes, por meio de:

a) Ativação não-ancorada – um novo objeto de discurso é inserido no

texto e passa a preencher um nódulo (KOCH e ELIAS, 2012);

b) Ativação ancorada – um novo objeto de discurso é inserido no texto

e faz algum tipo de associação com elementos já presentes no co-

texto ou no contexto sociocognitivo dos interlocutores (KOCH e

ELIAS, 2012)

2ª. Categoria - Recategorização dos referentes, por meio de:

a) Reconstrução/reativação – reintrodução de um nódulo já

preenchido por meio de um novo objeto de discurso; responsável

pela manutenção do foco, por meio do uso de pronomes e

expressões nominais definidas ou indefinidas, e por meio de

focalização na memória ativa (KOCH, 2009); e

b) Desfocalização/desativação – quando um novo objeto de discurso

é introduzido e passa a ocupar o nódulo principal, deixando os

demais objetos de discurso fora do foco, em stand-by, sendo que

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

40

estes podem voltar à posição focal a qualquer momento (KOCH,

2009).

c) Encapsulamento e rotulação – expressões nominais que

encapsulam e rotulam um segmento dito anteriormente e que

também podem introduzir elementos novos para a progressão do

texto. (KOCH e ELIAS, 2012)

3.3 Análises

Para procedermos à análise das 13 cartas que compõem o corpus desta

pesquisa, efetuamos uma subdivisão por frames ou enquadres temáticos: cartas

familiares, cartas de amor e cartas para amigos(as). Assim, as primeiras 7 cartas

a serem analisadas pertencem ao frame “cartas familiares”, as 2 seguintes se

enquadram no frame “cartas para amigos(a)s” e as 4 últimas são “cartas de

amor”. Os nomes foram substituídos por iniciais para preservar a identidade dos

alunos.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

41

3.3.1 Cartas Familiares

Texto 1 – Aluna De.

Brasil, 28 de agosto de 2014.

Querido D., hoje faz 6 meses que você partiu para ser voluntário na África, desde

então não deixo de pensar em você, a saudade vem me consumindo dia após dia.

Aqui continua tudo igual, a C. e a M. vivem perguntando quando você volta, até

mesmo o R. tão pequeno já sente sua falta.

Ele falou papai pela primeira vez a semana passada, se você estivesse aqui ficaria

muito orgulhoso.

Eu sempre explico para eles que você está longe por uma boa causa, é sempre

muito bom ajudar o próximo.

A semana que vem a M. vai fazer 4 anos, vou fazer uma festa para ela, a festa da

princesa que ela quer, ela está muito feliz, eles estão todos tão grandes.

O R. está cada dia mais parecido com você! Ele está tão sapeca, já as meninas

como sempre quietinhas, a C. como já está moça, ainda me ajudando com os

afazeres domésticos, ela vai ingressar na universidade daqui a dois meses.

E por aí, meu amor, como estão as coisas? As crianças como estão? Eu espero que

esteja tudo melhorando, não deve ser fácil para você ver essas pessoas doentes,

com fome e com sede, mas se Deus quiser tudo vai melhorar, com sua ajuda e de

outras pessoas de coração tão bom quanto o seu, essas crianças irão melhorar.

Me conte mais sobre como é tudo por aí, tenho vontade de saber, fico imaginando

como seria estar aí com vocês, cuidar dessas pessoas.

Meu amor vou ficando por aqui, espero notícias suas, estamos todos com muitas

saudades de você e esperando ansiosamente seu retorno.

De sua eterna apaixonada,

De.

1.a) Introdução dos referentes - ativação não-ancorada

No parágrafo 1, a aluna introduz o primeiro referente por meio de uma

ativação não-ancorada: “Querido D.”. O vocativo introduz o destinatário da carta

e os próximos referentes serão ancorados nele.

Em 2, a autora introduz outros referentes não ancorados no co-texto, mas

que faz parte do conhecimento partilhado dos interlocutores: “Aqui continua tudo

igual, a C. e a M. vivem perguntando...”. Os referentes novos, “C. e M.” permitem

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

42

inferir que são familiares, mas ao leitor não é possível ainda definir quem são

exatamente.

1.b) Introdução dos referentes - ativação ancorada

Embora seja um elemento novo, o referente “você partiu para ser voluntário

na África” está diretamente ancorado na data: “Brasil, 28 de agosto de 2014.” Além

disso, faz parte também do contexto sociocognitivo dos interlocutores que, se

alguém inicia uma carta datando-a com o nome do país, o destino dessa carta é

algum outro país.

A partida de D. para a África é o elemento novo em torno do qual se

desenvolve todo o texto, conforme demonstram os referentes a seguir na forma

de ativação ancorada:

“a C. e a M. vivem perguntando quando você volta”

“Eu sempre explico para eles que você está longe por uma boa causa”

Em “Eu sempre explico para eles”, temos que eles encapsula “C., M. e

R.”, que, a essa altura, já se sabe que são os filhos do casal.

2.b) Recategorização dos referentes - desfocalização/desativação

Nos parágrafos 5 e 6, mantendo a progressão textual e respeitando a

proposta inicial da sequência didática (a carta deveria contar uma novidade, ou

um segredo, ou dar uma notícia), a aluna desativa o referente inicial (a viagem

do marido para a África), deixando-o em stand-by, para introduzir um novo

tópico, de maneira ancorada (notícias sobre os filhos):

“A semana que vem a M. vai fazer 4 anos, vou fazer uma festa para

ela”

“O R. está cada dia mais parecido com você!”

“a C. como já está moça, ainda me ajudando com os afazeres

domésticos, ela vai ingressar na universidade daqui a dois meses”

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

43

2.a) Recategorização dos referentes - reconstrução/reativação

No parágrafo 7, há uma reativação do referente inicial por meio da

retomada do “diálogo” com o marido por meio de um referente ancorado por

associação ao que já foi dito:

“E por aí [África], meu amor, como estão as coisas?”

Ainda nesse parágrafo, há a introdução de novos referentes: “crianças”,

“pessoas doentes”, “fome” e “sede”, como se vê em:

“As crianças como estão? Eu espero que esteja tudo melhorando, não deve ser

fácil para você ver essas pessoas doentes, com fome e com sede”

A escolha desses objetos de discurso está diretamente relacionada às

ativações ancoradas que se associam, tanto pelo co-texto, como por inferência,

ao referente inicial “África”.

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e rotulação

No parágrafo 8, a aluna utiliza um referente que encapsula o que foi dito

anteriormente:

“Me conte mais sobre como é tudo por aí”.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

44

Texto 2 – Aluna M.

Guarulhos, 22 de maio de 2014.

Querida filha,

Hoje para mim é muito importante, porque posso agradecer a Deus pelo

privilégio de ter uma filha como você.

Uma pérola rara e bela, que alegra os meus dias e me faz ter esperança

mesmo diante de todas as dificuldades.

Por tudo que te ensinei e por tudo que você me ensinou, sendo mais

humana, mais paciente e mais aberta a todas as novidades que a vida

oferece, pois é o amor filha que nos uni e o seu sorriso é o melhor

presente para mim.

Recebe meu amor e carinho a um ser que é toda a minha vida e minha

alegria.

Quero registrar também os meus sinceros gestos de cuidado e carinho

que sinto por você minha filha.

Procure estar sempre feliz, pois estarei bem se conseguires a sua

felicidade.

Quero te pedir desculpas se às vezes eu me excedo em meus conceitos

antiquados e ultrapassados, mas eu tenho medo de qualquer coisa que

possa te ferir ou magoar, são coisas de mãe, difícil de serem explicadas

ou definidas.

Quero somente sua felicidade...

Beijos de sua mãe

PS: Eu te amo

1.a) Introdução de referentes - Construção/ativação não-ancorada

Já no vocativo (1), a aluna M. introduz um novo referente de maneira não-

ancorada que direciona o leitor sobre seu projeto de dizer: “Querida filha”.

É a partir desse referente que todo o texto se desenvolve com a introdução

de novos referentes ancorados, como se observa no parágrafo 2:

“Hoje para mim é muito importante”

“posso agradecer a Deus pelo privilégio de ter uma filha como você.”

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

45

2.c) Recategorização do referente – encapsulamento e rotulação

No parágrafo 3, a autora faz um encapsulamento e uma rotulação do

referente “filha como você” a partir das expressões nominais: “pérola rara e bela”.

Essa rotulação introduz novos elementos para a progressão do texto, que

são, por assim dizer, motivados pelas expressões referenciais adotadas

anteriormente:

“que alegra os meus dias e me faz ter esperança mesmo diante de todas as

dificuldades.”

