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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
PUC-SP
Acássia Araújo Barreto
Mediação pedagógica transdisciplinar: possíveis interfaces no
trabalho docente em ambiente virtual de aprendizagem
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
São Paulo
2008
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
PUC-SP
Acássia Araújo Barreto
Mediação pedagógica transdisciplinar: possíveis interfaces no
trabalho docente em ambiente virtual de aprendizagem
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Currículo, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Cândida Moraes.
São Paulo
2008
3
Banca Examinadora:
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
4
Em memória de minha avó, Maria, e de minha amiga, Iara Vieira, seres queridos, que nos acompanham com seu amor e sua luz.
Quântica1
Encostado no canto
o vaso se oferece
Ali parado
nem parece que se expressa
É criatura
e coisa em ativa espera
1 VIEIRA, Iara. A íntima humanidade. Aracaju: Secretaria de Estado da Cultura de Sergipe, 2003, p. 15.
Às mestras e amigas, Dra. Rosamaria de Medeiros Arnt e Dra. Maria Cândida Moraes - minha orientadora - fontes de inspiração deste trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos especiais às pessoas que apoiaram na concretização
deste trabalho: Darcy, minha mãe; Rosa Angélica, Fábio, Hortência e Marco Antônio, meus
irmãos; Daniel, Felipe, Gabriel, Gustavo e Renata Lemos, sobrinhos; Ana Paula Dantas Coêlho, Odete Sidericoudes, Maria Beatriz de Moraes
Rocha, Martha Coutinho, Maruze Oliveira dos Reis, amigas queridas do dia-a-dia; Suely Souza Silva e Maria de Fátima Lemos, amigas do Sentipensar. Dr. José Armando Valente, meu muito grato professor da PUC/SP; Cleide Ginalva Santos, Gilvanda Dias e Simone Amado Reis, amigas do
cotidiano e da Divisão de Tecnologia de Ensino; Dra. Lilian Cristina Monteiro França e Dra. Solange Lacks, professoras da
Universidade Federal de Sergipe, que me acolheram na fase de transição e de mudança entre os estudos na PUC/SP e UFS;
Dra. Adriana Bruno Peçanha, Dra. Lucila Maria Pesce de Oliveira e Dra.
Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, queridas mestras do curso de especialização da PUC/SP;
Sandra Bartholo, por interceder nos trâmites do processo de solicitação
da licença para o mestrado junto à Secretaria de Estado da Educação de Sergipe.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e à CAPES por
tornarem possível a aprendizagem.
6
RESUMO
Esta pesquisa buscou analisar as possíveis interfaces do pensamento transdisciplinar na ação docente, num curso de formação de professor, desenvolvido em ambiente virtual de aprendizagem, a partir da seguinte questão de pesquisa: Quais as contribuições da transdisciplinaridade para um curso de formação de professores, em rede, que apresente como objetivo a criação de cenários de aprendizagem integrada? De natureza estritamente qualitativa, a investigação utilizou a técnica da observação participante e se fundamentou, sobretudo, nos princípios epistemológicos do pensamento transdisciplinar, complexidade e pensamento eco-sistêmico. A bibliografia se baseou, predominantemente, nos estudos de Basarab Nicolescu, Edgar Morin, Maria Cândida Moraes, Saturnino de la Torre, Rosamaria de Medeiros Arnt, Humberto Maturana e Francisco Varela, António Damásio, Maurice Tardif e Henry Giroux. Conceitos das fontes teóricas foram relacionados à prática pedagógica, para compreender suas contribuições com projetos educacionais emergentes, articulados a estratégias metodológicas centradas na multidimensionalidade humana. Foram apresentados também um breve histórico da Divisão de Tecnologia de Ensino do estado de Sergipe e suas principais ações realizadas pelos programas e projetos. Para situar o campo de pesquisa – curso de formação de professor “Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida” – delineou-se o cenário e reflexão da metodologia e da atuação docente. As categorias de análise dos dados levantados do campo de pesquisa resultaram dos pilares da transdisciplinaridade, na ótica de Basarab Nicolescu, e dos operadores cognitivos ou princípios da complexidade, de Edgar Morin. Este trabalho se apresenta social e cientificamente relevante pela proposta inovadora sobre formação e prática docente, tendo como meta uma “educação para a vida”, que restaure a inteireza humana, integrando as dimensões emocional, intelectual, física e espiritual. A revelação do processo complexo do conhecimento e da vida, na perspectiva transdisciplinar, forneceu a resposta do problema de pesquisa durante o desenvolvimento desta investigação, mostrando possibilidades de mudanças na educação formal, a partir da introdução de novos conceitos ou de um novo desenho teórico-metodológico dos cursos de formação docente.
Palavras-chave: Transdisciplinaridade; Complexidade; Pensamento eco-sistêmico; Mediação pedagógica; Formação de professor.
7
ABSTRACT
This research was aimed at assessing the possible interfaces of the transdisciplinary thinking on teaching action, in a teacher’s training course, developed in a virtual setting of learning, starting from the following research question: What are the contributions of transdisciplinarity to an online teacher’s formation course whose purpose is the development of integrated learning scenarios? Being strictly qualitative, the research used the technique of participant observation and was based specially on the epistemological principles of transdisciplinarity, complexity and eco-systemic thinking. The bibliography used was mainly based on the studies of Basarab Nicolescu, Edgar Morin, Maria Cândida Moraes, Saturnino de la Torre, Rosamaria de Medeiros Arnt, Humberto Maturana and Francisco Varela, António Damásio, Maurice Tardif and Henry Giroux. Theoretical concepts were correlated to the pedagogic practice in order to understand their contribution to emerging educational projects, which are articulated with methodological strategies centered on human multidimensionality. A brief history of the Division of Teaching Technology of the State of Sergipe and its main actions in its programs and projects were presented. In order to address the field of this research – a teacher’s formation course, entitled “Sentipensar (‘to feel-think’), technologies and digital media: educating since and for life”- it was delineated the scenario, reflection on the methodology and teaching action. The categories of analysis of the data gathered from the research field proceeded from the fundaments of transdisciplinarity, according to Basarab Nicolescu, and from the principles of complexity, from Edgar Morin. This study might not only be scientifically but also socially relevant due to its innovatory proposal on teacher’s training and practice, aiming at “education for life” in order to restore human entirety, integrating emotional, intellectual, physical and spiritual dimensions. The discovery of the complex process of knowledge and life, on the transdisciplinary perspective, provided an answer to the research problem during the development of this study, disclosing possibilities for changes in formal education by introducing new concepts or a new theoretical-methodological design of teacher’s formation courses. Key words: Transdisciplinarity; Complexity; Eco-systemic thinking; Pedagogic mediation; Teacher’s formation.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10
1. 1. Origem da pesquisa: reconstruindo o percurso...................................................... 10
2. O problema de pesquisa............................................................................................. 10
3. Delimitação do problema de pesquisa........................................................................ 17
4. Objetivos..................................................................................................................... 19
5. Apresentação dos capítulos........................................................................................ 19
6. Mapas conceituais...................................................................................................... 21
1° CAPÍTULO - MOVIMENTO METODOLÓGICO......................................................... 24
1.1 Abordagem................................................................................................................ 26 1.2 Procedimentos.......................................................................................................... 31
1.2.1 Ambientação do campo pesquisado............................................................. 31 1.2.2 Etapas e ações............................................................................................. 34
2° CAPÍTULO - COMPONENTES TEÓRICOS DE APOIO À PESQUISA.................... 37 2.1 Do determinismo racionalista à complexidade.......................................................... 39 2.2 Mediação pedagógica transdisciplinar...................................................................... 45 2.3 Pensamento eco-sistêmico....................................................................................... 52 2.4 Formação de professores em rede de aprendizagem.............................................. 55 2.4.1 Despertando as tensões................................................................................ 55 2.4.2 Cenários e redes de aprendizagem integrada............................................... 58
3° CAPÍTULO - PANORAMA DOS PROGRAMAS DESENVOLVIDOS NA DIVISÃO
DE TECNOLOGIA DE ENSINO.....................................................................................
65
3.1 Programa Nacional de Informática Educativa (ProInfo)............................................ 67
3.2 TV Escola.................................................................................................................. 71
3.3 Rádio Educação de Sergipe – Rádio-Educ/SE......................................................... 73
9
4° CAPÍTULO - SITUANDO O CURSO DE FORMAÇÃO SENTIPENSAR,
TECNOLOGIAS E MÍDIAS DIGITAIS: EDUCANDO DESDE E PARA A VIDA E
ANÁLISE........................................................................................................................
75
4.1 Construção do cenário.............................................................................................. 77
4.2 Estrutura do curso..................................................................................................... 79
4.3 Instrumentos para análise da ação docente............................................................. 83
5° CAPÍTULO - A PESQUISA PROPRIAMENTE DITA................................................. 86
5.1 Categorias identificadas............................................................................................ 88
5.2 A obtenção dos dados.............................................................................................. 96
5.3 Análise das categorias e dos dados obtidos............................................................. 99
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 113
ANEXOS......................................................................................................................... 117
Anexo 1 - Mapa geográfico do estado de Sergipe.......................................................... 118
Anexo 2 - Site e abordagem sistêmica: considerações iniciais...................................... 119
Anexo 3 - Sobre a biblioteca........................................................................................... 122
Anexo 4 - Carta da Transdisciplinaridade....................................................................... 123
Anexo 5 - Projeto Páscoa............................................................................................... 126
Anexo 6 - Projeto de Formação...................................................................................... 129
Anexo 7 - Planilhas de acompanhamento...................................................................... 136
Anexo 8 - Orientações para elaboração do artigo.......................................................... 137
Anexo 9 – Carta-convite.................................................................................................. 138
10
INTRODUÇÃO
Para situar este trabalho de pesquisa, procuro inaugurá-lo concebendo um
cenário com mostras recolhidas de fragmentos que constituíram minha trajetória de
vida a partir de meu universo familiar, para, em seguida, me reconhecer na escolha
profissional. Desnudo-me, de certa maneira, ao expor fatos de minha intimidade por
entender que deles se originou este projeto de investigação.
Nesta seção, trato, ainda, de delimitar e identificar o problema de pesquisa e
seus objetivos, como também procuro refletir sobre sua relevância científica e social,
por onde busco analisar as circunstâncias que me levaram a desenvolver o presente
documento. Ao final, exponho uma síntese de apresentação dos capítulos e breves
considerações sobre mapas conceituais.
1. Origem da pesquisa: reconstruindo o percurso
A esperança é um substantivo curioso que, por denotar uma emoção positiva
ou uma expectativa motivadora, podia por si só bastar, prescindir de complementos
e sinônimos, ser auto-suficiente. Mas não o é. A esperança é, na verdade, a própria
ação benéfica, porque designa o possível e a iniciativa, traduz-se como o processo
de um movimento com probabilidades de mudança.
É nesse tom que pretendo direcionar este trabalho. Tratar de algumas
particularidades da educação pública brasileira, destacando, sobretudo, as
possibilidades que colaboram na resolução de seus problemas. Duas circunstâncias
11
antagônicas aqui se cruzam, numa demonstração de que uma necessita da outra
mutuamente: o conflito que incomoda e a superação que pacifica. O ponto ‘vazio’
entre esses instantes revela a conciliação e esta, a alternativa. Essa convicção,
momentânea, deve ser conseqüência de minha caminhada pela vida que, entre
atalhos e trilhas sucessivas, me construí e, muitas vezes, me reconstituí.
Quando criança, o convívio com meus avós maternos era algo sagrado,
constante e prazeroso. Eles moravam em Nossa Senhora das Dores, onde também
nasci, cidadezinha considerada portão de entrada do sertão sergipano. Eu vivia em
Aracaju, capital de Sergipe2, mas, nos finais de semana e nas férias escolares,
compartilhava de seu colo e sabedoria.
Todas as manhãs, após o desjejum, minha avó, mulher de comportamento
sistemático e descontraído, sentava-se à mesa carregada com alguns apetrechos de
desenho e pintura e, com sua delicadeza, estendia um papel transparente,
denominado por ela de manteiga. Nele, traçava algumas linhas, resultando em
formas marinhas, florais ou elementos do cenário doméstico. Em seguida, decalcava
aquelas figuras em peças de tecido, toalhas de mesa, banho ou colchas. Em
suspense e curiosamente, eu acompanhava e aguardava o desenrolar daquele
processo, que culminava com a pintura. Além desse talento, minha avó, aquele ser
especial e adorável, era uma exímia bordadeira: rococó, richelieu, pontos de sombra
e cruz, matiz, cheio e caminho-sem-fim...
E meu avô? Meio quieto, deliciava-se nas leituras dos romances clássicos,
das publicações dos jornais diários e revistas. Adorava cinema. Escrevia crônicas.
Gostava de contar causos. Grande sujeito! Era considerado o intelectual da turma.
2 Localização do mapa do estado de Sergipe no AAnneexxoo 11.
12
Minha avó paterna era a poeta maior, com tendência romântica, deixava a
rima predominar em seus versos. Suas filhas ainda conservam alguns de seus
escritos. Ela, entretanto, não só demonstrava o gosto e habilidade pela poesia, mas
também por tecer colchas de retalhos coloridos e fuxicos. Quem da família não foi
presenteado com uma daquelas obras?
Nesse mesmo período, em Aracaju, na volta da praia aos domingos, por
iniciativa de meu pai, almoçávamos tendo como o pano de fundo a leveza do
compasso das músicas clássicas, quando conheci a obra de Chopin, Mozart,
Tchaikovsky e outros, e trilhas sonoras de filmes. Na seqüência, após a refeição, o
tom que prevalecia era dos compositores e intérpretes brasileiros.
Influenciada por esse universo lúdico, além de me entregar às brincadeiras de
criança, mergulhava horas a fio nas obras da literatura infantil, nos contos de
Andersen e Perrault, principalmente. E na adolescência, minha caminhada se
manteve nessa mesma linha, com a diferença de agora preferir a leitura dos
escritores e poetas brasileiros, russos, franceses, ingleses e filósofos de épocas
diferentes. Minha aproximação mais crítica com a literatura e filosofia se deu na
época em que estudava no Colégio Estadual Atheneu Sergipense, instituição da
rede pública de Sergipe.
Nos idos de 1976, ingressei na Universidade Federal de Sergipe (UFS),
optando pelo curso de Licenciatura Plena em Letras Vernáculas. Pela oportunidade
de estudar obras de escritores brasileiros, pelos professores, pelo coeso Movimento
Estudantil, esse período foi também especial. Representou o despertar sobre as
ações políticas e o momento em que o brasileiro vivia, sob o temor e terror do
regime militar. Amadureci.
13
Em 1980, concluí a graduação, passando a lecionar Língua Portuguesa em
uma escola pública, onde trabalhei durante três anos. Insatisfeita com a pressão dos
gestores para a adoção de uma prática metodológica autoritária, com a forma de
avaliar e materiais didáticos utilizados, e sentindo-me impotente frente à realidade,
me afastei da instituição, passando a atuar como agente cultural na Fundação
Estadual de Cultura (FUNDESC)3, ali permanecendo por catorze anos.
Como acredito que cumprimos um ciclo em todas as situações vividas, meu
tempo na FUNDESC também fora fielmente obedecido e, para perseguir meus
ideais, retornei à Secretaria de Estado da Educação de Sergipe (SEED)4 como
professora da sala de leitura de um estabelecimento de ensino, localizado na
periferia da cidade de Aracaju.
A volta à escola representou o início de uma nova história de vida, quando
permiti a mim mesma enfrentar um dos maiores desafios profissionais, que era o de
desbravar o universo tecnológico e, ao mesmo tempo, compreender a aplicação
pedagógica de seus recursos, dessa vez exercendo as funções de educadora no
Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE)5, de Aracaju / SE.
Após vinte anos fora do circuito acadêmico, resgatei a esperança na crença
de uma educação pública de qualidade, quando de minha participação no curso de
especialização em Desenvolvimento de Projetos Pedagógicos com o Uso das Novas
Tecnologias, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP,
oferecido a distância, numa parceria com o Ministério da Educação, entre os anos
de 2000 e 2001.
3 Atualmente, Secretaria de Estado da Cultura, órgão da administração estadual direta, do Governo do estado de Sergipe. 4 Disponível em <http://www.seed.se.gov.br/>. 5 Criado em 29 de agosto de 2002, sob a Portaria n° 3700/2002, e implantado pelo Governo do estado de Sergipe, numa parceria com Secretaria de Educação a Distância (SEED), do Ministério da Educação (MEC), para atender à filosofia do Programa Nacional de Informática Educativa (ProInfo), do governo federal.
14
Na disciplina Internet, fomos presenteados com o texto “Site e abordagem
sistêmica: considerações iniciais”6, da Profa. Lucila Maria Pesce de Oliveira7,
quando me encantei pela Teoria Autopoiética, de Maturana e Varela, e fui
naturalmente induzida a explorar seus conceitos, ainda cursando a especialização,
sem o auxílio de um profissional. Entretanto, para dar continuidade de modo
sistemático aos trabalhos de aprofundamento da Autopoiese, passei a integrar, em
2003, o Grupo de Estudos sobre as Teorias de Maturana e Varela, realizado a
distância por meio do ambiente virtual de aprendizagem do Teleduc e coordenado
pela Profa. Dra. Rosamaria de Medeiros Arnt8. Esse contexto resultou na busca por
outras abordagens que complementariam nossas pesquisas, como a Complexidade,
na concepção de Edgar Morin, a Transdisciplinaridade, na visão de Basarab
Nicolescu, e o Pensamento Eco-Sistêmico, de Maria Cândida Moraes.
No citado grupo de estudos, participaram educadores de diversas regiões do
Brasil que trabalhavam em Núcleos de Tecnologia Educacional e, portanto, tinham a
função de ministrar cursos de formação a professores do sistema público de ensino
brasileiro.
Os laços entre um estágio e outro de vida profissional e a compreensão de
fatos e sentimentos experimentados certamente levaram-me a cursar outra pós-
graduação, também a distância, em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas
– Arteduca – pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004.
No ano seguinte, a convite da coordenação do curso, passei a trabalhar como
tutora da segunda edição do Arteduca, quando me detive nas reflexões, entre
outras, sobre o papel do educador não somente em cursos a distância, mas também
na educação presencial. Esclareço que o vocábulo tutor foi designado pela
6 Localização do texto no AAnneexxoo 22. 7 Doutora em Educação. 8 Doutora em Educação.
15
coordenação do curso, para o docente que atuou como mediador dos trabalhos
durante a formação.
Na ocasião, juntamente com outros professores/alunos, tive a feliz
oportunidade de vivenciar importantes momentos de reflexão acerca do ambiente
educacional, instituição responsável pela formação sistemática do indivíduo,
sobretudo na atuação do professor e de seu olhar sobre o educando, da
metodologia aplicada, ações realizadas, entre outros fatores. Tinha consciência de
que esses instantes proporcionariam subsídios que levariam a auxiliar a minha
prática enquanto educadora do NTE, de Aracaju/SE, durante acompanhamento às
escolas que possuíam laboratório de informática, do Programa Nacional de
Informática Educativa (ProInfo), como também nos cursos de formação destinados a
professores de instituições de ensino público.
Esse gesto de interrupção9 possibilitou educar a escuta e apurar a percepção,
para identificar os problemas relacionados à educação pública e a me interessar por
concepções que falassem mais de nossa humanidade, do ser em sua inteireza; que
discorressem sobre a vida como um fenômeno de propriedades complexas,
transcendendo a herança reducionista do processo do conhecimento, da
objetividade, do fatalismo e do materialismo imaculados, cultuados pelo homem
ocidental.
Como reflexo desse movimento e das pretensões de contribuir para a
qualidade da educação, surgiu a idéia de implantar o Projeto Sentipensar, no estado
9 A Profa. Rosamaria de Medeiros Arnt (2007, p. 121), citando Jorge Larrosa, explica que “o gesto de interrupção nos faz ser sujeitos da experiência, permitindo que a experiência nos aconteça e, conseqüentemente, que aprendamos com ela. Segundo o autor, o gesto de interrupção requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (Larrosa, 2002:24)”.
16
de Sergipe, coordenado, também, pela Profa. Dra. Rosamaria de Medeiros Arnt,
vinculado ao Programa Educando desde e para a vida, de autoria da Profa. Dra.
Maria Cândida Moraes e Prof. Dr. Saturnino de la Torre10.
2. O problema de pesquisa
O curso de formação Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando
desde e para a vida, procurou contemplar em seu planejamento estratégias de
trabalho que utilizassem diferentes linguagens (mídias) e as tecnologias da
informação e comunicação, incluindo os recursos visuais, audiovisuais e materiais
impressos, com o propósito de possibilitar a criação de redes e cenários de
aprendizagem integrada. Nessa perspectiva, observando o delineamento da
proposta, apresento o questionamento a seguir como pprroobblleemmaa ddee ppeessqquuiissaa a ser
explorado neste Projeto:
Quais as contribuições da transdisciplinaridade para um curso de
formação de professores, em rede, que apresente como objetivo a criação de
cenários de aprendizagem integrada?
Convém ratificar que o campo desta investigação converge meu olhar,
durante os procedimentos da pesquisa, para o curso de formação continuada
Sentipensar,, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida, realizado
pelo Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE – Aracaju/SE), em ambiente virtual de
aprendizagem, destinado a professores do ensino fundamental e médio, do sistema
10 Doutor em Educação.
17
público do estado de Sergipe, na modalidade reconhecida como híbrida, porque
envolvia o ensino a distância e presencial.
3. Delimitação do problema de pesquisa
O Projeto Sentipensar se materializou na forma de um curso de formação de
professor desenvolvido em rede virtual, intitulado Sentipensar, tecnologias e
mídias digitais: educando desde e para a vida, visando a atender de forma
diferenciada o ensino e aprendizagem da escola pública do estado de Sergipe.
O vocábulo Sentipensar, concebido pelo pesquisador Prof. Dr. Saturnino de la
Torre, vai além de um delicado neologismo: significa a combinação de duas
maneiras de interpretar a realidade, a partir das dimensões afetivas e cognitivas,
mesclando a ação de sentir e pensar num mesmo processo de conhecimento.
A proposta do curso de formação teve a finalidade de experienciar e analisar
situações didáticas fundamentadas no Sentipensar e AApprreennddiizzaaggeemm IInntteeggrraaddaa,
utilizando-se das mídias e das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Para
a sua realização, foram previstos trabalhos que permitissem a incorporação da
dimensão emocional junto à cognitiva e à pragmática, com a intenção de propiciar o
comprometimento com a educação para a vida, através de recursos e estratégias
multissensoriais, oferecidos pelas mídias digitais e tecnologias da informação e
comunicação. A idéia consistiu na apropriação e manipulação de diferentes
linguagens, valendo-se de elementos imagéticos, musicais, expressões cênicas, de
modo a proporcionar interfaces mais adequadas de criação e comunicação.
18
Com carga horária de 120 horas, distribuídas por módulos, a mediação
pedagógica ficou sob a incumbência de quatro professoras do NTE – Aracaju / SE,
lotadas no ProInfo. Minha participação se deteve em coordenar as atividades,
flexibilizar as estratégias, promover encontros presenciais, publicar textos, criar
fóruns e agenda e, eventualmente, responder mensagens nos fóruns do aambiente
vvirtual de aaprendizagem (AVA)11. Por e-mail, mantinha contato com a coordenação
do Projeto, para definir algumas questões pedagógicas e outras relativas a
problemas técnicos detectados na plataforma do Moodle.
Essa experiência me conduziu com clareza na escolha do curso de formação
Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida, realizado
na modalidade híbrida – virtual e presencialmente – como campo de estudo deste
projeto de investigação, expresso sob o título Mediação pedagógica transdisciplinar:
possíveis interfaces no trabalho docente em ambiente virtual de aprendizagem.
Tenho a pretensão de analisar as possibilidades de intervenção do
pensamento transdisciplinar relacionadas a um dos objetivos previstos no curso de
formação Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida –
o desenvolvimento de cenários e de aprendizagem integrada.
