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UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO Prof. Durval Carneiro Neto AGENTES PÚBLICOS Sumário : 1) Conceito de agente público. 2) Classificação dos agentes públicos: agentes políticos, servidores públicos, agentes particulares em colaboração. 3) Regimes jurídicos dos servidores públicos. 3.1) Regime estatutário. 3.2) Regime trabalhista. 3.3) Regime especial temporário. 4) Organização funcional: cargos, empregos e funções públicas. 5) Normas gerais aplicáveis a todos os servidores públicos. 6) Aspectos gerais do regime estatutário dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações federais de direito público (Lei 8112/90). 6.1) Provimento de cargo público. 6.2) Estabilidade. 6.3) Direitos e vantagens. 6.4) Lotação e relotação do servidor. 6.5) Substituição do servidor. 6.6) Deveres e proibições. 6.7) Responsabilidades e processo disciplinar. 6.7.1) As três instâncias de responsabilidade; 6.7.2) Independência entre instâncias, hipóteses de comunicabilidade e efeitos da condenação penal. 6.7.3) Sanções por ato de improbidade administrativa. 6.7.4) O processo administrativo disciplinar. 6.7.5) A “verdade sabida” e o “termo de declaração”. 6.7.6) A ação regressiva contra o servidor público. 6.8) Desprovimento de cargo público. 6.9) Noções sobre a previdência do servidor público. 7) Noções sobre o regime estatutário militar. 8) Agentes de fato. 1) CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO Os entes estatais e órgãos que os integram são categorias ideais, fictícias, cuja vontade e autoridade são exteriorizadas por pessoas naturais genericamente denominadas de agentes públicos, que movimentam a máquina do Poder Público. “Então, para que tais atribuições (do Estado) se concretizem e ingressem no mundo natural é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nesta posição de veículos de expressão do Estado”. 1 1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.136. 1

Ponto 3 - Agentes Públicos

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AGENTES PÚBLICOS

Sumário: 1) Conceito de agente público. 2) Classificação dos agentes públicos: agentes políticos, servidores públicos, agentes particulares em colaboração. 3) Regimes jurídicos dos servidores públicos. 3.1) Regime estatutário. 3.2) Regime trabalhista. 3.3) Regime especial temporário. 4) Organização funcional: cargos, empregos e funções públicas. 5) Normas gerais aplicáveis a todos os servidores públicos. 6) Aspectos gerais do regime estatutário dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações federais de direito público (Lei 8112/90). 6.1) Provimento de cargo público. 6.2) Estabilidade. 6.3) Direitos e vantagens. 6.4) Lotação e relotação do servidor. 6.5) Substituição do servidor. 6.6) Deveres e proibições. 6.7) Responsabilidades e processo disciplinar. 6.7.1) As três instâncias de responsabilidade; 6.7.2) Independência entre instâncias, hipóteses de comunicabilidade e efeitos da condenação penal. 6.7.3) Sanções por ato de improbidade administrativa. 6.7.4) O processo administrativo disciplinar. 6.7.5) A “verdade sabida” e o “termo de declaração”. 6.7.6) A ação regressiva contra o servidor público. 6.8) Desprovimento de cargo público. 6.9) Noções sobre a previdência do servidor público. 7) Noções sobre o regime estatutário militar. 8) Agentes de fato.

1) CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO

Os entes estatais e órgãos que os integram são categorias ideais, fictícias, cuja vontade e autoridade são exteriorizadas por pessoas naturais genericamente denominadas de agentes públicos, que movimentam a máquina do Poder Público.

“Então, para que tais atribuições (do Estado) se concretizem e ingressem no mundo natural é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nesta posição de veículos de expressão do Estado”.1

Os entes estatais e os órgãos superiores que os integram estão, em regra, previstos na Constituição Federal (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Congresso Nacional, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União, Juízes Federais, Juízes do Trabalho etc.) ou em leis de organização administrativa (empresas públicas, autarquias, fundações estatais, Ministério da Fazenda, etc.).

Além das pessoas vinculadas diretamente ao Estado, existem outras que, apesar de não terem ligação direta com qualquer órgão ou ente integrante do aparelho estatal, também desempenham atividades afetadas ao Poder Público, isto é, funções estatais, e, portanto, também são agentes públicos. Todas essas pessoas que exprimem manifestação estatal, integrando ou não os quadros do Estado, recebem a denominação genérica de agentes públicos, conforme a lição do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Esta expressão - agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem quer que

1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.136.

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desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. (...) alguns integram o aparelho estatal, seja em sua estrutura direta, seja em sua organização indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações governamentais). Outros não integram a constelação de pessoas estatais, isto é, são alheios ao aparelho estatal, permanecem exteriores a ele (concessionários, permissionários, delegados de função ou ofício público, alguns requisitados, gestores de negócios públicos e contratados por locação civil de serviços). Todos eles, entretanto, estão sob um denominador comum que os radicaliza: são, ainda que alguns deles apenas episodicamente, agentes que exprimem manifestação estatal, munidos de uma qualidade que só podem possuir porque o Estado lhes emprestou sua força jurídica e os habilitou a assim agirem ou, quando menos, tem que reconhecer como estatal o uso que hajam feito de certos poderes”.2

No dizer de Maria Sylvia Di Pietro, “agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”.3

Para o saudoso professor Diógenes Gasparini, são “todas as pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”.4

Assim, são exemplos de agentes públicos: o Presidente da República, os seus Ministros, os Deputados, Vereadores, Juízes e demais ocupantes de cargo público, assim como os concessionários, permissionários de serviço público, as pessoas às quais são delegadas funções públicas, tais como os tabeliães, diretores de faculdades, os mesários eleitorais e até mesmo os contratados em regime de locação civil.

Em suma, “a noção abarca todos os que desempenhem função pública e, por certo, enquanto a desempenham, independentemente da existência de vínculo, e se este existir são irrelevantes a forma de investidura e a natureza da vinculação que os prende à Administração Pública”.5

Daí porque dispõe o art.2o da Lei 8.429/1992 (que trata da ação por improbidade administrativa): “Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior” (qualquer dos poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Esta noção do que seja agente público também se revela importante na prática, pois tem estreita ligação com a figura da “autoridade” para fins de sujeição passiva ao mandado de segurança:

“Bem por isto, é natural que seja impetrável segurança contra diretor de Faculdade particular reconhecida com relação a atos que digam respeito à sua atividade ordenadora ou decisória de ensino. De igual modo, os titulares de serviços notariais ou de registro, conquanto conservem sua qualidade de particulares (art.236 da Constituição), estranhos, pois, ao conceito de funcionário ou de servidor público, podem ser sujeitos passivos de mandado de segurança, posto que agem como delegados de função pública. O dirigente de empresa pública ou sociedade de economia mista (pessoas qualificadas como de Direito Privado), ainda quando sejam elas meramente exploradoras de atividade econômica, também pode ser enquadrado como ‘autoridade’ no que concerne a atos expedidos para

2 Idem, p.230-239.3 DI PIETRO, Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.422.4 GASPARINI, Direito Administrativo, 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2202, p.128.5 Idem, p.128-129.

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cumprimento de normas de Direito Público a que tais entidades estejam obrigadas, como, exempli gratia, os relativos às licitações públicas que promovam”.6

2) CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS

A classificação dos agentes públicos pode ser feita segundo variados aspectos. Levando em conta a pessoa política ao qual está vinculado, o agente público poderá ser federal, estadual, distrital ou municipal. Considerando ainda algumas peculiaridades específicas do regime disciplinar, o agente público poderá ser civil ou militar.

Todavia, no que concerne a aspectos substanciais da sua vinculação ao Poder Público, a classificação dos agentes públicos costuma ser feita pela doutrina segundo três categorias: i) agentes políticos; ii) servidores estatais e iii) particulares em colaboração com a Administração.

Agentes Políticos são aqueles que ocupam os mais altos cargos da estrutura organizacional do Estado, dispostos na Constituição Federal como instrumentos de exercício do poder político, manifestado na vontade superior do Poder Público. São exemplo, o Presidente da República e seus Ministros, os Governadores, Prefeitos e seus Secretários, os Senadores, Deputados etc.

Existe controvérsia entre os juristas acerca de quais seriam os agentes políticos, sobretudo no que tange à inclusão dos juízes e membros do MP nesta categoria. Hely Lopes Meirelles considera os membros do Judiciário e do Ministério Público como agentes políticos, haja vista a independência funcional que lhes é garantida no exercício das suas funções institucionais:

“Nesta categoria encontram-se os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de Estado e de Município); os membros das Corporações Legislativas (Senadores, Deputados e Vereadores); os membros do Poder Judiciário (Magistrados em geral); os membros do Ministério Público (Procuradores da República e da Justiça, Promotores e Curadores Públicos), os membros dos Tribunais de Contas (Ministros e Conselheiros); os representantes diplomáticos e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições governamentais, judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao quadro do serviço público”.7

Celso Antônio Bandeira de Mello tem uma concepção mais restrita acerca dos agentes públicos classificados como agentes políticos, considerando como tais somente aqueles que mantêm vínculo de natureza política com o Estado (e não vínculo de natureza profissional), daí porque não inclui nesta categoria os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Convém conferir as suas palavras:

“Agentes Políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos do Chefe de Executivo, isto é Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores”.8

6 Ib idem, p.231.7 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.77.8 Curso..., cit., p.232.

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Comentando tal divergência existente na doutrina, Maria Sylvia Di Pietro prefere a concepção mais restrita, porquanto “a idéia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função política, a primeira dando idéia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (aspecto objetivo)”, sendo que, “no Brasil, a participação do Judiciário em decisões políticas praticamente inexiste, pois a sua função se restringe, quase exclusivamente, à atividade jurisdicional sem grande poder de influência na atuação política do Governo, a não ser pelo controle a posteriori”.9

“O mesmo se diga com relação aos membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, o primeiro exercendo uma das funções essenciais à justiça, ao lado da Advocacia Geral da União, da Defensoria Pública e da Advocacia, e o segundo a função de auxiliar do Legislativo no controle sobre a Administração. Em suas atribuições constitucionais, nada se encontra que justifique a sua inclusão entre as funções de governo; não participam, direta ou indiretamente, das decisões governamentais. Não basta o exercício de atribuições constitucionais para que se considere como agente político aquele que as exerce. São, portanto, agentes políticos, no direito brasileiro, apenas os Chefes dos Poderes Executivos federal, estadual e municipal, os Ministros e Secretários de Estado, além de Senadores, Deputados e Vereadores”.10

Daí porque a doutrina majoritária prefere entender que “a categoria dos magistrados e a dos membros do Ministério Público fica bem mais alocada entre os servidores estatutários vitalícios”.11

Em tópico posterior veremos em que consiste tal categoria.

Servidores Estatais são “todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência”.12

Na doutrina de Celso Antônio, os servidores estatais subdividem-se em duas categorias: 1) servidores públicos, isto é, das pessoas de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações estatais de Direito Público); 2) servidores das pessoas governamentais de Direito Privado (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais de Direito Privado).