No parágrafo 4, o encapsulamento e a rotulação aparecem mais uma vez,

em dois momentos. No primeiro, “Por tudo que te ensinei”, a mãe encapsula no

referente “tudo” os ensinamentos dados à filha, e no segundo, “por tudo que

você me ensinou”, a sumarização dos ensinamentos advindos da filha, quais

sejam:

“sendo mais humana, mais paciente e mais aberta a todas as

novidades que a vida oferece”

No parágrafo 8, a autora encapsula as informações-suporte anteriores

com a expressão:

“são coisas de mãe, difícil de serem explicadas ou definidas.”

2.a) Recategorização dos referentes – reativação do referente por meio de novos

objetos de discurso:

Ainda no parágrafo 4, o referente “amor” representa a “união” entre mãe

e filha, e o referente “sorriso” representa “presente”.

No parágrafo 5, a expressão “um ser que é toda a minha vida e minha

alegria” recategoriza e rotula o referente “filha” inicialmente introduzido.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

46

Texto 3 – Aluna T.

Guarulhos, 29 de maio de 2014.

Amada filha G.,

Há duas semanas você viajou para fazer o tão sonhado intercâmbio em

Londres e já sinto uma imensa saudade.

Como foi a viagem? Estranhou o clima e a alimentação dos britânicos?

Seu pai e seu irmão enviam fortes abraços e B. pede para que você

entre em contato com ele pela internet. Na próxima semana será o

aniversário do seu irmão: não se esqueça de telefonar.

Aqui em Guarulhos tem chovido bastante e o frio continua intenso. Nas

férias de julho vamos para Rio Claro. Vai ser tudo tão estranho sem

você!

Cuide-se bem, proteja-se do calor que é terrível nesta época do ano aí

e veja bem com quem vai andar. Seu tio pretende passar o mês de

janeiro com você, se tudo correr bem. Se precisar de qualquer coisa,

ligue pra nós imediatamente. Responda logo e envie fotos.

Mil beijos

T.

1.a) Introdução de referentes – ativação não-ancorada

No vocativo (1), a aluna T. introduz o primeiro referente “Amada filha G.”,

a partir do qual serão apresentados outros referentes ancorados, como se

observa a seguir:

“Há duas semanas você viajou” (par. 2)

“Seu pai e seu irmão enviam fortes abraços” (par. 4)

“Na próxima semana será o aniversário do seu irmão” (par. 4)

No parágrafo 6, há a introdução de um novo referente, “seu tio”, que,

embora não esteja ancorado em nenhum referente anterior, tem associação com

elementos já presentes no contexto sociocognitivo dos interlocutores.

1

2

3

4

5

6

7

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

47

2.b) Recategorização dos referentes – desfocalização/desativação

No parágrafo 5 há uma desfocalização dos referentes iniciais “filha”,

“viajou para Londres” e “seu pai e seu irmão” para, conforme a proposta da

sequência didática, dar notícias de quem ficou no Brasil:

“Aqui em Guarulhos tem chovido bastante e o frio continua intenso.

Nas férias de julho vamos para Rio Claro.”

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e sumarização

Os referentes “Aqui em Guarulhos, “férias de julho” e “vamos para Rio

Claro” são encapsulados pela expressão:

“Vai ser tudo tão estranho sem você!” (par. 5)

No parágrafo 6, ocorre outro encapsulamento a partir da introdução de um

novo referente, “seu tio”:

“Seu tio pretende passar o mês de janeiro com você, se tudo correr

bem.”

2.a) Recategorização dos referentes – reconstrução/reativação

No parágrafo 6, a autora reativa o referente inicial “filha”, trazendo

novamente para o foco a viagem para Londres:

“Cuide-se bem, proteja-se do calor”

“veja bem com quem vai andar”

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

48

Texto 4 – Aluna R.

Guarulhos, 20 de agosto de 2014.

Querido irmão, espero que todos estejam bem de saúde já faz muito

tempo que nós não nos vemos, estou com saudades dos meus

sobrinhos. Nesse feriado o tio Valdomiro me levou na casa do pai,

precisa ver como está bonito a plantação esse ano plantou feijão, milho,

mandioca, cana e a horta que beleza. Fiquei muito feliz de passar o

feriado lá. Nós ficamos lembrando quando nossos filhos eram pequenos

e que todas as férias passavam com o avô.

Rimos muito quando lembrou dos apelidos dado por ele nas crianças.

Da Karina era meio kilo, da Maria Fernanda era um kilo, da Helen era

teteia e o Rafael perna seca. Histórias antigas que só ele lembra.

Ficamos horas e horas debaixo daquela árvore grande que tem uma

mesa que ele fez de cimento. Tomamos café, fiz um bolo de milho, olhei

para aquele cabelinho branco, os olhos azul, nossa quanta saudades eu

senti quando nós éramos crianças.

Bom, meu irmão só queria passar pra você a saudades que eu sinto da

nossa infância. Aqui em casa todos nós estamos bem, graças a Deus.

Precisamos nos ver e marcar de ir visitar o pai. Fica com Deus. Beijos

em todos e abraços. Aguardo resposta.

R.

1.a) Introdução de referentes – ativação não-ancorada

No parágrafo 1, há a introdução do referente novo, “Querido irmão”, em

torno do qual a autora fará reminiscências da infância dos filhos e sobrinhos, pais

e tios.

Ainda em 1, a autora introduz um novo referente:

“Nesse feriado o tio Valdomiro me levou na casa do pai”

A partir desse referente não-ancorado, parte-se para uma recategorização

dos referentes por meio da desativação dos objetos de discursos anteriores,

“querido irmão” e “sobrinhos”, deixando-os em stand-by, e passa-se a seguir a

proposta da sequência didática da produção das cartas (contar as novidades).

1

2

3

4

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

49

Para tanto, a autora lança mão das estratégias de ativação de referentes

presentes no contexto sociocognitivo de seu interlocutor, transformando as

novidades a serem contadas em objetos de discurso ancorados na memória de

ambos:

“Nesse feriado o tio Valdomiro me levou na casa do pai,”

“Fiquei muito feliz de passar o feriado lá. Nós ficamos lembrando

quando nossos filhos eram pequenos e que todas as férias passavam

com o avô.”

1.b) Introdução de referentes – ativação ancorada

No parágrafo 2, surgem novos referentes ancorados na memória que os

interlocutores têm do avô, da própria infância e da infância dos filhos:

“Rimos muito quando lembrou dos apelidos dado por ele nas crianças.

“Histórias antigas que só ele lembra.”

“Ficamos horas e horas debaixo daquela árvore grande que tem uma

mesa que ele fez de cimento.”

“quanta saudades eu senti quando nós éramos crianças.”

2.b) Recategorização dos referentes – desfocalização/desativação

No parágrafo 3, a autora recategoriza os referentes por meio da

desfocalização momentânea das reminiscências da infância e do feriado, para

dar notícias de sua própria família:

“Aqui em casa todos nós estamos bem, graças a Deus.”

E no parágrafo 4 reativa o referente anteriormente mencionado e em torno

do qual gira todo o texto, “o pai”, colocando-o em foco novamente:

“Precisamos nos ver e marcar de ir visitar o pai.”

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e rotulação

O referente “saudades dos meus sobrinhos.” traz implícita a ideia de que

o irmão tem filhos e que o referente anterior “todos” encapsula e rotula esses e

outros membros da família que está distante. (par. 1)

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

50

Ainda no parágrafo 1, a aluna R. introduz um novo referente, “a

plantação”, que encapsula e rotula os demais objetos de discurso que se seguem

associados ao novo referente, “feijão”, “milho”, “mandioca”, “cana” e “horta”:

“precisa ver como está bonito a plantação esse ano plantou feijão,

milho, mandioca, cana e a horta que beleza.”

Texto 5 – Aluna N.

Guarulhos, 20 de agosto de 2014.

Saudação querida irmã

C., em primeiro lugar desejo muita saúde e felicidade graças ao nosso

bom Deus nós aqui até este momento ficamos todos com saúde.

Eu estou escrevendo para convidar para minha formatura que vai ser no

meis de dezembro. Não sei o dia mais depois eu aviso. Depois de 61

anos estou escrevendo uma carta pela primeira veis e você está sendo

a premiada para ler a carta. Eu estou muito felis graças a escola da eija

[EJA] e os professores tem muita paciência com nosco e a gente acaba

aprendendo. A prova é esta carta.

