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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP José Wilson Gonçalves Proteção Judicial Efetiva - Uma constante preocupação com o tempo (mas, também, com a qualidade) MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL SÃO PAULO 2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO …© Wilson... · Falência do modelo atual, consequente denegação de justiça e necessidade de re- ... VIII - NOVA AÇÃO MONITÓRIA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

José Wilson Gonçalves

Proteção Judicial Efetiva - Uma constante preocupação com o tempo (mas,

também, com a qualidade)

MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

José Wilson Gonçalves

Proteção Judicial Efetiva - Uma constante preocupação com o tempo (mas,

também, com a qualidade)

MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pon-

tifícia Universidade Católica de São Paulo, como exi-

gência parcial para a obtenção do título de MESTRE

em Direito Processual Civil, sob a orientação do Pro-

fessor Dr. Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim.

SÃO PAULO

2016

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José Wilson Gonçalves

Proteção Judicial Efetiva - Uma constante preocupação com o tempo (mas, também,

com a qualidade)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pon-

tifícia Universidade Católica de São Paulo, como exi-

gência parcial para a obtenção do título de MESTRE

em Direito Processual Civil, sob a orientação do Pro-

fessor Dr. Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim.

Aprovado em: ___ de _______________ de 2016.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos Professores Thereza Celine Diniz de Arruda Alvim, Cassio Scarpinella

Bueno, Luiz Alberto David Araujo e Clarice von Oertzen de Araujo pelos relevantíssimos en-

sinamentos, sem os quais este estudo, por certo, não teria sido concretizado.

Agradeço, especialmente, ao meu Orientador, Professor Doutor Eduardo Pellegrini de

Arruda Alvim, por acreditar nas minhas ideias e pelo apoio que ao longo da jornada me dispo-

nibilizou incansavelmente, sem os quais, igualmente, o estudo não se efetivaria.

Credito-lhes, enfim, consideravelmente a conclusão deste trabalho.

Obrigado!

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RESUMO

A inquietação com o abismo entre a academia e a prática no que atina ao Direito deflagrou a

coragem à elaboração deste trabalho, que traz destaque especial à proibição da proteção judicial

insuficiente, que se dá, principalmente, em face da demora anormal e da baixa qualidade do proces-

so, enquanto serviço público. Por isso, foi intitulado “Proteção judicial efetiva – Uma preocupação

constante com o tempo (mas, também, com a qualidade)”. É essencial que, intransigivelmente, im-

prima-se velocidade adequada ao processo, tomando-se em conta, concretamente, a necessidade do

titular do direito defendido em juízo. Para que esse desiderato – que, aliás, é constitucional – seja

alcançado é imprescindível que se inicie com uma boa lei e que haja boa estrutura judiciária e bons

aplicadores, cuidando-se de trilogia que deve funcionar como uma engrenagem necessariamente

sintonizada. Ademais, o processo não pode ser tido como uma ordem lógica pura, sujeito inflexi-

velmente a fórmulas predeterminadas, mas antes, deve ser praticado de modo sensível à especifici-

dade que democraticamente lhe justifica, prestando-se o serviço particularmente apropriado, sempre

com observância do contraditório útil, prévio ou postergado. Nessa toada, são prestigiados os pro-

cedimentos diferenciados, justamente visando atender à necessidade concreta, especialmente os

procedimentos estatuídos na finalidade de tutelar o direito desde logo, seja visando à mera assegura-

ção seja visando à satisfação, quer em caso de urgência quer em caso de evidência, combatendo-se

as preciosidades científicas ou o formalismo barroco. A ideia central consiste em chamar a atenção

para que o estudo do Direito tenha comprometimento com o resultado prático, não se concebendo

que seja combustível de vaidade intelectual, altamente nefasta.

PALAVRAS CHAVES: acesso à justiça, efetividade, proteção adequada, tutela provisória.

ABSTRACT

The deep concern about the abyss between the academy and the practice in which the Law is

established has encouraged the inception of this work, which gives special emphasis to the prohibi-

tion of insufficient judicial protection, mainly due to abnormal delay and poor quality of the Lawsuit

as a public service. Therefore, it was entitled "Effective judicial protection - A constant concern

about time (but also with quality)." It is essential that, intransigently, an adequate speed is given to

the lawsuit, specifically taking into account the need for the holder of the right defended in court.

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For this constitutional desideratum to be achieved, it is imperative to start with a good law including

a good judicial structure and good applicators. They embody a trilogy which must work as a neces-

sarily tuned gear. In addition, the process can not be regarded as a pure logical order, inflexibly sub-

ject to predetermined formulas, but instead, it must be practiced in a sensitive way to the specificity

which justifies it democratically, rendering the service particularly appropriate, and always observ-

ing the useful contradictory, prior or postponed. In this respect, the differentiated procedures are

honored, precisely aiming to meet the concrete need, especially the procedures established in order

to tutor the right from the outset, either for the sake of assertion or for satisfaction, either in case of

urgency or in case of evidence, fighting against scientific treasures or baroque formalism. The main

idea is to draw attention to the fact that the study of law must be committed to a practical result,

never allowing it to be conceived as a fuel of intellectual vanity, highly harmful.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................

I - EFETIVIDADE: sinônimo de mérito e exigência constitucional...........................

II - TÉCNICAS CONCRETAMENTE ADEQUADAS À ASSEGURAÇÃO OU

REALIZAÇÃO DO DIREITO.......................................................................................

III - DIREITO FUNDAMENTAL DE AÇÃO E INTERESSE PROCESSUAL -

PERSPECTIVA DO INGRESSO DESNECESSÁRIO EM JUÍZO EM DETRI-

MENTO DO INGRESSO NECESSÁRIO - ERRO NA PORTA DE ENTRADA -

CAOS NA PORTA DE SAÍDA - VIOLAÇÃO CONSTITUICIONAL......................

1. Considerações preambulares....................................................................................

2. Habeas data (Art. 5º LXXII da Constituição Federal).............................................

3. Caso do benefício previdenciário (INSS) – um importante passo do Supremo Tri-

bunal Federal.................................................................................................................

4. Caso das “Comissões de Conciliação Prévia” (CLT)...............................................

5. Falência do modelo atual, consequente denegação de justiça e necessidade de re-

formulação da disciplina de ingresso ao Poder Judiciário ou, ao menos, de admissão ao

processo.............................................................................................................................

6. Código de Processo Civil de 1973...........................................................................

7. Novo Código de Processo Civil................................................................................

8. Lei n. 13.188, de 11 de novembro de 2015 - direito de resposta (Art. 5º, V da

CF).....................................................................................................................................

9. Solução judicial e pacificação..................................................................................

10. Considerações finais...............................................................................................

IV - DEVIDO PROCESSO LEGAL..............................................................................

1. Noções gerais............................................................................................................

2. Origem e evolução....................................................................................................

3. Direito natural85 - mero reconhecimento.................................................................

4. Caráter universal – modelo constitucional universal................................................

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5. Constituição da República (1988)............................................................................

6. Sentidos: genérico, material e processual.................................................................

7. Proporcionalidade, razoabilidade e racionalidade....................................................

8. Equidade e igualdade................................................................................................

9. Direito subjetivo de acesso à justiça.........................................................................

10. Direito ao devido processo (processo justo)...........................................................

11. Inafastabilidade e indeclinabilidade.......................................................................

12. Completude ou lacunas...........................................................................................

13. Flexibilização procedimental, adaptabilidade e integração (produção).................

14. Contraditório...........................................................................................................

15. Controle concreto de constitucionalidade...............................................................

16. Segurança jurídica..................................................................................................

17. Direito subjetivo oponível ao modelo legislativo e ao modelo judiciário..............

18. Direito a boas leis...................................................................................................

19. Direito a um sistema judiciário suficientemente aparelhado..................................

20. Direito a bons aplicadores......................................................................................

21. Direito enfim à proteção estatal concreta - com a incidência do princípio da pro-

ibição da proteção judicial insuficiente.............................................................................

V - CONTRADITÓRIO DEMOCRÁTICO (DINÂMICO OU EFETIVO)...............

1. Contraditório: bilateralidade de audiência e garantia de influência e não surpresa.

2. Contraditório prévio inútil, irrelevante ou inviável..................................................

VI - RITMO PROCESSUAL EQUILIBRADO - VELOCIDADE VERSUS SEGU-

RANÇA - EFICIÊNCIA PROCESSUAL.......................................................................

VII - TUTELA PROVISÓRIA - NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NOVO

PROCESSO CIVIL - TÉCNICA APTA À REALIZAÇÃO OU ASSEGURAÇÃO

DE PRONTO DO DIREITO - TOMADA EM CONTA DO TEMPO VITAL OU

BIOGRÁFICO.................................................................................................................

1. Disposições gerais....................................................................................................

2. Tutela de urgência....................................................................................................

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3. Procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente......................

3.1 Caso estável (estabilização).................................................................................

3.2 Aditamento da inicial versus estabilização – um reforço visando à sistematiza-

ção......................................................................................................................................

3.3 Caso estável (estabilização) - Portugal, França e Itália (exemplificativamente).

3.4 Ação de cognição exauriente................................................................................

3.5 Coisa julgada........................................................................................................

3.6 Ação rescisória.....................................................................................................

3.7 Tutela provisória..................................................................................................

4. Procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente..........................

5. Tutela da evidência...................................................................................................

5.1 Título extrajudicial apto à execução.....................................................................

5.2 Prova escrita apta à ação monitória......................................................................

5.3 Mandado de segurança.........................................................................................

5.4 Art. 311: rol exemplificativo................................................................................

5.5 Prova documental equivale à prova documentada...............................................

6. Tutela da evidência na sentença - instrumento hábil a retirar o efeito suspensivo

automático da apelação......................................................................................................

7. Considerações finais.................................................................................................

VIII - NOVA AÇÃO MONITÓRIA (NOVO CPC) - TUTELA DA EVIDÊNCIA...

1. Considerações gerais................................................................................................

2. Operatividade procedimental....................................................................................

3. Prova escrita sem eficácia de título executivo..........................................................

4. Mandado de pagamento e citação.............................................................................

5. Devedor capaz..........................................................................................................

6. Competência.............................................................................................................

7. Honorários advocatícios...........................................................................................

8. Constituição de pleno direito do título executivo judicial se não for cumprida a

ordem judicial nem forem opostos embargos, no prazo de quinze dias, independente-

mente de qualquer formalidade..........................................................................................

9. Embargos monitórios................................................................................................

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10. Resposta aos embargos...........................................................................................

11. Reconvenção...........................................................................................................

12. Ação rescisória e outros meios de impugnação......................................................

13. Litigância de má-fé.................................................................................................

14. Benefício do pagamento parcelado do débito.........................................................

15. Tutela provisória.....................................................................................................

16. Considerações finais...............................................................................................

CONCLUSÃO..................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Na alta modernidade o tempo, mais do que se dava em passado não muito distante,

tornou-se fundamental às pessoas. Hoje em dia a impressão é que o tempo passa mais rapida-

mente, talvez por efeito da velocidade das comunicações, da internet, dos formatos digitais. Por

isso, mais do que antes, fala-se muito em técnicas destinadas à aceleração processual.

A demora normal do processo, democraticamente comprometido com o contraditório

dinâmico e com a amplitude de defesa, hoje é mais sentida do que antes, havendo inquietação,

até mesmo, em relação ao dano inerente a esse tempo normal.

Ademais, esse fenômeno se agrava pela demora anormal, designadamente no Brasil,

mas não exclusivamente. Isto porque países europeus, por exemplo, também padecem desse

mal. A própria França tem tido problemas com relação a essa pauta.

Seja como for, não se pode, civilizadamente, ainda que o indivíduo seja fisicamente

ou influentemente apto a esse tipo de ação, valer-se da própria força para assegurar ou realizar

o direito, mesmo que esse direito seja manifestamente nítido.

Aliás, de partida, o que para um, na sua visão parcial, é nítido, para o outro muito

provavelmente não o é, ao invés disso, pode ser tachado de duvidoso.

Daí que o ordenamento jurídico obriga a pessoa a procurar o Estado sempre que houver

ameaça ou lesão a um direito, exceto quando esse próprio ordenamento permite a autodefesa.

Há situação, por outro lado, que a resolução de um conflito pode se dar por arbitragem,

mas, do mesmo modo, essa resolução depende de autorização estatal. O Supremo Tribunal Fe-

deral, por sua vez, já decidiu pela constitucionalidade dessa autorização, sobretudo porque ar-

bitragem depende da manifestação de vontade dos interessados, maiores e capazes, e desde que

se trate de direito disponível.

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No formato brasileiro - padrão comum ocidental - o uso da própria força visando a

tutelar um direito constitui figura penal (exercício arbitrário das próprias razões), exceto, enfim,

quando for permitido pela lei.

Portanto, ressalvadas as hipóteses de autotutela e de arbitragem, o Estado reservou

para si a tutela de direitos ameaçados ou lesados.

A partir dessa construção, aquele que estiver na condição de titular de um direito deve

dirigir-se ao Estado para pedir a sua proteção; em contrapartida, o Estado passa a ter o dever de

dar-lhe resposta eficiente.

Por resposta eficiente entende-se, para usar expressões consagradas, resposta em

tempo razoável, integral e justa. Daí que se fala, igualmente, em direito de acesso à ordem

jurídica justa e em tempo razoável.

Mas tempo razoável não traduz nada, definitivamente nada que seja estático, em vez

disso, depende do estado das coisas, notadamente do estado de necessidade com o qual o juiz

se depara. Ademais, tem a ver com o comportamento das próprias partes e com a complexidade

da causa posta à solução; e tem a ver, sobretudo, com o tempo vital ou biográfico, não precisa-

mente com o tempo cronológico, conforme nos ensina, magistralmente, Germán Bidard Cam-

pos1: El tiempo en el proceso ha de ser visto y valorado como un tiempo ‘en la vida’ del justi-

ciable que participa en ese proceso. No ha de medírselo, entonces, como un tiempo cronoló-

gico, sino como un tiempo biográfico, por que hace a la vida personal de un ser humano.

Pode-se, desse modo, em âmbito de direito material, afirmar que existem duas catego-

rias claras, bem definidas: uma que pode sem sacrifício injustificável aguardar o desfecho nor-

mal do processo; outra que, por algum motivo presente, essa espera implica sacrifício insupor-

tável ao direito, ainda que seja em razão da obviedade desse direito.

Supõe-se a cobrança de uma dívida de dinheiro. Embora aquele que possua um crédito

tenha o direito de recebê-lo, em regra é justificável que se sujeite ao tempo democrático normal

1 Citado por Marcelo Bourguignon, in Tiempo y proceso. Derecho procesal civil y comercial. Editorial juris, in-

ternet.

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do processo, sem que esse tempo lhe gere dano anormal (gerará, apenas, o chamado dano mar-

ginal – entendido aqui como o dano imanente ao tempo que o processo, normalmente, con-

some); no entanto, aquele que, participante de um plano de saúde, sofre um infarto e, no leito

hospitalar, tem negada a cobertura contratada, se lhe for imposta a espera, fatalmente quando a

proteção estatal vier será tarde demais. A proteção judicial não será efetiva, aliás, não será útil.

Por isso, principalmente na alta modernidade (conquanto essa preocupação, pois, não

seja nova) muito se tem falado em medidas judiciais destinadas à preservação ou realização de

pronto do direito ameaçado ou lesado.

Para essa pessoa infartada a resposta estatal deve ser imediata, não se cogitando abso-

lutamente de dilações, quanto mais se forem indevidas. Indevidas por se tolerarem atitudes pro-

crastinatórias da parte adversa, indevidas por não se disponibilizar estrutura adequada, pessoal

e material.

Evidentemente, resposta rápida não significa reconhecimento de direito a quem não o

tem, mas sim apreciação em tempo compatível com a necessidade extrema ou, se for o caso,

mediana do direito, para definição nesse âmbito sumário, porque não faz sentido protelar essa

solução, eis que a postergação pode implicar o perecimento ou um sacrifício desproporcional.

Se não for demonstrado desde logo o direito, mesmo que haja uma situação extrema

de perigo, não se há falar em tutela sumária positiva, mas o Estado deve responder imediata-

mente, para dizer que o direito invocado, ao menos nesse primeiro momento, não se apresenta

claro.

Não se pode - é democraticamente inaceitável - lidar insensivelmente com o estado de

incerteza, de indefinição, mesmo que seja nessa esfera estreitamente sumária de contraditório

postergado.

Por isso mesmo, parece que a prática de não apreciar requerimento de tutela inaudita

altera parte fundado, exatamente, em estado de necessidade extremo implica, por conseguinte,

indeferimento do requerimento (veja, do requerimento de tutela sem oportunizar a manifestação

da parte adversa – requerimento de tutela inaudita altera parte).

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Em outras palavras, o serviço judicial emergencialista também constitui direito funda-

mental da pessoa; é imprescindível que o juiz tenha em si, vivamente, sempre uma boa parcela

de juiz emergencialista.

Veja que o direito a esse serviço emergencialista (ou ao serviço normal) não se con-

funde, definitivamente, com o direito invocado (dito direito material ou substancial). Esse di-

reito ao serviço adequado que o processo constitui independe do direito material, limitando-se

ao direito de exigir que o Estado, pelo juiz, cumpra o dever de prestar o fato, utilmente; e o fato

consiste exatamente no serviço adequado, também em termos de tempo.

Aliás, consoante destaque de Mauro Cappelletti e Bryant Garth2, quando falam sobre

os efeitos da delonga processual, “Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os econo-

micamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores

àqueles a que teriam direito. A Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e

Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no art. 6º, parágrafo 1º que a Justiça que

não cumpre suas funções dentro de ‘um prazo razoável’ (22) é, para muitas pessoas, uma Justiça

inacessível”.

Rui Barbosa, por sua parte, em célebre pronunciamento – é intuitivo, mas a lembrança

do pronunciamento se torna inevitável -, relativamente a essa pauta – justiça tempestiva e justiça

tardia – proclamou que justiça tardia equivale a injustiça, a negação de justiça. Canotilho tam-

bém afirma que a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça, conforme será visto no

decorrer do trabalho.

Realmente, se, de partida, consultar-se o preâmbulo da Constituição se constata, sem

esforço hermenêutico, que o texto aí encontrado não se limita a uma mera proclamação, a uma

simplificada promessa vazia, mas antes, traduz uma clara indicação de garantia de exercício de

direitos fundamentais.

Daí que, por emenda, depois de mais de uma década e meia da entrada em vigor da

Constituição, percebendo que essa garantia não vinha sendo bem compreendida, apesar, ade-

mais, do direito de ação e do devido processo legal, expressos na lista de direitos fundamentais,

2CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 20.

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o constituinte inseriu mais um item nessa lista para, com total clareza, reafirmar que “a todos,

no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios

que garantam a celeridade de sua tramitação”3.

Por sua vez, o legislador ordinário, agora pela principal lei processual civil brasileira4,

em obediência a esse comando constitucional, reforça a pauta, fazendo constar que “As partes

têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade sa-

tisfativa”5.

Insatisfeito com o resultado obtido até hoje, apesar de a Constituição ter começado a

vigorar mais de duas décadas e meia atrás, o legislador ordinário, nessa mesma lei processual,

traz, em outro dispositivo, novo reforço, a saber: “Todos os sujeitos do processo devem coope-

rar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”6.

Ademais, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual a República Federativa do Brasil

faz parte, já estabelecia que o processo deve ter seu desfecho normal em tempo razoável, infe-

rindo-se daí o direito da pessoa à resposta judicial em prazo aceitável e, no contraponto, o dever

do Estado de prestar-lhe esse fato7.

Por seu turno, a Constituição, em norma de tessitura inexoravelmente aberta, previa –

e prevê, certamente – que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais

em que a República Federativa do Brasil seja parte”8.

Não obstante, não se teve êxito nesse propósito de imprimir celeridade processual,

bastando trazer à baila um único exemplo, o de ações contra o próprio Estado, em que pessoas

morrem sem fruírem do direito reconhecido, porquanto a demora é demasiada (comumente uma

ação contra o Estado se arrasta, compreendendo a atividade satisfativa, por décadas, duas ou

três décadas).

3 CF, art. 5º, LXXVIII (EC 45/04). 4 Novo CPC (Lei n. 13.105, de 16.3.2015). 5 Art. 4º. 6 Art. 6º. 7 Art. 8º n. 1 (pelo Dec. 678/92 o processo legislativo interno, segundo as regras vigentes à época, foi concluído,

passando esse diploma – pacto de São José da Costa Rica - a integrar o ordenamento jurídico pátrio). 8 Art. 5º, § 2º.

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Seja como for, impende desde já salientar que a eficiência processual, enquanto serviço

público, não está na dependência tão somente de boas leis, mas antes, depende, igualmente, de

bons aplicadores e, naturalmente, de boa estrutura do Sistema Judiciário (não se diz, proposi-

talmente, do Poder Judiciário, na medida em que a estrutura adequada deve ser do Sistema,

incluindo Administração Pública, Advocacia Pública e Privada, Ministério Público, Defensoria

Pública).

Por outro lado, é preciso combater o formalismo barroco, em âmbito de prática e, so-

bretudo, em âmbito científico e conceitual, como se faz na Alemanha há décadas. Conforme

ensinamento de Mauro Cappelletti9, discorrendo sobre o que denomina “revolta contra o for-

malismo”, “na Alemanha e em áreas de influência alemã representou principalmente uma in-

surgência contra o formalismo ‘científico’ e conceitual”.

Realmente, não se concebe que haja abismo entre o que se ensina e, pois, o que se

aprende nos bancos acadêmicos, e o que é verdadeiramente útil à solução dos problemas que

afligem as pessoas, mas antes, o estudo do Direito deve, intransigentemente, ter em vista a cura,

suas consequências práticas, nunca o preciosismo científico ou conceitual em si mesmo. Daí

que, combater o formalismo científico e conceitual, na academia e na prática, parece um passo

de suma importância à obtenção da cura da enfermidade jurídica que acomete a pessoa.

Por outro lado, a prestação jurisdicional deve ser antropofilíaca, que não se confunde

com assistencialismo ou caridade com o direito alheio. Mas antes, veja o que ensinam Ricardo

Sayeg e Wagner Balera: “A prestação jurisdicional antropofilíaca, portanto, é aquela que, inde-

pendente de seu tema, concretiza os direitos humanos em todas as suas dimensões com vistas à

satisfação da dignidade humana”10.

Daí que, igualmente sob esse panorama, não se concebe o formalismo científico pelo

formalismo científico, em detrimento do direito da pessoa ao serviço judicial adequado à solu-

ção pretendida, devendo-se, incansavelmente, demais disso, dedicar contínua atenção ao fator

tempo processual, pois diz respeito à vida da pessoa implicada, não simplesmente à cronologia.

9 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 32. 10 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista – filosofia humanista de direito econômico.

Petrópolis: KBR, 2011, p. 126.

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Com isso, várias frentes devem ser consideradas nessa árdua tarefa de criação de meios

que propiciem o acesso à Justiça, fora do modelo judiciário e, também, internamente, como

ocorre, especialmente, em relação à tutela provisória. Por certo, não nos cabe olvidar: uma boa

lei sempre será muito bem-vinda.

Debruçaremos, contudo, sobre o estudo da proteção judicial efetiva, deixando inten-

cionalmente de discorrer acerca do acesso à Justiça no sentido genérico, desde o acesso espon-

tâneo, garantido pelo Estado, aos direitos individuais e sociais. Serão tecidas considerações

especificamente sobre a proteção em juízo, embora se possam efetuar algumas incursões, rápi-

das, acerca de outros meios de acesso à Justiça, a partir, aliás, da edição de uma boa lei.

A preocupação será com um formato judicial – quando for necessário o ingresso em

juízo – que atenda à legítima expectativa do jurisdicionado, com crítica pontual à orientação

que escancarou, irracionalmente, a porta de entrada do Poder Judiciário, em detrimento da pres-

tação jurisdicional necessária, implicando, concretamente, denegação de justiça àqueles que,

necessariamente, justificadamente, enfim, tiverem de ir ao encontro da proteção judicial.

O centro do estudo será a tutela provisória, mas será abordado, igualmente, a respeito

de técnicas ou procedimentos diferenciados destinados a propiciar, de forma simplificada, a

proteção judicial objetivada; e será destacado que o que se pode denominar de “processo nor-

mal” terá de ultimar com decisão adequada também temporalmente, implicada aí a realização

do direito reconhecido, quando for o caso.

No âmbito da tutela provisória, será dedicada especial atenção à tutela da evidência,

na medida em que, nessa hipótese, o tempo normal do processo se torna um ônus desproporci-

onal ao titular do direito, um autêntico castigo, havendo de ser invertida essa situação, para que

o réu suporte tal ônus.

Demais disso, visando a ilustrar esta introdução, reputamos oportuno o relato de uma

ocorrência, designadamente em relação à importância viva de se atenuar o rigor científico em

homenagem à proteção judicial ao jurisdicionado.

Em uma determinada ocasião nos deparamos com uma petição inicial de medida cau-

telar inominada. O caso era simples, mas para a pessoa afetada era sério, embora não fosse

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desses que pusesse em risco a vida ou a liberdade; mas estava em jogo o direito de propriedade,

igualmente fundamental.

O processo de execução que tramitava contra essa pessoa tinha sido extinto em razão

da satisfação da obrigação. Havia a penhora de um veículo do executado, com anotação no

respectivo prontuário no departamento de trânsito. A sentença extintiva do processo de execu-

ção tinha determinado, entre outros, que fosse expedido ofício para o cancelamento dessa ano-

tação; o ofício foi expedido e encaminhado, pelo próprio cartório, ao ente destinatário.

Cumpridas as providências de estilo, o cartório remeteu os autos para o arquivo (pro-

cesso em autos físicos). Alguns meses depois, o então executado vendeu o veículo, em uma

negociação complexa, que compreendia uma cadeia de atos, comprometendo-se a transferi-lo

imediatamente para o comprador. Todavia, não pôde cumprir com essa obrigação, porque a

anotação da penhora ainda não havia sido cancelada, na medida em que, inexplicavelmente, o

ofício não havia dado entrada no respectivo departamento de trânsito.

Incontinentemente o interessado providenciou para que os autos fossem desarquiva-

dos, apresentando o requerimento nesse sentido, mas a informação que lhe foi dada pela admi-

nistração do fórum – que, lamentavelmente, correspondia e corresponde até hoje com a verdade

(essa ocorrência, aliás, é recente) – dava conta de que demoraria um tempo estimado em três

meses para o desarquivamento.

Ocorre que essa demora obstaria o cumprimento da avença e, assim, poderia dar ensejo

à rescisão do referido contrato por fato imputável a si, com incidência de multa, conforme pre-

visão contratual.

Daí se lançou mão dessa ferramenta - medida cautelar inominada -, instruindo-se a

inicial com peças de que o interessado dispunha, demonstrando a extinção da execução pelo

pagamento, a ordem de baixa da anotação da penhora, o contrato realizado, destacando a cláu-

sula que impunha a obrigação de transferir o registro do veículo imediatamente, e requerendo

a concessão de liminar para que fosse, de pronto, expedido outro ofício para o cancelamento da

anotação da penhora, que, assim, viabilizaria a transferência do registro do veículo e o desfecho

da complexa operação efetuada – àquela altura interditada devido a tal deficiência estrutural.

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Sob a perspectiva formal, puramente técnica, científica, conceitual, jamais se cogitaria

de medida cautelar inominada nesse caso, mas sim, simplesmente, de expedição, nos próprios

autos do processo de execução extinto, em cumprimento da sentença extintiva, de outro ofício

ao departamento de trânsito.

Entretanto, esse obstáculo do mau serviço judiciário, consistente na demora exagerada

com relação ao indispensável desarquivamento, para viabilizar a singela expedição de outro

ofício, na prática, circunstancialmente, teve o condão de gerar grave ameaça ao direito do então

executado, justificando a mitigação do formalismo científico para, concretamente, propiciar a

cura à enfermidade jurídica, sem dilações indevidas (essas dilações seriam por apego excessivo

ao formalismo científico).

Essas dilações consistiriam no indeferimento da petição inicial, por falta de interesse

processual, e na determinação para que se aguardasse o desarquivamento dos autos para, assim,

viabilizar a expedição de uma segunda via daquele ofício que, inexplicavelmente, não fora re-

cepcionado pelo departamento de trânsito.

Porém, em prestígio ao direito evidente do jurisdicionado, mitigou-se esse rigor, invo-

cando-se, por outro lado, o direito fundamental à técnica concretamente adequada à preservação

ou asseguração célere do direito. Com isso, aproveitou-se a estrutura procedimental instaurada

por aquela petição inicial de medida cautelar inominada, para determinar, imediatamente, di-

ante, pois, da nitidez do direito do peticionário, que fosse expedido, enfim, novo ofício ao de-

partamento de trânsito, para o cancelamento daquela anotação de penhora (restrição judicial).

Considerando que o direito óbvio a esse cancelamento se exauria – como de fato se

exauriu - com o cancelamento propriamente, sequer se cogitava de prosseguimento. Por isso, a

solução encontrada – para que não se praticassem atos claramente inúteis: citação etc. – limitou-

se à determinação para que se aguardasse o desarquivamento que estava em andamento, com

relação aos autos principais, que se apensassem os autos da medida cautelar aos autos principais

e que se desse retorno ao arquivo.

Fizemos questão de contar essa passagem porque temos testemunhado frequentemente

o formalismo científico ou conceitual agindo, concretamente, em desserviço do acesso à Justiça,

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em vez de prestar-se, efetivamente, a esse acesso, como se o estudo do Direito não tivesse

comprometimento com as consequências práticas.

Outro ponto que, sob a perspectiva do acesso efetivo à Justiça, com o menor ônus

possível, tem-nos causado inquietação e que, principalmente neste mundo pós-moderno tem

ocorrido com repetição indesejada, é aquele em que a pessoa, vítima de falso (duplicata simu-

lada, operações financeiras ou contrato de mútuo ou de sociedade empresarial realizados por

delinquentes que se apropriam de seus dados pessoais), é obrigada a mover um processo caro e

duradouro, porquanto geralmente exige publicação de editais e, desse modo, ampla investiga-

ção sobre o paradeiro do réu, quando, em regra, basta-lhe uma liminar de sustação de protesto

ou de restrições ou, ainda, de sustação de efeito de registro na Junta Comercial.

Justifica-se constitucionalmente, em casos como esse, a inversão do contraditório, dei-

xando que o réu, caso queira, provoque o juízo para que o processo tenha prosseguimento,

apresentando sua defesa, assim que tomar conhecimento de que há uma liminar no sentido

acima.

De início, demonstrada a probabilidade do direito do autor, o juiz determinaria, ime-

diatamente, a remoção do efeito do ilícito, e mandaria arquivar os autos, até que o réu, se lhe

conviesse, providenciasse pelo desarquivamento.

Claro, se essa solução sumaríssima não satisfizer o autor, dar-se-á o prosseguimento

normal, para viabilizar a solução pretendida; mas se lhe bastar essa atividade judicial, não faz

sentido obrigar-lhe a prosseguir, quando nesse caso é o réu quem deve suportar o ônus do pro-

cesso e do tempo.

A ideia central, com efeito, tem a sumarização ou a simplificação como coluna mestra,

dando sustentação à solução célere do direito da parte, observando-se um contraditório diferen-

ciado, às vezes postergado, às vezes invertido, sem que haja ofensa à Constituição, em vez

disso, justamente para que o desiderato constitucional seja atendido.

Para deixar claro que não se desdenha do contraditório, haverá um título especial a

respeito, em reforço a inúmeras mensagens no desenrolar do texto, com finalidade, justamente,

de dar ênfase a esse caro e, pois, inalienável princípio, mas que não precisa, necessariamente,

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ser desempenhado sempre de uma só forma, podendo sê-lo – devendo, em face da peculiaridade

do caso – de forma diferenciada.

Daí que o estudo tem implicadas as seguintes colunas de sustentação: efetividade como

exigência constitucional, não se concebendo tratamento procedimental igual para situações de-

siguais ou diferentes, inspirando-se na ideia de igualdade implicar tratamento igual aos iguais

e tratamento desigual aos desiguais, à medida que se desigualam; técnicas concretamente ade-

quadas, consoante a necessidade concreta do direito, afastando-se as fórmulas processualmente

preestabelecidas, na medida em que o processo, enquanto serviço público, deve adequar-se efi-

cientemente ao direito, ao invés de o direito receber proteção à medida que o processo quer;

crítica em relação ao formato que despreza a conformação ou disciplina de ingresso em juízo,

com proposição de disciplinamento regular, para que o ingresso desnecessário não interfira,

negativamente, na prestação do fato no que atina ao ingresso necessário, gerando, concreta-

mente, denegação de justiça ou inacessibilidade; devido processo legal, como garantia maior

de proteção judicial efetiva; contraditório democrático, dinâmico ou efetivo, desempenhado,

pois, não só de uma forma, mas atendendo às peculiaridades de cada caso; necessidade de o

ritmo processual ser equilibrado, combinando-se o valor velocidade com o valor eficiência, eis

que a baixa qualidade de comando do processo e, principalmente, das decisões, igualmente

culmina com denegação de justiça ou proteção judicial inefetiva ou deficiente; tutela provisória,

como técnica hábil à asseguração ou realização de pronto do direito, em respeito, assim, ao

tempo vital ou biográfico; ademais, sobre a tutela provisória, destaque visando à máxima ope-

ratividade do novo instrumento nomeado estabilização, com proposição de sistematização; por

se tratar de tutela da evidência, destaque especial à ação monitória, com título analítico a tal

propósito; lembrança, com incursões no texto, acerca de certas técnicas de simplificação pro-

cedimental destinadas à preservação ou realização do direito em menor tempo e com economia

de atos e, possivelmente, com menor custo material e emocional.

A escolha do título, pois, procura condensar essas preocupações, em âmbito da prote-

ção judicial efetiva e, em vista disso – em reforço -, adequada também temporalmente, conso-

ante principalmente fala de Canotilho, destacada no texto. De outra parte, para finalizar, há de

ter-se constante atenção ao princípio da proibição da proteção insuficiente (também será visto

no texto).

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Finalmente, fiel à ideia de desenvolvimento de um estudo mais palpável concreta-

mente, considerando a fenomenologia (ocorrências vivas), procuraremos evitar conceitos filo-

sóficos e aprisionamentos a formalismos científicos, sem nos descuidar, entretanto, acerca da

natureza dissertativa do trabalho, em mestrado acadêmico.

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I - EFETIVIDADE: sinônimo de mérito e exigência constitucional

Do preâmbulo da Constituição, consoante foi dito de passagem na introdução deste

trabalho, infere-se o desejo constitucional de efetividade no que atina a direitos, em face da

declaração de estar-se a “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício

dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem pre-

conceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com

a solução pacífica das controvérsias” (destaque meu). Ou seja, clara preocupação em concreta-

mente “assegurar o exercício dos direitos”, não apenas um reconhecimento formal.

Por isso, pode-se afirmar, tranquilamente, que o legislador ordinário com relação ao

NCPC andou bem, designadamente quando prestigia decisão de mérito. Nessa toada, o art. 4º -

que já foi citado na introdução - estabelece que “As partes têm o direito de obter em prazo

razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Enquanto isso o art. 6º - igualmente já citado na introdução – ao tratar do dever de

cooperação recíproca, preceitua: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para

que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (co + operar, isto é, operar

em conjunto para a obtenção desse intento)11.

Não mais se tolerará, por isso mesmo, a prática, entre outras, de arguição de prelimi-

nares visando à extinção do processo, exceto se, manifestamente, não for possível a sanação do

defeito apontado. A preliminar terá de propor a superação do equívoco, para que o processo

atinja o objetivo, embora, em certas situações, essa superação possa implicar a condenação em

encargos processuais e honorários advocatícios, como em regra se dará na ilegitimidade pas-

siva.

Nesse sentido, oportuna, como sói ocorrer, a lição de Alexandre Freitas Câmara12:

“Assim, deve-se prestigiar, sempre, a resolução do mérito da causa. Extinguir o processo sem

resolução do mérito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou não conhecer de

11 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 9. 12 Idem, p. 7.

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um recurso) é algo que só pode ser admitido quando se estiver diante de vício que não se consiga

sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto a oportunidade para que o mesmo

fosse sanado e isso não tenha acontecido. Deve haver, então, sempre que possível, a realização

de um esforço para que sejam superados os obstáculos e se desenvolva atividade tendente a

permitir a resolução do mérito da causa”.

Entende-se modernamente que a efetividade tem a ver indisfarçavelmente com decisão

de mérito integral e justa e, também, com sua realização concreta, não se concebendo devane-

ação em torno de figuras processuais, na medida em que essencial é o que seja concretamente

adequado à tutela do direito ameaçado ou lesado, aí compreendida, pois, a atividade satisfativa.

Impende ressaltar que essa ideia não vem em desprestígio do processo, mas antes, vem

pautada no pensamento de resgatar esse prestígio, altamente comprometido principalmente em

razão de, verdadeiramente, o processo ser estudado e, sobretudo, praticado como um fim em si

mesmo, conquanto se teorize que não o seja.

Veja, por hipótese, interessante disposição do NCPC português (de 2013) – constante

do art. 2º: “1 - A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo

razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente

deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar. 2 - A todo o direito, exceto

quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo,

a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos

necessários para acautelar o efeito útil da ação”.

Por isso também, o NCPC brasileiro, no art. 317 exige (passa a constituir dever do

juiz) que o juiz dê oportunidade para a correção de vício processual que, de início, impeça a

solução de mérito. Preceitua esse artigo: “Antes de proferir decisão sem resolução de mérito,

o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício” (itálico meu).

O art. 488, por seu turno, dispõe: “Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre

que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do

art. 485”13 (pus o itálico para destacar, enfim, o sentido imperativo).

13 Esse art. 485 é o que trata da sentença de extinção – que, assim, não resolve o mérito.

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Por outro lado, quando delibera sobre nulidade, manteve salutar disposição do CPC de

197314, a saber: “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação

da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”.

O NCPC português, cuidando da gestão processual pelo juiz, deixa – nessa mesma

toada – mais uma vez claro que o que se deseja é a solução de mérito, havendo o juiz de adotar

providências, de ofício, para que o defeito constatado no processo seja removido e, assim, se

viabilize a apreciação do mérito. Veja o que dizem os incisos 1 e 2 do art. 6º: “1 - Cumpre ao

juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativa-

mente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as di-

ligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou

meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização

processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 2 - O juiz providencia

oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, de-

terminando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação

dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.

Por seu turno, o NCPC brasileiro, art. 139, inc. IX, coerentemente com as exigências

do processo civil moderno, com formato constitucional, estipula que, entre outros, incumbirá

ao juiz “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios

processuais”.

Impende ressaltar que a efetividade está compreendida no devido processo legal e,

também, no direito fundamental de ação, constantes, respectivamente, dos incisos LIV e XXXV

do art. 5º da Constituição Federal brasileira.

Assim, efetividade processual sinonimiza com solução de mérito, consistindo em ser-

viço judiciário necessário15, que, sem dilações indevidas, implique decisão justa de mérito e

propicie, vivamente, a realização do direito.

14 Art. 282, § 2º; CPC/73, art. 249, § 2º. 15 Ver capítulo III deste trabalho.

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Alias, J.J. Gomes Canotilho16 fala em “Direito a uma decisão fundada no direito”, para

expor: “O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo, entendendo-se que este

postula um direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa sempre que se hajam

cumprido e observado os requisitos processuais da acção ou recurso. Por outras palavras: no

direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, em-

bora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente

consagrados. Por isso, a efectivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a

uma decisão favorável; basta uma decisão fundada no direito quer seja favorável quer desfavo-

rável às pretensões deduzidas em juízo” (itálicos do autor).

Um pouco antes o autor, discorrendo sobre “O direito de acesso aos tribunais como

direito a uma protecção jurisdicional adequada”, faz alusão ao “dever funcional dos juízes con-

vidarem as partes à regularização do processo” (itálico do autor).

De volta ao NCPC brasileiro, que, enfim, adere a essa nova concepção de efetividade

– como direito a uma decisão de mérito justa -, em visível reação à chamada jurisprudência

defensiva, visando-se, assim, a prestigiar o exame de mérito recursal17, vale ressaltar que o

relator deverá facultar a remoção pelo recorrente do defeito que, de início, obstaria o julgamento

de mérito do recurso, nestes termos18: “Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator

concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada

a documentação exigível”.

Por sua vez, em âmbito de preparo de recurso, manteve-se a regra – agora incidente no

tribunal ad quem19 – que faculta a emenda em cinco dias, em caso de insuficiência, e produziu-

se a regra que permite o preparo tardio, em caso de inexistência, tão somente determinando que

a realização seja pelo dobro. Subsiste, ademais, a previsão de relevamento da deserção na hi-

pótese de justo impedimento. A propósito, o art. 1.007 e seus parágrafos.

16 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Portugal: Almedina, 7ª ed., 2003, p. 498. 17 Quando se fala em “mérito recursal” não se quer dizer, necessariamente, “mérito da causa”, porque o mérito do

recurso pode consistir em matéria processual (por ex.: agravo contra decisão que rejeita pedido de gratuidade de

justiça; apelação contra sentença terminativa fundada em coisa julgada) (citamos dois exemplos tão somente, entre

dezenas). 18 Art. 932, parágrafo único. 19 O juízo de admissibilidade do recurso de apelação pelo regime do NCPC será desempenhado exclusivamente

pelo tribunal ad quem (art. 1.010, § 3º), podendo gerar reclamação, se o juízo a quo o desempenhar (art. 988, I).

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Ademais, se o órgão julgador, no tribunal, entender que, em lugar dos embargos de

declaração oferecidos, cabível é o agravo interno, conhecerá dos embargos como agravo, per-

mitindo que o embargante proceda às adaptações necessárias, conforme dispõe o § 3º do art.

1.024.

Foram produzidas, ainda, técnicas de julgamento, em apelação, visando justamente ao

máximo aproveitamento processual e, na mesma toada, à primazia do julgamento integral do

mérito20 também nessa esfera. Quer-se, com essas técnicas, que, sempre que possível, não se

invalide a sentença, com o retorno ao juízo de origem, para o recomeço do percurso, mas antes,

que se prossiga no julgamento, sem que se cogite de supressão de instância como algo que

contamine o julgamento de mérito da apelação. É o que se lê, sem maior esforço hermenêutico,

no art. 1.013 e seus parágrafos e incisos do NCPC, pois.

Relativamente ao agravo de instrumento, nessa mesma toada, o art. 1.017 § 3º, em

espesso - vale a nota -, diz: “Na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício

que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto

no art. 932, parágrafo único” (itálico meu).

Finalmente, são dignas de colação as observações de Humberto Theodoro Júnior, Di-

erle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron21, referindo-se - como pre-

missas interpretrativas de todo o código - à primazia do julgamento do mérito e ao máximo

aproveitamento processual, com abandono, pelo NCPC, enfim, da “antiquíssima premissa ri-

tual”.

Falando, assim, em novo formalismo, em formalismo democrático, em formalismo

constitucional democrático, afirmam que toda a redação da nova legislação vem “no sentido de

se fundar o aludido novo formalismo (democrático)”. E que o NCPC, assim, traz incontáveis

exemplos, que, desde logo, apontam: “a) Sanabilidade dos atos processuais defeituosos em con-

formidade com a instrumentalidade técnica; b) Superação do enunciado de Súmula 418 do STJ

após sua entrada em vigor; c) Nos moldes do art. 930, impossibilidade de o relator dos recursos

inadmitir um recurso antes de viabilizar a correção dos vícios, como, por exemplo, de ausência

20 THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Qui-

naud. Novo CPC – fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 19. 21 Novo CPC – fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 19/22.

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de documentação ou de representação; d) Ampla aplicação do princípio da fungibilidade recur-

sal; e) Dispensabilidade de preliminar ou tópico específico para demonstração de repercussão

geral no Recurso Extraordinário; f) Aproveitamento dos efeitos da decisão proferida por juízo

incompetente, absoluta ou relativamente; g) Necessidade de fundamentação específica à luz de

circunstâncias concretas (art. 486) para fins de invalidação de ato subsequente ao defeituoso;

h) Desnecessidade de ratificação, complementação ou alteração do recurso interposto ainda que

o julgamento dos embargos de declaração opostos pela parte contrária modifique ou comple-

mente decisão recorrida (art. 1.037, §§ 3º e 4º); i) Imposição ao Supremo Tribunal Federal e

Superior Tribunal de Justiça desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar

sua correção, desde que não o repute grave (art. 1.026, § 3º); j) Insubsistência de entendimentos

jurisprudenciais que inviabilizam o conhecimento do mérito recursal”.

Essa, sem sombra de dúvida, constitui a nova tônica processual civil brasileira, con-

sistente em um processo comprometido com uma decisão de mérito justa e efetiva, esperando-

se que a prática, responsável pela concretização do direito, esteja sensível a essa exigência –

que, como se infere de todo o eixo deste ensaio -, tem matriz constitucional, caracterizando

direito subjetivo.

Espera-se também, nessa linha de pensamento, que a academia e a doutrina auxiliem

na construção da nova jurisprudência.

Finalmente, o direito subjetivo à decisão de mérito justa e efetiva não é absoluto, mas

antes, condiciona-se à regularidade do exercício. Como diz o CPC português em trecho atrás

lembrado, “A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razo-

ável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente

deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar” (itálico meu).

Daí que subsistem, constitucionalmente, os pressupostos de admissibilidade do julga-

mento de mérito, entre os quais, segundo sustentamos, a justificativa plausível para o ingresso

em juízo22. Aliás, o NCPC igualmente condiciona o julgamento de mérito à configuração do

interesse processual e da legitimidade, conforme consta do art. 1723 (consoante será visto, a

22 Ver capítulo III. 23 CPC/73, art. 3º.

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disciplina do ingresso em juízo contribui significativamente com a proteção judicial efetiva,

estando implicada no poder legislativo conformador)24.

24 Nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015, pp. 415/418.

Ver, ainda, princípio de justicialidade: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do di-

reito constitucional. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015, p. 227.

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II - TÉCNICAS CONCRETAMENTE ADEQUADAS À ASSEGURAÇÃO OU REALI-

ZAÇÃO DO DIREITO

São as regras de procedimento que insuflam vida nos

direitos substantivos, são elas que os ativam, para

torná-los efetivos25.

Parece que a rejeição, a priori, da ideia, em termos de processo, de a segurança jurídica

depender, predominantemente, de organização prévia de modelos de processo e procedimento,

realmente não é acertada; mas, por outro lado, parece igualmente que a pré-organização se

mostra, empiricamente, duplamente falha, à medida que ao legislador escapam todas as possi-

bilidades e, também, à medida que uma previsão abstrata, posta à prova prática, não cumpre

sua missão em razão de fatores variados, valendo lembrar desde já que a regra de processo deve

ser dotada, concretamente, de funcionalidade plena.

Daí que, modernamente, tem-se falado consideravelmente, também, em flexibilização

procedimental26 e adaptabilidade judicial27, para dar contornos saudáveis a essa problemática,

visando a garantir a incidência real da Constituição28.

Veja, sob outra perspectiva, que devido processo legal29 não tem a ver, necessaria-

mente, com regras procedimentais rígidas, mas antes, contém em si a ideia de processo justo,

conduzido por autoridade judiciária competente e, consectariamente, natural, independente e

imparcial, que, no desempenho da função, pode (na verdade, deve30) adotar mecanismos aptos

25 JACOB, I. H. In CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Nor-

thfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 69. 26 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental – um novo enfoque para o estudo do proce-

dimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008. 27 OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo

civil. São Paulo: Saraiva, 2013 (Coleção direito e processo. Coordenação Cassio Scarpinella Bueno). 28 Nesse sentido, igualmente: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo – influência do direito

material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 6ª ed., 2011. 29 Devido processo constitucional. Remete-se, entre outros que empregam essa expressão, a Alexandre Freitas

Câmara: O novo processo civil brasileiro, Atlas, 2015. 30 Isto porque se trata de direito fundamental do jurisdicionado e não de mero “poder” da autoridade judiciária. O

art. 4º do NCPC, por hipótese, diz que as partes têm o direito de obter, em tempo razoável, decisão de mérito justa

e de efetivá-la. Remete-se, ainda, ao NCPC português, que expressamente reconhece tratar-se de direito funda-

mental, quando, no artigo citado no texto deste ensaio diz (art. 2º): “A proteção jurídica através dos tribunais

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à obtenção, em prazo razoável, de decisão de mérito justa31, não permitindo, jamais, que as

regras preestabelecidas se tornem, concretamente, inimigas desse desiderato constitucional.

Mas – isto é democraticamente fundamental - em hipótese alguma o juiz pode descui-

dar do contraditório, notadamente quando delibera acerca do exercício de direitos ou faculdades

processuais que possa gerar, se mal desempenhado, decisão injusta de mérito, como, para ilus-

trar, em relação à prova, precisamente em relação à produção de provas e ao respectivo ônus32.