Nesse prisma, servidores públicos são “todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Em suma: são os que entretêm com o Estado e com as pessoas de Direito Público da Administração indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência”.13

Como se vê, a expressão servidor público, em seu sentido lato, abrange tanto os titulares de cargos públicos quanto os ocupantes de empregos públicos, alcançando ainda os que exercem função pública, como será visto mais adiante em tópico específico. Segundo Maria Sylvia Di Pietro, os servidores públicos compreendem:

9 Direito Administrativo, cit., p.423.10 Idem.11 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 420.12 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., cit, p.242.13 Idem, p.242-243.

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“1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos; 2. os empregados públicos, contratados sob regime da legislação trabalhista e ocupantes de empregos públicos; 3. os servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art.37, IX, da Constituição); eles exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público”.14

Na vigência da Constituição anterior, os servidores estatutários eram chamados de funcionários públicos. A atual Carta ora utiliza termo amplo servidor público, ora faz alusão aos servidores ocupantes de cargos públicos (vide arts.37 a 41).

É preciso fazer uma ressalva em relação aos servidores contratados em regime de emprego público.

Se prestarem serviços para entes de Direito Público (Administração direta, autarquias e fundações), serão, na esfera federal, regidos pela Lei 9962/2000 naquilo que esta modificar a legislação trabalhista geral. Há, portanto, aí, um regime misto de emprego.

Se prestarem serviços para entes de direito privado (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público), estarão integralmente submetidos ao regime trabalhista geral. Para diferenciá-los, alguns doutrinadores os denominam servidores governamentais.

Quanto aos servidores temporários, como dito, são agentes contratados por prazo determinado para que a Administração Pública possa atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (CF, art.37, IX). No âmbito federal, tal contratação é regulamentada pela Lei 8745/93, com alterações dadas pela Lei 9849/99.

Diógenes Gasparini qualifica necessidade temporária aquela “qualificada por sua transitoriedade; a que não é permanente; aquele que se sabe ter um fim próximo. Em suma, a que é passageira. São exemplos de necessidade temporária cujo atendimento pode ser conseguido com esses contratos: a restauração do sistema viário e dos serviços de comunicações destruídos por uma inundação; a continuidade dos serviços de magistério em razão do afastamento súbito e prolongado do professor titular; a vacinação emergencial da população em razão de um surto epidêmico imprevisível; o recenseamento e outros levantamentos estatísticos; a melhoria do serviço público tornado de baixa qualidade pela falta de servidores e a sua continuidade em razão de greve. A necessidade a ser atendida, além de temporária, há de ser de excepcional interesse público”.15

Particulares em colaboração com a Administração são aqueles agentes que, apesar de não terem vínculo direto com o aparelho estatal, exercem função pública, ainda que em caráter provisório, tal como acontece com os leiloeiros, tradutores, peritos, concessionários etc.

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta as seguintes espécies de agentes por colaboração:

“a) requisitados para prestação de atividade pública, quais os jurados, membros de Mesa receptora ou apuradora de votos quando das eleições, recrutados para o serviço militar obrigatório etc. Estes agentes exercem um múnus público; b) ao que sponte própria assumem a gestão da coisa pública como ‘gestores de negócios públicos’, perante situações anômalas, para acudir a necessidades

14 Direito Administrativo, cit., p.424.15 Direito Administrativo, cit., p.149-150.

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públicas prementes; c) contratados por locação civil de serviços (como, por exemplo, um advogado ilustre contratado para sustentação oral perante Tribunais); d) concessionários e permissionários de serviços públicos, bem como os delegados de função ou ofício público, quais os titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como é o caso dos notários, ex vi do art.236 da Constituição, e bem assim outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com os diretores de Faculdades particulares reconhecidas”.16

No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Di Pietro:

“Nesta categoria entram as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Podem fazê-lo sob diversos títulos, que compreendem: 1. delegação do Poder Público, como se dá com os empregados das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços notariais e de registro (art.236 da Constituição), os leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos; eles exercem função pública, em seu próprio nome, sem vínculo empregatício, porém sob fiscalização do Poder Público. A remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos mas pelos terceiros usuários do serviço; 2. mediante requisição, nomeação ou designação para o exercício de funções públicas relevantes; é o que se dá com os jurados, os convocados para prestação de serviço militar ou eleitoral, os comissários de menores, os integrantes de comissões, grupos de trabalho etc.; também não têm vínculo empregatício e, em geral, não recebem remuneração; 3. como gestores de negócio que, espontaneamente, assumem determinada função pública em momento de emergência, como epidemia, incêndio, enchente etc.”17

Saliente-se que os titulares de serviço notarial e de registro (cartórios) são particulares em colaboração, que agem por delegação do Poder Público, ainda que sejam selecionados por concurso público por força de norma constitucional expressa (art.236, §3º). Conforme já decidiu o STF, esses agentes não estão investidos em cargos, pois exercem suas atribuições em caráter privado (ADI 2.602/MG, DJ de 31/03/2006).

Outra situação sui generis é a dos recrutados para o serviço militar. Eles não estão inseridos no quadro funcional da instituição militar, nem exercem cargos. Apenas são convocados mediante recrutamento para o treinamento militar. Por isso são também considerados particulares em colaboração com a Administração, apesar de manterem certo vínculo funcional com o aparelho estatal durante o período do serviço militar.

Para melhor visualizar o panorama dos agentes públicos no ordenamento jurídico brasileiro, apresentamos o seguinte quadro sinótico:

I) AGENTES POLÍTICOS:

- Titulares de cargos estruturais à organização política do país.- Integram o arcabouço constitucional e formam a vontade superior do Estado nos destinos da sociedade.- Não há vínculo profissional duradouro, mas, sim, vínculo eventual (circunstâncias históricas) de natureza política.- Exercem cargos eletivos (Presidente, Governador, Prefeito, Senador, Deputado, Vereador) ou cargos superiores de confiança (Ministros, Secretários).- São denominados “membros de poder”, porque suas prerrogativas funcionais decorrem diretamente da Constituição.

OBS: A doutrina diverge sobre a inclusão, nesta categoria, dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, por serem também “membros de poder”. Alguns preferem inserir estes na categoria dos servidores estatais, dado o seu vínculo profissional e não eventual. Sob essa ótica, seriam servidores especiais, eis que vitalícios.

16 Op. cit., p.235-236.17 Op. cit., p.427.

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II) SERVIDORES ESTATAIS:

- Vínculo de natureza profissional e caráter não eventual.

II.1) SERVIDORES PÚBLICOS:

- Ocupam cargos ou empregos nos entes de Direito Público (União, Estados, DF, Municípios, autarquias e fundações de Direito Público).

II.2) EMPREGADOS GOVERNAMENTAIS:

- Servidores de pessoas governamentais de Direito Privado (empresas estatais e fundações estatais de Direito Privado)-Regime trabalhista comum (CLT), com algumas peculiaridades previstas na CF/88.

II.1.1) SERVIDORES ESTATUTÁRIOS:

- Titulares de cargos públicos- Regime estatutário- Cada ente político edita a sua legislação- No âmbito federal há a Lei 8112/90- Em regra, ingressam por concurso público, salvo os detentores de cargo de confiança.

II.1.2) EMPREGADOS PÚBLICOS:

- Titulares de empregos públicos- Regime contratual- Regidos pela CLT e algumas disposições de Direito Público.- No âmbito federal, além da CLT, aplica-se a Lei 9962/2000. Não pode haver leis estaduais ou municipais tratando de legislação trabalhista.- Normalmente exercem funções materiais subalternas.- Em regra, ingressam por concurso público, salvo os que exercem funções superiores de confiança.

II.1.3) CONTRATADOS TEMPORÁRIOS

- Atendem a necessidade temporária de excepcional interesse público (CF/88, art.37, IX).- Regime de contrato administrativo especial.- Cada ente político editará legislação sobre a matéria.- No âmbito federal há a Lei 8745/93.- Não ingressam por concurso público, mas há casos de processo seletivo simplificado.

III) PARTICULARES EM COLABORAÇÃO

- Não integram o aparelho estatal- Exercem munus público.- Vinculam-se por contratos, atos ou fatos administrativos, a depender do caso.

III.1) REQUISITADOS, NOMEADOS OU DESIGNADOS:

- jurados, mesários eleitorais, comissários de menores, recrutados etc.

III.2) GESTORES DE NEGÓCIOS PÚBLICOS:

- situações de urgência em que se torne imprescindível a atuação estatal.

III.3) CONCESSIONÁRIOS, PERMISSIONÁRIOS OU DELEGADOS DE FUNÇÕES OU OFÍCIOS PÚBLICOS:

- prestação de serviços públicos ou atividades delegadas pelo Poder Público (ex: diretores de faculdades privadas, notários titulares de cartórios).

3) REGIMES JURÍDICOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS

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Conforme já se disse, os servidores públicos (em sentido amplo) são todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho profissional com as entidades governamentais da Administração direta e indireta.

Esse vínculo de trabalho profissional, por sua vez, variará conforme o regime jurídico adotado para cada servidor.

Entende-se por regime jurídico o conjunto das regras de direito que ordenam determinada atividade ou relação jurídica.

Sob este aspecto do regime jurídico, existem três categorias de servidores: a) servidores públicos estatutários; b) servidores públicos trabalhistas; c) servidores públicos temporários.

Atualmente não mais prevalece a regra do regime jurídico único, anteriormente previsto no art.39 da Carta Política de 1988, em sua redação original, que tentava, sem sucesso, estabelecer uma isonomia entre os servidores da Administração direta e autárquica. Com o advento da Emenda Constitucional 19/98 (Reforma Administrativa), a norma constitucional passou a admitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotassem mais de um regime jurídico para seus servidores, com a instituição de conselhos de política de administração e remuneração de pessoal.

A doutrina destaca bem essa modificação ocorrida no serviço público brasileiro:

“O efeito da alteração é de simples inteligência: com a extinção desse regime, a Constituição passou a permitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possam recrutar servidores sob mais de um regime jurídico. Desse modo, será possível, por exemplo, que um Estado tenha grupo de servidores estatutários e outro de servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja a organização funcional estabelecida em lei. O mesmo será permitido para as demais pessoas federativas. Aliás, a própria União Federal, como já vimos, já tem a previsão de servidores estatutários (Lei 8112/90) e de servidores trabalhistas (Lei 9962/2000 e legislação trabalhista). Nada impedirá, é claro, que a entidade política adote apenas um regime funcional em seu quadro, mas, se o fizer, não será por imposição constitucional, e sim por opção administrativa, feita em decorrência de avaliação de conveniência, para melhor atender a suas peculiaridades. A qualquer momento, no entanto, poderá modificar a estratégia inicial e instituir regime funcional paralelo, desde que, logicamente, o novo sistema seja previsto em lei.”18

“A Emenda Constitucional n.19, de 4-6-98, trouxe algumas modificações nessa sistemática, pois excluiu a exigência de regime jurídico único, contida no caput do artigo 39, bem como a regra da isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que constava no §1º do mesmo dispositivo. Com a exclusão da norma constitucional do regime jurídico, ficará cada esfera de governo com a liberdade para adotar regimes jurídicos diversificados, seja o estatutário, seja o contratual, ressalvadas aquelas carreiras institucionalizadas em que a própria Constituição impõe, implicitamente, o regime estatutário, uma vez que exige que seus integrantes ocupem cargos organizados em carreira (Magistratura, Ministério Público, Tribunal de Contas, Advocacia Pública, Defensoria Pública e Polícia), além de outros cargos efetivos, cujos ocupantes exerçam atribuições que o legislador venha a definir como “atividades exclusivas de Estado”, conforme previsto no artigo 247 da Constituição, acrescido pelo artigo 32 da Emenda Constitucional n.19/98”.19

18 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p.484.19 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit., p.430-431.