Descupe pelos erros. Por hoje é só. Fique com Deus. Aguardo a sua

resposta. Beijo da sua irmã.

N.

1.a) Introdução de referentes – ativação não-ancorada

O novo objeto de discurso introduzido pela aluna N. é o próprio vocativo,

“Querida irmã”.

1.b) Introdução de referentes – ativação ancorada

Ancorados nesse novo referente, são introduzidos os novos objetos de

discurso por associação:

“C., em primeiro lugar desejo muita saúde e felicidade” (par. 2), em

que “C.” é o nome da irmã.

1

2

3

4

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

51

1.a) Introdução de novos referentes – não-ancorada

Feita a saudação inicial, nos moldes do conhecimento tipo frame presente

na memória discursiva da autora, por meio dos objetos de discurso que

expressam seus desejos:

“C., em primeiro lugar desejo muita saúde e felicidade”

No parágrafo 3 ela passa a dizer o motivo de estar escrevendo a carta:

convidar a irmã para sua formatura.

“Eu estou escrevendo para convidar para minha formatura que vai

ser no meis de dezembro. Não sei o dia mais depois eu aviso.”

Dizemos que essa é uma ativação não-ancorada porque até esse

momento não há nenhuma menção no co-texto que indique que a autora está

estudando.

Essa ativação não-ancorada produz novos objetos de discurso a serem

partilhados pela interlocutora, como, por exemplo, “formatura”, “meis de

dezembro”.

1.b) Introdução de novos referentes – ancorada

No mesmo parágrafo 3, a aluna N. introduz novos objetos de discurso

ancorados no referente inicial “irmã” para lhe informar que demorou 61 anos para

a escrever uma carta pela primeira vez. Fica explícito aqui qual o seu projeto de

dizer:

“Depois de 61 anos estou escrevendo uma carta pela primeira veis”

O esclarecimento dessa sentença está logo em seguida, com a introdução

de novos objetos de discurso, “escola da eija”, “professores”, “aprendendo”,

ancorados no referente “formatura”:

“Eu estou muito felis graças a escola da eija [EJA] e os professores tem muita paciência com nosco e a gente acaba aprendendo.

A introdução da última frase: “A prova é esta carta.” encapsula o que foi

dito anteriormente: “os professores tem muita paciência com nosco e a gente

acaba aprendendo”. A carta é uma “prova” do aprendizado.

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

52

2.c) Recategorização de referentes – encapsulamento e rotulação

A autora utiliza a expressão “premiada” para rotular o referente inicial

“irmã”:

“e você está sendo a premiada para ler a carta.”

Os implícitos presentes no referente “premiada”, por meio da análise dos

objetos de discurso construídos pela aluna, denotam o desejo da autora em

comunicar à irmã sua mais nova conquista: aprendeu a escrever uma carta.

Texto 6 – Aluno L.

Guarulhos, 20 de agosto de 2014.

Querido irmão

Tudo bem? Venho por meio desta te fazer saber o quanto estou saudoso,

pois faz bem um ano que não nos vemos, assim sendo, precisamos por

o nosso papo em dia. Diga-me como vai a L. e as crianças, vão bem? E

o R. já sarou da bronquite? Espero que estejam todos com saúde.

Mano, quero saber como está o sítio este ano, você plantou o morango

na parte baixa? E a videira você podou na data certa? Você bem sabe

que se podar fora de época elas ficam mirradas.

Agora quero te contar um pouco de mim, estou com saúde, a R. está

bem e acabou de nascer mais uma netinha a filha da V. com o L. F. o

nome dela é I., a primeira neta fêmea da família, nasceu com quatro

quilos e cem gramas.

Meu irmão vê se escreve e nos dar notícias suas pois fico apreensivo

com seu silêncio. Fico por aqui, eu e a R. estamos enviando abraços

para todos e um especial para você. Até mais querido.

Sem mais.

L.

1.a) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada

O texto se inicia com a introdução do novo objeto de discurso não-

ancorado e que passa a preencher um nódulo central no texto: “Querido irmão”.

1

2

3

4

5

6

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

53

No parágrafo 2, novos objetos de discurso são introduzidos, ainda de

maneira não-ancorada, pois não há referência anterior a eles no co-texto, como

o caso de “L.”, “as crianças” e “R.”

“Diga-me como vai a L. e as crianças, vão bem? E o R. já sarou da

bronquite?”

Embora não-ancorados no co-texto, esses novos objetos de discurso

trazem implícita a ideia de família, ou familiares, que é partilhada pelos

interlocutores. Assim, os novos referentes estão associados ao contexto

sociocognitivo dos interlocutores e passam a ser, portanto, ancorados.

2.a) Recategorização dos referentes – Reconstrução/reativação

Em (3), o autor introduz novos referentes não-ancorados no co-texto,

como “sítio”:

“Mano, quero saber como está o sítio este ano”

A partir da introdução desse novo referente, há uma recategorização por

meio da introdução de novos objetos de discurso, “morango” e “videira”, que se

associam de maneira ancorada ao referente “sítio”:

“você plantou o morango na parte baixa? E a videira você podou na

data certa?”

Em seguida, o aluno L. introduz novos referentes, desta vez ancorados ao

referente “videira”, de maneira implícita, pois não são mencionadas “uvas”, mas

a adjetivação “mirradas” está ancorada no contexto sociocognitivo dos

interlocutores:

“Você bem sabe que se podar fora de época elas [as uvas] ficam

mirradas.”

2.b) Recategorização referentes – desfocalização/desativação

No parágrafo 4, há uma desfocalização visível dos referentes até então

tratados e a introdução de novos referentes:

“Agora quero te contar um pouco de mim.”

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

54

A partir daí, dá-se a introdução dos novos objetos de discurso que

pretendem preencher o nódulo anunciado “contar um pouco de mim”. Embora

não-ancorados no co-texto, observa-se que, da mesma forma como acontece

em (1), esses novos referentes estão associados a elementos presentes no

contexto sociocognitivo dos interlocutores, que partilham conhecimentos:

“estou com saúde”

“a R. está bem”

“acabou de nascer mais uma netinha”

“filha da V. com o L. F.”

“o nome dela é I.”

“a primeira neta fêmea da família”

Observa-se que sobre o autor mesmo há apenas uma informação: “estou

com saúde”. As demais são objetos de discurso que expressam o seu projeto de

dizer, ou seja, “contar um pouco sobre mim” implica contar sobre minha família.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

55

Texto 7 – Aluna C.

Guarulhos, 20 de agosto de 2014.

Meu querido pai,

Escrevo-lhe esta, para contar-lhe sobre todos esses anos. Desde que

tudo aconteceu, muita coisa mudou, inclusive eu. Perdoe se pareço forte

demais, se troco lágrimas por sorrisos, ou prefiro me perder entre fatos,

do que olhar pra trás e pensar com saudades.

Lhe amo! Mas a vida segue seu curso e no final, as pontas da linha se

encontram.

A mãe mesmo no começo foi forte o bastante, e quando fraquejava, eu

estava lá para ajuda-la. Ela me educou, me ensinou a ser forte e como

ela, aprendi a ser mulher. E são pra ela todos os méritos, não quero lhe

ofender, apenas lhe mostrar com orgulho a guerreira que me criou!

Ao decorrer dos anos tive meus namorados, casei, tive 3 filhos...Por

favor, não fique bravo!

3 lindas criaturas, por sinal muito amadas...São fortes, mas amáveis,

sorriem mesmo falando sério, carinhosos porém práticos.

Ha, meu pai! Nossa família está linda!

Minhas irmãs seguiram o curso das coisas e também constituíram

família. A vó, o tio e o vô reformam a casa, viajam e lógico, pelas

cervejas do vô na padaria, ainda existem algumas brigas.

Nada de tão grave aconteceu para que eu precise contar-lhe, estamos

todos bem, eu, mesmo que não diga, fale ou pense muito, ainda penso

em ti de vez em quando, não com saudade, mas quis lhe dizer!

A mãe, mesmo casada, ainda sente sua falta, ela não fala, pois se cobra

a postura que exige de mim, aquele aço!

Vemos fotos, contamos histórias, mostramos pros seus netos quem foi

o vô deles.

Finalizo dizendo mais uma vez, te amo, aliás, nós te amamos.

Até o começo da vida eterna!

Beijos, forte abraço.

C.