Na aprendizagem integrada, segundo Saturnino de la Torre (2004, p. 81),
“ocorre a colaboração de todos os sentidos”, por meio da utilização de “recursos
com múltiplos estímulos; recursos abertos, imaginativos, sugestivos, criativos, que
ativam diferentes zonas do cérebro”. O autor nos traz apropriadamente como
exemplo a dinâmica do cinema, onde estão articuladas diversas linguagens, o som,
a fala, gestos, espaço, movimento, personagens, objetos, cores.
11 Disponível em <http://www.contato.pro.br/moodle>.
19
4. Objetivos
A pesquisa tem o objetivo de analisar as possíveis interfaces do pensamento
transdisciplinar na ação docente, no contexto da formação de professor
desenvolvido em ambiente virtual de aprendizagem.
E como específicos:
−−−− ampliar o entendimento das proposições que norteiam a
concepção transdisciplinar, a complexidade e o pensamento
eco-sistêmico, mediante relação entre docência e formação de
professor;
−−−− refletir sobre o papel docente, observando a necessidade de
construção de uma nova prática frente às emergências,
especialmente em atividades de formação de professor;
−−−− analisar as possibilidades de criação de cenários e redes de
aprendizagem integrada em cursos de formação acadêmica
para professor;
−−−− analisar o pensamento complexo em um curso de formação de
professor na perspectiva de seus princípios ou operadores
cognitivos.
5. Apresentação dos capítulos
A pesquisa apresenta-se com a seguinte estrutura:
1° capítulo – Movimento metodológico – caracterizada como uma pesquisa
qualitativa, fundamento a abordagem do método utilizado e descrevo os
procedimentos empreendidos no desenrolar da elaboração do trabalho.
20
2° capítulo – Componentes teóricos de apoio à pesquisa – procuro condensar
análises das concepções teóricas que apóiam a pesquisa, relacionando os conceitos
à prática docente em cursos de formação de professor, realizados em ambientes
virtuais de aprendizagem. A idéia visa a demonstrar como as abordagens complexas
e eco-sistêmicas podem contribuir com projetos educacionais emergentes,
articulados com estratégias metodológicas centradas na dimensionalidade humana.
3° capítulo – Panorama dos programas desenvolvidos na Divisão de
Tecnologia de Ensino (DITE) – relato um panorama do histórico da Divisão de
Tecnologia de Ensino (DITE) e de ações dos programas e projetos
operacionalizados na perspectiva de uso das tecnologias na educação pública do
estado de Sergipe. Trata-se de uma contextualização, legítima, que pretende dar
guarida ao campo de estudo do trabalho de pesquisa – curso de formação de
professor Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida.
4° capítulo – Situando o curso de formação Sentipensar, tecnologias e mídias
digitais: educando desde e para a vida e análise – reflito sobre o campo desta
pesquisa (curso de formação Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando
desde e para a vida), enfocando as possíveis interfaces da transdisciplinaridade no
trabalho docente, em rede virtual de aprendizagem.
5° capítulo – A pesquisa propriamente dita – apresento uma análise
hermenêutica da pesquisa, cuja interpretação se registra a partir do olhar
transdisciplinar que auxilia na identificação e reflexão das categorias originárias dos
pilares do pensamento transdisciplinar, na ótica de Nicolescu (1999), e dos
operadores cognitivos ou princípios da complexidade, forjados por Edgar Morin.
21
6. Mapas conceituais
Às seções desta pesquisa, concedo destaque ao uso de mapas conceituais
elaborados no software CmapTools (v. 4.09)12, os quais aparecerão reiteradas vezes
ao longo do trabalho. Alguns se apresentarão propositalmente mais lineares e outros
mais complexos, contendo estes uma maior predominância de ‘nós’ ou conectores,
em decorrência da expansão de significados interligados.
Pretendo, com eles, representar graficamente os conceitos extraídos das
concepções abordadas no corpo do texto dissertativo, com a finalidade de organizar,
orientar e reorientar o processo de construção da pesquisa. Têm-se, ainda, a
intenção de conduzir o interlocutor para uma compreensão mais objetiva das
análises, como também possibilitar a ampliação das relações entre os significados,
para, simultaneamente, reconstruí-los.
Os mapas conceituais, no presente contexto, correspondem a um mecanismo
que contempla o princípio sistêmico ou organizacional do pensamento complexo
segundo Edgar Morin, “que liga o conhecimento das partes ao conhecimento do
todo” (2000, p. 209). Há uma dinâmica circular/recursiva que concilia a síntese à
análise, o local ao global, a parte ao todo e vice-versa. Observados por esse veio, ao
contrário das noções de desagregação e reducionistas, vem a ser um movimento
recíproco de complementaridade e retroalimentação.
Ao trazer a linguagem imagética proporcionada pelos mapas conceituais para
este trabalho, compartilho das recomendações de Alfredo Bosi (2000, p. 65):
“Os psicólogos da percepção são unânimes em afirmar que a maioria absoluta das informações que o homem moderno recebe lhe vem por
12 Programa gratuito, desenvolvido pelo Institute for Human and Machine Cognition da UWF (Universidade de West Florida), para a criação de mapas conceituais. Disponível para download em <http://cmap.ihmc.us/download/free_client.php>.
22
imagens. O homem de hoje é um ser predominantemente visual. Alguns chegam à exatidão do número: oitenta por cento dos estímulos seriam visuais”.
Os conceitos contidos nas figuras poderão ser modificados e expandidos,
quando novas idéias emergirão a partir do olhar circunspecto de um possível
observador.
26
Nessa embarcação arrastada pelo vento, no embalo do fluxo e refluxo
inconstante das marés, deixei-me seguir andarilho, consciente da responsabilidade
de esboçar a rota da aventura investigativa, caracterizando a metodologia e
descrevendo seus procedimentos. A quilha, no entanto, precisa ter consistência,
mostrar-se segura, para lançar-se, mas livre da convicção de alcançar a margem,
porque impreciso é o percurso.
1.1 Abordagem
Identificado o campo desta investigação, reconhecido pelo curso de formação
Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida, atribuo o
presente estudo como qualitativo e, considerando meu papel em relação ao universo
pesquisado, busquei utilizar os recursos metodológicos da observação participante
(OP). Dois pressupostos podem justificar a escolha pela observação participante: o
primeiro está relacionado ao grau de envolvimento da pesquisadora no campo
investigado; e o segundo concentra-se na base epistemológica da abordagem
transdisciplinar.
Ao adentrar no ambiente de rede integrando-me como membro da
comunidade do curso de formação, para analisar as contribuições do pensamento
transdisciplinar no trabalho docente, estarei a atender a uma das recomendações da
observação participante – estratégia de pesquisa elaborada por antropólogos,
segundo Laville & Dionne (1999, p. 153). Sobre o papel do pesquisador nessa
condição, as autoras indicam “que ele mistura-se ao quotidiano do grupo (...), e
27
realiza a experiência, compartilhando a vida, as atividades, os comportamentos, até
mesmo as atitudes e os sentimentos das pessoas que o compõem”.
A observação direta leva o pesquisador a aproximar-se do sujeito para colher
um maior número de informações, na tentativa de compreendê-lo em sua plenitude,
buscando evidências que denotem sua concepção de mundo e como suas relações
se corporificam junto ao contexto em que vive ou atua. Os dados coletados referem-
se às ações, opiniões, perspectivas, participações, à maneira como os sujeitos
pesquisados se comunicam, os quais um observador externo não teria acesso. Por
outro lado, essas estratégias adotadas, apesar de imprescindíveis, não garantem o
alcance dos objetivos, em função das circunstâncias que poderão surpreender
durante o curso de elaboração da pesquisa.
Para Roberto Sidnei Macedo (2004, p. 154), “(...) o envolvimento deliberado
do investigador na situação de pesquisa é não só desejável, mas essencial, por ser
esta a forma mais congruente com os pressupostos da OP”. Tereza Maria Frota
Haguette (2005, p.71), citando Cicourel, explica “(...) o observador é parte do
contexto sendo observado no qual ele ao mesmo tempo modifica e é modificado por
este contexto”.
Partindo dessa premissa, exponho-me, então, a representar dois papéis que
imperceptivelmente se confundem, ao tempo em que se mesclam: ora de
observador, ora de sujeito observado. E, considerando minha participação estreita
no curso de formação, com o status de coordenadora, sou também sujeito
observado. Assim, a técnica da observação participante deve ser adequada, pois
desejo compreender o que aconteceu na formação, a qual durante o percurso vou a
ela me integrando.
28
Após a identificação dos recursos metodológicos que orientaram e
contribuíram com o processo da pesquisa, ocorre-me refletir mais adiante sobre os
caminhos construídos durante a trajetória de elaboração deste documento,
considerando que no centro da esfera (do projeto) há um marco teórico que se
insinua como meu guia: a transdisciplinaridade. Ser, então, transdisciplinar, eis meu
desafio!
Momento oportuno para reavaliar e reconstruir valores. Entre outros
propósitos, hei de remover os antolhos provenientes de uma formação tradicional
caracterizada por um sistema de ensino discriminativo, fechado e impositivo. Arnt
(2007, p. 88), revisitando os estudos de Morin, lembra da “importância da reforma de
pensamento para compreender a realidade complexa”. Certamente, minha intenção,
durante a pesquisa, é assumir uma postura amparada nos aportes
transdisciplinares, que nos apontam abertura para um pensar além do visível e nos
levam a transpor a convicção das certezas absolutas inerentes aos ideais
cientificistas que percebem a realidade em uma única dimensão.
A abordagem transdisciplinar foi projetada nos anos 70, a partir de estudos
envolvendo físicos (quânticos), filósofos, poetas, artistas plásticos, empenhados em
responder às advertências dos graves problemas do homem, omitidos pela ciência
moderna, porque, fragilizadas em seu casulo pelo determinismo, se eximiram de
direcionar e amplificar o seu foco para a qualidade e conservação da vida no
planeta. Desse vácuo consentido pelo pensamento lógico, surge um novo pacto
(CREMA, Roberto, 2002, p. 10): a transdisciplinaridade.
O pensamento transdisciplinar, para Basarab Nicolescu (1999, p. 53) tem
como finalidade “a compreensão do mundo presente, impossível de ser inscrita na
pesquisa disciplinar”, a ser definido como a
29
“(...) transgressão da dualidade que opõe os pares binários: sujeito/objeto, subjetividade/objetividade, matéria/consciência, natureza/divino, simplicidade/complexidade, reducionismo/holismo, diversidade/unidade. Esta dualidade é transgredida pela unidade aberta que engloba tanto o Universo como o ser humano”.
Esse é um processo pelo qual me proponho a experienciar, tendo os
princípios metodológicos do pensamento transdisciplinar como alicerce da
investigação. Esclareço que a transdisciplinaridade apresenta-se aqui como uma
atitude, representada pelo rigor, abertura e tolerância, e como princípio
epistemológico, cuja grande tessitura é regida pela complexidade através de seus
operadores cognitivos.
Sobre a concepção de transdisciplinaridade, entendemos, entre outros
enfoques, que são duas idéias antagônicas que subsistem num movimento
integrador: uma aberta, que diz respeito ao prefixo trans, e outra fechada, racional
como sendo a disciplina. Para Michel Random (2000, p. 17), essa osmose tenciona
“considerar as qualidades próprias às disciplinas e abri-las” (...), fazendo com que
“se comuniquem entre si e nos mais altos níveis trans. (...) extraí-las do gueto das
especialidades para restituí-las à vida e mesmo às novas ciências”.
Embora seja um assunto mais detalhadamente enfocado no Capítulo 2 deste
trabalho, antecipo observar que a metodologia de pesquisa transdisciplinar está
firmada, de acordo com Nicolescu (1999, p. 52), em três pilares: - níveis de
realidade; - lógica do terceiro incluído ou estado T; - complexidade. Regidos por
lógicas próprias, os diferentes níveis de realidade são representados pelos mundos
macrofísico (visível, palpável, o que vivemos) e o microfísico (quântico, das
partículas, sutil, imperceptível), cuja relação de interdependência entre eles vai
constituir o ‘real’. Expressão introduzida pelo físico e filósofo romeno Stéphane
Lupasco, a lógica do terceiro incluído ou estado T corresponde a um meio,
30
fenômeno ou evento que vai unir os diferentes níveis de realidade. Em outras
palavras, percebo como um ‘espaço’ de conciliação, de encontro, ou um estado
emergencial com a função de interligar contrários níveis de realidade, para construir
a unidade, alcançando, por sua vez, um outro nível de realidade. Complexidade é
um pensamento que reúne diferenças e diferentes, organiza e reorganiza
contraditórios, articula sujeito e objeto de forma contextualizada, liga e religa
conceitos. Movimentos que, em função das circunstâncias, podem ocorrer
simultaneamente.
Na análise de demonstração das possíveis interfaces do pensamento
transdisciplinar no trabalho docente em ambiente virtual de aprendizagem, meu
olhar precisa ser diferenciado, deve ser construído no brilho da ética em combinação
com a delicadeza estética. Uma percepção impregnada de leveza e desobrigada de
precipitação. Essa perspectiva, naturalmente, implica ao que Nicolescu (1999, p. 93)
designa: atitude transdisciplinar13. Etimologicamente, atitude, recomenda o
estudioso, “é a capacidade individual ou social para manter uma orientação
constante, imutável, qualquer que seja a complexidade de uma situação e dos
acasos da vida”. Na atitude transdisciplinar, por sua vez, estão interligados três
elementos essenciais à ação: rigor, abertura e tolerância.
O rigor considera e valoriza todos os eventos, informações e a qualidade e o
conteúdo da formação do sujeito, manifestando-se na comunicação. A abertura vem
a ser a permissão do inesperado, do imprevisto, do desconhecido, da incerteza. E a
tolerância compreende o respeito às idéias do outro. Sobre este último aspecto,
trago uma preciosa e lúcida reflexão de Humberto Maturana (1999, p. 7): “O amor é
13 Segundo Basarab Nicolescu, a expressão atitude transdisciplinar fora introduzida pelo poeta argentino Roberto Juarroz, no ano de 1991.
31
a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da
aceitação do outro como legítimo outro na convivência (...)14”.
1.2 Procedimentos
Neste item, serão abordados aspectos relacionados aos procedimentos
metodológicos desenvolvidos no trajeto da investigação, tendo como base a técnica
da observação participante, revelada no bloco anterior. Os caminhos explorados
permitiram a obtenção de subsídios do campo pesquisado – curso de formação de
professor Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida –
culminando com uma reflexão acerca das contribuições do pensamento
transdisciplinar no contexto de uma formação a distância de professor, realizado em
ambiente virtual de aprendizagem.
1.2 .1 Ambientação do campo pesquisado
Renovo esclarecer que, como componente diretamente envolvida no campo
investigado, enquanto coordenadora do curso de formação “Sentipensar, tecnologias
e mídias digitais: educando desde e para a vida”, minha participação limitou-se a
dinamizar os trabalhos junto à equipe de ministrantes e à coordenadora do Projeto; a
articular ações, organizar e mediar os encontros presenciais, publicar textos, criar
fóruns e a agenda e, eventualmente, responder mensagens nos fóruns do aambiente
14 O grifo em itálico não consta no texto original.
32
vvirtual de aaprendizagem da plataforma do Moodle. Por e-mail e por telefone,
comunicava-me com a coordenação do Projeto para definir questões didáticas e
outras relativas a problemas detectados na plataforma do Moodle. Para fins de
organização, todos os materiais publicados, como textos e imagens da ‘agenda’,
encaminhamentos pedagógicos propostos, contribuições extracurso e trabalhos
desenvolvidos dos e pelos participantes, eram, sistematicamente, compilados no
acervo15 do ambiente a cada mudança de atividade, com o intuito de preservar as
informações e avaliar nossas ações.
Destinado a professores das escolas públicas do estado de Sergipe, com
patrocínio do governo estadual, o curso foi promovido pela Secretaria de Estado da
Educação (SEED), por meio da Divisão de Tecnologia de Ensino (DITE), setor
vinculado ao Departamento de Educação (DED). A emissão dos certificados aos
inscritos ficou sob a responsabilidade do Centro de Qualificação Profissional (CQP),
órgão da estrutura administrativa da SEED.
As ministrantes que participaram da formação eram, à época, professoras
(multiplicadoras) lotadas na DITE e integrantes do quadro do NTE - Aracaju/SE,
onde exerciam as ações do ProInfo estadual. A Profa. Dra. Rosamaria de Medeiros
Arnt, coordenadora do Projeto, além de acompanhar a distância todo o movimento
do ambiente, conduzira um dos módulos como formadora.
A população estudada proveio de escolas localizadas nos municípios
sergipanos de Campo do Brito, Propriá, São Cristóvão, Ribeirópolis, sendo que a
maioria exercia a docência em Aracaju.
De característica modular, a configuração metodológica proposta contemplou
estudos on-line e presenciais, priorizando estratégias de trabalhos realizados em
15 Denominado “biblioteca”. Verificar exemplo no AAnneexxoo 33.
33
colaboração e oportunizando o intercâmbio de idéias entre os professores/cursistas
de diferentes municípios e estabelecimentos de ensino. As dinâmicas sugeridas
enfatizaram a articulação dos conteúdos teóricos com as experiências profissionais
e pessoais, sempre pautadas em debates e análises. Para o desenvolvimento de
tais ações, foram utilizados os recursos tecnológicos do ambiente virtual de
aprendizagem hospedados na plataforma Moodle.
Do espaço de aprendizagem, pudemos destacar as seguintes ferramentas
utilizadas: programação, diários, materiais, wikis e fóruns. Em programação,
constaram as agendas das atividades propostas, algumas comunicações e o acervo
com todas as publicações guardadas numa subpasta nomeada ‘biblioteca’. DDiiáárriiooss
foi um recurso reservado para a auto-avaliação dos professores/cursistas, que se
eximiam de expor suas fragilidades publicamente, e onde apenas as formadoras
tinham livre circulação. Materiais armazenavam todos os arquivos publicados no
curso, inclusive o conteúdo das agendas (programação). A wiikkiiss, para a elaboração
de textos colaborativos, mas pouco expressiva, porque não efetivamente
dinamizada. E, fóruns, a mais significativa, em minha opinião, tinha a função de
construir parcerias e favorecer a produção de conhecimento.
A idealização do curso de formação desenvolvido na modalidade híbrida – on-
line e presencial – teve o propósito de atender à demanda de uma população
heterogeneamente distribuída pelo território sergipano, que, considerando as
distâncias geográficas em relação à cidade de Aracaju, onde está localizada a DITE,
dificultaria a participação dos professores se a formação fosse realizada apenas
presencialmente. Importante ressaltar esse dado, se lembrarmos que a freqüência
dos professores/cursistas nos encontros presenciais programados foi considerada
pelas formadoras como insatisfatória, motivo que as isentou de tomar como
34
parâmetro de avaliação. Contrariamente a essa experiência, conferimos, no espaço
virtual, o registro de intensas e pontuais interações e produções.
A carga horária totalizou, inicialmente, 100 horas, mas em função da
necessidade de ajustes operacionais quanto à comodidade dos
professores/cursistas na elaboração do trabalho de conclusão do curso (TCC),
ampliamos para 120 horas.
1.2.2 Etapas e ações
A primeira etapa caracterizou-se pela busca de pressupostos teóricos que
versassem sobre a temática da pesquisa, mais especificamente sobre a
transdisciplinaridade, complexidade, pensamento eco-sistêmico, como também da
literatura em torno de assuntos relacionados à mediação pedagógica, formação
docente em rede e o uso das tecnologias na educação.
Após o exame do material, o levantamento bibliográfico escolhido para
fundamentar a investigação ficou representado, predominantemente, pelos estudos
de Basarab Nicolescu, Edgar Morin, Maria Cândida Moraes, Saturnino de la Torre,
Rosamaria de Medeiros Arnt, Humberto Maturana e Francisco Varela, António
Damásio, Maurice Tardif e Henry Giroux. Esses autores proporcionaram um
aprofundamento dos estudos que vinham se realizando nos últimos anos e, por essa
razão, forneceram a base desejável no direcionamento quanto à consecução da
coleta de dados e análise.
Apesar da linearidade do relato a respeito do levantamento bibliográfico, o
processo de procura por subsídios científicos não foi tão simples assim. Na verdade
35
configurou-se entre muitas idas e vindas, pelo fato de existirem linhas de pesquisa
diferentes em torno de uma mesma concepção teórica. Aliás, testemunho um
esforço excessivo para organizar essas etapas, pela própria complexidade dos
caminhos de uma investigação, circunscritos com a repercussão simultânea de
momentos que se intercalam. Instantes modelados pela intuição, pela lógica,
racionalidade, emoção, objetividade, subjetividade. Paradoxalmente, esses e outros
condicionantes se encarregaram de impulsionar as fases subseqüentes.
A segunda fase se distinguiu pela observação do material publicado nas
ferramentas da rede virtual pelos participantes do curso, para, em seguida, definir
qual seria a fonte de informações a ser analisada. Além dos conteúdos das
intervenções dos professores/cursistas distribuídas na rede virtual, elaborei um
questionário aberto, na intenção de servir de instrumento de dados para análise. No
entanto, considerando o volume exacerbado de informações ordenadas no
ambiente, foram coletadas tão somente as reflexões publicadas nos fóruns,
compartilhadas entre docentes e professores/cursistas, afastando a possibilidade de
examinar as respostas fornecidas no citado questionário.
O processo de obtenção de dados observou a existência de dois tipos de
fóruns temáticos, denominados pelos títulos: Fóruns gerais e Fóruns para atividades
de aprendizagem. No primeiro, constaram matérias e conversas desprovidas de
formalidades, e, no segundo, as interações e diálogos convergiram para o estudo
dos conteúdos dos módulos, que se desenrolaram com atividades individuais e
colaborativas. Por razões que fogem a uma explicação racional, porque se
configuram muito mais como intuitivas, tive a preferência de analisar os fóruns que
trataram dos conceitos teóricos.
36
Em circunstância anterior à análise propriamente dita, foram selecionadas as
categorias de acordo com o modelo misto, proposto por Laville & Dionne (1999, p.
219), identificadas pelos pilares do pensamento transdisciplinar e dos sete princípios
ou operadores cognitivos da complexidade, na ótica de Edgar Morin. Na seqüência,
ao tomar como referência os objetivos a alcançar, a massa do conteúdo recolhido
passou pelo crivo do processo de seleção, gerando unidades que foram
enquadradas nas categorias.
A última etapa culminou com a análise genérica e final, fundada na
perspectiva teórica que conduz este trabalho de pesquisa, após a categorização das
unidades de conteúdo.
39
Procuro condensar análises das concepções teóricas que apóiam a pesquisa,
relacionando os conceitos à prática docente em cursos de formação de professor,
realizados em ambientes virtuais de aprendizagem. A idéia visa a demonstrar como
as abordagens complexas e eco-sistêmicas podem contribuir com projetos
educacionais emergentes, articulados com estratégias metodológicas centradas na
multidimensionalidade humana.
2.1 Do determinismo racionalista à complexidade
Recordo que o educador da escola pública brasileira graduou-se em pleno
século XX, do qual herdou atitudes, absorveu e construiu valores pautados no
sistema disciplinar de ensino. Incorporou conceitos que refletem o pensamento
ocidental cartesiano16, não apenas como efeito do método racional de Descartes,
como também da concepção positivista17, de Auguste Comte, e da visão
mecanicista18 de mundo, a partir do conjunto de estudos de Isaac Newton.