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Registre-se que, recentemente, o STF, em decisão liminar na ADIN 2135-4 proferida em agosto/2007, posicionou-se pela inconstitucionalidade formal da EC 19/98 no que concerne à nova redação atribuída ao caput do art.39 da CF/88. Com isso, voltou a prevalecer a aludida redação original que impõe o regime jurídico único.

O fato de haver previsão de um regime jurídico único, segundo entende Celso Antônio Bandeira de Mello, não significa que cada ente político só possa adotar o regime de cargos para seus servidores. Com efeito, a própria Constituição, em outros dispositivos originais, fala também na existência de empregos públicos, admitindo, então, regimes diversificados em certas hipóteses. Para o autor, portanto, o tema comporta uma interpretação sistemática da Carta Magna:

“A Constituição, antes do advento da Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, dispunha no art.39, caput, o seguinte: ‘A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas’. A partir disto prosperou, com irrefragável força, a intelecção, que sempre sustentamos ser errônea, de que as pessoas jurídicas de direito público só poderiam adotar um regime, que veio a ser o de cargo público, banido então o regime de emprego. Sobrevindo a Emenda 19, o caput do art.39 foi alterado e não se fez mais qualquer menção a regime único. Desde então surgiu o entendimento de que a lei poderia, se lhe parecesse bem, adotar o regime de emprego para as mais diversas atividades da Administração direta, autárquica e fundacional. Ocorre que, consoante dito, em 2 de agosto do corrente, o Supremo Tribunal Federal, em decisão publicada no dia 14 do mesmo mês, apreciando pedido liminar na ADIn 2.135-4 proposta pelo PT, PDT, PCdoB e PSB houve por bem suspender, até decisão final da ação, a eficácia da nova redação do caput do art.39 introduzida pela referida Emenda, por vício de tramitação, restaurando, então, o art.39 original, embora com efeitos ex nunc, como é próprio das medidas cautelares. (...) Uma vez que se afirmou que podem existir cargos e empregos nas pessoas jurídicas de direito público, mesmo existindo a previsão de regime jurídico único, agora restaurada, cumpre responder a duas questões. A primeira delas é: como se pode promover a convivência do art.39, que prevê regime jurídico único, com disposto nos precitados arts.51, IV, 52, XIII, 61, §1º, II, ‘a’, e 114, que contemplam a existência também de empregos nas pessoas de direito público? A conciliação destes dispositivos é possível desde que se entenda que o pretendido pelo art.39 não foi estabelecer obrigatoriamente um único regime para todos os servidores da Administração direta, autárquicas e fundações públicas, mas impor que a União e suas entidades da Administração indireta, Estados e suas entidades da Administração indireta e Municípios e suas entidades da Administração indireta tenham, nas respectivas esferas, uma uniformidade de regime para seus servidores. Ou seja: inadmite-se que quaisquer destas pessoas adotem para si um dado regime e atribuam à autarquia tal, à autarquia qual ou a fundação tal, diferentes regimes, criando uma pluralidade deles como ocorria antes da Constituição de 1988. Deve haver, isto sim, um ‘regime jurídico único’ na intimidade das diversas ordens de governo. Em outras palavras: é possível (embora afigure-se-nos inconveniente) que as atividades básicas estejam sujeitas ao regime de cargo, isto é, estatutário, enquanto algumas remanescentes, de menor importância, sejam exercidas sob regime de emprego. Inversamente, não é possível haver diversidade de regimes entre Administração direta e as distintas pessoas das respectivas Administrações indiretas. (...) para os servidores da Administração direta, autarquias e fundações de Direito Público (ou seja: servidores das pessoas jurídicas de Direito Público), indubitavelmente, o regime normal, corrente, terá de ser o de cargo público, admitindo-se, entretanto, como ao diante se explicará, casos em que é cabível a adoção do regime de emprego para certas atividades subalternas”.20

20 Curso..., cit., p.250-252.

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Têm-se, assim, três regimes jurídicos, que podem ser concomitantemente adotados pela Administração Pública direta e autárquica.

3.1) REGIME ESTATUTÁRIO

O regime estatutário é aquele adotado em relação aos servidores detentores de cargos públicos. As suas disposições decorrem diretamente da lei, o que significa dizer que o vínculo que une o servidor ao Poder Público não tem natureza contratual. As suas regras estão previstas na Constituição, nas leis e em regulamentos administrativos.

“Regime estatutário é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica funcional entre servidor público estatutário e o Estado. Esse conjunto normativo, como vimos acima, se encontra no estatuto funcional da pessoa federativa. As regras estatutárias básicas devem estar contidas na lei; há outras regras, todavia, mais de caráter organizacional, que podem estar previstas em atos administrativos, como decretos, portarias, circulares etc. As regras básicas, entretanto, devem ser de natureza legal. A lei estatutária, como não poderia deixar de ser, deve obedecer aos mandamentos constitucionais sobre servidores. Pode, inclusive, afirmar-se que, para o regime estatutário, há um regime constitucional superior, um regime legal contendo a disciplina básica sobre a matéria e um regime administrativo de caráter organizacional”.21

Além de não ter natureza contratual, como já ressaltado, o regime estatutário apresenta como característica a sua pluralidade normativa, o que significa dizer que pode haver mais de um regimento funcional, conforme o ente político e a categoria do servidor.

De fato, cada ente político autônomo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá elaborar o seu estatuto funcional, respeitados, é claro, os ditames constitucionais acerca do tema.

No caso da União, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais é a Lei 8112/90.

Outrossim, ao lado do regime estatutário geral direcionado à grande massa dos servidores de cada ente político, poderão ainda existir regimes estatutários especiais direcionados a determinados servidores que exerçam função cuja peculiaridade demande tratamento diferenciado.

É o caso, por exemplo, dos advogados e defensores públicos, além de professores, policiais, auditores fiscais que em algumas unidades federativas têm estatuto próprio, diverso do geral.22 Sujeitos a regimes estatutários especiais estão também os juízes, os membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, valendo lembrar que alguns autores os incluem dentre os servidores públicos em sentido amplo, enquanto outros os incluem na categoria dos agentes políticos.

“Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos denominados estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. Essa categoria ainda admite uma subdivisão: a dos servidores públicos sujeitos ao estatuto geral da pessoa federativa correspondente, e a dos servidores públicos sujeitos a estatutos especiais. De fato, como regra, ao lado do estatuto geral dos servidores públicos, que disciplina os quadros funcionais em geral, com suas classes e carreiras, vicejam estatutos especiais,

21 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p.477.22 Idem, nota de rodapé, p.476.

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que regulam a relação jurídica de trabalho de certas categorias específicas de servidores (...) Cada pessoa da federação, desde que adote o regime estatutário para seus servidores, precisa ter a sua lei estatutária para que possa identificar a disciplina da relação jurídica funcional entre as partes. Há, pois, estatutos funcionais federal, estaduais, distrital e municipais, cada um deles autônomo em relação aos demais, porquanto a autonomia dessas pessoas federativas implica, necessariamente, o poder de organizar seus serviços e seus servidores. Em alguns casos, certos Municípios adotam as regras do estatuto do respectivo Estado. Se assim for, no entanto, a adoção do regime deve ter sido autorizada em lei municipal, considerando-se que esta, em última instância, repetiu todas as normas da lei estatutária do correspondente Estado”.23

O fato de o regime estatutário não ter natureza contratual é de suma importância, pois esta característica implica que possa haver modificação do regime pela simples mudança da lei, a critério do Poder Público, justamente por não haver acordo bilateral de vontades no estabelecimento das normas de regência.

Contra isso os servidores estatutários não podem se insurgir, o que significa dizer que não há direito adquirido a regime jurídico, entendimento esse já consolidado por inúmeros precedentes jurisprudenciais (v.g. STF, AI-ED 567.722/MG, DJ de 28/09/2007).

José dos Santos Carvalho Filho nos fornece lição esclarecedora sobre o tema:

“O servidor, quando ingressa no serviço público sob regime estatutário, recebe o influxo das normas que compõem o respectivo estatuto. Essas normas, logicamente, não são imutáveis; o Poder Público pode introduzir alterações com vistas à melhoria dos serviços, à concessão ou extinção de vantagens, à melhor organização dos quadros funcionais etc. Como as normas estatutárias são contempladas em lei, segue-se que têm caráter genérico e abstrato, podendo sofrer alterações como ocorre, normalmente, em relação aos demais atos legislativos. O servidor, desse modo, não tem direito adquirido à imutabilidade do estatuto, até porque, se o tivesse, seria ele um obstáculo à própria mutação legislativa. Citemos um exemplo: suponha-se que o estatuto do servidor, quando este foi nomeado para o cargo, contemplasse uma licença para estudar no exterior. Nada impede que o Poder Público extinga a licença posteriormente, por entendê-la inconveniente à Administração. O servidor não tem direito adquirido à manutenção da referida licença no estatuto funcional. Esse é um ponto de grande relevância, não se podendo perder de vista que as leis que traduzem normas gerais e abstratas, como é o caso dos estatutos, são normalmente alteráveis”.24

Deveras, quando se fala em direitos subjetivos tem-se em mira vantagens concretas usufruídas por determinado servidor e não propriamente a permanência da lei abstrata que as contempla.

Nesse prisma, o servidor público somente terá direito adquirido se já houver reunido os requisitos necessários ao exercício de determinado direito previsto na lei revogada, pelo que a lei revogadora não poderá retroagir. Nesses casos, a mudança do Estatuto não afetará o direito do servidor, se já adquirido ao tempo da lei anterior.

Vale dizer: o Estatuto muda (não há direito adquirido a sua permanência); mas a vantagem que nele era prevista permanece em relação aquele determinado servidor na medida em que reuniu os requisitos para usufruí-la (direito adquirido ao benefício).