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

56

1.a) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada

2.c) Recategorização de referentes – encapsulamento e rotulação

A introdução do novo referente “Meu querido pai” preenche o nódulo

principal deste texto. A partir dele, outros objetos de discurso são introduzidos

de forma não-ancorada no co-texto, mas que certamente são ancorados no

contexto sociocognitivo dos interlocutores. A aluna, por meio de

encapsulamentos, introduz novos objetos de discurso que explicitam seu projeto

de dizer:

“Escrevo-lhe esta, para contar-lhe sobre todos esses anos. Desde que

tudo aconteceu, muita coisa mudou, inclusive eu.” (par. 2)

Assim, os referentes “todos esses anos”, “tudo aconteceu” e “muita coisa

mudou” são encapsuladores de informações implícitas no co-texto, presentes na

memória discursiva da aluna C.

1.b) Introdução de novos referentes – ativação ancorada

No parágrafo 4, a aluna introduz o novo referente “mãe”, ancorado no

referente inicial “pai”. A partir daí, passa a introduzir novos objetos de discurso

ancorados no contexto sociocognitivo dos interlocutores e também no co-texto,

pois em (2), ela já anuncia que vai “contar-lhe sobre todos esses anos”.

A primeira notícia a dar é sobre a mãe:

“A mãe mesmo no começo foi forte o bastante”

“Ela me educou, me ensinou a ser forte e como ela, aprendi a ser

mulher.

“E são pra ela todos os méritos”

“apenas lhe mostrar com orgulho a guerreira que me criou!”

O mesmo acontece no parágrafo 10:

“A mãe, mesmo casada, ainda sente sua falta, ela não fala, pois se

cobra a postura que exige de mim, aquele aço!

Os vários objetos de discurso associados à mãe servem de

encapsuladores e rotuladores, destacando suas qualidades: “forte”, “me

educou”, “me ensinou a ser forte”, “mulher”, “guerreira” e “aço”. Está implícita a

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

57

admiração da filha pela mãe a partir das escolhas dos objetos de discurso para

o seu projeto de dizer.

2.b) Recategorização dos referentes – desfocalização/desativação

Em (5) e (6), temos uma desativação do referente “mãe”, deixando-o em

stand-by para reativá-lo posteriormente em (10), e a introdução de um novo

referente: a própria autora e seus filhos.

“Ao decorrer dos anos tive meus namorados, casei, tive 3 filhos...

“3 lindas criaturas, por sinal muito amadas...São fortes, mas amáveis,

sorriem mesmo falando sério, carinhosos porém práticos.”

“Ha, meu pai! Nossa família está linda!”

Em (8) ocorre nova desfocalização e a introdução de novos referentes:

“Minhas irmãs seguiram o curso das coisas e também constituíram

família. A vó, o tio e o vô reformam a casa, viajam e lógico, pelas

cervejas do vô na padaria, ainda existem algumas brigas.

2.a) Recategorização de referentes – reconstrução/reativação

2.c) Recategorização de referentes – encapsulamento/rotulação

Em (10), o referente “mãe” é trazido para o foco novamente e

recategorizado por meio de um rótulo: “aquele aço!”, como se observa em:

“A mãe, mesmo casada, ainda sente sua falta, ela não fala, pois se

cobra a postura que exige de mim, aquele aço!

1.a) e 1.b) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada e ancorada

Como já foi dito anteriormente, as anáforas indiretas são extremamente

complexas e o objetivo neste estudo é analisar principalmente os implícitos que

se estabelecem no texto a partir desse mecanismo de referenciação.

Assim, nos chama a atenção um referente implícito, silencioso, que é

tratado no texto por meio da adoção de objetos de discurso presentes no

contexto sociocognitivo dos interlocutores, mas não associados lexicalmente a

nenhum elemento previamente dado no co-texto.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

58

A princípio, parece tratar-se apenas de um pai que está distante, pois os

referentes “saudades” e “lágrimas” poderiam estar associados à distância, à falta

de comunicação etc. As referências à ausência do pai no texto se dão por meio

dos objetos de discurso em destaque:

“Perdoe se pareço forte demais, se troco lágrimas por sorrisos, ou

prefiro me perder entre fatos, do que olhar pra trás e pensar com

saudades.” (par. 2)

“Lhe amo! Mas a vida segue seu curso e no final, as pontas da linha

se encontram.” (par. 3)

“eu, mesmo que não diga, fale ou pense muito, ainda penso em ti de

vez em quando, não com saudade, mas quis lhe dizer!” (par. 9)

Somente ao final do texto é que se confirma que a ausência paterna é

definitiva, por meio dos seguintes referentes:

“Vemos fotos, contamos histórias, mostramos pros seus netos quem

foi o vô deles.” (par. 11)

“Até o começo da vida eterna!” (par. 13)

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

59

3.3.2 Cartas para amigos(as)

Texto 1 – Aluna G.

Querida T.,

Não acredito que se faz oito meses que não nos vemos! Anda

acontecendo tantas coisas, eu estava trabalhando num salão de

cabeleireiro, estava indo super bem, aí eu pedi pra auxiliar cortar só as

pontas do meu cabelinho, ela vai e me corta quase o cabelo inteiro! Eu

fiquei transtornada e disse pra ela, “se fosse alguma cliente nunca mais

voltaria; pedi pra você cortar as pontinhas”, ela achou ruim e no outro

dia quando voltei para trabalhar fui demitida, meu patrão disse que fui

demitida porque fiz escândalo, mas depois eu descobri que ela era

amante dele, mas tudo bem, aqui se faz, aqui se paga!

Lembra daquela banda que tinha?! Então, não tenho mais, a galera não

queria nada com nada, era tudo eu que tinha que fazer os acordes, os

ritmos, as letras, então resolvi montar outra.

Também conheci um garoto que é tão parecido comigo e ao mesmo

tempo tão diferente, o nome dele é G., ele é bem legal e muito fofinho,

mas às vezes me dá vontade de esganá-lo. Quando você aparecer por

aqui te apresento, sabe como é difícil eu gostar de alguém...

Mas e você? Como está sua vida, o que anda acontecendo por aí? E

aquele garoto do signo de touro que você gostava, ainda gosta? Eu

continuo não indo com a fuça dele. E como está esse calor de Salvador?!

Acho que eu não duraria uma semana aí, detesto calor!

Sabe, T., sinto muitas saudades das nossas conversas, das nossas

risadas, das nossas brigas, às vezes me bate uma nostalgia da nossa

infância sem preocupações, muitas travessuras, como naquele dia que

jogamos uma lagarta no tio C. e ele correu tanto que acho que

emagreceu dois quilos. Ainda tenho aquela pulseira de caveirinha que

você me deu (risos). Enfim, estou ansiosa para te ver de novo! Venha o

mais rápido que conseguir, câmbio desligo (risos).

De sua Sister G.

PS: Ainda coloco adoçante na boca do tio S. quando ele está dormindo

bêbado.

1

2

3

4

5

6

7

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

60

1.a) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada

Ativação não-ancorada do referente “Querida T.”, que passa a preencher

o nódulo principal de todo o texto, sendo desativado e reativado, e origina

ativações ancoradas, como veremos a seguir.

1.b) Introdução de novos referentes – ativação ancorada

A partir de (2), a aluna G. fará a introdução de novos referentes no texto

a partir dos seguintes objetos de discurso:

“Anda acontecendo tantas coisas”

Os referentes “tantas coisas” encapsulam os novos referentes que serão

introduzidos de maneira ancorada com o objetivo expressar o projeto de dizer da

autora, que é contar as novidades para a amiga, como se observa em:

“eu estava trabalhando num salão de cabeleireiro, estava indo super

bem”

“pedi pra auxiliar cortar só as pontas do meu cabelinho, ela vai e me

corta quase o cabelo inteiro!”

“Eu fiquei transtornada”

“ela achou ruim e no outro dia quando voltei para trabalhar fui

demitida”

“meu patrão disse que fui demitida porque fiz escândalo”

1.a) e b) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada/ancorada

Em (3), a autora introduz um novo referente, não-ancorado no co-texto,

mas ancorado no contexto sociocognitivo das interlocutoras, “banda:

“Lembra daquela banda que tinha?!”

A partir desse novo referente, são construídos e introduzidos novos

objetos de discurso a ele ancorados, como é o caso de “galera”, “acordes”,

“ritmos”, “letras”:

“Então, não tenho mais, a galera não queria nada com nada, era tudo

eu que tinha que fazer os acordes, os ritmos, as letras, então resolvi

montar outra.”