16 Corrente filosófica, cujo precursor foi René Descartes, que ressalta a excelência da razão, da capacidade de pensar, de raciocinar, em relação ao sentimento e à vontade, e o conhecimento científico como absoluto. Para Capra (1997, p. 55), (...) o método cartesiano levou à fragmentação característica do nosso pensamento em geral e das disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de reducionismo na ciência – a crença em que todos os aspectos dos fenômenos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes. 17 Corrente sociológica, que tem o francês Auguste Comte como precursor. Sustenta que o inquérito científico sério não deveria procurar causas últimas que derivem de alguma fonte externa, mas sim confinar-se ao estudo de relações existentes entre fatos que são diretamente acessíveis pela observação. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo#Teoria_de_Augusto_Comte>. Acessado em 11/05/2007. 18 As organizações eram vistas como um arranjo rígido, construídas a partir de um projeto e montadas como peças mecânicas. O lado humano, as emoções e os relacionamentos foram ignorados. Para Capra (1997, p. 61), A concepção mecanicista da natureza está, pois, intimamente relacionada com um rigoroso determinismo, em que a gigantesca máquina cósmica é completamente causal e determinada. Tudo o que aconteceu teria tido uma causa definida e dado origem a um efeito definido, e o futuro de qualquer parte do sistema podia – em princípio – ser previsto com absoluta certeza, desde que seu estado, em qualquer momento dado, fosse conhecido em todos os seus detalhes.
40
A concepção newtoniana revela que o universo é governado por leis
imutáveis19. Esse modelo reducionista foi tão relevante para as ciências, que vimos
sua repercussão também transitar pela Literatura Brasileira, no período do
Naturalismo, no final do século XIX, principalmente com Aluísio Azevedo, nas obras
O Mulato e O Cortiço.
A trama em O Cortiço propõe uma análise em torno das relações humanas,
com grande carga de questões sociais conflituosas e degradantes envolvidas,
destacando a problematização de tipos humanos que se confrontam: dos que vivem
à margem da sociedade e daquele que detém o poder econômico. Suas
personagens são constituídas de pessoas comuns, excluídas, reconhecidas como “o
lixo humano”, malandros, mendigos. “Defronte da porta de Rita tinham vindo postar-
se diversos moradores do cortiço, jornaleiros de baixo salário, pobre gente
miserável, que mal podia matar a fome com o que ganhava”20 (AZEVEDO, Aluísio. O
Cortiço. p. 43).
Problemas trágicos e todos os vícios inimagináveis, realidade de uma
comunidade decadente, vitimada pelas circunstâncias. “Lá no cortiço, de portas
adentro, podiam esfaquear-se à vontade, que nenhum deles, e muito menos a
vitima, seria capaz de apontar o criminoso (...)” (AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. p.
87)21. Submetido às leis universais, o homem, enquanto integrante de um sistema
social específico, estava a cumprir o processo de vida dentro de padrões fechados,
19 CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 2001. 20 Idem. 21 Trecho extraído <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00021a.pdf>. Acessado em 11/05/2007.
41
rígidos, componente que vai confluir na lei de causa e efeito ou no princípio da
causalidade22, no previsível e absoluto, onde tudo está predeterminado.
O fluxo dessas idéias, apesar das contribuições relevantes para a vida
planetária, no que se refere ao planejamento e à organização do saber, vem limitar,
com toda sua arrogância, a compreensão da dinâmica da vida e das relações
humanas, em função da primazia racionalista, da natureza disciplinar e fragmentária
sobre o conhecimento. Limitação que não permite a expansão da criatividade.
A interpretação dessas correntes científico-filosóficas acarretou impactos em
vários aspectos da vida comum, inclusive na educação formal. Há, nesse sentido,
um vasto repertório de pesquisas que demonstram a problemática: as condições
técnico-pedagógicas e administrativas da escola não se percebem como extensão
umas das outras, como setores complementares; a avaliação da aprendizagem
mensurada, quantitativamente; a própria concepção de espacialidade das salas de
aula, cuja arquitetura é projetada na estrutura de quatro paredes, dando-nos a
impressão de que professor e aluno são sujeitos cativos, onde somente ali é
possível ensinar e aprender. Além disso, há conteúdos desarticulados, que escapam
do contexto. Ecleide Furlanetto (2000, p.92) nos lembra:
“(...) encontramos muitas vezes uma prática pedagógica que afasta o professor do aluno, distancia o aluno de seus colegas e ambos do conhecimento. Existe também uma distância entre teoria e prática muito presente nesse dinamismo que se mostra na escola encobrindo as relações entre o que está sendo estudado e a própria vida”.
Os efeitos dessa massa de valores na educação vão mais além do que está
aparente, eles reforçaram no homem sentimentos e ações excludentes e antiéticas, 22 Significa que todo efeito tem uma causa e que, nas mesmas circunstâncias, a mesma causa produz sempre os mesmos efeitos. Disponível em <http://ocanto.esenviseu.net/lexicon/dtermins.htm>. Acessado em 11/05/2007.
42
como a competitividade no universo do trabalho, o preconceito pelas culturas, a
hostilidade ao mundo natural. Essas emergências representam o álibi das mudanças
indispensáveis à educação, mudanças que devem começar naturalmente pela
formação do professor.
Uma formação adequada poderá refletir positivamente na atuação docente e
esta, no processo de aprendizagem. Que seja uma formação isenta de pudor,
quando necessário mobilizar as dimensões temporais e espirituais. Maria Cândida
Moraes (2003) propõe:
“(...) urgência de uma reforma paradigmática nos processos de construção e de reorganização do conhecimento, uma reforma do pensamento (Morin, 2000) e uma profunda transformação na educação (Moraes, 1997). Isto para que possamos enfrentar a complexidade de nossa realidade atual e dar conta dos problemas mais pertinentes relacionados às questões tecnológicas, ambientais, ecológicas, éticas e sociais”.
Para corrigir os problemas criados pela e para a humanidade, e evitar futuros
equívocos, o cenário dos cursos de formação de professor deve ser erguido sobre
propostas metodológicas flexíveis e abertas, onde seja possível perceber a natureza
complexa da existência. “O modo como nos tornamos propensos (pela educação e
pela cultura) a pensar é que vai determinar as práticas do dia-a-dia, tanto no plano
individual quanto no social”, segundo Humberto Mariotti23.
E para falar de complexidade, convidaria ao debate alguns pesquisadores
cujas obras contribuíram, de alguma forma, com seus pressupostos. Chamaria a
teoria autopoiética, de Humberto Maturana e Francisco Varela, por trazer conceitos
que nos auxiliarão no entendimento de concepções que serão mais tarde
resgatadas, quando das reflexões sobre o ambiente educacional.
23 Disponível em <http://www.geocities.com/pluriversu/introdut.html>. Acessado em 07/11/2007.
43
Para os biólogos chilenos, os sistemas vivos ou unidades dinâmicas
(indivíduo, a escola, a família, uma indústria de brinquedos, um grupo de estudos,
entre outros) constituem uma oorrggaanniizzaaççããoo aauuttooppooiiééttiiccaa, que se autoproduzem ou se
auto-organizam, e se apresentam de natureza invariável, imutável. Significa dizer
que uma escola, por exemplo, sempre será uma instituição de ensino. Mas cada
estabelecimento de ensino possui uma eessttrruuttuurraa peculiar, que o torna único e se
diferencia de outros, seja pela proposta pedagógica, pela localização geográfica ou
pela cultura dos indivíduos que dele participam. Há, enfim, uma série de fatores que
singularizam um sistema autopoiético. Essa eessttrruuttuurraa, no entanto, passa por
ininterruptas mudanças desencadeadas das interações mútuas entre seus
componentes e o ambiente. A cumplicidade entre os pares se estabelece para
preservar sua organização ou para que a escola não se desintegre, não deixe de
existir, ao que os cientistas denominam aaccooppllaammeennttoo eessttrruuttuurraall. Para Moraes (2003,
p. 86), “(...) As transformações estruturais ocorrem de acordo com as circunstâncias
presentes”. Em se tratando do ddeetteerrmmiinniissmmoo eessttrruuttuurraall, entendemos que, durante o
fluxo dialético das interações, o sujeito e o meio exercem influências recíprocas, no
entanto, o movimento de interação que ocorre entre eles “não determina quais serão
seus efeitos” (MATURANA e VARELA, 2001, p. 108) ou, ainda, não presume as
reações dos sujeitos que integram aquele sistema dinâmico. E a partir das inter-
relações, a unidade autopoiética elabora sua história, isto é, sua oonnttooggeenniiaa.
A auto-organização corresponde ao processo de mudanças estruturais que
ocorrem no interior de uma unidade dinâmica (ou sistema vivo, sob a ótica da
autopoiese24), ocasionadas pelas emergências que surgem das relações com o
meio. Essas mudanças não implicam na perda das especificidades e características
24 Para seus autores, Maturana e Varela, Autopoiese significa auto-organização ou, ainda, é toda organização (todos os sistemas vivos e/ou dinâmicos), que produz continuamente a si mesma, através de ininterrupta produção e renovação de seus componentes.
44
próprias do organismo (unidade dinâmica), ao contrário, vêm a ser um movimento
que, ao se reconstruir, nega o determinismo, abdica do imutável, legitima a
flexibilidade e a identidade de seus componentes.
Do ponto de vista social, a verificação do estado de impermanência da
estrutura de uma organização autopoiética conflui para o enfraquecimento das idéias
deterministas, defendidas no mundo científico ocidental. O pensamento complexo,
nesse sentido, vem reforçar o caráter transitório do contexto dos sistemas vivos.
Etimologicamente, segundo Edgar Morin (2003, p. 43),
“(...) a palavra “complexidade” é de origem latina, provém de complectere, cuja raiz plectere significa trançar, enlaçar. (...) A presença do prefixo “com” acrescenta o sentido da dualidade de dois elementos opostos que se enlaçam intimamente, mas sem anular sua dualidade”.
Complexidade, para Morin, lembra Moraes (2003, p. 200), “indica uma
tessitura comum, pois complexo significa aquilo que é tecido em conjunto”. Uma
ação de interdependência e de atribuições recíprocas entre sujeitos em torno de um
objeto ou de um projeto comum, em circunstâncias onde são resguardadas as
individualidades e reconhecida a transitoriedade dos processos. A complexidade
pode ser compreendida como um pensamento que reúne diferenças e diferentes,
organiza e reorganiza contraditórios, articula sujeito e objeto de forma
contextualizada, que liga e religa conceitos. Movimentos que, em função das
circunstâncias, podem ocorrer simultaneamente.
Para Morin (2003, p. 44), complexidade é uma rede constituída de
componentes heterogêneos, indissociáveis, “que apresentam a relação paradoxal
entre o uno e o múltiplo”. Uma teia composta de elementos de natureza diferente, de
aspectos antagônicos, como a ordem e a desordem, a síntese e a análise, a
45
eliminação e a construção, condições que devem ser pensadas juntas, porque
complementares. No pensamento complexo, o mundo é visto de forma sistêmica, um
todo interconectado com suas partes.
Moraes (2004, p. 189) não só amplia como aprofunda a explicação:
“Pensar o complexo é tentar compreender a dinâmica presente nas partes constitutivas do todo, descobrir como elas se relacionam. É perceber os fenômenos em suas relações e conexões. Pressupõe, portanto, ver o objeto relacionalmente, ou seja, de maneira ecológica e relacional, inserido num contexto histórico, afetivo e sociocultural”.
O desafio de vivenciar a complexidade em cursos de formação para a
docência se acentua pela necessidade de atenuar as forças da supremacia da
objetividade, porque, isoladamente, é evasiva. O desafio será, ainda, privilegiar
propostas e atitudes que confluam para a unidade e não mais para a fragmentação.
Uma formação que possibilite, porque fundamental, a reflexão do processo
complexo do conhecimento e dos vários aspectos interdependentes ou relacionados
durante sua construção. Uma formação docente nutrida de fontes teóricas
humanizantes apresenta maiores possibilidades de tornar a mediação pedagógica
mais consistente.
2.2 Mediação pedagógica transdisciplinar
Para analisar a “mediação pedagógica transdisciplinar” em cursos de
formação realizados por meio de redes de aprendizagem, situo-me, neste reinício de
viagem, como observadora de procedimentos e de ações que se desvelam no
contexto da escola pública brasileira.
46
Da observação, busco resgatar os sujeitos, em sua humanidade, que
pretendem garantir a aprendizagem como um fim a alcançar e tento compreender de
que maneira ocorre a passagem do estado de imanência à transcendência,
considerando esta como prerrogativa da mediação pedagógica transdisciplinar.
Para Houaiss25, o vocábulo mediação significa intercessão, interposição,
intervenção. Podemos entendê-lo, entre outras, como um ato a se realizar ou
realizado por alguém que pretende contribuir com opiniões ou estimular a
comunicação numa determinada situação ou, simplesmente, coordenar um debate.
Mediação implica em interação, em intercâmbio, anunciando, por sua vez, a
presença de interlocutores na ação, que dialogam para trocar idéias ou para criar em
colaboração. Para David Bohm (2005, p. 38), “O propósito do diálogo é percorrer
todo o processo do pensamento e mudar o modo como ele acontece coletivamente”.
O diálogo traz a carga emocional e heranças culturais dos sujeitos.
“(...) fluímos de acordo com as circunstâncias, criando campos vibracionais
com nosso pensar, sentir, agir, que se acoplam ao pensar, sentir e agir daqueles
que compartilham os espaços educacionais conosco” (ARNT, 2007, p. 23/24). A
pesquisadora nos chama a revisitar a autopoiese: influenciamos e somos
influenciados pelo ambiente. É oportuno, nesse instante, pensar no papel
desempenhado pelo educador na escola, sobretudo na responsabilidade que cabe a
um líder, quando mediador da aprendizagem, não como autoridade. A
responsabilidade consiste na atitude de compor parcerias, saudáveis, e cuidar pela
qualidade das relações, afinal estamos lidando com vidas humanas em formação.
Importa-nos saber que não existem figurantes nessa perspectiva, mas protagonistas
que desejam compartilhar um espaço com bem-estar e alegria. Dessa forma, sendo
25 Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 1.0.
47
professor e aluno protagonistas, supõe-se que ambos são responsáveis pela
interação durante o processo de conhecimento.
Mas essas idéias não se encaixam no perfil da escola tradicional, por todos os
vícios cultuados. Pela condição de onisciência do professor, que transmite o saber,
um saber pleno e irrefutável, e o aluno, impassível na subserviência, a receber e a
reproduzir informação. Uma convivência com um não sei o quê de solidão.
Conteúdos fora de contexto, desconexos, sem chance de relacioná-los à prática ou
às histórias de vida.
Na construção de uma nova escola ou de redes virtuais de aprendizagem, a
mediação pedagógica deverá ter como base o pensamento complexo que “busca a
perspectiva inter e transdisciplinar do conhecimento, capaz de articular, integrar e
refletir os diferentes conhecimentos disciplinares” (MORAES, 2003, p. 205/206).
Trata-se de uma mediação pedagógica não-linear, constituída de vínculos tênues,
imperceptíveis, que se compõem das inter-relações entre os parceiros. Desses
laços, integram também as estratégias didáticas e os encaminhamentos
metodológicos imersos em rede. Isso em função da auto-organização da unidade
dinâmica.
As formações desenvolvidas em ambientes virtuais de aprendizagem
requerem um docente com perfil diferente da educação presencial, talvez mais
lapidado, porque conspira a mobilização de outros elementos antes silenciados.
Demanda uma visão espacial mais ampliada e atenta. Sugere um olhar sistêmico e
transdisciplinar. Propõe uma escuta inclusiva26 (CREMA, 2002, p. 23), não
discriminativa, ou escuta sensível (BARBIER, René. 1998), acolhedora.
26 Expressão de Roberto Crema, da obra - AAnnttiiggooss ee nnoovvooss tteerraappeeuuttaass: abordagem transdisciplinar em terapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
48
Em situações concretas, particularizaria algumas propostas que podem
delinear as ‘feições’ do formador nos trabalhos desenvolvidos em AVA: - criar redes
de aprendizagem integrada, concebendo-as “como cenários de transformação
pessoal, profissional, institucional e social, superando a fragmentação disciplinar e a
divisão entre razão, emoção e corporeidade, sem deixar de fomentar valores
humanos, éticos, espirituais e de convivência” (MORAES e TORRE, 2007, p. 3); -
saber que o acoplamento estrutural conduz os seres vivos à evolução e, portanto, é
na relação de parceria e na interação que criamos e nos transformamos; - gerar e
manter laços amistosos ou de amizade entre os cursistas porque da cumplicidade e
da confiança emergem as melhores produções; - propor estratégias fundamentadas
na auto-aprendizagem, para o desenvolvimento da autonomia; - estimular a
socialização de idéias, permitindo a construção colaborativa, onde todos possam
compartilhar de um conhecimento comum; - ser receptivo às opiniões individuais e
coletivas, valendo-se de uma linguagem clara e transparente; - criar situações que
acolham o pluralismo de opiniões, porque a diversidade de elementos torna o
processo do conhecimento mais significativo; - utilizar-se da comunicação
multidirecional, isto é, possibilitar fluxos diferenciados de interação, facilitando a
circulação de saberes construídos por sujeitos na sua individualidade; - fundamentar
suas intenções e ações numa matriz humanizante27; - saber lidar com as
emergências e situações inesperadas.
Como entender, afinal a mediação pedagógica transdisciplinar em ambiente
virtual de aprendizagem? O que seria a transdisciplinaridade? Segundo Nicolescu
(1999, p.51), transdisciplinaridade significa “àquilo que está ao mesmo tempo entre
27 De autoria da pesquisadora Mónica Luque, no artigo “A mediação pedagógica em ambientes virtuais de aprendizagem” (2005), para o Curso de Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas – ARTEDUCA – da UnB, que se baseia “em princípios semelhantes aos que Paulo Freire e Humberto Maturana defendem para os diálogos realizados em contextos educacionais: fundamentados no respeito, no carinho e amor aos interlocutores”.
49
as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina”, cujo
propósito é compreender, na unidade dos saberes, o mundo atual. Na
transdisciplinaridade, um objeto de estudo pode ser analisado sob múltiplas visões.
Uma obra de arte, por exemplo, pode ser observada não apenas do ponto de vista
da disciplina de arte, mas também da geografia, da química, da sociologia etc,
entretanto, em muitas ocasiões de aprendizagem, é necessário transpor os limites
das disciplinas, ir além delas.
A transdisciplinaridade solicita uma atitude rigorosa do indivíduo em relação a
tudo o que existe, mas que não está necessariamente ligado a nenhuma disciplina.
Da confrontação das disciplinas, emergem novas informações, que se mobilizam
reciprocamente, num movimento que se desliza em espiral, fazendo surgir novas
situações.
Os níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade são
definidos por Nicolescu (1999) como os pilares da abordagem transdisciplinar. A
realidade envolve um conjunto de níveis diferentes e estes, por sua vez, são
reconhecidos a partir dos diferentes níveis de percepção, sendo, assim, ligados pela
lógica do terceiro incluído. Para o estudioso (1999, p. 62), “Ao fluxo de informação
que atravessa de maneira coerente os diferentes níveis de realidade corresponde
um fluxo de consciência atravessando de maneira coerente os diferentes níveis de
percepção”. O conceito da lógica do terceiro incluído pode ser percebido como uma
alternativa a uma dada situação, uma terceira opção na dinâmica das relações
mútuas que se expressam no meio.
Orientados por lógicas próprias, os diferentes níveis de realidade são
representados pelos mundos macrofísico (visível, palpável, o que vivemos) e o
microfísico (quântico, das partículas, sutil, imperceptível), cuja relação de
50
interdependência entre eles vai constituir o ‘real’. Podemos entender, dessa forma,
que a realidade compõe-se de dois mundos – o macro e o micro – e que, apesar de
terem individualmente características específicas e muito peculiares, coexistem,
interexistem e/ou existem simultaneamente, constituindo assim a unidade. O
pesquisador (Ibid., p. 29) explica que nível de realidade é “um conjunto de sistemas
invariantes sob a ação de um número de leis gerais: por exemplo, as entidades
quânticas submetidas às leis quânticas, as quais estão radicalmente separadas das
leis do mundo macrofísico”.
Realidade, para Nicolescu (Ibid., p. 28), tem um significado tanto pragmático
quanto ontológico. É “aquilo que resiste às nossas experiências, representações,
descrições, imagens ou formalizações matemáticas”. Nesse sentido, a abstração,
como uma operação cognitiva, é percebida como um componente integrante da
natureza e um processo intrínseco à realidade. Esta, no entanto, não somente é
intersubjetiva, produto da cumplicidade e criação do homem em sociedade, mas
também tem uma perspectiva trans-subjetiva. “É preciso dar uma dimensão
ontológica à Realidade, na medida em que a Natureza participa do ser no mundo”
(Ibid., p. 29). A passagem de um nível de realidade a outro ocorre quando há
rompimento das leis que regem os mundos macrofísico e o microfísico.
A lógica do terceiro incluído ou estado T corresponde a um meio, fenômeno
ou evento que vai unir os diferentes níveis de realidade; em outras palavras, um
‘espaço’ de conciliação, de encontro, ou um estado emergencial, com a função de
interligar contrários níveis de realidade, proporcionando o alcance de um outro nível
de realidade e assim sucessivamente. “O estado T produz a unificação dos
contraditórios A e não-A, mas esta unificação ocorre num nível diferente daquele
onde estão situados A e não-A”, diz Nicolescu (Ibid., p. 56). É a manifestação da
51
lógica do terceiro incluído, auxiliada pelos níveis de percepção e de consciência do
indivíduo, que mobiliza o processo de construção do conhecimento para o alcance
de outros níveis de realidade, onde está o objeto de pesquisa.
A dinâmica desenvolvida pelo estado T para transpor os níveis de realidade
necessita trafegar por uma área livre ou isenta de ‘pré-conceitos’, que dispensa
qualquer compreensão racional ou, como deseja Nicolescu (Ibid., p. 60), uma
unidade aberta que corresponde ao sagrado, denominada zona de não-resistência.
Para Arnt (2007), “É a zona da intuição, da compreensão pelo amor (...)”.
Desempenhando um papel similar ao da lógica do terceiro incluído, a zona de não-
resistência, sendo um componente conceitual da transdisciplinaridade, se diferencia
do estado T como uma área aberta, que propicia o acordo dos níveis de realidade e
de percepção, para o entendimento do real que transcende a qualquer explicação
racional. Talvez uma região onde habita nossa “íntima humanidade28”, os olhares
éticos e estéticos; a criação artística; os mistérios. Talvez de onde surjam os insights
na construção de mundo, da conexão entre sujeitos e os diversos elementos que
nos rodeiam.
Os conceitos do pensamento transdisciplinar se ajustam à concepção de
mediação pedagógica, na visão de Moraes (2003), que a percebe, entre outros,
como um processo comunicacional, de co-construção de significados, que
oportuniza o diálogo entre professores e alunos e estimula a produção do
conhecimento contextualizado, gerado nas relações. Comunicação percebida como
um processo contínuo de interação, de uma ação onde todos os integrantes (do
processo) são, reciprocamente, agentes da aprendizagem. Segundo a pesquisadora
(Ibid. p. 212),
28 Título da obra poética de Iara Vieira (2003).
52
“O significado e o propósito da mediação pedagógica, (...) estaria na manutenção do fluxo das interações, nas conversações que se estabelecem, ou seja, no diálogo e na vivência do próprio processo, enquanto que no sistema tradicional, caracterizado pela transmissão vertical de informações, o significado estaria no conteúdo das mensagens individualmente veiculadas”.
Nessa perspectiva, se a aprendizagem ocorre ou é fruto das relações entre
seus membros, todos os integrantes desse processo são de igual importância.
2.3 Pensamento eco-sistêmico
Para estrear esta etapa da pesquisa, dirijo-me à própria fonte, trazendo as
explicações da autora – Maria Cândida Moraes – ao que vem a ser o pensamento
eco-sistêmico. Do ponto de vista semântico, Moraes (2004, p. 153) deixa explícito
que sua escolha pela expressão “eco-sistêmico” provém da
“(...) associação de dois macroconceitos, o ecológico e o sistêmico, para denominar o paradigma educacional que emerge a partir das teorias e dos temas selecionados. Eco-sistêmico, com um hífen separando as duas palavras, para que fique claro que estamos ligando dois conceitos importantes: o ecológico e o sistêmico”.