Por isso, qualquer disposição nessa seara depende, constitucionalmente, de justifica-

tiva plausível claramente apresentada – daí a decisão cumprirá a exigência, igualmente consti-

tucional, de fundamentação adequada (CF, art. 93, IX)33 - e, por óbvio, de oportunização de

desempenho àquele a quem o exercício couber.

Aliás, no que atina especificamente à deliberação sobre prova, remete-se aos arts. 139,

inc. VI e 373, §§ 1º e 2º do NCPC. O primeiro dispositivo, tratando das incumbências do juiz,

diz que na direção do processo lhe cabe “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de

produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir

maior efetividade à tutela do direito”.

Já o segundo dispositivo lembrado, dispondo sobre o ônus da prova, precisamente so-

bre a modificação da regra, exige, por óbvio, fundamentação adequada, oportunização efetiva

à produção e factibilidade, rezando, pois: “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiarida-

des da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo

nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz

atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em

que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. A decisão

prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela

parte seja impossível ou excessivamente difícil”.

implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a

pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar” (grifamos). 31 Como tal, com observância do efetivo contraditório. 32 Falamos em prova apenas exemplificativamente, porque essa construção abriga todo o direito processual e pro-

cedimental. Por exemplo: se a audiência prevista no art. 334 do NCPC deixar de ser designada de plano pelo juiz,

em caso em que se constata, pela experiência, que o ato seria inútil, haverá o juiz de deliberar claramente sobre o

início do prazo para resposta pelo réu, ante a norma de que trata o art. 335. 33 NCPC, art. 11.

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Vale nesta passagem, em reforço, novamente trazer à colação a disposição do art. 5º,

inc. LXXVIII da Constituição Federal, com os seguintes termos: “a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação” (itálico para destacar o eixo do pensamento).

Por meios que garantam a celeridade entendem-se, também, as técnicas aptas à prote-

ção judicial do direito, quer em nível de asseguração ou de antecipação, quer em nível final,

incluindo-se aí a atividade satisfativa, igualmente em âmbito provisório ou em âmbito final.

Meios compreendem, pois, o aspecto estrutural do Sistema Judiciário e, particularmente, do

Poder Judiciário, sob o ponto de vista pessoal (recrutamento, capacitação) e sob o ponto de vista

material (logística, aporte tecnológico), e as técnicas processuais, procedimentais e materiais

aptas à asseguração ou realização prática do direito ameaçado ou lesado. Meios compreendem,

dessa maneira, flexibilização e adaptação concretas para que a norma que, posta à prova, mos-

tre-se deficiente, torne-se eficiente. Esse, aliás, é o sentido normativo nuclear da regra de pro-

cesso: norma (resultado interpretativo) concretamente eficiente.

Por sua vez, esse comando, em primeiro plano, volta-se ao legislador, impondo-lhe o

dever de dotar o Poder Judiciário de ferramenta legislativa hábil à realização tempestiva do

direito; em segundo plano, à administração, cuja função estatal implica o dever de bem estru-

turar o Poder Judiciário, em termos de recursos humanos e em termos de recursos materiais,

compreendidos os instrumentos tecnológicos de ponta adequados; em terceiro plano e, final-

mente, se o legislador falhar ou se a administração falhar, se volta ao próprio Poder Judiciário

no desempenho da função jurisdicional que lhe é precípua, competindo, pois, concretamente ao

juiz um comportamento proativo e criativo, apto a superar a deficiência legislativa ou adminis-

trativa, com vistas a propiciar, enfim, na prática a asseguração ou realização do direito, sem

desdém, evidentemente – em reiteração -, ao contraditório, que pode ser oportunizado de forma

diferenciada ou diferida.

Nessa linha, por exemplo, a Corte Europeia dos Direitos do Homem já decidiu que

constitui direito fundamental da pessoa “Le droit a une bonne administration de la justice”34,

34 O direito a uma boa administração da justiça. Veja: Les grands arrêts de la Cour européene des Droits de

l’Homme. Paris, France: Thémes droit, 6ª éd., 2011, page 348.

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referindo-se à indispensável eficiência pública na prestação de serviço concreto visando a pre-

venir e, sendo necessário, a solucionar conflitos, não necessariamente pelo Poder Judiciário,

sobreleva notar35.

Isto porque o direito inalienável de acesso à Justiça não se limita à garantia de ingresso

em juízo, mas antes, estende-se, principalmente, à exigência de gestão pública apta a reduzir

conflitos, a preveni-los e, notadamente, deflagrado um, a solucioná-lo sem que se tenha, neces-

sariamente, de ingressar em juízo e, àqueles que tiverem de ingressar, à garantia de sair em

tempo aceitável (o maior problema do Poder Judiciário brasileiro hoje é justamente a porta de

saída).

Aliás, por isso a leitura do art. 5º, inc. XXXV da Constituição não mais contempla a

expressão “a lei” nem a expressão “Poder Judiciário”, mas sim, conforme consta do NCPC, art.

3º, a seguinte norma: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.

Essa atualização na redação do art. 3º do NCPC foi proposital, justamente para tornar

claro que a arbitragem igualmente desempenha função jurisdicional, tendo o Supremo Tribunal

Federal, aliás, concluído pela constitucionalidade dessa função36. Veja, a respeito, a seguinte

doutrina: “A única alteração, de ‘apreciação do Poder Judiciário’ (CF) para ‘apreciação juris-

dicional’ (NCPC) tem o sentido de indicar que às ameaças ou lesões a direito deverão ser dadas

soluções de direito, mas não necessariamente pelo Poder Judiciário”37 (itálico do original).

Do mesmo modo, procurou-se prestigiar a tutela preventiva, invertendo-se a ordem

com relação a “ameaça” e “lesão”. Com isso, ameaça a direito aparece primeiramente, seguida

da lesão, seja porque logicamente a ameaça antecede a lesão, seja porque a Constituição quer,

ineliminavelmente, que já a ameaça receba proteção judicial efetiva – efetividade tem implicada

também a adequação temporal38.

35 Embora o eixo deste trabalho, vale reforçar, seja a proteção judicial, isto é, entre outros, a boa administração

judiciária (boa administratação do Sistema Judiciário e, assim, do Poder Judiciário – e, principalmente, da ativi-

dade judicial). 36 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Sa-

raiva, 10ª ed., 2015, p. 413/415. 37 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;

MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT,

2015, pp. 58/59. 38 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar

Duarte de. Teoria Geral do Processo – comentário ao CPC de 2015 – Parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p.

14.

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Conforme ensinamento de J.J. Gomes Canotilho39, falando sobre “Protecção jurídica

eficaz e temporalmente adequada”, sobre “tempo útil”, sobre “adequação temporal”, sobre

“processo sem dilações indevidas”, mencionando que “a justiça tardia equivale a uma negação

de justiça”: “A protecção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma protecção

eficaz e temporalmente adequada”.

Referindo-se, por hipótese, ao acesso à Justiça pelo processo estatal, Cintra, Grinover

e Dinamarco40 ensinam que se deve garantir, em termos de processo – de efetividade -, a ad-

missão ao processo (ingresso em juízo), o modo de ser do processo, a justiça das decisões e,

derradeiramente, a efetividade das decisões.

Vale destacar, demais disso, que o Conselho Nacional de Justiça, pela Resolução n.

125, de 2010, revolucionou nesse aspecto, interpretando o referido inciso XXXV do art. 5º da

Constituição como garantia de acesso à justiça por qualquer meio adequado de solução de

conflitos41.

Em que pese a essa incursão, registra-se o intuito meramente ilustrativo, na medida em

que este estudo tem em vista a proteção judicial efetiva, obtida em processo judicial justo, como

tal igualmente adequado temporalmente, consoante lição de Canotilho atrás lembrada.

Por sua vez, escrevendo sobre o que denomina “Direitos fundamentais de caráter ju-

dicial e garantias constitucionais do processo” e dando em certa medida relevo ao tempo do

processo, Gilmar Ferreira Mendes faz o seguinte pronunciamento: “Dessarte, a simples supres-

são de normas integrantes da legislação ordinária sobre esses institutos pode lesar não apenas a

garantia institucional objetiva, mas também direito subjetivo constitucionalmente tutelado. A

omissão legislativa pode acarretar a negação do direito constitucionalmente posto”.

Daí que – nesse diapasão - as regras de processo ou procedimento editadas pelo legis-

lador não podem, a nenhum pretexto, gerar consequências práticas que comprometam o julga-

39 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Portugal: Almedina, 7ª ed., 2003, p. 499. 40 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 30ª ed., 2014, pp. 52/54. 41 Essa referência também pode ser lida na obra acima, p. 54, in fine.

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mento de mérito em tempo razoável, competindo ao juiz empregar os meios ou técnicas aí es-

tabelecidos, se concretamente adequados ao cumprimento da missão. Se não forem, sempre

caso a caso, deverá determinar o meio ou a técnica que se preste a isso, se for o caso pronunci-

ando a inconstitucionalidade concreta do que estiver abstratamente previsto. Isto porque a dis-

posição processual que deixa de cumprir, concretamente, a missão de propiciar a solução de

conflitos em tempo razoável, por si só carece, nesse caso concreto, de constitucionalidade.

Afinal, como ensina Cappelletti42 caberá ao juiz, concretamente, a melhor escolha

como produto do processo de interpretação (acrescentaríamos: de aplicação), que compreende,

em certo grau, discricionariedade e, pois, criatividade; e: “Escolha significa discricionariedade,

embora não necessariamente arbitrariedade; significa valoração e ‘balanceamento’; significa

ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que

devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes

da análise linguística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da eco-

nomia, da política, da ética, da sociologia e da psicologia. E assim o juiz não pode mais se

ocultar, tão facilmente, detrás da frágil defesa da concepção do direito como norma preestabe-

lecida, clara e objetiva, na qual pode basear sua decisão de forma ‘neutra’. É envolvida sua

responsabilidade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica, sempre que haja no direito

abertura para escolha diversa. E a experiência ensina que tal abertura sempre ou quase sempre

está presente”.

Em vista disso, não se deve olvidar, nunca, que a regra processual é estruturalmente

instrumental e sua matriz é genuinamente constitucional, devendo, concretamente, ser funcio-

nal, operativa, visando ao cumprimento efetivo da sua missão democrática estatuída pela Cons-

tituição.

A tutela, consistente na proteção do direito ameaçado ou lesado, a ser concretizada

pelo processo, é, sob a perspectiva estreitamente processual, indiferente, constituindo um ser-

viço público, mas, sob a perspectiva material, é necessariamente aquela que seja hábil à prote-

ção efetiva, de acordo com a necessidade, enfim, do direito ameado ou lesado; é a proteção em

si ao direito, não importando o nome que processualmente se lhe dê.

42 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, pp. 21 e 33.

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Releva assinalar que não é o direito que instrumentaliza o processo, mas antes, é o

processo que instrumentaliza o direito, viabilizando, democraticamente, por medida concreta-

mente adequada, a proteção à medida da necessidade constatada.

Daí que vale fechar este tópico com a citação que o abre, reputada vital quando a pes-

soa tiver de ingressar em juízo, assim construída: São as regras de procedimento que insuflam

vida nos direitos substantivos, são elas que os ativam, para torná-los efetivos.

Poder-se-ia dizer, para atualizá-la, que são as normas de procedimento, bem aplicadas,

que dão vida ao direito espontaneamente ou voluntariamente desdenhado. Se as normas de pro-

cedimento forem, elas próprias, indevidas ou relegadas (negligenciadas ou submetidas ao pro-

cesso de mecanicidade), o direito muito provavelmente perecerá ou, no mínimo, sofrerá serís-

simas sequelas, com sua submissão a sacrifício desproporcional.

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III - DIREITO FUNDAMENTAL DE AÇÃO E INTERESSE PROCESSUAL - PERS-

PECTIVA DO INGRESSO DESNECESSÁRIO EM JUÍZO EM DETRIMENTO DO IN-

GRESSO NECESSÁRIO - ERRO NA PORTA DE ENTRADA - CAOS NA PORTA DE

SAÍDA - VIOLAÇÃO CONSTITUICIONAL

1. Considerações preambulares

Dispõe o art. 5º, inc. XXXV da Constituição, em leitura moderna – pois -, que não se

excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

O NCPC, em face dessa nova leitura constitucional, traz redação intencionalmente

atualizadora, conforme consta do art. 3º, a saber: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional

ameaça ou lesão a direito”.

Conforme mencionamos atrás, essa atualização redacional foi proposital, justamente

para tornar claro que a arbitragem igualmente desempenha função jurisdicional, tendo o Su-

premo Tribunal Federal concluído pela constitucionalidade dessa função. E, do mesmo modo,

procurou-se prestigiar a tutela preventiva, invertendo-se a ordem com relação a “ameaça” e

“lesão”. Com isso, ameaça a direito aparece primeiramente, seguida da lesão, seja porque logi-

camente a ameaça antecede a lesão, seja porque a Constituição quer, ineliminavelmente, que já

a ameaça receba proteção judicial efetiva – efetividade tem implicada também a adequação

temporal.

Em digressão sobre a constitucionalidade da arbitragem, Gilmar Ferreira Mendes43

invoca justamente o precedente do Supremo Tribunal Federal que “afirmou a compatibilidade

da cláusula compromissória com a Constituição”, já referido neste trabalho.

Daí que o art. 3º do NCPC, cujo caput foi transcrito acima, traz, no § 1º, a seguinte

mensagem: “É permitida a arbitragem, na forma da lei”. Pensamos que não se poderia cogitar

de outra orientação, do contrário seríamos incoerentes, em face da coluna mestra deste ensaio.

43 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015, pp. 413/414.

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Todavia, a partir dessa disposição constitucional atrás reportada (art. 5º, XXXV), tem-

se sustentado que não se pode condicionar ou criar qualquer tipo de embaraço ao ingresso em

juízo – lê-se: ingresso regular, válido, com êxito -, cuidando-se, enfim, de direito incondicional

e universal.

Entende-se mais, que não se permite condicionar o julgamento de mérito, por hipótese,

à demonstração concreta da necessidade de ir a juízo.

Veja o que ocorre com este exemplo destacado de uma lista prática de dezenas de

outros, correspondente ao seguro obrigatório44.

O beneficiário do seguro, vítima em acidente de trânsito, sem procurar a seguradora

para comunicar o sinistro e apresentar os documentos necessários para, assim, receber a inde-

nização em tese devida, vai ao Poder Judiciário diretamente, intentando, enfim, ação de inde-

nização securitária.

O procedimento administrativo de regulação do seguro, mesmo no caso de seguro

obrigatório, é providência necessária, cujo descumprimento, por óbvio, inviabiliza o pagamento

da indenização. Essa exigência, aliás, tem a ver com a higidez do fundo securitário constituído

para fazer face às justas indenizações, de cunho, consequentemente, genuinamente material.

Não obstante, o Poder Judiciário a tem dispensado, admitindo o ajuizamento direto da

ação indenizatória e, para agravar, condenando a seguradora (que não se recusou a pagar a

indenização administrativamente, pois sequer foi procurada para esse fim) a pagar os encargos

de sucumbência, onerando consectariamente aquele fundo antes referido, constituído pelos par-

ticipantes obrigatórios (participação obrigatória porque decorre, ipso facto, da propriedade de

veículo automotor).

44 Este estudo pauta-se, sem menoscabo à técnica – supõe-se -, pela fenomenologia, considerando, sobretudo,

ocorrências (embora, nalguns pontos, permita-se certa medida de especulação).

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Essa orientação considera que a lesão de que trata o art. 5º, inc. XXXV da Constituição

caracteriza-se instantaneamente com a ocorrência do fato gerador de que trata a Lei n.

6.194/7445.

Por outras palavras, essa orientação não leva em conta a recusa, expressa ou tácita, da

seguradora, a partir do fundamento utilizado (por ex.: exigência de um documento impossível

de ser apresentado; conclusão de a invalidez alegada não ser permanente), como elemento con-

figurador da necessidade de socorrer-se da tutela jurisdicional, na medida em que, afinal, não

se pode condicionar – para tal corrente - o ingresso em juízo (orientação logicamente compatí-

vel).

Todavia, esse entendimento não toma em conta que excluir – núcleo verbal adotado

pela Constituição46 - significa excluir, não compreendendo admissão incondicional ao processo

judicial, e que o filtro com o qual acenamos está em sintonia com a própria função do Poder

Judiciário no Estado Democrático de Direito, havendo de submeter à sua solução tão apenas o

que for caracterizadamente necessário e, ademais, concretamente adequado e útil.

Nesse caso do seguro obrigatório, como se dá em tantos outros, não há, de antemão,

conflito para justificar o serviço judiciário nem se cuida de jurisdição voluntária, não se conce-

bendo a substituição da atividade administrativa, quer em esfera pública quer em esfera privada,

diretamente, simplesmente porque essa não é a função do Poder Judiciário no Estado de Direito.

Não se visualiza aí, enfim, lesão ou mesmo mera ameaça a direito, justamente porque

a seguradora não se recusou a pagar a indenização, ainda que tacitamente (a recusa tácita se dá

pelo decurso de prazo razoável ou fixado em lei, sem a resposta, concedendo a indenização ou

negando-a ou, ainda, com exigência em tese descabida).

A ideia apresentada neste trabalho consiste, pois, em disciplinar o ingresso em juízo,

sustentando-se que, em lugar de ofender a Constituição, essa disciplina atende amplamente a

seus desejos democráticos, bem como a valores como o da paz social, da justiça, da solidarie-

45 Danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (indenização por morte ou lesão incapaci-

tante, no grau exigido pela lei; e reembolso de despesas médico-hospitalares). 46 Ver sobre princípio da proteção do núcleo essencial.

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dade, da eficiência, da efetividade, do processo em tempo razoável, da adoção de meios e téc-

nicas aptos à solução justa de conflitos por qualquer meio, preferencialmente extrajudicial, re-

servando-se o Judiciário para os casos que verdadeiramente justificam recorrer-se a si.

Essa disciplina dá-se pelo requisito de admissibilidade de julgamento de mérito do

interesse processual47, sem que, enfim, haja ofensa à Constituição, notadamente ao art. 5º, inc.

XXXV.

Impende ressaltar, por outro lado, que não se fala em esgotamento da via administra-

tiva, mas em caracterização do conflito, pressuposto da ação judicial. O NCPC português, por

hipótese, expressamente menciona, no art. 3º, inc. I, que a ação pressupõe o conflito de interes-

ses. Se não se infere, pela exposição fática apresentada pelo autor, esse conflito de interesses,

não se cogita de necessidade de prestação do serviço judicial, que a ação objetiva. Não se iden-

tifica, aliás, a necessidade de proteção judicial a direito, ao menos nesse estágio material.

Veja que se cuidando de habeas data, um remédio constitucional, antes da lei que o

regulamentou ordinariamente, o Superior Tribunal de Justiça já havia, por súmula48, condicio-

nado a impetração à comprovação da recusa ao fornecimento das informações pleiteadas pelo

impetrante; e a lei regulamentadora manteve essa condição, conforme será visto em tópico pró-

prio.

Por sua parte, a recente lei que estatui sobre o direito de resposta ou retificação49, para

nossa afirmação, condiciona a admissão ao processo judicial a uma postura materialmente ativa

do ofendido, conforme preceitua o art. 5º caput: “Se o veículo de comunicação social ou quem

por ele responda não divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de 7

(sete) dias, contado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3o, restará caracte-

rizado o interesse jurídico para a propositura de ação judicial” (destaquei).

47 Sem requerimento administrativo, não se justifica o ingresso em juízo, nas seguintes hipóteses, dentre outras:

pretensão visando a benefício previdenciário (INSS); pretensão visando à indenização securitária (Dpvat); exibi-

ção de documentos (extratos bancários, extratos de FGTS, cópia de contrato). Sem conciliação prévia, quando isso

for possível, não se justifica igual ingresso (caso em que serão necessárias a modificação da legislação ordinária e

a releitura da CF, particularmente pelo STF). 48 Súmula n. 2 do STJ. 49 Lei n. 13.188, de 11.11.2015 (regulamenta o direito de resposta previsto no art. 5º, V da CF, diante da não

recepção constitucional da antiga Lei de Imprensa – Lei n. 5.250/67 -, consoante STF).

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2. Habeas data (art. 5º, LXXII da Constituição Federal)

Pois bem. A Lei n. 9.507/97, que disciplina o habeas data, curiosamente, por tratar-se

de remédio constitucional, condiciona a impetração à demonstração da recusa, consoante pre-

ceituam o art. 8º caput e seu parágrafo único, a saber: “A petição inicial, que deverá preencher

os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e

os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. Parágrafo

único. A petição inicial deverá ser instruída com prova: I – da recusa ao acesso às informações

ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; II – da recusa em fazer-se a retificação ou do

decurso do prazo de mais de quinze dias, sem decisão; ou III – da recusa em fazer-se a anotação

a que se refere o § 2º do art. 4º ou do decurso do prazo de mais de quinze dias sem decisão”.

Conquanto haja opinião no sentido de ser descabida essa disciplina condicionante, por-

quanto o habeas data se trata de remédio constitucional e a Constituição não a prevê50, o pre-

ceito subsiste intacto, de tal sorte que a petição inicial que não satisfizer essas exigências deverá

ser indeferida por inépcia ou por falta de interesse processual.

Ademais, antes mesmo da edição dessa lei, o Superior Tribunal de Justiça havia edi-

tado a súmula n. 2, com o seguinte teor: “Não cabe o habeas data (CF art. 5º, LXXII, letra a)

se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa”.

Não se compreende a coerência jurídica entre exigir para o habeas data, enquanto re-

médio constitucional, a comprovação da recusa, obrigando o cidadão a uma postura ativa, con-

forme, aliás, a esta altura o Supremo Tribunal Federal exige com relação ao benefício previ-

denciário51, e sustentar que igual exigência relativamente, por hipótese, à exibição de documen-

tos ou à indenização securitária, extrapola o âmbito do interesse processual, desbordando, com

efeito, à esfera do direito fundamental de ação.

Isto é, a determinação para que a parte demonstre a necessidade de ingressar em juízo

não tem a ver com exclusão, não implica exclusão, mas sim disciplina, conformação própria

para romper-se a inércia judicial, com a devida justificativa, como formidavelmente o Superior

50 Flavia Piovesan (apud Revista Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de Ribeirão Preto, Juruá, vol.

I, 2011, págs. 169/170). 51 Veja item 2º deste trabalho.

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Tribunal de Justiça havia feito com relação ao habeas data e o legislador ordinário o fez, em

estágio ulterior52.

3. Caso do benefício previdenciário (INSS) – um importante passo do Supremo Tribu-

nal Federal53

No Recurso Extraordinário n. 631.240, com repercussão geral, o Supremo Tribunal

Federal, tendo como relator o ministro Luís Roberto Barroso, cuidando justamente desse tema,

eis que o INSS não aceitava a propositura diretamente de ação pelo segurado, visando ao rece-

bimento de benefício previdenciário, decidiu favoravelmente à autarquia, considerando que o

interesse processual se configura com sua recusa expressa ou tácita, esta caracterizada pelo

decurso do prazo de quarenta e cinco dias, contados da entrada administrativa do requerimento.

O Supremo Tribunal Federal concluiu, assim, que essa exigência ou condição não fere

o direito fundamental de ação, eis que não se cogita de ameaça ou lesão a direito sem que o

segurado tenha tido uma postura ativa, com a solicitação administrativa do benefício, pronun-

ciando-se, em certa passagem, o douto relator: “Não há como caracterizar lesão ou ameaça de

direito sem que tenha havido um prévio requerimento do segurado. O INSS não tem o dever de

conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado

é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido”.

Parece-nos que esse, sim, constitui um entendimento condizente com a Constituição

Federal, que, por óbvio, não admite interpretação isolada, como sói ocorrer com o Direito em

geral, nem a atribuição de caráter absoluto a um princípio ou direito. A leitura de um princípio

constitucional exige diálogo com os outros princípios, o mais das vezes de igual importância,

ainda que se fale em colisão.

Do contrário, considerando que existem várias exigências que essencialmente impli-

cam embaraço ao ingresso em juízo, como a taxa judiciária e a capacidade postulatória, con-

sectariamente haveria de cogitar nessas hipóteses de inconstitucionalidade, pela supervaloriza-

ção do direito de ação.

52 Respectivamente, súmula n. 2 e Lei n. 9.507/97, de que se ocupa este item do trabalho. 53 Julgado de 27 de agosto de 2014.

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O próprio art. 217, § 1º da Constituição54 seria inconstitucional, eis que não se conce-

beria essa exceção, antes, cogitar-se-ia de ofensa ao direito de acesso universal e incondicional

ao Poder Judiciário, que por ser direito fundamental se sobreporia a essa disposição não funda-

mental, mesmo diante da unidade da Constituição (atribuir a esse princípio a qualidade de ab-

soluto, quebra a própria unidade constitucional ou da ordem jurídica).

Não é isso, todavia, que se dá, justamente porque o direito tratado no democratica-

mente importante art. 5º, inc. XXXV da Constituição não é absoluto, irrestrito, incondicional,

sujeitando-se, antes, a disciplina que atenda ao interesse público, compreendidas o que se con-

vencionou chamar, por influência de doutrina italiana, de condições de ação55, a exemplo do

interesse processual56.

Socorrendo-nos, novamente, de autores já atrás reportados, que comungam com essa

orientação do disciplinamento válido, valem as transcrições abaixo: “A sequência direito de

acesso aos tribunais – garantia da via judiciária - direito ao processo – direito a uma decisão

fundada no direito, deixa intuir que todas estas dimensões do direito de acesso não são incom-

patíveis com a exigência de pressupostos processuais, ou seja, de um conjunto de requisitos

cuja verificação e observância é necessário para um órgão judicial poder examinar as pretensões

formuladas no pedido. Daí que, como se disse, o direito à tutela jurisdicional não se identifica

com o direito a uma decisão favorável, antes se reconduza ao direito de obter uma decisão

fundada no direito sempre que se cumpram os requisitos legalmente exigidos”57 (itálicos do

autor).

“Valendo-se da fórmula ambígua constante do art. 5º, XXXV – a lei não poderá ex-

cluir -, pode-se sustentar que, ao lado da tarefa conformadora, o legislador não está impedido

de restringir ou limitar o exercício do direito à proteção judicial, especialmente em razão de

54 “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as

instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei”. 55 Pode-se, respeitada evidentemente a orientação brasileira clássica, chamar-se condição para o julgamento de

mérito, ou requisitos para o julgamento de mérito, ou carência de condição para o julgamento de mérito, ou carên-

cia de requisito para o julgamento de mérito; não, porém, condição de ação ou carência de ação. Isto porque o

direito processual de ação é exercitado, quer o mérito seja apreciado, quer não; isto porque o juiz desempenha

função jurisdicional, quer profira sentença terminativa, quer profira sentença de mérito. 56 Ver Arruda Alvim, A ação e as condições de ação no processo civil contemporâneo, em 40 anos da Teoria Geral

do Processo no Brasil. Obra coletiva. Organização: Camilo Zufelato e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Malheiros,

2013, pp. 147 e ss. 57 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Portugal: Almedina, 7ª

ed., 2003, p. 498.

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eventual colisão com outros direitos constitucionais. Resta claro que o núcleo essencial do di-

reito fundamental à proteção judicial efetiva não pode ser agredido, porém a relatividade deste

núcleo essencial e a compreensão segundo a qual restrições operam externamente e não inter-

namente permitem que a dimensão a posteriori deste direito seja menor do que a sua feição a

priori”58 (itálicos do autor).

Ou seja, disciplinar o ingresso em juízo atende, precisamente, o desejo constitucional,

para que o Poder Judiciário seja acionado em face de real necessidade e não por mera conveni-

ência do jurisdicionado, a quem não é dado, por hipótese, escolher entre pedir a aposentadoria

administrativamente, apresentando os documentos necessários, e intentar ação judicial direta-

mente, de modo a gerar a substituição direta da atividade administrativa pela atividade judicial

(que, por sua parte, onera o erário, eis que a procedência do pedido implica a condenação em

encargos de sucumbência).

Isto porque, finalmente, essa postura do indivíduo compromete sensivelmente a pres-

tação jurisdicional àqueles que, justificadamente, vão ao Poder Judiciário; e nenhum direito,

nem mesmo o direito de ação, está imunizado pertinentemente a exercício abusivo, irregular,

desnecessário, inadequado, estritamente desproporcional ou, em outra perspectiva, egoístico.

4 . Caso das “Comissões de Conciliação Prévia” (CLT)

A Lei n. 9.958, de 12 de janeiro de 2000, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT), para autorizar a instituição, nos moldes aí expostos, de Comissões de Conciliação Pré-

via, condicionando a intentação de qualquer reclamação trabalhista à submissão prévia da de-

manda a essas Comissões, onde houvesse, conforme precisamente dispunha o art. 625-D (com

a redação da lei acima referida).

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade dessa exi-

gência legal, exatamente porque estaria a ferir o direito fundamental de ação, na medida em que

ao legislador ordinário não seria facultado impor essa condição – submissão prévia à sessão de

conciliação, como requisito para o ingresso em juízo, obrigatoriamente.

58 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Sa-

raiva, 10ª ed., 2015, p. 416.

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Não comungamos, enfim, com essa orientação, justamente porque não se trata de ex-

clusão de apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito, mas sim de disciplina-

mento tendo em vista o interesse público no bom funcionamento desse Poder; e também porque

se trata de método apto à solução pacífica da controvérsia, conforme quer a Constituição, já a

partir do preâmbulo. Se o método, no entanto, não cumprir a missão, aí sim – e somente nesse

caso - a porta de entrada do Judiciário haverá de abrir-se.

Seja como for, parece que a Suprema Corte, em face do entendimento prevalecente no

julgamento tratado no item anterior, com a nova composição tende à revisão dessa orientação,

para, assim, ajustar a função do Poder Judiciário, que não compreende definitivamente a subs-

tituição direta da atividade administrativa pública ou privada, devendo ser otimizada, raciona-

lizada, adequada à eficiência.

Engana-se a corrente que defende o ingresso irrestrito em juízo a pretexto de garantir

justiça, ou acesso à Justiça, porque a crise de justiça, enfim, não está na porta de entrada do

Judiciário, mas sim na porta de saída, e notadamente fora do seu âmbito. Garantia de acesso à

Justiça não se confunde absolutamente com garantia de admissão ao processo incondicional-

mente, porquanto acesso à Justiça não implica necessariamente o ingresso em juízo. Aliás, é

possível que o obstáculo de acesso à Justiça seja realmente a porta de entrada, porém, justa-

mente pela falta de disciplina, pelo ingresso desordenado, que ofende drasticamente, sob outra

perspectiva, a exigência constitucional de eficiência (que requer boa gestão pública, já a partir

dessa disciplina de ingresso).

Entretanto, se houver o ingresso em juízo, a garantia se estende logicamente a um

procedimento justo, com igualação de armas, sobretudo em nível instrutório, a uma decisão

justa e a uma execução justa, culminando, consectariamente, com um processo justo e efetivo.

Nessa toada, não se admite o descuido com a administração da justiça, tanto que, con-

forme citamos em outra passagem, a Corte Europeia dos Direitos do Homem já decidiu que

constitui direito fundamental da pessoa Le droit a une bonne administration de la justice59.

59 O direito a uma boa administração da justiça (Les grands arrêts de la Cour européene des Droits de l’Homme.

Paris, France: Thémes droit, 6ª éd., 2011, page 348).

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Hoje, sobretudo hoje, é imprescindível que se atente ao fenômeno de a mais grave

ofensa ao direito de acesso à Justiça não sitiar, enfim, na porta da frente, mas sim no curso do

processo e, sobretudo, na porta de saída, caracterizando essa trajetória, ante o caos instalado,

inescondível negação de justiça.

Vale a nota, ademais, em reforço ao que acima foi comentado - que acesso à Justiça

não implica necessariamente acesso ao Poder Judiciário -, acerca da moderna concepção do

direito fundamental à proteção de direito ameaçado ou lesado, consistente na “garantia de

acesso à justiça por qualquer meio adequado de solução de conflitos”60/61.

Em outros termos, permitir que, qualquer um, a qualquer pretexto, intente ação judi-

cial, equivale a negar justiça àquele que, concretamente, precisa intentá-la, na medida em que

produz demanda insuportável de ações, além de desviar a função precípua da jurisdição, tudo a

um custo social irreparável.

5. Falência do modelo atual, consequente denegação de justiça e necessidade de refor-

mulação da disciplina de ingresso ao Poder Judiciário ou, ao menos, de admissão ao pro-

cesso

Na linha do que se vivencia atualmente a admissão ao processo não importa necessa-

riamente em acesso à Justiça, antes disso, concretamente tem implicado denegação de justiça.

A Constituição Federal, por sua parte, objetiva verdadeiramente o acesso à Justiça, e

não o acesso ao Judiciário. Por certo, se para o acesso à Justiça for necessário o ingresso em

juízo, não poderá haver óbice a que isso ocorra. No entanto, disciplinar esse ingresso, condici-

onando-o, por hipótese, à conciliação prévia, não só não ofende o direito de acesso à Justiça,

como o prestigia; e esse é fundamentalmente o desejo da Constituição.

Aliás, já no preâmbulo da Constituição se infere esse desejo, ante a declaração de estar-

se a “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

60 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 11ª ed., 2013, págs.

52/54. 61 Res. n. 125/2010 do CNJ e art. 5º, XXXV, da CF.

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individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias”62.

Veja que o propósito constitucional primário, ao declarar-se que o Estado que se ins-

titui se destina “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segu-

rança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”, é o de propiciar

relações sociais equilibradas, proporcionais, imunes a conflitos. Todavia, é sabido que, em grau

mais intenso ou menos intenso, esse desiderato constitui utopia. Por isso, essa própria declara-

ção é finalizada com a mensagem de que, se houver conflito, haverá de encontrar-se, ou tentar-

se, primeiramente uma solução pacífica.

Solução pacífica de conflito compreende a solução por métodos consensuais, como a

mediação e a conciliação, preferencialmente em âmbito exoprocessual.

Por outros termos, a Constituição, já no preâmbulo, pois, dá preferência à solução dos

conflitos por métodos consensuais, relegando, consectariamente, à solução judicial, aquilo cuja

resolução não tiver sido possível extrajudicialmente.

Com efeito, parece tranquilo que o legislador ordinário pode impor condição para a

ida a juízo, sempre, evidentemente, que essa condição possa ser cumprida. Isto é – por óbvio -

, não se admite a exigência de prévia conciliação se manifestamente não for possível.

A conciliação não é possível claramente em várias hipóteses, a saber: se o bem em

conflito não admitir transação; se o réu estiver comprovadamente em lugar remoto ou inacessí-

vel; se o réu for desconhecido; em caso de extrema gravidade e urgência, em que a conciliação

prévia possa implicar o perecimento do próprio bem.

62 Os destaques em itálico são meus.

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Dito de outro modo, a conciliação prévia, pelo método da mediação ou da conciliação

clássica, nessa linha constitucional de pensamento, é a regra, cabendo excepcionalmente e jus-

tificadamente a dispensa. Neste caso – de dispensa -, sempre que possível haverá de ser reali-

zada judicialmente, afastado o impedimento que justificara, enfim, a dispensa prévia.

Cogitando-se de obrigatoriedade de tentar-se a conciliação prévia, quando for possível,

para justificar o ingresso em juízo, parece-nos tranquilo que o advogado, indispensável à admi-

nistração da Justiça63, poderá validamente encarregar-se do cumprimento dessa condição, de-

monstrando-a com a petição inicial64.

Aliás, pelo regime do art. 334 do NCPC nos parece, de igual modo, que a comprovação

com a inicial de ter havido tentativa de conciliação, sem êxito, justifica a dispensa da audiência

desde logo, para não se incidir no erro da formalidade pela formalidade (formalidade barroca),

embora a condução do ato por um mediador ou conciliador capacitado possa conduzir a resul-

tado exitoso – não se pode menosprezar essa hipótese.

6. Código de Processo Civil de 1973

Em que pese às inúmeras modificações introduzidas nesse código, notadamente

a contar de 1994, não houve avanço nesse particular, embora tenha sido nítida a preo-

cupação com a solução consensual dos conflitos65, procurando-se conscientizar sobre a

importância da solução pacífica dos conflitos internos, devendo, por isso mesmo, prefe-

rir à solução judicial.

Os dispositivos que tratam da conciliação nesse código trazem ínsita, de impor-

tante, a mensagem sobre a relevância democrática da solução pacífica dos conflitos,

coisa, enfim, que a Constituição Federal igualmente o faz.

63 CF, art. 133. 64 Do mesmo modo, por certo, o Ministério Público e a Defensoria Pública (ou o advogado público, quando for o

caso). 65 Art. 125, que teve acrescentado o inc. IV, pela Lei n. 8.952/94; art. 277, referindo-se no procedimento sumário

à audiência de conciliação endoprocessual, mas prévia à fase de resposta e, se for o caso, de instrução; art. 331,

cuja rubrica diz respeito à “audiência preliminar”, que chegou a ser tida como obrigatória (esse artigo, no que atina

ao texto original, foi modificado mais de uma vez; por último, a modificação foi pela Lei n. 10.444/02).

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Não há, todavia, condicionamento de comprovação de providência ativa de

parte do titular do direito, para a admissão ao processo judicial, nem obrigatoriedade de

sessão ou audiência de conciliação preliminar.

A questão, tal como se dará no NCPC, quando for o caso, deverá ser examinada

sob a perspectiva do interesse processual, conforme arts. 3º e 4º do CPC/73 e 17 e 19 do

NCPC, persistindo, certamente, a celeuma jurídica.

7. Novo Código de Processo Civil

Conquanto tenha havido significativo empenho na linha antes sustentada, de priorizar

sempre a solução pacífica do conflito – ou, por sua vez, a arbitragem -, não houve avanço,

claramente por temor de inconstitucionalidade, no campo da conciliação prévia, sempre que for

possível, como requisito para o ingresso em juízo.

Impende salientar que essa expressão “ingresso em juízo” vem sendo usada neste tra-

balho não com o significado de dar entrada na petição inicial, distribuindo-se-a, mas sim no

sentido de apreciação de mérito, na medida em que efetivamente a Constituição não permite

que esse acesso ao serviço judiciário seja negado, o que a Constituição deseja é que o serviço

voltado à solução do conflito somente seja prestado se essa solução não puder, por algum mo-

tivo sério, ser obtida por outros meios lícitos, como a conciliação prévia.

O Novo CPC, assim, filia-se à orientação contrária à que expomos, não instituindo a

conciliação prévia, quando isso for possível, como requisito para o exame do pedido em juízo66,

eis que prevaleceu a ideia de essa exigência não se compatibilizar com a Constituição Federal.

Dispõe, pois, seu art. 3º: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível,

a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução

consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e

membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

66 Para a doutrina brasileira clássica: condição de ação do interesse processual.

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Perdeu-se, entretanto, uma oportunidade de ouro para a disciplina desse ponto, otimi-

zando e racionalizando, consequentemente, o serviço judiciário e cumprindo-se, conforme an-

teriormente destacado, o desejo constitucional estampado já no preâmbulo da Constituição.

Seja como for, a esta altura consta claramente que o Estado promoverá, sempre que

possível, a solução consensual dos conflitos (§ 2º acima transcrito) e que a conciliação, a me-

diação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes,

advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do pro-

cesso judicial (§ 3º).

Por sua vez, o art. 139, inc. V dá ao juiz a incumbência de “promover, a qualquer

tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judi-

ciais”67, passando o conciliador e o mediador à classe dos auxiliares da Justiça, conforme título

IV do livro III68.

Conquanto Estado – o Estado promoverá, consoante § 2º do art. 3º, acima citado –

compreenda o Legislativo e o Executivo, a ideia central do NCPC é a de atribuir ao Poder

Judiciário, primordialmente, a devida concretização, tanto que o art. 165 preceitua: “Os tribu-

nais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização

de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas desti-

nados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.

Por sua vez, preserva-se a livre autonomia dos interessados, conforme dispõe o § 4º

desse artigo e, em âmbito processual – depois da distribuição da petição inicial -, decorre das

previsões do inc. VII do art. 319 e dos §§ 5º e 4º, inc. I do art. 334.

Todavia, cuida-se de interesse público, que deve prevalecer sobre o interesse privado,

eis que tem a ver com a administração da justiça, com garantia de acesso à Justiça a todos

aqueles que, concretamente, necessitam.

Se não houver racionalidade, com o devido disciplinamento da entrada, não há em-

presa pública de prestação de serviço que dê vazão eficiente à demanda, lembrando que o Poder

67 Nesse sentido, apenas não fazendo referência a conciliador ou mediador, o art. 125, IV do CPC/73. 68 Veja, ademais, arts. 165 a 175.

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Judiciário é prestador de serviço por excelência e que o processo, sob esse ponto de vista, cons-

titui serviço público.

8. Lei n. 13.188, de 11 de novembro de 2015 - direito de resposta (Art. 5º, V da CF)

Consoante foi observado atrás, ao final das considerações preambulares, o le-

gislador infraconstitucional, a esta altura da história atento às consequências práticas,

altamente nocivas, pois implicam denegação de justiça, que a ideia de ingresso indisci-

plinado em juízo produz, exemplarmente introduziu a condição do interesse materiali-

zado para a admissão ao processo judicial.

Assim, dispõe o caput do art. 3º da lei em epígrafe, exigindo postura substanci-

almente ativa do ofendido, nestes termos: “O direito de resposta ou retificação deve ser

exercido no prazo decadencial de 60 (sessenta) dias, contado da data de cada divulgação,

publicação ou transmissão da matéria ofensiva, mediante correspondência com aviso de

recebimento encaminhada diretamente ao veículo de comunicação social ou, inexistindo

pessoa jurídica constituída, a quem por ele responda, independentemente de quem seja

o responsável intelectual pelo agravo”.

Ademais, vale reproduzir, aqui igualmente, o caput do art. 5º, com a seguinte

redação, clara em si: “Se o veículo de comunicação social ou quem por ele responda não

divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de 7 (sete) dias, con-

tado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3o, restará caracterizado o

interesse jurídico para a propositura de ação judicial” (destaquei).

Infere-se, pois, que o legislador passa a sensibilizar-se a tal propósito e a chamar

o titular do direito à responsabilidade democrática no que atina a exercitá-lo, de partida

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havendo esse exercício de ser democraticamente regular, com o devido disciplinamento

do ingresso em juízo69.

9. Solução judicial e pacificação

A solução judicial do conflito pelo método tradicional, da imposição pela substituição

da vontade do vencido, não contribui significativamente com a pacificação, contrariamente ao

que amplamente e tradicionalmente se tem sustentado.

Por certo, se outra solução não puder ser obtida, considerando que o equilíbrio social

e a ordem jurídica dependem da solução do conflito, para que não sejam instaladas a anarquia

e a lei do mais forte, esse método há de imperar. Todavia, embora a pacificação seja o alvo,

raramente será conseguida, coisa que os métodos consensuais conseguem, ou pelo menos se

apresentam democraticamente e socialmente mais aptos, justamente porque a solução pacífica

implica inexoravelmente o desarmamento anímico das pessoas afetadas pela discórdia. Afinal,

o composto70 é melhor que o imposto71.

Por isso mesmo, o interesse público exige que a ida ao Judiciário dependa da demons-

tração do interesse processual, consistente especialmente na necessidade concreta da tutela ju-

risdicional (que também deve ser adequada e útil).

10. Considerações finais

Excluir72, pois, significa excluir, não compreendendo admissão incondicional, notada-

mente porque a admissão incondicional fere a um só tempo dois importantes pilares constituci-

onais: o valor supremo de uma sociedade fundada na harmonia social e no comprometimento

interno com a solução pacífica das controvérsias, entre seus próprios pares (solução pacífica

69 Veja: princípio da proteção do núcleo essencial; ou limites dos limites (Schranken-Schranken). Recomendamos,

de início, a leitura do Curso de Direito Constitucional, de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco,

especialmente pp. 211 e ss. (São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015). 70 Construção de algo pela comparticipação ou “formar de várias coisas um todo” (Michaelis). 71 “Pôr sobre ou em cima de”; “sobrepor”; “fazer aceitar à força” “obrigar” – entre outros (Michaelis). 72 Núcleo da cláusula de inafastabilidade (“ a lei não excluirá ...”).

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fora do Judiciário ou, em última análise, dentro do Judiciário, mas em nível de solução consen-

sual – conforme mensagem, a esta altura, do NCPC); desvirtuamento da função democrática

primordial do Poder Judiciário, consistente na solução de conflitos, com a substituição da ati-

vidade pública ou privada, subsidiariamente, seletivamente.

A conscientização social talvez seja o mais valioso instrumento para que essa trans-

formação se efetive e seja sentida, porque tem a ver com a educação de um povo, componente

curricular da Sociologia.

Em terra que as pessoas não cumprem a palavra, não cumprem os contratos, não qui-

tam suas dívidas, querem levar vantagem em tudo, não respeitam os direitos alheios, não res-

peitam o meio-ambiente, não cumprem as condenações, o processo foi transformado em “vale

tudo”, a injustiça impera.

É altamente vantajoso ao devedor, paradoxalmente, por hipótese, a judicialização da

dívida, com o processo se tornando um bom negócio para ele, quando, pois, deveria ser exata-

mente o contrário, eis que processo judicial não pode derradeiramente ser um bom negócio ao

devedor73 ou vencido.

Seja como for, sob o enfoque técnico-jurídico, a Constituição Federal, respeitados va-

liosos entendimentos em sentido contrário, não proíbe o disciplinamento do ingresso em juízo,

antes, esse é fundamentalmente seu desejo democrático, competindo ao Poder Judiciário dar

solução às lides74, por imposição, sempre que não tiver sido possível a solução pacífica, prefe-

rencialmente fora de seu âmbito ou, se aforado o pedido, em seu âmbito.

Finalmente, nessa linha, a nova lei que regulamenta o direito fundamental de resposta,

mostra que o legislador infraconstitucional volta atenção a essa problemática e se afina com a

ideia de disciplinamento da admissão ao processo, como atividade política indispensável ao

73 Não nos referimos ao processo de recuperação ou falência ou, ainda, ao processo de insolvência civil. Estes,

sim, destinam-se precipuamente à recuperação do devedor em crise. 74 Lide é conceito exoprocessual, que o processo o tomou emprestado, sequer, aliás, referindo-se unicamente a

mérito, com o perdão de parcela significativa da doutrina brasileira.

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bom funcionamento do processo, para, por conseguinte, cumprir a nobríssima missão de prote-

ção judicial efetiva a direito ameado ou lesado, igualmente e principalmente com adequação

temporal.

Aliás, o NCPC não se manteve alheio a essa pauta, exigindo, ao lado da legitimidade,

a caracterização do interesse processual para que o mérito seja apreciado; e interesse processual,

é velho e revelho, tem implicada a necessidade de ingressar em juízo, que se configura com o

conflito, ainda que seja no âmbito de ameaça a direito (que a ação, ademais, pressupõe).

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IV - DEVIDO PROCESSO LEGAL

Nullus liber homo capiatur vel imprisonetur aut dis-

seisietur de libero tenemento suo vel libertatibus, vel

liberis consuetudinibus suis, aut utlagetur, aut exule-

tur, aut aliquo modo destruatur, nec super eo ibimus,

nec super eum mittemus, nisi per legale judicium pa-

rium suorum, vel per legem terrae75.

1. Noções gerais

Sob a perspectiva do direito anglo-saxão e coerentemente com essa perspectiva se de-

senvolve o devido processo legal, desde a Carta de João Sem-Terra, do ano de 121576, com a

recepção notadamente pelo direito norte-americano.

As Constituições brasileiras, contando a do Império, sempre foram influenciadas pela

Constituição norte-americana, culminando com a consagração pela Constituição de 1988 da

própria terminologia. Essa foi a primeira e única Constituição brasileira a positivar, enfim, o

devido processo legal.

Nessa linha de ideia, desenvolve-se igualmente a razoabilidade e a racionalidade, so-

bretudo nos Estados Unidos, que, conforme dito acima, prestigiam, fundamentalmente, o due

process of law.

Por outro lado, fala-se em proporcionalidade, cujo berço é o direito alemão; e como

será visto, quer dizer o que se diz sobre o devido processo legal, seja na esfera material ou

processual, seja no âmbito do direito público ou do direito privado.

75 Redação original, em latim. 76 Magna Carta (Inglaterra).

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Fala-se ainda em equidade, que significa igualdade ou justiça concreta. O seu berço é

remoto, remetendo-se a Aristóteles. A equidade, que pode ser traduzida simplesmente para jus-

tiça concreta, atua em várias frentes, desde a produção da lei pelo legislador à produção do

direito pelo próprio juiz, em caso de lacuna e de impossibilidade de aplicar-se a analogia, por

inexistir norma similar, aplicando-se os costumes ou os princípios gerais do direito; e, também,

em face de normas de tessitura aberta ou conceitos indeterminados.