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

61

O mesmo acontece em (4), com a introdução de novo referente “um

garoto”, não-ancorado no co-texto, a partir do qual são construídos novos objetos

de discurso ancorados no contexto sociocognitivo das interlocutoras:

“Também conheci um garoto” (ativação não-ancorada)

“tão parecido comigo e ao mesmo tempo tão diferente” (ativação

ancorada em “garoto”)

“o nome dele é G.” (ativação ancorada)

“ele é bem legal e muito fofinho” (ativação ancorada)

“às vezes me dá vontade de esganá-lo.” (ativação ancorada)

“Quando você aparecer por aqui te apresento, sabe como é difícil eu

gostar de alguém...” (ativação ancorada no conhecimento partilhado

das interlocutoras)

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e rotulação

Em (3), o referente “tudo” serve de rotulador para o que vem a seguir,

como se observa a seguir:

“Então, não tenho mais, a galera não queria nada com nada, era tudo

eu que tinha que fazer os acordes, os ritmos, as letras, então resolvi

montar outra.”

2.a) Recategorização dos referentes – desfocalização/desativação

Em (5) temos a desativação dos referentes iniciais, associados à própria

autora, e a ativação de novo referente: “você”.

“Mas e você? Como está sua vida, o que anda acontecendo por aí?”

A partir dessas perguntas, segue-se a introdução de novos objetos de

discurso ancorados no contexto sociocognitivo das interlocutoras:

“E aquele garoto do signo de touro que você gostava, ainda gosta?”

“Eu continuo não indo com a fuça dele.” (ativação ancorada em

“aquele garoto”)

“E como está esse calor de Salvador?! Acho que eu não duraria uma

semana aí, detesto calor!” (ativação de novo referente ancorado no contexto sociocognitivo das interlocutoras)

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

62

2.b) Recategorização dos referentes – reconstrução/reativação

Em (6), temos a reativação do referente inicial “T.”, que volta ao foco do

texto por meio da reintrodução de um nódulo já preenchido, e a introdução de

novos objetos de discurso ancorados na memória discursiva das interlocutoras

e que são responsáveis pela progressão do texto e manutenção do foco:

“Sabe, T., sinto muitas saudades das nossas conversas, das nossas

risadas, das nossas brigas”

“às vezes me bate uma nostalgia da nossa infância sem preocupações, muitas travessuras”

“Ainda tenho aquela pulseira de caveirinha que você me deu (risos).”

“como naquele dia que jogamos uma lagarta no tio C. e ele correu

tanto que acho que emagreceu dois quilos.” (ativação ancorada no

referente “travessuras”)

“PS: Ainda coloco adoçante na boca do tio S. quando ele está dormindo bêbado.” (ativação ancorada no referente “travessuras”)

Texto 2 – Aluna E.

Guarulhos, 21 de maio de 2014.

Saudações

Minha querida amiga S., tudo bem com você?

Comigo tudo! Graças a Deus estou vivendo um novo tempo em minha

vida, bem legal. Voltei a estudar e tem sido muito proveitoso, além de

estudar, conheci novos amigos, os professores são maravilhosos e a

escola é muito boa, tem nos oferecido o melhor que pode. Eu pretendo

terminar os estudos, mesmo sendo cansativo como disse tem sido muito

bom voltar a estudar, tem me feito descobrir tantas coisas que posso

fazer ainda, estou cheia de expectativa. Tem alguns eventos bem legais

pela escola. Já fui ao teatro e vamos ter festa junina. Eu me divirto

muito, temos aulas de Libras que eu adoro e tem na minha classe um

rapaz que é mudo que tenho muita admiração pois acho ele muito

inteligente. O nome dele é A. Tem um senhor que quer namorar, o seu

J., e outros alunos que são uns fofos, e fiz amizade com a Ad. e a Si.,

que temos a mesma idade. Nós ficamos no fundo da classe e é só alegria

nós três... vou finalizar com saudades. Me responde. Beijos

E.

1

2

3

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

63

1.a) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada

No caso desta carta, o vocativo “Minha querida amiga S.” é apenas um

pretexto para a construção do projeto de dizer da autora. Esse referente inicial

só volta a ser ativado ao final do texto: “vou finalizar com saudades. Me

responde.”

A partir de (2), a aluna E. passa a construir novos objetos de discurso para

o seu projeto de dizer, ativados de forma não-ancorada no co-texto, mas de

forma ancorada no contexto sociocognitivo das interlocutoras

O novo referente “Estou vivendo um novo tempo em minha vida” passa a

preencher o nódulo principal de todo o texto e origina ativações ancoradas, como

veremos a seguir.

1. b) Introdução de novos referentes – ativação ancorada

A partir da introdução do referente “um novo tempo em minha vida”, a

autora passa a introduzir novos objetos de discurso que explicitam o seu projeto

de dizer. Assim, ancorados nesse “novo tempo”, temos os seguintes referentes:

“Voltei a estudar e tem sido muito proveitoso”

“além de estudar, conheci novos amigos”

“os professores são maravilhosos”

“a escola é muito boa, tem nos oferecido o melhor que pode.

Em associação ao referente “estudos”, a autora constrói outros objetos de

discurso a ele ancorados:

“Eu pretendo terminar os estudos”

“mesmo sendo cansativo como disse tem sido muito bom voltar a

estudar”

“tem me feito descobrir tantas coisas que posso fazer ainda, estou

cheia de expectativa.”

2.b) Recategorização dos referentes – desfocalização/desativação/reativação

O referente “escola” é recategorizado pela autora, que desativa

temporariamente o referente “estudos” e passa a construir outros objetos de

discurso ancorados em “eventos”:

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

64

“Tem alguns eventos bem legais pela escola.”

“Já fui ao teatro e vamos ter festa junina. Eu me divirto muito” (ativação ancorada em “eventos”)

“temos aulas de Libras que eu adoro” (ativação ancorada em “escola”)

Os referentes seguintes são ancorados lexicalmente em “escola” e “sala

de aula”:

“tem na minha classe um rapaz que é mudo [surdo] que tenho muita

admiração pois acho ele muito inteligente. O nome dele é A.

“Tem um senhor que quer namorar, o seu J.”

“e outros alunos que são uns fofos, e fiz amizade com a Ad. e a Si., que temos a mesma idade.”

A carta da aluna E. mostra, pela escolha de seus objetos de discurso, a

necessidade de contar à amiga tudo o que envolve esse “novo tempo” em sua

vida, por meio de referentes associados lexicalmente ao retorno à escola.

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

65

3.3.3 Cartas de amor

Texto 1 – Aluno W.

Para L.,

Amor, primeiramente quero te dizer que eu te amo muito e que estou

morrendo de saudades. Quero te da uma boa notícia, em junho estarei

aí para te vê, te abraçar, te amar e matar as saudades, pois tá muito

difícil para mim aqui longe de você, dos seus braços, da sua boca e dos

seus carinhos. Quero te dizer que eu nunca amei outra pessoa como eu

te amo e minha vida sem você não tem sentido. Você foi a primeira e

será a última com quem eu mim apaixonei. Você é meu vício, minha

base, minha essência, meu destino. Você é meu presente e meu futuro.

Te amar foi melhor coisa que o meu coração decidiu e hoje eu sou

dependente desse teu amor. Eu não consigo viver sem você mais, você

faz parte de mim e eu de você.

Lembra daquela história de 2 filhos e um cachorro, um filme bom e um

frio de agosto. Então, eu topo sim, meu amor, por você eu faço tudo.

Não coloquei data pra não ser passado...

W.

PS: Você é a razão para que eu possa viver hoje. Te amo te amo te amo

1.a) e b) Introdução de novos referentes – ativação não-ancorada/ancorada

Ao destinar sua carta “Para L.”, o aluno W. introduz o primeiro referente

não-ancorado no co-texto e que passa a preencher um nódulo principal no texto.

Em seguida, todos os objetos de discurso são construídos de forma

ancorada em L., como acontece em (2):

“Amor, primeiramente quero te dizer que eu te amo muito e que estou

morrendo de saudades.”

2.b) Recategorização dos referentes – desfocalização/desativação

Em (2), o referente “amor” passa a substituir o nome L., que não volta a

ser mencionado no texto, havendo, portanto, uma recategorização do referente

inicial por meio da desfocalização do nome L.

1

2

3

4

5

6

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

66

1.b) Introdução de novos referentes – ativação ancorada

Ainda em (2), o autor introduz um novo referente: “Quero te da uma boa

notícia” a partir do qual são construídos novos objetos de discurso ancorados

em “boa notícia” que expressam o projeto de dizer do aluno W.:

“em junho estarei aí para te vê, te abraçar, te amar e matar as

saudades, pois tá muito difícil para mim aqui longe de você, dos seus

braços, da sua boca e dos seus carinhos.”