Percebo a concepção eco-sistêmica como um pensamento que conecta,
relaciona e inter-relaciona teorias, conceitos e processos, esclarecidos pelo olhar de
pressupostos transdisciplinares, do pensar complexo e da Biologia do Conhecer, de
Maturana e Varela, e outras abordagens de natureza sistêmica.
Moraes nos dá pistas consistentes sobre o conceito de sistema,
compreendido como
53
“(...) uma unidade complexa que articula, organizacionalmente, diferentes elementos que ocupam um determinado lugar no tempo e no espaço. (...) é, portanto, uma organização que, para constituir-se como tal, pressupõe a existência de relações de interdependência entre os elementos constituintes e a existência de propriedades comuns compartilhadas”.
O pensamento eco-sistêmico vem conceber a dinâmica de interdependência
dos componentes, diversos e adversos, que estão inseridos nos processos de uma
unidade complexa. Moraes (2004, p. 154) denomina-o sistema ecológico, que
significa “um pensamento relacional, dialógico, interligado, indicando que tudo o que
existe co-existe e que nada existe fora de suas conexões e relações”.
O pensamento eco-sistêmico constitui-se não apenas uma proposta ampliada
das dinâmicas complexas da natureza, mas um projeto sofisticado que anuncia a
comunhão de dimensões diferentes – sujeito/objeto, discurso/prática,
matéria/espírito, razão/emoção, arte/matemática – agindo em “contextos
ecologizados” ou em territórios estruturalmente acoplados. São elementos
diferentes, porque orientados por lógicas próprias, que se inter-relacionam
mutuamente por conectores sutis ou vínculos imperceptíveis, em nome dos estados
de consciência e em circunstâncias únicas. Seja qual for a situação, o instante será
sempre inédito, considerando as transformações resultantes da interação em que
sujeito/sujeito, sujeito/objeto/meio exercem influências recíprocas.
Dessa concepção, originou-se o paradigma educacional eco-sistêmico, que,
segundo Arnt (2007, p. 184), se opõe
“(...) ao modelo instrucionista ao considerar que a aprendizagem é um processo complexo, que envolve a auto-organização do ser que aprende, numa dinâmica única, toda sua, que depende de sua estrutura, de seu acoplamento com o meio, em co-deriva”.
54
O paradigma educacional eco-sistêmico não é imparcial, porque recomenda
ao professor uma mediação flexível, aberta e integradora, conduzida por princípios
que pensam a educação realizada em ambientes virtuais de aprendizagem como
uma teia concebida de elementos com características (estruturas) muito peculiares.
Cuidar do aluno na sua constelação individual não é uma obrigação, mas um ato
espontâneo. Significa dizer que a ação docente deve se desencadear, também, com
base nas experiências de vida e na memória cultural do aluno, porque são cenas de
suas vivências que povoam o pensamento e quando materializado faz emanar
novas situações de aprendizagem. Essa postura reflete na preservação da
identidade, na conquista da confiança e construção da autonomia em meio à
produção do conhecimento, que se operacionaliza colaborativamente.
Para Moraes (2004, p. 282), o paradigma educacional eco-sistêmico tem um
significado de
“(...) um paradigma que se apóia na ação do aprendiz sobre o mundo, na atuação sobre sua realidade, no reconhecimento de sua interação com o mundo e no desenvolvimento de diferentes diálogos que o indivíduo estabelece consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o sagrado. Diálogos que o faz um ser histórico, datado, contextualizado, portanto, situado no tempo e no espaço, através dos quais ele busca sobreviver e transcender a partir de suas ações e reflexões sobre o mundo e conseqüente transformação de sua realidade”.
Essas reflexões trazem a síntese das dimensões do paradigma educacional
eco-sistêmico, que envolvem a construtivista, interacionista, sociocultural, afetiva e
transcendente.
55
2.4 Formação de professores em rede de aprendizagem
Como a direção deste trabalho incide em análises sobre a mediação
pedagógica, nada mais apropriado do que trazer algumas reflexões sobre formação
de professores, já que o saber docente está intimamente relacionado à dinâmica
operacionalizada no contexto educacional.
2.4.1 Despertando as tensões
Da perplexidade oriunda das crises sociais e ideológicas que a sociedade
contemporânea ou assiste ou vivencia – como as guerras, doenças, danos causados
ao meio ambiente – o homem, também indignado, vem buscando caminhos na
intenção de reconstituir esse panorama.
Em se tratando da educação no Brasil, há uma preocupação também de
organismos internacionais, como a UNESCO – representada no Brasil pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação – que vem auxiliando vários governos
a implementar políticas de formação de professores e práticas profissionais como
prioridades para o desenvolvimento nacional, a fim de tornar a educação para todos
uma realidade.
Pesquisas realizadas apontam a falta de estímulo do educando e o
descontentamento do professor como fatores resultantes de um sistema educacional
frágil, que peca duplamente ao privilegiar os conteúdos curriculares,
descontextualizados, e ao reincidir numa avaliação que ora premia, ora pune. Este
último leva-nos a entender o erro e o acerto como o ponto final da aprendizagem,
56
não como uma condição que pode se desdobrar em uma rica experiência de
construção do conhecimento. De acordo com Moraes (2004, p. 29),
“(...) o erro revela muito de nossa maneira de pensar, constituindo-se em um bom exemplo para caracterizar as dinâmicas linear e não-linear. Sabemos que o erro pode ser compreendido de diferentes maneiras. Se for vista a negação da verdade, como algo que merece punição, estaremos pensando de maneira linear, indicando que se o aprendiz errou é porque não sabia nada. Assim, o professor não tenta compreender quais as possíveis razões para que ele se expressasse daquela maneira diferente da esperada. Mas, se pensarmos no erro como uma etapa do próprio processo de construção do conhecimento, a partir de uma visão não-linear, complexa, então ele passa a ter uma outra dimensão do problema, a dar uma outra importância e um outro sentido ao ocorrido, revelando-se assim uma outra realidade anteriormente desapercebida”.
Os resultados dos instrumentos e programas de avaliação realizados pelas
instituições governamentais com alunos da escola pública brasileira, vemos uma
crise que se amplia de forma imprudente e perturbadora. Além disso, somos
conhecedores do alto índice de analfabetismo, de evasão e repetência escolar,
indicadores que necessitam de iniciativas que corrijam essas distorções ou de
políticas públicas mais consistentes. Há sinais de que esse cenário vem se
construindo como conseqüência, também, da crise da ação docente, entre outras
causas, o que, por sua vez, pode ser efeito da formação acadêmica do professor.
A ausência de trabalhadoras e trabalhadores da educação qualificados para
atuar em conformidade com a demanda da atual conjuntura e a natureza debilitada
do trabalho docente localizado no sistema público educacional sugerem políticas
sólidas e transformadoras, que tenham como metas a remoção do olhar simplificado,
isolado e superficial do indivíduo sobre o mundo e a instauração de uma postura que
o leve a reconhecer o homem em suas várias dimensões – emocional, intelectual,
física, espiritual – constituído das e pelas relações com outros seres e o meio.
57
Para Moraes (2005, p. 186), a Educação a Distância (EaD) poderá vir “a
colaborar para a ressignificação dos paradigmas educacionais vigentes, favorecendo
a transformação das atuais propostas pedagógicas, a partir de uma nova visão de
realidade”.
Pode-se observar que a EaD nesse novo contexto estimula o
desenvolvimento de projetos cooperativos e uma aprendizagem colaborativa,
desencadeados num espaço de convivência, do ponto de vista autopoiético, que
viabiliza condições propícias à qualidade das relações entre os participantes de um
curso de formação. A teoria autopoiética, de Humberto Maturana e Francisco Varela,
denota auto-organização ou ainda toda organização (sistemas vivos ou dinâmicos),
que produz continuamente a si mesma, através de contínua produção e renovação
de seus componentes.
Sabemos que a EaD está inserida hoje nos ambientes acadêmicos e em
outras instituições, proporcionando uma educação continuada, enfatizando a
responsabilidade e autonomia de cada aprendiz pelos seus avanços na ação de
explorar os caminhos que o levam ao conhecimento. Segundo Maria de Fátima
Guerra Sousa (2004, p.1)29,
“O sonho de todo professor em todas as modalidades de ensino é ter um aluno autônomo. Capaz de, por si só, se planejar e se organizar para melhor aprender. Mas esse aluno não se prepara de um dia para o outro. Ser autônomo, afetivo e intelectualmente é um projeto de vida que precisa de orientação. Nós, professores, podemos e devemos contribuir muito com esse projeto, principalmente se a motivação e a inspiração de nosso trabalho se fundam no desejo e no compromisso de formar o cidadão e desenvolver a cidadania. Na educação a distância esse sonho precisa ser, necessariamente, uma realidade compartilhada e desejada também pelo aluno”.
29 Extraído do artigo - AApprreennddeerr aa AApprreennddeerr eemm EEdduuccaaççããoo aa DDiissttâânncciiaa:: aa ccoonnssttrruuççããoo ddaa aauuttoonnoommiiaa ddoo aapprreennddiizz,, II módulo, disponibilizado pela autora, Profa. Maria de Fátima Guerra de Sousa, para análise na Formação de Tutores para o Curso Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas (ARTEDUCA), realizado pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004.
58
Entendo como uma autonomia que preserva a identidade e vai se
configurando a partir das circunstâncias geradas nas interações, dos vínculos
estabelecidos entre os pares, no respeito às diferentes idéias e histórias que cada
um traz consigo. Uma autonomia construída das inter-relações, que pode emergir da
incerteza, do imprevisto, da contradição, das divergências, mas sempre com a
intervenção parceira docente.
2.4.2 Cenários e redes de aprendizagem integrada
Na introdução deste trabalho, ensaio uma breve reflexão sobre a ‘esperança’.
Sem qualquer constrangimento, o sentido da palavra aqui impresso pode ter uma
conotação romântica e tem, afinal me fiz assim. Entretanto, pelo peso ou força com
que ela me move, não é um mero acessório a compor as idéias ou um recurso
secundário do pensamento/sentimento que faz desenrolar a escrita. Em meio às
tensões envolvendo docência e formação de professor, a esperança constitui-se de
uma carga de energia não estranha à lógica do terceiro incluído ou à zona de não-
resistência da transdisciplinaridade: comporta a possibilidade, apazigua os
diferentes níveis de realidade, reconhece-se, enfim, como um fecundo estado de
transformação, que se manifesta ou pela amorosidade e/ou pelos processos
cognitivos.
Nesse sentido, ocorre-me ressaltar alguns estudos que se apresentam como
uma alternativa de análises em torno de aspectos da formação de professor
desenvolvida principalmente em redes virtuais de aprendizagem. Henry Giroux
(1997, p. 161) sustenta que a reformulação do trabalho docente deverá conceber os
59
professores como intelectuais transformadores. Para o autor, a “categoria
intelectual” inspira a existência de um fundamento teórico que conduz o profissional
em suas atividades pedagógicas, como também elucida sobre o seu papel
desempenhado por meio de posturas que tornam legítimos os interesses políticos,
econômicos e sociais. Essa categoria aponta ainda os contextos e ações de
natureza ideológica como fundamentais, para que os trabalhadores da educação se
percebam como intelectuais. A função do profissional como um intelectual
transformador visa a uma prática reflexiva e crítica e, ainda, sob esse enfoque, julgo
que a atividade do homem é justificada e permeada pela dimensão mental.
Os estudos de Maurice Tardif (2002) mostram que os saberes docentes não
se reduzem a processos cognitivos ou atividades mentais unicamente, eles
compõem-se de outros saberes construídos e mobilizados em operações complexas
de interação entre indivíduos. São saberes acolhidos e gerados ao longo de sua vida
pessoal/profissional, na relação com as culturas, no ambiente familiar e educacional,
nos cursos de formação, no contexto universitário, no pluralismo ou diversidade de
conhecimentos. O pesquisador procura “situar o saber do professor na interface
entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua natureza
social e individual como um todo. (...) baseia-se num certo número de fios
condutores” (Ibid. p. 16). A intenção, com isso, é entender que o saber do professor
tem o ser humano como campo de trabalho.
Por analogia à matéria anterior, de acordo com a psicologia budista que
avança numa outra perspectiva, nossa consciência tem a função de colher,
experimentar, guardar e preservar as sementes ou informações que surgem das
experiências. Esse processo denominado consciência armazenadora (HANH, Thich
Nhât, 2002) nos leva a supor que a qualidade de vida deve ser proporcional à
60
qualidade de informações acumuladas. Contudo, essas sementes armazenadas vão
se transformando, considerando as escolhas e necessidades do indivíduo; vão se
modificando nos estados emergentes que se cumprem na convivência, por meio dos
fluxos dos níveis de percepção. A Carta da Transdisciplinaridade30, sobretudo no
Artigo 13, reconhece como legítima a reflexão em torno da consciência
armazenadora, conforme o texto a seguir:
Artigo 13: A ética transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao diálogo e à discussão, qualquer que seja sua origem – de ordem ideológica, cientificista, religiosa, econômica, política, filosófica. O saber compartilhado deveria levar a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das alteridades unidas pela vida comum numa única e mesma Terra.
Desde o início desta pesquisa, há uma pretensa tentativa de mostrar
alternativas para as mudanças que desejamos na educação, a partir de um novo
projeto de perfil docente, com respaldo em sua formação. Nesse percurso, estamos
na companhia de pressupostos teóricos que se manifestam e se recolhem,
proposital, visível e alternadamente, entretanto, um deles mantém-se fiel e
constante: o pensamento complexo. Às vezes secreto, às vezes subitamente
revelador. Essa compreensão nos permite dar continuidade à analise acerca da
formação de professor e recuperar um dos pontos citados no objetivo deste trabalho:
a criação de cenários e redes de aprendizagem integrada. Para isso, no entanto,
busco inspiração nas investigações de Moraes & Torre (2007), a partir do texto
Proyecto Escenarios y Redes de Aprendizaje Integrado para una Educación de
Calidad (ERAIEC).
Dos problemas da humanidade já temos conhecimento, das fragilidades dos
sistemas educacionais também, o momento requer ações, urgentes. Ações lúcidas
30 Localizar a íntegra do documento no AAnneexxoo 44.
61
que tenham como sua melhor e única referência o homem, com seus valores e suas
dores, ontológico e antropológico; solicita atitudes ‘decentes’, que cuidem da vida
ambiental deste planeta. A meta agora é desfazer a sensação de imobilidade e
assumir compromissos na implementação das mudanças desejadas. As
possibilidades existem. O documento mencionado acima, elaborado por Moraes &
Torre (Ibid.), é um estudo consistente do ponto de vista científico, que apresenta
opções de caminhos que poderão nos levar a transpor a obsessiva fragmentação
dos saberes, a transgredir a dualidade cartesiana e a desmontar os postulados
deterministas ainda hegemônicos.
Considerando que “No podemos seguir educando con métodos del ayer a
jóvenes que ya viven en el mañana” (TORRE, ibid.), a educação e a formação
docente deverão reformular suas bases didático-pedagógicas, de modo a atender a
essa ‘nova’ feição de aluno, conectado com as inovações tecnológicas e muito bem
familiarizado com o ciberespaço por meio das redes virtuais de computadores. Para
isso, no entanto, o educador deverá experienciar um grande processo de
transformação pessoal, que irá reverberar nas esferas social e profissional. Moraes
& Torre (Ibid.) convidam o educador para colaborar com a concretização da reforma
do pensamento e da consciência e para uma maior abertura do coração. Essa
reconstrução implicará no desenvolvimento de um amplo projeto acadêmico
centrado em estratégias metodológicas apoiadas em pesquisas que visem à criação
de cenários e redes de aprendizagem integrada, estes compreendidos como
ambientes de interação social e vibracional.
Nesse instante, surge um novo e importante elemento de análise relativo ao
universo educacional: perceber esse espaço como um campo de vibração. Mesmo
não tendo propriedade para dissertar sobre o assunto, porque se trata de um
62
fenômeno explicado pela física quântica, ousaria conjecturar superficialmente que o
campo vibracional contém matéria, que é a própria energia condensada (MORAES &
TORRE, ibid.) – homem, objetos, animais, plantas, constituintes do reino mineral –
manifestando-se em vibrações ou freqüências energéticas indeterminadas que
ocorrem num fluídico movimento em rede. O nível (ou qualidade) de vibração está
intrinsecamente relacionado à freqüência da matéria emitida no espaço/campo. Em
outras palavras, a forma como a matéria interfere no ambiente é que vai determinar
a qualidade da freqüência vibracional. Há uma constante e ininterrupta interação
entre as energias a potencializar a ação nos espaços vibracionais, criando outros
estados energéticos e produzindo uma sucessão de campos diferentes. A
complexidade implicitamente se repete, levando-nos a compreender melhor a
dinâmica entre a relação da matéria e o campo vibracional.
Nessa linha de pensamento, Moraes & Torre (Ibid.) nos lembram da
existência de um grupo de cientistas envolvidos em pesquisas dessa natureza:
“Una comunidad virtual que apuesta por un nuevo paradigma en el que lo macro y lo micro están interconectados y que lo que observamos como materia no es sino energía concentrada, en la que a nivel subatómico estaría constituida por vacíos informados o Campo Punto Cero. Incluso nuestras mentes operan siguiendo procesos cuánticos, según Zohar y otros importantes científicos. En tal sentido pensar y sentir – todas las funciones cognitivas superiores - tienen que ver con la información cuántica pulsando simultáneamente a través de nuestros cuerpos y nuestros cerebros. La percepción se produce por interacciones entre partículas subatómicas del cerebro y el mar de energía cuántica que nos rodea” (McTaggart, o.c.,23).
Para levar à prática, a proposta de formação docente se fertiliza nos terrenos
da ecologia dos saberes na base epistemológica do pensamento eco-sistêmico, sob
o olhar da complexidade e da transdisciplinaridade. Entretanto, outros estudos
científicos e de diferentes áreas do conhecimento fornecem subsídios na
63
fecundação de todo o escopo teórico, como a física quântica, a biologia, a
neurociência, a química orgânica, a antropologia cultural, entre outras.
De acordo com as abordagens sistêmicas e eco-sistêmicas, as Instituições de
Ensino Superior (IES) são concebidas:
“(…) en términos de redes de información y energía, el espacio del aula como escenario de interacción de los agentes formadores, como circunstancias y campos energéticos y vibracionales, la institución como un campo organizacional en el que confluyen informaciones, materias, energías y lenguajes de diferentes procedencias, y el Programa como una guía o ruta que nos orienta en el camino, pero nunca un rail de única dirección” (MORAES & TORRE, ibid.).
A proposição pode ser justificada pela ecologia dos saberes, expressão
encontrada na obra de Boaventura de Sousa Santos, segundo Moraes & Torre
(Ibid.), cuja idéia diz respeito às universidades, no sentido de perceber “a existência
de conhecimentos plurais”, para proporcionar o encontro entre os saberes científicos
e os humanísticos. Tem o propósito de valorizar o saber procedente de diversas
culturas e tradições integrando-o ao acadêmico. Trata-se, dessa forma, de uma
mudança na estrutura conservadora da educação superior, quando a demanda
indica o caminho inverso do tradicional: levar outros conhecimentos e saberes do
povo para dentro da universidade e relacioná-los às ciências. Certamente, a
pretensão não é subestimar as ciências, mas, sim, agregar condicionantes dos
costumes e experiências do homem comum, antes ignorados, aos científicos.
O exercício da ecologia dos saberes pode ser a própria prática do
pensamento complexo. Vem a ser um pensamento ecologizado, como recomendam
Moraes & Torre (Ibid.):
“(...) que religa, relaciona, reintegra e nos ajuda a religar as diferentes dimensões humanas implicadas nos processos de construção do conhecimento, processos estes produtos de uma organização funcional e operacionalmente complexa e que, por sua
64
vez, exige um pensar mais complexo, articulado, capaz de reconhecer interdependências processuais, a multidimensionalidade da realidade humana, um pensamento capaz de afrontar antinomias e os paradoxos que se apresentam ao se pretender conhecer a realidade”.
Há, nessa perspectiva, uma dinâmica que se realiza no contexto dos
princípios ou operadores cognitivos da complexidade e dos pilares do pensamento
transdisciplinar, analisada no capítulo 5 desta pesquisa.
A materialização da ecologia dos saberes como uma proposta de mudança na
formação docente universitária implica na criação de cenários e redes de
aprendizagem integrada, com inspiração derivada das fontes teóricas da
transdisciplinaridade, da complexidade e do pensamento eco-sistêmico. Os cenários
e redes de aprendizagem integrada, de acordo com Moraes & Torre (Ibid.),
significam espaços diferenciados de aula – físico-temporais e virtuais – para o
desenvolvimento de estratégias diferenciadas que utilizem recursos pedagógicos
também diversificados, como materiais audiovisuais, impressos, tecnológicos etc. Os
autores avançam mais nas idéias, sugerindo a metodologia de projetos que
incorporem o estudo de várias disciplinas para proporcionar o desenvolvimento de
valores e habilidades. “A tolerância, a convivência, a colaboração, a atitude crítica,
criativa e a busca da auto-aprendizagem permanente são as ferramentas mais
eficazes para a transformação pessoal, profissional e social” (MORAES & TORRE,
ibid.).
67
A Divisão de Tecnologia de Ensino (DITE), órgão vinculado ao Departamento
de educação (DED), da Secretaria de Estado da Educação (SEED)31, foi criada em
1994 para desenvolver projetos didático-pedagógicos voltados para o uso das
tecnologias da informação e comunicação (TIC), nas escolas públicas do estado de
Sergipe. Em sua estrutura comportam dois Núcleos de Tecnologia Educacional
(NTE), localizados em Aracaju, para atender à demanda do ProInfo, e estão sendo
criados mais oito, em outros municípios do estado. Os NTE funcionarão nos Centros
de Tecnologia Educacional (CTE), distribuídos por região, perfazendo um total de
dez.
Estão integrados em sua agenda programas desenvolvidos pelo Ministério da
Educação (MEC), como o Programa Nacional de Informática Educativa (Proinfo), TV
Escola, Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento à Comunidade (Gesac), e, no
ano de 2007, foi incorporado o Tô no Mundo, em parceria com a Universidade de
São Paulo (USP). Em âmbito estadual, funcionou o projeto Alfabetização com o Uso
da Multimídia, extinto no ano de 2007, e em atividade o Rádio-Educ/SE.
3.1 Programa Nacional de Informática Educativa (ProInfo)
O ProInfo foi implantado pelo MEC, por meio da Secretaria de Educação a
Distância, no ano de 1997, para introduzir as tecnologias da informação e
comunicação nas escolas públicas, estaduais e municipais, como recurso
pedagógico ao processo de ensino e aprendizagem.
31 Disponível em <http://www.seed.se.gov.br>.
68
O período de implantação contou com estudos realizados por uma equipe,
para fornecer uma bagagem teórica aos professores dos estados, denominados
multiplicadores, que trabalhariam na área. O artigo “Subsídios para Fundamentação
do Programa Nacional de Informática na Educação”, de Maria Cândida Moraes,
(SEED/MEC - jan/1997), apresenta a justificativa do Programa, descrevendo um
quadro da problemática com indicadores estatísticos do contexto do ensino
brasileiro, ao tempo em que analisa as mudanças socioeconômicas e culturais do
cenário mundial, como também orienta para a utilização dos instrumentos
tecnológicos na educação.
A proposta de operacionalização implicou na preparação de professores dos
estados que aderiram ao Programa, os quais passaram por cursos de
especialização, com o propósito de subsidiá-los para a criação e vivência de uma
nova cultura na escola, apoiada nas tecnologias. De acordo com o documento,
Diretrizes do ProInfo (julho de 1997, p. 11), a capacitação de professores teve o
objetivo de
“(...) redimensionar o papel que o professor deverá desempenhar na formação do cidadão do século XXI. É, de fato, um desafio à pedagogia tradicional, porque significa introduzir mudanças no processo de ensino-aprendizagem e, ainda, nos modos de estruturação e funcionamento da escola e de suas relações com a comunidade”.