23 Ib idem, p.476-478.24 Ib idem, p.495.

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“A lei estatutária contempla vários direitos individuais para o servidor. A aquisição desses direitos, porém, depende sempre de um suporte fático ou, se se preferir, de um fato gerador que a lei expressamente estabelece. Se se consuma o suporte fático previsto na lei e se são preenchidos os requisitos para o seu exercício, o servidor passa a ter direito adquirido ao benefício ou vantagem que o favorece. Aqui, portanto, não se trata do problema da mutabilidade das leis, como antes, mas sim da imutabilidade do direito em virtude da ocorrência do fato que o gerou. Cuida-se nesse caso de direito adquirido do servidor, o qual se configura como intangível mesmo se a norma vier a ser alterada. É que, como sabido, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como proclama o art.5o, XXXVI, da Constituição Federal. Vejamos um exemplo: suponha-se que o estatuto funcional do servidor, quando de seu ingresso no serviço público, admitisse adicional por tempo de serviço, conferindo o percentual de cinco por cento dos vencimentos para cada período de cinco anos de efetivo exercício (qüinqüenios). Não tem o servidor direito adquirido à permanência do adicional; em outras palavras, a Administração pode extingui-lo. Se a extinção se der, para exemplificar, quando servidor já tiver onze anos de serviço, a norma terá sofrido alteração, mas terá ele direito adquirido ao percentual de dez por cento, porque a essa altura se terá completado o fato gerador do direito à percepção desse percentual: o exercício das funções pelo período de dois qüinqüenios. Caso a extinção ocorra quando o servidor conte apenas com dois anos de efetivo exercício, nenhum direito terá, porquanto não se terá consumado nem o fato gerador do primeiro percentual, qual seja, o exercício da função por cinco anos. A situação aqui é de mera expectativa, diferente da anterior, em que o fato realmente se consumou, originando a aquisição do direito”.25

Saliente-se, porém, que o direito adquirido somente prevalece em relação às normas infraconstitucionais e às emendas constitucionais (poder constituinte derivado). Não se pode invocar direito adquirido contra a Constituição originária, que consubstancia o próprio nascedouro da ordem jurídica.

Daí porque o art.17 do ADCT estabeleceu expressamente que os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

Pela importância de que se reveste o regime estatutário, predominante no âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, estudaremos posteriormente as suas peculiaridades em tópico separado.

3.2) REGIME TRABALHISTA

Para o exercício de determinadas atividades, a Administração poderá optar em contratar agentes públicos sob regime de emprego (trabalhista), ao invés de cargo (regime estatutário).

Nesses casos, a natureza do vínculo que unirá o servidor ao Estado será contratual (negócio jurídico bilateral, submetido a regras e princípios do Direito Público).

Tratando-se, portanto, de empregado público, deverão ser aplicadas as normas referentes à legislação trabalhista (Constituição, CLT e leis esparsas). “É claro que, sendo, empregador o Estado, incidem algumas normas de direito público na relação trabalhista. Tais normas,

25 Ib idem, p.495-496.

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porém, não podem desfigurar o regime básico da CLT, que é aquele que deve ser observado e que tem natureza contratual”.26

No âmbito da União Federal, foi editada a Lei 9.962/2000, que trata do regime de emprego público na Administração direta, autarquias e fundações públicas, adaptando, desta forma, o regime trabalhista geral às peculiaridades do Direito Público. O seu artigo 1o estabelece que aos empregados públicos federais será aplicada a legislação trabalhista, em tudo aquilo que não dispuser em contrário. Significa dizer que o regime de emprego público federal obedece às disposições da legislação trabalhista geral, ressalvadas eventuais normas em sentido contrário contidas na Constituição e na Lei 9.962/2000. Assim, por exemplo, o art.3o da Lei 9962/2000 estabelece que a rescisão do contrato de emprego público deverá ser motivada em uma das hipóteses nele contidas (ato vinculado), não se admitindo, portanto, a simples dispensa sem justa causa prevista na CLT.

“Essas regras indicam não só que ficou excluída a hipótese de resilição unilateral do contrato por parte do Estado-empregador, não sendo assim aplicável nesse aspecto o art.479 da CLT, mas também que é vinculada à atividade da União no que tange às hipóteses de desfazimento do vínculo: em nenhuma hipótese a rescisão contratual poderá dar-se ao mero alvedrio da Administração Federal, decorrente da valoração de conveniência e oportunidade. A lei excluiu da observância de tais exigências a extinção de contratos de servidores firmados com base na regra de autonomia de gestão, de que trata o art.37, §8º, da CF. Significa dizer que é mais frágil o vínculo trabalhista nessa hipótese e que, em relação a tais contratações, será viável o exercício do direito à resilição unilateral do contrato pela União, ainda quando o motivo tenha fundamento em razões de natureza discricionária”.27

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os empregados públicos são regidos exclusivamente por regras da legislação trabalhista geral. Isto porque a Lei 9962/2000 é uma lei federal (e não uma lei nacional), além do que tais entes políticos não poderão editar suas leis específicas, porquanto é da competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (CF/88, art.22, I). Não obstante, deverão necessariamente observar as regras constitucionais relativas aos empregos públicos (por exemplo, a necessidade de admissão por concurso público – art.37, II), bem como respeitar os princípios que regem o Direito Público (moralidade, impessoalidade, supremacia do interesse público etc.). Sobre o tema escreve Odete Medauar:

“No regime celetista os servidores têm seus direitos e deveres norteados, nuclearmente, pela Consolidação das Leis do Trabalho. Por isso, recebem a denominação de ‘empregados públicos’, numa analogia com o setor privado, em que se usam os termos empregado-empregador. Assim, emprego público é posto de trabalho de quem é contratado pela CLT. Esse é o regime de todos os que trabalham nas empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme determina o art.173, §1º, II, da Constituição Federal. Nos Estados e Municípios que não adotaram regime único estatutário, há servidores contratados pela CLT na Administração direta, nas Autarquias e fundações públicas. No âmbito federal, não mais vigorando o regime jurídico único, abolido pela EC 19/98, a Lei 9962, de 22.02.2000, disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração direta, das autarquias e fundações, sob o regime da CLT e legislação trabalhista correlata. Tendo em vista que o empregador é o ente estatal, alguns preceitos do regime jurídico estatutário estendem-se aos celetistas; por exemplo: limite de remuneração (Constituição Federal, art.37, XI), proibição de acumulação remunerada de outro emprego, função ou cargo (Constituição Federal, art.37, XVII),

26 Ib idem, nota de rodapé, p.479.27 Ib idem, p.481.

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possibilidade de sofrer sanções por improbidade administrativa (CF, art.37, §4º e Lei 8429/92, art.1o)”.28

Ressalte-se que a mera faculdade de se adotar o regime trabalhista na Administração direta, nas autarquias e fundações públicas, não se estende às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas. Deveras, por se tratarem de pessoas jurídicas de direito privado, estes entes estatais deverão obrigatoriamente adotar o regime trabalhista de emprego (não se aplica a eles a Lei 9962/2000), razão pela qual alguns autores diferenciam os seus empregados aplicando-lhe a nomenclatura específica de servidores governamentais, para distingui-los dos demais empregados públicos. Confira-se, nesse particular, o escólio de Diógenes Gasparini:

“As pessoas que, sob um regime de dependência, ligam-se contratualmente às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas, prestadoras ou não de serviços públicos, mediante uma relação de trabalho de natureza profissional e não eventual, constituem a espécie dos agentes públicos chamados servidores governamentais. São caracterizados pela profissionalidade, pela dependência do relacionamento, pela perenidade e pela natureza celetista do vínculo que mantêm com essas entidades. Com tais características podem existir servidores na Administração direta, autárquica e fundacional, sem que possam ser considerados servidores governamentais, dado não se vincularem a qualquer das citadas entidades. Esses são chamados de empregados públicos. Os servidores governamentais são, em suma, os empregados das empresas privadas criadas pela Administração Pública direta de qualquer nível de governo”.29

É importante registrar, ainda, que, mesmo na Administração direta, autarquias e fundações públicas, não é qualquer atividade pública que pode ser submetida a regime de emprego público. Há determinadas atividades típicas de Estado que, por sua natureza, somente poderão ser regidas por normas estatutárias, jamais por normas contratuais, conforme salienta a doutrina, apesar de algumas divergências sobre qual deveria ser o regime predominante na Administração:

“Não há qualquer dúvida de que algumas carreiras realmente não comportam, por sua natureza particular, a incidência do regime de emprego público e devem continuar sujeitas ao regime estatutário, sejam ou não consideradas as respectivas função como ‘atividades exclusivas de Estado’. Citem-se, para exemplificar, as carreiras de diplomacia, fiscalização, polícia, advocacia pública e a carreira militar em geral. Por conseguinte, o regime de emprego público será o adequado para os servidores que executem as funções normais de apoio técnico e administrativo em geral, os quais, verdade seja dita, formam a maioria esmagadora dentro da categoria dos servidores públicos”.30

“O regime normal dos servidores públicos teriam mesmo de ser o estatutário, pois este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender a peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses empregatícios, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores públicos são os próprios instrumentos da atuação do Estado. Tal regime, atributivo de proteções peculiares aos providos em cargo público, almeja, para benefício de uma ação impessoal do Estado – o que é uma garantia para todos os administrados -, ensejar aos servidores condições propícias a um desempenho técnico isento, imparcial e obediente tão-só a diretrizes político-administrativas inspiradas no interesse público, embargando, destarte, o perigo de que, por falta de segurança, os agentes administrativos possam ser manejados pelos transitórios governantes em

28 Direito Administrativo Moderno, cit., p.322.29 Direito Administrativo, cit., p.156-157.30 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p.481.

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proveito de objetivos pessoais, sectários ou político-partidários – que é, notoriamente, a inclinação habitual dos que ocupam a direção superior do País”.31

3.3) REGIME ESPECIAL TEMPORÁRIO

Além dos servidores estatutários e dos servidores trabalhistas, a Administração Pública poderá ainda contar com a atuação dos servidores temporários a que alude o art.37, IX, da Carta Magna de 1988, que assim dispõe: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Trata-se de modalidade de contratação excepcional, submetida a três pressupostos inafastáveis: a) a determinabilidade temporal da contratação, “ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho”.32

b) a temporariedade da função, isto é, “a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes”.33

c) a excepcionalidade do interesse público, eis que “a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial”.34

A princípio, o regime dos servidores temporários deve seguir as normas referentes à legislação trabalhista geral (CLT e leis esparsas), até porque a mesma contém regra específica que trata do contrato de trabalho por prazo determinado (art.479 da CLT). Poderá ainda haver outras disposições previstas na lei que regulamentar a contratação dos servidores temporários.

No âmbito da União Federal, a Lei 8745/93 (com alguns acréscimos trazidos pela Lei 9849/99) regulamenta a contratação de servidores temporários, estabelecendo hipóteses de necessidade temporária de excepcional interesse público, dentre as quais os casos de calamidade pública, surtos endêmicos, atividades de recenseamentos a cargo do IBGE, admissão de professor substituto, visitante ou estrangeiro, algumas atividades a cargo da FUNAI do INPI, algumas atividades finalísticas no Hospital das Forças Armadas, atividade desenvolvidas no âmbito do SIVAM etc.

O rol previsto na lei deve ser tido como meramente exemplificativo, sendo que muitas das hipóteses nele contempladas são de duvidosa constitucionalidade, pois em alguns casos chegam a prever contratação prorrogável por até oito anos, o que não é razoável em se tratando de contratação temporária. Além disso, a Lei 8745/93 prevê a realização de processo seletivo simplificado em alguns casos, o que também tem sido alvo de críticas

31 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., cit., p.231-232.32 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p.482.33 Idem.34 Ib idem, p.483.