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e rotulação

O autor segue, em (2), construindo objetos de discurso para declarar seu

amor, por meio de expressões que encapsulam e rotulam a pessoa amada.

Assim, para o novo referente “você”, ancorado em “L.” e “amor”, ditos

anteriormente, temos:

“Você foi a primeira e será a última com quem eu mim apaixonei.”

“Você é meu vício, minha base, minha essência, meu destino.”

“Você é meu presente e meu futuro.”

“PS: Você é a razão para que eu possa viver hoje. Te amo te amo te

amo”

Esses nomes encapsuladores garantem a progressão do texto, por meio

da construção de novos objetos de discurso, como se vê em (3):

“Te amar foi a melhor coisa que o meu coração decidiu”

“você faz parte de mim e eu de você.”

1.b) Introdução de novos referentes – ativação ancorada

Em (4), observa-se a construção de novos objetos de discurso, ancorados

na memória dos interlocutores e em seu contexto sociocognitivo, embora não

haja associação com elementos textuais:

“Lembra daquela história de 2 filhos e um cachorro, um filme bom e

um frio de agosto.”

Os novos referentes “2 filhos e um cachorro, um filme bom e um frio de

agosto” estão ancorados no referente “daquela história”, que, por sua vez está

ancorado apenas no contexto sociocognitivo dos interlocutores, por ser de

conhecimento compartilhado entre eles.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

67

Na conclusão, o autor reativa o referente inicial “meu amor” para construir

novos objetos de discurso que expressam o seu projeto de dizer por meio de um

encapsulamento: “por você eu faço tudo”.

“Então, eu topo sim, meu amor, por você eu faço tudo.”

Para esse autor, o fato de datar a carta colocaria seu amor, seus

desejos e promessas no passado. Por isso, em (5), por meio do referente “Não

coloquei data pra não ser passado...” ele retoma o que foi dito no final do

parágrafo 2: “Você é meu presente e meu futuro.”

Texto 2 – Aluna S.

Meu amor,

Espero que leia esta carta com todo amor e carinho, pois é com esse

sentimento que te escrevo esta carta. Não achei as palavras certas para

falar que sinto por você, aliais já disse tantas vezes “eu ti amo” que

quero dizer algo diferente, assim espero que seja melho[r].

Tantas noites em claro passo para dizer o quanto você é importante para

mim ou apenas relembro nossos momentos. Cada toque, cada palavra,

cada sorriso. Não quero que momento como esse se acabassem. Cada

sorriso indicando nossa cumplicidade faz de mim a pessoa mais feliz do

mundo, aqueles toques fazem de mim uma Julieta a espera de meu

Romeu.

Estou aqui para dizer o quanto você é especial, independente de tudo,

dos nossos problemas e discussões, quero que seja águas passadas para

podemos nos amar sem parar como se cada dia fosse o ultimo.

Amo-te loucamente. Amo-te porque és meu.

Beijos de quem te ama muito. De seu amor.

S.

1.a) Introdução de referentes – ativação não-ancorada

O primeiro referente introduzido por meio de uma ativação não-ancorada

é “Meu amor”. Como ocorreu em outras cartas, esse objeto de discurso preenche

o nódulo principal do texto e será o foco para a construção do projeto de dizer

da autora.

1

2

3

4

5

6

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

68

1.b) Introdução de referentes – ativação ancorada

Em (2) surge um novo referente:

“Espero que leia esta carta com todo amor e carinho”

Os referentes “todo amor e carinho”, por sua vez, são encapsulados na

expressão “esse sentimento”, que vem a seguir:

“pois é com esse sentimento que te escrevo esta carta”

Ainda em (2), a autora propõe uma mudança no modo de declarar seu

amor e constrói novos objetos de discurso a partir do referente “tantas vezes”:

“já disse tantas vezes “eu ti amo” que quero dizer algo diferente

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e rotulação

É a partir de (3) que a autora passa a reconstruir o referente “quero dizer

algo diferente”, por meio das expressões nominais que encapsulam e rotulam o

que viria a ser “diferente” de dizer “eu ti amo”:

“Tantas noites em claro passo para dizer o quanto você é importante

para mim”

“Estou aqui para dizer o quanto você é especial”

Ainda em (3), a autora constrói nos objetos de discurso para resgatar suas

memórias amorosas, por meio do referente “nossos momentos”:

“apenas relembro nossos momentos.”

Esses “momentos” são descritos a partir da construção dos novos objetos

de discurso rotuladores, “toque”, “palavra”, “sorriso”, “cumplicidade”, como se

observa abaixo:

“Cada toque, cada palavra, cada sorriso.”

“Cada sorriso indicando nossa cumplicidade faz de mim a pessoa mais

feliz do mundo”

A autora utiliza ainda a expressão nominal “uma Julieta a espera de meu

Romeu” para encapsular a sensação a partir da memória dos toques do amado,

referenciado anteriormente. A ativação desse novo referente está ancorada na

memória e no contexto sociocognitivo dos interlocutores, muito mais que no co-

texto, pois o conhecimento prévio da história shakespeariana de Romeu e Julieta

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

69

é que possibilitou a construção desses objetos de discurso, desse projeto de

dizer o amor:

“aqueles toques fazem de mim uma Julieta a espera de meu Romeu.”

2.b) Recategorização dos referentes – reconstrução/reativação

Em (4), a aluna S. reativa o referente inicial “Meu amor” por meio de novos

objetos de discurso, como em “você é especial”, e introduz um referente novo

rotulador, “independente de tudo”, que encapsula “problemas e discussões” e

“águas passadas”, como se observa a seguir:

“Estou aqui para dizer o quanto você é especial, independente de

tudo, dos nossos problemas e discussões, quero que seja águas

passadas para podemos nos amar sem parar como se cada dia fosse o ultimo.”

Texto 3 – Aluna F.

Meu grande amor,

Todas as noites sento em minha cama e as lágrimas em meu rosto caem

simplesmente porque sinto muito sua falta.

Lembro dos momentos que passamos juntos, nossos carinhos, nossos

momentos de brigas, tudo me faz falta, e até seus olhos olhando para o

meu sem precisar dizer nada, o quanto nos gostamos.

As vezes acho que você é minha alma gêmea, por me completar em

tudo.

Mas nós dois quando estamos juntos brigamos tanto, somos tão

diferentes um do outro, pensamos de forma diferente, sem saber que

na verdade nós amamos. Sei que o tempo irá passar, você irá conhecer

novas pessoas, mas nunca irá ser a pessoa mais importante na vida de

ninguém porque você é e sempre será a mais querida e a mais amada

da minha vida.

Seja feliz porque eu vou tentar ser, já sei que será impossível porque

não tenho você ao meu lado. Não sei quando voltarás para mim, mas

lembre-se você sempre será o meu grande Amor

F.

1

2

3

4

5

6

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

70

1.a) Introdução de referentes – ativação não-ancorada

Em (1), temos a introdução do referente novo, “Meu grande amor”, que

preenche o nódulo principal do texto.

1.b) Introdução de referentes – ativação ancorada

Novos objetos de discurso são introduzidos em (2) para expressar o

implícito “saudade”: “todas as noites”, “cama”, “lágrimas”. Esses referentes

associam-se ao referente “sua falta” para expressar esse sentimento.

“Todas as noites sento em minha cama e as lágrimas em meu rosto

caem simplesmente porque sinto muito sua falta.”

2.b) e c) Recategorização de referentes – desfocalização/desativação e

encapsulamento e rotulação

Em (3), temos um novo objeto de discurso introduzido, “momentos”:

“Lembro dos momentos que passamos juntos”

A partir dessa lembrança, a autora constrói novos objetos de discurso,

que são encapsulados na expressão “tudo me faz falta”:

“nossos carinhos, nossos momentos de brigas”

“até seus olhos olhando para o meu sem precisar dizer nada, o quanto

nos gostamos.”