Para o funcionamento do Programa, foram criados Núcleos de Tecnologia
Educacional, equipados com computadores e impressoras, para que os
professores/multiplicadores capacitados realizassem ações com os professores das
escolas estruturadas com laboratório de informática.
O PPrrooIInnffoo (estadual), em Sergipe, comportava apenas dois Núcleos que
davam suporte às escolas, expandindo para dez no ano de 2007, os quais ficarão
69
vinculados a Centros de Tecnologia Educacional (CTE), dispostos em espaços
adequados, nas Diretorias Regionais de Educação (DRE) do estado. A ampliação
dos NTE, a meu ver, vem favorecer a descentralização, organização e a execução
dos trabalhos que lhes são atribuídos.
O quadro de pessoal para o desenvolvimento do Programa se compõe de
uma coordenação estadual e da coordenação de mídias, sendo que vinculadas a
esta estão a coordenação pedagógica, a equipe de professores/multiplicadores, os
professores articuladores dos laboratórios de tecnologia educacional das escolas e o
suporte técnico.
As atribuições se especificam conforme as coordenações, como seguem
abaixo:
Coordenação Estadual do ProInfo:
• Gerência Administrativa e Pedagógica do ProInfo no Estado;
• orientação do planejamento das ações dos CTE para o desenvolvimento da
telemática na educação através de Projetos Educacionais;
• atualização do cadastro das escolas do estado que integram o ProInfo, no
SIGETEC - Sistema de Gestão Tecnológica;
• seleção de professores para participarem de cursos de formação de
multiplicadores (especialização lato sensu);
• acompanhamento das ações desenvolvidas nos CTE;
• orientação para o desenvolvimento do trabalho integrado nos CTE com outros
programas de uso da tecnologia aplicada à educação;
• dar visibilidade às ações do ProInfo.
70
Coordenação Pedagógica dos CTE:
• sensibilizar e motivar as escolas para a incorporação da tecnologia de
informação e comunicação no Projeto Político Pedagógico;
• estruturar um sistema de formação continuada de professores no uso das
novas tecnologias da informação, visando o máximo de qualidade e
eficiência;
• desenvolver modelos de capacitação que privilegiem a aprendizagem
cooperativa e autônoma, possibilitando aos professores de diferentes regiões
geográficas do estado e do país a oportunidades de intercomunicação e
interação com especialistas, o que deverá gerar uma nova cultura de
educação a distância;
• preparar professores para saberem usar as novas tecnologias da informação
e comunicação de forma autônoma e independente, possibilitando a
incorporação das novas tecnologias à experiência pessoal e profissional de
cada um, visando à transformação de sua prática pedagógica.
Professor/multiplicador:
• deve ser um agente de mudança educacional;
• especialista que sensibiliza e motiva os professores articuladores das escolas,
para a necessidade da integração das novas tecnologias no processo de
ensino e aprendizagem, capacitando-os na utilização dos instrumentos da
Telemática;
• assessorar pedagogicamente os Professores Articuladores na elaboração de
projetos;
71
• acompanhar, orientar e avaliar as ações dos professores articuladores,
professores regentes e alunos, no desenvolvimento de atividades
pedagógicas, para o uso das mídias presentes na escola;
• ser parceiro dos professores articuladores em situações de estudo, como dos
cursos de especialização.
Professor articulador:
• fomentar o uso do laboratório de informática educacional, integrando as
diversas áreas do conhecimento numa perspectiva de construção de projetos;
• integrar-se à elaboração e ao desenvolvimento do projeto político pedagógico
da escola;
• orientar, fornecer subsídios e acompanhar os demais docentes na elaboração
e desenvolvimento de projetos que envolvam a utilização do laboratório de
informática educacional;
• desenvolver diretamente com os alunos projetos de aprendizagem, por meio
de atividades curriculares e extracurriculares, concedendo um caráter
interdisciplinar e transdisciplinar às ações;
• promover a incorporação da cultura digital ao cotidiano da escola.
3.2 TV Escola
Programa voltado especificamente para a formação de professores das
escolas públicas de ensino fundamental e médio de todo o Brasil, para a apropriação
de instrumentos de comunicação de massa que trabalham com a linguagem
audiovisual – imagem/som/movimento.
72
Desde sua implantação, no estado de Sergipe, no ano de l996, o TV Escola
desenvolve ações de capacitação e acompanhamento, com a intenção de contribuir
para a qualificação, o aperfeiçoamento e a valorização dos profissionais da
educação, apoiando no trabalho em sala de aula, visando à qualidade do ensino da
escola pública.
São propostas, também, ações com base na programação veiculada pelo
canal televisivo TV Escola, fundadas na metodologia de oficinas pedagógicas, para
aprofundamento teórico e prático no uso de equipamentos, análise, planejamento e
produção de audiovisual. Os trabalhos se realizam com a exibição de vídeos,
contendo informações relevantes para a atualização profissional e ampliação de
conhecimentos sobre os conteúdos disciplinares.
As oficinas, os cursos de extensão e de especialização se apropriam de
recursos audiovisuais impressos e digitalizados que constituem o acervo do
Programa, de acordo com a área do conhecimento e desenhos metodológicos:
• Ensino Fundamental:
- Arte, Ciências, Educação Especial, Educação Física, Escola / Educação, Ética,
Filosofia, Geografia, História, Língua Portuguesa, Literatura, Matemática, Meio
Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Saúde;
- série Vendo e Aprendendo
• Ensino Médio:
- Séries Acervo, Como Fazer?, A Escola, Ensino Legal e Ver Ciência.
• Formação de Professores:
- Programa um Salto para o Futuro
- Curso de Extensão “TV Escola e os Desafios de Hoje” – impresso, on line e em
CD-rom;
73
- Curso de especialização de Mídias na Educação - material on line e em CD-rom.
A equipe do TV Escola, juntamente com as dos demais programas, participa
de estudos internos promovidos pela DITE, denominados grupos de estudos, onde
são discutidas diversas temáticas e abordagens teóricas que fundamentam os
trabalhos.
3.3 Rádio Educação de Sergipe – Rádio-Educ/SE
Os meios de comunicação podem contribuir com as práticas realizadas na
escola pública, estimulando o protagonismo nos jovens, a partir de temas
educativos. Dessa forma, o Programa tem o objetivo de utilizar o rádio como recurso
pedagógico, para desenvolver entre os alunos o exercício da oralidade e o
desenvolvimento da linguagem textual e, com isso, melhorar a qualidade da
educação pública.
Implantado no ano de 2007, o Rádio-Educ/SE atende apenas a sete escolas
que possuem a infra-estrutura adequada para seu funcionamento. Para seu
funcionamento, a equipe do Programa ministrou cursos de formação aos docentes
que utilizarão os recursos em nos trabalhos diários, como também, em parceria com
o governo federal, providenciou o envio de kits tecnológicos, contendo microfone,
suporte para microfone, fone de ouvido, mesas para som, ar condicionado, pedestal,
200 metros de fio e um aparelho de DVD.
Como os Programas anteriores, a coordenação estadual do Rádio-Educ/SE
tem as seguintes atribuições:
• gerência administrativa e pedagógica do Rádio Educ/SE no Estado;
74
• orientação do planejamento das ações dos CTEs para o desenvolvimento da
telemática na educação através de projetos educacionais;
• assessoramento às escolas vinculadas ao Programa;
• capacitar professores para desenvolver projetos com a integração das mídias;
• planejamento das ações anuais do Programa.
75
4° CAPÍTULO
SITUANDO O CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR
SENTIPENSAR, TECNOLOGIAS E MÍDIAS DIGITAIS: EDUCANDO
DESDE E PARA A VIDA E ANÁLISE
77
Reflexão sobre o campo desta pesquisa (curso de formação de professor
Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida),
enfocando as possíveis interfaces da transdisciplinaridade no trabalho docente, em
rede virtual de aprendizagem.
4.1 Construção do cenário
O curso de formação Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando
desde e para a vida começou de fato a se esboçar, em meados do ano de 2003, a
partir de reuniões virtuais, sistemáticas, entre professores/formadores de Núcleos de
Tecnologia Educacional provenientes de diferentes regiões do Brasil e uma
educadora da Argentina, para investigar a abordagem autopoiética. Para tanto, foi
criado pela Profa. Dra. Rosamaria de Medeiros Arnt, quem também coordenou o
Grupo de Estudos sobre as Teorias de Humberto Maturana e Francisco Varela, um
espaço de debates e aprendizagem, na plataforma do Teleduc.
Entre outras, a intenção foi refletir o projeto de educação desenvolvido no
contexto da rede pública e, ao mesmo tempo, delinear a realidade de cada
profissional, expondo dúvidas e incertezas sobre as ações condicionantes que
despendemos no ambiente escolar. Por conseqüência, nos foi proporcionada a
oportunidade de fazer uma auto-análise, quando mergulhamos dentro de nós, para
saber um pouco mais da pessoa e profissional que somos, e nos transformar.
Os debates do grupo não se detiveram apenas a explorar o universo da
autopoiese, eles rumaram para outros campos, fecundos, porque intrínsecos à
essência humana: emoções e sentimentos, na visão de António Damásio, emoções
78
e linguagem, sob o olhar de Humberto Maturana, vinculando-os às histórias de vida
e à educação. Além disso, foram abordadas questões sobre as matrizes
pedagógicas a partir de um texto base de Ecleide Furlanetto. As discussões em
torno desses assuntos se evidenciaram sobre dinâmicas diferenciadas, propostas
pela mediadora, utilizando-se das linguagens musical, imagética e textual. O forte da
comunicação entre os participantes se concentrou nos fóruns, que primaram por
títulos descontraídos: ‘Minha história’, ‘botequim.com’, ‘passeando pelos conceitos’.
No ano de 2004, o grupo de estudos recebeu outra denominação:
Sentipensar – espaço de formação e criação – com a idéia de ampliar as pesquisas
para conceitos que, naturalmente, emergiam e se revelavam entre uma conversa e
outra.
Em plena celebração da Páscoa, no ano de 2005, três integrantes do grupo
de estudos se deslocaram até São Paulo para o primeiro encontro presencial, em
atendimento às emergências que vinham apontando. Enclausuramo-nos para
aprofundar outras concepções sistêmicas, que tiveram como fundamento a pesquisa
de Maria Cândida Moraes – Reconfigurando o cenário epistemológico (março de
2005). Na ocasião, a autora se fez presente, elucidando conceitos relativos ao
pensamento eco-sistêmico, à transdisciplinaridade, complexidade, estruturas
dissipativas e outras.
Do encontro presencial, enfim, nasceu o PPrroojjeettoo SSeennttiippeennssaarr, denominado
PPrroojjeettoo PPáássccooaa3322, do qual foram organizadas e planejadas algumas versões de
propostas de cursos de formação de professor, alicerçadas naquelas abordagens. E
no ano de 2006, colocamos nossas idéias em prática, implantando o curso de
32 Conferir no AAnneexxoo 55.
79
formação de professor SSeennttiippeennssaarr,, tteeccnnoollooggiiaass ee mmííddiiaass ddiiggiittaaiiss:: eedduuccaannddoo ddeessddee ee
ppaarraa aa vviiddaa3333, no estado de Sergipe.
4.2 Estrutura do curso
O curso Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a
vida, destinado a professores das escolas públicas do estado de Sergipe, sob o
patrocínio do governo do estado, foi promovido pela Secretaria de Estado da
Educação (SEED), por meio da Divisão de Tecnologia de Ensino (DITE), setor
vinculado ao Departamento de Educação (DED).
A emissão dos certificados aos participantes (coordenação, formadoras e
professores/cursistas) da formação ficou sob a responsabilidade do Centro de
Qualificação Profissional (CQP), órgão da estrutura administrativa da SEED.
De característica modular, a configuração metodológica contemplou estudos
on-line e presenciais, priorizando estratégias de trabalhos realizados em
colaboração e oportunizando o intercâmbio de idéias entre os professores/cursistas
de diferentes estabelecimentos de ensino. As dinâmicas enfatizaram a articulação
de conteúdos teóricos com as experiências profissionais e pessoais, sempre
pautadas em discussões e análises.
A carga horária totalizou, inicialmente, 100 horas, mas em função da
necessidade de ajustes operacionais quanto à comodidade dos
professores/cursistas na elaboração do trabalho de conclusão do curso (TCC),
ampliamos para 120.
33 Verificar no AAnneexxoo 66.
80
De acordo com o planejamento, a aula inaugural realizou-se no dia 07 de
março de 2006, no mini-auditório da DITE, contando com a participação da
coordenadora do Projeto Sentipensar, professores/cursistas, formadoras e
servidores da DITE. Treze meses passados, no seminário de encerramento
realizado nos dias 16 e 17 de abril de 2007, no Teatro Atheneu, a Profa. Dra.
Rosamaria de Medeiros Arnt mais uma vez nos presenteou com duas palestras
sobre a complexidade, transdisciplinaridade e concepções eco-sistêmicas, para um
público que superou o número de oitocentos professores. Na ocasião, os
professores/cursistas que participaram da formação, relataram a experiência do
desenvolvimento dos projetos, nas escolas.
As ministrantes e esta pesquisadora que participaram da formação eram, à
época, professoras (multiplicadoras) lotadas na DITE, integrantes do quadro do
NTE-Aracaju/SE, onde exerciam as ações do ProInfo estadual e do TV Escola. A
coordenadora do Projeto, além de acompanhar a distância todo o movimento do
ambiente, conduzira um dos módulos como formadora.
O número de inscritos no curso de formação contabilizou sessenta e um
professores/cursistas, sendo que na metade do curso computamos trinta e três e, ao
final, já contando com a perda de uma professora/cursista por óbito, concluímos com
dezenove. Essa distorção quantitativa entre a formação inicial e a final tem, na
minha avaliação, algumas justificativas. Primeiro, o número de formadores deve ser
proporcional ao de inscritos, para que todos sejam atendidos pontualmente.
Segundo, o formador deve necessariamente ter vivência prévia e conhecimento
consistente dos conteúdos a abordar. Terceiro, o professor/cursista precisa ter
acesso fácil à internet, caso contrário, perde o encanto e o interesse. Poderia
81
relacionar outros problemas, mas talvez sejam esses os motivos principais que
levaram alguns a não prosseguir viagem.
Para os encaminhamentos das estratégias, foram criadas no ambiente as
ferramentas: programação, diários, materiais, wikis e fóruns. Em programação,
constaram as agendas das atividades propostas e algumas comunicações. Diários,
recurso reservado para a auto-avaliação dos professores/cursistas que se eximiam
de expor suas fragilidades publicamente, onde apenas as formadoras tinham livre
circulação. Materiais, para armazenar todos os arquivos publicados no curso,
inclusive o conteúdo das agendas (programação). A wiikkiiss, para a elaboração de
textos coletivos, mas pouco expressiva, porque não efetivamente dinamizada. E,
fóruns, a mais significativa, em minha opinião, pela função de construir parcerias. A
ferramenta apresentou a seguinte configuração:
Fóruns gerais:
� Café – ponto de encontro, para assuntos, sobretudo informais;
� Tutoras/formadoras – espaço reservado para as formadoras;
� Informações gerais;
� Suporte técnico;
� TCC – Trabalho de conclusão do curso;
� Tira-dúvidas.
Fóruns para atividades de aprendizagem:
� Mapas conceituais – sobre o texto “O ser vivo”, de Rosamaria de Medeiros
Arnt
� Produção individual “O ser vivo” – sobre o texto de Rosamaria de Medeiros
Arnt
� Dúvidas “O ser vivo”.
82
� Questionando o Sentipensar – Texto “Diálogo sentir-pensar”, de Saturnino de
la Torre, extraído do livro: Moraes, Maria Cândida & Torre, Saturnino de la.
Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2004;
� Fóruns das equipes – foram criados espaços para 10 equipes, para a
discussão e elaboração de um texto coletivo sobre o artigo “O que é um
grupo?, de Madalena Freire;
� O que é um grupo? – para as opiniões individuais;
� Avaliação e auto-avaliação – reflexão do andamento do curso e avaliação do
próprio cursista;
� Sobre o relato – debate sobre os textos “O festival dos sentidos” e “Mar de
Bahia”, de Saturnino de la Torre, extraído do livro: Moraes, Maria Cândida &
Torre, Saturnino de la. Sentipensar: fundamentos e estratégias para
reencantar a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004;
� Pensando em estratégias – propostas de atividade, tomando como referência
os textos de Saturnino de la Torre, anteriormente discutidos;
� Elaboração do mini-projeto (para ser desenvolvido em equipe nas escolas);
� Dialogando sobre o filme “Quem somos nós?”;
� Fóruns das equipes – espaços para 06 grupos, discussão e elaboração do
mini-projeto;
� TCC concluídos.
83
4.3 Instrumentos para análise da ação docente
Há de se considerar que o Sentipensar, tecnologias e mídias digitais:
educando desde e para a vida foi a primeira experiência de trabalho das formadoras
da Divisão de Tecnologia de Ensino, em um curso para professor da escola pública
alicerçado em referências epistemológicas complexas e eco-sistêmicas. A ousadia
transcendeu o primeiro desafio.
O segundo desafio superado relacionou-se à proposta metodológica de
modalidade híbrida, com atividades a distância e presenciais, sendo que os
trabalhos on-line tiveram uma carga horária proporcionalmente maior do que os
presenciais: de 92 para 28 horas. Entretanto, a prática demonstrou que o período
dedicado à mediação no ambiente virtual de aprendizagem ultrapassou o tempo
previsto em mais ou menos 20 horas. Entendo essa entrega espontânea das
formadoras não apenas como uma atenção, mas também um compromisso com os
professores/cursistas que desejavam retorno relativo às dúvidas. Por outro lado,
imagino que as temáticas colocadas para discussão se encarregaram de propiciar
motivação às docentes nas atividades com os professores/cursistas. Transcrevo
abaixo mensagem de uma formadora, publicada no fórum ‘Dialogando sobre o filme
Quem somos nós?’, cujo comentário tratou do texto "A energia por trás do vento",
extraído do livro "O retorno das tribos-pássaro", escrito por Ken Carey:
“- (...) que bom que você gostou e vejo que sentiu o mesmo entusiasmo e identificação com o texto que eu, pois a primeira vez que o li estava sentada em um banco no Parque da Sementeira, em um domingo à tarde, como você diz foi "caleidoscópio". É bom a gente descobrir esta sensação de estar conectado(a)”.
A docente vale-se de uma linguagem impregnada de elementos simples para
compor um cenário com imagens do cotidiano, que dão movimento e plasticidade à
84
comunicação. Essa forma delicada e informal de se expressar vem possibilitar, mais
facilmente, uma aproximação com o interlocutor. É um gesto que proporciona a
conquista e fluência das dinâmicas, essencial em cursos desenvolvidos em rede.
O fórum representou o instrumento que permitiu ao formador dar o ritmo à
interação e onde, também, foram visualizados todos os processos complexos que
envolvem a aprendizagem. Dos afetivo-emocionais aos cognitivos. Deslizam por aí
as revelações do instante. Inexato, surpreendente. Não é o espaço do encontro, é
um espaço de encontro de energias que são acolhidas e, simultaneamente,
liberadas.
Medidas de acompanhamento ao professor/cursista foram planejadas pelas
formadoras com a elaboração e o uso de planilhas34, nas quais constaram os
campos criados no ambiente e sinalizados de acordo com a participação individual
ou em grupo. O dispositivo teve a função de permitir a visualização do itinerário dos
componentes e, com isso, orientar o docente para uma futura intervenção. Apesar
da praticidade foi pouco manuseada.
Os procedimentos de avaliação qualitativa se distinguiram pela auto-
avaliação, participação, produção e envolvimento dos professores/cursistas nos
trabalhos colocados para reflexão e debate realizados no ambiente virtual. Foram
inseridas nesse processo a apresentação de trabalhos de conclusão do curso (TCC)
e a criação de um artigo sobre a experiência na formação, ambos escritos
colaborativamente.
Após a elaboração e apresentação do trabalho de conclusão do curso (TCC)
no seminário de encerramento do curso, as formadoras encaminharam, aos
professores/cursistas, um documento de orientação35 referente à produção de um
34 Localizar modelo no AAnneexxoo 77.. 35 Conferir o texto no AAnneexxoo 88.
85
artigo, para ser publicado no endereço eletrônico36 Sentipensar – corazón pensante,
criado e mantido pelos professores Maria Cândida Moraes e Saturnino de la Torre.
36 Disponível <http://www.sentipensar.net/>.
88
O desenvolvimento desta investigação envolve um naipe de peças
interconectadas que se distinguem individualmente umas das outras na
funcionalidade, mas ao mesmo tempo se completam para dinamizar as ações que
conduzirão aos objetivos propostos.
Essa engrenagem se operacionaliza por instrumentos teóricos cedidos pela
transdisciplinaridade, pensamento eco-sistêmico e complexidade, utilizando-se de
mecanismos metodológicos estratégicos que confluem para o estudo do campo da
pesquisa.
Esta etapa discorre sobre a análise propriamente dita do trabalho, valendo-se
do recurso de categorização dos conceitos e conteúdos observados no campo de
investigação. Para isso, no entanto, as categorias devem conter elementos
impregnados de significado, para auxiliar na compreensão dos eventos e processos
complexos do ensino e aprendizagem.
Inicialmente, foram identificadas as categorias conceituais, de acordo com o
modelo misto proposto por Laville & Dionne (1999, p. 219), e na seqüência
selecionados os dados coletados dos fóruns do ambiente virtual e agrupados nas
categorias, culminando com a análise de seus conteúdos.
5.1 Categorias identificadas
As “categorias conceituais” (MORAES & TORRE, 2007) que vão auxiliar a
análise do campo da pesquisa – Curso de Formação de Professor Sentipensar,
tecnologias e mídias digitais: educando desde e para a vida, enfocando as possíveis
interfaces da transdisciplinaridade no trabalho docente, em rede virtual de
aprendizagem – constituem-se dos pilares do pensamento transdisciplinar, na ótica
89
de Nicolescu (1999), e dos sete princípios ou operadores cognitivos da
complexidade, na visão de Edgar Morin (2000; 2003).
Essas categorias deverão revelar a otimização de alguns fundamentos
transdisciplinares evidenciados pela “transgressão da dualidade que opõe os pares
binários: sujeito/objeto, subjetividade/objetividade, matéria/consciência,
natureza/divino, simplicidade/complexidade, reducionismo/holismo,
diversidade/unidade” (NICOLESCU, p. 62). Adverso à prática (cultural) disciplinar
que promove a ‘diáspora’ do processo de ensino e aprendizagem e situa a
construção do saber num mesmo e único nível de realidade, o exercício
transdisciplinar propõe, ao mesmo tempo, as relações entre as partes e o todo ou
entre o universo e o homem, como também reconhece a existência de vários níveis
de realidade.
Os princípios ou operadores cognitivos da complexidade estão assim
representados:
1. Sistêmico ou organizacional
Segundo Morin ((2000, p. 209), é o que liga o conhecimento das partes ao
conhecimento do todo e, mais adiante, citando Pascal, lembra que “é impossível
conhecer o todo sem conhecer as partes e conhecer as partes sem conhecer o
todo”. Na organização do ‘todo’ onde as ‘partes’ se lançam, há uma dinâmica
relacional-circular-recursiva que concilia a síntese à análise, o local ao global, a
parte ao todo e vice-versa. São ações que geram propriedades, eventos, fenômenos
novos, reconhecidas como ‘emergências’. Em essência, ao contrário das idéias de
dispersão e reducionistas em torno do processo do conhecimento, vem a ser um
90
movimento que estabelece vínculos recíprocos entre as partes, caracterizando-se,
nesse sentido, pela noção de complementaridade e retroalimentação na organização
do todo. É um princípio que desfaz o olhar excludente do pensamento binário ainda
presente nos espaços educacionais ou acadêmicos, onde as coisas, a vida, tudo é
percebido isoladamente. Não queremos dizer com isso que as partes não existem
na sua individualidade, sim, elas possuem uma organização autopoiética e
características próprias, mas não significa que estejam indissociadas umas das
outras. Aliás, é a relação de interdependência, de solidariedade entre os pares, que
vai facultar a formação do todo.