Nessa linhagem, todavia, deve-se atentar, conforme será examinado em tópico se-

guinte, que julgar por equidade é diferente de julgar com equidade.

Ademais, o devido processo legal por si confere à pessoa o direito subjetivo de acesso

eficiente à justiça, aí compreendidos o ingresso em juízo, o procedimento seguro e adequado, a

justiça da decisão e a efetividade77, tudo em tempo razoável.

Se houver necessidade, seja por omissão legislativa ou devido a lei que na prática deixe

de cumprir a função constitucional, compete ao juiz o exercício da criatividade visando à supe-

ração desse empecilho à realização do direito da pessoa, mediante o emprego de técnicas pro-

cessuais concretamente adequadas, incluindo em plano de tutela provisória, satisfativa ou me-

ramente acautelatória.

Isto porque à pessoa, a quem maciçamente não é dado valer da própria força para rea-

lizar seu direito, o devido processo legal garante a realização útil desse direito em esfera judi-

ciária, consectariamente em processo justo, democraticamente desempenhado.

Vale, ademais, a nota acerca da tendência deste estudo, mais voltado ao processo civil

e ao direito privado, em que pese à tradição de se estudar o devido processo legal em âmbito de

direito público. Por isso mesmo, conquanto vá haver digressão acerca de direito público, a ideia

é sugerir a sua incidência amplamente no direito privado, como na relação contratual. O pro-

cesso civil sabidamente é ramo do direito público e reiteradamente se escreve e se fala sobre o

devido processo legal no seu âmbito.

77 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 31ª ed., 2015, pp. 55/58.

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Segundo também será visto adiante, o devido processo legal, na sua evolução, com-

preende os sentidos processual e material. Para que o processo seja justo, é imprescindível que

a ordem jurídica e o procedimento, eles próprios, sejam-no. Aliás, hoje, melhor se tem tido,

devido processo constitucional78.

2. Origem e evolução

Nullus liber homo capiatur vel imprisonetur aut dis-

seisietur de libero tenemento suo vel libertatibus, vel

liberis consuetudinibus suis, aut utlagetur, aut exule-

tur, aut aliquo modo destruatur, nec super eo ibimus,

nec super eum mittemus, nisi per legale judicium pa-

rium suorum, vel per legem terrae79.

Conquanto esse enunciado constitua o art. 39 da Carta de João Sem-Terra, está, como

se vê, em latim, eis que consubstanciava um pacto exclusivo entre os nobres e o rei, desejando-

se, pois, que a proteção fosse estritamente a essa classe de pessoas. Por sua importância histórica

fizemos constá-lo da abertura desta pauta, conforme pode ser visto acima, logo após a nomeação

do título.

O pobre ou desfavorecido, que, já àquela época, compunha a maioria social, não tinha

acesso ao latim e, consectariamente, por mais de um século, período em que o texto foi mantido

nesse idioma, ficou à margem da proteção.

Apesar dessa exclusão execrável, por implicar abominável discriminação infundamen-

tada, esse texto consagrou pela primeira vez o direito per legem terrae, impedindo a atrocidade

governamental, especialmente, àquele tempo, do despreparado e truculento rei João Sem-Terra.

78 Veja, por ex.: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. 79 In CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporci-

onalidade. Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed., 2010, p. 6.

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Somente no ano de 1354, por sua vez, a expressão per legem terrae ou, em inglês, by

the law of the land foi vertida em lei e traduzida para due process of law, por um legislador

desconhecido na história80.

As colônias inglesas no continente americano, situadas em território hoje nomeado

norte-americano, recepcionaram-no, constando das Cartas de Maryland, Pensilvânia e Massa-

chusetts. Depois, vieram a Declaração da Virgínia e a Declaração de Delaware, ambas em 1776.

A Constituição Federal dos Estados Unidos, de 1787, por sua parte, definitivamente

consagrou o princípio do due process of law, competindo desde então à sua Suprema Corte a

definição necessária à sua concretização81, afinal, para os americanos, o conceito de legalidade

“coincide com a supremacia da Constituição segundo declarada pelos juízes e tribunais”82.

No entanto, no que atina à origem, Ruitemberg Nunes Pereira83 sustenta ter sido na

Alemanha, na alta idade média (séc. XI), constituindo mito a doutrina de a origem ter sido na

Inglaterra. Na Inglaterra, diz ele, houve o desenvolvimento84.

Seja como for, de conformidade com o que ficou registrado no início desta exposição,

este estudo leva em consideração a origem na Inglaterra, a partir da Magna Charta de 1215.

3. Direito natural85 - mero reconhecimento

A vida, a liberdade e a propriedade constituem direito natural, nomeadas e reconheci-

das pelo Estado. O fato de alguns Estados não reconhecerem essa categoria de direito, o mais

das vezes a partir de um modelo religioso, não interfere na sua real existência. O que, por seu

80 Isto se deu no reinado de Eduardo III. 81 Vale ler a experiência no atinente a ações afirmativas nos Estados Unidos, apresentada por Paulo Lucena de

Menezes, sob o título “A ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano”. São Paulo: RT, 2001. 82 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcio-

nalidade. Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed., 2010, pág. 13. 83 O princípio do devido processo legal substantivo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pág. 5. 84 Inglaterra Feudal (Séculos XI a XIII). 85 Direito humano (essencial à pessoa).

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turno, no mais amplo sentido, disser respeito à vida, à liberdade e à propriedade está natural-

mente compreendido no devido processo legal, em que pese enfim à dissonância de alguns

sistemas no que atina ao seu acolhimento, sobretudo no campo da concretização.

O abismo geralmente verificado entre a existência natural do direito e sua textualização

legal ou entre esse estado de positivação normativo e a fruição concreta não o fulmina na pers-

pectiva da existência. Isto porque essa linhagem de direito é imanente à pessoa humana, não

dependendo, destarte, do reconhecimento estatal para existir.

Não se concebe, por exemplo, senão o argumento de constituir direito natural da mu-

çulmana sudanesa converter-se à religião cristã, nada justificando a punição dela com a pena

capital86 porque não quis renunciar à fé cristã e regressar ao islã87. O fato de o Sudão, segundo

a sharia88, não reconhecer esse direito não significa que a pessoa não o tenha naturalmente,

donde se visualiza francamente o fosso, o abismo antes dito, entre o plano da existência e o

plano do reconhecimento estatal.

Nesse caso, o devido processo legal, embora exista, não é respeitado, na medida em

que a sharia não o admite ou dá a ele um significado que o senso comum universal não o dá.

Siqueira Castro89, lembrando o Bill of Rights referente à Constituição do Estado de

New Hampshire, de 1784, destaca aí essa virtude, consistente na “veemente e costumeira exor-

tação dos direitos naturais inerentes aos seres humanos, dentre eles, nomeadamente, o desfrute

e a defesa da vida, da liberdade e da propriedade”.

Muito embora a fruição do direito possa subordinar-se ao reconhecimento estatal e à

sua concretude, não se pode afirmar que a sua existência dependa desse estado, quer em nível

formal quer de concretização, reafirmando-se com essa proposição o plano da existência ima-

nente do direito.

86 Além de cem chibatadas. 87 O processo, aliás, é altamente polêmico, constando que a mulher sequer era muçulmana, mas apenas filha de

muçulmano, criada, no entanto, só com a mãe, segundo o cristianismo ortodoxo. 88 Lei islâmica. Veja apostasia e Código Penal sudanês (1991). 89 Obra citada, pág. 11.

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Deliberadamente não será tecida consideração concernentemente à religiosidade com-

preendida no tema, porque se crê que toda pessoa, independentemente da fé que a move, dessa

qualidade propriamente seja titular de direitos desse grupo. Não importa se houve ou há um

grande criador ou se tudo decorre de ação e reação físicas e de transformações naturais; a pessoa

humana existe e porque existe tem direitos inerentes, como o de respirar de um ar saudável.

Aliás, adverte Montesquieu90: “É preferível dizer que o governo mais conforme à na-

tureza é aquele cuja disposição particular melhor se relaciona com as disposições do povo para

o qual foi ele estabelecido”.

4. Caráter universal – modelo constitucional universal91

Quando se faz referência acima ao caso sudanês, procura-se identificar justamente o

caráter universal da garantia do devido processo legal, utilizando-o nesta passagem para chamar

atenção acerca da mobilização mundial contrariamente ao julgamento e particularmente à san-

ção imposta à sudanesa que teria cometido apostasia92.

Esse sentido de processo injusto e notadamente de sanção desproporcional93, quer a

partir da literalidade da lei94 ou de sua interpretação torcida95, emerge da alma humana como a

lava emerge na erupção vulcânica, espontaneamente.

Uma coisa é a adesão espontânea a dada religião ou a dado regime político; outra coisa

muito diferente é o cerceamento do direito da pessoa desligar-se da religião ou do regime polí-

tico, seja mulher seja homem, e implacavelmente, caso haja a ruptura, emergir um decreto de

morte e a imediata execução.

90 Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Melville. Coleção a obra-prima da cada autor. São Paulo: Martin Claret,

2007, pág. 22. 91 Não se ignora a posição do STF, classificando a norma de convenção internacional sobre direitos humanos de

“supralegal” (entre legal, supralegal, constitucional e supraconstitucional). 92 Afastamento ou abandono da religião. 93 Poderia ser dito: irrazoável, irracional, iníqua. 94 Lei materialmente em descompasso com o sentimento comum de justiça substancial. 95 Pode acontecer de a condenação ser fruto de leitura vesga, devido, por exemplo, a fanatismo religioso.

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A universalidade de valores faz brotar um modelo constitucional universal para os po-

vos constituídos materialmente por valores essenciais comuns96, como ocorrem com a Europa

Ocidental e as Américas.

Não se afirma acerca da necessidade ou viabilidade de uma Constituição formal uni-

versal97, mas sim a respeito de uma constituição espontânea pela convergência de valores entre

esses povos, o que leva a dizer que a ofensa a um direito essencial dói aqui e dói acolá, repug-

nando tanto quanto.

Aliás, já dizia Aristóteles: “Assim como fogo que queima em todas as partes, o homem

é natural como a natureza e por isso tem direito a defesa”98/99.

O devido processo legal está inserido no que Miguel Reale chama de “invariáveis axi-

ológicas”, “para designar os valores que, uma vez adquiridos pela espécie humana, tornaram-

se irrenunciáveis e considerados imanentes à própria natureza humana”100.

Se assim o é, entre esses povos de “grau comum de civilização” há um código natural,

espontâneo, como vetor do comportamento humano.

5. Constituição da República (1988)

Apesar de o direito brasileiro considerar o devido processo legal bem antes, ante a

forte influência da Constituição norte-americana, foi a Constituição Federal de 1988 que pela

primeira vez o positivou, nos seguintes termos (art. 5º, inc. LIV): “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

96 Em direito internacional se usa a expressão “comum grau de civilização” para designar esse fenômeno. Veja

citação em Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao estudo do direito, 23ª ed., pág. 134. 97 O direito internacional de certa forma se destina a isso, respeitando-se a soberania de cada nação. Os tratados e

organismos políticos como a ONU visam à universalização desses direitos essenciais à pessoa humana, isto porque

uma condenação flagrantemente injusta em um país ecoa mal em todos os demais povos de “comum grau de

civilização”. 98 Apud Regis de Oliveira, “Em defesa dos direitos humanos”, Câmara dos Deputados, Brasília, 2010. 99 Lê-se “direito a defesa” como direito a defesa de seus direitos. 100 Apud Siqueira Castro, op. cit., pág. 134, nota de rodapé 3.

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O Brasil, por sua vez, como se sabe à exaustão, adota o regime de controle concreto e

de controle abstrato de constitucionalidade. Por isso, diante da abrangência do princípio, com-

pete igualmente101 ao juiz e ao tribunal, notadamente ao Supremo Tribunal Federal, a definição

de seu significado e alcance, quer estreitamente na solução concreta de determinado caso quer

para serventia à solução de outros.

Daí porque ao Supremo Tribunal Federal compete dizer se determinada ação afirma-

tiva, como o sistema de cotas, é constitucional ou se fere o princípio da isonomia, um dos com-

ponentes do devido processo legal e de importância ímpar, tanto que o constituinte o tratou

destacadamente, similarmente ao tratamento dispensado a outros subprincípios – ou garantias

especiais102 -, como o do contraditório e o da amplitude de defesa, com os meios e recursos a

ela inerentes.

Destarte, nessa linha o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a política de cotas

étnico-raciais para estudantes é constitucional103.

6. Sentidos: genérico, material e processual

Em sentido genérico o devido processo legal “caracteriza-se pelo trinômio vida-liber-

dade-propriedade”104. Desse modo, conforme foi dito anteriormente, “Tudo o que disser res-

peito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause”105/106.

Na fonte histórica107 a leitura do devido processo legal era unicamente processual.

Com a evolução, todavia, passou a contemplar o sentido substancial, extensivo ao direito pri-

vado, notadamente quando se exercita poder.

101 Veja modelo norte-americano. 102 Falando em devido processo legal como “garantia geral” e contraditório ou outros princípios destacados na CF

como “garantia especial”, ver: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015. 103 Veja ADPF 186, ajuizada pelo DEM (julgamento ocorrido em 2012). 104 Nery Junior, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. SP: RT, 11ª ed., 2013, p. 94. 105 Idem. 106 Vale sobre esse tema ler Nery Jr, op. cit. 107 Carta de João Sem-Terra.

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Com isso, se a lei não for razoável, equável, sofre incuravelmente de inconstituciona-

lidade; se um contrato, que é regulado naturalmente pela equidade, ferir drasticamente o equi-

líbrio, conferindo vantagem desproporcional a um contratante em detrimento do outro, dá-se a

ofensa ao justo processo material, podendo o juiz interceder com vistas a equacioná-lo.

É possível que sejam usadas outras terminologias, como boa-fé objetiva, equidade,

equilíbrio contratual, proporcionalidade, razoabilidade, dignidade da pessoa humana; mas essas

expressões não significam, sob o ponto de vista do processo material justo, que não haja impli-

cação do devido processo.

Seja no processo penal ou não penal, seja no processo judicial ou administrativo, neste

compreendido o procedimento em temas privados, como em condomínios edilícios, associações

ou assuntos societários, o devido processo, nesse sentido processual, emerge imperativo, geral-

mente traduzido no respeito ao contraditório dinâmico – também dito, modernamente, efetivo

ou democrático - e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e, assim, com ampla

produção de provas adequadas.

Se determinada sanção a um condômino, no condomínio edilício, for imposta sem a

observância do contraditório e da ampla defesa ou se for desconexa ou claramente despropor-

cional, dar-se-á a violação ao devido processo legal – isto é: devido processo constitucional -,

competindo ao juiz a invalidação do procedimento.

7. Proporcionalidade, razoabilidade e racionalidade

Tem-se identificado na proporcionalidade o caráter trifásico108, compreendendo a ade-

quação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito109, com ponderação entre meio

e fim. É preciso, pois, que o meio eleito seja adequado à consecução do fim objetivado; que

haja real necessidade de sua eleição, notadamente em comparação a outros meios possíveis;

que a relação custo-benefício seja favorável, justificando a utilização do meio.

108 Humberto Ávila. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malhei-

ros, 14ª ed., 2013, p. 184. 109 Humberto Ávila, obra citada, pp. 182/196.

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Consoante Gisele Góes110, escrevendo sobre “proporcionalidade e ponderação”, “Se o

ônus vencer, a lei é inconstitucional, por causa da ponderação realizada, e, por via de resultado,

desproporcional para o sistema jurídico”.

Humberto Ávila111, ademais, discorre com maestria acerca do tema, incluindo aí inda-

gações sobre o que seria adequado, o que seria necessário e o que seria proporcional na conjun-

tura. Além disso, o autor se preocupa com sua justa aplicabilidade, “sob pena de a proporcio-

nalidade, que foi concebida para combater a prática de atos arbitrários, funcionar, paradoxal-

mente, como subterfúgio para a própria prática de tais atos”112.

O princípio da proporcionalidade nada mais é do que o princípio do devido processo

legal. Os Estados Unidos, por exemplo, não são adeptos do termo proporcionalidade, mas pra-

ticam seu conteúdo, sob a roupagem de due process of law ou razoabilidade ou, ainda, raciona-

lidade.

A proporcionalidade é detectável no âmbito material, quer no direito público quer no

direito privado, e igualmente na esfera processual; e é inerente ao Estado de Direito e à própria

ideia de Direito.

Veja o caso da Alemanha. A sua Lei Fundamental não explicita a proporcionalidade,

mas seu Tribunal Constitucional decidiu exatamente nesse sentido, constando que é da própria

essência do Estado de Direito e da ideia de Direito113.

Embora, por exemplo, a propriedade seja materialmente e formalmente um direito fun-

damental, e a atividade econômica seja manifestação lógica desse direito, não pode ser explo-

rada no interesse único do empresário, nem um contrato pode validamente ser celebrado em

descompasso com o equilíbrio entre as partes.

110 Gisele Santos Fernandes Góes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p.

79. 111 Obra citada. 112 Humberto Ávila, obra citada, p. 184. 113 Gisele Santos Fernandes Góes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2004,

pág. 95, nota de rodapé 217 (citando Helenilson Pontes).

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Equilíbrio contratual, equidade contratual, concordância prática contratual, são apenas

maneiras diferentes de dizer proporcionalidade, de dizer que se o contrato for desproporcional

poderá ser reescrito com frugalidade pelo poder estatal, até ao ponto necessário à consecução

do equilíbrio constitutivo e imanente à relação contratual. Afinal, um trato a dois, em âmbito

genuinamente privado, igualmente pressupõe justiça, não concebendo excessiva vantagem a

um dos contratantes e em contrapartida manifesta onerosidade ao outro.

Um contrato injusto, por estabelecer obrigações e correlatamente proveitos despropor-

cionais, é, por conseguinte, um contrato irrazoável, irracional, iníquo, desequilibrado, embora

se possa, como o faz maciçamente a doutrina, indicar diferenças conceituais, o que parece apego

exagerado ao preciosismo (mero formalismo científico), na medida em que essencialmente di-

ferença não há.

Releva assinalar que a origem do termo não se presta absolutamente a apontar discre-

pância de conteúdo, servindo unicamente à referência histórica. Afirmar que o berço da propor-

cionalidade é o direito alemão e o da razoabilidade é o direito anglo-americano e que só por

isso há diferenças significativas entre si, com respeito à conceituada doutrina a propósito, pa-

rece desapego ao conteúdo, que é realmente o que importa (indagação acerca da configuração

prática e das consequências práticas de um e de outro).

Ademais, no caso brasileiro, a dignidade da pessoa humana constitui princípio funda-

mental da República Federativa do Brasil114 e entre os seus objetivos fundamentais estão a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos115.

Uma relação desproporcional, desarrazoada, seja entre a pessoa e o Estado seja entre

as pessoas entre si, como no contrato, exige pronta atuação da República, por sua parcela de

poder competente, visando a restabelecer o indispensável equilíbrio e, consectariamente, a jus-

tiça concreta, que, por sua parte, restaura a dignidade da pessoa, inexoravelmente aniquilada.

Não se cuida de mero compromisso político desprovido de exigibilidade, antes, carac-

teriza um dever democrático estatal.

114 Veja art. 1º, inc. III. 115 Veja art. 3º, incs. I e IV.

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De acordo com o que foi falado há pouco, as Constituições brasileiras, desde a do

Império, sempre foram fortemente influenciadas pela Constituição norte-americana, culmi-

nando, por isso mesmo, com a consagração em nível de positivação constitucional do devido

processo legal.

Coerentemente, a Constituição Federal de 1988 não faz referência expressa à propor-

cionalidade, que, no entanto, está compreendida no devido processo, em âmbito material ou

processual, a par da natureza intrínseca ao Estado de Direito e à própria ideia de Direito.

8. Equidade e igualdade

Relativamente à equidade, consoante exaltação de Aristóteles, em Ética a Nicô-

maco116, é “uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade” (isto

é: devido processo em sentido material).

A equidade, no entanto, não se reduz a esse sentido, pois incide na própria produção

da lei, na sua interpretação e na sua aplicação, ora tendo a serventia ao juiz de produção da

norma apta à solução concreta do conflito ora à realização do direito, quer se cuide de decisão

por equidade quer se cuide de decisão com equidade.

O legislador, partindo da necessidade social específica, visando à igualdade material,

toma em consideração a diversidade de fatores conexa para a edição de leis que propiciem jus-

tiça concreta, preventivamente e repressivamente.

O juiz, concretamente, levando em conta os elementos de interpretação para depurar o

significado e o alcance da lei, humaniza-a, conferindo acabamento à produção legislativa e,

assim, solucionando o conflito equidosamente117.

Se a lei, voluntária ou involuntariamente, for omissa no que atina àquele ponto em

exame, sem que haja outra disposição legal para ponto semelhante ou costume consolidado ou,

116 Coleção a obra-prima de cada autor. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007. 117 Conforme ensinamento de Vicente Ráo, o direito deve ser “aplicado por modo humano e benigno”. O direito

e a vida dos direitos. São Paulo: RT, 5ª ed., 1999, pág. 89.

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ainda, princípio geral de direito aplicável à espécie, o juiz, diante da proibição de invocar o non

liquet, produzirá concretamente a norma que proporcionará a devida solução. Isto igualmente

se verifica com relação às normas de tessitura aberta ou conceitos indeterminados.

Vale notar que a equidade não autoriza absolutamente o arbítrio ou a decisão a partir

de critérios pessoais do juiz dissociados do padrão comum adotável naquele meio social, equi-

valente a decisionismo ou solipsismo.

Quer o legislador na edição da lei, quer o juiz na atuação concreta, não podem divor-

ciar-se, a pretexto de equidade, do sentido comum de justiça para aquele certo povo em sintonia

com o “comum grau de civilização”118.

A discricionariedade que se extrai da equidade não é absoluta, mas antes, é vinculada

ao próprio modelo, principalmente aos princípios constitucionais, e limitada ao estritamente

necessário à solução concreta justa, não se admitindo o chamado decisionismo ou o julgamento,

enfim, embasado em critérios exclusivamente pessoais do julgador, alheios a tudo (solipsismo).

Nessa toada já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em duas oportunidades, acerca

do art. 1.109 do CPC de 1973119, balizando a sua incidência. Esse preceito, a respeito de juris-

dição voluntária, estabelece: “O juiz decidirá o pedido no prazo de dez dias; não é, porém,

obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que

reputar mais conveniente ou oportuna”.

Isto não quer dizer que o juiz possa, valendo-se, enfim, de critérios pessoais, abandonar

o senso comum de justiça ou deixar de observar o contraditório ou enveredar para solução con-

trária à disposição clara de direito material.

O Superior Tribunal de Justiça, desse modo, conforme referência acima, já proferiu a

seguinte decisão: “O art. 1.109 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, nos pro-

cedimentos de jurisdição voluntária, à observância do critério de legalidade estrita, abertura

essa, contudo, limitada ao ato de decidir, por exemplo, com base na equidade e na adoção da

solução mais conveniente e oportuna à situação concreta. Isso não quer dizer que a liberdade

118 Veja citação em Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao estudo do direito, 23ª ed., pág. 134. 119 NCPC, art. 723, parágrafo único.

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ofertada pela lei processual se aplique à prática de atos procedimentais, máxime quando se tratar

daquele que representa o direito de defesa do interditando”120.

Não é possível, assim, aproveitando o caso de interdição constante do julgado cuja

ementa foi transcrita acima, por entender o juiz que o interditando, já muito idoso e enfermo,

não reúne minimamente condição de gerir os seus bens, que seriam tantos, decretar a perda

deles favoravelmente aos seus filhos, numa espécie de partilha antecipada, ao manto protetor

da equidade, porque a isso a equidade não conduz, definitivamente.

Ainda que, nesse exemplo, o juiz reserve bens cuja renda seja suficiente à subsistência

do interdito, colocando-os sob a administração de um dos herdeiros, essa solução não seria

possível.

O modelo infraconstitucional brasileiro prevê a equidade na Lei de Instrução às Nor-

mas do Direito Brasileiro, art. 5º, prescrevendo que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos

fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Ademais, o art. 127 do CPC de 1973121 dispõe que “O juiz só decidirá por equidade

nos casos previstos em lei”, merecendo esse dispositivo do mesmo modo o pronunciamento do

Superior Tribunal de Justiça, que assim o fez: “A proibição de que o juiz decida por equidade,

salvo quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a aplicação do direito

objetivo por seus critérios pessoais de justiça. Não há de ser entendida, entretanto, como ve-

dando se busque alcançar a justiça no caso concreto, com atenção ao disposto no art. 5º da Lei

de Introdução”122.

Entre outros, consta autorização expressa para o emprego da equidade pelo juiz nas

seguintes leis: Código de Defesa do Consumidor, art. 7º; Lei dos Juizados Especiais (Lei n.

9.099/95), art. 6º; Lei de Locação (Lei n. 8.245/91), art. 4º; Código Civil, arts. 413, 928, pará-

grafo único e 1.694, § 1º; Código de Processo Civil, arts. 20, § 4º; Lei Estadual123 n. 11.608/03,

art. 4º, § 2º.

120 REsp 623.047 (Min. Nancy Andrighi). 121 NCPC, art. 140, parágrafo único (com redação idêntica). 122 RSTJ, 83/168. 123 Lei de Custas do Estado de São Paulo.

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Demais disso, cuidando-se de ação de indenização por dano moral, diante da indeter-

minação jurídica do conceito, a valoração pelo juiz a respeito, para chegar à conclusão de ter

havido dano moral indenizável (que desborde de mero dissabor inerente à vida em sociedade)

ou de não ter havido dano moral dessa classe, cuida-se de exercício puramente equitativo.

Por sua vez, concluindo-se pela configuração de dano moral indenizável, a fixação do

valor em pecúnia da indenização, em caso, pois, de procedência do pedido, trata-se, igualmente,

de exercício genuinamente equitativo, tanto que sequer há cogitar de sucumbência recíproca

quando a fixação for inferior ao valor indicado pelo ofendido124, embora justifique recurso pelo

ofendido.

Talvez, entretanto, esse cenário por último mencionado sofra modificação na vigência

do NCPC, diante da previsão do art. 292, inc. V, no que pertine ao valor da causa, que deverá

ser “na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido”.

Invoca-se, ademais, por oportuna, a lição de Vicente Ráo125 quando discorre sobre as

três regras principais na equidade, nos seguintes termos: “1. por igual modo devem ser tratadas

as coisas iguais e desigualmente as desiguais; 2. todos os elementos que concorreram para cons-

truir a relação sub judice, coisa, ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou

sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente consideradas; 3. entre várias soluções

possíveis deve-se preferir a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de

piedade, e de benevolência da justiça: jus bonum et aequum”.

Em fecho, vale lembrar que existe diferença marcante entre julgar por equidade e jul-

gar com equidade. A propósito, bem esclarecedor o seguinte trecho: “Não se pode confundir

julgamento por equidade e julgamento com equidade. Julgamento por equidade é aquele em

que se autoriza o juiz, expressamente, a afastar-se de critérios de legalidade estrita e tomar a

decisão que lhe parecer mais conveniente e oportuna (discricionariedade judicial). Por força do

art. 140, parágrafo único, do CPC/2015, trata-se de situação absolutamente excepcional no di-

reito brasileiro. Julgamento com equidade, por sua vez, se dá quando, na aplicação da lei, o juiz

atende aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Por imperativo legal

124 “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica

sucumbência recíproca” (Súm. 326 do STJ). 125 Obra citada, págs. 88/89.

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(artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro), é a regra geral de julgamento

no Brasil”126.

9. Direito subjetivo de acesso à Justiça127

Vale iniciar esse tema com uma importante passagem de Luiz Alberto David Araujo e

Vidal Serrano Nunes Júnior128 quando comentam sobre o direito fundamental de ação. Dizem

eles: “Convém destacar, nesse espectro, que a mensagem normativa foi clara ao colocar sob o

manto da atividade jurisdicional tanto a lesão como a ameaça a direito. Ajustando esse enfoque

normativo ao princípio de hermenêutica constitucional, que preconiza que ‘quando a Constitui-

ção quer um fim fornece os meios’, concluímos que o dispositivo constitucional citado, ao pro-

teger a ameaça a direito, dotou o Poder Judiciário de um poder geral de cautela, ou seja, mesmo

à míngua de disposição infraconstitucional expressa, deve-se presumir o poder de concessão de

medidas liminares ou cautelares como forma de resguardo do indivíduo das ameaças a direitos”.

Tão verdadeira quanto real essa assertiva, porquanto o direito de acesso à Justiça não

está limitado ao ingresso em juízo nem ao direito à sentença formal, mas antes, compreende a

tutela concretamente adequada, se necessário liminarmente e à medida da necessidade para a

tutela efetiva do direito material ameado ou lesado.

Essa proteção desejada pela Constituição Federal abrange o serviço judiciário acaute-

latório e o serviço judiciário satisfativo, constituindo direito subjetivo do indivíduo e dever do

juiz prestá-los, abarcando, ademais, em linguagem processual, o poder geral de cautela e o po-

der geral de tutela antecipada, seja qual for a modalidade de obrigação129, bem como o poder

geral de efetivação130.

126 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar

Duarte de. Teoria Geral do Processo – comentário ao CPC de 2015 – Parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p.

472. 127 Não necessariamente à justiça estatal. 128 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 19ª, ed., 2015, p. 230. 129 De fazer, de não fazer, de entregar coisa certa, de entregar coisa incerta, de pagar quantia em dinheiro. 130 NCPC, arts. 139, IV; ver, ainda, arts. 297 caput; 301; 400 parágrafo único; 403 parágrafo único; 536 § 1º; 538

§ 3º (todos o NCPC).

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O efeito concreto da lesão ao direito é projetado em desfavor do seu titular, podendo,

e em geral esse fenômeno caracteriza-se, gerar desdobramentos irremediáveis, ameaçando ou-

tros direitos, sobretudo essenciais, como a honra, o bem-estar, o estado de paz, a dignidade,

exigindo a pronta intervenção judiciária.

Não foi por outra razão – vale citar, mais uma vez, em reforço - que o legislador, em

trabalho de emenda constitucional, adicionou aos direitos e garantias expressos no art. 5º, o inc.

LXXVIII, com o seguinte teor: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados

a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Também no sentido de processo em tempo razoável, aliás, o Pacto de São José da

Costa Rica, art. 8º n. 1, que vigorava entre nós por força do § 2º desse mesmo art. 5º da Cons-

tituição Federal, ao menos a partir de 1992131.

Seja como for, ainda que essa disposição de direito internacional não vigorasse no

Brasil, o devido processo legal contempla essa garantia de processo em tempo razoável, do

mesmo modo que o princípio do direito de ação o contempla132.

Hoje, no entanto, prescrevendo o preceito acima citado que são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, é estreme de

dúvida que o juiz, caso seja necessário para contornar a demora processual, deve usar de técnica

acautelatória ou satisfativa no início ou durante o processo, ainda que não esteja estritamente

configurado o requisito infraconstitucional do perigo da demora.

Aliás, se a demora é demasiada, desbordando do “dano marginal”, constitui dever do

juiz a utilização de meios (técnicas) que garantam a celeridade e, se necessário e adequado, e

mediante a devida ponderação, essas técnicas devem tutelar antecipadamente o direito, ao me-

nos visando a amenizar a referida demora demasiada.

Com o advento do NCPC, entretanto, esse nó jurídico em boa medida encontrará res-

posta na tutela da evidência, notadamente se prevalecer a leitura de o rol de que trata o art. 311

não ser taxativo, conforme será abordado no capítulo atinente à tutela provisória.

131 Veja Decreto presidencial de promulgação n. 678/92. 132 Para Nery Jr o direito de ação é um princípio derivado do devido processo legal. Remete-se à obra citada.

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Ademais, impende desde logo ressaltar que, julgando-se procedente o pedido, consec-

tariamente se reconhecerá a evidência do direito do autor, podendo o juiz liberar imediatamente

a eficácia da sentença, com base no art. 311 do NCPC.

Remete-se, todavia, no que atina a essa problemática, ao capítulo que trata, enfim, da

tutela provisória (capítulo VII).

10. Direito ao devido processo (processo justo)

Falar em processo justo corresponde a falar sobre direito vivo133/134, material e proces-

sual, não concebendo comportamento que traduza acomodação com o direito morto135, indife-

rença ao direito, insensibilidade.

É preciso que, diante da situação concreta, e em pé de igualdade136, observando-se a

desigualdade das partes, em tempo razoável a solução seja encontrada, incluindo aí a realização

viva do direito. Ou, em outras palavras, incluindo aí a execução ultimada.

Se, para a obtenção desse intento, for necessário, por exemplo, flexibilizar regras pro-

cedimentais ou dar sentido amplo a perigo de demora137, concedendo-se antecipação de tutela

em face da evidência do direito simplesmente, será dever, enfim, do juiz a sua prática.

Por isso, temos defendido que a leitura jurídica do art. 311 do NCPC deve ser em

sentido extensivo, não ficando a tutela da evidência limitada, necessariamente, aos casos aí

previstos, estreitamente (nos quatro incisos desse artigo). Voltaremos, porém, a esse tema em

título próprio, mais adiante (capítulo VII).

133 Para alguns, direito prático (veja também pragmatismo jurídico). 134 Ver: COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011. 135 Ou seja, direito teórico, consistente na previsão normativa abstrata. 136 O processo civil não pode ser convertido em um processo do autor. 137 Veja periculum in mora em sentido lato.

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11. Inafastabilidade e indeclinabilidade138

Quer haja norma de direito material ou de direito processual, quer não haja, não se

exclui da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito139; e não é dado ao juiz declinar da

jurisdição, ainda que, ao final de certa instrução processual, não lhe seja certo o direito defen-

dido140, havendo ele sempre de encontrar uma solução.

Releva assinalar a problemática que havia141 no que respeita ao direito de resposta

previsto na Constituição142, na medida em que, ante o julgamento do Supremo Tribunal Fede-

ral143 acerca da não recepção constitucional total da Lei de Imprensa144 e como era essa lei que

previa o direito de resposta, o ordenamento infraconstitucional passou a não mais contar com

esse regramento.

Ocorre que esse direito era – e é - garantido pela Constituição Federal, ostentando,

além disso, a categoria de direito fundamental. Nessa toada, se não bastasse o direito funda-

mental de ação, existe a previsão expressa do § 1º do art. 5º, da Constituição Federal, a saber:

“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Por conseguintemente, a pessoa lesada no âmbito de imprensa, mesmo sem lei, tinha

o direito subjetivo à resposta, não podendo, com efeito, a ausência de regramento infraconsti-

tucional configurar óbice a esse exercício, a nenhum pretexto. Daí que ao juiz competia con-

cretamente exercer a criatividade, admitindo o processamento da ação pelo procedimento que

desde logo lhe cumpria informar no processo, para evitar surpresas e, assim, ofensa ao contra-

ditório e à ampla defesa. Como a máxima de hermenêutica manda que o procedimento comum

seja aplicado a todas as hipóteses para as quais não exista rito especial, competia ao juiz, enfim,

processar o pedido do ofendido por esse procedimento comum145.

138 Proibição do non liquet. 139 Art. 5º, XXXV, da CF. 140 Vigora o princípio da proibição de o juiz proclamar o non liquet. 141 Antes da edição da Lei n. 13.188, de 11 de novembro de 2015. 142 Art. 5º, V (diz: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano

material, moral ou à imagem”). 143 ADPF 130. 144 Lei n. 5.250/67. 145 Procedimento ordinário, por ser o comum do comum, no CPC de 1973; e procedimento comum, enfim, para o

CPC de 2015.

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O que a Constituição vedava veementemente era a recusa estatal ao processamento de

pedido dessa natureza, por implicar detestável violação ao direito subjetivo do ofendido de exi-

gir a publicação de resposta em face do órgão de imprensa. Isto é, por significar agressão in-

contornável ao direito de ação e, por via de consequência, ao devido processo legal.

O juiz nesse caso poderia levar em consideração disposições da lei expurgada do or-

denamento jurídico, como diretriz para o cumprimento do dever de resposta pelo órgão de im-

prensa, valendo-se da experiência referente ao tempo em que a lei incidiu, não importando essa

atitude judicial em revigoramento da lei, mas sim, na atividade criativa do juiz, em adoção de

parâmetro para o estabelecimento das regras que deveriam ser observadas no cumprimento da

ordem de resposta146.

A esta altura, pois já foi a editada lei regulamentando tal direito - Lei n. 13.188, de 11

de novembro de 2015. Veja, a propósito, o capítulo III deste trabalho.

12. Completude ou lacunas147

Não se objetiva por este estudo nenhuma abordagem acerca da polêmica atinente a

esses temas, como sói ocorrer com o direito em regra.

O objetivo do estudo não consiste em dissecar sobre completude ou lacunas, exami-

nando-as miudamente, mas antes, quer-se a reafirmação de que, seja o ordenamento jurídico

completo por si mesmo seja suscetível de lacuna, é imperativo do devido processo legal a tutela

do direito, extrajudicialmente e, se necessário, judicialmente (proteção jurídica através do Ju-

diciário).

De todo modo, vale lembrar que disposição aberta como aquela do 5º da Lei de Intro-

dução às Normas do Direito Brasileiro, que integra o ordenamento jurídico, completando-o,

146 Nesse sentido: Direito comum de resposta: exercício por eficácia direta da Constituição Federal, em Migalhas

(Boletim de 10 de agosto de 2010). 147 Sobre esse tema, ver: BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Tradução: Denise Agostinetti. São Paulo:

Martins Fontes, 2011.

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propicia qualquer julgamento, seja na deficiência da lei material ou da lei processual, seja na

própria insuficiência ou inexistência.

O NCPC se ocupa com essa pauta, reproduzindo, em outras palavras, e com maior

abrangência, essa disposição. Veja o que diz o art. 8º: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o

juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a

dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade,

a publicidade e a eficiência”.

Ademais, o art. 5º XXXV da Constituição, preceituando que não se excluirá da apre-

ciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito não condiciona essa apreciação, evidentemente,

à existência de regramento específico infraconstitucional. Daí se concluir que, em última aná-

lise, esse preceito completa a ordem jurídica.

Por isso, sob essa perspectiva, pode afirmar-se que o ordenamento jurídico é completo,

ora composto de regras próprias, ora, por norma de tessitura aberta, autorizando a solução equi-

dosamente ou por equidade (observada aqui a distinção entre decisão com equidade e decisão

por equidade).

13. Flexibilização procedimental, adaptabilidade e integração (produção)148/149

A flexibilização procedimental ou, em outras palavras, a adaptabilidade ou, ainda, o

ajuste da norma processual visando ao cumprimento da função constitucional, inserem-se entre

os deveres do julgador.

A norma processual deve vivamente ser operativa, funcional, eficiente150, proporcio-

nando efetivamente a solução do conflito ou do interesse e, consequentemente, a realização

prática do direito.

148 No que atina, sempre, a processo ou procedimento e a partir do controle difuso de constitucionalidade. 149 Visando a superar barreira para a concretização do direito ao justo processo. 150 Sobre o dever de eficiência, que igualmente é exigido do juiz, veja art. 37 da CF.

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Se carecer dessa qualidade, ainda que a carência decorra de insuficiência estrutural do

sistema judiciário, compete ao juiz a adaptação necessária, adequada e útil à remoção do cor-

respectivo entrave, mediante deliberação clara e prévia, visando à obtenção do fim a que se

destina.

Cita-se o exemplo da audiência conciliatória no Juizado Especial Cível151 quando a

matéria é unicamente de direito e sabidamente, pela experiência obtida na administração da

unidade judiciária que lhe toca, o juiz constata a impossibilidade de acordo.

Ainda, mais precisamente, cita-se o exemplo das centenas de milhares de ações pro-

postas contra as concessionárias de serviço público de telefonia fixa questionando a tarifa mí-

nima cobrada.

As companhias telefônicas, por política administrativa privada, para não criar prece-

dentes, não realizavam acordos, mas antes, se pautavam pela apresentação de contestação sus-

tentando a legalidade da cobrança em todos os processos. A sua estratégia, como de fato ocor-

reu, consistia em chegar ao Superior Tribunal de Justiça, para obter dessa Corte a posição a

respeito152.

Seria um brutal desserviço a designação de centenas de audiências na unidade judici-

ária, comprometendo a pauta drasticamente, em prejuízo de outros direitos em discussão, se a

conciliação sabidamente não seria exitosa.

Essa postura do juiz, de designar o ato por designar, simplesmente porque a lei o prevê,

ofende o devido processo legal, ofende o direito de ação, ofende a exigência de eficiência do

serviço judiciário, ofende a efetividade, a garantia de processo em tempo razoável e a garantia

de adoção de meios que asseguram a celeridade, acarretando dano social.

151 Lei n. 9.099/95. 152 A provocação do STJ se deu, no que atina ao Juizado, por via oblíqua, porque ali não cabe recurso especial

contra a decisão do Colégio Recursal. De todo modo, a estratégia das companhias telefônicas funcionou, porque

houve o uso da “reclamação”.

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Por isso mesmo, os juízes passaram a não mais designar essa audiência nesse tipo de

processo, ordenando a citação para contestação em prazo desde logo assinado, suficiente à ela-

boração da defesa. Apresentada a contestação, ouviam-se os autores e, em seguida, a sentença

era prolatada, mediante a técnica de julgamento antecipado do pedido.

Os juízes cíveis comuns têm adotado similar postura relativamente ao procedimento

sumário, que da mesma forma prevê uma audiência inicial de conciliação153/154, que vivamente

o mais das vezes contribui negativamente com a gestão da unidade judiciária.

Esse comportamento processual do juiz, enfim, guarda relação com o rol de deveres

constitucionais, destacadamente aquele que exige a eficiência do serviço155 e aquele que exige

a adoção de meios propícios à celeridade156, a par do dever esculpido no CPC157.

O CPC de 2015, por sua vez, no art. 334, insere no procedimento comum a audiência

de conciliação ou de mediação, com o desiderato elogiável de propiciar o acesso ao direito

pacificamente, consoante quer a Constituição, já a partir do preâmbulo (destacamos esse desejo

constitucional em capítulos passados e, novamente, o destacaremos em capítulo à frente).

Em consonância com o centro deste estudo, sobreleva revisitar o tema, diante da im-

prescindibilidade no ensaio, particularmente, do devido processo legal. É que, vistas as coisas

sob o ângulo do destinatário do serviço judicial, regra bem intencionada, o que presumivel-

mente ocorre, não é garantia de resultado prático. Queremos dizer que esse art. 334 é, sem

dúvida, bem intencionado, gerando esperança positiva, mas daí a cumprir a missão constituci-

onal dependerá, por certo, da mudança de mentalidade daqueles que praticam o direito, como

juízes e advogados e, igualmente, da estrutura judiciária.

Esse preceito em si, formalmente, é constitucional, com potencialidade ampla, sobre-

tudo porque, vale voltar ao ponto, se deve prestigiar a solução consensual dos conflitos, somente

153 Art. 277 do CPC. 154 O NCPC extingue o procedimento sumário, ao deixar de prevê-lo. 155 Art. 37 da CF. 156 Art. 5º, LXXVIII da CF. 157 Art. 125, II; NCPC, art.139, especialmente o inc. II.

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impondo solução forçada se não for obtida a solução pacífica da controvérsia. Afinal, a Repú-

blica Federativa do Brasil é comprometida, internamente, com a solução pacífica das contro-

vérsias, já segundo seu preâmbulo.

Ocorre que se não houver tal mudança de mentalidade e, principalmente, não houver

estrutura material e pessoal suficiente, a boa intenção legislativa não surtirá efeitos positivos

concretos, ao invés disso, contribuirá para o agravamento do estado de crise judicial, evidenci-

ando a bancarrota judiciária.

Daí que obrigará o juiz, vivamente implicado, a agir criativamente e proativamente

visando a amenizar essa agrura, eliminando concretamente essa fase procedimental, a bem, en-

fim, do funcionamento do procedimento e, pois, do processo.

Em outras palavras, as consequências práticas teoricamente imaginadas pelo legisla-

dor, em relação a certa regra editada, podem justificar constitucionalmente a edição, mas po-

dem, com absoluta tranquilidade, não ser vivenciadas, à medida que a regra seja posta à prova

prática. E, se isto acontecer, essa regra, concretamente, violará a Constituição, na medida em

que não se prestará a aviar, em realidade vida, um processo justo. Será, pois, concretamente

inconstitucional.

Considerando que o Poder Judiciário, no Estado, terá a incumbência de gerir essa pauta

(conciliação, mediação e outros métodos de solução pacífica de conflitos), será preciso um ma-

peamento urgente das atividades judiciárias e, nessa toada, a reestruturação judiciária, com uma

frente eficiência (capacitação pessoal + estruturação material) de trabalho, na linha expressa no

art. 165 do CPC de 2015, intransigivelmente: realização, em setor próprio ou por convênios, de

sessões e audiências de conciliação e mediação e, principalmente, desenvolvimento de progra-

mas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

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14. Contraditório158

Toda técnica procedimental, notadamente quando implica modificação do regramento

morto159 ou inversão de ordens160, deve prevenir surpresas, porque surpresas podem gerar pre-

juízo à parte, configurando agressão ao contraditório e à amplitude de defesa ou ao amplo di-

reito de produção de provas.

Daí que, se o juiz mão marcar a audiência prévia de conciliação, no procedimento que

a lei a estipula, cumpre-lhe com definitiva clareza esclarecer o ritual que então será observado.

Se, de outra banda, inverte o ônus da prova, deve previamente avisar a parte a quem o

ônus passou a incidir para que ela, a tempo e modo adequado, possa desincumbir-se dele. Caso

isso não se dê e o julgamento desfavoreça a parte a quem a prova cabia, porquanto prova não

havia, dá-se inexoravelmente a nulidade da sentença, exceto se o tribunal, em grau de apelação,

orientar-se pela irrelevância da prova não produzida à solução da lide, simplesmente invertendo

o julgamento.

De qualquer modo, o que se deseja neste estudo é a clareza pertinente à imperatividade

do contraditório e da ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes, incluindo o direito

de produção de provas necessárias e úteis161, e a nota de que não há nulidade processual sem

caracterização de prejuízo real162.

Aliás, Guilherme Peres de Oliveira163 doutrina: “deve-se considerar o contraditório

como verdadeira garantia processual das partes, e não mero princípio a guiar o intérprete (no

caso, o juiz)”.

O contraditório, na alta modernidade, significa garantia de influência e não surpresa,

mas o próprio art. 9º do Novo CPC preceitua que não se proferirá decisão contra uma das partes

158 Não se concebe a ideia de o processo civil ser um processo do autor, antes, o respeito aos direitos do réu

igualmente integra o devido processo; mas, igualmente, não se concebe qualquer ideia que superproteja o réu,

sobretudo em detrimento do autor. 159 Em reforço: direito objetivo ou norma abstrata. 160 Inversão do ônus da prova ou inversão da ordem de produção da prova. 161 Princípios derivados do devido processo legal. Veja Nery Jr, op. cit. 162 Art. 244 do CPC; NCPC, art. 277. 163 Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013

(Coleção direito e processo. Coordenação Cassio Scarpinella Bueno), pág. 101.

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sem que a ela tenha sido oportunizada previamente a manifestação que tiver. Portanto, a favor

essa disposição permite decisão sem contraditório, embora se saiba que nesse caso a decisão

não considerará os argumentos dessa parte a favor de quem a decisão foi proferida.

Ademais, o art. 282, § 2º, em texto semelhante ao do art. 249, § 2º do CPC de 1973,

prescreve: “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da

nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”.

Voltaremos a esse tema no título “Contraditório democrático (dinâmico ou efetivo)”

(capítulo V), ocasião na qual serão reportadas também questões relacionadas com o contradi-

tório inútil ou irrelevante.

15. Controle concreto de constitucionalidade164

Falava-se muito sobre o controle difuso de constitucionalidade de norma de direito

material, pouco se falando sobre esse controle com relação à norma de direito processual. Mais

recentemente, todavia, esse enfoque passou a dar dado. Exemplo disso é o trabalho de Gui-

lherme Peres de Oliveira, em “Adaptabilidade judicial – a modificação do procedimento pelo

juiz no processo civil”165.

Em feliz colocação, esse autor discorre sobre “O controle difuso da constitucionalidade

das regras processuais como método de adaptabilidade do procedimento”166. Isto significa que

para afastar a incidência da lei processual ou mitigar a sua rigidez o juiz deve fundamentar

constitucionalmente, indicando as razões objetivas que lho conduzem a essa orientação.

164 Do mesmo modo, não se admite adoção de critérios subjetivos ou arbitrários, na medida em que a impessoali-

dade, a imparcialidade e a moralidade igualmente estão inseridas no devido processo legal. 165 Coleção Direito e Processo, sob a coordenação de Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2013. 166 Ob. cit., capítulo III (págs. 84/108).