2.a) Recategorização dos referentes – reconstrução/reativação

Em (4), o referente inicial “Meu grande amor” é reativado, voltando a

preencher o nódulo principal, e recategorizado como “alma gêmea”:

“você é minha alma gêmea”

2.b) Recategorização de referentes – desfocalização/desativação

Em (5), há uma desativação dos objetos de discurso até então construídos

para referirem-se a momentos felizes e novos objetos de discurso passam a

ocupar o nódulo principal, deixando as lembranças amorosas em stand-by, como

se observa em:

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

71

“Mas nós dois quando estamos juntos brigamos tanto, somos tão

diferentes um do outro, pensamos de forma diferente”

Se até este momento, os objetos de discurso foram construídos para

descrever um passado amoroso, a partir desse momento, a aluna F. constrói

novos objetos de discurso para o seu projeto de dizer associados, por meio do

contexto sociocognitivo dos interlocutores, ao futuro.

“Sei que o tempo irá passar, você irá conhecer novas pessoas, mas

nunca irá ser a pessoa mais importante na vida de ninguém porque

você é e sempre será a mais querida e a mais amada da minha vida.”

(par. 5)

Nesse trecho, observa-se ainda uma nova recategorização do referente

inicial “Meu grande amor”, que passa a ser “a [pessoa] mais querida e mais

amada” e é reativado, em (6), voltando a ocupar o nódulo principal: “lembre-se

você sempre será o meu grande Amor”

Texto 4 – Aluno C.E.

Meu amor,

Não sei se devo agradecer ao menino Jesus ou papai Noel, mas ter você

como companheira é o melhor presente que alguém pode receber.

Se é verdade que o tal velhinho de barbas e cabelos brancos só hora

[olha] o sapatinho de quem se comporta bem, eu devo ter sido um anjo

este ano, pois usufruí e me alimentei do seu carinho e do seu amor

imenso.

E é por isso que o meu Natal vai ser muito feliz. Feliz como têm sido

todos os meus dias, porque o meu único pedido, o meu único desejo é

que tudo continue absolutamente como está: com você na minha vida,

preenchendo os meus vazios, aplacando minhas ansiedades, evitando

qualquer dor.

Na verdade, tudo o que me resta a fazer, agora que estamos no Natal e

devemos [celebrar] a chegada de Jesus ao mundo, é agradecer por tudo

o que tenho recebido.

Especialmente o seu amor e atenção!!!

Um beijo do teu amado,

C.E.

1

2

3

4

5

6

7

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

72

1.a) Introdução de referentes – ativação não-ancorada

O referente introduzido em (1) é “Meu amor”, que passa a preencher o

nódulo principal e será desativado e reativado no decorrer do texto, por meio de

pronominalizações (“você”) e nominalizações (“companheira”, “presente”)

1.b) Introdução de referentes – ativação ancorada

A partir de (2), o aluno constrói os objetos de discurso para expressar seu

projeto de dizer baseado no conhecimento do tipo frame sobre o Natal, como se

observa em:

“Não sei se devo agradecer ao menino Jesus ou papai Noel, mas ter

você como companheira é o melhor presente que alguém pode

receber.”

Os referentes “menino Jesus”, “papai Noel” e “presente” são ativações

ancoradas no contexto sociocognitivo dos interlocutores e rotulam o Natal, a

princípio implícito no texto.

2.c) Recategorização dos referentes – encapsulamento e rotulação

Em (3), por meio de expressões nominais, o autor introduz novos

elementos que recategorizam o referente “papai Noel” por meio de objetos de

discurso encapsuladores:

“Se é verdade que o tal velhinho de barbas e cabelos brancos só hora

[olha] o sapatinho de quem se comporta bem, eu devo ter sido um

anjo este ano, pois usufruí e me alimentei do seu carinho e do seu

amor imenso.

Assim, “o tal velhinho de barbas”, que retoma “papai Noel” e “sapatinho”,

que retoma “presente”, são objetos de discurso ancorados não somente no co-

texto, mas também no conhecimento partilhado dos interlocutores.

Finalmente em (4) o implícito “Natal” torna-se explícito, encapsulando

todos os referentes expressos anteriormente:

“E é por isso que o meu Natal vai ser muito feliz.”

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

73

Em (5), há a retomada dos referentes “Natal” e “Jesus” como

encapsuladores de um certo “tempo”, uma época do ano, ideias implícitas,

ancoradas no conhecimento de mundo partilhado e no contexto sociocognitivo

dos interlocutores.

É interessante notar a associação dos objetos de discurso presente,

felicidade e amor, o que dá coerência ao texto, pois todos esses objetos de

discurso estão inter-relacionados em função do querer-dizer do autor. O aluno

constrói os objetos de discurso e cria uma categoria para esse amor: um

presente de Natal.

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

74

Considerações Finais

“(...) Penetra surdamente no reino das palavras (...) Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?”

Carlos Drummond de Andrade

Inicio essas considerações finais com um trecho do poema Procura da

poesia, do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, pois retrata exatamente

o sentimento expresso por meus alunos nas diversas salas de aula pelas quais

passei: ainda não temos a chave para penetrar nesse reino. E, por mais que

contemplemos as palavras, elas se revestem de grande mistério no momento da

escrita.

Na prática docente, um dos maiores dilemas dos alunos é escrever. Como

‘soltar’ as palavras, como colocá-las no papel e, principalmente, como fazer com

que elas tenham significado quando colocadas todas juntas para fazer um

bilhete, uma carta, um e-mail, um texto qualquer. E quando se trata de alunos da

EJA, o dilema se torna uma batalha ferrenha, sem mortos, mas com muitos egos

feridos quando os alunos constatam que lhes falta habilidade para escrever uma

frase, um período, um parágrafo. É muito difícil para o aluno adulto lidar com o

fracasso escolar. Não raro, muitos desistem diante dos primeiros (e grandes)

obstáculos.

A prática excludente praticada pelas escolas ao longo de tantas décadas

gerou um problema de autoestima nos nossos jovens e adultos. O fracasso

escolar é sempre culpa do aluno, ou da família do aluno, ou das condições em

que vive o aluno, mas nunca é responsabilidade da escola, nem dos professores,

muito menos das instituições governamentais. Assim, quando os alunos

retornam aos bancos escolares, na Educação de Jovens e Adultos, ficam sem

saber o que fazer diante de tantas novas perspectivas para o ensino da língua

portuguesa.

Com o tempo, os alunos percebem que a aprendizagem da leitura e da

escrita por meio dos gêneros textuais é possível de ser alcançada e passam a

compreender os textos mais facilmente por meio de sequências didáticas

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

75

interativas, com apoio de materiais multimídia e, principalmente, na prática de

escrita e reescrita.

A atividade que deu origem a esta dissertação aconteceu paralelamente

às aulas do mestrado ministradas na PUC. Pela primeira vez, tomei

conhecimento das teorias sobre inferências e referenciação e, com esse

conhecimento em mente, foi possível ler as cartas pessoais escritas pelos alunos

com outro olhar. Determinar se o texto era coerente ou não, se mantinha uma

progressão ou não, passou a ser uma tarefa muito mais complexa e

esperançosa, pois Mondada & Dubois (1995/2003) haviam mostrado a luz: as

coisas não existem no mundo a priori, mas é como as representamos, de acordo

com nosso querer-dizer, que fazemos com que elas existam. Assim, é mediante

uma série de conhecimentos acumulados durante a vida — nossos

conhecimentos de mundo, enciclopédicos, lexicais, individuais e compartilhados

— que nos expressamos, oralmente ou por escrito, com coerência.

É a partir dos estudos da referenciação que podemos observar a

coerência e a progressão textual por meio do uso das anáforas, por exemplo,

além de outros mecanismos. O fato é que a construção do texto não obedece

mais a fórmulas pré-concebidas. Ao contrário, é a partir dos referentes, ou dos

objetos de discurso, utilizados para representar o projeto de dizer que os textos

terão ou não sentido.

A partir da leitura dos teóricos e das cartas escritas pelos alunos da EJA,

surgiu a pergunta que norteou esta pesquisa: como se constitui o processo de

referenciação na produção escrita dos alunos da EJA? Por ser muito ampla, essa

questão se restringiu à análise da produção escrita de cartas pessoais, pois foi

possível observar que esse era um gênero textual que deixava os alunos

confortáveis, pois já era conhecido da maioria.

Foram apresentados aos alunos os conceitos de textos narrativos e

gêneros textuais. Em seguida, foi exibido o filme Narradores de Javé, a fim de

ilustrar e promover a discussão sobre as formas de contar histórias e a

importância de escrevê-las, e ainda como cada personagem fez suas escolhas

para narrar os acontecimentos. Posteriormente, foram apresentados textos de

diversos gêneros que continham narrativas (músicas, poesias, contos, crônicas

etc.) e os alunos foram solicitados a escreverem um conto em dupla, tendo como

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

76

ponto de partida o parágrafo inicial dado por esta pesquisadora. O passo

seguinte foi a escrita de cartas pessoais.