2. Hologramático
O operador revela o suposto paradoxo em que um elemento visual ou uma
imagem projetada tridimensionalmente de um holograma contém registros do todo
ou praticamente a “totalidad de la información del objeto representado” (MORAES &
TORRE, 2007), assim como a informação do todo (objeto) está contida em cada
parte (imagem). A complexidade e os fenômenos emergentes do holograma
demonstram que “o todo é tanto mais quanto menos que a soma das partes”. Trata-
se de uma operação integradora e uma via de mão-dupla, em que o todo retém
informações das partes e estas do todo. Tomemos como exemplo a escola que se
organiza em função de componentes considerados relevantes para seu
funcionamento, que vão desde os indivíduos até os materiais didáticos e
administrativos. Tanto aqueles indivíduos incorporam informações do ambiente
como o ambiente absorve as do indivíduo.
91
3. Retroatividade
Para Morin (2000, p. 210), o operador permite o conhecimento dos processos
auto-reguladores. Recomenda a diluição da idéia de causalidade linear, isto é, da
relação pura e objetiva de causa e efeito, em substituição pela noção de
circularidade. Podemos compreender que, para fins de organização e preservação
da autonomia e identidade dos sistemas vivos, a causa produz efeitos e estes
reagem sobre a causa, fornecendo retorno com outros dados, tal qual a ação de um
feedback. O princípio da retroatividade, de acordo com o autor, quando negativa,
propicia equilíbrio à ação, corrigindo desvios dos processos circulares –
causa/efeito/causa – no sentido de manter os sistemas vivos em funcionamento e/ou
de auxiliá-los em sua organização. Como observar, dessa forma, o princípio
retroativo na prática? Num curso de formação, por exemplo, as intervenções
parceiras, atentas e pontuais, envolvendo docentes e discentes em torno de um
determinado objeto de estudo, são circunstâncias motivadoras do processo de
conhecimento, porque possibilitam desencadear novas elaborações conceituais. No
sentido inverso, ou seja, a falta de um feedback certamente irá imprimir um estado
de paralisa no grupo, o que poderá provocar evasão, desistência ou outras situações
indesejáveis.
4. Recursividade
A recursividade vem resgatar um dos conceitos básicos da teoria
autopoiética, de Maturana e Varela, que trata dos sistemas vivos como uma unidade
92
dinâmica que se autoproduz e se auto-organiza continuamente, com a finalidade de
preservar sua autonomia e, ao mesmo tempo, sua identidade. Segundo Morin (2003,
p. 35), “(...) os efeitos ou produtos são, simultaneamente, causadores e produtores
do próprio processo, no qual os estados finais são necessários para a geração de
estados iniciais. Entendemos, portanto, que os sistemas vivos em suas conexões e
relações de intercâmbio com o meio em que se situam, apresentam a dupla função
de produzir e reproduzir-se, ininterruptamente. Em situações de aprendizagem, esse
movimento que se cumpre em forma de uma espiral nutre-se não só das
informações que o indivíduo traz consigo, mas também das contribuições publicadas
no ambiente pelos demais participantes. Essas circunstâncias de interações mútuas
que ocasionam novas experiências no processo do conhecimento podem
corresponder a um momento de organização essencial dos sistemas, visando aos
interesses do grupo.
5. Autonomia/dependência
“Todo processo biológico necessita da energia e da informação do meio. Não
há possibilidade de autonomia sem múltiplas dependências”, diz Morin (2003, p. 36),
no entanto, os sistemas vivos sentem necessidade de despender energias, isto é, os
sistemas tanto precisam gastar suas próprias energias quanto absorvê-las de outras
fontes. Nessa dinâmica de renovação e transformação que se realiza no convívio
das relações de dependência entre os componentes inseridos num ambiente, as
unidades sistêmicas, sem perder a identidade e características constitutivas, erguem
93
e fortalecem sua autonomia, processo denominado pelo autor de auto-eco-
organizacional.
6. Dialógico
Peço licença ao autor para denominá-lo princípio do encontro. Sim, porque
propõe a conciliação de processos, noções, eventos, conceitos aparentemente
antagônicos ou contraditórios, que poderiam sofrer repulsão, entretanto, como
elementos essenciais para o entendimento e aceitação de um determinado contexto,
precisam necessariamente ser pensados juntos. Um exemplo similar ao apresentado
por Morin (2003, p. 36-37) seria envolver, em uma mesma reflexão, a escola, o
corpo docente, educandos, funcionários da área administrativa, materiais didáticos,
entre outros, para uma melhor compreensão do universo educacional. A interação
entre as supostas diferenças darão sentido à análise.
7. Reintrodução do sujeito cognoscente em todo conhecimento
Esse princípio concebe a presença do sujeito não somente como um
componente integrante do meio e que pretende conhecer a realidade, mas,
sobretudo, como seu agente construtor. No pensamento complexo, o indivíduo
reincorpora seu papel de autor que manipula o conhecimento e que, como também
atua como observador, não está isolado do campo observado. A construção de
mundo, nessa perspectiva, se dá na interação entre indivíduos e o meio. Para
94
Moraes & Torres (2007), “El sujeto no refleja la realidad, sino que la construye a
través de los principios mencionados. Él es parte de una totalidad que intenta
explicar, pues la complejidad nos habla de que no existe dicotomía entre el todo y su
realidad”. Com esse entendimento, o educador como mediador da aprendizagem
deve estar aberto e atento em estabelecer parcerias consistentes, para que delas
possam emergir descobertas e produções coerentes.
Para Nicolescu (1999), os três pilares do pensamento transdisciplinar estão
assim designados: níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído ou estado T e a
complexidade, este, já analisado pelos princípios ou operadores cognitivos.
Orientados por lógicas próprias, os diferentes níveis de realidade são
representados pelos mundos macrofísico (visível, palpável, o que vivemos) e o
microfísico (quântico, das partículas, sutil, imperceptível), cuja relação de
interdependência entre eles vai constituir o ‘real’. Podemos entender, dessa forma,
que a realidade compõe-se de dois mundos – o macro e o micro – e que, apesar de
terem individualmente características específicas e muito peculiares, coexistem,
interexistem e/ou existem simultaneamente, constituindo assim a unidade. O
pesquisador (Ibid., p. 29) explica que nível de realidade é “um conjunto de sistemas
invariantes sob a ação de um número de leis gerais: por exemplo, as entidades
quânticas submetidas às leis quânticas, as quais estão radicalmente separadas das
leis do mundo macrofísico”.
Realidade, para Nicolescu (Ibid., p. 28), tem um significado tanto pragmático
quanto ontológico, é “aquilo que resiste às nossas experiências, representações,
descrições, imagens ou formalizações matemáticas”. Nesse sentido, a abstração,
como uma operação cognitiva, é percebida como um componente integrante da
natureza e um processo intrínseco à realidade. Esta, no entanto, não somente é
95
intersubjetiva, produto da cumplicidade e criação do homem em sociedade, mas
também tem uma perspectiva trans-subjetiva. “É preciso dar uma dimensão
ontológica à Realidade, na medida em que a Natureza participa do ser no mundo”
(Ibid., p. 29). A passagem de um nível de realidade a outro ocorre quando há
rompimento das leis que regem os mundos macrofísico e o microfísico.
A lógica do terceiro incluído ou estado T, expressão introduzida pelo físico e
filósofo romeno Stéphane Lupasco, corresponde a um meio, fenômeno ou evento
que vai unir os diferentes níveis de realidade; em outras palavras, um ‘espaço’ de
conciliação, de encontro, ou um estado emergencial, com a função de interligar
contrários níveis de realidade, proporcionando o alcance de um outro nível de
realidade e assim sucessivamente. “O estado T produz a unificação dos
contraditórios A e não-A, mas esta unificação ocorre num nível diferente daquele
onde estão situados A e não-A”, diz Nicolescu (Ibid., p. 56). É a manifestação da
lógica do terceiro incluído, auxiliada pelos níveis de percepção e de consciência do
indivíduo, que mobiliza o processo de construção do conhecimento para o alcance
de outros níveis de realidade, onde está o objeto de pesquisa.
A propósito, a dinâmica desenvolvida pelo estado T para transpor os níveis de
realidade necessita trafegar por uma área livre ou isenta de ‘pré-conceitos’, que
dispensa qualquer compreensão racional ou, como deseja Nicolescu (Ibid., p. 60),
uma unidade aberta que corresponde ao sagrado, denominada zona de não-
resistência. Para Arnt (2007, p. 107), “É a zona da intuição, da compreensão pelo
amor (...)”.
96
5.2 A obtenção dos dados
O desenvolvimento das etapas do trabalho de investigação teve como
parâmetro tentar responder ao problema de pesquisa assim expresso: Quais as
contribuições da transdisciplinaridade para um curso de formação de professor, em
rede, que apresente como objetivo a criação de cenários de aprendizagem
integrada?. Esse questionamento foi levantado a partir da observação do campo de
estudo, focado no curso de formação de professor Sentipensar, tecnologias e mídias
digitais: educando desde e para a vida, disposto em ambiente virtual de
aprendizagem.
A arquitetura metodológica da formação fora intencionalmente projetada para
atender às configurações de um curso alicerçado na singularidade do pensamento
transdisciplinar, complexo e eco-sistêmico, realizado na modalidade a distância.
Entrecruzaram-se, aos enfoques teóricos e ao espaço virtual da plataforma do
Moodle, ferramentas distintas que forneceram suporte aos trabalhos pedagógicos e
promoveram a comunicação e interação entre os professores/cursistas e as
formadoras. Esse dado leva-nos a inferir que sua estrutura apresenta um desenho
em forma de rede ou teia, onde todas as peças que dinamizam a formação
estiveram vinculadas, inclusive os recursos tecnológicos do ambiente, para
intercâmbio de atividades, conversas formais e informais e produções individuais e
coletivas.
No espaço de aprendizagem, a ferramenta fórum foi a mais significativa, em
minha opinião, pela função de construir parcerias, para a produção de
conhecimentos. O recurso apresentou o formato, conforme tabela a seguir:
97
FFóórruunnss ggeerraaiiss FFóórruunnss ppaarraa aattiivviiddaaddeess ddee aapprreennddiizzaaggeemm
Café – ponto de encontro, para assuntos informais, local de ‘recreio’.
Mapas conceituais – sobre o texto “O ser vivo”, de Rosamaria de Medeiros Arnt.
Formadoras – espaço reservado para as formadoras.
Produção individual “O ser vivo” – sobre o texto de Rosamaria de Medeiros Arnt.
Informações gerais Dúvidas “O ser vivo” Suporte técnico Questionando o Sentipensar – Texto “Diálogo
sentir-pensar”, de Saturnino de la Torre, extraído do livro: MORAES, Maria Cândida & TORRE, Saturnino de la. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
TCC – Trabalho de conclusão do curso Fóruns das equipes – foram criados espaços para 10 equipes, para a discussão e elaboração de um texto coletivo sobre o artigo “O que é um grupo?, de Madalena Freire.
Tira-dúvidas O que é um grupo? – para as opiniões individuais.
Avaliação e auto-avaliação – reflexão sobre o andamento do curso e avaliação do próprio cursista.
Sobre o relato – debate sobre os textos “O festival dos sentidos” e “Mar de Bahia”, de Saturnino de la Torre, extraído do livro: MORAES, Maria Cândida & TORRE, Saturnino de la Torre Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
Pensando em estratégias – propostas de atividade, tomando como referência os textos de Saturnino de la Torre, anteriormente discutidos.
Elaboração do mini-projeto (para ser desenvolvido em equipe nas escolas).
Dialogando sobre o filme “Quem somos nós?”.
Fóruns das equipes – espaços para 06 grupos, discussão e elaboração do mini-projeto.
TCC concluídos
Considerando o volume de informações distribuídas pelo ambiente, como
também pelos significativos registros textuais, a obtenção dos dados da pesquisa
concentrou-se nos ffóórruunnss ddee ddiissccuussssããoo. Deles, tentei direcionar o olhar para
observar as inter-relações geradas da comunicação entre as ministrantes e os
professores/cursistas, para depois agrupá-las nas categorias já selecionadas e, por
fim, analisá-las.
98
Tendo como referência os pilares do pensamento transdisciplinar e os
princípios ou operadores cognitivos do pensamento complexo, na presente
pesquisa, procurei reunir as intervenções dos participantes, entre as ministrantes e
os professores/cursistas – do curso de formação Sentipensar, tecnologias e mídias
digitais: educando desde e para a vida – em concordância com as características
dos fóruns de discussão, que comportaram dois blocos temáticos e respectivos
subtítulos.
Em ‘Fóruns gerais’, são localizadas mensagens mais informais,
descontraídas, sobretudo no ‘Café’. Nos demais, foram tratadas questões diversas,
como: dúvidas relacionadas ao manuseio das ferramentas, inserção de arquivos;
dificuldade de acesso ao ambiente ou ao uso dos próprios fóruns; dúvidas sobre os
trabalhos solicitados. O das ‘FFoorrmmaaddoorraass’ era visualizado apenas pelas ministrantes,
onde foram discutidos assuntos diversos: problemas técnicos na plataforma do
Moodle, didático-metodológico, estratégias utilizadas, conteúdos e atividades
propostas, encontros presenciais, entre outros. Em ‘Informações gerais’, podem ser
vistos assuntos diversos, mas, principalmente, comunicados detalhados sobre os
módulos a estudar e publicação dos relatórios elaborados pelas ministrantes.
No outro bloco – Fóruns para atividades de aprendizagem – as interações
convergiram para os conteúdos dos módulos, com a apresentação de trabalhos
individuais e colaborativos.
A partir dos discursos e idéias publicadas, a análise procurou compreender
como os conceitos dos pensamentos transdisciplinar e complexo atuaram ou se
apresentaram nas dimensões mentais, afetivas e emocionais dos participantes.
Aliado a esses fatores, interessou examinar se a forma de manifestação dos pontos
de vista dos sujeitos envolvidos no processo de conhecimento, tanto em relação aos
99
conceitos estudados quanto aos assuntos considerados informais, fecundou laços
de aprendizagem.
Os fóruns de discussão também forneceram subsídios para entender como as
estratégias impressas contribuíram para a criação de cenários e redes de
aprendizagem integrada, de acordo com um dos objetivos da própria formação, e
favoreceram o estabelecimento de parcerias ao menos amistosas. Sim, para esta
pesquisa é importante entender que os elos afetivos podem ser aspectos
determinantes na qualidade do nível da freqüência de energia emitida no ambiente
de aprendizagem ou campo vibracional.
5.3 Análise das categorias e dos dados obtidos
Como um espaço de interação, criação e aprendizagem, os fóruns
comportaram soberanamente estados emergentes. A cadência de novas “qualidades
e propriedades” (MORIN, 2005, p. 137) ou eventos que apareceram na ferramenta
encontra-se impressa nas linguagens textuais, intertextuais e imagéticas publicadas
pelos participantes.
Do cenário construído da combinação de diversos elementos, incluindo as
atividades formais, materiais informais, intercâmbio de pontos de vista, desdobrou-
se situações mobilizadoras de mudanças ou avanços conceituais. Foram as
emergências, num contínuo movimento, desempenhando o papel de agente na
organização do todo, revelando aqui a supremacia exercida pelo operador cognitivo
sistêmico ou organizacional. Do mesmo modo que as emergências atuaram para
organizar os processos de experiência do grupo, elas se manifestaram também
como produto da mesma organização.
100
Essa análise introdutória tenta mostrar que boa parte das categorias
selecionadas se fez presente, manifestando-se ora reunidas em blocos simultâneos,
ora privilegiando outras de forma diferenciada, numa alternância de freqüência e
inconstância. Para chegar a essa observação, invoquei o olhar da complexidade, no
sentido de entender as circunstâncias do indivíduo aprendiz no contexto das inter-
relações e das relações com o objeto de estudo. A investigação não podia mover-se
de outra maneira se não fosse permitido mergulhar na amplidão conceitual
(complexa) do pensamento complexo, transdisciplinar e eco-sistêmico. Por essas
abordagens, algumas situações permanecerão ocultas, porque indizíveis.
Das diferentes e possíveis leituras dos fóruns, destaco alguns fragmentos das
intervenções realizadas no módulo 1 entre três professores/cursistas e uma das
formadoras, cujos debates versaram em torno da Autopoiese, de Humberto
Maturana e Francisco Varela, a partir do texto “O ser vivo”. Antes, porém, esclareço
que os nomes dos depoentes inscritos nos parênteses são fictícios.
“- (...) de acordo com Maturana e Varela, devido a essas alterações, o meu pensamento mudou: não quero mais me lançar como empresária, e sim ficar somente na área da educação, lugar em que sou muito feliz! Analisando tudo, apesar de tantas mudanças, minha vida profissional sempre girou em torno da educação. A minha organização continua a mesma” (ESTRELA). “- Observo a importância, no teu caso, de ser 'prática e otimista'. Quantas 'organizações' reagiriam com otimismo às mudanças constantes de lugar? Nossas mudanças formam esta trajetória... que existe, mesmo que não pensemos nela, não é? Bom te conhecer um pouco mais...” (FLOR). “- Tentando compreender Maturana e Varela, concordo quando nos diz que as nossas realizações estão ligadas a um conjunto ou organização que nos é inerente e que de forma direta ou indireta estamos contribuindo para a existência de algo do qual também fazemos parte. As mudanças peles quais passei permitiram mudar o meu meio e contribuíram para mudar o meio no qual venho interagindo” (SOL).
101
“- Que interessante teu relato. Chama-me em especial a atenção quando destacas alguns 'detalhes', como o anúncio no rádio. Quantas pessoas devem ter escutado o mesmo que tu. No entanto, tal 'intervenção' teve em ti uma repercussão diferente de outras tantas pessoas. Maturana e Varela destacam este 'poder' limitado do meio. E eu penso em como esta convicção me faz rever minha postura em sala de aula... tenho um poder limitado de atuação como professora. Dependo da relação que estabeleço com meu aluno para que a aprendizagem aconteça... e isto, (...), me abre um mundo de reflexões, de inquietações, de reviravoltas em minha ação docente...” (FLOR). “- Também como um ser vivo estou me apresentando como (...), estudante de Letras e professora de Ballet Clássico há 24 anos. Sou natural do Rio de Janeiro, vindo morar no Nordeste, precisamente em Maceió aos 21 anos, quando me casei. Aos 25, me separei e vim morar em Aracaju. Minha estrutura já sofreu algumas modificações por esses e outros fatos acontecidos na minha vida, mas a minha organização continua preservada” (LUA). “- É bom saber sobre tua organização ("a minha organização continua preservada"). Segundo esses autores que auxiliam a fundamentar as idéias do Sentipensar, continuamos vivos enquanto nossa organização se mantém. E eles dizem também que estar vivo é estar em processo de contínuo conhecer. Legal, né?” (FLOR).
Os recortes das intervenções acima indicam a presença de categorias que se
mesclam e se revezam ao mesmo tempo, das quais especularia que houve
inicialmente mudança de nível de realidade, observada pela mudança do nível de
percepção. Em contextos específicos e muito pessoais, as reflexões assinalam a
compreensão de alguns conceitos estudados. O diálogo estimulado pela mediadora
que conduziu os trabalhos vem respaldado com o feedback pontual e necessário,
que não só ratificou as análises, como também contribuiu com subsídios
desencadeadores de novas idéias. São identificadas aqui mais duas categorias: os
operadores cognitivos dialógico e retroativo.
Da mesma conversação, evidenciam-se ainda os princípios da
autonomia/dependência e da reintrodução do sujeito cognoscente. Como um estado
inerente ao sistema vivo – Estrela, Sol, Lua, Flor – a autonomia está relacionada à
sua organização interna, que para ser atuante e continuar atuando permite-se
102
interagir com o meio, ‘esvaziando-se’ e ‘abastecendo-se’ ininterruptamente de
informações ou energias. Nenhum sistema se transforma ou sobrevive
isoladamente. O processo de ensino e aprendizagem ou de auto-eco-organização
de Estrela, Sol, Lua e Flor se efetivou na convivência, influenciando e recebendo
influências mútuas provenientes das leituras e dos diálogos mantidos no ambiente.
O princípio da reintrodução do sujeito cognoscente é visivelmente observado.
Os participantes da formação se inter-relacionaram com as circunstâncias que
acompanharam o objeto de estudo, envolvidos pelo ambiente, texto, recursos
tecnológicos, parcerias, estratégias, para elaborar e reconstruir histórias de vida com
base nos conceitos da teoria autopoiética.
O fórum ‘Questionando o Sentipensar’, do módulo 2, salta como uma
autêntica fonte reveladora de inspiração para a análise. As reflexões formuladas se
concentraram em quatro textos que auxiliaram nos debates: Carta-convite37; Diálogo
sentir-pensar; Sentir, pensar e educar; e Notas sobre a experiência e o saber de
experiência, de Jorge Larrosa Bondía. Em coerência com os conteúdos estudados,
observei que a atividade docente se desenvolveu sobre três eixos: na ‘espera
vigiada’ (expressamente revelada pela mediadora38) – que considera o tempo de
manifestação dos professores/cursistas – no rigor científico recomendado pela
transdisciplinaridade e na amorosidade, como um sentimento e uma atitude
imprescindível em qualquer trabalho docente.
Esse conjunto de fatores fez germinar intervenções praxiológicas bastante
significativas, das quais podem ser observadas algumas categorias não claramente
notadas na análise anterior, a exemplo da recursividade. Da postura colaborativa
37 Localizar o texto no Anexo 9. 38 “- Atuar em ambientes virtuais nos faz exercitar a "espera vigiada", como nos recomenda a Profa. Ivani Fazenda. Sabemos que não podemos atropelar o tempo do outro e por isso é necessário esperar. Mas não é uma espera qualquer. É uma espera 'atenciosa'. É assim que me coloco neste fórum. Aguardo o encontro com vocês para conversarmos sobre o que é o tema deste curso”.
103
que se estabeleceu no grupo, foram geradas ações sucessivas que se
caracterizaram como auto-produtoras e auto-organizadoras do processo de
aprendizagem. Seus resultados se expuseram como causadores e efeitos de novos
conceitos, modificando continuamente os estados iniciais e finais do conhecimento,
graças à mudança do nível de percepção dos sujeitos que ‘se encarregou’, por sua
vez, de mudar o nível de realidade.
Transcrevo, abaixo, alguns diálogos entre os professores/cursistas e a
mediadora, que podem refletir as categorias comentadas:
“- O processo educacional precisa tomar um novo rumo: valorizar as emoções dos envolvidos (...). Seria uma mudança de valores, do sistema, de como direcioná-la, dos objetivos traçados. A proposta do texto é maravilhosa! Educar para sentipensar é proporcionar a todos um novo caminho, novas perspectivas. É educar no sentido macro, levando em consideração e valorizando o “eu” de cada um. Essa mudança é possível! Acredito que, cada um de nós, educadores, de alguma forma, pode contribuir para que isso aconteça, de fato” (FOLHA). “- (...) temos perspectivas a partir de teorias que nos ajudam a pensar na multidimensionalidade humana. Introduzindo aqui uma idéia de complexidade, diria é que educar no sentido macro, sim, mas também no micro. Vamos integrando, observando a complementaridade existente na própria natureza” (FLOR). “- As teorias podem sim muito nos ajudar, pois o que seria do empírico sem a teorização do conhecimento? Mas as teorias têm que se adaptar à realidade de cada lugar, de cada pessoa, para se tornarem aplicáveis e necessárias” (TERRA). “- Sim, se não contextualizarmos, reduzimos as teorias, reduzimos a realidade, caímos no equívoco da simplificação da realidade” (FLOR). “- Ontem choveu o dia inteiro. Eu estava triste, angustiada e pensamentos negativos povoavam a minha mente, por fim tive insônia. Hoje continua chovendo, mas não sei bem porque esses sentimentos deram lugar a uma sensação de aconchego e tranqüilidade. Daí, fiquei a me perguntar: como uma mesma situação pode produzir sentimentos tão diferentes? Será que determinadas situações mexem com o nosso emocional ou será que o emocional cria as situações?” (MAR).