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16. Segurança jurídica167

A segurança jurídica traz ínsita a noção de previsibilidade ou calculabilidade. No en-

tanto, essa característica pode ser conseguida igualmente com a deliberação prévia que ao juiz

competirá no processo, tornando as regras do jogo totalmente claras e transparentes. Não se a

obtém, por outros termos, somente com a ordem jurídica abstrata.

Nesse diapasão, veja a lição de Fernando da Fonseca Gajardoni168: “Para que as regras

procedimentais tenham seu poder ordenador e organizador, coibindo o arbítrio judicial, para

que promovam a igualdade das partes e emprestem maior eficiência ao processo, tudo com

vistas a incentivar a justiça do provimento judicial, basta que sejam do conhecimento dos liti-

gantes antes de sua implementação no curso do processo, sendo de pouco importância a fonte

de onde provenham”.

Conforme alusão anterior, se o juiz desde logo dispensa, por decisão fundamentada

adequadamente169, a audiência de que trata o art. 334 do NCPC, competir-lhe-á deliberar, cla-

ramente, acerca do início do prazo para a contestação, diante da disposição do art. 335 desse

mesmo código, para que o réu não sofra prejuízo na contagem desse prazo e o autor possa

fiscalizá-la seguramente.

17. Direito subjetivo oponível ao modelo legislativo e ao modelo judiciário

O devido processo legal, no sentido material ou no sentido processual, confere instan-

taneamente à pessoa o direito de postular democraticamente visando à edição de leis ou à cor-

reção de leis deficientes, dirigindo-se por isso mesmo ao Poder Legislativo.

Mas confere igualmente, e este constitui o objetivo principal deste estudo, o direito

inalienável à pessoa de bater às portas do Poder Judiciário na finalidade de definir o seu direito

167 Justo processo e justiça substancial não excluem absolutamente a segurança jurídica, antes, existe diálogo pa-

cífico entre si. 168 Flexibilização procedimental – um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São

Paulo: Atlas, 2008, pág. 85. 169 Veja: SCHMITZ, Leonardo Ziesemer. Fundamentos das decisões judiciais – A crise na construção de respostas

no processo civil. São Paulo: RT, 2015.

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e realizá-lo ou, na esfera de mero interesse, de satisfazê-lo, quando isso não for democratica-

mente possível sem que o Judiciário atue.

Daí que a Constituição, em garantia especial, estatui o direito de ação, nos termos do

art. 5º, XXXV (o devido processo legal – item, LIV - constitui garantia geral)170 e, em reforço,

o direito ao processo em tempo razoável e à adoção de meios e técnicas destinados a garantir

concretamente a celeridade (item LXXVIII).

18. Direito a boas leis171

Emana do devido processo legal que a norma não deve ser arbitrária, implausível ou

caprichosa172, notadamente porque lhe cumpre a função constitucional, devendo por isso

mesmo ter utilidade pública.

Entretanto, destacadamente a lei processual, cuja natureza é veicular, visando ao exer-

cício do direito material conflituoso, há de ser eficiente concretamente, não bastando que a

edição tenha sido irrepreensível, há de ser funcional, pois.

Se, posta à prova, a lei processual em si constituir embaraço injustificado à tutela do

direito, deverá o juiz, em cumprimento ao direito subjetivo do jurisdicionado, de encontrar so-

lução concreta a esse entrave, removendo o obstáculo.

Isto porque, enfim, ao jurisdicionado o devido processo assegura o direito a uma boa

lei, em âmbito de edificação saudável e de produção de resultado, segundo a finalidade a que

se dirige. Se o texto não é bom, a leitura deverá corrigi-lo.

170 Acerca desse tema recomenda-se: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Di-

reito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015. 171 Em sentido amplo. 172 Veja Siqueira Castro, obra citada, pág. 137.

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19. Direito a um Sistema173 Judiciário suficientemente aparelhado

A efetividade do processo não depende unicamente do serviço pessoal do juiz. O ser-

viço pessoal do juiz constitui apenas um importante ingrediente, bastando atentar à hipótese,

muito comum, de a perícia ser imprescindível e a parte a quem incumbir o ônus ou o custeio

ser beneficiária da gratuidade de justiça.

Nesse caso o tempo processual se subordina ao serviço de um ente estatal, que, se-

gundo estiver mais ou menos estruturado, se desincumbirá do dever em maior ou menor prazo

e em grau maior ou menor de eficiência. Esse ente estatal não integra o Poder Judiciário, mas

sim o Sistema Judiciário174.

No entanto, o Poder Judiciário depende do serviço desse ente para a prestação jurisdi-

cional típica, eis que sem a referida prova a justiça do julgamento estará irremediavelmente

comprometida.

Constitui direito da parte a produção dessa prova pelo Estado. Veja que não se cogita

aí da figura do ônus processual, mas sim de direito subjetivo da pessoa à produção da prova,

oponível ao Estado, na medida em que é dever do Estado assegurar o acesso à Justiça, a um

julgamento justo, e não simplesmente o ingresso em juízo (o Estado deve, pois, garantir a pro-

dução da prova).

O acesso à Justiça (a proteção jurídica através do Judiciário ou a proteção judicial

efetiva) depende da “admissão ao processo”; mas depende igualmente do “modo-de-ser do pro-

cesso”, da “justiça das decisões” e da “efetividade das decisões”175 (citando-se em reiteração).

Ademais, “o bom processo depende sempre de bons operadores e pouco valem normas

processuais bem compostas e bem estruturadas sem o suporte de bom juízes e de uma justiça

bem aparelhada”176.

173 Portanto, não apenas a um Poder Judiciário. 174 Por ex.: o Imesc (no Estado de São Paulo). 175 Cintra; Grinover; Dinamarco. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 31ª ed., 2015, págs. 56/57. 176 Idem, pág. 205.

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Nessa linha, por exemplo, a Corte Europeia dos Direitos do Homem já decidiu que

constitui direito fundamental da pessoa “Le droit a une bonne administration de la justice”177

(vale, também, citar mais uma vez).

20. Direito a bons aplicadores178

Conforme consta acima, “o bom processo depende sempre de bons operadores”. Sob

a perspectiva em estudo, constitui direito de toda pessoa contar com bons aplicadores do direito,

do ponto de vista ético e do ponto de vista técnico.

Essa exigência não está reduzida aos membros do Poder Judiciário, estendendo-se a

todos aqueles que direta ou indiretamente atuam no processo, como um setor estatal encarre-

gado de realizar perícias, um auxiliar eventual179, a advocacia (privada ou pública), o Ministério

Público, a Defensoria Pública.

21. Direito enfim à proteção estatal concreta180 - com a incidência do princípio da pro-

ibição da proteção judicial insuficiente

A proteção estatal não é algo para mero estudo teórico ou acadêmico ou para ilustrar

discursos, mas antes, é algo material, é algo que deva funcionar concretamente, é algo que deva

ser sentido pelas pessoas, que maciçamente não podem exercitar pessoalmente seu direito, por-

que o modelo democrático exige que procurem o Estado.

Afinal, Rudolf Von Ihering exorta181: “O direito não é uma pura teoria, mas uma força

viva”.

177 O direito a uma boa administração da justiça. Veja: Les grands arrêts de la Cour européene des Droits de

l’Homme. Paris, France: Thémes droit, 6ª éd., 2011, page 348. 178 Compreendendo os integrantes das funções essenciais e os juízes. 179 Perito, intérprete, depositário, administrador, inventariante; Empresa de Correios e Telégrafos, Imprensa Oficial

do Estado, Polícia Militar. 180 Em âmbito preventivo e em âmbito processual (judiciário). 181 A luta pelo direito. Tradução de João Vasconcelos. Rio de Janeiro: Forense, 18ª ed., 2000, pág. 1.

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Gilmar Ferreira Mendes, discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade e, preci-

samente, sobre a proibição da proteção estatal insuficiente (incidente, em particular, no que

atina à proteção judicial), ensina: “Daí concluir que ‘a conceituação de uma conduta estatal

como insuficiente (untermässig), porque ‘ela não se revela suficiente para uma proteção ade-

quada e eficaz’, nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida con-

duta como desproporcional em sentido estrito (unverhältnismässig im engeren Sinn)’”.

A demora demasiada pelo Imesc182, por hipótese, na realização de perícia, agravada

pela baixa qualidade do laudo, implicam de per si proteção estatal insuficiente, na medida em

que, consoante foi sublinhado atrás, o Estado tem o dever constitucional de garantia a produção

útil dessa prova, como tal devendo considerar-se a boa qualidade do laudo e o tempo biográfico

da parte.

182 O Imesc, no Estado de São Paulo, é o ente estatal incumbido de realizar perícias médicas quando a parte a quem

o ônus da prova cabe ou a quem compete o custeio for beneficiária da gratuidade de justiça.

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V - CONTRADITÓRIO DEMOCRÁTICO (DINÂMICO OU EFETIVO)

1. Contraditório: bilateralidade de audiência e garantia de influência e não surpresa

O contraditório como ideia de bilateralidade de audiência está superado, dando lugar

ao contraditório democrático, também dito dinâmico ou efetivo, cuja função garante a influên-

cia e impede a surpresa.

Vale citar o seguinte trecho de Humberto Theodoro Júnior183, que bem demonstra essa

evolução: “Entende-se hoje que democracia e contraditório são princípios constitucionais inti-

mamente conectados, com repercussão imediata no campo da jurisdição e do processo, de modo

a exigir uma nova fase metodológica para o direito processual civil. Esse moderno enfoque

metodológico, voltado para o que se denomina contraditório democrático, ‘fortalece o papel

das partes na formação da decisão judicial, alterando substancialmente a posição jurídica do

juiz e das partes, em dois caminhos: o domínio dos fatos pertence também ao juiz – que não

deve se contentar com os fatos expostos e comprovados pelas partes – e a valoração jurídica do

direito também pertence às partes (e não apenas ao juiz), as quais, por meio do direito ao con-

traditório, influem na valoração jurídica da causa. Essas facetas eivam de inaplicabilidade o

brocardo [superado] ‘da mihi factum, dado tibi ius’”184.

Não obstante esse entendimento, que tem expressiva adesão da doutrina, o legislador

ordinário limita a obrigatoriedade de contraditório prévio tão somente ao caso de decisão con-

trária, consoante se infere da redação do caput do art. 9º do NCPC. Diz esse dispositivo que

não se proferirá decisão contra uma das partes sem que lhe tenha sido previamente oportunizada

a manifestação.

Ocorre que ao pé da letra, por essa nova leitura de contraditório, nenhuma decisão

poderia ser proferida sem que às partes tivesse sido oportunizada previamente a manifestação,

183 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015,

vol. I, p. 82. 184 Essa citação refere Alexandre Pereira Bonna. A cooperação no processo civil – A paridade do juiz e o reforço

das posições jurídicas das partes a partir de uma nova concepção de democracia e contraditório. Revista Brasi-

leira de Direito Processual, Belo Horizonte, n. 85, p. 77, jan./mar. 2014.

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para que seus argumentos pudessem ser considerados pelo juiz, seja favoravelmente seja con-

trariamente. Com isso, a decisão seria constituída, sempre, pelos argumentos das partes, aco-

lhidos e rejeitados pelo juiz.

Entretanto, o art. 9º em comentário, a par das exceções expressas – coerentemente

expressas no parágrafo único -, limita a obrigatoriedade de contraditório prévio em caso, tão

apenas, de decisão contrária à parte.

Assim, mantém-se a ideia no sentido de não se pronunciar nulidade sem prejuízo,

mesmo que tenha havido ofensa ao contraditório. Isto é, mesmo que a parte não tenha tido

oportunidade de apresentar seus argumentos previamente e que, consequentemente, o juiz não

os tenha considerado na construção da decisão, se não houver prejuízo direto, não se cogita de

pronunciamento de nulidade.

Veja, a propósito, o art. 282, § 2º do NCPC, em texto semelhante ao do art. 249, § 2º

do CPC de 1973, prescrevendo: “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem apro-

veite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-

lhe a falta”.

2. Contraditório prévio inútil, irrelevante ou inviável

Humberto Theodoro Júnior185, um pouco adiante – com relação ao trecho acima trans-

crito -, agora discorrendo sobre o contraditório efetivo, diz: “Sem dúvida, o contraditório é da

essência do processo democrático e justo. No entanto, a exigência de prévia audiência das partes

não pode ser levada a um extremismo que comprometa a agilidade indispensável da prestação

jurisdicional, também objeto de garantia constitucional. É possível, portanto, pensar-se no cha-

mado ‘contraditório inútil’ ou ‘irrelevante’, à base de cuja constatação poder-se-á admitir como

razoável o pronunciamento de decisões judiciais sem a prévia ouvida da parte”186.

185 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015,

vol. I, p. 88. 186 Em nota de rodapé, o autor invoca Fernando da Fonseca Gajardoni. Pontos e contrapontos sobre o Projeto do

Novo CPC. Revista dos Tribunais, v. 950, p. 19, dez. 2014.

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Nessa toada o NCPC português, no art. 3º, itens 1, 2 e 3, sob a rubrica “Necessidade

do pedido e da contradição”, reza: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a

ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devida-

mente chamada para deduzir oposição. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem to-

mar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. O juiz deve

observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe

sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto,

mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre

elas se pronunciarem”187.

Portanto, o contraditório não pode ser, a um só tempo, antídoto e veneno processual,

devendo incidir dialeticamente, na medida em que não se concebe que sirva, igualmente, injus-

tificadamente, a retardar a prestação jurisdicional, com violação da garantia da razoável duração

do processo.

Daí que, enfim, sem que se cogite de incoerência jurídica, o contraditório que a Cons-

tituição exige é aquele que seja em tese útil, relevante.

Assim – em reforço -, é possível proferir decisão a favor da parte sem que a ela tenha

sido oportunizada manifestação prévia, como se dá no indeferimento de plano da petição inicial

e na improcedência liminar do pedido, nos moldes dos arts. 330 e 332 do NCPC. Nesses casos,

em razão de a decisão, logicamente, beneficiar o réu, dispensa-se a citação prévia. Se, todavia,

houver recurso, a citação terá de ser efetuada.

Na hipótese de pronunciamento judicial inaudita altera parte, a decisão desfavorece,

evidentemente, a parte contra quem fora deferida, mas nesse caso existe justificativa plausível

para a dispensa do contraditório prévio, não se havendo falar, com efeito, em inconstituciona-

lidade. A propósito, no NCPC, o art. 9°, parágrafo único, incisos I, II e III, o art. 311, parágrafo

único e o 701 caput (ordem liminar de cumprimento da obrigação na ação monitória).

Esse fenômeno ocorrerá, ademais, sempre que o juiz conceder efeito suspensivo à im-

pugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 6º), aos embargos à execução (art. 919, § 1º)

187 Pus o itálico em duas passagens para destacar o eixo da pauta.

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ou aos embargos de declaração (art. 1.026, § 1º); ou quando o relator conceder efeito suspensivo

ao recurso que não o tiver (arts. 995, parágrafo único, 1.012, §§ 3º e 4º e 1.026, § 1º).

Nesses casos sequer se cogita de decisão sem contraditório prévio, porém favorável à

parte, na medida em que esse efeito suspensivo é vocacionado a prejudicar a parte recorrida,

que não teve oportunidade de manifestar-se antecedentemente à concessão do referido efeito,

mas por pura racionalidade, nos moldes antes mencionados. Isto porque inviabilizaria o ritmo

processual o contraditório prévio nesses casos e, ademais, negaria acesso adequado temporal-

mente à Justiça àquele que vindicasse tal efeito.

Supõe no cumprimento de sentença quando tiver sido submetido à constrição saldo

bancário do executado. Se o fundamento da impugnação for relevante e não lhe for, de imediato,

atribuído efeito suspensivo, o credor poderá levantar o depósito, criando seríssimos problemas

em âmbito de restabelecimento do statu quo, em caso de acolhimento da impugnação.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o devedor, que se torna credor em

razão de o credor ter levantado valor superior ao crédito, não pode, nos mesmos autos, promover

a execução, cabendo-lhe ajuizar ação de repetição. Daí que o efeito suspensivo de plano se

justifica mais acentuadamente, ainda que seja limitadamente à esfera do depósito, impedindo

seu levantamento por qualquer das partes até que a dúvida seja solucionada.

Dito de outro modo, a concessão de efeito suspensivo nesses casos não pode, racional-

mente, depender de contraditório prévio, conquanto tal decisão não favoreça a parte adversa,

fenômeno similar à tutela provisória.

Assim, se o juiz, em primeiro grau, concede a tutela provisória pretendida pelo autor

e o réu, contra quem a decisão operará seus efeitos práticos, interpuser agravo de instrumento,

o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo, interditando liminarmente a eficácia da

decisão recorrida, sem que para isso tenha de, primeiramente, ouvir o recorrido (mas a decisão

do relator será contra o recorrido).

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Seja como for, é preciso sempre atentar que o contraditório funciona, igualmente,

como garantia de aproveitamento da atividade processual188, de tal sorte que o regime de exce-

ção deve ser aplicado com redobrada prudência.

188 THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Qui-

naud. Novo CPC – fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 103/104.

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VI - RITMO PROCESSUAL EQUILIBRADO - VELOCIDADE VERSUS SEGURANÇA

- EFICIÊNCIA PROCESSUAL

É preciso, seja como for, que o ritmo processual seja equilibrado, porquanto igual-

mente implica inacessibilidade a perda de qualidade em decorrência do excesso de velocidade

processual, às vezes – senão, comumente – ao arrepio de caras garantias constitucionais.

Em tempo de metas e prioridades fundadas em múltiplos fatores, se olvida ou se des-

denha de elemento inalienável, consistente na qualidade do serviço, na condução do processo

e, particularmente, nas decisões – interlocutórias ou finais -, seja em primeiro grau seja em

segundo ou em grau excepcional. Com isso, em vez de imprimir ao procedimento um movi-

mento regular que ao final propicie ganho de tempo, pela regularidade e pela solidez, plantam-

se nulidades ou produzem-se obscuridades ou lacunas que, em fases logicamente seguintes,

fazem nascer em série altas discussões jurídicas que, por sua vez, exigem solução pelo juiz,

sujeitando-se, ademais, a novos recursos, sucessivamente.

Conforme se lê em estudo de Marcelo Bourguignon189, a celeridade não pode, especi-

almente, comprometer garantias democráticas, duramente conquistadas. Veja o que diz, em ou-

tras palavras, o autor: “Son insistentes las afirmaciones de que la justicia lenta non es justicia.

Couture expresaba que ‘el tiempo en el proceso, más que oro, es justicia’. Por otra parte y vistas

las cosas desde otro punto de vista, la excesiva limitación en el tiempo del proceso o de los

actos del mismo, puede llegar a lesionar la garantía constitucional del derecho del defensa. La

reducción de los plazos de que disponen las partes para ser oídas y formular sus defensas, a

límites exagerados, puede convertirse en una negación de dicha garantia. Resulta entonces la

cuestión de abreviar, pero mantener las indispensables garantías. Todo ello en lo que se refiere

a la duración del proceso todo”.

Infere-se, pois, a preocupação em conciliar a celeridade com a qualidade do processo,

em termos de garantias às partes atinentes ao desempenho ao longo do processo e, principal-

mente, de condução eficiente e julgamento adequado. É o que se pode chamar de velocidade

189 BOURGUIGNON, Marcelo. Tiempo y proceso. Derecho procesal civil y comercial. Editorial Juris (internet).

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intransigivelmente associada à segurança, havendo de chegar a resultado aceitável – que impli-

que eficiência.

É bem conhecido o refrão de que a pressa é inimiga da perfeição, sendo indispensáveis

que se eliminem atos inúteis, que se atente à nocividade da formalidade barroca, ainda que seja

em esfera científica e conceitual, que se racionalize o ingresso em juízo e, assim, a admissão ao

processo; mas não se concebe, a nenhum pretexto, atropelo a garantias constitucionais legiti-

mamente conquistadas, quer em âmbito de edificação legislativa quer em âmbito de aplicação

das normas pelo juiz (temos empregado o termo norma como resultado da interpretação da

regra, do conceito, do princípio ou, enfim, da ordem jurídica, consoante se faz modernamente).

Por isso mesmo, Canotilho190, ao tratar da “Protecção jurídica eficaz e temporalmente

adequada”, preconiza: “Note-se que a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou

seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente ‘justiça ace-

lerada’. A ‘aceleração’ da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias proces-

suais e materiais (prazos de recursos, supressão de instâncias excessiva) pode conduzir a uma

justiça pronta mas materialmente injusta”.

Em vista disso, torna-se imprescindível que a velocidade imprimida no processo seja

sintonizada com a segurança que se espera, para que os atos processuais sejam democratica-

mente hígidos, conquanto sempre valha tomar em conta que o contraditório e seus consectários

podem ser ajustados às peculiaridades da causa.

190 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Portugal: Almedina, 7ª ed., 2003, p. 499.

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VII - TUTELA PROVISÓRIA - NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NOVO PRO-

CESSO CIVIL - TÉCNICA APTA À REALIZAÇÃO OU ASSEGURAÇÃO DE

PRONTO DO DIREITO - TOMADA EM CONTA DO TEMPO VITAL OU BIOGRÁ-

FICO

(El tiempo en el proceso ha de ser visto y valorado

como un tiempo ‘en la vida’ del justiciable que

participa en ese proceso)

(No ha de medírselo, entonces, como un tiempo

cronológico, sino como un tiempo biográfico, por

que hace a la vida personal de un ser humano)191

1. Disposições gerais

Visando a cumprir o desiderato constitucional de acesso efetivo à Justiça, se necessário

perante o Poder Judiciário, o legislador ordinário procurou dar ao juiz, pelo que se convencio-

nou chamar no CPC de 2015 de tutela provisória, instrumentos que, concretamente, haverão de

viabilizar, enfim, essa missão constitucional, dispondo a esse respeito no Livro V da Parte Ge-

ral, arts. 294 a 311.

Além disso, foram mantidos, em boa medida, procedimentos diferenciados que pres-

crevem, particularmente, a propósito desse importante instrumento, seja no próprio CPC192 seja

em legislação extravagante193.

191 CAMPOS, Germán Bidard. Citado por Marcelo Bourguignon (Tiempo y proceso. Derecho procesal civil y

comercial. Editorial juris) (fonte: internet (localizador: Google)). 192 Procedimentos especiais (por ex.: ações possessórias; embargos de terceiro; oposição; ação monitória – que

será tratada em capítulo próprio deste trabalho, por ser reputada importante em linha de desdobramento lógico –

centro do pensamento desenvolvido). 193 Por ex.: ação de despejo, ação de revisão de aluguéis e ação renovatória de locação, na lei de locação predial

urbana; ação de busca e apreensão, em relação a mútuo com dação de bem móvel em garantia por alienação fidu-

ciária; ação civil pública; ações fundadas em relação de consumo.

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Cuida-se, destacadamente, de situação que, ora em razão da urgência, ora em razão da

obviedade do direito, justifica a sumarização procedimental, propiciando-se, desde logo, a sa-

tisfação desse direito ou a tomada de posição para garantir-se a utilidade do processo e, assim,

a oportuna realização do direito.

Vale lembrar que a atividade judicial que assegura a utilidade do processo desempenha

concomitantemente duas funções imprescindíveis, pois atua para que o serviço prestado não

constitua um desperdício e para que o direito ameaçado ou lesado seja efetivamente realizado,

em homenagem ao princípio da proibição da proteção insuficiente, em que pese ao tempo do

processo, ele próprio, ser irreparável.

Consoante Gilmar Ferreira Mendes194 “O direito à razoável duração de processo, a

despeito de sua complexa implementação, pode ter efeitos imediatos sobre situações individu-

ais, impondo o relaxamento da prisão cautelar que tenha ultrapassado determinado prazo, legi-

timando a adoção de medidas antecipatórias, ou até o reconhecimento da consolidação de uma

dada situação com fundamento na segurança jurídica” (itálico meu).

Ademais, o autor, agora em comentário sobre o direito de ação195, precisamente sobre

o âmbito de proteção, preconiza: “Ressalta-se que não se afirma a proteção judicial efetiva ape-

nas em face de lesão concreta como também qualquer lesão potencial ou ameaça a direito. As-

sim, a proteção judicial efetiva abrange também as medidas cautelares ou antecipatórias desti-

nadas à proteção do direito”.

Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior196 também perfilham essa

orientação, nestes termos: “Convém destacar, nesse aspecto, que a mensagem normativa foi

clara ao colocar sob o manto da atividade jurisdicional tanto a lesão como a ameaça a direito.

Ajustando esse enfoque normativo ao princípio de hermenêutica constitucional, que preconiza

que ‘quando a Constituição quer um fim fornece os meios’, concluímos que o dispositivo cons-

titucional citado, ao proteger a ameaça a direito, dotou o Poder Judiciário de um poder geral de

cautela, ou seja, mesmo à míngua da disposição infraconstitucional expressa, deve-se presumir

194 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015, p. 405. 195 CF, art. 5º, XXXV. 196 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Verbatim, 2015, 19ª ed., p. 230.

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o poder de concessão de medidas liminares ou cautelares como forma de resguardo do indivíduo

das ameaças a direitos” (itálico dos autores).

Em vista disso, a técnica apta a assegurar o direito ou a realizá-lo desde logo, justifi-

cada fenomenologicamente, emerge diretamente da Constituição. Daí que se deve ter em mente

essa concepção para servir de vetor de interpretação, tendo-se em vista, sobretudo, a partir desse

vetor, que a insuficiência legislativa ou, vale reforçar, a inexistência de texto expresso, não

constituem óbice à proteção imediata do direito ameaçado ou lesado – ou do direito evidente.

Gilmar Ferreira Mendes197, em outra passagem, citando em nota de rodapé Robert

Alexy, faz a seguinte advertência: “Dessarte, a simples supressão de normas integrantes da le-

gislação ordinária sobre esses institutos198 pode lesar não apenas a garantia institucional obje-

tiva, mas também direito subjetivo constitucionalmente tutelado199. A omissão legislativa pode

acarretar a negação do direito constitucionalmente posto” (itálico meu).

Aliás, Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias Coz-

zolino de Oliveira200, discorrendo sobre tutela da evidência, comungam exatamente com essa

ideia. Sustentam, nessa seara, que a tutela da evidência pode ser concedida fora dos casos elen-

cados no art. 311 e, ademais, inaudita altera parte, mesmo em hipóteses não expressas nesse

dispositivo. Dizem, enfim: “Em conclusão, portanto, sendo extremamente evidente o direito

invocado pela parte, nada obsta que o magistrado conceda a tutela antecipada de evidência fora

das hipóteses previstas pelo art. 311, do CPC, com embasamento na gênese constitucional das

tutelas de urgência, mesmo quando se tratar de liminar onde não ocorre a oitiva da parte con-

trária antes da concessão da medida” (itálico meu).

Releva assinalar que a extrema clareza do direito do autor de per si torna desproporci-

onal o dano imanente produzido pela demora normal do processo, conforme dito, comprome-

tido com o contraditório democrático e com a amplitude de defesa e de produção de provas

adequadas à solução do conflito. Por isso, esse autor tem o direito à adoção de imediato, a seu

favor, de técnica aceleradora, mesmo não se cogitando de urgência, com a inversão do ônus do

197 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015, pp. 400/401 198 O autor refere-se aos Direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo. 199 Justamente neste ponto vem a nota a Robert Alexy. 200 Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Verbatim, 2015, p. 660.

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tempo do processo. Em outras palavras, o melhor direito do autor deve ser prestigiado desde

logo, deixando que o réu que, de partida, não tem razão, sofra as consequências da demora

normal do processo e, se for o caso, igualmente da demora anormal.

Aliás, conforme doutrina Marcelo Bourguignon201, “Siendo notorio que es posible

vencer por fatiga cuando no se puede vencer por derecho, son numerosos los litigantes – y los

profesonales – que optan por la vía de la dilación para resolver a su favor litigios que forzosa-

mente habrían de decidirse en su contra”.

Mais adiante esse autor argentino, falando sobre os efeitos nefastos da demora dema-

siada do processo, invoca velho refrão espanhol, que diz: “El vencido, vencido, y el vencedor

perdido”.

Nessa toada, de abertura, o caput do art. 294 do NCPC dispõe: “A tutela provisória

pode fundamentar-se em urgência ou evidência”; e o parágrafo único reza: “A tutela provisória

de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental”.

Daí que a tutela provisória compreende a tutela de urgência, embasada em perigo de

dano ou em risco ao resultado útil do processo, implicados em periculum in mora, e a tutela da

evidência, consistente na proteção judicial imediata do direito evidente, entendido como aquele

que seja claro, óbvio, líquido e certo.

Ademais, a tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou antecipada e pode ser

pleiteada e, assim, concedida, antecedentemente ou incidentemente.

A tutela provisória de urgência antecedente, em perspectiva procedimental, equivale à

medida cautelar preparatória do CPC de 1973, resumindo a novidade à positivação da tutela

antecipada antecedente. Diz-se positivação porque concretamente sempre a tivemos, apenas sob

o disfarce de medida cautelar. É que, à míngua de regulamentação específica, consoante é feito

no NCPC, mas ante a necessidade concreta da parte, em face do direito fundamental à proteção

adequada, como tal tempestiva, tem-se concedido tutela antecipada em “medida cautelar pre-

201 Tiempo y proceso. In Derecho procesal civil y comercial. Editorial Juris. Internet.

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paratória”, adotando-se, procedimentalmente, exatamente o percurso estatuído para essa espé-

cie de medida cautelar, de modo a exigir-se202 a “ação principal” no prazo de trinta dias conta-

dos da efetivação da tutela antecipada concedida liminarmente.

Limitamo-nos a um exemplo, recorrente, aliás: aquele em que a parte intenta medida

cautelar preparatória para compelir uma operadora de plano de saúde a custear um tratamento

emergencial, declarando que ajuizará ação principal de obrigação de fazer – justamente de cus-

tear o tratamento. Veja que o requerimento de liminar visa, precisamente, a antecipação da

tutela, na medida em que, procedente o pedido formulado na ação principal, o conteúdo conde-

natório coincidirá inexoravelmente com o conteúdo da tutela liminarmente requerida (com em-

balagem cautelar).

Por seu turno, a tutela provisória de urgência incidental equivale – em reiteração: em

perspectiva procedimental - à medida cautelar incidental. Acerca desse tema, confira o art. 800

do CPC de 1973. Sempre lembrando que pelo novo formato processual (NCPC) se cogita de

tutela cautelar e de tutela antecipada, enquanto esse artigo do CPC de 1973 integra o livro sobre

processo cautelar tão somente. Nesse passo, a tutela provisória incidental corresponde, também,

à tutela antecipada requerida no corpo da petição inicial ou no curso do processo.

Em relação à medida cautelar incidental convém anotar que há muito se dispensa o

processamento em apartado, admitindo-se petição incidente, sem necessidade de distribuição,

apensamento, citação etc. E a tutela antecipada incidental, cuja lei nunca fez exigência similar

à do art. 801 do CPC de 1973, sempre foi requerida na própria inicial da ação principal ou no

curso do pleito, exceto aquela hipótese em que a parte se vale de “medida cautelar preparatória”.

Ademais, relativamente à natureza da tutela (à essência, ao conteúdo), a cautelar, an-

tecedente ou incidental, corresponde às cautelares de que trata o CPC de 1973, enquanto a an-

tecipada equivale à tutela antecipada tratada, em linhas gerais, no art. 273 desse código. Em

linhas gerais porque o próprio CPC traz hipóteses de tutela antecipada em procedimentos espe-

ciais, como se dá na proteção possessória, e o ordenamento jurídico a traz em leis extravagantes,

a exemplo da lei de locação predial urbana (por ex.: liminar, em ação de despejo, significa tutela

antecipada).

202 Principalmente porque a petição inicial da medida cautelar não vem completa, referindo-se apenas à exposição

sumária do conflito e ao pedido acautelatório.

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Claramente, pois – vale desde já sublinhar essa característica -, ainda que se trate de

tutela da evidência, constitui modalidade de tutela provisória e não de tutela final, sobrelevando

notar que, nesse contexto, o adjetivo “provisório” se contrapõe naturalmente ao adjetivo “final”,

de tal sorte que, desse ponto de vista, de um lado, existe a tutela provisória, de outro lado, existe

a tutela final.

A provisoriedade, por sua parte – calha, também, a lembrança desde logo -, supõe a

revogabilidade ou a modificabilidade. Por essa razão, coerentemente o art. 296 prescreve que a

tutela provisória “pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”.

Veja, desse modo, em reforço, que mesmo que se cuide de tutela da evidência a carac-

terística da provisoriedade é imanente, não se cogitando por isso, absolutamente, de nenhuma

contradição. Isto porque, para a concessão da tutela da evidência o juiz considera, induvidosa-

mente, o estado tal como constituído no momento da concessão, estando compreendida aí, pois,

a cláusula rebus sic stantibus.

Essa característica é sentida, principalmente, quando a tutela da evidência é concedida

liminarmente (inaudita altera parte), com o diferimento, desse modo, do contraditório, na me-

dida em que, por consistente que tenha sido o elemento evidenciador do direito, é possível que,

com o desempenho do contraditório, aquele estado considerado pelo juiz sofra fragilização,

exigindo-se a revogação da decisão concessiva da tutela, de pronto ou após produção de prova.

Vejamos a hipótese do contrato de depósito, prevista no inc. III do art. 311, que per-

mite, textualmente, a concessão liminar, conforme parágrafo único. Intentada a respectiva ação,

com requerimento nesse sentido, o juiz, ante os elementos apresentados pelo autor, concede a

tutela liminarmente, ordenando que o réu proceda à entrega da coisa indicada, em prazo que

fixa desde logo, sob pena de multa.

Ocorre que o réu, ciente dessa decisão e da própria ação, ingressa em juízo, oferecendo

contestação com alegação séria de inexistência de contrato de depósito entre o autor e ele, sus-

tentando a ocorrência de fraude (alguém, passando-se por si, realizou a operação - o que tem

sido muito comum nos dias atuais).

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Entre os requerimentos formulados pelo réu, logicamente haverá aquele que visa à

revogação imediatamente da decisão liminar, seja porque não existe, claramente, dever jurídico

de sua parte de entregar aquela precisa coisa ao autor, seja porque é impossível nesse caso para

si a entrega dessa coisa, seja porque a não entrega, segundo a realidade processual, dará ensejo

à multa diária arbitrada desde logo pelo juiz, enveredando-se, no mínimo, para mais uma fértil

discussão, consistente, basicamente, no descumprimento justificado ou injustificado da ordem

de entrega da coisa no prazo assinado.

Se os elementos fornecidos pelo réu forem verossímeis, altamente convincentes, o juiz

poderá de plano sustar os efeitos da decisão concessiva da tutela, para, em seguida, oportunizar

a manifestação do autor. Se o autor, por sua parte, nessa manifestação, não infirmar, satisfato-

riamente, aqueles elementos oferecidos pelo réu, o juiz revogará a decisão e deliberará em pros-

seguimento (a depender da manifestação do autor, logicamente será determinada perícia grafo-

técnica).

Portanto, quer em relação à tutela de urgência, seja antecipada seja cautelar, quer em

relação à tutela da evidência, trata-se de tutela provisória, que, dessa maneira, tem ínsitos os

caracteres da revogabilidade ou da modificabilidade.

Aliás, a concessão de tutela da evidência absolutamente não impede o juiz de julgar

improcedente o pedido, se, enfim, a participação processual do réu fulminar aquele estado con-

siderado para a concessão; e a improcedência do pedido logicamente implica a revogação da

decisão concessiva da tutela provisória, quer de urgência quer da evidência.

Se a tutela da evidência for concedida na sentença e o tribunal, em grau de apelação,

der provimento ao recurso, consequentemente – efeito lógico do provimento do recurso de ape-

lação – a tutela da evidência será cassada. Esse fenômeno igualmente ocorre quando se tratar

de tutela de urgência concedida na sentença ou quando se tratar de tutela concedida antes da

sentença, seja, enfim, da evidência seja de urgência.

O CPC de 2015, assim, trata da tutela provisória como gênero, regulando-a, de partida,

em disposições gerais (arts. 294 a 299); depois, trata da espécie tutela de urgência, com dispo-

sições gerais próprias (arts. 300 a 302); em seguida, cuida do procedimento da tutela antecipada

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requerida em caráter antecedente (arts. 303 e 304) e do procedimento da tutela cautelar reque-

rida em caráter antecedente (arts. 305 a 310); finalmente, dispõe sobre a outra espécie de tutela

provisória, a tutela da evidência (art. 311).

Quando a tutela de urgência, antecipada ou cautelar, for requerida em caráter inciden-

tal, seu trâmite será nos autos do respectivo processo, razão por que o código não traz procedi-

mento especificamente com relação a essa modalidade, havendo, por certo, de ser respeitado,

sempre, o contraditório, prévio ou diferido.

Cuidando-se de tutela de urgência, o código exige “elementos que evidenciem a pro-

babilidade do direito” mais “perigo de dano” ou “risco ao resultado útil do processo” (periculum

in mora), de acordo com o art. 300; já para a concessão da tutela da evidência não se exige,

coerentemente, demonstração de “perigo de dano” ou “risco ao resultado útil do processo” (art.

311).

Vale a nota, por outro lado, no sentido de igualmente contra a Fazenda Pública ser

admissível a tutela provisória (de urgência ou da evidência), devendo ser observado, entretanto,

o regramento próprio. Daí que o art. 1.059 reza: “À tutela provisória requerida contra a Fazenda

Pública aplica-se o disposto nos arts. 1º a 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art.

7º, § 2º, da Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009”.

Ademais, no que diz respeito a custas, vem disposto no art. 295: “A tutela provisória

requerida em caráter incidental independe do pagamento de custas”. Veja que o artigo fala em

tutela provisória, isto é, tutela de urgência, cautelar ou antecipada, ou tutela da evidência.

A razão da dispensa de pagamento novamente de custas é óbvia, na medida em que

para que a tutela provisória seja requerida em caráter incidental pressupõe que haja processo

em curso; e, havendo processo em curso, as custas, quando devidas, foram recolhidas por oca-

sião do ajuizamento.

Demais disso, em reiteração, no que atina a procedimento não existe previsão especí-

fica, justamente porque o trâmite se dará nos autos do respectivo processo, havendo sempre de

observar o efetivo contraditório, prévio ou postergado, conforme a hipótese.

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Com relação à duração da eficácia, prescreve o art. 296: “A tutela provisória conserva

sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modifi-

cada”; por sua vez, dispõe o parágrafo único: “Salvo decisão judicial em contrário, a tutela

provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo”.

Esse dispositivo assemelha-se ao art. 807 do CPC de 1973, compreendendo, porém, a

tutela cautelar e a tutela antecipada. De todo modo, o art. 273, § 4º, desse mesmo código

(CPC/73) traz preceito com o mesmo conteúdo, a saber: “A tutela antecipada poderá ser revo-

gada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.

Essencialmente, confirma-se com esse dispositivo o próprio significado do título eleito

pelo legislador, porquanto, se a tutela é provisória, quer dizer que está sujeita à revogação ou

modificação, evidentemente ante os fundamentos adequados. Afinal, tutela provisória contra-

põe-se a tutela final ou definitiva.

Por sua vez, o § 5º do art. 273 do CPC/73, preceitua: “Concedida ou não a antecipação

da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento”. Sobreleva apontar aqui uma particula-

ridade, consoante dispõe o art. 304 caput, consistente na estabilização da tutela antecipada,

implicando novidade, designadamente com relação a esse preceito do CPC de 1973. Isto por-

que, poderá ocorrer de, concedida a tutela antecipada, o processo não prosseguir até final jul-

gamento, ante a estabilização, sendo, assim, extinto (art. 304, § 1º). Seja como for, dando-se a

extinção em razão da estabilização, a tutela, que era provisória, tornou-se final para esse obje-

tivo estreito ou, em outras palavras, para esse âmbito de cognição sumária e limitada203.

O parágrafo único acima transcrito204 é idêntico ao parágrafo único do art. 807 do CPC

de 1973. Tão somente, vale sempre lembrar, em reforço, no regime da tutela provisória do CPC

de 2015 estão compreendidas a tutela cautelar e a tutela antecipada, ao passo que o CPC de

1973, no livro sobre processo cautelar (Livro III, arts. 796 a 889), refere-se unicamente à tutela

cautelar (ao menos nominalmente).

203 Sobre cognição judicial, ver: WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 4ª ed.,

2012. 204 “Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão

do processo”.

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Veja a redação do parágrafo único do art. 807 do CPC de 1973: “Salvo decisão judicial

em contrário, a medida cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do pro-

cesso”205.

Desse modo, concedida a tutela antecipada (ou a tutela cautelar) e, em seguida, reque-

rendo as partes a suspensão do processo, por hipótese, por seis meses (veja art. 313, II e § 4º,

parte final), exceto se houver decisão em sentido contrário, a tutela concedida conservará a

eficácia durante o tempo de suspensão. Sem novidade importante, enfim, nesse particular.

Igualmente incide essa solução, por sua vez, nas demais hipóteses de suspensão.

A propósito da efetivação o art. 297 reza: “O juiz poderá determinar as medidas que

considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”. Parágrafo único: “A efetivação da

tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que

couber”.

Convém desde logo atentar que esse dispositivo de per si não autoriza o juiz a conceder

tutela provisória de ofício, mas sim a pôr em prática técnicas visando à efetivação da tutela

concedida. É o que se chama tutela concretamente adequada ou, sob outra perspectiva, tutela

indiferente (também há quem nomeie esse fenômeno de tutela diferenciada) (veja poder geral

de efetivação206).

Dito de outro modo, esse dispositivo trata da efetivação, tendo a ver com o poder geral

de efetivação. Uma vez concedida a tutela, o juiz, de ofício ou a requerimento, colocará em

prática a medida que for adequada à sua efetivação, ou seja, à produção do resultado concreto

a que a decisão se destina.

Aqui também o CPC de 1973 tem preceito semelhante. A propósito, pois, o art. 461, §

3º: “Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá

o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição

de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de

obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial” (itá-

lico meu).

205 No que atina à suspensão do processo, remete-se ao art. 265 do CPC/73 e ao art. 313 do CPC/15. 206 NCPC, art. 139, IV.

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Esses dispositivos, pois, tratam do poder geral de efetivação, que o CPC de 2015 traz,

de forma alargada, já no art. 139, que positiva as incumbências do juiz no processo. Diz esse

preceito (inc. IV) textualmente que ao juiz incumbe, entre outros: “determinar todas as medidas

indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento de ordem

judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestações pecuniárias”.

Tem-se classicamente entendido que o princípio dispositivo, sob suas duas dimensões

(princípio da demanda e princípio da congruência ou adstrição)207 não permite que o juiz con-

ceda tutela provisória senão mediante requerimento do titular do direito ou de quem legalmente

o possa substituir, mesmo porque – impende ressaltar - em contrapartida incide a responsabili-

dade objetiva processual com relação ao dano que a efetivação da tutela causar à parte adversa

(art. 302).

Por sua vez, o princípio dispositivo tem a ver com a garantia da liberdade de litigar ou

dispor de direitos, conforme ensinamento afirmativo de Humberto Theodoro Junior208, devendo

o juiz limitar-se a prestar o fato pedido.

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero209 também se po-

sicionam nesse sentido, preconizando: “Sendo um pedido de tutela do direito, o requerimento

do emprego da técnica antecipatória para sua prestação provisória obedece ao princípio da de-

manda (arts. 2º e 141). Vale dizer: para a concessão da tutela de urgência ou da tutela da evi-

dência tem de haver requerimento da parte” (itálico dos autores).

Igualmente, exigindo requerimento da parte, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e

Rafael Alexandria de Oliveira210, a saber: “É necessário requerimento da parte para a concessão

de tutela provisória. É vedada a tutela provisória ex officio. Trata-se de exigência decorrente da

regra da congruência (ver capítulo sobre decisão judicial, neste volume de Curso), adotada pelo

207 Nesse sentido: THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense,

56ª ed., 2015, vol. I, p. 73. 208 Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015, vol. I, p. 72. 209 Curso de Processo Civil – tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015, vol. 2, p.

205. 210 Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015, vol. 2, pp. 592/593.

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nosso Código nos arts. 2º, 141 e 492. De mais a mais, o art. 295 do CPC dispõe claramente: a

tutela provisória será requerida”211.

Para Jose Miguel Garcia Medina212 o juiz pode conceder medidas assecuratórias (cau-

telares) ex officio, limitadamente às de caráter incidental: “Pode o órgão jurisdicional conceder

medidas cautelares ex officio, a fim de assegurar que os efeitos do ato que realizou ou está

realizando se produzam. Isso é menos que instaurar ação em que se realize, em caráter antece-

dente, uma medida cautelar. Referimo-nos, aqui, à possibilidade de concessão de medidas cau-

telares de ofício em caráter incidental, apenas. Esse ‘poder geral’, no caso relaciona-se à direção

material do processo (cf. art. 139 do CPC/2015, em cujo inc. IV está escrito que ao juiz incumbe

tomar medidas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial)”.

Por essa explicação parece que o autor, todavia, não está dizendo propriamente sobre

concessão de ofício de tutela cautelar, mas sim de emprego de técnica concretamente adequada

(medida necessária ou medida adequada) à efetivação da tutela concedida a requerimento, nos

termos dos arts. 149, inc. IV, 297 caput e 301 do CPC de 2015213.

Arruda Alvim, discorrendo sobre a tutela antecipada no regime do CPC de 1973, pre-

cisamente a respeito da antecipação de tutela no julgamento antecipado da lide e nas hipóteses

de pedido incontroverso, que se assemelham à tutela da evidência, sustenta igualmente ser ne-

cessário pedido específico214.

Porém, Cassio Scarpinella Bueno215 ensina: “Sem prejuízo das considerações feitas

pelo n. 2 do Capítulo 2, contudo, é irrecusável a questão sobre ser possível ao juiz conceder a

tutela antecipada de ofício, isto é, sem pedido expresso para aquele fim. À luz do ‘modelo

constitucional do processo civil’, a resposta mais afinada é a positiva. Se o juiz, analisando o

caso concreto, constata, diante de si, tudo o que a lei reputa suficiente para a antecipação dos

211 O art. 295 fala: a tutela provisória requerida; já, o art. 299 fala: a tutela provisória será requerida. Aparente-

mente, a referência ao art. 295 significa, em verdade, referência ao art. 299. 212 Direito Processual Civil Moderno. São Paulo: RT, 2015, p. 455. 213 O CPC de 1973, no art. 461, § 5º, fala em medidas necessárias. A propósito: “Para a efetivação da tutela

específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar

as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de

pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força

policial” (itálico meu). 214 ALVIM, José Manuel Arruda. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 16ª ed., 2013, p. 895. 215 Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2013, vol. IV, p. 39.

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efeitos da tutela jurisdicional, à exceção do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o

valor “efetividade”, máxime nos casos em que a situação fática envolver a urgência da presta-

ção da tutela jurisdicional (art. 273, I), e em que a necessidade da antecipação demonstrar-se

desde a análise da petição inicial. Ademais, trata-se da interpretação que melhor dialoga com o

art. 797 (v. n. 4 do Capítulo 2 da Parte II), tornando mais coerente e coeso o sistema processual

civil analisado de uma mesma perspectiva” (destaques do autor).

Daniel Carnio Costa216, por sua parte, sustenta – mesmo à luz do NCPC – que a tutela

antecipada de urgência pode ser concedida de ofício, justamente para “neutralizar o periculum

in mora”, sobretudo diante do interesse público em garantir, ao final, a utilidade do serviço

judicial (a utilidade do processo, enfim). Como isso, garante-se, igualmente, a suficiência da

proteção judicial217.

Nessa toada o juiz, já por força da Constituição, oficia na qualidade de tutor do pro-

cesso, podendo e devendo, mesmo de ofício, providenciar para que a proteção estatal seja sufi-

ciente, conquanto titular do direito seja, por óbvio, a parte. Daí que a parte a favor da qual a

providência fora estatuída, sobretudo se tiver sido de ofício, pode, avaliando a situação, abrir

mão da efetivação, como se dá, aliás, em relação à própria sentença.

Embora se afirme, e o NCPC é rico em dispor a esse respeito, que as medidas neces-

sárias à efetivação não dependem de requerimento específico da parte, deve estar demonstrado

o interesse da parte em efetivar a decisão, quer em âmbito de tutela provisória quer em âmbito

de tutela final já depois do trânsito em julgado.

Dito de outro modo, o procedimento de efetivação ou de execução não pode ter início

ou prosseguimento se a parte favorecida não manifestar interesse, principalmente se manifestar

desinteresse, na medida em que não se cogita de efetivação ou de execução obrigatórias. Poder

determinar medidas concretamente adequadas de ofício não se confunde com obrigar o titular

do direito reconhecido pelo juiz, provisoriamente ou finalmente, a efetivar ou executar a deci-

são.