As orientações gerais estabeleciam que as cartas deveriam conter, além

das características já apresentadas (data, vocativo, assinatura e post scriptum),

a narrativa de um acontecimento (uma novidade, um segredo guardado há

tempos, uma notícia bombástica etc.). O tema era livre e cada aluno escolheu o

destinatário de suas cartas. Algumas são fictícias, outras revelam fatos reais de

suas vidas. O mais importante é que cada um penetrou no seu próprio reino de

palavras para escrever sua carta.

As cartas pessoais produzidas nas aulas de língua portuguesa revelaram-

se riquíssimas para serem analisadas à luz da LT e, principalmente, da

referenciação. Os estudos da Linguística Textual (LT) sobre referenciação

trazem nova luz às análises textuais, pois permitem que os textos sejam lidos e

interpretados a partir dos objetos de discurso escolhidos pelos autores para

representar seu projeto de dizer. Por isso mesmo, a referenciação está na

agenda atual dos estudos da LT e oferece um vasto campo de investigação para

os pesquisadores da língua portuguesa.

A partir das análises das cartas pessoais, foi possível observar que a

ativação e reativação de referentes garantem a progressão textual por meio das

pistas embutidas no texto, capazes de gerar inferências, e contribuem para a

coerência dos textos. Dentre os mecanismos da referenciação, as anáforas

indiretas merecem destaque, pois são imprescindíveis para a construção da teia

do texto, ocupando lugar de destaque na produção e compreensão dos textos

do gênero carta pessoal.

Nas 13 cartas que compõem o corpus desta pesquisa foi possível

observar que os referentes ancorados no contexto sociocognitivo-interacional

dos interlocutores utilizados com mais frequência são aqueles que denotam

conhecimento de mundo e conhecimento compartilhado, e garantem a coerência

dos textos, para muito além das escolhas lexicais, embora essas sejam também

representativas, pois encapsulam e rotulam o que foi dito anteriormente ou que

será dito a seguir. Assim, é possível afirmar que todos os textos apresentam

progressão, são coerentes e apresentam um complexo processo de

referenciação.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

77

Os resultados das análises mostram que os alunos da EJA têm grande

capacidade de escrita, usaram de criatividade para fazer suas representações

de família, de amigos e de amor, e que os referentes, ancorados ou não-

ancorados, foram utilizados de maneira adequada para a compreensão dos

textos, pois garantiram a progressão textual, a coerência e as retomadas lexicais

ou inferenciais, por meio dos encapsulamentos.

Naturalmente, esta pesquisa não tem a intenção de esgotar o tema da

referenciação. Isso seria impossível. Ao contrário, é apenas uma investigação

num mar de possibilidades que se apresentam diariamente nas salas de aula,

em qualquer modalidade de ensino.

A expectativa é que estudos posteriores possam trazer novas descobertas

sobre os processos de referenciação nos textos produzidos em sala de aula e

que os professores de língua portuguesa possam desenvolver um novo olhar ao

avaliar os textos dos alunos, à luz da Linguística Textual, numa perspectiva

sociocognitiva-interacional, considerando os conhecimentos ativados na

produção e na compreensão de textos de diversos gêneros.

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

78

Referências Bibliográficas

ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Revisão técnica João Gomes da Silva Neto, 2. ed. revista e aumentada, São Paulo : Cortez, 2011.

ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. Rio de Janeiro : Record, 2006, 35 ed., p. 24-26.

APERGIS, Jane Gasperini. Anáforas Indiretas em Produções Escritas de Alunos. São Paulo, 2010, 133 fl. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

APOTHELÓZ, Denis. Papel e funcionamento da anáfora na dinâmica textual. 1995. In: In: CAVALCANTE, Monica M., RODRIGUES, Bernadete B., CIULLA, Alena (Orgs.). Referenciação. São Paulo : Contexto, 2003.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo: Paulo Bezerra; prefácio à edição francesa: Tzvetan Todorov. 4 ed., São Paulo : Martins Fontes, 2003, Coleção Biblioteca Universal.

BEAUGRANDE , Robert-Alain. New foundations for a Science of texto and discurse: cognition, communication and freedom of accessto knowledge of society. Norwood, New Jersey. Ablex Publishing Corporation, 1997. Trad. Provisória Profa. Maria Inez Matoso Silveira, UFAL.

CADERNO DE ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA EJA – Língua Portuguesa: etapas complementar e final. BRITTO, Luiz Percival Leme (p. 14) e LOPES, Celi Espasandin (p. 10). Orientações didáticas para EJA. Secretaria Municipal de Educação, São Paulo, 2010. Disponível em: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/BibliPed/Documentos/publicacoes/orienta_port_portal.pdf. Acesso em: 15.nov.2013

CAVALCANTE, Mônica M. e LIMA, Silvana M. C. de (orgs.). Refenciação: teoria e prática. São Paulo : Cortez, 2013.

DIJK, Teun A. van. Cognição, discurso e interação. (Org. e apresentação de Ingedore V. Koch), 7 ed., São Paulo : Contexto, 2013.

____. Discurso e Contexto: uma abordagem sociocognitiva. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo : Contexto, 2012.

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo : Cortez, 1988.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 9. ed., 2004.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 7 ed., São Paulo : Cortez, 2011.

____. Introdução à linguística textual. 2 ed., São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, Coleção Linguagem.

KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda Maria.. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo : Contexto, 2012.

____. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo : Contexto, 2010.

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

79

KRAMER, Sonia. Alfabetização, leitura e escrita: formação de professores em curso. São Paulo : Ática, 2010.

LIMA, Silvana Maria C. e FELTES, Heloisa P de Moraes. A construção de referentes no texto/discurso: um processo de múltiplas âncoras. In: CAVALCANTE, Mônica M. e LIMA, Silvana M. Calixto (Orgs.). Referenciação: teoria e prática. São Paulo : Cortez, 2013, p. 30-58

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10 ed., São Paulo : Cortez, 2010.

____. Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio de Janeiro : Lucerna, 2007.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Do código para a cognição: o processo referencial como atividade criativa. Veredas, revista de estudos linguísticos, Juiz de Fora, MG, vol. 6, n. 1, 2002, p. 43-62.

____. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela Paiva, MACHADO, Anna R. e BEZERRA, Maria A. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro : Lucerna, 2002, p. 19-36.

____. Leitura como processo inferencial num universo cultural-cognitivo. Estudo de leitura / Valdir Heitor Barzotto (org.). Campinas, SP : Mercado das Letras : Associação de leitura do Brasil, 1999.

MONDADA, Lorenza e DUBOIS, Danièle. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos processos de referenciação, 1995. In: CAVALCANTE, Monica M., RODRIGUES, Bernadete B., et. al (Orgs.). Referenciação. São Paulo : Contexto, 2003.

MORATO, Edwiges Maria. A noção de frame no contexto neurolinguístico: o que ela é capaz de explicar. Caderno de Letras da UFF, 2010, p. 93-113.

SCHWARZ-FRIESEL, Monika. Indirect anaphora in text: a cognitive account. In: Anaphors in text: cognitive, formal and applied approaches to anaphoric reference. Edited by Monika Schwarz-Friesel, Manfred Consten and Mareile Knees. Studies in Language Companion Series, v. 86. USA : John Benjamins B.V., 2007.

SECRETARIA MUNICIPAL DE GUARULHOS. Quadro de Saberes Necessários. Proposta curricular para a Rede Municipal de Guarulhos, 2010.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. ver. e atual., São Paulo : Cortez, 2007.

SILVA, Helena Corrêa. Estratégias de referenciação em textos da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. São Paulo, 2012, 109 fl. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Sites Consultados

www.planalto.gov.br www.scielo.br

www.guarulhos.sp.gov.br/educacao www.mec.gov.br

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

ANEXO

CARTAS PESSOAIS

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

CARTAS FAMILIARES

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 1 - ALUNA DE.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais
Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 2 - ALUNA M.

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 3 - ALUNA T.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 4 - ALUNA R.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 5 - ALUNA N.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 6 - ALUNO L.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 7 - ALUNA C.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

CARTAS PARA AMIGOS(AS)

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 1 - ALUNA G.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais
Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 2 - ALUNA E.

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

CARTAS DE AMOR

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 1 - ALUNO W.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 2 - ALUNA S.

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 3 - ALUNA F.

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Soares... · RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo de referenciação na construção de cartas pessoais

TEXTO 4 - ALUNO C.E.