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pela doutrina, já que a excepcionalidade do interesse público e a temporariedade da função seriam incompatíveis com a realização de concurso.

Diógenes Gasparini entende por necessidade temporária, aquela “qualificada por sua transitoriedade; a que não é permanente; aquela que se sabe ter um fim próximo. Em suma, a que é passageira. São exemplos de necessidades temporárias cujo atendimento pode ser conseguido com esses contratados: a restauração do sistema viário e dos serviços de comunicação destruídos por uma inundação; a continuidade dos serviços de magistério em razão do afastamento súbito e prolongado do professor titular; a vacinação emergencial da população em razão de um surto epidêmico imprevisível; o recenseamento e outros levantamentos estatísticos; a melhoria do serviço público tornado de baixa qualidade pela falta de servidores e a sua continuidade em razão de greve”.35

E acrescenta:

“Os agentes temporários, contratados pelo regime celetista, nas condições do inciso IX do art.37 da Constituição Federal, salvo o que lhes for atribuído por lei específica, cumprem seus contratos junto à Administração Pública, em termos de direitos e obrigações, consoante dispuser a Consolidação das Leis do Trabalho, e, no que respeita aos direitos previdenciários, o que dispuserem as leis pertinentes. A contratação desses agentes temporários, nas condições e para os fins assinalados no mencionado inciso IX do art.37 da Constituição Federal, não exige concurso. A contratação temporária e essa modalidade de seleção de interessados em ingressar na Administração Pública para prestar seus serviços são absolutamente incompatíveis. Por isso, Celso Antônio Bandeira de Mello (Regime Constitucional, cit., p.61) afirmar ‘tratar-se de hipótese em que a contratação se faz sem concurso, dada a anomalia da situação’ Embora seja assim em termos lógicos e práticos, algumas leis vêm exigindo, como é o caso da referida Lei federal n.8.745, de 9 de dezembro de 1993 (com suas ulteriores alterações), que dispõe sobre a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, a realização de processo seletivo simplificado. Salvam-se desse processo seletivo e, obviamente do concurso público, os casos em que a contratação for destinada a atender necessidades decorrentes de calamidade pública (art.3o, §1º) e a contratação de pessoal enquadrável nos incisos IV, V e VI, alíneas a, c, d e e g, do art.2o, formalizada à vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional e análise do curriculum vitae (art.3o, §2º)”.36

Sobre o tema, escreve também o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art.37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimos importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (nesse sentido ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar”.37

35 Direito Administrativo, cit., p.149.36 Idem, p.152.37 Curso..., cit., p.253-254.

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4) ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, como entes políticos que são gozam de autonomia que lhes garante dispor sobre a sua organização administrativa, no tocante aos seus serviços e atividades.

Assim, observadas as normas constitucionais, cabe a cada ente federativo optar pela organização funcional que considere mais adequada à boa prestação dos serviços públicos de que são titulares.

Conforme já se estudou, não mais há a exigência de regime jurídico único para os servidores públicos. Assim, os entes federativos poderão adotar mais de um regime (estatutário ou trabalhista), organizando a sua estrutura de pessoal por meio de cargos, empregos e funções públicas, os quais integram o seu quadro funcional.

“O quadro funcional é o verdadeiro espelho do quantitativo de servidores públicos da Administração. Se houvesse efetiva organização funcional, o quadro seria o elemento pelo qual o órgão ou a pessoa poderiam nortear-se para inúmeros fins, como a eliminação de excessos, o remanejamento de servidores, o recrutamento de outros, a adequação remuneratória etc., pois que nele se teria o real espectro das carências e demasias observadas nos setores administrativos. Lamentavelmente, porém, reina o caos nesse controle funcional e freqüentemente se tem tido conhecimento do malogro das Administrações em identificar os componentes de seu quadro”.38

Portanto, o quadro funcional é o conjunto dos cargos, empregos e funções públicas existentes em determinada Administração Pública. Como visto, os servidores ocupantes de cargos estão submetidos ao regime estatutário, enquanto os servidores empregados submetem-se às normas trabalhistas.

Já o conceito de função pública segue outro referencial, pois se relaciona apenas à atividade desempenhada pelo servidor, seja ele estatutário ou empregado público. Na verdade, se utiliza separadamente a expressão função pública porque existem determinadas atribuições que não são próprias dos cargos ou empregos públicos existentes no quadro funcional e, por isso, são desempenhadas por servidores de forma adicional às suas tarefas comuns, mediante remuneração suplementar (funções de confiança). Ou seja, a função nesse caso nada mais é do que um acréscimo de atribuições.

Cargos Públicos, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas. Os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo de índole não-contratual”.39

38 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p.485.39 Curso..., cit., p.226-227.

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Quanto à sua vocação para retenção dos ocupantes, os cargos públicos podem ser: efetivos, quando “predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixidez”40; em comissão, quando “vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança de autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, que os esteja titularizando”41; vitalícios, quando “predispostos à retenção dos ocupantes, mas sua vocação para retê-los é ainda maior. Os que neles hajam sido prepostos, uma vez vitaliciados, só podem ser desligados mediante processo judicial”.42

“Cargos vitalícios são aqueles que oferecem a maior garantia de permanência a seus ocupantes. Somente através de processo judicial, como regra, podem os titulares perder seus cargos (art.95, I, CF). Desse modo, torna-se inviável a extinção do vínculo por exclusivo processo administrativo (salvo no período inicial de até dois anos até a aquisição da prerrogativa). A vitaliciedade configura-se como verdadeira prerrogativa para os titulares dos cargos dessa natureza e se justifica pela circunstância de que é necessária para tornar independente a atuação desses agentes, sem que sejam sujeitos a pressões eventuais impostas por determinados grupos de pessoas. A vitaliciedade tem previsão constitucional. Atualmente são cargos vitalícios os dos magistrados (art.95, I,CF), os dos membros do Ministério Público (art.128, §5º, I, a, CF) e os dos membros dos Tribunais de Contas (art.73, §3º, CF). Cargos efetivos são aqueles que se revestem de caráter de permanência, constituindo a maioria absoluta dos cargos integrantes dos diversos quadros funcionais. Com efeito, se o cargo não é vitalício ou em comissão, terá que ser necessariamente efetivo. Embora em menor grau que nos cargos vitalícios, os cargos efetivos também proporcionam segurança a seus titulares: a perda do cargo, segundo emana do art.41, §1º, da CF, só poderá ocorrer , depois que adquirirem a estabilidade, se houver sentença judicial ou processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa, e agora também em virtude de avaliação negativa de desempenho, como introduzido pela EC 19/98. Os cargos em comissão, ao contrário dos tipos anteriores, são de ocupação transitória. Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante. Por isso é que na prática alguns os denominam de cargos de confiança. A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante. Por essa razão é que são considerados de livre nomeação e exoneração (art.37, II, CF)”.43

Os cargos de comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração não dependem de concurso público para seu preenchimento (CF/88, art.37, II). Eles são destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, podendo ser preenchidos por pessoas estranhas ao quadro do ente público, desde que observado um número percentual mínimo previsto em lei para preenchimento por servidores de carreira (CF/88, art.37, V).

Quanto à sua posição no quadro do ente público, os cargos públicos podem ser: de carreira, “quando encartados em uma série de classes escalonada em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições”44; isolados, “quando previstos sem inserção em carreiras”.45

40 Idem, p.270.41 Ib idem, p.269.42 Ib idem, p.271.43 CARVALHO FILHO, Manual..., cit, p.487-488.44 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., cit., p.269.45 Idem.

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“(...) leva em consideração a situação dos cargos diante do quadro funcional. Sob esse aspecto, dividem-se em cargos de carreira e cargos isolados. Os primeiros permitem a progressão funcional dos servidores através de diversas classes até chegar à classe mais elevada. Os cargos isolados, ao contrário, têm natureza estanque e inviabilizam a progressão”.46

Empregos Públicos “são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista. Quando se trate de empregos permanentes na Administração direta ou em autarquia só podem ser criados por lei, como resulta do art.61, §1º, II, ‘a’. Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho”.47

Observa-se, assim, que a distinção básica entre cargo público e emprego público reside no regime jurídico aplicável aos respectivos titulares, isto é, à natureza do vínculo que os une ao Poder Público. No caso do ocupante de cargo público, a vinculação é de natureza estatutária, ou seja, submete-se a normas previstas em lei. Para os servidores federais, o regime estatutário é o previsto na Lei 8112/90. No caso do ocupante de emprego público, a vinculação é de natureza contratual, ou seja, submetido às normas gerais trabalhistas. No âmbito federal, como já visto, a Lei 9962/2000 disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração direta, autárquica e fundacional, aplicando-se a CLT naquilo em tal legislação específica não dispuser em contrário.

Em relação aos empregados públicos dos entes da Administração indireta, com personalidade jurídica de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista), aplicam-se, sem exceção, as regras gerais do regime trabalhista. Por isso, já se mencionou que são denominados servidores governamentais.

Destacando as noções de cargo e emprego público, comenta Maria Sylvia Di Pietro:

“Quando se passou a aceitar a possibilidade de contratação de servidores sob o regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser utilizada, paralelamente a cargo público, também para designar uma unidade de atribuições, distinguindo-se uma da outra pelo tipo de vínculo que liga o servidor ao Estado; o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob regência da CLT, enquanto o ocupante do cargo público tem um vínculo estatutário, regido pelo Estatuto dos Funcionários Públicos que, na União, está contido na lei que instituiu o regime jurídico único (Lei n.8112/90)”.48

No tocante às funções públicas, a ilustre autora comenta que “ao lado do cargo e do emprego, que têm uma individualidade própria, definida em lei, existem atribuições também exercidas por servidores públicos, mas sem que lhes corresponda um cargo ou emprego. Fala-se, então, em função dando-se um conceito residual: é o conjunto de atribuições às quais não corresponde um cargo ou emprego”.49

São as funções de confiança aludidas pelo art.37, V, da Lei Maior, as quais, ao lado dos cargos em comissão, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Para tais atribuições, o ente federativo poderá optar entre criar um cargo em comissão ou uma simples função de confiança a ser desempenhada em caráter

46 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p.486-487.47 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., cit., p.227.48 Direito Administrativo, cit., p.427.49 Idem, p.428.

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adicional por servidores do seu quadro funcional ou até mesmo servidores de outro quadro que venham a ser requisitados.

Portanto, na Administração Pública, os encargos de direção, chefia ou assessoramento poderão ser exercidos por ocupantes de cargos em comissão (observado um percentual mínimo para os servidores de carreira) ou por titulares de cargos efetivos que passem a exercer função de confiança.