216 Tutelas de urgência – parte geral. Curitiba: Juruá Editora, 2013. 217 Vigora, também entre nós, o princípio da proibição da proteção judicial insuficiente.

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A decretação do despejo, por hipótese, não obriga o locador a executar a sentença,

realizando-se o despejo, em que pese se presuma, pelo trâmite normal, que o locador o pretenda.

Mas o ato executivo em si depende da manifestação de vontade dele, que pode não mais ter

interesse.

O locador, aliás, que apesar de ter obtido sentença de despejo, não a executa, permi-

tindo que o locatário continue no imóvel por tempo demasiado, com o recebimento normal dos

aluguéis, com a aplicação periódica de reajustes, pode perder o direito à execução, em razão da

proibição de venire contra factum proprium.

O art. 523 do NCPC, tratando do cumprimento de sentença de sentença que reconhece

a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, deixa claro que se fará a requerimento do

exequente; o art. 536, por sua vez, aplicável ao cumprimento de sentença que reconhece a exi-

gibilidade de obrigação de fazer, de não fazer e de entregar coisa (v. art. 538, § 3º), preceitua

que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a

obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à sa-

tisfação do exequente”.

Assim, o juiz poderá, de ofício, determinar as medidas necessárias, desde que o titular

do direito reconhecido tenha manifestado interesse, até para surgir a figura do exequente. Se

não houver manifestação de interesse ou, principalmente, se houver manifestação de desinte-

resse, não se há falar em imposição de atos executivos pelo juiz, isto é, de execução obrigató-

ria218.

Aliás, parece-nos que, por igual razão, considerando que a parte “tem o direito de obter

em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”219, e que o juiz,

entre outras, tem a incumbência de “velar pela duração razoável do processo”220, em caso de

procedência do pedido, poder-se-ia, assim como se dá com o julgamento em si, de ofício, ante

a evidência do direito do autor (evidência que, logicamente, gerou a procedência do pedido),

liberar imediatamente a eficácia da sentença, com base no art. 311 do NCPC (especialmente

218 Cuidando-se de direito indisponível, pode caracterizar, entretanto, a efetivação obrigatória ou instantânea, como

se dá, por ex., na anulação de casamento e no reconhecimento de paternidade ou maternidade. 219 NCPC, art. 4º. 220 CF, art. 5°, LXXVIII; NCPC, arts. 139, II e 6º.

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com base no inc. IV). Por óbvio - em reforço ao que ficou dito acima -, caberia nessa hipótese

à parte avaliar sobre a conveniência de promover desde logo a execução ou aguardar o trânsito

em julgado, em face da responsabilidade objetiva processual e, também, em certos aspectos, da

necessidade de prestação de caução.

A liberação da eficácia da sentença nesses moldes afastaria o efeito suspensivo auto-

mático da apelação, mantido como regra no NCPC221. Isto porque, em regime de exceção, esse

mesmo código afasta tal efeito em relação ao capítulo da sentença que confirma, concede ou

revoga a tutela provisória (ou seja: de urgência – antecipada ou cautelar – ou da evidência)222.

Poder-se-ia sustentar que a liberação da eficácia da sentença, em face da obviedade do

direito da parte – tanto, reforça-se, que o pedido foi julgado procedente – estaria compreendida

na técnica de julgar, antecipadamente ou depois de produzida a prova tida por necessária e útil.

Se o juiz não depende de requerimento específico da parte para prolatar sentença, verificando

a evidência do direito, poderia, contextualmente, conceder a tutela da evidência de ofício – ou,

dito de outro modo, a concessão se daria de forma implicada no próprio pronunciamento final

(estaria, enfim, contida na demanda).

Destarte, tendo em conta que o juiz tem a incumbência de zelar pelo tempo do pro-

cesso, adotando técnicas democráticas aptas a superá-lo, e que impera a proibição da proteção

judicial insuficiente, parece-nos perfeitamente aceitável essa técnica, cabendo à parte benefici-

ada a avaliação relacionada à execução provisória.

Seja como for, se houver requerimento, é tranquilo que o juiz pode, acolhendo o pe-

dido, conceder na sentença a tutela da evidência, na medida em que, conforme ficou dito, a

procedência do pedido pressupõe a evidência do direito da parte.

Mais adiante, quando a tutela da evidência for diretamente o tema do estudo, serão

novamente analisadas essas questões, procurando-se acrescer argumentos.

Relativamente ao parágrafo único do artigo sub examine (art. 297), remetendo ao cum-

primento provisório de sentença, veja os arts. 520 a 522; já com relação ao CPC de 1973, regra

221 Art. 1.012 caput. 222 Idem, § 1º, V.

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semelhante se vê no § 3º do art. 273. Conquanto o capítulo no qual estão inseridos esses artigos,

no CPC de 2015, fale em cumprimento provisório de sentença que reconheça a exigibilidade

de obrigação de pagar quantia em dinheiro, o procedimento aí instituído também incide nas

outras modalidades de obrigação, no que couber, nos termos do § 5º do art. 520.

A exigência de fundamentação adequada, por outro lado, vem, em reforço, disposta no

art. 298: “Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz mo-

tivará seu convencimento de modo claro e preciso”. Cuida-se, pois, da exigência constitucional

de fundamentação adequada. A respeito, o art. 93, inc. IX da Constituição. Portanto, esse dis-

positivo vem tão apenas em reforço, diante da importância da fundamentação da decisão judi-

cial, imanente ao Estado de Direito, notadamente em regime de precedentes normativos, cuja

vinculação depende da identificação da razão de decidir223.

Quer para conceder, para negar, para conceder em parte e, pois, negar em parte, quer

para revogar ou para modificar, caberá ao juiz indicar de modo claro e preciso o que considerou

para chegar a tal decisão.

Remete-se, ainda, ao art. 11 do NCPC, a saber: “Todos os julgamentos dos órgãos do

Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”; e,

se a deliberação acerca da tutela provisória for na sentença, ao art. 489, inc. II e §§ 1º a 3º.

Por seu turno, com relação à competência, prescreve o art. 299: “A tutela provisória

será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do

pedido principal”. Parágrafo único: “Ressalvada disposição especial, na ação de competência

originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional

competente para apreciar o mérito”.

Esse artigo assemelha-se ao art. 800 do CPC de 1973. A diferença é que, além da

providência cautelar antecedente, que esse código revogado nomeia de preparatória, passare-

mos a ter a antecipação de tutela em caráter antecedente.

223 Ver: SCHMITZ, Leonardo Ziesemer. Fundamentos das decisões judiciais – A crise na construção de respostas

no processo civil. São Paulo: RT, 2015.

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Impende salientar que concretamente sempre tivemos a tutela antecipada geral antece-

dente, com a roupagem, todavia, de medida cautelar. É o que sempre se deu, por hipótese, com

a concessão de liminar em nomeada medida cautelar preparatória contra operadora de plano de

saúde, ordenando-se que determinado procedimento cirúrgico seja coberto pelo plano.

A estabilização, por certo, nunca a tivemos, mesmo vivamente. Agora, a depender da

vontade das partes, passaremos a tê-la, em relação à tutela antecipada antecedente, de confor-

midade com o que será visto mais adiante224.

Seja como for, quer se trate de tutela cautelar quer se trate de tutela antecipada, se for

em caráter antecedente, em primeiro grau deverá ser dirigida ao juízo competente para a causa;

se for em caráter incidental, será postulada ao próprio juízo da causa.

Releva assinalar, porém, que tão somente a tutela de urgência poderá ser concedida

em caráter antecedente ou em caráter incidental (art. 294, parágrafo único); a tutela da evidên-

cia, não, na medida em que a providência antecedentemente ao processo se embasa justamente

no estado de necessidade, na urgência.

Fernando da Fonseca Gajardoni225, discorrendo sobre o tema, confirma esse posicio-

namento, ponderando que, exatamente em razão de não se ter o estado de necessidade justifi-

cador, não há se falar em tutela da evidência requerida em caráter antecedente, conforme segue:

“Não havendo urgência a socorrer, não há prejuízo para que a postulação seja apresentada in-

cidentalmente ao pedido principal. Esse é o principal argumento que sepulta a lógica de se

admitir a concessão antecedente da tutela de evidência. Além disso, não há previsão legal es-

pecífica para o pleito de tutela de evidência antecedente, como há das tutelas de urgência ante-

cipada e cautelar antecedentes. Isso indicia que o legislador não supôs a possibilidade da ocor-

rência, pois sequer previu procedimento para suportá-la (embora, convenha-se, fosse possível

a aplicação sistemática dos artigos 303 e 304 do CPC/2015). Portanto, somente incidentalmente

se reclama tutela da evidência”.

224 Cf. arts. 303 e 304. 225 Ob. cit., p. 925.

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O autor sustenta, ademais, que o art. 299 do CPC de 2015 “está mal posicionado na

parte geral das tutelas provisórias. Deveria estar na parte geral das tutelas de urgência”226. Em

aval a esse argumento, temos o art. 294, parágrafo único, que, com boa clareza, preceitua que

somente a tutela provisória de urgência (cautelar ou antecipada) pode ser concedida em caráter

antecedente.

Assim, não se cogita de tutela da evidência antecedente. A tutela da evidência será

requerida na petição inicial, quando se tratar de hipótese que admita a concessão liminarmente

(inaudita altera parte), ou em petição intermediária. A réplica, por exemplo, será a oportuni-

dade para requerer a tutela da evidência de que trata o inc. IV do art. 311; as razões finais

viabilizarão o pedido de tutela da evidência fundado em qualquer das hipóteses, mas principal-

mente nessa prevista no inc. IV, quando se instaurara a fase instrutória, facultando-se a produ-

ção de prova, destinada a infirmar a prova produzida pelo autor, sem, entretanto, êxito, como,

por hipótese, uma perícia grafotécnica em razão de alegação de falsidade da assinatura cons-

tante do documento produzido nos autos pelo autor; ou destinada a demostrar o fato constitutivo

do direito do autor, enfim.

Por sua parte, em caso de competência originária do tribunal, como se dá com a ação

rescisória (arts. 966 e ss.), ou em caso de recurso, a tutela provisória deverá ser requerida ao

tribunal, precisamente ao relator. Veja, a propósito, ademais, o art. 932, II, prescrevendo que

ao relator compete: “II – apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de

competência originária do tribunal”.

O art. 969, por sua vez, faz referência à tutela provisória em ação rescisória. Confira o

texto: “A propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda,

ressalvada a concessão de tutela provisória”. Essa tutela provisória deverá, assim, ser requerida

ao relator, conforme consta dos arts. 932, II e 299, parágrafo único.

Várias hipóteses podem exigir o acesso diretamente ao relator, via recursal ou via ori-

ginária. Sempre, pois, que a competência for originária de tribunal, a tutela provisória deverá

ser requerida ao relator. Ademais, seja quando, em primeiro grau, o juiz concede a tutela pro-

visória, total ou parcialmente, ou a nega, revoga ou modifica, em decisão interlocutória, seja

226 Idem.

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quando assim se pronuncia na sentença, a parte prejudicada terá de recorrer ao tribunal, nome-

adamente ao relator.

Evidentemente, pode ocorrer de a decisão (interlocutória ou sentença) conter vício sa-

nável por embargos de declaração, vício que, por si, implica uma das hipóteses acima227. Nesse

caso de vício sanável por embargos de declaração, a parte se dirigirá ao próprio juízo prolator

da decisão. No entanto, afora esse caso, terá de ir ao tribunal; ou se o vício não for sanado ou,

sanado o vício, a decisão for desfavorável, o caminho necessário levará, enfim, ao tribunal.

A ida ao tribunal, por seu turno, ora se dá por agravo de instrumento, ora por apelação

seguida de requerimento inominado, valendo lembrar que a apelação continua sendo interposta

perante o juízo a quo, onde se processará até à liberação ao tribunal ad quem, embora não haja

mais juízo de admissibilidade a quo (esse juízo será desempenhado pelo tribunal ad quem)228.

O art. 1.015 menciona as hipóteses nas quais o agravo de instrumento tem cabimento;

e o inc. I trata da tutela provisória. Assim, as decisões interlocutórias que versem sobre tutela

provisória desafiam o recurso de agravo de instrumento, que deverá ser interposto no prazo de

quinze dias, conforme art. 1.003, § 5º (“Excetuados os embargos de declaração, o prazo para

interpor os recursos e para responder-lhes é de quinze dias”).

Vale aqui uma nota que reputamos importante no que atina ao início do prazo para o

réu, quando a decisão tiver sido proferida antes da citação, como ocorre designadamente com

as decisões liminares inaudita altera parte. De acordo com o § 2º do art. 1.003, “Aplica-se o

disposto no art. 231, incisos I a VI, ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão

proferida anteriormente à citação”.

227 Sobre embargos de declaração confira os arts. 1.022 a 1.026 - o art. 1.022 trata especificamente do cabimento

e o art. 1.023 do prazo para a oposição (prazo de cinco dias). 228 Se o juízo a quo exercer, mesmo em parte, o juízo de admissibilidade, estará sujeito à reclamação, nos termos

do art. 988, I do NCPC. A propósito, ademais, chama-se à reflexão sobre esse ponto nas hipóteses em que a ape-

lação devolve ao próprio juízo a quo o exame da questão decidida e que fundamenta a apelação. Isto porque essa

devolutividade depende da regularidade da apelação (tempestividade, preparo - quando for exigido -, e texto hí-

gido, apto). Supõe o caso de uma apelação claramente a destempo. Se é intempestiva, interdita a própria devoluti-

vidade, caso em que o juízo a quo poderá limitar-se a declarar essa situação, deixando de pronunciar-se em juízo

de retratação, mas admitindo o processamento da apelação; ou haveria de declarar a intempestividade, declarar a

não devolutividade e, logicamente, obstar o processamento?

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Assim, se o juiz concede de pronto uma liminar, quer acautelatória quer antecipatória,

citando-se e intimando-se ou somente se intimando o réu ao depois por oficial de justiça, o

prazo para agravar dessa decisão começará a contar da juntada aos autos do mandado cumprido.

Se houver mais de um réu para ser intimado da decisão concessiva da tutela provisória, o prazo

para a interposição do agravo de instrumento será contado individualmente, nos termos do § 2º

do art. 231.

Segundo esse dispositivo, pois, inequivocamente caberá ao réu que não se conformar

com a decisão proferida antes da citação, no prazo de quinze dias contados nos termos do art.

231 manejar o recurso de agravo de instrumento, endereçando-o ao tribunal competente. Se o

réu, todavia, antecipar-se ao ato de citação e intimação, ingressando em juízo, a contar do in-

gresso começará a fluir o prazo para si, para a interposição do agravo, mesmo que haja mais

réus, dispensando-se, ademais, a sua citação229 (art. 239, § 1º).

Eventual retratação pelo juízo prolator da decisão recorrida será desempenhada no pro-

cedimento do agravo de instrumento (art. 1.015, 1º), não se cogitando de requerimento de re-

consideração fora desse âmbito – se for apresentado requerimento de reconsideração fora do

procedimento do agravo não se falará em impedimento do curso do prazo recursal ou suspensão

ou interrupção desse prazo.

Entretanto, pode ocorrer, e pelo regime do NCPC isso por certo ocorrerá com mais

frequência, diante das disposições dos arts. 1.009, § 3º, 1.012, V e 1.013, § 5º, que expressa-

mente falam em concessão de tutela provisória na sentença, de, enfim, a decisão atinente à tutela

provisória integrar a sentença, constituindo um capítulo (destacado ou incurso, a depender da

didática do juiz).

Essa decisão, em capítulo da sentença, pode: confirmar a tutela concedida anterior-

mente; modificar a tutela concedida anteriormente; revogar total ou parcialmente a tutela con-

cedida anteriormente; negar a tutela provisória pretendida, em primeiro plano ou em reiteração;

conceder a tutela provisória pretendida, total ou parcialmente.

229 No que pertine ao prazo para contestar: “Quando houver mais de um réu, o dia do começo do prazo para

contestar corresponderá à última das datas a que se referem os incisos I a VI do caput” (§ 1º do art. 231).

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Em qualquer dessas hipóteses de decisão sobre tutela provisória na sentença, a eficá-

cia, se for o caso, será liberada instantaneamente, de tal sorte que a produção dos efeitos se dará

imediatamente com a publicação da sentença em cartório. Veja a propósito o § 1º do art. 1.012

e o inc. V.

Então vejamos. O art. 1.009 caput fala que “Da sentença cabe apelação” e o § 3º pres-

creve: “O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no

art. 1.015 integrarem capítulo da sentença”. O art. 1.015 é justamente o artigo que arrola as

hipóteses impugnáveis por agravo de instrumento, doze ao todo, mais aquelas previstas no seu

parágrafo único (decisões interlocutórias na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento

de sentença, no processo de execução e no processo de inventário).

Além disso, o § 5º do art. 1.013 diz que “O capítulo da sentença que confirma, concede

ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação”, devendo incluir-se aí a denegação da

tutela provisória na sentença e a modificação, eis que sempre que se decidir, na sentença, sobre

tutela provisória, essa decisão desafiará o recurso de apelação (cf. § 3º do art. 1.009 – veja

citação acima) – ou, pode-se afirmar: essa decisão estará sujeita a questionamento infringente,

exclusivamente, em âmbito de recurso de apelação (a seguir se tentará explicar mais detida-

mente esse ponto).

Concluindo essa passagem: o legislador quis concentrar toda a discussão concernente

ao conteúdo da sentença, ainda que se refira à tutela provisória (confirmação, concessão, mo-

dificação, revogação ou denegação), em apelação, afastando a incidência do agravo de instru-

mento (com relação a determinado capítulo da sentença ou parcela do conteúdo decisório).

Por outro lado, na medida em que não lhe é dado excluir, ainda que temporariamente,

da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito (art. 5º, XXXV da CF; NCPC, art. 3º),

institui a competência do relator para apreciar pedido de tutela provisória em recursos (art. 932,

II) – ou seja, compete ao relator apreciar pedido relacionado com tutela provisória em fase

recursal.

Ademais, no art. 1.012, § 3º disciplina o pedido de concessão de efeito suspensivo, à

medida que o § 1º libera a eficácia da sentença instantaneamente com a sua publicação em

cartório. Qual seja, embora em regra a apelação continue tendo o efeito suspensivo automático,

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se a sentença deliberar sobre tutela provisória, com relação a essa parcela esse efeito suspensivo

automático não será operante.

Por efeito suspensivo automático do recurso deve-se entender impedimento à libera-

ção desde logo da eficácia da sentença em razão da recorribilidade, num primeiro estágio, e

da interposição do recurso, num segundo estágio230.

Dispõe, consectariamente, esse § 3º do art. 1.012 que a parte prejudicada poderá vin-

dicar efeito suspensivo na hipótese do § 1º, formulando requerimento ao: “I – tribunal, no perí-

odo compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator desig-

nado para seu exame prevento para julgá-la; II – relator, se já distribuída a apelação”.

Por seu turno, o § 4º preceitua: “Nas hipóteses do § 1º, a eficácia da sentença poderá

ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou

se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação”.

Nessa mesma toada e à míngua de previsão específica, pensamos que essa técnica

igualmente se aplica quando for negada a tutela provisória na sentença ou for revogada ou mo-

dificada, porquanto a parte que a pretenda terá de dirigir-se ao tribunal, não podendo, o mais

das vezes, aguardar o trâmite normal da apelação; ou quando, ademais, a tutela provisória jus-

tificar-se por ocorrência superveniente à sentença.

Assim, se o pedido do autor for julgado procedente, mas o requerimento de tutela pro-

visória for indeferido (na sentença o juiz conclui pela procedência do pedido, mas nega a tutela

provisória pretendida pelo autor), e o réu apelar, o autor poderá endereçar requerimento ao

tribunal, nos moldes previstos no § 3º do art. 1.012, porém, logicamente, para pleitear a tutela

provisória negada na sentença231, competindo ao relator designado a apreciação (art. 932, II).

230 Nesse sentido: ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo

Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil.

São Paulo: RT, 2015, p. 1444). 231 Ou efeito suspensivo ativo.

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O autor, nessa hipótese, comprovará com o requerimento que o réu interpôs apelação,

exatamente para demonstrar ao relator o recomeço do processo – a competência do relator de-

pende da deflagração da fase recursal, ainda que seja pela outra parte.

A verticalidade constituída entre o juízo de primeiro grau e o tribunal está inserida na

gama de direitos fundamentais da pessoa, de sorte que seu desempenho tecnicamente hábil ou

inábil – ou a negação pelo julgador - pode conduzir à proteção do direito ou ao seu perecimento.

Por isso, não se pode negar ao autor, nessa hipótese, o manejo do requerimento a que diz res-

peito o § 3º do art. 1.012.

Caso seja negada essa via de acesso ao tribunal, haverá de cogitar, excepcionalmente,

de interesse recursal, em plano de apelação, tão somente com relação ao capítulo da sentença

que nega a tutela provisória requerida pelo autor (continuamos no exemplo acima) e, em se-

guida, com a comprovação da interposição da apelação nesses moldes, de apresentação do re-

querimento, visando à obtenção da tutela232 perante o relator designado. Essa apelação poderia

ser a autônoma ou a adesiva.

Se também essa via for negada, haverá de ser disponibilizado a esse autor, excepcio-

nalmente, enfim, o agravo de instrumento (teríamos aí uma hipótese de agravo de instrumento

contra capítulo da sentença).

Persistindo a negação, também em relação ao recurso de agravo, pensamos que, igual-

mente em regime de excepcionalidade, caberá mandado de segurança, principalmente porque,

deflagrada a competência do tribunal, o juiz não mais poderá decidir a respeito, sob pena de

reclamação, consoante disposição do art. 988, inc. I do CPC de 2015, enfim. Isto porque a

interposição da apelação tira do juízo a quo a competência para decidir sobre tutela provisória,

deslocando-a automaticamente ao tribunal. Com isso, cria-se um vácuo jurídico-processual no

processamento, entre a interposição do recurso e a liberação dos autos ao tribunal, não se con-

cebendo, nesse vácuo, impedimento à proteção judicial.

Por sua parte, contra a decisão do relator também cabe recurso, o agravo interno, pre-

visto no art. 1.021233. Desse modo, se a parte, por hipótese, pleiteia efeito suspensivo à apelação

232 Idem. 233 Por força do § 5º do art. 1.003, o prazo para a sua interposição também é de quinze dias.

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ou a concessão de tutela provisória ao relator e esse pleito lhe é negado, poderá lançar mão do

agravo interno, que será julgado pelo órgão colegiado ao qual o relator estiver integrado. Esse

agravo será dirigido ao próprio relator, que poderá retratar-se; caso não o faça, o órgão colegi-

ado, após o devido processamento, julgá-lo-á.

Por outro lado, no incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987) o

relator pode, entre outros, suspender os processos que dependam da fixação da tese jurídica que

justifica o incidente (art. 982, I). Nesse caso, eventual pedido de tutela de urgência234 deverá

ser dirigido ao juízo do processo suspenso, não, pois, ao relator do incidente (art. 982, § 2º).

2. Tutela de urgência

A tutela de urgência constitui a primeira espécie de tutela provisória (a outra é a tutela

da evidência), podendo, quanto à natureza, ser antecipada (satisfativa) ou cautelar (conservativa

ou assecuratória); e, relativamente ao momento da concessão, podendo ser antecedente ou in-

cidental.

Consoante foi analisado no item anterior, a tutela cautelar corresponde à medida cau-

telar prevista no CPC de 1973, enquanto a tutela antecipada equivale, enfim, à proteção de igual

nome, tratada no art. 273 desse código.

Vem expresso, pois, no art. 300 do NCPC: “A tutela de urgência será concedida

quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o

risco ao resultado útil do processo”; § 1º: “Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode,

conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra

parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossu-

ficiente não puder oferecê-la”; § 2º: “A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou

após justificação prévia”; § 3º: “A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida

quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

234 Esse dispositivo refere-se à tutela de urgência, mas não vemos razão para excluir a tutela da evidência. O art.

969, por sua vez, em nível de ação rescisória, fala em tutela provisória, compreendendo, textualmente, pois, as

duas espécies, a saber: tutela de urgência; tutela da evidência.

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O caput desse artigo, referindo-se aos requisitos para a concessão, fala em “elementos

que evidenciem a probabilidade do direito”, equivalendo à “prova inequívoca que convença da

verossimilhança da alegação” de que trata o art. 273 do CPC de 1973. Pode-se nesse particular

empregar várias expressões, todas convergindo para igual significado prático, a saber: probabi-

lidade; plausibilidade; verossimilhança; relevância da fundamentação (art. 84, § 3º do CDC);

fumus boni iuris.

Em essência, essas expressões significam a pergunta que o juiz deve dirigir-se ao exa-

minar o requerimento de tutela provisória de urgência: qual a chance de o pedido ser acolhido

ao final? Se a resposta a essa indagação for no sentido de tudo levar a crer no acolhimento, o

requisito da probabilidade estará satisfeito; se, em vez disso, a resposta indicar dúvida ou alta

probabilidade de desacolhimento, o requisito não estará cumprido.

Superada essa indagação pela satisfação da exigência de probabilidade do direito, a

próxima indagação diz respeito ao perigo de dano ou risco à utilidade do processo (“risco ao

resultado útil do processo”) (periculum in mora)235.

Caracterizado igualmente esse requisito, qual seja, o perigo de dano caso a tutela não

seja concedida desde logo ou o risco à utilidade do processo, o juiz, enfim, concederá a tutela,

protegendo o direito, desse modo, em regime de urgência, principalmente em respeito ao prin-

cípio constitucional da proibição da proteção judicial insuficiente.

Releva assinalar, em reforço, com remissão ao art. 294, parágrafo único, antes citado,

que a tutela de urgência pode ser cautelar ou antecipada e em caráter antecedente ou incidental.

Sem dúvida, a experiência nos mostra que a urgência pode anteceder ao processo ou ser con-

temporânea à propositura da ação, mas pode também surgir no seu curso, quer em razão do

dinamismo da realidade, quer em razão de o processo, por sua própria natureza (relação jurídica

complexa, designadamente comprometida com o contraditório e com a plenitude de defesa e de

produção de provas), ser normalmente demorado, com o agravamento pela demora anormal.

235 Não haverá incursão acerca da distinção presente em Calamandrei e insuflada em Ovídio Baptista entre pericolo

di infruttuosità (perigo da infrutuosidade) e pericolo di tardività (perigo da tardança), ou seja, perigo de dano

iminente e perigo decorrente da demora do processo. Remete-se, todavia, a essa discussão, em Calamandrei e

Ovídio Baptista da Silva.

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No que atina à caução prevista no § 1º constitui faculdade do juiz, competindo-lhe

concretamente avaliar a tal respeito e, caso deva ser prestada, determinando-a; se for caso de

prestação, por sua parte, basta que seja idônea, não se exigindo que seja em dinheiro ou por

alguma espécie determinada, antes, pode ser real ou fidejussória236. Porém, a demonstração

desde logo da idoneidade da garantia é indispensável, porquanto não se cogita de mera forma-

lidade, mas antes, trata-se de providência destinada a assegurar a efetividade em favor da parte

adversa, na hipótese de o caucionante sair vencido – no processo ou no mérito.

Essa caução aí tratada nada tem a ver com aquela prevista para a execução provisória,

conforme art. 520, inc. IV. Isto porque, se o juiz reputar necessária a caução, a exigirá para a

própria concessão da tutela provisória, ao passo que, em seara de execução provisória, a caução

será imprescindível para a prática de determinados atos executivos, previstos, enfim, nesse inc.

IV do art. 520, a saber: levantamento de depósito em dinheiro; atos que importem transferência

de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real; atos que possam resultar grave

dano ao executado.

Se, todavia, a parte for economicamente hipossuficiente e, assim, não puder oferecer

a caução, o juiz poderá dispensá-la, conforme parte final do § 1º do art. 300 em comentário. Na

esfera de execução provisória a caução lá exigida também poderá ser dispensada, se: “I – o

crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem; II – o credor demonstrar

situação de necessidade; III – pender o agravo fundado nos incisos II e III do art. 1.042; IV – a

sentença a ser provisoriamente cumprida estiver em consonância com súmula da jurisprudência

do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com

acórdão proferido no julgamento de recursos repetitivos” (art. 521). Porém, preceitua o pará-

grafo único desse dispositivo (art. 521): “A exigência de caução será mantida quando da dis-

pensa possa resultar manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação”.

Seja como for, o essencial é ter em mente que, cuidando-se de tutela provisória, a

exigência de caução idônea, quando o juiz a reputar necessária, constitui requisito para a própria

concessão da tutela; por sua parte, tratando-se de execução provisória, a caução será necessária,

exceto as hipóteses de dispensa, para a realização de certos atos executivos.

236 O CPC de 1973 tem artigo semelhante, em âmbito de processo cautelar (art. 804).

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Todavia, o FPPC de Curitiba237 emitiu os seguintes enunciados: 497: “As hipóteses de

exigência de caução para a concessão de tutela provisória de urgência devem ser definidas à luz

do art. 520, IV, CPC”; 498: “A possibilidade de dispensa de caução para a concessão de tutela

provisória de urgência, prevista no art. 300, §1º, deve ser avaliada à luz das hipóteses do art.

521”.

Com relação ao estágio procedimental para a concessão da tutela provisória, pode ser

liminarmente ou após justificação prévia. Liminarmente tem o sentido de prima facie – à pri-

meira vista em face da petição inicial; por seu turno, após justificação prévia pode depender de

citação ou não. Se a citação puder influir na eficácia da tutela visada, difere-se o contraditório,

citando-se ao depois desse ato; se não puder, cita-se desde logo, prestigiando-se, enfim, o con-

traditório de plano.

Nessa toada o art. 9º, parágrafo único, inc. I autoriza que o juiz decida contra o réu

antes mesmo da citação (sem que lhe tenha sido oportunizada a manifestação), não distinguindo

entre concessão de tutela provisória de urgência liminarmente e após justificação prévia. Por-

tanto, em reiteração, se a citação puder, de algum modo, comprometer a tutela pretendida, rea-

lizar-se-á primeiramente a justificação prévia, citando-se posteriormente.

Ademais, o FPPC de Curitiba também deliberou: “Preenchidos os pressupostos de lei,

o requerimento de tutela provisória incidental pode ser formulado a qualquer tempo, não se

submetendo à preclusão temporal” (enunciado 496).

Finalizando, o § 3º desse artigo em comentário, dispõe: “A tutela de urgência de natu-

reza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da

decisão”, correspondendo essa prescrição àquela do art. 273, § 2º do CPC de 1973. No regime

do CPC de 1973 o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “A exigência da irreversibilidade

inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto

da tutela antecipada não cumprir a excelsa missão a que se destina”238. Ademais, consta do

enunciado 25 do colégio “O Poder Judiciário e o Novo CPC”239: “A vedação da concessão de

237 Realizado entre os dias 23 e 25 de outubro de 2015. 238 REsp 144.656. 239 Promovido pela Enfam - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.

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tutela de urgência cujos efeitos possam ser irreversíveis (art. 300, § 3º, do CPC/2015) pode ser

afastada no caso concreto com base na garantia do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB)”.

O art. 301, por seu turno, dispõe: “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser

efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação

de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”. Cuida-se de rol claramente

exemplificativo, pois o que se deseja é a eficiência, qual seja, que a tutela seja verdadeiramente

concretizada, adotando-se a técnica concretamente adequada e à medida da adequação. Se, por

exemplo, para a asseguração da utilidade do processo concretamente for suficiente a averbação

na matrícula de certo imóvel penhorável do réu acerca da existência da ação ou o registro de

protesto contra alienação de bens, constituiria excesso privar desde logo o réu da posse do bem.

Consideramos, por outro lado, infeliz o formato legislativo de referir medidas que, por

sua parte, foram abolidas pelo NCPC, como arresto e sequestro240. De todo modo, a menção a

registro de protesto contra alienação de bens por certo será útil, ante a falta de previsão a esse

respeito, culminando na prática com algumas recusas de acesso do referido protesto ao registro

de imóveis, valendo a nota no sentido de a efetividade dessa medida depender desse acesso,

ante a figura do terceiro de boa-fé.

Seja como for, a disposição do art. 297 caput é bastante (poder geral de efetivação em

âmbito de tutela provisória), referindo-se às medidas concretamente adequadas à efetivação da

tutela provisória (de urgência, antecipada ou cautelar, ou da evidência), tornando-se despici-

enda a previsão em comentário, que faz alusão especificamente à tutela de urgência de natureza

cautelar.

Conforme já se acenou anteriormente, quando da passagem acerca da concessão de

tutela provisória de ofício, o art. 302 trata justamente da responsabilidade civil por dano cau-

sado à parte adversa, nestes termos: “Independentemente da reparação por dano processual, a

parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I

– a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não

fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III –

ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz acolher a

240 CPC de 1973, arts. 813 e ss. e arts. 822 e ss.

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alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor”. Parágrafo único. “A indenização

será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível”.

O CPC de 1973 trata dessa responsabilidade em três ocasiões. No processo cautelar

(art. 811); na execução provisória (art. 475-O, I); no processo de execução (art. 574). O NCPC,

igualmente: nesse artigo, com redação bem semelhante à do art. 811, acima citado; no cumpri-

mento provisório de sentença (art. 520, I); no processo de execução (art. 776).

Cuida-se da responsabilidade objetiva processual, em que a parte responde, indepen-

dentemente de má-fé ou culpa, pelos danos acarretados à parte adversa em razão da efetivação

da tutela de urgência – em razão da efetivação, eis que a concessão em si não se imagina que

possa produzir dano.

Pensamos, ademais, que essa responsabilidade objetiva processual igualmente incide

na tutela da evidência, no que for compatível. Veja que o artigo, inserto no título que trata

especialmente da tutela de urgência, fala, consectariamente, apenas em efetivação de tutela de

urgência. No entanto, se, por hipótese, for concedida liminarmente a tutela da evidência reque-

rida pelo autor e, ao final, a sentença lhe for desfavorável, tendo a efetivação gerado danos ao

réu, não vemos razão que justifique o afastamento dessa responsabilidade civil.

3. Procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente

Conquanto a tutela da evidência também configure tutela antecipada, esse procedi-

mento acolhe estreitamente a tutela de urgência, na medida em que é justamente a urgência que

o justifica. Consoante reza o parágrafo único do art. 294, tão somente a tutela provisória de

urgência pode ser concedida em caráter antecedente. Diante, por sua parte, da unidade do có-

digo, o caput do art. 299 definitivamente não altera essa concepção. Em outras palavras – coe-

rentemente -, a norma do caput do art. 299, diz: a tutela provisória incidental, de urgência ou

da evidência, será requerida ao juízo da causa; por sua vez, a tutela antecedente, que, nos

termos do parágrafo único do art. 294 é somente a de urgência, será requerida ao juízo com-

petente para conhecer do pedido principal.

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Prescreve, com efeito, o art. 303: “Nos casos em que a urgência for contemporânea à

propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à

indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e

do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo”; § 1º: “Concedida a tutela anteci-

pada a que se refere o caput deste artigo: I – o autor deverá aditar a petição inicial, com a

complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do

pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar; II – o réu

será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334; III

– não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335; §

2º: “Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo, o processo será

extinto sem resolução do mérito”; § 3º: “O aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste

artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais”; § 4º: “Na peti-

ção inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve

levar em consideração o pedido de tutela final”; § 5º: “O autor indicará na petição inicial, ainda,

que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo”; § 6º: “Caso entenda que não

há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda

da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto

sem resolução de mérito”.

Esse dispositivo trata, pois, do procedimento da tutela antecipada de urgência reque-

rida antecedentemente, quando, assim, não se cogita de processo em curso, conferindo-se ao

autor o benefício de, à primeira vista, elaborar uma petição inicial singela, simplificada, seme-

lhantemente à petição inicial da medida cautelar preparatória (antecedente), no regime do CPC

de 1973, que poderá ensejar, por outro lado, a estabilização da tutela concedida, consoante dis-

põe o art. 304 caput.

Com isso, conforme preceitua o caput do artigo em comentário (art. 303), “a petição

inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela

final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco

ao resultado útil do processo”, devendo, ademais, essa inicial, “indicar o valor da causa, que

deve levar em consideração o pedido de tutela final” (§ 4º), e trazer a declaração do desejo de

valer-se desse benefício (§ 5º).

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Cumpre anotar que se cuida de benefício outorgado ao autor, que poderá livremente –

segundo o que lhe parecer conveniente – escolher outro caminho, como o requerimento de tutela

antecipada antecedente sem esse benefício ou a apresentação, desde logo, da petição inicial

completa, com pedido de tutela antecipada.

Apresentada, pois, essa petição inicial singela, nesses termos previstos no caput do art.

303, fundamentalmente duas hipóteses, de plano, podem ser formuladas: concessão desde logo

da tutela antecipada, liminarmente ou após justificação prévia (art. 300, § 2º); incompletude ou

obscuridade do pedido de tutela antecipada ou constatação pelo juiz, de imediato, da ausência

de elementos para a concessão da tutela pretendida (arts. 303, § 6º e 321 c/c 317 e 6º).

Se for concedida a tutela antecipada – primeira hipótese formulada -, o § 1º, inc. I

determina que o autor adite a inicial em quinze dias ou em outro prazo maior a ser fixado pelo

juiz. Esse prazo de quinze dias, como se infere claramente, não pode ser reduzido, mas pode

ser ampliado. Caso esse aditamento não seja realizado, o processo deverá ser extinto sem exame

do mérito (§ 2º) – é o que diz esse preceito.

Ocorre que o art. 304 caput (que será mais precisamente comentado oportunamente –

quando for tratado diretamente) prescreve que se não for interposto recurso dessa decisão con-

cessiva da tutela antecipada dar-se-á a estabilização e, consectariamente, o processo deverá ser

extinto (art. 304, § 1º), na medida em que, constituindo-se a coisa estável, tão somente por ação

própria será permitido qualquer questionamento (art. 304, §§ 1º a 5º).

Desse modo, no que atina, precisamente, ao objeto da tutela antecipada, não faz sentido

a marcha procedimental, quando a estabilização for constituída.

Uma das dificuldades com relação a essa pauta tem sido a de conciliar esses dois co-

mandos, o que dispõe sobre a extinção do processo sem exame do mérito caso a inicial simpli-

ficada não seja aditada e o que dispõe sobre a extinção do processo na hipótese de ocorrer a

estabilização.

Parece-nos, todavia, que a resposta a essa indagação deva ser dada pelo princípio da

máxima efetividade, eis que se deve prestigiar a interpretação que, em termos práticos, realize

o direito, ainda que seja no estreito limite da tutela antecipada, mas que, enfim, corresponde

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com o desejo das partes. Isto porque a opção do autor nos termos do § 5º implica, logicamente,

opção pela estabilização, se não houver recurso, significando, pois, declaração de inteira satis-

fação com a tutela antecipada, ao passo que o réu, certo de que o autor não quer demandar,

satisfazendo-se com a tutela antecipada, deixa de recorrer, concordando, pois.

Por conseguinte, se o réu não recorrer e o autor não aditar a inicial, o processo não

deverá ser extinto sem exame do mérito, conforme delibera o art. 303, § 2º, mas antes, deverá

ser extinto com fundamento na estabilização, de acordo com o art. 304, § 1º. Aliás, se o réu não

recorrer sequer se cogita de aditamento, na medida em que o autor, com a estabilização, terá

conseguido o que pretendia. O aditamento seria inútil, enfim (o autor, ao optar por esse benefí-

cio, renuncia logicamente, de sua parte, ao prosseguimento).

Se o réu, porém, interpuser o recurso, o autor haverá de aditar a petição inicial singela,

“com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação

do pedido de tutela final” (art. 303, § 1º, I), devendo ocorrer a citação e a intimação para com-

parecimento à audiência de conciliação ou mediação que será marcada, ainda que o autor apre-

sente manifestação contrária (art. 334). Essa audiência somente não se realizará “se ambas as

partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição amigável” (art. 334, § 4º, I).

Portanto, ainda que o autor manifeste, já na petição inicial, desinteresse em acordo, a

audiência será designada, mas o réu poderá, “por petição, apresentada com dez dias de antece-

dência, contados da dada da audiência”, apresentar a manifestação contrária à audiência.

Nesse caso, em que o autor, já na petição inicial, e o réu, pela petição atípica antes

referida, declaram não ter interesse em participar de conciliação ou mediação, a audiência será

cancelada, contando-se o prazo para contestação “do protocolo do pedido de cancelamento”

que o réu apresentou (art. 335, II); se, todavia, o ato for realizado, o prazo para contestar fluirá

“da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qual-

quer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição” (idem, I).

Quanto à audiência de conciliação ou de mediação (art. 334), “As partes devem estar

acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos” (§ 9º) e, caso não compareçam,

injustificadamente, serão punidas por ato atentatório à dignidade da justiça, “com multa de até

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dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da

União ou do Estado” (§ 8º).

Relativamente a custas, quando incidirem, considerando que a petição inicial singela

haverá de indicar o valor da causa, levando-se em conta o pedido de tutela final, serão recolhidas

desde logo, não se havendo falar em novo recolhimento por ocasião do aditamento, que, ade-

mais, far-se-á nos mesmos autos241, evidentemente (art. 303, 3º).

Todavia, a própria dimensão da tutela final ou o estudo detido sobre a cumulação ob-

jetiva (cumulação de pedidos) pode não ser possível que sejam, seguramente, realizados desde

logo, na oportunidade da apresentação da inicial singela. Nesse caso, o autor não terá elementos

para atribuir à causa o valor que corresponda à tutela final ou, principalmente, a todos os pedi-

dos cumulados (por ex.: declaração de inexigibilidade; indenização por dano material; indeni-

zação por dano moral), podendo atribuir um valor provisório.

Depois, no aditamento, atribuirá o valor que, enfim, corresponda à tutela final e, de-

signadamente, aos pedidos cumulados, quando for o caso, recolhendo-se nessa ocasião tão ape-

nas a diferença das custas, devida em razão da disparidade entre aquele valor atribuído provi-

soriamente a este valor de que trata o aditamento.

Se, por seu turno, a tutela antecipada não puder ser concedida de plano – primeira parte

da segunda hipótese acima formulada – em razão de o pedido satisfativo antecedente estar in-

completo ou mostrar-se nebuloso, antes de negá-la compete ao juiz facultar a emenda, visando

a sanar tais deficiências, com relação estritamente ao pedido satisfativo antecedente. Isto porque

nesse estágio não se cogita dos requisitos para o pedido de tutela final.

O autor pode, por hipótese, ter-se esquecido de juntar um documento essencial ao

exame do pedido (pedido satisfativo antecedente – vale o reforço para não se entender que se

faz nesse momento análise acerca do pedido de tutela final); pode, ainda, ter sido inepto na

exposição sumária do conflito, do direito por realizar ou do perigo de dano.

241 Físicos ou eletrônicos.

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São situações, como se vê, que não justificam a denegação desde logo da tutela pre-

tendida ou, pior, o indeferimento da inicial, com a extinção do processo sem exame do mérito,

mas antes, recomendam a permissão de emenda saneadora das deficiências detectadas.

Nesse caso, aplica-se o § 6º, facultando-se ao autor que emende o pedido de tutela

satisfativa antecedente, para a finalidade precípua de sua apreciação. Se a emenda for satisfa-

tória, demonstrando-se, assim, sumariamente, mas suficientemente, o conflito, o direito e o es-

tado de perigo, a tutela antecipada antecedente será concedida, após, enfim, essa emenda de que

trata esse dispositivo. Se a emenda não for realizada, a inicial simplificada será indeferida e o

processo, por conseguinte, será extinto sem exame do mérito.

Contudo, é possível que, mesmo com essa emenda, o autor não satisfaça os requisitos

para a obtenção da tutela satisfativa antecedente, caso em que o pedido lhe será negado; mas

isso não implica, necessariamente, o indeferimento igualmente da inicial e, a exemplo do que

se dá quando não houver a emenda, a extinção do processo, na medida em que ao autor haverá

de ser oportunizado o prosseguimento pelo procedimento comum242, bastando que adite243 a

inicial, de conformidade com os limites subjetivos e objetivos pretendidos.

Ainda que se entenda que a ausência dos requisitos para a concessão de tutela satisfa-

tiva antecedente constitua óbice intransponível ao procedimento diferenciado244 aí previsto,

dar-se-á o deslocamento automático do tema para o procedimento comum, visando-se à máxima

efetividade igualmente do serviço-meio (primazia do julgamento de mérito e máximo aprovei-

tamento processual). Com isso, incidirá, constitucionalmente, o art. 321245, devendo assegurar-

se ao autor nova emenda ou o aditamento, a essa altura para viabilizar o processo, porém no

que atina ao pedido de tutela final, pelo procedimento comum. Se o autor não se valer dessa

permissão, a inicial será indeferida246.

242 Vale lembrar: esse procedimento previsto nos arts. 303 e 304 constitui um procedimento diferenciado ou espe-

cial, de jurisdição contenciosa, e contraditório eventual. 243 Aditar significa completar, conforme consta do inc. I, do § 1º; emendar, por sua vez, significa corrigir, sanar

deficiência, consoante § 6º; o art. 321, por sua vez, refere-se a emendar e a completar (o juiz determinará que o

autor emende ou complete a inicial). 244 Sobre tutela jurisdicional diferenciada: LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela Jurisdicional Diferenciada. São

Paulo: RT, 2010; SOARES, Rogério Aguiar Munhoz. Tutela jurisdicional diferenciada – tutelas de urgência e

medidas liminares em geral. São Paulo: Malheiros, 2000; 245 “O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos

e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze)

dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.” 246 Art. 321, parágrafo único: “Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.”

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Por último – segunda parte da segunda formulação acima -, é possível que, diante dos

elementos fornecidos pelo autor, desde logo se constate, claramente, não ser caso de concessão

da tutela pretendida, trancando-se, consectariamente, a via diferenciada, sequer se havendo fa-

lar, nessa formulação, em permissão de emenda no estreito âmbito do pedido satisfativo ante-

cedente (§ 6º).

Nesta hipótese, do mesmo modo, não se justifica o indeferimento também da inicial e

a extinção do processo, mas antes, justifica-se a emenda ou o aditamento de que trata o art. 321.

Daí que ao juiz competirá indeferir a tutela satisfativa antecedente, indicando, evidentemente,

de modo claro e preciso o motivo do indeferimento, e assegurando o prosseguimento pelo pro-

cedimento comum, mediante a emenda ou aditamento de que trata, enfim, o art. 321 (em re-

forço: primazia do julgamento de mérito e máximo aproveitamento processual).

Afinal de contas: “Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá

conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício247; “Todos os sujeitos do pro-

cesso devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa

e efetiva”248; “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito,

incluída a atividade satisfativa”249.

Não há qualquer sorte de impedimento, nesse formato constitucional de processo, a

que o próprio autor, instado a proceder à emenda prevista no § 6º em comentário – circunscrito

ao pedido satisfativo antecedente -, reavalie a situação e peça, nessa emenda, a conversão de

procedimento; ou, dentro desse prazo de até cinco dias que o juiz assinar, manifeste a intenção

de prosseguir pelo procedimento comum e invoque o art. 321, para valer-se do prazo de dez

dias aí estipulado.

Não vemos sentido na leitura desse preceito - § 6º - fora do limite estreito do pedido

satisfativo antecedente, quando o autor que preenche os requisitos para a concessão da tutela

antecipada prevista no caput tem quinze dias ou mais para o aditamento e o autor que não

247 Art. 317. 248 Art. 6º - princípio da cooperação: o juiz deve cooperar para que o processo não seja extinto sem exame do

mérito, caso o autor queira prosseguir visando à decisão de mérito justa e efetiva, pelo procedimento comum. Em

outras palavras, o juiz deve – dever de cooperação – dar ao autor a oportunidade de aproveitar aquele expediente

formado, sobretudo aquelas custas recolhidas, em prosseguimento regular – enfim, mediante emenda ou adita-

mento. 249 Art. 4º do NCPC.

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preenche esses requisitos tem só cinco dias ou menos. Ora, por certo este autor que não reuniu

os elementos para a obtenção da tutela satisfativa antecedente enfrentará grau superior de difi-

culdade para reunir os elementos para o pedido de tutela final. Ademais, não haveria justifica-

tiva plausível para a distinção, fixando-se cinco dias ou menos ao autor para aditar a inicial e,

no outro caso, fixando-se quinze dias ou mais. Daí que haveria ofensa à garantia de tratamento

processual paritário (art. 7º).

Portanto, parece que a melhor leitura desse dispositivo consiste em reduzi-lo ao es-

treito campo do pedido satisfativo antecedente. Qual seja, se esse pedido mostrar-se inconsis-

tente por deficiência na exposição ou na instrução, será permitida a emenda em até cinco dias;

se, mesmo com a emenda, não for caso de concessão da tutela pretendida nesse âmbito de pro-

cedimento diferenciado, será autorizada a emenda ou complementação de que trata o art. 321

c/c os arts. 317 e 6º; se, desde logo for constatado que, apesar de a petição inicial simplificada

estar bem elaborada e bem instruída, os elementos de fato e os elementos de direito não justifi-

cam a tutela antecipada pretendida, será, igualmente, facultada a emenda ou complementação

prevista no art. 321.