104
“- De acordo com Maturana, o 'emocionar' cria um 'domínio operacional'. E aí, podemos pensar que se estamos contentes, uma chuva nos faz ter sensações que reforçam este sentimento. O inverso também pode ser assim interpretado. (...) não somos só emoções. E por isso, não estamos à mercê das emoções. Nossa razão interfere nos estados interiores, pois faz parte de nossa 'estrutura'. Somos seres complexos, e isto pode nos dizer que não nos explicamos com poucas palavras. Acredito que uma única teoria não dá conta de nos 'mostrar' tudo de nós mesmos” (FLOR). “- (...) resolvi parar, respirar um pouco! Na verdade esse convite (...) torna-se para mim uma provocação, para que valorize mais meus sentimentos. Acho que a experiencia que tenho tido na vida comunitária me ajuda a entender isso. A experiência é fundamental na nossa vida. Seja ela qual for. Na educação também é assim. Vejo que meus alunos aprendem mais quando o conteúdo da disciplina tem uma boa dose de afeto, do vivido” (RIO). “- Será que isto também vale para nós? Que experiência educacional mais nos marcou? Por que?” (FLOR). “- Gostaria que você esclarecesse como os indivíduos têm idéias diferentes e chegam ao consenso? De que forma? Não há conflitos?” (BRISA). “- As pessoas podem se reunir com idéias comuns, com objetivos semelhantes. Como somos humanos diferenciados e vivemos em sociedade, temos pensamentos divergentes e sempre haverá conflitos, porém isso não impede (e não deverá ser um empecilho) de chegarmos a um acordo e alcançarmos a meta desejada. Isto é trabalho em grupo: opiniões diferentes, objetivos comuns” (CHUVA).
As tensões, dúvidas e dificuldades de compreensão do objeto pesquisado
pelo professor/cursista foram desfeitas pela ação da lógica do terceiro incluído,
empreendida por meio da ingerência das mediadoras, que contribuíram para a
passagem de um nível de realidade a outro ou auxiliaram na interconexão dos
mesmos. Sem essa dinâmica, o processo de conhecimento não teria se
concretizado.
105
Um dos exemplos mais claros da
atuação da lógica do terceiro incluído
na emergência caracterizada pelo
silêncio do grupo pôde ser notado a
partir de um convite feito por uma das
ministrantes aos professores/cursistas,
por meio de uma imagem (acima), que teve a função de persuadir a participação,
com reflexões cruzadas entre os elementos contidos na figura e as mensagens da
Carta-convite e do texto O que é um grupo?. A seguir, algumas intervenções que se
insinuam como uma ação do estado T:
“- (...) acho que eu estou me sentindo o próprio gato. A próxima reflexão é... o que faz o gato avançar assim? Ops... não sei! Será que se junta ao sentimento de temeridade um raciocínio que sustenta outra ação que não a fuga? Sentir? Pensar?” (FLOR). “- Olhando a imagem dos cachorros e do gato, (...), eu me perguntei: - que atitude estaria cada um deles armando para o gato? Divaguei sobre algumas respostas. Acho que nenhum atacou o gato, pois se assim o fizesse todos os outros cairiam sobre ele (...). Ou, então, não houve ataque porque cada um temia que existisse no grupo outro que fosse mais forte e pudesse reclamar sua autoridade” (MAR). “- Observando a imagem (...) comecei a me interrogar? O que faria cada cachorro para atacar o pobre do gatinho? Refleti e acho que nenhum cão o atacou. Porque se é um grupo de várias cabeças pensantes é claro que alguém mais forte (...) irá impedir que algo de ruim aconteça” (BRISA). “- Esta ousadia do gatinho mostra como ele está vendo a realidade, neste momento. Sim, depende de como ele os vê. Logo, sua ação está imbricada com seu sentir e seu pensar. Um não se separa do outro. E aí pergunto... para continuarmos a conversa... Qual o peso de nossos sentimentos em nossas ações?” (FLOR). “- É um prazer discutir sobre sentimentos. Diante do seu questionamento digo que também já me senti como os cães da figura, prestes a atacar, muitas vezes consegui resistir e procurei reagir de forma madura, sensata (...), porém confesso que algumas vezes não resisti e parti para o ataque, ação da qual não me orgulho nem um pouco (...)” (TERRA).
106
“- Este curso está ficando cada vez melhor, estou impressionada como você captou o sentimento (...) e "jogou" esta imagem que mexeu com tanta gente, você conseguiu nos instigar e nos levar a intensificar os diálogos, adorei” (TERRA).
Desloco a leitura para os demais fóruns, na intenção de identificar se ou como
transitou o fluxo de informação pela zona de não-resistência do nível de percepção
do sujeito transdisciplinar em relação ao nível de realidade do objeto observado.
Desempenhando um papel similar ao da lógica do terceiro incluído, a zona de não-
resistência, sendo um componente conceitual da transdisciplinaridade, se diferencia
do estado T como uma área aberta, livre de pré-conceitos, que propicia o acordo dos
níveis de realidade e de percepção, para o entendimento do real que transcende a
qualquer explicação racional. Retomo as palavras de Arnt (2007, p. 107) sobre a
zona de não-resistência: “É a zona da intuição, da compreensão pelo amor (...)”.
Talvez uma região onde habita nossa “íntima humanidade39”, os olhares éticos e
estéticos; a criação artística; os mistérios. Talvez de onde surjam os insights na
construção de mundo, da conexão entre sujeitos e os diversos elementos que nos
rodeiam.
Para apreciação, apresento, em seguida, alguns enunciados aleatórios
extraídos dos fóruns, publicados pelos participantes da formação, que possivelmente
desfilaram pela zona de não-resistência:
"- Lembrem-se de que a educação é coisa do coração (São João Bosco)”. “- Trabalhar para o Senhor não paga muito. Mas o plano de aposentadoria é o paraíso”. “- Entre nossas intenções está a proposta de estratégias que criem circunstâncias que potencializem nossa capacidade de conhecer, refletir, construir, re-construir, criar, re-criar, através de passos enriquecidos pela solidariedade e compromisso, alegria e
39 Título da obra poética de Iara Vieira (2003).
107
entusiasmo. E sorrio, encantada com a perspectiva de acompanhar esses passos (...)”. “- (...) podemos cantar a vida, a paz, a alegria, as dores do povo, as lutas". “- Meus alunos são Deficientes Mentais, de uma pureza invejável. Aliás, trabalhar com eles, só me engrandece cada vez mais. Passei a enxergar a vida com outros olhos".
“- (...) que a humanidade siga sempre o caminho da paz, realizando uma educação consciente e co-responsável”. “- (...) desejo que os cientistas descubram a cura para as epidemias que assolam os povos, como também desejo que aqueles que praticam o mal sejam regenerados e procurem o caminho do bem”.
O operador cognitivo hologramático emergiu na maioria das dinâmicas
realizadas, de modo que os enunciados submetidos a estudo e os conceitos
debatidos foram decodificados e compreendidos por todos os professores/cursistas.
A exceção observada foi conferida na atividade referente à consecução de mapas
conceituais, quando algumas ‘poeiras’ dificultaram o entendimento, embora, ao final,
após esclarecimentos, todos tenham apresentado um produto.
O destaque das categorias citadas nos lembra o realce de alguns
instrumentos musicais na execução de uma sinfonia por uma numerosa orquestra,
que combina acordes de sons variados para gerar melodia, harmonia e ritmo à obra.
Da massa composta de diversas informações dos fóruns pelas docentes e
discentes, as emergências, como um conceito embutido nas categorias, se
sobressaíram para dar o compasso e fluência na dissertação subjetiva da análise.
Os pilares da transdisciplinaridade e os operadores cognitivos da
complexidade como categorias forneceram múltiplas leituras e permitiram algumas
descobertas. Minha experiência foi uma circunstância muito pessoal, quando
procurei me amparar em dois eixos fundados nos mencionados princípios
epistemológicos: tentar aprofundar as reflexões em torno de um conceito localizado
108
e óbvio e ampliar espacialmente o olhar para relacionar aquelas categorias às
diversas intervenções dos fóruns. Como resultado dessa dinâmica, percebo que
houve, por um lado, uma certa linearidade e hierarquia em seu decurso, mas, por
outro, tornou possível visualizar e apontar as categorias cruzando-as com os
diálogos proporcionados pelas linguagens textual e imagética.
Finalizo esta análise investigativa consciente de que alguns conceitos
permaneceram sutilmente secretos e, por isso, reflete-se como um trabalho
inacabado. Dele, serão vistas ambigüidades, próprias de quem tentou submergir no
universo do pensamento transdisciplinar, explorando os seus pilares e os
operadores cognitivos da complexidade. Como uma pesquisa inconclusa, deixo aqui
um convite à sua reconstrução e/ou expansão de conceitos, com pontos de vistas
que não precisam e nem devem ser consensuais, mas que falem de possibilidades.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início desta pesquisa, expressei meu desejo de ter a ‘esperança’ como o
estado regente de todo o desenrolar das reflexões, mesmo sabendo da
imprevisibilidade das circunstâncias que seriam vivenciadas durante o percurso. Mas
a esperança, nesse contexto, compreendida como uma emergência conceitual do
pensamento complexo e talvez como uma condição ou evento da zona de não-
resistência da transdisciplinaridade, significa possibilidade. Como o possível que nos
mobiliza e nos transforma. Assim sendo, imagino que minha trajetória na
investigação foi movida por esse sentimento, em meio aos passeios pelas leituras e
descobertas.
Revelado o problema de pesquisa - Quais as contribuições da
transdisciplinaridade para um curso de formação, em rede, que apresente como
objetivo a criação de cenários de aprendizagem integrada? - a análise não podia se
desenvolver pelos hábitos dos parâmetros da objetividade e linearidade. Em alguns
momentos, inevitavelmente, se mostraram presentes, mas não exerceram soberania
sobre as variáveis subjetivas, inter/transubjetivas e complexas recomendadas pela
abordagem transdisciplinar. A partir dessas e outras orientações, foram delineados
alguns objetivos que me conduzissem a encontrar a resposta do problema de
pesquisa.
Consciente e intencionalmente, a investigação se deslanchou na análise
sobre o pensamento ocidental determinista e racionalista, lembrando que o
educador brasileiro do século XX herdou conceitos e construiu valores de caráter
disciplinar e fragmentário. Modelo que reflete nos processos de mediação dos
110
trabalhos escolares, a exemplo dos conteúdos desarticulados do contexto e da
forma de avaliar onde o conhecimento produzido pelo aluno é mensurado
quantitativamente e sem direito a feedback. Existem outros problemas, que me
isento de descrevê-los mais uma vez. A idéia agora é tentar resolvê-los, sim. Existe
solução? Não tenho dúvida. De que forma e por onde começar? Implementando
mudanças a partir da formação docente.
Os cursos de formação docente devem erguer sua metodologia com base em
estudos que percebam a natureza impermanente de uma estrutura autopoiética ou
reconheçam o estado transitório dos sistemas vivos, tal qual sustenta a concepção
complexa. A complexidade sugere o pensar como um esboço de uma teia
constituída de elementos diferentes, não-linear, flexível e aberta, recheada de fios
(tênues) que ligam e interconectam as partes ao todo e vice-versa, numa dinâmica
de auto-organização e autoprodução. Nessa abordagem, nada é observado
isoladamente, como o falso purismo do olhar cartesiano, ao contrário, tanto o
indivíduo retém informações do meio, quanto o meio contém registros do indivíduo.
Há profunda relação entre os opostos, entre sujeito e objeto, ordem e desordem,
objetividade e subjetividade, que convergem para a unidade, não mais para a
fragmentação.
Os cursos para professor devem se pautar nas propostas do pensamento
eco-sistêmico, integrador, que concilia teorias, conceitos e processos, que propicia a
conjunção de diferentes dimensões – discurso/prática, matéria/espírito,
razão/emoção, arte/química – atuando em espaços estruturalmente acoplados. São
diferentes, porque possuem lógicas próprias, que se inter-relacionam
reciprocamente por laços imperceptíveis, em nome dos estados de consciência e em
circunstâncias únicas. São elos que mobilizam um novo perfil de educador, um
111
profissional que cuide do aluno em sua individualidade e sistemicamente,
observando-o como um sujeito conectado com as redes digitais da informação e
comunicação. Para o homem do século XXI, o ciberespaço é um canal tecnológico,
que viabiliza também encontros entre pessoas para aprendizagem e criação, como o
Sistema de Universidade Aberta do Brasil (UAB40), o Programa de Formação Inicial
para Professores do Ensino Fundamental e Médio (Pró-licenciatura41), ambos do
Ministério da Educação, e tantas outras Instituições de Ensino Superior (IES)
brasileiras que lidam com educação a distância.
A mudança que se pretende nos cursos de formação docente implica em um
grande processo de transformação pessoal do educador, o que naturalmente irá
incidir nos âmbitos social e profissional. Trata-se de uma reconstrução de
consciência e pensamento. Essa reconstrução envolverá o desenvolvimento de um
projeto centrado em estratégias metodológicas apoiadas em pesquisas que visem à
criação de cenários e redes de aprendizagem integrada, compreendidos como
ambientes de interação social e vibracional. Como entender um ambiente
vibracional? Um campo que contém matéria ou energia condensada – homem,
objetos, animais, plantas, componentes do reino mineral – que se manifesta em
freqüências energéticas, num movimento em rede. Convém esclarecer que a
qualidade de vibração relaciona-se, intimamente, à freqüência da energia que circula
no ambiente. O modo como a energia intercede no campo é que vai indicar o nível
da freqüência vibracional. Há uma constante e ininterrupta interação entre as
40 “Seu objetivo é de estimular a articulação e integração de um sistema nacional de educação superior. Esse sistema é formado por instituições públicas de ensino superior, as quais se comprometem a levar ensino superior público de qualidade aos municípios brasileiros”. Disponível em <http://uab.mec.gov.br/conteudo.php?co_pagina=20&tipo_pagina=1>. Acessado em 27/02/2008. 41 “O Pró-Licenciatura é um programa de formação inicial que será desenvolvido em parceria com Instituições de Ensino Superior (IES), públicas, comunitárias ou confessionais, objetivando atender professores dos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou do Ensino Médio de sistemas públicos de ensino que não tenham a habilitação legalmente exigida para a função”. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/proli_an3.pdf>. Acessado em 27/02/2008.
112
energias a potencializar a ação nos espaços vibracionais, criando outros estados
energéticos e produzindo uma sucessão de campos diferentes.
Cientes dessas informações e inspirada na obra de Maria Cândida Moraes e
de Saturnino de la Torre, a formação docente que repercuta positivamente na
mediação pedagógica deverá se realizar em cenários e redes de aprendizagem
integrada, tendo como referência uma metodologia focada na ecologia dos saberes.
O pensamento ecologizado atua para confluir os conhecimentos científicos e
humanísticos; conhecimentos procedentes de culturas diferentes que se unem aos
acadêmicos, para a expansão da consciência humana, para o exercício da
cidadania, da ética, da amorosidade, dos sentimentos e emoções.
Verifiquei que este trabalho se apresenta social e cientificamente relevante
pela proposta inovadora sobre a formação e a prática docente, tendo como meta
uma “educação para a vida” e para a paz, que restaure a inteireza humana,
integrando as dimensões emocional, intelectual, física, espiritual. Os princípios
transdisciplinares, a complexidade e o pensamento eco-sistêmico representam, no
momento, a fonte teórica de reforma da educação que desejamos para o povo
brasileiro.
113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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115
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG, 1999. ________. Transdisciplinaridade e cognição. In: NICOLESCU, Basarab et al. Educação e Transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2000. MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e na solidariedade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. ________. Pensamento eco-sistêmico e educação, aprendizagem e cidadania no Século XXI. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. ________. O paradigma educacional emergente. 9 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003. ________. Educação a Distância e a Ressignificação dos Paradigmas Educacionais: fundamentos teóricos e epistemológicos. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v.14, n. 23, p. 181-202, jan./jun., 2005. MORAES, Maria Cândida & TORRE, Saturnino de la. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. ________. Proyecto Escenarios y Redes de Aprendizaje Integrado para una Educación de Calidad (ERAIEC). Investigar e Innovar Bajo la Mirada Transdisciplinar. Promueve Red Internacional de Ecología de los Saberes. Espanha e Brasil, 2007. MORIN, Edgar & MOIGNE, Jean-Louis Le. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis, 2000. MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001. ________. Ciência com consciência. 4 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. ________. Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Cortez, 2003. ________. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2005. ________. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. ________. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. NICOLESCU, Basarab & BADESCU, Horia. (Org.). Stéphane Lupasco: o homem e a obra. São Paulo: TRIOM, 2001.
116
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119
ANEXO 2 SITE E ABORDAGEM SISTÊMICA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Profa. Lucila Maria Pesce de Oliveira Novembro de 2000.
Muitos autores têm se dedicado ao estudo da natureza dos sistemas dinâmicos.
Contudo, nestas breves linhas, pautar-nos-emos na teoria autopoiética de Maturana e
Varela.
Segundo a abordagem autopoiética, se considerarmos a evolução de um organismo,
na perspectiva dos sistemas dinâmicos, perceberemos como um organismo - em sua
crescente auto-organização, frente ao seu acoplamento estrutural ao meio - altera
constantemente suas estruturas, para manter sua organização intrínseca42. Essa dinâmica
requer do organismo constantes reorganizações.
Pensemos num hotel em baixa temporada. Se ele não alterar suas estruturas não
conseguirá manter sua organização (continuar aberto). Desta forma, um hotel em baixa
temporada aproveita para fazer suas reformas, realocando os próprios funcionários em tais
atividades. Além disso, propõe também pacotes econômicos para excursões, famílias e
empresas, oferecendo os mesmos serviços a preços bem menores. Desta forma, alterando
suas estruturas (em relação à alta temporada), o hotel consegue manter sua estrutura.
Assim também ocorre com cada um de nós. Ao longo da vida vamos alterando nossas
estruturas (físicas, intelectuais, psicológicas, etc.) para mantermos nossa organização
intrínseca. É assim que as pessoas nos reconhecem, mesmo após vinte anos; porque
mantemos nossa organização intrínseca, nossa identidade, apesar das contínuas alterações
que sofremos vida afora.
Sob o enfoque autopoiético, o organismo em si é percebido como um micro-sistema
dinâmico, que por sua vez interage com o meio ao qual pertence, mediante constantes e
crescentes reorganizações de cada uma das suas partes. Essa dinâmica relacional entre o
organismo e o meio, ocorrente entre as partes e entre as partes e o todo, garante o
processo de adaptação evolutiva deste ser e deste sistema.
42 Pense no quanto as estruturas corporais e metabólicas de um urso se alteram no período de hibernação, para que seja garantida a sua sobrevivência (organização intrínseca).
120
Dito de outra forma, a abordagem sistêmica, além de enfocar o relacionamento do
organismo (parte) com o meio ao qual pertence (todo), percebe o organismo em si como um
micro-sistema dinâmico, que se auto-organiza constantemente, frente às novas condições
do meio ao qual ele pertence. Essa auto-organização interfere no meio, que, por sua vez,
interfere no organismo. Tudo isso ocorre de maneira recursiva.
Pensemos num aluno que traz para o seu dia-a-dia escolar toda a problemática de
ser um viciado em drogas. O contexto escolar como um todo (comunidade, professores,
direção, colegas, etc.) deverá se mobilizar para solucionar a problemática trazida pelo aluno.
Poderá haver grandes alterações, em nível de relacionamentos pessoais, conscientização,
acompanhamento e ‘força moral’ para o aluno conseguir libertar-se do seu vício. Se houver
todas estas alterações de estrutura no contexto social do aluno, ele próprio (percebido como
um micro-sistema) poderá reagir positivamente, auto-organizando-se frente às novas
condições oferecidas pelo seu meio (mais diálogo, mais carinho, mais apoio...). Com sua
reação positiva, o contexto escolar como um todo sairá desse processo modificado
(inclusive sabendo lidar melhor com situações como esta).
Se pensarmos na Internet como um sistema dinâmico e em cada site como micro-
sistemas dinâmicos, verificaremos que o site está baseado na estrutura hipertextual, a qual,
como vimos no outro texto, dispõe suas informações de maneira não linear. Ao clicar sobre
uma palavra ou frase, o usuário deste hipertexto obterá informações mais complexas e
detalhadas sobre a palavra ou frase clicada. Essa dinâmica relacional permite a cada um
dos usuários trilhar um percurso informacional segundo seus interesses e esquemas
mentais. Além disso, a estrutura hipertextual permite um grande aprofundamento sobre um
determinado conceito. Isso não seria possível numa estrutura textual linear, sob o risco do
referido texto perder sua coesão e sua coerência.
Na construção de um site é importante que você esteja atento para o quanto a
alteração de um arquivo ligado hipertextualmente requererá uma nova reorganização do
hipertexto como um todo. Por isso é tão importante que você construa um fluxograma do
site, percebendo seus links de ida e volta, para que tenha condições de reorganizá-los,
sempre que necessário.
Considerando que o seu site seja de natureza dinâmica, por refletir as várias etapas
do seu processo (e de seus alunos) ao longo deste curso de pós-graduação, é fundamental
que você esteja atento para os elos nodais de significado, que interligam um arquivo ao
outro, na estrutura totalizante do seu hipertexto.
121
Para que você se sinta mais confortável, escolha como links palavras ou frases que
realmente expressem o significado do conteúdo trabalhado no arquivo a ser acessado por
esse link. Outra dica é você salvar estes arquivos com nomes significativos ao conteúdo
neles tratado. Isso poderá facilitar muito a construção do fluxograma do seu site. E não se
esqueça: quando fizer uma alteração em um determinado arquivo, não basta dar um
upload43 somente deste arquivo; é necessário que você também verifique se este arquivo
continua ‘dando liga’ com o arquivo de link de origem e/ou de destino.
Pensando no usuário que navegará pelo seu site, é importante que você tente
‘garantir’ que ele não se perca na navegação. Nesse contexto, é bom estar atento a alguns
detalhes que facilitam a navegação do usuário do seu site:
• esteja atento aos links de ida e volta,
• dê acesso, em todos os arquivos, à primeira página do site e à página anterior,
• disponibilize na primeira página um menu de opções de navegação, um contato
com você (via e-mail) e uma mensagem sucinta e clara do conteúdo do seu site (Do que
se trata? Qual o seu público alvo? Quais seus objetivos? Etc.)
A percepção do site numa abordagem sistêmica atenta para a necessidade de se
pensar nas inter-relações internas e externas44 deste site. Bom trabalho!
Referências bibliográficas:
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. 4ª
ed., Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.
______. A inteligência coletiva. São Paulo: Edições Loyola, 1998.
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MATURANA, H. (1997). El sentido de lo humano. 9ª ed. Chile: Dolmen ediciones.
MATURANA, H. e VARELA, F. (1995). A árvore do conhecimento. Campinas: Editorial
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______. (1997). De máquinas e seres vivos – autopoiese: a organização do vivo. 3ª ed.
Porto Alegre: Artes Médicas.
OLIVEIRA, L. M. P. Rede de papéis: contribuições telemáticas à formação do leitor crítico.
São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Dissertação, Mestrado, 1999.
43 Upload é inserção de determinado arquivo ou programa em rede. Já download é a baixa de um arquivo que está em rede no seu computador. 44 Internas: arquivos do hipertexto criados por você. Externas: links com outros sites.