Convém não confundir a função de confiança, a que alude o art.37, V, da Carta, com o que a doutrina chama de função temporária exercida na forma do art.37, IX, também da Constituição, nos casos de contratação de servidores por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Tais servidores temporários, como já dito, exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público. Maria Sylvia aponta bem essa distinção:

“Portanto, perante a Constituição atual, quando se fala em função, tem-se que ter em vista dois tipos de situações: 1. a função exercida por servidores contratados temporariamente com base no art.37, IX, para os quais não se exige, necessariamente, concurso público, porque, às vezes, a própria urgência da contratação é incompatível com a demora do procedimento; (...) 2. as funções de natureza permanente, correspondentes a chefia, direção, assessoramento ou outro tipo de atividade para a qual o legislador não crie o cargo respectivo; em geral, são funções de confiança, de livre provimento e exoneração; a elas se refere o art.37, V (...). Com isso, fica explicada a razão de ter o constituinte, no art.37, II, exigido concurso público só para a investidura em cargo ou emprego. Nos casos de função, a exigência não existe porque os que a exercem ou são contratados temporariamente para atender às necessidades emergentes da Administração, ou são ocupantes de funções de confiança, para as quais não se exige concurso público. A discussão quanto aos dois tipos de função atualmente existentes é de fundamental importância, porque há uma série de normas constitucionais que, ao fazerem referência a cargo, emprego ou função, estão-se referindo às funções de confiança e não à função temporária exercida com base no art.37, IX”.50

5) NORMAS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS A TODOS OS SERVIDORES PÚBLICOS

Ao tratar da Administração Pública, a Constituição Federal contém normas direcionadas a todos os servidores públicos, sejam eles estatutários ou trabalhistas.

De logo, a Carta Magna prevê criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas será da competência do Congresso Nacional, por meio de lei submetida à sanção do Presidente da República (art.48, X). A regra, então, é a existência de lei tratando do tema.

Ocorre que esta regra comporta exceções previstas na própria Carta.

O artigo 84, VI, b (com a redação dada pela EC 32/2001) confere ao Presidente da República a competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre extinção das funções ou cargos públicos, quando vagos. Trata-se de uma espécie de regulamento autônomo excepcionalmente admitido no ordenamento brasileiro.

Os artigos 51, IV e 52, XIII (com as redações dadas pela EC 19/1998), conferem à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal a competência privativa para dispor sobre a criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus respectivos serviços, e 50 Ib idem.

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a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Portanto, a organização funcional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não depende de lei, dando-se através de resolução. Já a fixação de vencimentos para tais cargos, empregos e funções depende de lei, conforme adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, com vistas à referida Emenda 19:

“A criação de cargos auxiliares do Legislativo, a teor dos arts.51, IV, e 52, XIII, é de competência privativa da Câmara ou do Senado, conforme o caso; isto é, independente de participação do Executivo. Faz-se por resolução, e não por lei, já que na elaboração desta há necessariamente interferência do Executivo, através da ‘sanção’ ou do ‘veto’, conquanto este último seja superável por votação da maioria qualificada do Legislativo. A razão dos dispositivos em questão, pois, seria e era, até o advento do “Emendão”, assegurar a independência do Legislativo, propiciando-lhe que se instrumentasse, conforme lhe parecesse adequado, ao cumprimento de suas funções, já que, a toda evidência, o bom desempenho delas está relacionado com o apoio de seus serviços auxiliares. Pretendia-se, então, evitar interferências do Executivo na matéria, para que este não tivesse forma de tentar amesquinhar os recursos humanos necessários ao Legislativo ou meios de impor ‘barganhas’ quanto a isto. Desde o “Emendão”, contudo, com a mudança da redação dos preceptivos mencionados, estes se tornaram puramente rituais. É que a fixação dos vencimentos de tais cargos, condição para que possam de fato existir e ser preenchidos, depende de lei. Assim, os autores do ‘Emendão’ e os congressistas que docilmente votaram a alteração do art.51, IV e 52, XIII, eliminaram o único sentido dos versículos referidos, em detrimento da autonomia do Poder Legislativo e em favor de sua notória e crescente submissão ao Executivo”.51

Importante destacar, ainda, que a lei que dispuser sobre a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos serviços auxiliares no Poder Judiciário, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juizes, será de iniciativa dos respectivos Tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Tribunais de Justiça), conforme previsto no art.96, II, b, da Lei Maior. Essa autonomia na iniciativa das leis também é conferida ao Ministério Público, no tocante à criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares (CF, art.127, §2º).

Outra determinação constitucional refere-se à acessibilidade aos cargos e empregos públicos e à investidura por concurso público. Assim, os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art.37, I). E a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art.37, II).

“O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta, indireta ou fundacional. De outro lado, propôs-se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para cargo ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a razão de ser do concurso público. Nas regras do concurso não podem ser feitas discriminações entre brasileiros natos ou naturalizados, salvo em relação aos cargos arrolados no art.12, §3º, da Lei Maior, quando então serão obrigatórias, pois nele arrolam-se os que são privativos de brasileiro nato, como exceção à regra geral fixada no §2º deste mesmo artigo, segundo a qual são vedadas distinções entre uns e 51 Curso..., cit., nota de rodapé, p.227.

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outros. Em decorrência do disposto no art.7o, XXX, ao qual o art.39, §3º, faz remissão, em princípio não seriam admissíveis restrições discriminatórias por motivo de idade ou sexo para admissão em cargos ou empregos; contudo, a parte final deste último preceptivo ressalva a possibilidade de se instituírem requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Assim, tal possibilidade existe, mas apenas em relação a cargos. Isto não apenas pela dicção da regra, mas também e sobretudo pelo fato de que os que se candidatem a emprego (na organização central do Estado ou em pessoa de sua Administração indireta) sujeitar-se-ão basicamente às normas – inclusive as constitucionais – relativas ao Direito do Trabalho. Ora, o art.7o, onde estão arrolados os direitos trabalhistas fundamentais, em seu inciso XXX, não incluiu ressalva alguma em sua dicção”.52

A regulamentação da regra constitucional do concurso público poderá ser feita pela legislação infraconstitucional. Conforme veremos em tópico posterior, muitos aspectos já foram tratados no texto da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime dos servidores públicos civis federais, existindo ainda outras leis específicas, inclusive em âmbito estadual e municipal. Mas essas normas infraconstitucionais servem apenas para reforçar a regra geral da obrigatoriedade do concurso público, já prevista no art.37, II, da CF/88, que é auto-aplicável. Vale dizer, mesmo que não houvesse lei dispondo sobre a matéria, o prévio concurso seria obrigatório.

Segundo previsto nos arts. 11 e 12 da Lei 8.112/90, o concurso público poderá ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.

O prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão fixados em edital, que será publicado no Diário Oficial da União e em jornal diário de grande circulação. Tal prazo poderá ser de até 2 (dois) anos, prorrogável uma única vez por igual período. Ou seja, o edital poderá fixar um prazo igual ou menor do que esse, de modo que eventual prorrogação poderá inclusive superar os dois anos. Extrai-se dessa regra que, em havendo prorrogação, o prazo máximo de validade de um concurso será de 4 (quatro) anos. Registre-se que esse prazo de validade é contado a partir da data de homologação do concurso, que só ocorre após o anúncio dos aprovados.

A norma legal diz ainda que não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado. Na verdade, a melhor interpretação é a de que pode até ser aberto um novo concurso, desde que os já aprovados no concurso anterior tenham prioridade em relação aos novos concursados, como se extrai do art. 37, IV, da CF/88.

O art.37, §8, da CF/88, prevê que a lei reservará percentual de vagas para portadores de deficiência, definindo os critérios de sua admissão. Ou seja, certo número de vagas somente serão disputadas por deficientes. No âmbito federal, a Lei 8.112/90 e o Decreto 3.298/99 estabelecem percentual mínimo de 5% e máximo de 20%.

Isso não significa que todo e qualquer concurso deverá ter vagas para deficientes.

Primeiro há de ser verificado se o cargo objeto do concurso é compatível com a deficiência, conforme ressalva o art.5º, §2º, da Lei 8.112/90. Além disso, dependendo do número de vagas, pode não ser possível fazer reserva para deficientes.52 BANDEIRA DE MELLO, Curso..., cit., p.249-250.

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“Em geral, se, com a incidência do percentual legal, o resultado não for um número inteiro, deverá haver aplicação do primeiro número interior subseqüente, obedecido o limite máximo fixado (Decreto 3.298/1999). Assim, segundo já decidiu o STF, em havendo tão somente duas vagas, descabida a pretensão de reserva, vez que violaria o princípio da isonomia, a reserva de 50% das vagas para os candidatos portadores de deficiência (MS 26.310/DF, DJ 31/20/2007)”.53

Logo, “se o edital anunciar menos de cinco vagas a serem preenchidas, fica vedada a reserva de vagas aos portadores de deficiência. Isso porque, havendo somente uma, duas, três ou quatro vagas, a aplicação do percentual de 20% resultará em fração inferior a uma vaga”.54

Para além do que já disposto expressamente na Constituição e na lei, há muitas peculiaridades que vieram sendo enfrentadas pela jurisprudência acerca do concurso público.

Assim, por exemplo, a Súmula 683 do STF orienta que “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXV, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. Saliente-se que o edital do concurso somente pode estabelecer limite de idade para determinado cargo se houver lei prevendo isso. Essa restrição não pode estar prevista apenas em atos normativos da Administração, conforme também já decidido pelo STF (AI-AgR 589.906/DF, DJ de 23/05/2008).

Da mesma forma, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público” (Súmula 686 do STF). “É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”, consoante reza a Súmula 684 do STF.

E conforme a Súmula 266 do STJ, “o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público”.

Questão polêmica ainda diz respeito à situação jurídica do candidato aprovado em concurso público, se ele teria direito à nomeação ou uma mera expectativa de direito.

A Súmula 15 do STF há muito considerava que o candidato aprovado somente teria direito à nomeação em caso de preterição da ordem de classificação no concurso, ou seja, se outro candidato pior classificado fosse convocado na sua frente. Fora daí, entendia-se haver apenas expectativa de direito. Essa orientação jurisprudencial, todavia, veio mudando ao longo do tempo, instaurando-se controvérsias sobre o tema.

Com efeito, “a jurisprudência do STF sempre foi no sentido de que ‘a aprovação em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito surgirá se houver o preenchimento de vaga sem observância de ordem classificatória’ (STF, RE-AgR 306.938/RS, DJ 11/10/2007). No entanto, há julgado em sentido contrário, proferido pela 1ª Turma, por 3 votos a 2, no bojo do RE 227.480/RJ, DJ 21/08/2009: ‘Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso’. Assim, noutro Recurso Extraordinário, o STF reconheceu a existência de repercussão geral na controvérsia sobre a existência

53 PRADO; TEIXEIRA, op. cit., p.145.54 MAZZA, Alexandre. Op. cit., p.431.

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ou não de obrigação da administração pública nomear candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecidas no edital do concurso público (RE 598.099/MS, DJ 05/03/2010). De seu turno, no âmbito do STJ, há várias decisões no sentido de existir direito subjetivo do candidato (STJ, RMS 27.311/AM, DJ 08/09/2009). Assim, de pacífico, ainda nada existe”.55

Há concursos em que se exige certa prática profissional. Nos concursos para a magistratura e Ministério Público, por exemplo, a própria Constituição condiciona que haja três anos de atividade jurídica.