Se o autor, por sua parte, não emendar, nos termos do § 6º, nem emendar ou comple-

mentar, quando for o caso, nos termos do art. 321, o processo deverá ser extinto sem exame do

mérito, porque nesse caso prevalece o desinteresse em prosseguir, ao menos nesse momento –

e o autor, por óbvio, não pode ser compelido a demandar, ainda que seja por via oblíqua.

Em caso de pleito de cumulação objetiva – por exemplo: obrigação de custear uma

cirurgia e indenização por dano moral – é essencial que a petição inicial simplificada seja cri-

teriosamente clara, para que o réu possa avaliar adequadamente que postura adotar, em respeito

ao efetivo contraditório. Isto porque objeto da tutela antecipada será a obrigação de fazer, não

compreendendo, naturalmente, a obrigação de indenizar por dano moral. Daí que, concedida a

tutela antecipada para a realização do custeio imediatamente, ainda que o réu não recorra, o

autor terá de aditar a inicial em relação ao pleito indenizatório, dando-se, nessa hipótese, a

extinção parcial do processo – extinção tão só em relação ao pleito de custeio da cirurgia.

Sobreleva notar que essa solução se compatibiliza inteiramente com o formato do CPC

de 2015, que, expressamente, admite que o julgamento de mérito seja cindido, conforme art.

356. Ou seja, nesse caso da cumulação a não interposição de agravo de instrumento contra a

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decisão concessiva da tutela antecipada torna o objeto dessa decisão estável, por conseguinte

gerando a extinção do processo em relação a esse objeto (obrigação de fazer – consistente em

custear o tratamento); já o pedido indenizatório deverá ter prosseguimento normal, muito se-

melhantemente ao que se verifica no julgamento antecipado parcial do mérito, para essa pers-

pectiva procedimental de cisão objetiva.

3.1 Caso estável (estabilização)

O art. 304 trata da coisa estável, rezando: “A tutela antecipada, concedida nos termos

do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo re-

curso”; § 1º: “No caso previsto no caput, o processo será extinto”; § 2º: “Qualquer das partes

poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada esta-

bilizada nos termos do caput”; § 3º: “A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não

revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º”; §

4º: “Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a

medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a

tutela antecipada foi concedida”; § 5º: “O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela ante-

cipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da

decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º”; § 6º: “A decisão que concede a tutela

não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão

que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos

do § 2º deste artigo”.

O caput institui um contraditório diferenciado, a ser desempenhado necessariamente

por agravo de instrumento (art. 1.015, I), no prazo de quinze dias (art. 1.003, § 5º). Como essa

decisão será proferida antes da citação, esse prazo será contado nos termos do art. 231 (seme-

lhante ao art. 241 do CPC/73), em razão da disposição do art. 1.003, § 2º (“Aplica-se o disposto

no art. 231, incisos I a VI, ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida

anteriormente à citação”).

A não interposição desse recurso produz algo similar ao que ocorre quando não for

apresentada contestação, limitadamente, porém, ao objeto da decisão antecipatória da tutela,

significando, tecnicamente, que o réu concorda com o pedido satisfativo, aceitando a decisão

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concessiva da tutela, dando-se, consectariamente, a estabilização, que, por sua parte, é dotada

de autoridade semelhante à da coisa julgada, embora se preferisse dizer que de coisa julgada

não se trata (art. 304, § 6º).

Afinal, enquanto a decisão concessiva da tutela antecipada não for revista, reformada

ou invalidada em ação de cognição exauriente, proposta por qualquer das partes, em dois anos250

contados da ciência da extinção, seus efeitos deverão ser observados, endoprocessualmente e

exoprocessualmente, quer nesse período de dois anos, quer depois da expiração desse período.

A diferença é que, depois de expirado esse período, constituir-se-á o que se pode chamar, por

inspiração doutrinária em termos de coisa julgada251, de coisa soberanamente estável252.

Assim, pensamos que o aditamento a que o inc. I do § 1º do artigo anterior faz alusão

somente será necessário quando o réu se opuser adequadamente, mediante a interposição válida

de agravo de instrumento, que impede, enfim, a estabilização.

Para que o agravo de instrumento interdite a estabilização basta que seja admitido pelo

tribunal, não se exigindo que seja provido. Nesse sentido, o enunciado n. 28 do colégio de

magistrados realizado pela Enfam253, a saber: “Admitido o recurso interposto na forma do art.

304 do CPC/2015, converte-se o rito antecedente em principal para apreciação definitiva do

mérito da causa, independentemente do provimento ou não do referido recurso”.

A ideia central, pois, dispensa o aditamento, exceto quando o réu interditar a estabili-

zação pelo recurso de agravo de instrumento admitido. Por isso, o autor poderá, de antemão,

declarar na inicial que, se o réu não interpuser o recurso de agravo de instrumento, não proce-

derá ao aditamento, porque lhe basta a solução que a tutela antecipada proporciona; o réu, por

sua parte, intimado a respeito, saberá que a relação controvertida, tal como a configura o autor,

250 Prazo decadencial. 251 Decorrido o prazo, igualmente decadencial, de dois anos para a propositura da ação rescisória, constituir-se-ia

a tal “coisa soberanamente julgada”. 252 Há divergência quanto ao cabimento de ação rescisória depois da expiração desse prazo decadencial de dois

anos. O colégio de magistrados intitulado “O Poder Judiciário e o Novo CPC”, realizado pela Enfam, conclui pelo

não cabimento, conforme enunciado n. 27, a saber: “Não é cabível ação rescisória contra decisão estabilizada na

forma do art. 304 do CPC/2015”; acenando, todavia, com o cabimento: THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso

de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015, vol. I, p. 670 (o prazo para a ação rescisória,

que também é de dois anos – art. 975 -, começaria a correr após a fluência do prazo de dois anos para a ação

exauriente). 253 Enfam – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, O Poder Judiciário e o Novo CPC.

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reduz-se ao objeto da tutela antecipada, nada mais, nesse estágio, e que, por outro lado, o con-

traditório diferenciado, pré-fixado pelo legislador, se desempenha necessariamente pelo re-

curso; e que, demais disso, a não interposição do recurso, torna a decisão estável, extinguindo-

se o processo.

Essa proposição visa, unicamente, a expressar lealdade, boa-fé, transparência, eis que,

em essência, a declaração de que trata o § 5º do art. 303 em si tem esse significado. Isto é, ao

optar pelo benefício da petição simplificada associado à estabilização se não houver recurso, o

autor consequentemente renuncia ao direito de prosseguir nesse processo; consectariamente

declara que, dando-se a estabilização, estará, ao menos por ora, inteiramente satisfeito, ficando-

lhe reservada, no entanto, por força da lei, a ação exauriente.

Ademais, constitui direito fundamental a disponibilização pelo legislador de técnicas

ou meios aptos à realização do direito à medida que seu titular pretenda. Se lhe basta um, ao

legislador não é dado obrigá-lo a prosseguir para obter dois, três ou mais. Seja como for, pari-

tariamente se deve considerar o comportamento do autor e também o do réu, para o efeito de

prosseguimento. Por isso, o agravo de instrumento admitido pelo tribunal obsta a estabilização

e, consequentemente, impõe o aditamento, para regular prosseguimento, ainda que o autor, de

início, não o desejasse.

Para que essa orientação tenha funcionalidade, o prazo de quinze dias para recorrer

deve ser contado primeiramente, começando a correr o prazo para o aditamento da ciência do

autor acerca da decisão do tribunal que admitiu o agravo de instrumento. Desse modo, a conta-

gem deve ser sucessiva e não simultânea254.

A extinção de que trata o § 1º, para uns é sem resolução do mérito, para outros, com

resolução do mérito – seria com resolução do mérito limitadamente ao objeto da tutela satisfa-

tiva concedida, jamais com relação à tutela final ou ao fundo do direito.

Humberto Theodoro Júnior entende que essa sentença não é de mérito, sequer por

equiparação legal. Diz o autor: “Não havendo recurso, ao termo do prazo de agravo, a medida

provisória se estabiliza e o processo se extingue, sem sentença de mérito, porque a pretensão

254 Nesse sentido – contagem sucessiva dos prazos e não simultânea: THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de

Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015, vol. I, p. 660.

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do autor na inicial – que era apenas de obter o provimento liminar – já terá se exaurido” (itálico

do autor).

Entretanto, toda decisão que aprecia pedido de tutela antecipada é de mérito. Não faz,

evidentemente, análise relacionada ao fundo do direito ou ao fundo da causa, como diz Cano-

tilho, mas sim limitada ao objeto de antecipação e, verticalmente, sumariamente. Por conse-

guinte, tal decisão examina o mérito, do ponto de vista horizontal, limitadamente, e do ponto

de vista vertical, sumariamente255.

O código, todavia, quando fala em decisão de mérito, refere apenas aquelas que impli-

cam improcedência liminar do pedido, julgamento antecipado parcial do mérito, julgamento

antecipado do mérito ou julgamento depois de instrução.

Não existe possibilidade, enfim, de examinar pedido de tutela antecipada sem que se

examine o direito defendido em juízo (fato + fundamento jurídico + provas). O que se dá, con-

forme foi dito atrás, é um exame de mérito limitado ao pleito antecipatório e fruto de cognição

superficial. Isto porque – impende dar ênfase – a análise a respeito da “probabilidade do direito”

é genuinamente análise de mérito, porém limitada e superficial256.

Ademais, preferiu-se dizer – o legislador processual (opção legislativa no papel con-

formador) - que a coisa estável não é coisa julgada a dizer-se que o é, justamente porque tem

se entendido que a decisão produto de cognição sumária ou superficial não tem, constitucional-

mente, aptidão para edificar coisa julgada.

Mas afirmar que a coisa estável não constitui coisa julgada não implica negar que a

decisão seja de mérito, mesmo porque, conteudisticamente, cuida-se de análise de mérito, em-

bora, em reiteração, derivadamente de conhecimento limitado ao objeto da tutela e não exauri-

ente.

255 Sobre cognição judicial, precisamente cognição vertical, horizontal, sumária ou não exauriente e exauriente,

remete-se a Kazuo Watanabe: Cognição no processo civil. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2012. 256 Não se leva a cabo neste trabalho a sintonia fina que distingue cognição sumária de cognição superficial, mas

antes, essas expressões são empregadas com igual significado, qual seja, cognição não exauriente.

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Parece-nos que o descabimento de ação rescisória se deve à peculiaridade do procedi-

mento de estabilização, não, porém, por não ser a decisão de mérito, conforme mais detidamente

será visto no subitem da ação rescisória, mais adiante.

Aliás, no que atina à ação monitória, por opção legislativa, expressamente consta o

cabimento de ação rescisória em face da decisão interlocutória que liminarmente ordena o cum-

primento da obrigação, quando houver a constituição de pleno direito do título executivo judi-

cial em razão de não terem sido oferecidos embargos monitórios. A propósito, o art. 701, § 3º

do NCPC257.

Ocorre que o procedimento é diferenciado, muito particularmente destinado à solução

definitiva, abreviadamente, do direito da parte no que atina, exclusivamente, ao objeto da tutela

antecipada, conferindo-lhe autonomia. E nesse diapasão particularizado, o próprio contraditório

será desempenhado a partir dessa ordem de ideia, devendo sê-lo, necessariamente, pelo agravo

de instrumento.

Se o agravo de instrumento não for interposto ou, interposto, não for conhecido, por

intempestividade, falta de preparo ou deficiência redacional ou instrutória não removida, aquela

decisão provisória se converte em definitiva, neste limite do procedimento diferenciado.

Nessa hipótese – veja que estamos no interior do procedimento diferenciado -, estanca-

se o procedimento, ante a obtenção pelo autor do que pretendia, ao eleger tal procedimento,

disponibilizando-se, nesse limite procedimental diferenciado, a qualquer das partes, a revisão

especial que se tem nomeado de ação exauriente. Então o legislador, nesse âmbito, deixa claro

que esse estado de estabilidade somente pode ser quebrantado por essa ação especial, tratada

nos §§ 2º a 5º do art. 304.

Por seu turno, operando-se a estabilização, implica responsabilidade por encargos de

sucumbência. Isto porque, a não responsabilização constitui exceção, que, por isso, deve ser

expressamente prevista, como se dá na ação monitória (art. 701, § 1º - isentando das custas e

despesas processuais, ou seja, não isenta com relação aos honorários advocatícios). Porém, pode

ter aplicação, por analogia, esse dispositivo que versa sobre a ação monitória.

257 Veja, ademais, o capítulo VIII deste trabalho, que trata justamente da ação monitória – na medida em que visa

a proteger o direito evidente do credor.

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Aliás, do enunciado 18 do colégio de magistrados sobre o NCPC, promovido pela En-

fam258, consta: “Na estabilização da tutela antecipada, o réu ficará isento do pagamento das

custas e os honorários deverão ser fixados no percentual de 5% sobre o valor da causa (art. 304,

caput, c/c o art. 701, caput, do CPC/2015)”.

Nessa esteira, pois, haverá condenação tão somente em verba honorária, à ordem de

5% sobre o valor atribuído à causa (art. 701 caput).

Além disso, caso se entenda que essa porcentagem especial prevista em ambiente mo-

nitório não se aplica à tutela provisória, considerando que a não interposição do agravo de ins-

trumento implica concordância com o pedido satisfativo antecedente, poder-se-á cogitar de re-

dução dos honorários pela metade, conforme dispõe o § 4º do art. 90259. Isto porque a ideia

principal nessa quadra compreende o maior estímulo possível ao réu, com real influência na

decisão de não interpor o recurso e, principalmente, de cumprir imediatamente e integralmente

a prestação. Com isso, os honorários poderiam ser fixados em 10% do valor da causa, com

redução pela metade, ante o cumprimento imediato e integral da prestação, o que daria no

mesmo.

Oferecido o aditamento, o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação

ou de mediação de que trata o art. 334, contando-se o prazo para contestar, caso não haja acordo,

nos termos do art. 335, implicando afirmar, em reforço, que tão apenas se cogita de citação

quando houver aditamento, sendo o réu, de início, só intimado da decisão que concede contra

si a tutela antecipada antecedente.

3.2 Aditamento da inicial versus estabilização – um reforço visando à sistematização

A opção do autor pela petição simplificada – tutela antecipada requerida em caráter

antecedente (art. 303 caput) – instaura procedimento especial de jurisdição contenciosa com

aptidão restrita à tutela de que trata a antecipação (um serviço judicial diferenciado para atender

especificamente a essa pretensão reduzida).

258 Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. 259 “Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhe-

cida, os honorários serão reduzidos pela metade”.

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Cuida-se de contraditório igualmente diferenciado, adequado a esse procedimento es-

pecial, que haverá de ser efetivado no limite do procedimento, a saber: necessariamente por

agravo de instrumento.

Se o agravo de instrumento não for interposto validamente (regularmente), ocorre fe-

nômeno similar à falta de contestação, podendo ser qualificado de minirrevelia – evidentemente

no que pertine exclusivamente ao objeto da tutela antecipada -, implicando a estabilização au-

tomática da tutela concedida, tão somente sujeita à revisão, reforma ou invalidação pela ação

de cognição exauriente prevista nos §§ 2º a 5º do art. 304. Por isso mesmo, não se cogita de

ação rescisória, mesmo depois de expirado o prazo decadencial de dois anos.

Portanto, ocorrendo a estabilização, não se cogita do aditamento exigido pelo art. 303,

§ 1º, inc. I, por manifesta inutilidade, na medida em que o efeito da tutela antecipada, no limi-

tado campo do procedimento diferenciado, produziu o exaurimento do serviço judicial, devendo

o processo ser extinto (art. 304 caput e § 1º).

O prazo para o autor aditar a inicial (art. 303, § 1º, inc. I) somente será contado da

ciência que tiver do conhecimento do agravo de instrumento pelo tribunal, tratando-se de pra-

zos, destarte, sucessivos e não simultâneos (o prazo para aditar – art. 303, § 1º, inc. I - e o prazo

para recorrer – art. 304 caput, art. 1.003, §§ 5º e 2º e art. 219 -, cuidando de agravo de instru-

mento – art. 1.015, inc. I).

Ademais, a emenda tratada no § 6º do art. 303 deve ser considerada nesse campo res-

trito do procedimento especial, tratando-se, pois, de emenda da petição simplificada visando à

tutela antecipada. Se a emenda não for satisfatória, admite-se a transformação do procedimento

diferenciado em procedimento comum, valendo-se o juiz e o autor dos arts. 321, 4º e 6º (máxima

efetividade, máximo aproveitamento processual e primazia do julgamento de mérito).

Na hipótese de cumulação de pedidos – por ex.: obrigação de custear um procedimento

cirúrgico e indenização por dano moral – a tutela antecipada, limitada à obrigação de fazer,

pode estabilizar-se, se não houver recurso, dando-se a extinção parcial do processo, com o adi-

tamento tão somente em relação ao pleito indenizatório e o prosseguimento concernentemente,

tão apenas, a esse pleito.

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3.3 Caso estável (estabilização) - Portugal, França e Itália (exemplificativamente)

Neste subitem não se pretende exaurir o tema relacionado com a técnica da estabiliza-

ção nesses países indicados nominalmente ou em outros, mas antes, deseja-se, tão unicamente,

trazer à baila, de passagem, que o direito brasileiro não inova a esse respeito, conquanto o le-

gislador local não tenha se limitado a copiar o formato já em uso em outros países há anos,

como é o caso dos países aqui nomeados.

A estabilização, pois, não é criação legislativa brasileira, ao invés disso, países como

Portugal, França e Itália já adotam essa técnica.

O NCPC português (2013) trata do tema como inversão do contencioso, dispondo a

respeito nos arts. 369º e seguintes. Precisamente do art. 371º, item 1 consta: “Sem prejuízo das

regras sobre a distribuição do ónus da prova, logo que transite em julgado a decisão que haja

decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado, com a

advertência de que, querendo, deve intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito

acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se con-

solidar como composição definitiva do litígio.

O Code de Procédure Civile francês, por seu turno, cuida do assunto nos arts. 484 e

seguintes, nomeando-o référé. Dispõe o art. 488: “L’ordonnance de référé n’a pas, au princi-

pal, l’autorité de la chose julgée. Elle ne peut être modifiée ou rapportée em référé qu’em cas

de circonstances nouvelles”260.

Conforme, de sua parte, ensina Humberto Theodoro Júnior261, referindo-se ao sistema

de estabilização adotado pelo Código de 2015, “O novo Código trilhou a enriquecedora linha

da evolução da tutela sumária, encontrada nos direitos italiano e francês: admitiu a desvincula-

ção entre a tutela de cognição sumária e a tutela de cognição plena ou o processo de mérito, ou

seja, permitiu a chamada autonomização e estabilização da tutela sumária”.

260 DALLOZ. Code de Procédure Civile (anotado). Paris: 105ª édition, 2014; GUINCHARD, Serge, FERRAND,

Frédérique, CHAINAIS, Cécile. Procédure civile. Paris: Dalloz, 3ª édition, 2013; MEKKI, Soraya Amrani,

STRICKLER, Yves. Precédure civile. Paris: Thémis droit – PUF, 2014; VUITTON, Xavier, VUITTON, Jacques.

Les référés – procédure civile; contentieux administratif; procédure pénale. Paris: LexisNexis, 3ª édition, 2012. 261 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015,

vol. I. p. 667.

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Em visto disso, consoante sublinha o autor, a lei processual italiana também trata da

stabilizzazione. Evidentemente, cada país dedica procedimento peculiar a essa técnica, mas,

essencialmente – o que importa neste ensaio -, a estabilização da decisão concessiva de tutela

provisória, a depender do comportamento processual das partes, pode desaguar em solução de-

finitiva, autonomamente, sem que haja, pois, a necessidade de pedido principal ou ação princi-

pal.

3.4 Ação de cognição exauriente

De conformidade com a citação acima, consta do art. 304, §§ 2º a 5º: “Qualquer das

partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada

estabilizada nos termos do caput”; “A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não

revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º”;

“Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a

medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a

tutela antecipada foi concedida”; “O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada,

previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que

extinguiu o processo, nos termos do § 1º”.

Implica afirmar que nos primeiros dois anos contados da ciência da sentença que ex-

tinguiu o processo com fundamento na estabilização, qualquer das partes pode discutir o fundo

de direito, visando a rever, a reformar ou a invalidar a tutela estabilizada, cuidando-se de prazo

decadencial.

Portanto, o réu que deixa de recorrer não fica impedido de discutir o tema de fundo,

com o fito de obter solução de mérito com força de coisa julgada, tão apenas não podendo fazê-

lo no âmbito do procedimento especial, que, necessariamente, finda com a sentença extintiva

embasada na estabilização.

Supõe-se que o réu não recorra em razão de falha pessoal – descuido, por exemplo, na

contagem do prazo – ou que, recorrendo, não tenha o recurso conhecido pelo tribunal. O pro-

cesso será extinto, nos termos do art. 304 § 1º.

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Veja que a estabilização é fenômeno processual que se opera automaticamente, con-

soante disposição do caput desse artigo. Por isso, o processo, dando-se a estabilização, mesmo

que a sentença extintiva ainda não tenha sido prolatada, não admite contestação ou qualquer

modalidade de defesa.

A sentença embasada na estabilização, assim, terá unicamente a função de formalizar

o exaurimento processual, que se dá, pois, automaticamente com a estabilização, a par de deli-

berar sobre os custos do processo.

3.5 Coisa julgada

O § 6º do art. 304 diz: “A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a

estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou inva-

lidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo”.

Infere-se, claramente, desse modo, ao menos a partir da expressão literal, que a decisão

que concede a tutela antecipada requerida antecedentemente não faz coisa julgada, conquanto

os seus efeitos não possam ser afastados, quer no processo em que a decisão fora proferida quer

em outro, exceto em âmbito de ação exauriente, que, por sua parte, tem o exercício limitado a

dois anos.

Na prática, assim, notadamente depois da expiração desses dois anos, o fenômeno

equivale à coisa julgada, embora o texto legal acima tenha obstado essa configuração. Destarte,

por força dessa literalidade, não se há falar em coisa julgada, mas sim em coisa estável – coisa

estável com igual autoridade, pois os efeitos da decisão não poderão ser modificados nem dis-

cutidos também em outro processo (tornam-se, pois, imutáveis e indiscutíveis). A propósito,

vale comparar os textos dos dois artigos (art. 304, § 6º e art. 502 do NCPC, enfim).

Por conseguinte, embora não se possa trancar um processo futuro, com fundamento

em coisa julgada, proferindo-se sentença nos termos art. 485, V, incidirá a proibição de decisão

contrária, que ensejará do mesmo modo sentença processual, consoante inc. VI desse mesmo

artigo (inutilidade do serviço judicial) ou sentença de mérito embasada na impossibilidade ju-

rídica do pedido, justamente diante da proibição de julgamento contrário, porquanto os efeitos

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da estabilização se encontram definitivamente imunizados (essa imunização é removível uni-

camente pela ação exauriente a ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados da

ciência da sentença extintiva fundada exatamente na estabilização).

3.6 Ação rescisória

Expirado o prazo de dois anos para a ação exauriente, tem se indagado se é cabível

ação rescisória, diante do caso definitivamente estável consolidado e, consequentemente, da

extinção do direito de pleitear a revisão, a reforma ou a invalidação da tutela estabilizada.

Dispõe o caput do art. 966 que a decisão de mérito transitada em julgado pode ser

rescindida nas hipóteses aí previstas, preconizando o art. 975 que esse direito à rescisão se

extingue, igualmente, em dois anos, contados nos moldes indicados no caput e nos §§.

As opiniões se contradizem262, de um lado aqueles que sustentam o cabimento da ação

rescisória no prazo de dois anos depois da expiração do prazo de dois anos para a ação exauri-

ente; de outro lado, aqueles que não admitem a ação rescisória. Comungamos com essa segunda

posição, na medida em que esse próprio texto que obsta a figura do caso julgado impede, com

clareza solar, que se quebrante a estabilidade, senão em esfera exclusiva de ação exauriente.

Preceitua o § 3º do art. 304 que “A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto

não for revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o

§ 2º”, a chamada ação exauriente.

Embora a decisão que antecipe tutela seja conteudisticamente de mérito, eis que a aná-

lise acerca da probabilidade do direito da parte constitui análise de mérito, semelhantemente à

262 Há divergência, com efeito, quanto ao cabimento de ação rescisória depois da expiração desse prazo decadencial

de dois anos. O colégio de magistrados intitulado “O Poder Judiciário e o Novo CPC”, realizado pela Enfam,

conclui pelo não cabimento, conforme enunciado n. 27, a saber: “Não é cabível ação rescisória contra decisão

estabilizada na forma do art. 304 do CPC/2015”; acenando, todavia, com o cabimento: THEODORO JUNIOR,

Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015, vol. I, p. 670 (o prazo para

a ação rescisória, que também é de dois anos – art. 975 -, começaria a correr após a fluência do prazo de dois anos

para a ação exauriente).

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apreciação que se realiza na sentença (aliás, cuida-se de juízo antecipado de mérito), o trata-

mento nesse âmbito de estabilização é, particularmente, diferenciado, incluindo no que atina ao

efeito da decisão estabilizada.

Por isso mesmo, a ação adequada ao questionamento dessa decisão, de seus efeitos

jurídicos ou do fundo da causa, é a ação de que trata o art. 304, §§ 2º a 5º - que tem sido nomeada

de ação exauriente. Com isso, afasta-se a adequação da ação rescisória, mesmo depois da expi-

ração do prazo decadencial de dois anos, tratado no § 5º acima mencionado.

Existe entendimento, ademais, de ser cabível nova ação, depois do prazo de dois anos

para a ação exauriente, exatamente porque não se cogita de coisa julgada, não se concebendo

que uma decisão fruto de cognição sumária tenha prevalência em relação a uma decisão produto

de cognição exauriente263.

Ocorre que, cogitando-se de coisa estável, não se cogita, realmente, de efeito que ex-

trapole o próprio limite da coisa julgada, consoante dispõe, notadamente, o art. 504 do NCPC.

Daí que a ação que poderá ser intentada quando existe coisa julgada, do mesmo modo será

viável quando se tratar de coisa estável264.

3.7 Tutela provisória

Com relação à ação exauriente, estando satisfeitos os pressupostos da tutela provisória,

admite-se sua concessão, na medida em que não se cogita, francamente, de incompatibilidade,

sequer em face da redação do § 3º, porque a revisão, reforma ou invalidação pode ser antecipada

ou ser antecedida por tutela cautelar.

263 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;

MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT,

2015, p. 514. 264 Ver, ademais, sobre o tema: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código

de Processo Civil (NOVO CPC – LEI 13.108/2015). São Paulo: RT, 2015, p. 864.

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Teresa Arruda Alvim Wambier265, em comentário justamente sobre a ação exauriente,

assim se pronuncia: “De qualquer forma, uma vez estabilizada, a tutela antecipada conservará

seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito havida na ação

adrede mencionada (§ 3º). Não se nega, porém, ao autor dessa ação mencionada no § 2º que

visa à revogação da antecipação de tutela estabilizada, a possibilidade de pretender liminar-

mente (igualmente a título de antecipação de tutela), a suspensão dos efeitos daquela”.

Todavia, Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias

Cozzolino de Oliveira266 têm posição contrária, sustentando que o juiz, nesse caso, não pode

conceder tutela provisória, nestes termos: “Ao juiz apenas não será permitida a concessão de

antecipação de tutela nesta ação que visa atacar a tutela antecipada, isso devido à expressa pro-

ibição contida no art. 304, § 3º, do CPC, segundo o qual a tutela estabilizada continua a produzir

seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por ‘... decisão de mérito ...’, o que

somente se dará no momento em que o magistrado prolatar sentença”.

Todavia, pensamos que a tutela provisória é compatível com a ação exauriente, con-

forme mencionamos acima. Veja a hipótese de os efeitos da estabilização terem implicado a

constrição de ativos financeiros da parte afetada, indispensáveis à sua subsistência pessoal ou

empresarial, havendo alegação, na ação exauriente, de inexistência de intimação acerca da de-

cisão concessiva da tutela antecipada antecedente (razão por que não houve a interposição do

agravo).

Examinando a petição inicial da ação exauriente, o juiz constata que, ao que tudo in-

dica, realmente não houve a referida intimação, de tal sorte que, confirmada essa impressão

inicial, o pleito haverá de ser acolhido, invalidando-se, consectariamente, a tutela estabilizada.

Não faz sentido negar a tutela provisória ao autor dessa ação exauriente, permitindo

que a constrição subsista e, para agravar – o que pode vir a ocorrer – que a outra parte proceda,

sem caução idônea, ao levantamento do respectivo depósito judicial, na medida em que, tecni-

camente, não se trata de execução provisória.

265 ALVIM WAMBIER, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;

MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT,

2015, p. 304. 266 Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Verbatim, 2015 (vol. 1 – parte geral), p. 648.

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Daí se inferir a compatibilidade e, também, a necessidade real dessa proteção judicial

desde logo, sob pena de ofensa ao direito de acesso tempestivo à Justiça ou ao princípio da

proibição de proteção judicial insuficiente.

4. Procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente

Sabemos que, conteudisticamente, a tutela provisória pode ser de urgência ou da evi-

dência e, a de urgência, pode ser assecuratória (cautelar) ou satisfativa (antecipada), enquanto

a da evidência sempre será satisfativa.

Sob a perspectiva procedimental, a tutela de urgência tem cabimento antecedente-

mente ou incidentalmente, ao passo que a tutela da evidência se compatibiliza apenas com a

forma incidental (ainda que seja formulada na inicial).

Quando a tutela de urgência for incidental, será vindicada nos autos do próprio pro-

cesso já em trâmite, devendo ser dirigida, pois, ao juízo da causa; no entanto, quando for reque-

rida antecedentemente, justamente em razão de não se cogitar de processo em curso, o requeri-

mento será endereçado ao juízo competente para processar e julgar o pedido principal.

Este capítulo do estudo, que, por sua parte, constitui um capítulo do livro sobre tutela

provisória no NCPC (capítulo III, título II, livro V – arts. 306 a 310), aborda exatamente acerca

da tutela provisória de urgência, de conteúdo cautelar, requerida em caráter antecedente.

O art. 305 tem o seguinte teor: “A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela

cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito

que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Parágrafo

único: “Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz

observará o disposto no art. 303”.

O CPC de 1973 cuida de medida cautelar preparatória, à semelhança da tutela cautelar

antecedente tratada neste capítulo, podendo afirmar-se que o caput do art. 305 em comentário

equivale ao art. 801 do referido código, ao passo que o parágrafo único trata da fungibilidade

de mão única, correspondendo à contramão do art. 273, § 7º do CPC de 1973.

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Isto porque no regime do CPC de 1973, em âmbito de tutela antecipada, diz-se que se

for requerida tutela antecipada em lugar de tutela cautelar, o juiz, se presentes os requisitos,

poderá conceder, enfim, a tutela cautelar.

Todavia, pelo formato do CPC de 2015, caso o juiz entenda que em vez da tutela cau-

telar requerida é caso de tutela satisfativa, deverá observar o art. 303 – que dispõe sobre a tutela

antecipada requerida em caráter antecedente.

Parece, todavia, que, assim como tem prevalecido no regime do CPC de 1973, a fun-

gibilidade aí prevista deva ser igualmente a de mão dupla, permitindo-se o aproveitamento,

tanto quanto possível, do expediente em curso, para processar-se o pedido, quer se cuide de

tutela cautelar quer se cuide de tutela satisfativa, com indiferença à qualificação dada pela parte.

No que atina à prova que se pretende produzir, sobretudo porque ao réu caberá a indi-

cação na contestação, pensamos que a petição inicial, conquanto o artigo em comentário nada

diga a respeita, deva trazer, também, essa indicação precisa. A propósito, no próprio âmbito do

NCPC, remete-se ao art. 7º, que dispõe acerca da paridade de tratamento.

Quanto à citação, o art. 306 preceitua que “O réu será citado para, no prazo de 5 (cinco)

dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir”.

Esse artigo corresponde ao art. 802 do CPC/73. Apresentada a petição a que o artigo

anterior faz alusão, pode ocorrer de, liminarmente, ser concedida a tutela cautelar; pode ocorrer,

também, de a tutela ser concedida após justificação prévia. A esse respeito veja o art. 300, § 2º.

Em caso de justificação prévia, entendendo-se que a citação pode comprometer a tutela

pretendida, realizar-se-á sem que o réu saiba; se, todavia, não se justificar a postergação do

contraditório, o réu será citado e intimado para comparecer à audiência que tiver sido marcada

para que a justificação seja levada a efeito.

Citado, o réu terá o prazo de cinco dias para apresentar contestação, incumbindo-lhe a

indicação, desde logo, das provas que pretende produzir. Esse prazo será contado nos termos

do art. 231. Portanto, se for designada audiência de justificação, poderá o juiz dispor – à míngua

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de previsão legal específica - que o prazo para contestação terá início a partir da audiência ou

da ciência da decisão concessiva ou negatória da tutela liminar.

Ademais, ao réu cabe, na contestação, indicar as provas que pretende produzir, pare-

cendo que ao autor, embora o art. 305 seja silente, igualmente incumba essa atividade, compe-

tindo-lhe, pois, na inicial, indicar as provas que pretenda produzir, observando-se, assim, a pa-

ridade de tratamento.

Se não for apresentada contestação, dá-se a revelia, conforme dispõe o caput do art.

307, a saber: “Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão acei-

tos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias”.

Por sua parte, oferecida contestação, expressa o parágrafo único: “Contestado o pedido

no prazo legal, observar-se-á o procedimento comum”.

Esse artigo corresponde ao art. 803 do CPC/73, não oferecendo dificuldade. Convém

lembrar, entretanto, que a presunção de aceitação diz respeito tão somente aos fatos e, por seu

turno, é relativa, não culminando necessariamente, assim, com o acolhimento do pedido.

Desse modo, se o exame do pedido pressupuser a interpretação de uma cláusula con-

tratual, que o autor a tacha de nula, entendendo-se que a cláusula é válida, mesmo não tendo

sido apresentada contestação, não se cogitará de procedência do pedido.

Se, por outro lado, for apresentada contestação, haverá de ser observado o procedi-

mento comum, podendo dar-se o julgamento antecipado ou o saneamento, deliberando-se sobre

as provas necessárias e úteis ao julgamento.

Relativamente ao pedido principal267 o art. 308 tem a seguinte redação: “Efetivada a

tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias,

caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar,

não dependendo do adiantamento de novas custas processuais”; § 1º: “O pedido principal pode

ser formulado conjuntamente com o pedido de tutela cautelar”; § 2º: “A causa de pedir poderá

267 No regime do CPC/73 fala-se em “ação principal”.

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ser aditada no momento de formulação do pedido principal”; § 3º: “Apresentado o pedido prin-

cipal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do

art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu”; § 4º:

“Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335”.

Esse procedimento depende, assim como se dá no formato do CPC de 1973, de pedido

principal, que deverá, do mesmo modo, ser apresentado em trinta dias, contados da efetivação

da tutela cautelar, concedida liminarmente ou após justificação prévia (art. 300, § 2º) ou na

sentença (art. 307 caput ou parágrafo único – julgamento antecipado ou depois de finalizada a

instrução determinada).

A diferença, com relação ao regime do CPC de 1973, consiste na desnecessidade de

nova petição inicial, nova distribuição e novo recolhimento de custas, na medida em que o

pedido principal será apresentado nos próprios autos do procedimento cautelar, podendo o au-

tor, ademais, aditar a causa de pedir, ajustando-se o pedido a essa nova formulação constante

do aditamento. Se, por sua parte, houver alteração do valor da causa, principalmente em razão

do aditamento, caberá ao autor recolher tão só a diferença de custas, se forem devidas.

Nada impede, além disso, de o pedido principal e o pedido de tutela cautelar serem

apresentados desde logo, conjuntamente. Neste caso a petição inicial será de pronto completa,

não se cogitando do prazo de trinta dias para a apresentação do pedido principal nem da possi-

bilidade de aditamento da causa de pedir e ajustamento do pedido a essa causa de pedir aditada

- conforme caput e 1º deste artigo em comentário.

Todavia, não estará afastada a permissão prevista no art. 329, de tal sorte que, até à

citação, ao autor será dado aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, para o que, evidente-

mente, não precisará de consentimento do réu (inc. I), que, com a citação, tomará ciência igual-

mente do aditamento ou da alteração.

Depois da citação – ou do comparecimento espontâneo do réu (art. 239, § 1º) - e desde

que o processo ainda não tenha sido saneado – o autor somente poderá aditar ou alterar o pedido

ou a causa de pedir, “com o consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a pos-

sibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de quinze dias, facultado o requerimento de

prova suplementar” (inc. II do art. 329).

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Assim, antes da citação ou do comparecimento espontâneo do réu, o autor poderá adi-

tar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, quando o pedido principal e o pedido cautelar

tiverem sido apresentados conjuntamente; depois disso e desde que o processo ainda não tenha

sido saneado, para o desempenho dessa atividade o autor dependerá do consentimento do réu,

assegurando-se o efetivo contraditório – conforme previsto no inc. II do art. 329.

Por sua vez, dispõe o § 3º em pauta: “Apresentado o pedido principal, as partes serão

intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advo-

gados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu”; o § 4º, em arremate, precei-

tua: “Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art.

335”.

Ou seja, considerando que o pedido principal será processado nos próprios autos do

procedimento cautelar, para o qual já houve a citação, exige-se, em cumprimento do efetivo

contraditório, tão apenas a intimação do réu, por seu advogado ou, caso não tenha advogado

nos autos, pessoalmente. Essa intimação terá a função de comunicar ao réu o oferecimento do

pedido principal, para que o estude e prepare, se for o caso, sua defesa, em termos de razões de

fato e de direito, e de provas, e a função de cientificá-lo acerca da audiência de conciliação ou

de mediação de que trata o art. 334.

Se o pedido principal e o pedido cautelar forem apresentados conjuntamente, o pro-

cedimento não se biparte, havendo a citação de imediato com relação aos dois pedidos, e a

intimação acerca da audiência de conciliação ou de mediação. Isto se dará quer a tutela cautelar

tenha sido concedida liminarmente ou após justificação prévia (sem citação), quer não.

Em qualquer dos casos, se não houver acordo, o prazo para o oferecimento da contes-

tação começará a ser contado na forma do art. 335, sobrelevando notar que essa contestação

não se confunde com aquela prevista no art. 306, cujo objeto coincide, unicamente, com o ob-

jeto cautelar proposto antecedentemente (art. 305).

Quanto à audiência de conciliação ou de mediação (art. 334), “As partes devem estar

acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos” (§ 9º) e, caso não compareçam,

injustificadamente, serão punidas por ato atentatório à dignidade da justiça, “com multa de até

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dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da

União ou do Estado” (§ 8º).

A eficácia, por seu turno, pode cessar, conforme alguma ocorrência concreta. A res-

peito, estabelece o art. 309: “Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se: I

– o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal; II – não for efetivada dentro de 30

(trinta) dias; III – o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extin-

guir o processo sem resolução de mérito”. Parágrafo único: “Se por qualquer motivo cessar a

eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento”.

O art. 808 do CPC de 1973, cuidando justamente da cessão da eficácia da medida

cautelar, diz: “Cessa a eficácia da medida cautelar: I – se a parte não intentar a ação no prazo

estabelecido no art. 806; II – se não for executada dentro de trinta dias; III – se o juiz declarar

extinto o processo principal, com ou sem julgamento do mérito”; enquanto o parágrafo único

dispõe: “Se por qualquer motivo cessar a medida, é defeso à parte repetir o pedido, salvo por

novo fundamento”.

Como se vê pela comparação dos dois textos, não se cogita de novidade relevante, mas

tão somente de ajuste de expressões. Qual seja, concedida a tutela cautelar, liminarmente, após

justificação prévia, no curso do processo, na sentença ou em acórdão, ao autor incumbirá inten-

tar o pedido principal em trinta dias, contados da efetivação da tutela obtida; ademais, terá de

providenciar para que haja a efetivação em trinta dias, contados da ciência da concessão. Se

não deduzir o pedido principal nesse prazo de trinta dias, contados da efetivação, ou se não

tiver providenciado para que a efetivação tenha ocorrido em trinta dias, contados da ciência do

deferimento, dar-se-á, automaticamente, a cessação da eficácia da tutela concedida, devendo o

processo ser extinto.

Por outro lado, se o pedido principal for julgado improcedente ou se o processo for

extinto sem resolução do mérito, consectariamente a tutela concedida perde a eficácia, cui-

dando-se de consequência ou efeito lógico.

Se o processo da tutela cautelar for extinto sem a resolução do mérito próprio ou se o

pedido cautelar for julgado improcedente, do mesmo modo a tutela concedida perderá, automa-

ticamente, a eficácia, conquanto nada seja dito a esse respeito.

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Supõe-se que o juiz conceda liminarmente a tutela cautelar pretendida, mas em seguida

o réu ingresse em juízo, citado ou espontaneamente, arguindo e demonstrando um defeito pro-

cessual irreparável, que culmine com a extinção do processo (a essa altura o pedido principal

ainda não teria sido apresentado). Por certo, extinto o processo, a tutela liminarmente concedida

automaticamente deixa de ter eficácia.

Finalizando, o parágrafo único impede a renovação do pedido, quando, por qualquer

motivo, houver cessado a eficácia da tutela cautelar. Se, todavia, houver outro fundamento, a

tutela cautelar poderá ser novamente pleiteada.

Se a tutela cautelar for negada, o requerente não fica impedido de formular o pedido

principal, exceto em caso de pronunciamento da prescrição ou decadência. Veja a redação do

art. art. 310: “O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido prin-

cipal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento

de decadência ou de prescrição”.

Consta, por outro lado, do art. 810 do CPC de 1973: “O indeferimento da medida não

obsta a que a parte intente a ação nem influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedi-

mento cautelar, acolher a alegação de decadência ou prescrição do direito do autor”.

Ou seja, também aqui não vem retratada novidade importante. Se, oferecida a inicial

da tutela cautelar, o juiz proferir decisão que pronuncie a decadência ou a prescrição, não faz

sentido jurídico admitir outra petição, sob a roupagem de pedido principal, eis que o direito (no

caso de decadência) ou a pretensão (com relação à prescrição) estarão extintos, inviabilizando

a admissão de pedido principal.

Isto porque, enfim, a decadência e a prescrição dizem respeito ao fundo de direito,

enquanto a decisão que indefere a tutela cautelar se ocupa unicamente com os elementos de fato

ou de direito atinentes ao procedimento cautelar. Decidir, por hipótese, que os elementos não

demonstram o perigo de dano alegado ou o risco ao resultado útil do processo definitivamente

não fulmina a possibilidade de o autor ser titular do direito defendido.

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5. Tutela da evidência

Tutela da evidência significa proteção judicial efetiva e imediata do direito evidente,

óbvio, líquido e certo. O mais claro exemplo de proteção judicial imediata do direito evidente

no processo civil brasileiro é a execução fundada em título extrajudicial, em que o legislador

ordinário, em face de certas condições, formais e materiais, demonstradas de plano por quem

que se diz credor, dispensa a fase de acertamento judicial dessa relação jurídica, autorizando-o

a promover diretamente a execução, com prazo exíguo para pagamento do débito, sob pena de

penhora, com permissão de arresto incidente pelo fato, simples, de o devedor não ser encontrado

e, também, com permissão de arresto antecedente e averbação da distribuição da execução em

matrícula de imóvel penhorável ou em registros públicos ou prontuários que admitam averba-

ção, como juntas comerciais e departamentos de trânsito.

Essa espécie de execução exige título formado extrajudicialmente, a partir de um mo-

delo de tipicidade, em que a própria lei, de caráter geral ou especial, estipula, taxativamente,

quais são esses títulos. Nesse diapasão: o cheque, a nota promissória, a duplicata, a escritura

pública, o instrumento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas, o contrato es-

crito de locação predial urbana.

Em vista disso, o CPC ou leis especiais elegem determinados documentos aos quais

imprimem executoriedade de plano, sem a necessidade, assim, de constituição de título judicial.

A propósito, no CPC de 1973, o art. 585, e no NCPC, o art. 784.

A ação monitória, por seu turno, um meio caminho entre a execução fundada em título

extrajudicial e a ação de conhecimento, igualmente, visa à proteção judicial efetiva e imediata

do direito evidente daquele que se qualifica credor e, com base em prova escrita idônea, sem

força executiva, pugna por essa proteção.

Diferentemente do título executivo extrajudicial, cujo formato é fechado, taxativo, o

requisito para a ação monitória é aberto, atípico, contentando-se com a prova escrita – prova

documentada – da respectiva obrigação. Veremos mais acentuadamente sobre esse ponto no

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capítulo acerca da ação monitória268, tratado como tutela da evidência (proteção judicial ime-

diata do direito evidente do credor).

Em relação à defesa da posse, do mesmo modo. A tutela judicial imediata se embasa

na evidência do direito. Por isso, para a concessão de liminar em ação de reintegração de posse,

de manutenção ou em interdito proibitório basta a prova, a priori, do exercício legítimo da

posse e do esbulho ou turbação ou ameaça, não se indagando acerca de periculum in mora

(embora, para alguns, o fundamento da proteção imediata seja o periculum in mora presumido).

A ação de busca e apreensão estribada em contrato de mútuo com dação em garantia

de bem em alienação fiduciária segue idêntico critério, protegendo-se, desde logo, o direito

evidente do credor fiduciário e, desse modo, proprietário do bem, de havê-lo incontinentemente

(DL 911/69).

A lei de locação predial urbana (Lei n. 8.245/91) também, ao permitir a concessão de

liminar em certas hipóteses de despejo, toma em conta o critério da evidência, supondo líquido

e certo o direito do senhorio à retomada do imóvel nessas hipóteses levadas em conta, tratando-

se de tutela antecipada da evidência. Veja, a esse respeito, o art. 59 dessa lei.

São mecanismos legislativos que levam em consideração, pois, a evidência do direito

da parte, autorizando resposta judicial rápida, compatível com esse grau de clareza do direito,

dando-se, com efeito, a inversão do ônus do tempo do processo.

Afinal de contas, conforme advertência de Eduardo J. Couture, “el tiempo en el pro-

ceso, más que oro, es justicia”.

Consoante abertura deste ensaio preciso a propósito de tutela provisória (item 1 – dis-

posições gerais), visando a cumprir o desejo constitucional de acesso efetivo à Justiça, se ne-

cessário perante o Poder Judiciário, o legislador ordinário procurou dar ao juiz, pelo que se

convencionou chamar no CPC de 2015 de tutela provisória, instrumentos que, concretamente,

haverão de viabilizar, enfim, essa missão constitucional, dispondo a esse respeito no Livro V

da Parte Geral, arts. 294 a 311.

268 Capítulo seguinte (VIII).

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Além disso, foram mantidos, em boa medida, procedimentos diferenciados que pres-

crevem, particularmente, a propósito desse importante instrumento, seja no próprio CPC seja

em legislação extravagante.

Cuida-se, destacadamente, de situação que, ora em razão da urgência, ora em razão da

obviedade do direito, justifica a sumarização procedimental, propiciando-se, desde logo, a sa-

tisfação desse direito ou a tomada de posição para garantir-se a utilidade do processo e, assim,

a oportuna realização do direito (o itálico foi posto agora, para destacar a pauta do momento).

O CPC de 2015, por seu turno, trata da tutela da evidência em um único artigo (art.

311), com quatro incisos e um parágrafo, nestes moldes: “A tutela da evidência será concedida,

independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do pro-

cesso, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito

protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documental-

mente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III

– se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de

depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação

de multa; IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos consti-

tutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

Parágrafo único. “Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”.

Por tutelar-se aí o direito evidente (direito claro, manifesto, patente, óbvio), não se há

falar, consectariamente, em perigo de dano ou risco à utilidade processual (periculum in mora),

mas antes, leva-se em consideração elemento que acene fortemente com a existência do direito,

convindo que, assim, haja sua proteção desde logo, invertendo-se, demais disso, o ônus do

tempo processual.

São quatro hipóteses expressamente constantes desse art. 311, duas que dependem do

comportamento da parte, geralmente réu; duas que, por seu turno, podem prontamente dar en-

sejo à liminar, conforme consta, enfim, do parágrafo único acima transcrito.

Nesta abordagem fundada no texto legal serão tomadas em conta as hipóteses expres-

samente previstas no texto; mas, ao avançar-se, serão consideradas outras hipóteses, notada-

mente porque o jurisdicionado tem o direito constitucional à adoção de técnicas que imprimam

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maior velocidade ao processo e, desse modo, propiciem a realização do direito em prazo razo-

ável269.