122
ANEXO 3
SOBRE A BIBLIOTECA
Conteúdos da ‘biblioteca’
Mensagem da ‘agenda’ armazenada na ‘biblioteca’
123
ANEXO 4
CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE45
Preâmbulo
Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas conduz a um crescimento exponencial do saber que torna impossível qualquer olhar global do ser humano;
Considerando que somente uma inteligência que se dá conta da dimensão planetária dos conflitos atuais poderá fazer frente à complexidade de nosso mundo e ao desafio contemporâneo de autodestruição material e espiritual de nossa espécie;
Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia;
Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências sobre o plano individual e social são incalculáveis;
Considerando que o crescimento do saber, sem precedentes na história, aumenta a desigualdade entre seus detentores e os que são desprovidos dele, engendrando assim desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as nações do planeta;
Considerando simultaneamente que todos os desafios enunciados possuem sua contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário do saber pode conduzir a uma mutação comparável à evolução dos humanóides à espécie humana;
Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade (Convento de Arrábida, Portugal 2 - 7 de novembro de 1994) adotaram o presente Protocolo entendido como um conjunto de princípios fundamentais da comunidade de espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo signatário deste Protocolo faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica e institucional.
Artigo 1: Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo nas estrutura formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.
Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas diferentes é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de reduzir a realidade a um único nível regido por uma única lógica não se situa no campo da transdisciplinaridade.
Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio
45 Disponível em <http://www.cfh.ufsc.br/~let/carta.htm>. Acessado em 11 de fevereiro de 2008.
124
sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa.
Artigo 4: O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta por um novo olhar, sobre a relatividade definição e das noções de ‘definição’ e ‘objetividade. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade comportando a exclusão do sujeito levam ao empobrecimento.
Artigo 5: A visão transdisciplinar está resolutamente aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.
Artigo 6: Com a relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multidimensional. Levando em conta as concepções do tempo e da história, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte trans-histórico.
Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui uma nova religião, uma nova filosofia, uma nova metafísica ou uma ciência das ciências.
Artigo 8: A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O surgimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a título de habitante da Terra, é ao mesmo tempo um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional de um pertencer duplo - a uma nação e à Terra - constitui uma das metas da pesquisa transdisciplinar.
Artigo 9: A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta com respeito aos mitos, às religiões e àqueles que os respeitam em um espírito transdisciplinar.
Artigo 10: Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras culturas. O movimento transdisciplinar é em si transcultural.
Artigo 11: Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.
Artigo 12: A elaboração de uma economia transdisciplinar é fundada sobre o postulado de que a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso.
Artigo 13: A ética transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao diálogo e à discussão, qualquer que seja sua origem – de ordem ideológica, cientificista, religiosa, econômica, econômica, política, filosófica. O saber compartilhado deveria levar a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das alteridades unidas pela vida comum numa única e mesma Terra.
Artigo 14: Rigor, abertura e tolerância são características fundamentais da atitude e da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação, que leva em conta todos os dados, é a barreira às possíveis distorções. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas.
125
Artigo final: A presente Carta Transdisciplinar foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, que visam apenas à autoridade de seu trabalho e de sua atividade.
Segundo os processos a serem definidos de acordo com os espíritos transdisciplinares de todos os países, o Protocolo permanecerá aberto à assinatura de todo ser humano interessado em medidas progressistas de ordem nacional, internacional para aplicação de seus artigos na vida.
Comitê de Redação: Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu.
(Adotada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de
Arrábida, Portugal, 2 - 6 novembro 1994)
126
ANEXO 5
PROJETO PÁSCOA
Sentipensar na formação de professores para o uso das TICs
Sentipensar na formação de professores para o uso das TICs é um projeto vinculado
ao Programa Educando desde e para a Vida, sob coordenação de Maria Cândida Moraes
(PUC/SP) e Saturnino de la Torre (Univ. Barcelona), visando unir uma série de ações que
nos permitam “colaborar para a consolidação de uma escola-cidadã e a emergência da
civilização da re-ligação, da civilização-cidadã. Uma civilização sintonizada na sinergia da
complementaridade, da solidariedade, da revalorização da vida e preocupada com a
interdependência dos processos vitais”.
1. Objetivos
• Trabalhar as questões da tecnologia apontadas pelos professores, numa perspectiva
que envolva:
a) A valorização e defesa incondicional da vida;
b) O resgate da cidadania e a valorização da diversidade cultural;
c) O reconhecimento e a preservação da multiculturalidade;
d) O desenvolvimento de uma cultura de paz e não-violência, bem como de
uma cultura de sustentabilidade social e ambiental;
e) Maior conscientização ambiental e reflexão sobre os hábitos de consumo;
f) O incentivo ao aprendizado cooperativo;
g) A descoberta do potencial criativo da comunidade;
h) O resgate da ética integral.
• Propiciar interação entre atividades de escolas do mesmo estado, envolvidas no
projeto bem como entre escolas de diferentes estados, através de ambientes digitais
de aprendizagem.
• Propiciar interação entre alunos de diferentes estados, caso seja do interesse dos
professores.
• Criar com os professores uma memória do projeto, visando publicação no site do
Sentipensar (http://www.sentipensar.net).
127
2. Metodologia
O projeto será desenvolvido com atividades semi-presenciais, configuradas da
seguinte forma:
• As atividades de formação serão realizadas na própria escola;
• As atividades serão planejadas a partir da configuração de um cenário, formado
através do levantamento dos interesses e necessidades dos professores;
• A partir do cenário criado, os pontos levantados serão trabalhados com base na
fundamentação teórica do Programa Educando desde e para a Vida, visando a
posterior discussão da teoria a partir da prática vivenciada conjuntamente;
• Planejamento conjunto de ações para vivência com os alunos, com discussão e
reflexão através de ambiente digital;
• Interação com professores das demais escolas envolvidas no projeto, propiciando a
troca de experiências e diálogo sobre processos e resultados obtidos;
• Estará em qualquer momento aberta a possibilidade de interação também entre
alunos das diferentes escolas participantes, dependendo da vontade dos
professores;
• Para as interações, realização de atividades e acompanhamento, será utilizado o
ambiente virtual de aprendizagem Teleduc.
3. Justificativa
Esta formação parte do princípio que é preciso ir ao encontro das dificuldades dos
professores, estabelecendo parcerias. Desta maneira, considera-se a importância do
contato com o ambiente de trabalho do professor, que pode propiciar ao formador maior
compreensão do contexto escolar.
Visando também a parceria, o planejamento específico das atividades de formação
será criado em conjunto, a partir do levantamento de necessidades, interesses, dificuldades
dos professores.
Tendo em vista a dificuldade de trabalharmos todos juntos por um longo período de
tempo, e pela característica teórico-prática do projeto, foi escolhida a modalidade de
formação semi-presencial. Desta forma, viabiliza-se também a interação entre professores
das diversas escolas participantes, ampliando as discussões sobre as práticas vivenciadas.
A metodologia do projeto encontra-se fundamentada nas teorias do pensamento eco-
sistêmico e da complexidade, que consideram as incertezas da própria experiência humana
também fazendo parte de um ambiente de aprendizagem. Da mesma forma, ao nos
organizarmos como grupo, abrimos espaço para o inesperado, para as emergências, que
surgem através das interações baseadas no respeito, na escuta ao outro, no
128
estabelecimento de relações que nos permitam a construção do trabalho e aprendizagem
colaborativos. Compreendemos que desta forma atendemos também aos princípios
delineados por Paulo Freire, quando fala que os grupos de formação devem ter uma
liderança democrática, alerta, curiosa, humilde e cientificamente competente.
4. Cronograma
As atividades de formação serão organizadas em módulos de 40 horas. O
cronograma de ações será estabelecido em conjunto, multiplicadores e professores,
inclusive com especificação de carga horária presencial e a distância.
Os cronogramas poderão ser divulgados entre as escolas participantes, visando
facilitar as interações entre os grupos.
5. Avaliação
Os procedimentos de avaliação privilegiarão a auto-avaliação e a produção dos
professores a partir das atividades desenvolvidas em sala de aula. Serão consideradas
também as participações no ambiente digital e o os resultados advindos das discussões
interescolares, entre professores e alunos.
Espera-se obter, no encerramento do projeto, relatos dos professores sobre as
práticas em sala de aula, com o objetivo de publicação no site do Programa Educando
desde e para a Vida.
6. Parceria Este projeto prevê o estabelecimento de parceria entre NTE e PUC/SP, através do
programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, através da coordenação geral do
programa sob responsabilidade de Maria Cândida Moraes e coordenação operacional do
Sentipensar na formação de professores para o uso das tecnologias, de Rosamaria de
Medeiros Arnt.
7. Anexos Em anexo a este Projeto, a íntegra do Programa Educando desde e para a Vida;
carta da UNESCO, com a chancela às publicações que fundamentam o Programa, de
autoria dos coordenadores do mesmo; carta de apresentação do Programa de Pós-
graduação em Educação: Currículo, da PUC/SP.
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ANEXO 6
PROJETO DE FORMAÇÃO
GOVERNO DE SERGIPE
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
DIVISÃO DE TECNOLOGIA DE ENSINO
PROPOSTA DE FORMAÇÃO
SENTIPENSAR, TECNOLOGIAS E MÍDIAS DIGITAIS: EDUCANDO DESDE E PARA VIDA
Coordenação do Projeto e orientação: Profa. Dra. Rosamaria de Medeiros Arnt
Coordenação do curso: Profa. Acássia Araújo Barreto Ministrantes: Profa. Cleide Ginalva dos Santos Profa. Gilvanda Dias Profa. Margareth Cristóvão Ramos
1. Identificação da instituição executora: Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE)/Divisão de Tecnologia de Ensino (DITE) – Aracaju / SE 2. Título do Projeto: Sentipensar, tecnologias e mídias digitais: educando desde e para vida 3. Objetivos:
• Discutir e refletir sobre o paradigma eco-sistêmico e a complexidade, que
fundamentam o Projeto Sentipensar;
• desenvolver, com professores-alunos, situações didáticas fundamentadas no
Sentipensar e Aprendizagem Integrada (Torre, 2004), utilizando as diferentes
linguagens (mídias) e as tecnologias da informação e comunicação;
130
• planejar situações de aprendizagem para ser vivenciadas com os alunos e discuti-
las, por meio de ambiente digital, entre os professores-alunos das escolas dos
diferentes estados do Brasil;
• relatar as experiências das atividades desenvolvidas em sala de aula, visando à
escrita de artigos coletivos de maneira colaborativa como produto do curso,
utilizando como meio de interação e construção coletiva a ferramenta Wiki, do
ambiente digital Moodle.
4. Justificativa
A presente proposta visa experienciar e discutir situações didáticas fundamentadas
no Sentipensar e Aprendizagem Integrada utilizando-se das mídias e das tecnologias da
informação e comunicação (TIC), compreendendo o sentir e o pensar como duas formas
complementares de se perceber a realidade46.
No dizer dos autores do Projeto Sentipensar, Maria Cândida Moraes e Saturnino de
la Torre, esta proposta tem por finalidade colaborar para a transformação da educação à luz
de um novo paradigma eco-sistêmico levando em consideração os princípios da UNESCO:
aprender a ser, aprender a fazer, aprender a aprender, aprender a conviver, aos quais
acrescentamos o aprender a decidir e superar a adversidade e aprender a amar.
Este trabalho vincula-se ao Programa Educando desde e para a Vida, de autoria de
Maria Cândida Moraes e Saturnino de la Torre, e ao Projeto Sentipensar, na formação de
professores, sob a coordenação de Rosamaria de Medeiros Arnt.
5. Problema de pesquisa Apesar das várias iniciativas do governo federal brasileiro, em parceria com estados
e municípios, com a implementação de programas voltados para o uso das mídias e TICs,
numa tentativa de reencantar a educação no país, pelas possibilidades de construir
atividades lúdicas, encontramos um grande número de professores desmotivados com seu
papel, quando entendemos que o educar e o aprender se consolidam a partir de atividades
prazerosas. Nessa perspectiva, que projeto de formação poderemos propor, de modo que
professores e alunos se sintam felizes no ambiente escolar e que o ensino e aprendizagem
façam sentido?
46 Torre, Saturnino de la & Moraes, Maria Cândida, Projeto Sentipensar: estratégias para reencantar a educação, 2004. Disponível em <http://www.sentipensar.net/pdf/sentipensar.pdf>.
131
6. Público Alvo Este trabalho destina-se a professores de escolas públicas, do Ensino Fundamental
e Médio, localizadas no estado de Sergipe, a realizar-se na modalidade semi-presencial.
7. Metodologia
Na metodologia do curso, tanto em atividades presenciais como a distância, estão
previstos trabalhos que permitam a incorporação da dimensão emocional junto à cognitiva e
à pragmática, objetivando propiciar o comprometimento com a educação para a vida,
através de recursos e estratégias multissensoriais, oferecidos pelas mídias e tecnologias da
informação e comunicação, de modo que a palavra seja enriquecida com imagens, músicas
e expressões corporais, bem como processos mais adequados e desafiantes de
aprendizagem.
Pretende-se elaborar o planejamento conjunto de ações, para vivência com os
alunos, discussão e análises, através do ambiente digital, proporcionando a troca de
experiências entre professores-alunos, das escolas dos diferentes estados do Brasil.
Cada grupo de professores-alunos terá módulos de formação presencial nas
dependências da Divisão de Tecnologia de Ensino, com as professoras formadoras, e as
interações a distância ocorrerão através do ambiente digital:
http://www.contato.pro.br/moodle/, gentilmente, cedido pela mestra Rosamaria de Medeiros
Arnt, que estará coordenando e orientando os trabalhos a distância.
O diário de bordo ou outra ferramenta similar deverá ser utilizada para registro de
informações e reflexão do processo vivido, com vistas a subsidiar posterior elaboração de
artigos coletivos e colaborativos, com o propósito de desenvolver a criatividade e autoria dos
professores participantes na formação.
A carga horária será de 120 horas, sendo um encontro quinzenal de quatro horas
cada, totalizando assim 28 horas presenciais e 92 a distância, com atendimento on-line, via
messenger ou outro canal virtual que possibilite a comunicação sincrônica.
132
8. Dinâmica da atividade e proposta preliminar dos módulos (detalhamento das
ações).O curso apresenta-se dividido em seis módulos, com atividades presenciais e a
distância.
MÓDULOS / CARGA HORÁRIA
CONTEÚDO ATIVIDADES RECURSOS
1º Módulo – 8 horas
Texto: “O que é um grupo?, de Madalena Freire.
Presencial (aula inaugural): - abertura com a apresentação do Projeto Sentipensar, pela Profa. Rosamaria de Medeiros Arnt; - apresentação dos participantes e da proposta do curso; - formação do grupo – vínculos para a parceria; - criação de e-mails. A distância: - utilização do ambiente colaborativo de aprendizagem Moodle, para registro da apresentação dos participantes; - leitura, análise, discussão e elaboração de um artigo, com base no texto “O que é um grupo?”, de Madalena Freire.
Material impresso; computador - CD-Rom, internet e editor de textos.
2º Módulo – 8 horas
Moodle - ferramentas do ambiente digital de aprendizagem.
Presencial: - oficina básica do Windows (criação de pastas etc); - oficina de internet – reconhecendo as ferramentas do Moodle; - canais de busca. A distância: - nos fóruns do Moodle: conversa sobre as expectativas e discussão sobre o texto “O que é um grupo?”; - registro, no diário de bordo, dos avanços e dificuldades encontradas durante o presente módulo.
Computador - Windows, internet.
3º Módulo – 30 horas
Conceitos e Fundamentos do Sentipensar - Pensamento Eco-sistêmico e Complexidade.
Presencial: - apresentação do filme/documentário em DVD “Quem somos nós?”; - conversa sobre mapas conceituais e fundamentos do Sentipensar; - oficina sobre o uso do CMap; - exercício prévio para elaboração de mapas conceituais. A distância: - discussão no fórum acerca dos conceitos e fundamentos do Sentipensar - o Sentipensar em sala de aula; - elaboração (em grupo) de mapas conceituais; representação de conceitos através da imagem visual; - análise sobre o documentário “Quem somos nós?”; - registro, no diário de bordo, dos avanços e dificuldades encontradas durante o presente módulo.
Computador - internet; CMap; PaintBrush e outros editores de imagens. DVD
4º Módulo – 12 horas
Cenários do Sentipensar e
A distância: - discussão no fórum sobre “aprendizagem integrada”; - levantamento de atividades desenvolvidas pelos professores, que contemplem a aprendizagem integrada, por meio de documento; - planejamento de atividades ou mini-
Computador - internet.
133
Aprendizagem Integrada.
projeto, juntamente com os alunos, tomando como base o Sentipensar (criação de cenários), contemplando as mídias e TICs; - intercâmbio entre os professores de Sergipe e Mato Grosso, utilizando o ambiente digital de aprendizagem Moodle; - registro, no diário de bordo, dos avanços e dificuldades encontradas durante o presente módulo. Presencial: - apresentação do vídeo “O Ponto de Mutação”; - relato e reflexão em torno das atividades que serão desenvolvidas em sala de aula.
5º Módulo – 30 horas
Prática projetada - vivenciando e refletindo os cenários elaborados.
A distância: - análise sobre o vídeo “O Ponto de Mutação”; - intercâmbio entre as escolas envolvidas na capacitação (professores e alunos), para discutir sobre os trabalhos realizados; - relato das ações desenvolvidas nas escolas, utilizando o portfólio do Moodle; - debate no fórum sobre as atividades realizadas; - registro, no diário de bordo, dos avanços e dificuldades encontradas durante o presente módulo. Presencial: - conversa sobre os trabalhos desenvolvidos com os alunos, pontuando avanços e dificuldades.
Computador – internet e outros recursos
6º Módulo – 12 horas
Resultado dos trabalhos produzidos durante o curso.
A distância: - polinização escrita e publicação dos artigos individuais e coletivos no Moodle, com reflexão sobre a prática, fundamentada no pensamento Eco-sistêmico e Complexidade e no Sentipensar; - registro, no diário de bordo, dos avanços e dificuldades encontradas durante o presente módulo, correspondendo à auto-avaliação e avaliação do curso. Presencial: - apresentação final dos trabalhos, nas instituições envolvidas no curso.
Computador - internet
7° módulo – 20 horas
* Elaboração do Trabalho de conclusão do curso (TCC); * elaboração do artigo.
A distância: acompanhamento às equipes durante a escrita do TCC e do artigo. Presencial: seminário de apresentação dos TCC.
Computador – PowerPoint e internet
134
9. Cronograma de execução – 2006 / 2007
Período: 2006 – 2007 Módulos Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Nov/Dez Mar/Abr
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º
Datas previstas dos encontros presenciais: 07/03/2006 – Aula inaugural 28/03/2006 – 2º encontro 11/04/2006 – 3º encontro 25/04/2006 – 4º encontro 09/05/2006 – 5º encontro 23/05/2006 – 6º encontro 13/06/2006 – 7º encontro 27/06/2006 – 8º encontro 08/08/2006 – 9º encontro 22/08/2006 – 10º encontro 12/09/2006 – 11º encontro 15/04/2007 – Seminário de encerramento do curso.
10. Avaliação A avaliação será processual, através do acompanhamento tanto das atividades
presenciais como a distância, culminando com os trabalhos de conclusão do curso (TCC) e
um artigo coletivo-colaborativo, que serão escritos ao final do curso.
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Referências bibliográficas: ARNT, Rosamaria Arnt. O olhar da experiência ótima na formação de professores em tecnologia da informação e comunicação. São Paulo: Programa de Pós-graduação em Educação: currículo, PUC/SP. Dissertação de mestrado, 2001. BOHM, David. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athena, 2005. CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 2001. ________. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix. 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2000. LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Edições Loyola, 1998. ________. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: 34, 2000. MATURANA, Humberto & VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001. ________. De máquinas e seres vivos: autopoiese – a organização do vivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MORAES. Maria Cândida & TORRE, Saturnino de la. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004. MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. ________. Pensamento eco-sistêmico e educação, aprendizagem e cidadania no Século XXI. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004. MORIN, Edgar & MOIGNE, Jean-Louis le. A inteligência da complexidade. São Paulo: Peirópolis, 2000. MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001. ________. Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Cortez, 2003. NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.
137
ANEXO 8
ORIENTAÇÕES PARA ELABORAÇÃO DO ARTIGO
CURSO DE FORMAÇÃO SENTIPENSAR, TECNOLOGIAS E MÍDIAS DIGITAIS: EDUCANDO DESDE E
PARA A VIDA
Orientações para a elaboração do artigo 1. Introdução
Descrever como se originou a experiência e o interesse na proposta do projeto desenvolvido na escola, entre outros aspectos pertinentes.
2. Relato da experiência
Descrição das situações vivenciadas, procurando se revelar e desvelar.
3. Metodologia - caminhos percorridos para colocar o projeto em ação (passo a passo).
4. Análise da experiência, baseada em fundamentação teórica do curso e outras abordagens reconhecidas como significativas em sua prática; reflexão sobre a aprendizagem proporcionada pelo projeto, destacando as contribuições para a docência e para a vida.
5. Considerações finais
Observações: 1. capa – título do artigo; constar os nomes dos autores do artigo; período da escrita do
artigo; localização (cidade/estado); 2. Formatação do texto: * Tamanho do papel: A4 * Margens:
superior - 3 cm inferior - 2 cm esquerda - 3 cm direita - 2 cm
* Tipo e tamanho da fonte - Times New Roman ou Arial - 12 * Espaçamento entre linhas - 1.5 * Número de páginas – entre 6 e 10 páginas Salvar o arquivo na extensão “doc.”. O artigo será publicado no ambiente na extensão “pdf”.
138
ANEXO 9
CARTA-CONVITE...
O propósito do Módulo 2 é iniciarmos a discussão dos fundamentos do sentipensar, para que possamos, posteriormente, planejar ações educacionais envolvendo tais fundamentos.
Mas antes de discutirmos, gostaria que este módulo não se restringisse a uma discussão teórica, mas que pudéssemos vinculá-lo a uma prática que nos permitisse pensar em inteireza humana.
Para tanto, faço uma sugestão, ou melhor, um convite:
Durante este módulo, antes mesmo de ler o texto proposto para iniciarmos nossa conversa, e a cada vez que entrar no ambiente para ler e/ou comentar algo, pare um pouco...
Feche os olhos e respire...
Simplesmente respire conscientemente um certo número de vezes (3, 5, 10 – você escolherá quantas vezes).
Para auxiliar na concentração, pode ir dizendo mentalmente, acompanhando o movimento da respiração:
• inspiro – expiro (um); • inspiro – expiro (dois)... • ... Agora, preparado(a), pense na comunidade que se formou neste curso e lance-se à
atividade/leitura/escrita. Afinal, ao chegarmos a este ambiente, temos um encontro! ☺
Qual o efeito? Qual o significado de unir o pensamento a uma ação mecânica de nosso corpo, tornando-a consciente? Vamos, depois de estudarmos um pouco, conversar sobre isto?
Por enquanto, fica o convite à respiração consciente. Será fácil? Será difícil? Será possível? Será confortável? Será um absurdo? Respostas que só obteremos se tentarmos... vamos lá? ☺
Com esta proposta, introduzimos no curso uma parte prática... propondo um gesto de interrupção47 na corrida diária para nos aprofundarmos em idéias, conceitos, refletindo também sobre nossa própria forma de ser, sentir, pensar.
Eis a carta... Eis o convite... Aguardo vocês...
Com carinho Rosinha
47 Segundo Jorge Larrosa, o gesto de interrupção nos faz ser sujeitos da experiência, permitindo que a experiência nos aconteça e, consequentemente, que aprendamos com ela. Segundo este autor, para o gesto de interrupção precisamos parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (Obs: a íntegra deste texto está na Biblioteca, em Textos complementares)
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