“Os três anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de Direito e o fraseado ‘atividade jurídica’ é significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito. O momento da comprovação desses requisitos deve ocorrer na data da inscrição no concurso, de molde a promover maior segurança jurídica tanto da sociedade quanto dos candidatos. Vale ressaltar também que, segundo o art. 90 da Resolução 75, de 12/05/2009, do CNJ, não mais se incluem tempo de curso de pós-graduação na área jurídica iniciados após a publicação de tal Resolução”.56

Somente é possível haver contratação sem concurso quando se tratar de cargo em comissão ou, ainda, para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art.37, IX).

Porém, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade, a indicação para os cargos em comissão deve obedecer a critérios que evitem a ocorrência de nepotismo. Para tanto o STF editou a Súmula Vinculante n. 13, segundo a qual “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. Essa proibição estendida a “designações recíprocas” busca evitar o chamado nepotismo cruzado.

Por outro lado, o STF ressalvou que a proibição referida na Súmula Vinculante n. 13 não se aplica às nomeações para cargos de natureza política tais como os de Ministro de Estado e Secretário de Governo, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.

Saliente-se que essa proibição de nepotismo, não obstante já seja uma decorrência direta do princípio da moralidade, é reforçada pelo Decreto 7.203/2010 (aplicado à Administração Federal) e pela Resolução 7/2005 do CNJ (aplicada no âmbito do Poder Judiciário).

Outra norma constitucional relativa a todos os servidores públicos refere-se aos direitos de sindicalização e de greve.

É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical (art.37, VI), tratando-se de norma constitucional de eficácia plena. Já o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (art.37, VII).

55 PRADO; TEIXEIRA, op. cit., p.154.56 Idem, p. 134.

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Com vistas a esse dispositivo constitucional, o STF veio inicialmente adotando o entendimento de que, por se tratar de norma de eficácia limitada, o direito de greve no serviço público não poderia ser exercido pelo servidor enquanto não fosse editada uma lei específica o regulamentando. Ocorre que passados mais de vinte anos desde o advento da Constituição, até hoje não há lei regulamentando o direito de greve. Não obstante, inúmeras greves de servidores já ocorreram e muitas certamente ainda irão ocorrer. A necessidade de lei específica relaciona-se às peculiaridades do serviço público, haja vista o princípio da continuidade, além de obstáculos referentes à obtenção de vantagem pela via da negociação coletiva.

“Na realidade, não devem ser poucas as dificuldades que o legislador federal enfrentará para regulamentar a greve do servidor público; não é especialmente por se tratar de serviço público, cuja continuidade fica rompida com a paralisação; se fosse essa a dificuldade, poderia ser contornada da mesma forma por que o foi nos artigos 10 a 13 da Lei 7783/89, que cuida dos serviços considerados essenciais (a maior parte deles sendo serviços públicos) e estabelece normas que asseguram a sua continuidade em períodos de greve. A dificuldade está no fato de que, tanto o direito de sindicalização como o direito de greve, cuja importância para os trabalhadores em geral diz respeito a assuntos relacionados com pretensões salariais, não poderão ter esse alcance em relação aos servidores públicos, ressalva feita aos das empresas estatais. Com esse objetivo, o exercício do direito de greve poderá, quando muito, atuar como pressão sobre o Poder Público, mas não poderá levar os servidores a negociações coletivas, com ou sem participação dos sindicatos, com o fim de obter aumento de remuneração. (...) Não poderia o servidor de uma categoria participar de negociação coletiva que lhe assegurasse vencimentos superiores aos definidos em lei e que ainda contrariasse as normas do art.37. Quer dizer que o direito de greve, com a possibilidade de participar de negociação coletiva, por meio de sindicato, dificilmente poderá alterar a remuneração ou qualquer direito do servidor público que seja definido em lei. Mesmo que a União, Estados e Municípios optem pelo regime da CLT para seus servidores, ele terá que ser adotado com todas as derrogações previstas no artigo 37 e seguintes da Constituição. O STF, na ADIN n. 492-1, do Distrito Federal, julgou inconstitucionais as alíneas d e e do art.240 da Lei 8112/90 (que instituiu o regime único dos servidores da União), que versam sobre o direito dos servidores à negociação coletiva e ao ajuizamento, na Justiça do Trabalho, de dissídios individuais e coletivos que envolvam as relações por ela regidas”.57

Ocorre que recentemente, “por meio de mandato de injunção, o STF removeu o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornou viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da CF, admitindo a aplicação aos servidores públicos da Lei 7.783/1989, que disciplina a matéria para os empregados privados”58. De fato, conforme discutido no julgamento do MI 670/ES (DJ de 31/10/2008), o Pretório Excelso avançou no seu entendimento anterior, passando a admitir que, enquanto não sobrevier lei específica cuidando da greve no serviço público, a aplicabilidade do art.37, VII, há de ser garantida aplicando-se analogicamente a lei de greve da iniciativa privada.

Outra disposição constitucional refere-se à proibição de acumulação remunerada, norma igualmente aplicável aos servidores estatutários e empregados, alcançando inclusive os chamados servidores governamentais das empresas estatais e até mesmo de outras empresas controladas indiretamente pelo Estado. De fato, reza o art.37, XVI, da Lei Maior que é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, a de dois cargos de professor, a de um cargo de professor com outro técnico ou científico, ou, ainda, a de dois

57 DI PIETRO, op. cit., p.449-450.58 PRADO; TEIXEIRA, op. cit., p.135.

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cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, desde que haja compatibilidade de horários.

Em seguida, no art.37, XVII, a Carta Magna estabelece que esta proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.

“A EC n. 19/98, de reforma administrativa do Estado, alterando o art.37, XVII, da CF, que trata desses outros casos de inviabilidade de acumulação, ampliou as vedações ali contidas, para alcançar também as subsidiárias das referidas entidades, bem como as sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público. Significa dizer que, mesmo que a entidade não integre a Administração Indireta, mas desde que seja subsidiária ou que sofra controle direto ou indireto do Poder Público, vedada estará a acumulação remunerada de funções ou empregos públicos. A vedação atinge, por conseguinte, a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções na Administração Direta e Indireta, seja dentro de cada uma, seja entre os dois setores da Administração entre si. O fundamento da proibição é impedir que o acúmulo de funções públicas faça com que o servidor não execute qualquer delas com a necessária eficiência. Além disso, porém, pode-se observar que o Constituinte quis também impedir a cumulação de ganhos em detrimento da boa execução das tarefas públicas. Tantos são os casos de acumulação indevida que a regra constitucional parece letra morta; quando se sabe que o caos que reina nas Administrações sequer permite a identificação correta de seus servidores, afigura-se como grotesca a proibição constitucional, pois que será praticamente impossível respeitar o que se estabelece a respeito. Note-se que a vedação se refere à acumulação remunerada. Em conseqüência, se a acumulação só encerra a percepção de vencimentos por uma das fontes, não incide a regra constitucional proibitiva”.59

Saliente-se que, conforme se posicionou o STF, tal proibição de cumulação ocorre mesmo que se trate de proventos de inatividade, alcançando, portanto, os servidores aposentados. Esse entendimento do Pretório Excelso resultou no advento da EC n.20/98, acrescentando o §10 ao art.37, tornando expressa a proibição de percepção simultânea de proventos de aposentadoria pública com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, resguardados os direitos dos aposentados que eventualmente já vinham acumulando proventos com vencimentos de outro cargo efetivo.

Fala-se ainda em um teto salarial com base no subsídio mensal fixado para os Ministros do STF (CF, art.37, XI), para os servidores públicos detentores de cargos, empregos, funções públicas e agentes políticos membros de Poder. Esse teto salarial aplica-se a todos os agentes públicos, inclusive os empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (CF, art.37, §9º).

O teto alcança as percepções cumulativas autorizadas na Carta Magna, “ou seja, os casos em que o agente acumula legalmente cargos, funções ou empregos públicos, aplicando-se o limite à soma das retribuições”60 (CF, art.37, inciso XVI, que remete ao inciso XI). O valor do subsídio dos Ministros do STF (pagamento em parcela única) é fixado por lei (art.48, XV). Tal lei antes dependia da iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, o que dificilmente viria a ocorrer.

59 CARVALHO FILHO, op. cit., p.518-519.60 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT, p.327.

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Todavia, a recente Emenda n.41/2003 alterou o dispositivo constitucional, de forma a não mais exigir tal iniciativa conjunta. A iniciativa, então, passou a seguir a regra geral do art.96, II, b, da Carta, ou seja, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa da lei de subsídios de seus ministros, o que já foi feito.

Outra regra constitucional aplicável aos servidores públicos em geral diz respeito às sanções por improbidade administrativa. Segundo o art.37, § 4º, da Lei Maior, os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. E o §5º do mesmo artigo considera imprescritíveis as ações de ressarcimento contra os agentes públicos que tenham praticado ato ilícito em prejuízo ao erário.

Por derradeiro, no tocante ao exame jurisdicional de litígios envolvendo a relação entre os agentes públicos e o Estado, a competência judicial dependerá do tipo de regime a que estejam submetidos. Se a lide decorrer de contrato de trabalho nos moldes da CLT (detentores de emprego público, empregados governamentais e empregados temporários), a competência será da Justiça do Trabalho, na forma do art.114 da CF/88. Já se o regime for o estatutário ou de contrato administrativo (detentores de cargos efetivos, cargos em comissão ou cargos temporários), a competência será da Justiça Comum, Estadual ou Federal a depender do caso. Justiça Federal se for servidor federal. Justiça Estadual se for servidor estadual ou municipal.

“Os litígios referentes à greve de servidores estatutários devem ser resolvidos pela Justiça Comum (estadual ou federal). Segundo o STF, se a paralisação for de âmbito nacional ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça. Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais. Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça. As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais (MI 670/ES e MI 708/DF, DJ 31/12/2008)”.61

Existem outras normas constitucionais tratando dos servidores públicos, mas que somente se aplicam aos estatutários. Estas serão vistas no tópico a seguir.

6) ASPECTOS GERAIS DO REGIME ESTATUTÁRIO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DA UNIÃO, AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES FEDERAIS DE DIREITO PÚBLICO (LEI 8112/90)

A Lei 8112/90 dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações federais, com personalidade de direito público.

Como já se mencionou, o servidor público estatutário está legalmente investido em um cargo público (art.2o).

Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor (art.3o). Os cargos públicos, 61 PRADO; TEIXEIRA, op. cit., p. 148.

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acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão (art.3º, p. único).

É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei (art.4o).

Dentre as peculiaridades do regime estatutário dos servidores públicos, previstas na Constituição Federal e na referida legislação, destacam-se as formas de provimento dos cargos, a estabilidade dos servidores, além de outras vantagens, e as formas de desprovimento e vacância dos cargos.

Investidura é o ato jurídico, em virtude do qual se dá posse à pessoa para desempenho de cargo ou função para o qual foi nomeado.

A investidura, portanto, consubstancia um procedimento complexo que envolve o provimento e, se tal se der por nomeação, a posse no cargo público.

Veremos mais à frente que o provimento pode ocorrer por sete formas: nomeação, promoção, readaptação, reversão, aproveitamento, reintegração e recondução.