Pois bem. As hipóteses I e IV, conforme inferência clara da literalidade, consideram a

atitude processual da parte (autor ou réu, mas geralmente réu). A primeira, porque há de carac-

terizar, no processo, o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório, não se

levando em conta, destarte, o comportamento exoprocessual da parte. Essa conclusão pode ser

obtida facilmente a partir da disposição do parágrafo único, que impede o juiz de conceder a

tutela com esse fundamento, liminarmente (inaudita altera parte).

Ainda, pois, que o autor demonstre à exaustão, com a inicial, que o réu agiu, antes da

propositura da ação, de forma manifestamente abusiva e protelatória, em etapa de constituição

de mora (mora ex persona), por hipótese, ocultando-se e valendo-se de outras manobras ardi-

losas, o juiz estará imobilizado (segundo essa perspectiva infraconstitucional), porque lhe é

vedado nesse caso conceder liminarmente a tutela provisória (art. 311, parágrafo único).

Evidentemente, quanto a essa anotação, vale tão somente nesse contexto de tutela da

evidência. Se, em outras palavras, estiverem presentes os requisitos para a tutela de urgência,

claro que o juiz poderá concedê-la liminarmente.

Seja como for, no que atina ao abuso do direito de defesa ou manifesto propósito pro-

telatório, não se prescinde do requisito da probabilidade do direito da parte, na medida em que

não faz minimamente sentido a concessão de tutela da evidência se os elementos não evidenci-

arem sequer a probabilidade do direito. Se o juiz, enfim, embasado em questão de direito ou em

questão de fato já documentada nos autos estiver convencido da improcedência do pedido,

mesmo que o réu cometa abuso no exercício do direito de defesa, não haverá de conceder tutela

da evidência, em face do brutal contrassenso que uma decisão dessa natureza resultaria.

Poderá, nesse caso, na sentença condenar o réu por dolo processual, nunca, porém,

conceder tutela da evidência (no curso do pleito ou na sentença).

269 Tempo razoável, quando o direito se mostra evidente, é um; tempo razoável, quando o direito se apresenta

altamente duvidoso, cuja solução dependa de instrução complexa, é outro.

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Parece, ademais, que se o manifesto propósito protelatório surgir no processo, e ha-

vendo, pois, elementos que sinalizam a probabilidade do direito, a tutela da evidência poderá

ser concedida, na medida em que, liminarmente, nessa toada, implica a ideia estreita de prima

facie – à primeira vista em face da petição inicial -, não se estendendo, obrigatoriamente, ao

curso procedimental enquanto a relação processual não estiver constituída com a citação válida.

Invoca-se, nessa linha, uma hipótese, muito comum, aliás: aquela em que o réu, clara-

mente, se oculta para não ser citado. Sem prejuízo da citação com hora certa, que, efetivada, se

o réu não a atender, deflagra a exigência de o juiz lhe dar curador especial, demandando tempo

considerável, pode o autor, mesmo antes de efetuada a citação, fundamentadamente (o funda-

mento aí coincide justamente com a ocorrência fática que dará ensejo à citação com hora certa),

requerer a tutela da evidência em razão do manifesto propósito protelatório do réu - que poderá

ser concedida se, conforme dito acima, os elementos forem hábeis a convencer o juiz acerca do

direito.

O juiz nesse caso considerará o comportamento censurável do réu em reforço, não

isoladamente, para formar a convicção e, formada, construir a decisão, concedendo a tutela da

evidência. Por isso mesmo, não se exige com relação a esse ponto a prova documentada intensa

necessária à concessão da tutela da evidência nos demais casos (incs. II, III e IV).

Essa solução técnica, todavia, depende de leitura constitucional, porquanto o caput do

art. 9º do NCPC prescreve que “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja

previamente ouvida” (leia-se: sem que lhe tenha sido previamente oportunizada manifestação),

ressalvando o parágrafo único que essa exigência não se aplica: “I – à tutela provisória de ur-

gência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à

decisão prevista no art. 710” (mandado monitório).

Vê-se, assim, que, literalmente, sem oportunizar a manifestação do réu não se pode

conceder tutela da evidência fundada no abuso do direito de defesa ou no manifesto propósito

protelatório, eis que essa hipótese está prevista no inc. I do art. 311 e não nos incs. II ou III

tratados no inc. II do parágrafo único desse art. 9º.

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Entretanto, nos termos do art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal, “a todos, no âm-

bito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação”.

Por “meios que garantam a celeridade” entendem-se as técnicas aptas à proteção efe-

tiva do direito, quer em nível de antecipação ou de asseguração, quer em nível final, incluindo-

se aí a atividade satisfativa, igualmente em âmbito provisório ou em âmbito final.

Esse comando, no primeiro plano, volta-se ao legislador, impondo-lhe o dever de dotar

o Poder Judiciário de ferramenta legislativa apta à realização tempestiva do direito; no segundo

plano, à administração, cuja função estatal implica o dever de bem estruturar o Poder Judiciário,

em termos de recursos humanos e em termos de recursos materiais, compreendidos os instru-

mentos tecnológicos de ponta adequados; por último, se o legislador falhar ou se a administra-

ção falhar, se volta ao próprio Poder Judiciário no desempenho da função jurisdicional que lhe

é precípua, competindo, pois, concretamente ao juiz um comportamento proativo e criativo,

apto a superar a deficiência legislativa ou administrativa, com vistas a propiciar, enfim, na prá-

tica a asseguração ou realização desse direito, sem desdém, evidentemente, ao contraditório,

que pode ser oportunizado de forma diferenciada ou diferida.

Nessa linha, por exemplo, a Corte Europeia dos Direitos do Homem já decidiu que

constitui direito fundamental da pessoa “Le droit a une bonne administration de la justice”270

(citamos novamente esse julgado porque o reputamos de elevada valia no estudo a respeito da

proteção judicial efetiva).

Por sua vez, o próprio NCPC, para reforçá-la, se ocupa com essa exigência constituci-

onal, dispondo, pois, o art. 4º: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução

integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Ademais, diz o art. 1º: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado

conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Fe-

derativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

270 O direito a uma boa administração da justiça. Veja: Les grands arrêts de la Cour européene des Droits de

l’Homme. Paris, France: Thémes droit, 6ª éd., 2011, page 348.

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Esse dispositivo – vale a nota - tem função eminentemente pedagógica, reafirmando

que a Constituição Federal deve ser respeitada. Visa, por certo, a reforçar que as disposições de

processo devem ser consideradas em diálogo permanente com a Constituição, não se conce-

bendo, por isso mesmo, norma271 processual que não seja, concretamente, operativa ou funcio-

nal.

Por conseguintemente, existindo elementos que mostram a probabilidade do direito do

autor, ainda que não se cogite de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, o

juiz, em caso de manifesto propósito protelatório do réu, caracterizado no processo, porém, em

etapa procedimental antecedente à citação, igualmente poderá conceder tutela da evidência,

ante a configuração óbvia, enfim, de justificativa plausível (e a clara deficiência legislativa).

Parece, por outro lado, que contrariamente ao significado do art. 273, inc. II do

CPC/73, não se admite, realmente (conforme foi mencionado antes), concessão de tutela da

evidência fundamentada no comportamento exoprocessual do réu, mas antes, o NCPC expurga

essa possibilidade ao impedir, expressamente, que a tutela da evidência seja concedida liminar-

mente, em caso, também, de manifesto propósito protelatório do réu (enfim, consoante pará-

grafo único do art. 311 e art. 9º, parágrafo único, II – acima transcritos).

A leitura do inc. II do art. 273 do CPC e 1973 no sentido não ser tão somente o com-

portamento censurável endoprocessual do réu apto a autorizar a tutela antecipada com funda-

mento no manifesto propósito protelatório, mas antes, de compreender, igualmente, o compor-

tamento exoprocessual, é legítima justamente porque esse código não traz nenhuma limitação,

ao contrário, pois, do NCPC.

Na segunda hipótese (inc. IV), o juiz não pode conceder a tutela provisória liminar-

mente, porquanto exige “que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” àquela

produzida com a inicial pelo autor. Consectariamente, essa situação processual tão apenas

surge, ou poderá surgir, depois que for oportunizada ao réu a apresentação da resposta, emba-

sando-se essa hipótese na defesa inconsistente.

271 Isto é: resultado da interpretação.

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Na sequência serão examinadas as hipóteses que, pela literalidade, dão guarida à limi-

nar. São aquelas previstas nos incisos II e III do artigo em comentário.

A primeira (inc. II) depende de: alegações de fato que possam ser comprovadas apenas

documentalmente e que, concretamente, tenham sido comprovadas por documentos (ou seja,

por prova documentada); (“e”) tese firmada em julgamento de casos repetitivos – incidente de

resolução de demandas repetitivas, arts. 976 a 987, e recursos repetitivos, arts. 1.036 a 1.041 -

ou em súmula vinculante. Veja que o “e” que aparece no dispositivo determina a coexistência

dessas exigências, sendo, pois, cumulativas, isto é, prova documentada hábil mais jurisprudên-

cia normativa (ou precedente vinculante ou obrigatório).

A segunda (inc. III) trata do contrato de depósito, dando sobrevida à ação de depósito,

totalmente esvaziada com a proibição de prisão civil no Brasil, exceto por alimentos. Assim,

nesse caso o juiz, estando a petição inicial em ordem, liminarmente ordenará que o réu faça a

entrega do bem ao autor, em prazo que assinar, podendo, ademais, cominar multa para induzir

ao cumprimento da ordem; e, sem prejuízo da multa, também poderá determinar a busca e apre-

ensão, se essa providência mostrar-se concretamente adequada.

O procedimento especial para a ação de depósito272 foi extinto, na medida em que o

NCPC não o contempla. Todavia, o contrato de depósito continuará a existir, a necessidade de

ingressar em juízo para reaver a coisa, por certo continuará a existir, logo, a ação de depósito

existirá, observando-se o procedimento comum, com a possibilidade de concessão de tutela da

evidência, consoante, enfim, o inc. III do art. 311 em comentário.

5.1 Título extrajudicial apto à execução

Tem prevalecido a orientação doutrinário-jurisprudencial de a execução extrajudicial

constituir um benefício ao credor, que, assim, pode deixar de exercitá-lo, intentando, mesmo na

condição de portador de título executivo, ação de conhecimento ou ação monitória, a seu go-

verno.

272 CPC de 1973, arts. 901 e ss.

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Conquanto essa orientação seja altamente discutível, ante o caráter público do pro-

cesso, não se concebendo, pois, a critério pessoal da parte, que se preste serviço público desne-

cessário, é a que prevalece, enfim. Desse modo, ao credor com título executivo é dado propor

ação de conhecimento ou ação monitória.

Se esse credor, municiado com título executivo, propuser ação de cognição – o porta-

dor de um cheque, não prescrito, por hipótese, propõe ação de cobrança -, o direito creditório

defendido apresenta-se evidente, como se daria em processo de execução e em processo moni-

tório, podendo ser concedida tutela da evidência, para interditar a disponibilidade, por exemplo,

de certo ativo financeiro do réu, para, ao afinal, entregá-lo ao autor em realização de seu direito

creditório (evidentemente, se não houver a realização desse direito voluntariamente pelo deve-

dor).

5.2 Prova escrita apta à ação monitória

Releva assinalar, por outro lado, tendo em vista o procedimento monitório, que a prova

escrita que inspirou o legislador ordinário a dispensar o contraditório prévio, quando o juiz, a

partir da afirmação do autor e da análise dessa prova escrita, chega seguramente ao convenci-

mento, desde logo, acerca da evidência do direito afirmado, autoriza o juiz, em âmbito de pro-

cedimento comum, igualmente a dispensar o contraditório prévio, para, ante a evidência con-

substanciada, mesmo não se havendo falar em perigo de dano ou risco ao resultado útil do

processo, tutelar imediatamente essa evidência.

A propósito, remete-se aos arts. 700, 701 e 9º, parágrafo único, inc. III, todos do CPC

de 2015, valendo notar que o art. 701 fala, claramente, em evidência do direito: “Sendo evidente

o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa

ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze)

dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor

atribuído à causa” (destaquei com itálico).

Portanto, a ação monitória leva em consideração a evidência do direito, tutelando-a (a

evidência), desde logo, com a emissão de pronto de ordem de cumprimento da obrigação.

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Desse modo, se o portador de prova escrita de obrigação de pagar quantia em dinheiro,

de entregar coisa fungível, infungível, bem móvel ou imóvel ou de fazer ou não fazer eleger o

procedimento comum, para, por hipótese, proceder à cumulação objetiva, poderá ser concedida

tutela da evidência, liminarmente, desde que fique configurada, naturalmente, a evidência do

direito alvo da tutela.

Pode-se afirmar, assim, que a leitura sistêmica do NCPC, designadamente a partir da

Constituição, que, entre outros, assegura a todos, em âmbito judicial, a utilização de técnica

que, concretamente, prestigie a realização célere do direito, autoriza uma quinta hipótese de

tutela da evidência, que, ademais, justifica o diferimento do contraditório.

Supõe-se que o comprador de um imóvel, com escritura de compra e venda registrada,

da qual, claramente, constem a quitação do preço e prazo certo para a desocupação pelo vende-

dor, não consiga, consensualmente, enfim, imitir-se na posse do imóvel, na medida em que o

vendedor não procede à desocupação.

Acreditando nas promessas do vendedor e como o comprador não necessita do imóvel

para morar ou para o atendimento de qualquer necessidade atual, meses se passam, até que,

derradeiramente, tem de ingressar em juízo, promovendo ação, certo de que, amigavelmente,

não será, pois, imitido na posse.

Mas a essa altura o comprador pretende ser indenizado pela privação do bem por esse

tempo, objetivando indenização pelo uso indevido a partir da expiração do prazo estipulado na

escritura, a ser arbitrada com base na rentabilidade anual do imóvel. Se optar pela ação moni-

tória não lhe será dado formular esse pedido indenizatório; se, por sua parte, optar pelo proce-

dimento comum, a cumulação objetiva será possível (imissão de posse mais indenização com

base na rentabilidade anual do imóvel).

Parece-nos, nessa toada, que abrir mão do procedimento especial monitório não im-

plica renúncia à força material da prova ou, sob outra perspectiva, fragilização material dessa

prova, consistente em escritura pública de compra e venda registrada na matrícula do imóvel,

com cláusula inequívoca de quitação do preço e com previsão inequívoca de prazo certo para a

desocupação pelo vendedor, nitidamente expirado há bastante tempo.

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Impende ressaltar que se houver urgência – esse esclarecimento sempre é importante

que seja feito -, a tutela provisória poderá ser concedida com fundamento na urgência. Todavia,

mesmo não havendo urgência, pensamos que, assim como em âmbito de ação monitória, em

que o juiz, convencido da evidência do direito do autor, liminarmente haveria de ordenar a

entrega do imóvel a ele em quinze dias (art. 701 caput), em esfera de procedimento comum

igualmente haverá de decidir desse modo, pois não tem sentido a prova constituída material-

mente servir à ação monitória e não servir à ação pelo procedimento comum, ou servir menos.

Por outros termos, as disposições procedimentais não têm o condão de fulminar ou

fragilizar a prova material legitimamente constituída. Se a escritura pública, nos moldes acima

exemplificados, justifica, em procedimento monitório, a ordem imediata de entrega do imóvel,

a opção do autor pelo procedimento comum não a debilita a nenhum pretexto, mas antes, a sua

força material persiste intacta, invulnerável, produzindo o efeito próprio em qualquer procedi-

mento.

Além disso, o credor da obrigação pode avaliar e reputar mais vantajoso o procedi-

mento comum também pelo motivo de no processo monitório os embargos terem efeito sus-

pensivo automático, enquanto no procedimento comum a contestação não o tem, de tal sorte

que o réu haverá de obter esse efeito em agravo de instrumento tirado da decisão concessiva da

tutela antecipada.

Conquanto a apelação interposta contra a sentença que rejeita os embargos monitórios

não tenha o efeito suspensivo automático, conforme sustentamos273, ainda assim o procedi-

mento comum pode oferecer vantagens superiores, porquanto em relação à apelação contra a

sentença de procedência do pedido no que atina à parcela que confirma a tutela provisória ou a

concede na própria sentença, igualmente não se cogita desse efeito.

Esses pontos, enfim, no que pertine à monitória, desse ponto de vista - tutela da evi-

dência -, serão mais detidamente examinados no capítulo que trata dessa pauta – Nova ação

monitória (NCPC) – Tutela da evidência (capítulo IX).

273 Ver capítulo VIII deste trabalho.

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A Constituição, por sua parte, quer que o processo seja operativo, cumprindo, eficien-

temente, concretamente, sua função de propiciar a realização ou asseguração do direito.

Aliás, já de seu preâmbulo se infere esse desejo, ante a declaração de estar-se a “insti-

tuir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individu-

ais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmo-

nia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das con-

trovérsias” (destaquei com itálico). Ou seja, clara preocupação em concretamente “assegurar o

exercício dos direitos”.

Isto significa, enfim, dito de outro modo e sinteticamente, que a norma processual deve

ser funcionalmente útil274.

5.3 Mandado de segurança

Foi lembrado desde o princípio que a tutela provisória também tem cabimento contra

a Fazenda Pública, devendo, entretanto, ser observado o regime próprio, de conformidade com

as leis especiais que a regulam. Remete-se, especialmente, ao art. 1.059 do NCPC – que fala

em tutela provisória contra a Fazenda, ou seja: tutela de urgência e tutela da evidência.

A ideia central deste trabalho não permite avançar nesse tema, na medida em que pro-

piciaria desvio indesejado. Quer-se, com esta ligeira incursão, tão só lembrar a esse respeito –

que a Fazenda Pública igualmente se sujeita à tutela da evidência.

Com isso, a situação que estribaria mandado de segurança, se o titular do direito deixar

de impetrá-lo, por hipótese, no prazo decadencial de cento e vinte dias, poderá valer-se, em face

da Fazenda, de processo de conhecimento com pedido de proteção judicial imediata, na medida

em que a fluência do prazo decadencial não fulmina o direito líquido e certo, mas estreitamente

o direito à impetração do remédio constitucional.

274 Nesse sentido, entre outros: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo – influência do direito

material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 6ª ed., 2011.

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De registrar – por mera ilustração -, no que atina à constitucionalidade desse instituto

da decadência no mandado de segurança, que, conforme ponderação de Gilmar Ferreira Men-

des275, “O Supremo Tribunal Federal tem orientação pacífica, hoje consolidada na Súmula 632,

segundo a qual a fixação do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança é

plenamente compatível com a ordem constitucional, uma vez que o caráter institucional da ga-

rantia não impede que se fixem condições para o seu exercício, inclusive aquelas de caráter

temporal, desde que não se verifique a sua inutilização ou descaracterização”.

Eduardo Arruda Alvim276, citando autores que defendem a inconstitucionalidade desse

prazo decadencial, posiciona-se, todavia, pela constitucionalidade, também invocando a súmula

632 do Supremo Tribunal Federal277. Ademais, nos ensina: “Não é demais lembrar que, escoa-

dos os 120 dias, poderá o interessado, respeitados os prazos prescricionais, lançar mão de outros

instrumentos processuais, apenas não podendo socorrer-se do mandado de segurança (Lei nº

12.016/09)”.

É justamente o que se afirma neste tópico do trabalho, que, extinto o direito à impetra-

ção do mandado de segurança, a parte poderá valer-se de ação de conhecimento, invocando o

direito líquido e certo na finalidade de proteção imediata - tutela da evidência -, na medida em

que somente se esvaiu o direito ao remédio constitucional, não o direito líquido e certo à prote-

ção judicial imediata.

5.4 Art. 311: rol exemplificativo

Ademais, é possível sustentar, justamente por virtude constitucional, que esse rol pre-

visto nesse art. 311 do NCPC é meramente exemplificativo, podendo ser concedida tutela da

evidência sempre que os elementos permitirem, desde logo, a conclusão pelo juiz acerca da

obviedade do direito da parte, o que, não se desdenha, pulveriza o citado rol.

275 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2015, p. 425. 276 Mandado de segurança. Rio de Janeiro: GZ Editora, 3ª ed., 2015, pp. 136/141. 277 “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”.

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Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias Cozzolino

de Oliveira278 entendem que se trata de rol exemplificativo. Veja: “Nada obstante as hipóteses

expressamente previstas por lei, em resposta à questão inicialmente ventilada, entendemos que

o rol constante do artigo é apenas exemplificativo, sendo perfeitamente possível a concessão de

tutela de evidência, mesmo em sede de liminar inaudita altera parte, quando o direito posto em

juízo permitir ao magistrado, desde logo, realizar cognição exauriente sobre o tema”.

Humberto Theodoro Júnior279, por sua parte, adota orientação contrária, manifestando-

se pela taxatividade do rol, nestes termos: “Em lugar de conceituar genericamente a tutela da

evidência, o novo Código preferiu enumerar, de forma taxativa, os casos em que essa modali-

dade de tutela sumária teria cabimento. Não se pode, por isso, ampliar sua área de atuação,

mediante interpretação extensiva”.

Fernando da Fonseca Gajardoni280, embora sustente que a lista não seja taxativa, de-

fende que a tutela da evidência é necessariamente típica, de tal sorte a não se cogitar de tutela

dessa espécie atípica, expondo: “Tipicidade da tutela de evidência. Embora não seja taxativo o

rol de hipóteses em que cabível a concessão da tutela da evidência – tanto que, conforme dantes

exposto (item 2, supra), há situações específicas de tutela de evidência fora das hipóteses gerais

do art. 311 do CPC/2015 -, ela só é admitida se expressamente prevista no sistema (BEDAQUE,

2003, p. 334). São, portanto, típicas as tutelas de evidência. Apenas nos casos de urgência que

a tutela provisória é atípica, podendo ser deferida com fundamentos nos artigos 300 e 301 do

CPC/2015”.

5.5 Prova documental equivale à prova documentada

Cumpre-nos, por outro lado, no que pertine à prova, ligeira avaliação acerca do signi-

ficado e alcance das expressões “documentalmente” (inc. II do art. 311), “prova documental

adequada” (inc. III), “prova documental suficiente” (inc. IV) e “prova escrita” (art. 700), pare-

cendo-nos, de partida, que não se resumem ao estreito campo da prova documental, mas antes,

278 Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Verbatim, 2015 (vol. 1 – parte geral), p. 659. 279 Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 56ª ed., 2015, vol. I. p. 679. 280 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar

Duarte de. Teoria Geral do Processo – comentários ao CPC de 2015 – parte geral. São Paulo: Editora Método,

2015, p. 924.

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quer-se referir à prova documentada, seja manifestação pessoal da parte (confissão, por exem-

plo), sejam declarações, depoimentos ou laudos técnicos administrativos ou perícias produzidos

em outros processos ou procedimentos, ainda que administrativos (em Tribunal Marítimo, por

hipótese, quando disser respeito a fatos da navegação).

Portanto, a ideia a ser prestigiada é a da prova, qualquer que seja a modalidade, apre-

sentada desde logo em forma documentada (produção antecipada de prova, oral ou pericial;

justificação; prova emprestada; vídeo, áudio, fotografia, correspondência ou manifestação ele-

trônica; ata notarial; enfim, qualquer meio legal) (NCPC, art. 369; CF, art. 5º, LVI).

Aliás, nessa toada o art. 700, § 1º diz que “A prova escrita pode consistir em prova

oral documentada, produzida antecipadamente nos termos do art. 381”.

Saber se a prova documentada é “adequada”, “suficiente” ou bastante em si mesma

para a finalidade de justificar concessão de tutela provisória, atina a juízo valorativo (axioló-

gico) que deverá ser exercido pelo juiz, fundamentadamente.

Afinal, toda decisão deve ser adequadamente fundamentada, seja em âmbito de tutela

final seja em âmbito de tutela provisória e, em âmbito de tutela provisória, quer se trate de tutela

de urgência quer da evidência, quer se cuide de decisão concessiva quer se cuide de decisão

negativa ou em nível de modificação ou de revogação (NCPC, arts. 11 e 298; CF, art. 93, IX)281.

6. Tutela da evidência na sentença, instrumento hábil a retirar o efeito suspensivo au-

tomático da apelação

A tutela da evidência pode transformar-se em um importante contorno técnico ao efeito

suspensivo automático da apelação, na medida em que, acolhendo-se o pedido do autor, con-

sectariamente o juiz admitirá a evidência do direito, do contrário não o acolheria. Por isso,

poderá o juiz, na sentença, ao julgar procedente o pedido, conceder a tutela da evidência – que,

em reforço, não depende de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

281 Recomenda-se a esse respeito: SCHMITZ, Leonardo Ziesemer. Fundamentos das decisões judiciais – A crise

na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015.

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Por conseguinte, se o réu interpuser apelação, esse capítulo da sentença que concede a

tutela da evidência produzirá efeito imediatamente, nos termos do art. 1.012, § 1º, inc. V, com

a seguinte redação: “Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeito ime-

diatamente após a publicação a sentença que: ... V – confirma, concede ou revoga tutela provi-

sória”.

Com efeito, se a tutela da evidência, concedida justamente a partir dos fundamentos

que ensejaram a procedência do pedido, for concedida na sentença, à apelação do vencido o

código não atribui efeito suspensivo automático, mas antes, preceitua que, nesse caso, a sen-

tença produzirá efeito imediatamente, cumprindo ao apelante pleitear, perante o tribunal, a con-

cessão de tal efeito, nos termos dos §§ 3º e 4º esse mesmo artigo.

Dispõe, consectariamente, esse § 3º do art. 1.012 que a parte prejudicada poderá vin-

dicar efeito suspensivo na hipótese do § 1º, formulando requerimento ao: “I – tribunal, no perí-

odo compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator desig-

nado para seu exame prevento para julgá-la; II – relator, se já distribuída a apelação”.

Por seu turno, o § 4º preceitua: “Nas hipóteses do § 1º, a eficácia da sentença poderá

ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou

se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação”.

Conforme antecipamos em considerações gerais deste capítulo sobre tutela provisória,

uma questão interessante consiste em saber se o juiz, compreendido no pronunciamento (sen-

tença de procedência do pedido, que se profere de ofício) estaria legitimado a liberar desde logo

a eficácia da sentença, ante a evidência do direito da parte (reconhecida na sentença de proce-

dência, consectariamente – julgamento antecipado parcial282 ou total ou julgamento ao final de

instrução).

282 Verdade que no caso de julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356 do NCPC), a decisão não se sujeita

à apelação, mas sim a agravo de instrumento, consoante dispõe o § 5º; e o agravo de instrumento continua, no

novo formato processual, a não ter efeito suspensivo automático. Daí que essa técnica não faz maior sentido nessa

hipótese de julgamento antecipado parcial do mérito.

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Foi dito a propósito, naquele contexto, parecer-nos que, considerando que a parte “tem

o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfa-

tiva”283, e que o juiz, entre outras, tem a incumbência de “velar pela duração razoável do pro-

cesso”284, em caso de procedência do pedido, poder-se-ia, assim como se dá com o julgamento

em si, que se realiza por força do ofício, ante a evidência do direito do autor (evidência que,

logicamente, gerou a procedência do pedido), liberar imediatamente a eficácia da sentença, com

base no art. 311 do NCPC (especialmente com base no inc. IV). Por óbvio, caberia nessa hipó-

tese à parte avaliar sobre a conveniência de promover desde logo a execução ou aguardar o

trânsito em julgado, em face da responsabilidade objetiva processual e, também, em certos as-

pectos, da necessidade de prestação de caução.

A liberação da eficácia da sentença nesses moldes afastaria o efeito suspensivo auto-

mático da apelação, mantido como regra no NCPC285. Isto porque, em regime de exceção, esse

mesmo código afasta tal efeito em relação ao capítulo da sentença que confirma, concede ou

revoga a tutela provisória (ou seja: de urgência – antecipada ou cautelar – ou da evidência)286.

Poder-se-ia sustentar que a liberação da eficácia da sentença, em face da obviedade do

direito da parte – tanto, reforça-se, que o pedido foi julgado procedente – estaria compreendida

na técnica de julgar, antecipadamente ou depois de produzida a prova tida por necessária e útil.

Se o juiz não depende de requerimento específico da parte para prolatar sentença, verificando

a evidência do direito estaria legitimado democraticamente, no contexto, a conceder a tutela da

evidência de ofício – ou, dito de outro modo: a concessão estaria implicada no próprio pronun-

ciamento final (estaria, enfim, contida na demanda).

Tendo em conta, pois, que o juiz tem a incumbência de zelar pelo tempo do processo,

adotando técnicas democráticas aptas a superá-lo, e que impera a proibição da proteção judicial

insuficiente, parece-nos perfeitamente aceitável essa técnica, cabendo à parte beneficiada a ava-

liação relacionada à execução provisória.

283 NCPC, art. 4º. 284 CF, art. 5°, LXXVIII; NCPC, arts. 139, II e 6º. 285 Art. 1.012 caput. 286 Idem, § 1º, V.

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Sob a perspectiva do princípio da demanda, não nos parece que haja proibição a essa

concessão pelo juiz, na medida em que, iniciado o processo por iniciativa da parte, rompe-se a

inércia, competindo ao juiz, de ofício, enquanto tutor do processo, providenciar para que a pro-

teção do direito seja efetiva, empregando as técnicas concretamente adequadas, ainda que se

destinem à redução do tempo do processo.

Veja, em reiteração, que a Constituição determina, também diretamente ao juiz, que

haja a adoção de meios, portanto, também de técnicas processuais, que viabilizem a proteção

do direito em tempo razoável; e ao se falar em proteção do direito, fala-se em efetividade, em

realização no plano fático e real, em tempo aceitável.

Afinal, el tiempo en el proceso ha de ser visto y valorado como un tiempo ‘en la vida’

del justiciable que participa en ese proceso.

No ha de medírselo, entonces, como un tiempo cronológico, sino como un tiempo bi-

ográfico, por que hace a la vida personal de un ser humano287.

Seja como for, se houver requerimento, é tranquilo que o juiz pode, acolhendo o pe-

dido, conceder na sentença a tutela da evidência, na medida em que, conforme ficou dito, a

procedência do pedido pressupõe a evidência do direito da parte.

7. Considerações finais

A tutela provisória pode: fundamentar-se em urgência; fundamentar-se em evidência.

Por sua parte, a fundamentada em urgência pode: implicar a própria realização do direito (por-

tanto, cuidar-se de tutela antecipada ou satisfativa); objetivar tão apenas a asseguração do di-

reito (por isso, tratar-se de tutela unicamente acautelatória ou assecuratória).

Ademais, a tutela fundamentada em urgência, seja antecipada seja cautelar, pode ser

requerida antecedentemente ou incidentalmente. Se for requerida antecedentemente, há proce-

dimento próprio, conforme se cuide de tutela antecipada ou de tutela cautelar; se for requerida

287 CAMPOS, Germán Bidard. Citado por Marcelo Bourguignon (Tiempo y proceso. Derecho procesal civil y

comercial. Editorial juris) (fonte: internet (localizador: Google)).

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incidentalmente, por óbvio terá seu trâmite nos autos do respectivo processo, devendo observar-

se o contraditório.

A tutela da evidência também é provisória, podendo, consectariamente, ser cassada ou

modificada a qualquer tempo no curso do processo.

A tutela da evidência não pode ser concedida antecedentemente, justamente porque a

concessão antecedente da tutela pressupõe a urgência.

São quatro hipóteses que, textualmente, pelo NCPC (art. 311), autorizam a tutela da

evidência, duas com previsão expressa de liminar (incs. II e III), duas, por consequência, com

proibição (incs. I e IV).

As duas com permissão expressa de liminar exigem: alegação de fato que possa ser

comprovada só por documentos e que, concretamente, tenha sido comprovada por documentos

(leia-se: prova documentada) + jurisprudência normativa (tese firmada em julgamento de casos

repetitivos – incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 a 987, e recursos repe-

titivos, arts. 1.036 a 1.041 - ou em súmula vinculante) (inc. II do art. 311); contrato documen-

tado de depósito com a respectiva demonstração da exigibilidade da obrigação de restituir a

coisa (inc. III).

As duas hipóteses com proibição de concessão liminar, por sua vez, dizem respeito:

ao abuso do direito de defesa ou ao manifesto propósito protelatório da parte (inc. I); à prova

documental (leia-se: prova documentada) suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor,

a que o réu não tenha oferecido prova capaz de gerar dúvida razoável (inc. IV).

No que pertine ao manifesto propósito protelatório antecedente à distribuição da inicial

não pode ser considerado pelo juiz; mas, havendo sua configuração depois da distribuição da

inicial, embora a citação ainda não tenha sido realizada, se os elementos dos autos acenarem

com a probabilidade do direito do autor, o juiz poderá conceder a tutela da evidência.

Outras hipóteses de tutela da evidência decorrem de leitura sistêmica (NCPC + CF),

referindo-se à prova escrita (leia-se: prova documentada) que, em nível de outros procedimen-

tos, como o de execução de obrigação fundada em título extrajudicial, o de ação monitória, o

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de mandado de segurança, autorizaria ordem imediata de cumprimento da obrigação ou dever,

ante a constatação pelo juiz da evidência do direito do autor, na medida em que, autorizada em

âmbito de outro procedimento, não faz sentido, sobretudo constitucional, negá-la em âmbito de

procedimento comum, porquanto a prova escrita é dotada de força material, apta a produzir seu

efeito em qualquer tipo de procedimento, não se concebendo amarras procedimentais, porque a

tutela processual é indiferente, devendo ser, todavia, concretamente adequada à realização ou

asseguração do direito.

Afinal, a Constituição da República quer que o processo seja operativo, cumprindo,

eficientemente, concretamente, sua função de propiciar a realização ou asseguração do direito.

Aliás, já de seu preâmbulo se infere esse desejo, ante a declaração de estar-se a “insti-

tuir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individu-

ais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmo-

nia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das con-

trovérsias” (destaquei com itálico). Ou seja, clara preocupação em concretamente “assegurar o

exercício dos direitos”.

Por outro lado, pode-se francamente, designadamente a partir dessa concepção consti-

tucional, sustentar que o rol do art. 311 do NCPC é meramente exemplificativo, embora, certa-

mente, essa orientação implique seu esvaziamento enquanto regramento ordinário.

Quando a tutela de urgência houver de ser requerida antecedentemente, será ao juízo

competente para conhecer do pedido principal. Se, contudo, a competência for originária de

tribunal ou nos recursos, será ao relator.

Se a tutela provisória for concedida, negada, modificada ou revogada em decisão in-

terlocutória, o recurso adequado será o agravo de instrumento; se, todavia, essa decisão for de

relator, o recurso adequado será o agravo interno.

Por outro lado, se a decisão versando sobre tutela provisória constituir capítulo ou

parcela da sentença, ressalvada hipótese de embargos de declaração, em caso de omissão, con-

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tradição, obscuridade ou erro material, haverá de ser questionada em âmbito de apelação (ape-

lação, contrarrazões, apelação adesiva, contrarrazões com relação à apelação adesiva ou, ade-

mais, requerimento ao tribunal ou diretamente ao relator, visando a efeito suspensivo ou à con-

cessão da própria tutela provisória – tutela de urgência, antecipada ou cautelar, ou tutela da

evidência).

A tutela da evidência pode transformar-se em um importante contorno técnico ao efeito

suspensivo automático da apelação, na medida em que, acolhendo-se o pedido do autor, con-

sectariamente o juiz admitirá a evidência do direito, do contrário não o acolheria. Por isso,

poderá o juiz, na sentença, ao julgar procedente o pedido, conceder a tutela da evidência – que,

em reforço, não depende de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

A tutela de urgência pode, também, ser concedida na sentença de procedência, se ficar

caracterizado o periculum in mora. Isto porque a proteção judicial deve ser suficiente, à medida

da necessidade, sendo proibida, aliás, a proteção insuficiente.

Por conseguinte, se o réu interpuser apelação, esse capítulo da sentença que concede a

tutela da evidência ou de urgência produzirá efeito imediatamente, nos termos do art. 1.012, §

1º, inc. V.

Embora os arts. 139, inc. IV, 297 e 300 refiram-se à efetivação, não se cogita, no mo-

delo constitucional de processo, de impedimento à concessão de tutela provisória de ofício ou

por implicação no pronunciamento do juiz, que se realiza por força do ofício, principalmente

porque, iniciado o processo por iniciativa da parte, rompe-se a inércia, competindo ao juiz,

enquanto agente político e tutor do processo, providenciar para que a proteção judicial ao direito

seja efetiva.

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VIII - NOVA AÇÃO MONITÓRIA (NOVO CPC) - TUTELA DA EVIDÊNCIA

1. Considerações gerais

A nova ação monitória prevista entre os arts. 700 e 702288 vem com inovações alta-

mente favoráveis à celeridade processual, em sintonia com a exigência constitucional de pro-

cesso em tempo razoável, incluída a atividade satisfativa, com a adoção, ademais, de técnicas

visando à tramitação célere, implicando a eliminação de etapa democraticamente dispensável.

Consoante foi exposto no capítulo anterior, notadamente em passagens atinentes à tu-

tela da evidência, não faz sentido dar tratamento igual a situações desiguais. Por isso mesmo, o

direito que desde logo se apresenta óbvio deve desde logo receber proteção, invertendo-se o

ônus do tempo do processo. Visualizar o direito e não o reconhecer, valendo-se de técnicas

concretamente adequadas, compromete, enfim, a garantia fundamental à razoável duração do

processo e ao emprego de meios aptos à sua consecução; compromete, com efeito, a própria

tutela judicial.

A Constituição Federal, ao menos a partir da Emenda 45/04, é expressa, extremamente

clara, dispensando esforço hermenêutico, pois reza: “a todos, no âmbito judicial e administra-

tivo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de

sua tramitação”289.

Esse novo regramento constitui sumarização elogiável, a serviço da Constituição, tra-

zendo disposições dão maior largueza ao campo de atuação da ação monitória, quer em relação

à natureza do direito quer relativamente à prova, apesar da restrição (inovação legal) no que diz

288 O CPC/73 regula a ação monitória entre os arts. 1.102a e 1.102c. 289 Veja também Pacto de São José da Costa Rica, art. 8º n. 1; CF, art. 5º, § 2º; Dec. n. 678/92 (esse decreto

finalizou o processo legislativo interno, para que o Pacto integrasse o ordenamento jurídico brasileiro). Esse di-

reito, todavia, era inferido do Preâmbulo da CF brasileira e decorria da garantia especial da inafastabilidade da

apreciação jurisdicional de ameaça ou lesão a direito e, igualmente, do devido processo legal. A propósito, art. 5º,

XXXV e LIV da CF.

Por outro lado, essa garantia especial gera, em contraponto, o dever do Estado (Legislativo, Administração – Exe-

cutivo e Judiciário - e Judiciário na função tipicamente jurisdicional) de prestar o fato utilmente, portanto, nos

moldes da garantia.

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respeito ao polo passivo, eis que agora será necessário que o devedor seja capaz, e da diminui-

ção do estímulo à pronta satisfação da obrigação, na medida em que a isenção será limitada às

custas processuais (não mais compreende a verba honorária).

Cuidando-se de procedimento especial, de início é possível afirmar-se que a “obriga-

toriedade” de audiência de conciliação ou mediação prévia está afastada, justamente porque, se

a petição inicial estiver em termos, o juiz, de imediato, ordenará que a obrigação seja cumprida,

não se cogitando daquela fase prevista para o procedimento comum290.

Ademais, os embargos monitórios continuam com efeito suspensivo automático, mas,

por esse novo tratamento, somente até à sentença, implicando dizer que, rejeitados, a ordem

monitória consectariamente se restabelece, ainda que o embargante venha a apelar.

Por outros termos, a apelação neste caso não terá o efeito suspensivo, embora não cuide

o legislador desse ponto ao prever as hipóteses em que a apelação não suspende automatica-

mente a eficácia da sentença291 (exceção à regra atinente ao efeito suspensivo automático da

apelação) nem mencione nada na previsão específica no sentido de a sentença que acolher ou

rejeitar os embargos estar sujeita ao recurso de apelação292.

Aliás, essa disposição é desnecessária, porquanto de sentença, por determinação em

nível geral, cabe apelação293 e sempre foi tranquilo que a decisão que julga procedentes os

embargos monitórios ou improcedentes trata-se de sentença.

O que o legislador deveria ter feito, para evitar celeuma, não o fez, eis que, conforme

já foi mencionado, deixou de deliberar acerca do efeito da apelação, omissão que, por certo,

gerará dúvida. E a dúvida gera polêmica, que, por seu turno, compromete a proteção judicial.

Daí que ao legislador cumpre velar pela edição de uma boa lei, que dentro do possível seja clara

em si mesma. Dito de outro modo, a baixa qualidade da lei de per si conduz no mínimo a em-

baraço à proteção judicial.

290 CPC de 2015, art. 334. 291 CPC de 2015, art. 1.012, § 1º. 292 CPC de 2015, art. 702, § 9º: “Cabe apelação contra a sentença que acolhe ou rejeita os embargos.” 293 CPC de 2015, art. 1009: “Da sentença cabe apelação.”

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Na prática, assim, considerando que o efeito suspensivo automático dos embargos mo-

nitórios desaparece com a sentença294, uma vez rejeitados os embargos, o credor poderá dar

início imediatamente à fase executiva, por regime de execução provisória, até que a sentença

transite em julgado295; depois, evidentemente, por disciplina de execução definitiva.

Com relação ao campo de atuação, visando a dar maior abrangência à técnica, aten-

dendo funcionalmente à pessoa com uma boa prova da obrigação, mas formalmente desprovida

de executoriedade, estende-se-a a todas as modalidades de obrigação, a saber: de pagamento de

quantia em dinheiro; de entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;

de fazer ou de não fazer296.

Pela disciplina do CPC de 1973 admite-se a ação monitória apenas relativamente a

obrigação de pagamento de soma em dinheiro ou de entrega de coisa fungível ou de determi-

nado bem móvel297.

Por sua parte, a prova escrita sem eficácia executiva pode consistir em prova oral,

produzida em procedimento de produção antecipada de prova298.

Há previsão legal, além disso, de monitória contra a Fazenda Pública, observando-se

as disposições sobre remessa necessária299; de citação por qualquer meio previsto para o proce-

dimento comum300; de ônus, em caso de alegação de excesso, de indicação precisa desde logo

294 “A oposição dos embargos suspende a eficácia da decisão referida no caput do art. 701 até o julgamento em

primeiro grau” (§ 4º do art. 702 do NCPC). 295 CPC de 2015, arts. 513 e seguintes. Sobre o cumprimento provisório de sentença que reconhece a exigibilidade

de obrigação de pagar quantia em dinheiro, veja arts. 520 e seguintes. 296 CPC de 2015, art. 700: “A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita

sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz: I – o pagamento de quantia em dinheiro;

II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel; III – o adimplemento de obrigação de

fazer ou de não fazer.” 297 CPC de 1973, art. 1.102a: “A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem

eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem

móvel.” 298 CPC de 2015, arts. 700, § 1º e 381. Art. 381: “A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:

I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pen-

dência da ação; I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos

fatos na pendência da ação; III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.” 299 CPC de 2015, art. 700, § 6º: “É admissível ação monitória em face da Fazenda Pública.”; art. 701, § 4º: “ Sendo

a ré Fazenda Pública, não apresentados os embargos previstos no art. 701, aplicar-se-á o disposto no art. 496,

observando-se, a seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.”. A respeito, ademais, a partir do

CPC de 1973, veja a súm. 339 do STJ (“É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”). 300 CPC de 2015, art. 700, § 7º: “Na ação monitória admite-se citação por qualquer dos meios permitidos para o

procedimento comum”. Remete-se, ainda, no regime do CPC de 1973, ao entendimento do STJ, permitindo a

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da importância correta, sob pena de rejeição liminar ou não conhecimento da alegação de ex-

cesso301; de constituição parcial do título executivo, em caso de embargos parciais302; de recon-

venção, não sendo admitida reconvenção à reconvenção303; de rescisória contra a decisão que

ordena o cumprimento da obrigação desde logo, caso não sejam opostos embargos nem tenha

sido cumprida a ordem304; de constituição de pleno direito do título executivo judicial, indepen-

dentemente de qualquer formalidade, se não for realizado o pagamento nem forem apresenta-

dos os embargos305; de não isenção de honorários advocatícios em caso de pronto pagamento306;

de possibilidade de pagamento parcelado do débito, conforme ocorre na execução fundada em

título extrajudicial307.

citação por edital (súm. 282) ou com hora certa (REsp 211.146). Em caso de revelia, se a citação for por edital ou

com hora certa, exige-se a nomeação de curador especial ao devedor, nos termos do art. 9º, II (o réu dará curador

especial “ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa”) (CPC de 2015, art. 72: “O juiz

nomeará curador especial ao: I – incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com

os daquele, enquanto durar a incapacidade; II – réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com

hora certa, enquanto não for constituído advogado. Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defen-

soria Pública, nos termos da lei”. 301 CPC de 2015, art. 702, § 2º “Quando o réu alegar que o autor pleiteia quantia superior à devida, cumprir-lhe-á

declarar de imediato o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado da dí-

vida.”; § 3º “Não apontado o valor correto ou não apresentado o demonstrativo, os embargos serão liminarmente

rejeitados, se esse for o seu único fundamento; se houver outro fundamento, os embargos serão processados, mas

o juiz deixará de examinar a alegação de excesso.” 302 CPC de 2015, art. 702, § 7º: “A critério do juiz, os embargos serão autuados em apartado, se parciais, consti-

tuindo-se de pleno direito o título executivo judicial em relação à parcela não embargada”. O STJ, na disciplina

do CPC de 1973, adotou essa orientação (REsp 1.130.369). 303 CPC de 2015, art. 702, § 6º: “Na ação monitória admite-se a reconvenção, sendo vedado o oferecimento de

reconvenção à reconvenção”. 304 CPC de 2015, art. 701, § 3º: “É cabível ação rescisória da decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese

do § 2º.” 305 CPC de 2015, art. 701, § 2º: “Constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de

qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702,

observando-se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.” 306 CPC de 2015, art. 701, § 1º: “O réu será isento do pagamento das custas processuais se cumprir o mandado no

prazo.” O CPC de 1973 nesse particular preceitua (art. 1.102-C, § 1º): “Cumprindo o réu o mandado, ficará isento

de custas e honorários advocatícios.” Ademais, os honorários advocatícios nessa etapa procedimental estão arbi-

trados pela própria lei, não competindo ao juiz tal arbitramento (art. 701, caput). 307 CPC de 2015, art. 701 § 5º: “Aplica-se à ação monitória, no que couber, o art. 916.” Art. 916: “No prazo para

embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execu-

ção, mais custas e honorários de advogado, o executado poderá requerer seja admitido a pagar o restante em até

seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de um por cento ao mês. § 1º O exequente será

intimado para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput. O juiz decidirá o requerimento em

cinco dias. § 2º Enquanto não apreciado o requerimento, o executado terá de depositar as parcelas vincendas,

facultado ao exequente seu levantamento. § 3º Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada e

serão suspensos os atos executivos; caso seja indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito, que

será convertido em penhora. § 4º O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente: I – o

vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executi-

vos; II – a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas. § 5º A opção

pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos. § 6º O disposto neste

artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.”

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Por seu turno, conforme dito acima, a ação monitória passa a ser cabível unicamente

contra devedor capaz, de conformidade com o art. 700 caput, assim redigido: “A ação monitória

pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título

executivo, ter direito de exigir do devedor capaz”.

A reconvenção, à míngua de regramento específico, será oferecida na própria petição

de embargos, consoante se faz no procedimento comum308 ou, se intentada pelo embargado, na

petição de resposta aos embargos, afinal a lei somente proíbe a reconvenção à reconvenção. Ou

seja, o embargado, em face dos termos dos embargos, poderá reconvir, se o embargante não o

tiver feito.

Com a oposição dos embargos monitórios o procedimento se torna comum, com a

particularidade de os embargos, que “podem se fundar em matéria passível de alegação como

defesa no procedimento comum”309, inverterem, nesse passo, a polaridade processual, passando

o autor a figurar, assim, no polo passivo dos embargos e, com isso, podendo reconvir, caso o

embargante, enfim, não tenha oferecido reconvenção. Essa reconvenção do embargado será

apresentada na resposta aos embargos, equivalendo essa resposta, para tal finalidade, à contes-

tação no procedimento comum.

Ante essa particularidade procedimental, a reconvenção em um primeiro estágio po-

derá ser intentada pelo embargante, réu com relação à ação monitória; se ele lha apresentar,

como a lei veda reconvenção sucessiva, o embargado deverá limitar-se a responder os embargos

e a reconvenção, não podendo, com efeito, reconvir também. Se, entretanto, o embargante li-

mitar-se a embargar, o embargado poderá responder os embargos e oferecer reconvenção, hi-

pótese que exige a oportunização de resposta à reconvenção pelo embargante-reconvindo.

Relativamente à previsão de ação rescisória310, implica conferir à decisão que ordena

o cumprimento da obrigação, quando não ocorrer o cumprimento nem forem opostos embargos,

a natureza jurídica de decisão de mérito, com estabilização própria da coisa julgada material311.

308 CPC de 2015, art. 343. 309 CPC de 2015, art. 702, § 1º. 310 CPC de 2015, art. 701, § 3º: “É cabível ação rescisória da decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese

do § 2º”. 311 CPC de 2015, art. 502: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a

decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. Ou seja: “decisão de mérito”. CPC de 1973, art. 467: “Denomina-

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Ademais, em reforço ao dever geral de boa-fé, consta que autor e réu que procederem

de má-fé deverão ser punidos em dez por cento do valor da causa312, que, por sua parte, igual-

mente vem regulado, correspondendo à vantagem patrimonial em proveito da qual o serviço

judiciário será prestado313.

Finalmente, aplica-se a disposição atinente à execução de título extrajudicial, confe-

rindo-se ao devedor o direito de quitar o débito em parcelas314.

2. Operatividade procedimental

Infere-se claramente dessas disposições a intenção de tornar a técnica operativa, con-

ferindo-lhe plena funcionalidade, como deve ocorrer notadamente com qualquer norma proces-

sual ou procedimental, conquanto haja essa restrição atinente ao descabimento em face de de-

vedor incapaz.

No primeiro plano, alarga-se a esfera de incidência no que atina à natureza do direito

material, na medida em que a limitação prevista no CPC de 1973 não faz sentido realmente,

sendo fruto de reforma acanhada realizada há quase vinte anos315. Ou seja, apenas a prova es-

crita de obrigação de pagamento de soma em dinheiro, de entrega de coisa fungível ou de en-

trega de determinado bem móvel pelo regime desse código tem força monitória.

Elogiável o avanço trazido pelo NCPC, ampliando a força monitória à prova escrita de

qualquer obrigação e admitindo expressamente a prova oral pré-constituída, embora a limite à

se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordi-

nário ou extraordinário”.

CPC de 2015, art. 966: “A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:”. Portanto, não

mais se fala em “sentença de mérito”, mas sim em “decisão de mérito”. CPC de 1973, art. 485: “A sentença de

mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:” (assim, o CPC/73 fala em “sentença de mérito”, dife-

rentemente do CPC/15, que fala em “decisão de mérito”). 312 CPC de 2015, art. 702, § 10: “O juiz condenará o autor de ação monitória proposta indevidamente e de má-fé

ao pagamento, em favor do réu, de multa de até dez por cento sobre o valor da causa.”: § 11: “O juiz condenará o

réu que, de má-fé, opuser embargos à ação monitória ao pagamento de multa de até dez por cento sobre o valor

atribuído à causa, em favor do autor.” 313 CPC de 2015, art. 700, § 3º: “O valor de causa deverá corresponder à importância prevista no § 2º, incisos I a

III.”; § 2º: “Na petição inicial, incumbe ao autor explicitar, conforme o caso: I – a importância devida, instruindo-

a com memória de cálculo; II – o valor atual da coisa reclamada; III – o conteúdo patrimonial em discussão ou o

proveito econômico perseguido pelo autor.” 314 CPC de 2015, art. 916; CPC de 1973, art. 745-A. 315 Lei n. 9.097, de 14.7.1995.

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produção antecipada de provas316, deixando de fora a justificação, a ata notarial317 e outras for-

mas de documentação desse meio de prova.

Por certo, o filtro legal em comentário está respaldado no contraditório, conferindo-se

força monitória apenas à prova oral produzida sob seu crivo, chamando-se o interessado à par-

ticipação. Todavia, impende ressaltar que a prova documental, segundo orientação do Superior

Tribunal de Justiça, pode ter sido produzida sem a participação do devedor, conforme será visto

adiante. E a justificação observa o contraditório318.

Visando à máxima operatividade, os embargos suspendem tão somente a parte contro-

vertida e, caso a controvérsia refira-se ao montante da obrigação, cumpre ao devedor precisar

o excesso, declarando de imediato o que entende correto e apresentando demonstrativo discri-

minado e atualizado da obrigação.

De acordo, enfim, com o art. 702, § 7º, quando os embargos forem parciais, constituir-

se-á de pleno direito o título executivo judicial em relação à parcela não embargada, sendo

possível, além disso, a improcedência liminar dos embargos319 e o julgamento antecipado par-

cial do mérito320.

Em fecho, cumprindo-se a exigência de funcionalidade, a suspensão do processo mo-

nitório no que atina à parcela embargada, automaticamente por força dos embargos, vai somente

até à sentença, de tal sorte que a apelação interposta em caso de rejeição total ou parcial dos

embargos não impede a execução da obrigação imediatamente.

316 CPC de 2015, arts. 381 a 383. 317 CPC de 2015, art. 384. 318 CPC de 2015, art. 381, § 5º: “Aplica-se o disposto nesta Seção àquele que pretender justificar a existência de

algum fato ou relação jurídica, para simples documento e sem caráter contencioso, que exporá, em petição cir-

cunstanciada, a sua intenção.” 319 CPC de 2015, art. 332. 320 CPC de 2015, art. 355.

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3. Prova escrita sem eficácia de título executivo

Esse requisito objetivo não sofreu modificação, estando nesses exatos termos em am-

bos os artigos321. Por isso, com o advento do NCPC tende-se a considerar as orientações firma-

das até hoje sobre os variados temas. Por hipótese, aquela que vê na ação monitória uma mera

faculdade do credor, que, assim, poderá optar pelo procedimento comum; e aquela que, justa-

mente por esse fundamento, mas no concernente à execução, admite que o credor, com título

executivo, prefira a ação monitória ou a de procedimento comum à ação de execução.

Nessa toada, veja-se o Jurisprudência em teses do Superior Tribunal de Justiça, con-

tendo vários enunciados322: “Considera-se como prova escrita apta à instrução da ação monitó-

ria todo e qualquer documento que sinalize o direito à cobrança e que seja hábil a convencer o

juiz da pertinência da dívida, independentemente de modelo predefinido”; “A prova escrita há-

bil a instruir a ação monitória não precisa ter sido emitida pelo devedor ou nela constar sua

assinatura”; “A duplicata ou a triplicata sem aceite são documentos idôneos para instruir a ação

monitória”; “A nota fiscal, acompanhada da prova do recebimento da mercadoria ou da presta-

ção do serviço, pode instruir a ação monitória”; “Não há impedimento legal para que o credor,

possuidor de título executivo extrajudicial, utilize o processo de conhecimento ou a ação moni-

tória para a cobrança”; “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito” (súm.

299); “Em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dis-

pensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula”; “É cabível a cobrança

de despesas de condomínio por ação monitória, ainda que seja possível o ajuizamento de ação

pelo rito sumário”; “Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda ex-

trajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia” (súm. 384); “O contrato de abertura

de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento

hábil para o ajuizamento de ação monitória” (súm. 247).

Outras hipóteses, como operação de cartão de crédito, contrato de prestação de servi-

ços com início de prova da execução dos serviços, contrato de ensino igualmente com início de

prova da relação jurídica, têm sido admitidas em âmbito de ação monitória.

321 CPC de 1973, art. 1.102ª; CPC de 2015, art. 700. 322 Conforme site do STJ, Jurisprudência, Jurisprudência em teses, “Ação monitória I” e “Ação monitória II”.

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No que atina ao crédito condominial, devidamente formalizado, vale a nota, o NCPC

atribui-lhe executoriedade, conforme art. 784, inc. X, nestes termos: “o crédito referente às

contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva con-

venção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas”.

4. Mandado de pagamento e citação

Na finalidade de obviar qualquer dúvida com relação ao chamamento do réu ao pro-

cesso monitório, o art. 700, § 7º, prescreve que “Na ação monitória admite-se citação por qual-

quer dos meios permitidos para o procedimento comum”.

Realmente, mandado de pagamento não tem a ver necessariamente com oficial de jus-

tiça, mas sim com ordem judicial, podendo ser transmitido ao réu por qualquer meio admitido,

como pelo correio, incluindo o eletrônico, e por edital, se for necessário. O essencial é que haja

segurança nessa transmissão.

Aliás, relativamente à citação por edital, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula

282, com o seguinte teor: “Cabe a citação por edital em ação monitória”. Ademais, tem-se po-

sicionado no sentido de ser possível a citação com hora certa.

Por sua parte, sempre que ocorrer hipótese do art. 9º do CPC de 1973 existe a obriga-

toriedade de nomeação de curador especial, que poderá opor embargos.

No regime do CPC de 2015, a figura do curador especial está prevista no art. 72323,

trazendo uma modificação essencial no que respeita ao réu preso, pois a exigência de nomeação

de curador especial a ele se dará somente se ele for revel, ao contrário do disposto no art. 9º do

CPC de 1973, que exige a nomeação ao réu preso, quer seja revel quer não.

323 Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao: I – incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses

deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade; II – réu preso revel, bem como ao réu revel citado

por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado. Parágrafo único. A curatela especial será

exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.

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Vale a nota, ainda, no sentido de que não será possível ação monitória contra devedor

incapaz, de tal modo a não se cogitar de dação de curador especial a réu incapaz, segundo dispõe

o art. 72, inc. I. A ação, todavia, pode ser intentada por incapaz, razão por que pode ocorrer de

o juiz ter de dar ao autor curador especial, se não tiver representante ou se o seu interesse colidir

com o do representante, enquanto durar a incapacidade.

5. Devedor capaz

Consoante redação clara do art. 700 do CPC de 2015, “A ação monitória pode ser

proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo,

ter direito de exigir do devedor capaz”.

Daí inferir-se que aquele que portar prova escrita sem eficácia de título executivo –

prova com força monitória – em que o devedor seja incapaz, não poderá manejar a técnica

monitória. Essa incapacidade pode ser absoluta ou relativa, eis que o preceito faz referência

apenas a devedor capaz.

Curioso que para a execução fundada em título extrajudicial não existe essa limitação

quanto à capacidade do devedor, limitando-se o legislador à figura do devedor. Por isso, con-

quanto a execução forçada seja qualitativamente mais gravosa ao devedor do que a ação moni-

tória, o credor pode intentá-la contra qualquer devedor, seja capaz ou incapaz.

A propósito, prescreve o art. 779, inc. I do CPC de 2015 que a execução pode ser

promovida contra “o devedor, reconhecido como tal no título executivo”.

Essa redução de abrangência da ação monitória poderá acarretar sérios transtornos pro-

cedimentais, principalmente porque o credor pode desconhecer a incapacidade do devedor,

como geralmente se dá na interdição, vindo a ser alegada e provada no processo.

No regime do CPC de 1973 essa situação é solucionável em âmbito de pressuposto

processual, admitindo-se a defesa do interdito, mediante a representação por curador e a inter-

venção do Ministério Público, prosseguindo-se, desse modo, com os atos procedimentais.

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Já, pelo CPC de 2015, competirá ao juiz a extinção do processo por inadequação do

meio escolhido (falta de interesse processual) ou, em face da exigência constitucional de pro-

cesso em tempo razoável e, para isso, de adoção de meios que garantam a celeridade, valendo-

se da técnica de flexibilização ou adaptabilidade, autorizar a conversão (transformação da ação

monitória em ação de cobrança pelo procedimento comum, em lugar de extinguir o processo

monitório), podendo gerar recurso. Polêmica, enfim, que por certo se instalará na prática.

De todo modo, essa segunda solução nos parece estar em perfeita sintonia com o

NCPC, que aderiu aos postulados da primazia do julgamento do mérito e do máximo aprovei-

tamento processual, competindo ao juiz, dentre outros, oportunizar a remoção do defeito, para

viabilizar o julgamento do mérito.

Daí que o art. 317 preceitua: “Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o

juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício”

Além disso, rezam os arts. 4º e 6º: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável

a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”; “Todos os sujeitos do processo

devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e

efetiva”.

Finalmente, no que diz respeito ao dever de cooperação atinente ao juiz, tem sido dito,

persistentemente, que compreende: o dever de prevenção; o dever de esclarecimento; o dever

de assistência; o dever de consulta.

6. Competência

O CPC de 2015, assim como se dá com o CPC de 1973, não cuida de compe-

tência em âmbito de ação monitória. Consectariamente incidem as disposições gerais a

tal respeito, devendo a ação ser proposta no foro do devedor, mas pode igualmente co-

gitar de foro de eleição ou de praça de pagamento.

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Haja vista, a propósito, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

“A ação monitória deve ser processada e julgada no foro do domicílio do devedor (art.

94, caput, do CPC)”324; “É competente para julgar ação monitória, lastreada em cheques

prescritos, o foro do lugar do pagamento das cambiais, ainda que tenham perdido a força

executiva, em face da regra do art. 100, IV, d, do CPC”325.

Se a prova escrita consistir em contrato e houver eleição de foro, esse foro pre-

valece em tese; se não houver eleição de foro, pode configurar a competência do lugar

onde a obrigação deva ser satisfeita, consoante art. 100, inc. IV, letra “d”, do CPC de

1973326.

Em resumo, aplicam-se as disposições gerais sobre competência em nível de

ação monitória. Com isso, a ação em princípio será ajuizada no foro do devedor; ha-

vendo foro de eleição, neste foro; ou, ainda, no foro onde a obrigação deva ser satisfeita;

ou, quando a relação for de consumo, no foro do consumidor.

7. Honorários advocatícios

Diferentemente do que se dá no CPC de 1973, o cumprimento da ordem judicial pelo

devedor no regime do CPC de 2015 não o isenta da verba honorária, que, por sua vez, é fixada

pela lei. Isto é, o art. 701, caput, estabelece que o prazo para o cumprimento da obrigação é de

quinze dias e que haverá o devedor de quitar os honorários advocatícios de cinco por cento

sobre o valor da causa.

Se, preceitua o § 1º, o devedor cumprir o mandado no prazo, será isento do pagamento

das custas processuais. Ou seja, a isenção diz respeito somente às custas processuais, não com-

preendendo os honorários advocatícios fixados pelo próprio caput em de cinco por cento do

valor atribuído à causa.

324 REsp 287.724 (o art. 94 mencionado nesse julgado refere-se ao art. 46 do CPC de 2015). 325 RT 782/286. 326 CPC de 2015, art. 53, III, d.

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Nesse aspecto, o incentivo ao cumprimento da ordem judicial enfraquece, na medida

em que a isenção, enfim, concerne unicamente às custas processuais.

Se, por seu turno, os embargos forem rejeitados, haverá condenação nos encargos de

sucumbência, com a fixação de honorários advocatícios em substituição aos tais cinco por cento

que a lei arbitra para a hipótese de cumprimento da ordem inicial de satisfação da obrigação.

Se, por outro lado, os embargos forem acolhidos, essa fixação legal logicamente cai

por terra, devendo o embargado ser condenado equidosamente ao pagamento de iguais encar-

gos.

Na hipótese de embargos parciais, a condenação levará em consideração a parcela que

os compõe e na hipótese de acolhimento parcial dos embargos, incide o regramento acerca da

sucumbência parcial327.

8. Constituição de pleno direito do título executivo judicial se não for cumprida a or-

dem judicial nem forem opostos embargos, no prazo de quinze dias, independentemente

de qualquer formalidade

O art. 1.102c do CPC de 1973 limita-se a dizer que se não forem opostos embargos,

“constituir-se-á de pleno direito, o título executivo judicial”. Embora pareça que essa constitui-

ção se opere automaticamente, quando muito se cogitando de decisão meramente declaratória,

o tema foi polemizado, falando-se em decisão específica, que, para uns, trata-se de sentença, e,

para outros, de decisão interlocutória.

Seja como for, pelo texto do art. 701, § 2º, a constituição se operará independentemente

de qualquer formalidade. Veja o seu teor: “Constituir-se-á de pleno direito o título executivo

judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apre-

sentados os embargos previstos no art. 702, observando-se, no que couber, o Título II do Livro

I da Parte Especial”.

327 CPC de 2015, art. 86; CPC de 1973, art. 21.

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Fulmina-se, desse modo, qualquer dúvida nesse particular, bastando na prática a do-

cumentação do não pagamento ou do não oferecimento de embargos, para viabilizar o início da

execução pelo credor. E essa documentação será realizada por mero termo de certidão do car-

tório. Assim, igualmente nesse ponto, desembaraçou-se o procedimento, tornando-o franca-

mente operativo.

Concernentemente à execução, deverão ser observadas as disposições dos arts. 513 a

527 do CPC de 2015328 ou as disposições concernentes à Fazenda, quando for o caso de ação

monitória contra a Fazenda Pública.

9. Embargos monitórios

Continua a não ser necessária a segurança do juízo e o prazo continua a ser o de quinze

dias329. Esse prazo, conforme orientação pacífica pelo regime do CPC de 1973, deve ser contado

de conformidade com o art. 241330.

Por sua parte, “os embargos podem se fundar em matéria passível de alegação como

defesa no procedimento comum”331. Para o CPC de 1973332, “os embargos independem de pré-

via segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário”.

Todavia, apesar de esse preceito referir unicamente procedimento ordinário, admite-

se discussão ampla, com apresentação de qualquer matéria digna de defesa em procedimento

comum. A diferença é que o Novo CPC traz expressa essa possibilidade.

328 CPC de 1973, arts. 475-I e seguintes. 329 CPC de 2015, art. 702: “Independentemente de prévia segurança do juízo, no prazo previsto no art. 699, poderá

o réu opor, nos próprios autos, embargos à ação monitória”; art. 699: “Sendo evidente o direito do autor, o juiz

deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de

não fazer, concedendo ao réu prazo de quinze dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios

de cinco por cento do valor atribuído à causa”. 330 CPC de 2015, art. 231. 331 CPC de 2015, art. 702, § 1º. 332 Art. 1.102c, § 2º.

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Ademais, a sumarização diz respeito à fase inicial. Com a oposição dos embargos, a

cognição passa de limitada e sumária a plena e exauriente333, podendo, além disso, produzir-se

prova amplamente.

Por outro lado, “a oposição dos embargos suspende o curso do processo até o julga-

mento em primeiro grau”334. Para o CPC de 1973 a oposição dos embargos suspende “a eficácia

do mandado inicial”335. Como se trata de inversão da iniciativa do contraditório, incumbe ao

embargante infirmar, com suas razões e pela prova produzida ou que haveria de ser produ-

zida336, a afirmação do credor com base na prova escrita de obrigação, enfim, de pagar impor-

tância em dinheiro, de entregar coisa ou de fazer ou não fazer. Se não obtiver êxito, os embargos

serão rejeitados, restaurando-se incontinentemente a eficácia da ordem inicial.

No entanto, pelo regime do CPC de 1973 prevalece a orientação de a apelação ter

efeito suspensivo automático, porque se sujeita à disciplina geral, à míngua de constar do rol

de exceções337. Com essa redação do NCPC, considerando que o procedimento é especial e

claramente visa à funcionalidade procedimental, conquanto continue a não constar do rol de

exceções338, em caso de sentença de improcedência dos embargos, liminar ou final, a apelação

não terá o efeito suspensivo automático.

Isto porque, enfim, a suspensão do processo, precisamente da ordem de cumprimento

da obrigação, vai somente até à sentença, perfeitamente condizente com o propósito da ação

monitória.

333 Veja a respeito de cognição judicial: WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. São Paulo: Saraiva,

4ª ed., 2012. 334 CPC de 2015, art. 702, § 4º. 335 CPC de 1973, art. 1.102-C: “No prazo previsto no art. 1.102-B, poderá o réu oferecer embargos, que suspen-

derão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título

executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma do Livro

I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei”. 336 Se a prova escrita apresentada pelo credor consiste, por hipótese, em duplicata sem aceite de compra e venda

mercantil, e o devedor, pelos embargos monitórios, nega que tenha realizado a compra ou que tenha recebido a

mercadoria, necessariamente a prova da higidez da operação é daquele que emitiu a duplicata; e a higidez da

operação depende, segundo a Lei n. 5.474/68, da produção da prova pelo emitente da duplicata da existência do

contrato e da efetiva entrega da mercadoria ao sacado. Por isso, no que atina ao ônus da prova, sempre vai depender

da natureza do direito, sem prejuízo da incidência da teoria da distribuição dinâmica desse ônus ou da sua inversão

pelo juiz. 337 CPC de 1973, art. 520, segunda parte. 338 CPC de 2015, art. 1.012, § 1º.

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Ademais, a decisão que liminarmente não admite o processamento dos embargos, por

hipótese, por intempestividade, implica sua rejeição liminar e, pois, a constituição de pleno

direito do título executivo judicial, tendo a natureza de sentença. Por isso, desafia o recurso de

apelação, que, justamente pela razão acima declarada, não terá efeito suspensivo automático.

Seja como for, cabia ao legislador, por princípio de eficiência, maior clareza, explici-

tando que a apelação da sentença de rejeição liminar ou de improcedência dos embargos moni-

tórios não se processa automaticamente com o efeito suspensivo, fulminando, com isso, possí-

vel polêmica sobre esse ponto e contribuindo, consectariamente, para que o processo monitório

cumpra efetivamente seus objetivos.

Impende ressaltar, todavia, que no regime do CPC de 1973 o entendimento predomi-

nante confere o duplo efeito à apelação nesses casos, conquanto haja voz no sentido de a ação

monitória perder a razão de ser com o processamento da apelação em ambos os efeitos339.

Realmente, o entendimento prevalente tirou todo o sentido lógico dessa ferramenta

procedimental, tornando-a quase em desuso ou bem pouco utilizada.

Os embargos, sob a perspectiva da decisão por vir, podem ser: rejeitados liminarmente,

por qualquer defeito que impeça a admissibilidade (por ex.: intempestividade, inépcia da peti-

ção, falta de capacidade postulatória; ilegitimidade ativa); julgados liminarmente pelo mérito

(improcedência liminar do pedido (art. 332 do NCPC)); julgados liminarmente pelo mérito,

porém só em parte (improcedência parcial liminar do pedido (arts. 332 e 356 do NCPC)); jul-

gados antecipadamente, procedentes, procedentes em parte ou improcedentes (julgamento an-

tecipado do mérito (art. 355 do NCPC)); julgados antecipadamente, porém só em parte (julga-

mento antecipado parcial do mérito (art. 356 do NCPC)); julgados procedentes, procedentes em

parte ou improcedentes, depois de instrução (produção de prova documental, pericial e oral, eis

que, enfim, admite-se ampla produção de prova).

339 RT 756/256 e 757/208.

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10. Resposta aos embargos

Diferentemente ao que se dá com a redação do CPC de 1973340, o NCPC menciona o

prazo para o embargado oferecer a resposta, nestes termos: “O autor será intimado para respon-

der os embargos no prazo de quinze dias”341, devendo essa intimação ser realizada na pessoa

do advogado do autor-embargado.

Pelo regime do CPC de 1973 entende-se que a não apresentação de resposta não im-

plica o efeito da revelia, porque o embargado é amparado pela presunção decorrente da afirma-

ção com base na prova escrita oferecida. Como o novo texto não traz alteração nesse particular,

esse entendimento tenderá a ser mantido.

De todo modo, se a prova couber ao embargado, quer tenha ofertado resposta quer não,

cumprir-lhe-á o desempenho do ônus, porque, se não se desincumbir dele, poderá sucumbir, se

o juiz tiver que julgar a partir do ônus da prova.

11. Reconvenção

De acordo com o que já consta da apresentação (considerações gerais), a recon-

venção, à míngua de regramento específico, será oferecida na própria petição de embar-

gos, consoante se faz no procedimento comum342 ou, se intentada pelo embargado, na

petição de resposta aos embargos, afinal a lei somente proíbe a reconvenção à reconven-

ção. Ou seja, o embargado, em face dos termos dos embargos, poderá reconvir, se o

embargante não o tiver feito.

Com a oposição dos embargos monitórios o procedimento será o comum, com

a particularidade de os embargos, que “podem se fundar em matéria passível de alegação

340 CPC de 1973, art. 1.102c. Por isonomia, predominou o entendimento de o prazo ser de quinze dias, igual ao

que o embargante tem para opor os embargos. 341 CPC de 2015, art. 702, § 5º. 342 CPC de 2015, art. 343.

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como defesa no procedimento comum”343, inverterem, nesse passo, a polaridade proces-

sual, passando o autor a figurar, assim, no polo passivo dos embargos e, com isso, po-

dendo reconvir, caso o embargante, enfim, não tenha oferecido reconvenção. Essa re-

convenção do embargado será apresentada na resposta aos embargos, equivalendo essa

resposta, para tal fim, à contestação no procedimento comum.

Ante essa particularidade procedimental, a reconvenção em um primeiro estágio

poderá ser intentada pelo embargante, réu com relação à ação monitória; se ele lha apre-

sentar, como a lei veda reconvenção sucessiva, o embargado deverá limitar-se a respon-

der os embargos e a reconvenção, não podendo, com efeito, reconvir também. Se, en-

tretanto, o embargante limitar-se a embargar, o embargado poderá responder os embar-

gos e oferecer reconvenção, hipótese que exige a oportunização de resposta à reconven-

ção pelo embargante-reconvindo.

Parece que a proibição de reconvenção à reconvenção não se reduz, para o cre-

dor, à causa de pedir fundada no capítulo específico da reconvenção intentada pelo de-

vedor, mas antes, estende-se ao capítulo propriamente dos embargos (da defesa), por-

quanto a ideia é limitar a reconvenção a somente uma, para, por arbitramento legislativo,

impedir, enfim, um sem-fim de reconvenções, inviabilizando o procedimento.

O art. 343 do CPC de 2015, que versa sobre a reconvenção, igualmente é alta-

mente inovador, seja com relação à forma seja com relação aos sujeitos parciais.

Prescreve, pois, o art. 343 do NCPC: “Na contestação, é lícito ao réu propor

reconvenção para manifestar pretensão própria344, conexa com a ação principal ou com

o fundamento da defesa”.

343 CPC de 2015, art. 702, § 1º. 344 CPC de 2015, art. 18: “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo

ordenamento jurídico. Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como as-

sistente litisconsorcial.”; CPC de 1973, art. 6º: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo

quando autorizado por lei.”

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A diferença aí é só de forma, porquanto o art. 299 do CPC de 1973 que “a con-

testação e a reconvenção serão oferecidas simultaneamente, em peças autônomas”, ao

passo que o art. 315 estabelece que “o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo,

toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da

defesa”.

Por outro lado, proposta a reconvenção, evidentemente haverá de ser oportuni-

zada a resposta, em obediência ao contraditório, prevendo ambos os códigos que a inti-

mação se faz na pessoa do advogado do reconvindo e que o prazo será o de quinze dias.

Vale a nota no sentido de o CPC de 1973 falar em intimação do reconvindo para

contestar345 e o CPC de 2015 falar acertadamente em intimação do reconvindo para res-

ponder346.

Se o reconvindo não apresentar contestação, dá-se a revelia, com a presunção

de veracidade dos fatos afirmados pelo reconvinte. Essa presunção, no entanto, vale

sempre lembrar, refere-se unicamente à matéria fática e, além disso, não é absoluta, é

relativa, competindo ao juiz levar em conta todo o contexto processual.

Se, por exemplo, em que pese à falta de contestação à reconvenção apresentada

pelo devedor, o credor oferece resposta aos embargos, detidamente, e essa resposta no

contexto infirma por si a matéria fática que justifica a reconvenção, o juiz a considerará,

para desacolher, enfim, a reconvenção.

Por sua parte, prevê o art. 343, § 2º: “A desistência da ação ou a ocorrência de

causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do pro-

cesso quanto à reconvenção”, essencialmente reproduzindo a disposição do 317 do CPC

345 Art. 316: “Oferecida a reconvenção, o autor reconvindo será intimado, na pessoa do seu procurador, para con-

testá-la no prazo de 15 (quinze) dias.” 346 Art. 343, § 1º: “Proposta a reconvenção, o autor será intimado, na pessoa de seu advogado, para apresentar

resposta no prazo de quinze dias.”

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de 1973, a saber: “A desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga,

não obsta ao prosseguimento da reconvenção”.

Além disso, preceituam os §§ 3º a 6º do art. 343 do Novo CPC: “A reconvenção

pode ser proposta contra o autor e terceiro”; “A reconvenção pode ser proposta pelo réu

em litisconsórcio com terceiro”; “Se o autor for substituto processual, o reconvinte de-

verá afirmar ser titular de direito em face do substituído e a reconvenção deverá ser

proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual”; “O réu pode

propor reconvenção independentemente de oferecer contestação”.

Os embargos não serão anotados no distribuidor, porque são considerados meio

de defesa, apenas com a inversão da iniciativa do contraditório. Por isso, também não

se cogita de custas iniciais. A reconvenção, entretanto, por constituir nova ação, do re-

convinte contra o reconvindo, deverá ser anotada. A propósito, aliás, o art. 286, pará-

grafo único, do NCPC347. No que atina a custas iniciais, a depender de lei específica, a

reconvenção estará sujeita, como ocorre no Estado de São Paulo348.

Por fim, consta do art. 318 do CPC de 1973: “Julgar-se-ão na mesma sentença

a ação e a reconvenção”. Esse dispositivo não foi reproduzido pelo CPC de 2015 porque

será expressamente admitida a cisão do julgamento de mérito, a depender da decompo-

sição logicamente possível. De todo modo, preferencialmente deve-se julgar na mesma

sentença os embargos monitórios e a reconvenção.

12. Ação rescisória e outros meios de impugnação

Quando houver a constituição de pleno direito do título executivo judicial, indepen-

dentemente de qualquer formalidade, por não ter sido cumprida a obrigação nem opostos em-

bargos, a decisão que desde logo ordenou o cumprimento se torna automaticamente definitiva,

347 CPC de 1973, art. 253, parágrafo único. 348 Lei Estadual n. 11.608, de 29.12.2003, art. 4º, I.

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com estabilidade imanente à coisa julgada material349, por preceito expresso se sujeitando à

ação rescisória350.

Essa decisão que ordena o cumprimento de pronto da obrigação, nesse caso de convo-

lação instantânea em definitiva, pode ser desconstituída, ademais, por impugnação351 ou por

ação declaratória352.

A sentença que acolhe ou rejeita os embargos, por sua vez, pode ser impugnada: por

apelação; por impugnação ao seu cumprimento; por ação rescisória; por ação declaratória. Tudo

a depender do estágio procedimental e da causa de pedir.

Conforme foi exposto anteriormente, na hipótese de improcedência dos embargos, a

eficácia da ordem inicial será restaurada incontinentemente, porque a suspensão automática do

processo monitório, por força dos embargos, vige tão apenas até à sentença.

Se a rejeição dos embargos for liminarmente, a suspensão sequer se inaugura ou, en-

tendendo-se que a mera apresentação dos embargos a produz incontinentemente, sem que se

fale em pronunciamento do juiz, o curso será automaticamente retomado com a publicação da

sentença de rejeição liminar.

A decisão que indefere a petição inicial da ação monitória cuida-se de sentença, dando-

se, em fecho, a extinção do processo, sujeitando-se, assim, à apelação; a decisão que rejeita

liminarmente os embargos monitórios, constituindo-se, consectariamente, de pleno direito o

título executivo judicial, é sentença, também desafiando, pois, o recurso de apelação; a decisão

que julga liminarmente improcedentes os embargos monitórios (o pedido aí apresentado), igual-

mente é sentença, cabendo, assim, apelação; a decisão que julga os embargos, seja em técnica

de julgamento antecipado do mérito ou depois de instrução, é sentença, dela podendo apelar-

se.

349 CPC de 2015, art. 499: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a

decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. 350 CPC de 2015, art. 701, § 3º: “É cabível ação rescisória da decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese

do § 2º”; CPC de 2015, arts. 966 a 975. 351 CPC de 2015, art. 525; CPC de 1973, art. 475-L. 352 CPC de 2015, art. 19; CPC de 1973, art. 4º.

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Todavia, em caso de improcedência parcial liminar dos embargos (arts. 332 e 356 do

NCPC) ou julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356 do NCPC), embora a decisão seja

de mérito, subordina-se ao recurso de agravo de instrumento, por opção legislativa, conforme

consta do art. 356, § 5º do NCPC, enfim, não importando o quanto caracteriza (decisão interlo-

cutória de mérito; sentença interlocutória; sentença parcial; sentença). Isto é, por opção legisla-

tiva a configuração será indiferente para esse fim.

Por sua parte, a decisão que inadmite reconvenção pela disciplina do CPC de 1973 é

agravável, mas pela disciplina do NCPC será irrecorrível, eis que essa hipótese não consta do

rol do art. 1.015 nem existe previsão expressa entre as disposições sobre reconvenção.

13. Litigância de má-fé

O art. 702 §§ 10 e 11 dispõe: “O juiz condenará o autor de ação monitória proposta

indevidamente e de má-fé ao pagamento, em favor do réu, de multa de até dez por cento sobre

o valor da causa”; “O juiz condenará o réu que, de má-fé, opuser embargos à ação monitória ao

pagamento de multa de até dez por cento sobre o valor atribuído à causa, em favor do autor”.

A não ser pelo argumento de essa previsão ter a finalidade de pôr em destaque a im-

portância da ação monitória, constando-se especificamente que o dolo processual de parte do

credor ou do devedor aviará condenação nos moldes aí indicados, não faz sentido tal disposição,

diante da previsão geral de condenação em multa e ao pagamento de indenização daquele que

litigar de má-fé.

Isto mesmo, o art. 79 do NCPC diz: “Responde por perdas e danos aquele que litigar

de má-fé como autor, réu ou interveniente”, reproduzindo a regra do art. 16 do CPC de 1973.

Já o art. 80 do novo código, na linha do art. 17 do velho, prescreve: “Considera-se

litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou

fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir obje-

tivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de

modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifesta-

mente infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.

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Enquanto do art. 81, com inovações em relação ao art. 18 do CPC de 1973353, consta:

“De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá

ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e a indenizar

a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu, além de honorários advocatícios e de todas as

despesas que efetuou. § 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará

cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se

coligaram para lesar a parte contrária. § 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável,

a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo. § 3º O valor da indeni-

zação será fixado pelo juiz, ou, caso não seja possível mensurá-la, liquidado por arbitramento

ou pelo procedimento comum, nos próprios autos”.

Impende ressaltar que essa condenação de que trata o art. 702, §§ 10 e 11 do NCPC

não dispensa a figura dolosa, antes, claramente faz referência à má-fé, seja quando se volta ao

devedor ou quando visa ao credor.

A diferença está na porcentagem da multa, na medida em que aí vem prevista multa

de dez por cento sobre o valor da causa, estipulando-se, pois, porcentual fixo, ao passo que no

regime geral fala-se em multa que “deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por

cento” (veja que detalhe totalmente desnecessário: não poderá ser um por cento, porque deve

ser superior a esse percentual; não poderá ser dez por cento, porque deve ser inferior a esse

valor).

Por sua vez, em sintonia com a finalidade visada354 e sistematicamente, a imposição

da multa de dez por cento, pelo art. 702, §§ 10 e 11, não afasta a indenização de que trata o art.

81 nem, se o valor da causa for irrisório ou inestimável, há impedimento a que o juiz, em lugar

de aplicar os dez por cento, arbitre a multa em até dez salários mínimos, nos termos do § 2º do

art. 81, acima transcrito, a saber, em reprodução: “Quando o valor da causa for irrisório ou

inestimável, a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo”.

353 CPC de 1973, art. 18: “O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar

multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta

sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. § 1º Quando forem dois ou mais os

litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente

aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz,

em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.” 354 Elemento teleológico de interpretação.

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14. Benefício do pagamento parcelado do débito

Diz o § 5º do art. 701: “Aplica-se à ação monitória, no que couber, o art. 916”.

No que couber porque, tratando esse art. 916 de pagamento parcelado do débito, res-

tringe-se à obrigação de pagar quantia em dinheiro.

Ademais, esse dispositivo está redigido nos seguintes moldes: “No prazo para

embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por

cento do valor em execução, mais custas e honorários de advogado, o executado poderá

requerer seja admitido a pagar o restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de

correção monetária e juros de um por cento ao mês. § 1º O exequente será intimado para

manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput. O juiz decidirá o re-

querimento em cinco dias. § 2º Enquanto não apreciado o requerimento, o executado

terá de depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento. § 3º

Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada e serão suspensos os

atos executivos; caso seja indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depó-

sito, que será convertido em penhora. § 4º O não pagamento de qualquer das prestações

acarretará cumulativamente: I – o vencimento das prestações subsequentes e o prosse-

guimento do processo, com o imediato início dos atos executivos; II – a imposição ao

executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas. § 5º A

opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor

embargos. § 6º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença”.

Portanto, o devedor, citado, pode: quitar o débito integralmente, com a isenção

relativamente às custas processuais (não a honorários advocatícios, conforme já foi

visto); valer-se desse art. 916, que lhe confere o direito ao pagamento parcelado do dé-

bito, justamente segundo consta acima, caso em que não poderá opor embargos, sujei-

tando-se, por sua vez, às consequências do descumprimento das condições do benefício;

opor embargos.

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Se o devedor não quitar o débito integralmente, ainda que se valha do referido

benefício, ou se sair vencido nos embargos, com a constituição de pleno direito do título

executivo judicial355, na etapa de execução do título judicial que se constituiu não po-

derá, enfim, tirar proveito desse benefício, na medida em que não se lho aplica na exe-

cução de título judicial, de conformidade com o § 6º acima transcrito.

O título executivo judicial, em relação à obrigação de pagar quantia em di-

nheiro, será constituído de pleno direito, desse modo, nas seguintes hipóteses: se não

houver o pagamento total do débito, apenas com a isenção das custas processuais, nem

oposição de embargos, no prazo de quinze dias, contados nos termos do art. 231356; in-

vocando-se o benefício do pagamento parcelado, de acordo com o art. 916, se não forem

cumpridas as condições aí impostas; se os embargos forem rejeitados.

Ademais, no caso de embargos parciais, quanto à parcela não embargada cons-

titui desde logo de pleno direito o título executivo judicial e, se os embargos forem aco-

lhidos parcialmente, evidentemente no que toca à parte desacolhida implica igual con-

sequência jurídica.

15. Tutela provisória

Não existe minimamente incompatibilidade lógica entre tutela provisória e procedi-

mento monitório, quer em âmbito inicial de sumarização, favorável ao credor, ou em âmbito de

embargos monitórios, favoravelmente ao devedor-embargante, ou, ainda, no que concerne à

reconvenção, a serviço do reconvinte.

355 CPC de 2015, art. 702, § 8º: “Rejeitados os embargos, constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial,

prosseguindo-se o processo em observância ao disposto no Título II do Livro I da Parte Especial, no que for

cabível”. 356 CPC de 2015.

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Se o devedor, por hipótese, na petição de embargos, alegar e provar, por documento

inequívoco, a quitação da dívida, e contra ele existir protesto cambial, diante da evidência po-

derá requerer, em nível de tutela antecipada, que o efeito desse protesto seja imediatamente

sustado.

De antemão, pois, não se cogita de incompatibilidade, dependendo o exame da neces-

sidade reclamada pelo direito material, da adequação concreta da técnica procedimental e da

utilidade, enfim, ao caso concreto, caso a caso.

Veja outra hipótese: se o credor não consegue realizar a citação do devedor e a intima-

ção para o cumprimento da ordem inicial de pagamento emitida pelo juiz, comprovadamente

devido à ocultação, sem prejuízo da citação com hora certa, poderá requerer, com fundamento

no manifesto propósito protelatório do réu, a constrição antecipada de bens, indicando desde

logo a constrição eletrônica em ativos bancários. A esse respeito remete-se ao tema “tutela da

evidência”, com incursão precisa sobre a possibilidade de concessão dessa espécie de tutela em

caso de manifesto propósito protelatório do réu caracterizado depois da distribuição da inicial.

16. Considerações finais

A ampliação da força monitória também às demais modalidades de obrigação associ-

ada à limitação da suspensão da eficácia da ordem inicial de cumprimento somente até ao jul-

gamento dos embargos em primeiro grau conferem maior funcionalidade à ação monitória, que,

ademais, será servida pelas técnicas francamente operativas de cisão na constituição de pleno

direito do título executivo judicial, de improcedência liminar dos embargos, de julgamento an-

tecipado parcial dos embargos ou de julgamento antecipado dos embargos.

Por outro lado, as previsões expressas antes destacadas por certo darão maior segu-

rança ao procedimento, eliminando dúvidas e discussões que lhe travam e produzem, conse-

quentemente, desestímulo ao uso (em que pese àquelas falhas legislativas apontadas no texto).

Não se olvida, de todo modo, que a disfunção constatada nessas duas décadas de exis-

tência entre nós da ação monitória gerou resistência com relação ao seu uso. Notadamente o

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efeito suspensivo automático atribuído à apelação da sentença que rejeita os embargos, limi-

narmente ou ao final, compromete definitivamente a operatividade do procedimento, fulmi-

nando irremediavelmente seus objetivos e, assim, tornando-o pouco atraente.

Além disso, as técnicas de agilização e proteção rápida do direito lesado ou ameaçado

concernentemente ao procedimento comum, que serve à tutela de qualquer modalidade de obri-

gação, passaram, por seu turno, a ser atraentes, sobretudo porque o capítulo da sentença que

confirma a antecipação da tutela, cautelar ou satisfativa, ou que libera desde logo sua eficácia

(antecipação de tutela na própria sentença), não está subordinado à apelação com efeito suspen-

sivo automático. E o agravo de instrumento, para o caso de sua adequação concreta, não tem

esse efeito suspensivo automático.

Por isso mesmo, é possível que a ação monitória continue meio esquecida, sob a pers-

pectiva prática, talvez reduzida e, ainda assim, em pequena parcela, à obrigação de pagar quan-

tia em dinheiro, eis que o advogado cujo cliente tenha um documento sem executoriedade, mas

com força monitória, acerca de obrigação de entregar um imóvel, por certo preferirá valer-se

do procedimento comum e suas técnicas, principalmente porque no procedimento comum se

admite a cumulação objetiva (por ex.: ação visando à condenação à entrega do imóvel, com

requerimento de tutela antecipada, c/c ação visando à condenação ao pagamento de indenização

por danos materiais e morais).

Aliás, no regime do CPC de 1973 as ações monitórias existentes versam sobre obriga-

ção de pagar quantia em dinheiro, não se vendo ações monitórias sobre coisa fungível ou sobre

determinado bem móvel.

Seja como for, e desde que seja confirmada a limitação da suspensão da eficácia da

ordem inicial de cumprimento da obrigação, por força da oposição dos embargos, somente até

à sentença (julgamento de primeiro grau), ainda que o embargante vencido apele, a expectativa

em termos de eficiência procedimental é altamente confortante.

Finalmente, cuida-se expressamente de tutela de direito evidente, conforme dispõe,

claramente, o art. 701 caput.

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CONCLUSÃO

É preciso que o processo sofra profunda e constante higienização, combatendo-se, de

partida, a admissão desnecessária, sem justificativa plausível, que por si só é capaz de produzir

demanda impossível de ser atendida, em detrimento do atendimento possível da outra parcela

de demanda necessária, sobretudo em tempo razoável. Daí que o aspecto relacionando à gestão

pública ganha especial relevo, razão por que mais de uma vez foi lembrado acerca de já a boa

administração da justiça constituir direito fundamental da pessoa.

Igualmente é dado especial destaque ao tempo do processo, eis que não pode ser levado

em conta senão em face da vida da pessoa implicada no processo associado ao estado do direito

alvo da proteção judicial, tratando-se, pois, relevantemente, de tempo vital ou biográfico e não

de mera matemática fria ou cronologia.

O trabalho foi desenvolvido sob a trilogia da boa lei, da boa estrutura e do bom apli-

cador, considerando que o processo, na perspectiva do resultado útil, implica essencialmente

serviço público destinado à proteção judicial efetiva do direito, quando o acesso à Justiça tiver

sido frustrado por outros meios lícitos.

Embora se teorize há considerável tempo sobre a natureza instrumental do processo,

comumente surgem entraves processuais por apego ao formalismo barroco, sobretudo ao for-

malismo científico, sob a falsa ideia de a desamarra fragilizar a autonomia da ciência proces-

sual, quando, concretamente, o que a enfraquece é a disfunção testemunhada cotidianamente,

induzindo-se à descrença.

O processo é serviço público democraticamente qualificado pelo procedimento em

contraditório, não se concebendo que se preste, em si, a instrumento de injustiça ou a denegação

de justiça. E o contraditório, que realmente não pode ser desdenhado, pois constitui cara garan-

tia conquistada, deve ser desempenhado em consonância com a exigência concreta do direito,

podendo ser invertido ou postergado ou observado de outro modo, segundo a especificidade da

causa, não necessariamente, pois, do modo convencional.

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Por isso mesmo, o trabalho tem como coluna mestra, as seguintes diretrizes: efetivi-

dade, consistente em direito subjetivo à solução de mérito integral e justa, constitucionalmente

assegurado; técnicas concretamente adequadas, igualmente em âmbito de garantia fundamental,

visando justamente à efetividade; disciplinamento do ingresso em juízo, para que a demanda

desnecessária não comprometa a solução da demanda necessária; devido processo legal (cons-

titucional), em todos os sentidos, como garantia geral à proteção judicial efetiva; contraditório

dinâmico como garantia democrática imanente ao processo, legitimando, inclusive, a flexibili-

zação procedimental; imprescindibilidade de equilíbrio do ritmo processual, harmonizando-se

velocidade com segurança; proteção de urgência (cautelar ou satisfativa) ou da evidência, em

regime aberto, como instrumento hábil à asseguração ou realização do direito, também em es-

paço de direito subjetivo assegurado pela Constituição.

A nova ação monitória foi abordada em capítulo próprio porque reputamos se tratar de

um importante instrumento visando à proteção do direito evidente diferenciadamente, con-

quanto nos pareça que o procedimento comum, notadamente porque autoriza, igualmente, a

tutela da evidência antecipadamente, poderá melhor servir a essa proteção, diante, principal-

mente, do efeito suspensivo automático dos embargos monitórios, coisa que a contestação, o

agravo de instrumento e a apelação em relação à parcela da sentença que confirma ou concede

a tutela da evidência (e também a de urgência) não a têm.

Finalmente, concluímos que a tutela provisória, de urgência ou da evidência, pode ser

concedida de ofício ou por manifestação lógica da demanda, na medida em que o juiz, enquanto

tutor do processo, constitucionalmente tem a incumbência de providenciar para que o direito

seja efetivamente protegido, adotando técnicas aptas a essa proteção, por força do próprio ofício

ou expressão do poder/dever.

Proposta a ação, rompe-se a inércia da jurisdição, competindo ao juiz consequente-

mente velar pela proteção reclamada, empregando técnicas indiferentes de acautelamento ou de

antecipação, conforme a necessidade concreta, ainda que seja puramente em âmbito de reduzir

o tempo do processo, principalmente porque não se trata de mera cronologia, mas sim de bio-

grafia.

Ademais, a cooperação (participação processual conjunta) reforça essa orientação, eis

que ao juiz, na direção do processo, competirão a assistência, a consulta, o esclarecimento e a

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prevenção, tudo com vistas à proteção efetiva do direito, aí estando compreendidos os meca-

nismos concretamente adequados à asseguração ou antecipação da tutela, que, assim, podem

ser disponibilizados à parte, mesmo sem requerimento específico – eis que, em reforço, a de-

manda pressupõe.

Dito de outro modo, a propositura regular da ação determina o dever de proteção judi-

cial suficiente, na condução do processo, na providência adequada já no curso do pleito, na

qualidade da decisão, na providência adequada ao final, tudo de forma a garantir concretamente

o resultado útil, também temporalmente.

Afinal – conforme já foi dito no capítulo II -, como ensina Cappelletti357 caberá ao

juiz, concretamente, a melhor escolha como produto do processo de interpretação (acrescenta-

ríamos: de aplicação), que compreende, em certo grau, discricionariedade e, pois, criatividade;

e: “Escolha significa discricionariedade, embora não necessariamente arbitrariedade; significa

valoração e ‘balanceamento’; significa ter presentes os resultados práticos e as implicações mo-

rais da própria escolha; significa que devem ser empregados não apenas os argumentos da ló-

gica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguística puramente formal, mas também e

sobretudo aqueles da história e da economia, da política, da ética, da sociologia e da psicologia.

E assim o juiz não pode mais se ocultar, tão facilmente, detrás da frágil defesa da concepção do

direito como norma preestabelecida, clara e objetiva, na qual pode basear sua decisão de forma

‘neutra’. É envolvida sua responsabilidade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica, sem-

pre que haja no direito abertura para escolha diversa. E a experiência ensina que tal abertura

sempre ou quase sempre está presente”.

A proteção judicial, desse modo, quando for justificadamente reclamada, deve ser efe-

tiva, sob a perspectiva temporal, mas, também, sob a perspectiva da qualidade, constituindo a

efetividade, no mais completo sentido, direito fundamental.

357 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, pp. 21 e 33.

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