Mas “só haverá posse nos casos de provimento de cargo por nomeação” (art.13, §4º).

Significa dizer, que o servidor que vem a ser nomeado para um cargo, só estará nele completamente investido após tomar posse (art.7o). A posse deverá ocorrer no prazo de 30 (trinta) dias contados da publicação do ato de provimento (nomeação), caso contrário será tornado sem efeito (art.13, §§1º e 6º).

Além de tomar posse, o servidor deve entrar em exercício, iniciando o efetivo desempenho das atribuições do cargo público ou da função de confiança (art.15), no prazo de 15 (quinze) dias após a data da posse, caso contrário será exonerado do cargo ou será tornado sem efeito o ato de sua designação para função de confiança (art.15, §§1º e 2º).

6.1) PROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO

Provimento “é o fato administrativo que traduz o preenchimento de um cargo público”, “consubstanciado através de um ato administrativo de caráter funcional: são os atos de provimento”.62

É através do provimento que um servidor vem a ocupar um cargo público; a lei cria o “lugar” e o servidor o “preenche”.

O provimento poderá ser originário ou derivado.

No provimento originário, também chamado de autônomo, “o preenchimento do cargo dá início a uma relação estatutária nova, seja porque o titular não pertencia ao serviço público anteriormente, seja porque pertencia a quadro funcional regido por estatuto diverso do que rege o cargo agora provido. Exemplo: é provimento originário aquele em que o servidor, vindo de empresa da iniciativa privada, é nomeado para cargo público após aprovação em concurso. Também é provimento originário a hipótese em que um detetive, sujeito a estatuto dos policiais, é nomeado, após concurso, para o cargo de Defensor Público, sujeito a estatuto diverso”.63

62 CARVALHO FILHO, op. cit., p.489.63 Idem, p.490.

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No provimento derivado, “o cargo é preenchido por alguém que já tenha vínculo anterior com outro cargo, sujeito ao mesmo estatuto. Se, por exemplo, o servidor é titular do cargo de Assistente nível A e, por promoção, passa a ocupar o cargo de Assistente nível B, o provimento é derivado”.64

Atualmente são formas de provimento de cargo público, segundo o art.8o da Lei 8112/90 (já alterado pela Lei 9527/97)65, a nomeação, a promoção, a readaptação, a reversão, o aproveitamento, a reintegração e a recondução. Destas, somente a nomeação é forma de provimento originário. As demais são formas de provimento derivado.

A Lei 9527/97 revogou os incisos III e IV do art.8º, acabando com os antigos institutos da ascensão e da transferência, eis que o STF somente as admitia se o servidor fosse aprovado em concurso público66, situação que, portanto, se caracterizaria sempre como nomeação (provimento originário).

“ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ASCENSAO OU ACESSO, TRANSFERENCIA E APROVEITAMENTO NO TOCANTE A CARGOS OU EMPREGOS PUBLICOS. - O CRITERIO DO MERITO AFERIVEL POR CONCURSO PUBLICO DE PROVAS OU DE PROVAS E TITULOS E, NO ATUAL SISTEMA CONSTITUCIONAL, RESSALVADOS OS CARGOS EM COMISSAO DECLARADOS EM LEI DE LIVRE NOMEACAO E EXONERACAO, INDISPENSAVEL PARA CARGO OU EMPREGO PUBLICO ISOLADO OU EM CARREIRA. PARA O ISOLADO, EM QUALQUER HIPOTESE; PARA O EM CARREIRA, PARA O INGRESSO NELA, QUE SO SE FARA NA CLASSE INICIAL E PELO CONCURSO PUBLICO DE PROVAS OU DE PROVAS TITULOS, NAO O SENDO, POREM, PARA OS CARGOS SUBSEQUENTES QUE NELA SE ESCALONAM ATE O FINAL DELA, POIS, PARA ESTES, A INVESTIDURA SE FARA PELA FORMA DE PROVIMENTO QUE E A "PROMOCAO". ESTAO, POIS, BANIDAS DAS FORMAS DE INVESTIDURA ADMITIDAS PELA CONSTITUICAO A ASCENSAO E A TRANSFERENCIA, QUE SAO FORMAS DE INGRESSO EM CARREIRA DIVERSA DAQUELA PARA A QUAL O SERVIDOR PUBLICO INGRESSOU POR CONCURSO, E QUE NAO SAO, POR ISSO MESMO, INSITAS AO SISTEMA DE PROVIMENTO EM CARREIRA, AO CONTRARIO DO QUE SUCEDE COM A PROMOCAO, SEM A QUAL OBVIAMENTE NAO HAVERA CARREIRA, MAS, SIM, UMA SUCESSAO ASCENDENTE DE CARGOS ISOLADOS. - O INCISO II DO ARTIGO 37 DA CONSTITUICAO FEDERAL TAMBEM NAO PERMITE O "APROVEITAMENTO", UMA VEZ QUE, NESSE CASO, HA IGUALMENTE O INGRESSO EM OUTRA CARREIRA SEM O CONCURSO EXIGIDO PELO MENCIONADO DISPOSITIVO. ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE SE JULGA PROCEDENTE PARA DECLARAR INCONSTITUCIONAIS OS ARTIGOS 77 E 80 DO ATO DAS DISPOSICOES CONSTITUCIONAIS TRANSITORIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO”.67

Vejamos cada uma destas formas de provimento, segundo a melhor doutrina:

Nomeação “é o ato administrativo que materializa o provimento originário. Em se tratando de cargo vitalício ou efetivo, a nomeação deve ser precedida de aprovação prévia em concurso público. Se se tratar de cargo em comissão, é dispensável o concurso”.68

“O provimento autônomo ou originário é aquele em que alguém é preposto no cargo independentemente do fato de ter, não ter, haver ou não tido algum vínculo com cargo público. Vale dizer, o provimento não guarda qualquer relação com a anterior situação do provido. Por isto se diz autônomo ou, então, originário. A única forma de provimento originário é a nomeação, a qual se define, pois, como o provimento autônomo de um servidor em cargo público. O provimento por nomeação é de alçada do Chefe do Poder Executivo, para os cargos da Administração Central, e se faz por decreto (art.84, XXV, da Constituição Federal). Entretanto, tal competência é delegável aos Ministros (parágrafo único do mesmo artigo). Nesta hipótese será por eles efetuada mediante portaria. Há alguns cargos estranhos ao Executivo que, por expressa previsão constitucional, também 64 Ib idem.65 A Lei 9527/97 extinguiu as figuras da “transferência” e da “ascensão”.66 Vide ADI 231, Relator: Ministro Moreira Alves e MS 22148, Relator Ministro Carlos Veloso.67 ADI 231 / RJ, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Julgamento:  05/08/1992, Publicação:  DJ DATA-13-11-92.68 Idem.

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são providos pelo Chefe do Executivo. Isto sucede com cargos de Magistrados de Tribunais e de Ministros (Conselheiros) do Tribunal de Contas. Já, os cargos de juiz singular e dos serviços auxiliares do Judiciário são providos pelos Presidentes dos Tribunais a cuja órbita estejam afetos (art.96, I, ‘c’ e ‘e’). Os cargos dos serviços auxiliares da Câmara ou do Senado são providos pelos Presidentes da Câmara ou do Senado, conforme se liguem a uma ou outra destas Casas (arts.51, IV, e 52, XIII).69

Por se tratar de forma originária de provimento, a nomeação por si só não instaura a relação funcional do Estado com o servidor nomeado. Para que a investidura se complete, como dito, é preciso que o servidor nomeado tome posse, no prazo de trinta dias. Em seguida, deverá entrar em exercício no prazo de quinze dias.

Ao tomar posse, o servidor nomeado declara aceitar o cargo e se compromete a bem desempenhá-lo, assinando o respectivo termo, no qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei (art.13). A posse poderá dar-se mediante procuração específica (§3º). No ato da posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública (§5º).

O servidor entra em exercício quando dá início ao efetivo desempenho das atividades inerentes ao cargo provido.

Portanto, o regular provimento originário de um cargo público pressupõe um procedimento complexo de investidura (nomeação + posse), seguido da entrada em exercício pelo servidor nomeado e empossado.

“Não basta a nomeação para que se aperfeiçoe a relação entre o Estado e o nomeado. Cumpre que este tome posse, que é o ato de aceitação do cargo e um compromisso de bem-servir e deve ser precedida por inspeção médica. Com a posse ocorre a chamada ‘investidura’ do servidor, que é o travamento da relação funcional. O servidor deve tomar posse em 30 dias contados da publicação do ato de provimento, sob pena de sua nomeação caducar, isto é, perder o efeito (art.13 e §6º da Lei 8112). Depois da posse, dispõe de 15 dias para entrar em exercício, isto é, para colocar-se à disposição da repartição em que vai desempenhar suas funções, findos os quais, se omitir-se em fazê-lo, será exonerado (art.15 e parágrafos da lei citada)”.70

Promoção é a forma de provimento derivado “pela qual o servidor sai de seu cargo e ingressa em outro situado em classe mais elevada. É a forma mais comum de progressão funcional”.71 A promoção poderá ser por antigüidade ou por merecimento, conforme dispuser a lei.

“O provimento derivado diz-se por promoção quando ocorre a mudança do servidor público de um para outro cargo da mesma natureza de trabalho com elevação de função e de vencimento. Conforme a legislação, essa espécie de provimento pode-se dar alternadamente, por merecimento ou por antigüidade, a cada período de tempo, desde que haja vaga. Com a promoção as atividades do servidor passam a ser de maior complexidade e responsabilidade e ensejam maior remuneração”.72

69 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.272-273.70 Idem, p.273.71 CARVALHO FILHO, op. cit., p.490.72 GASPARINI, op. cit., p.248.

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Necessário salientar que a promoção pressupõe a sucessão de classes de cargos dentro da mesma carreira (derivação horizontal). A Lei 9527/97 acabou com a figura da ascensão ou acesso na esfera federal, que era uma espécie de promoção em que a progressão se dava entre carreiras diversas (derivação vertical), o que foi considerado inconstitucional pelo STF73. Sobre o tema escreve Lúcia Valle Figueiredo:

“A promoção pode se dar por derivação horizontal ou vertical. Na derivação vertical tem-se a figura da ascensão, assim definida por Celso Antônio: ‘Ascensão (...) é a forma de provimento derivado consistente na elevação do titular de cargo alocado na classe final de uma dada carreira (série de classes) para cargo da classe inicial de outra carreira, predefinida legalmente como complementar da anterior’. Segue-se que a ascensão, disposta no art.8o da Lei 8112/90, era o antigo acesso, também chamado de progressão vertical (ocorre que o inciso correspondente foi revogado pela Lei 9527, de 10.12.1997), após a declaração de inconstitucionalidade pela Suprema Corte”.74

Readaptação é a forma de provimento derivado “pela qual o servidor passa a ocupar cargo diverso do que ocupava, tendo em vista a necessidade de compatibilizar o exercício da função pública com a limitação sofrida em sua capacidade física ou psíquica”.75 Conforme o art.24 da Lei 8112/90, a investidura do servidor por readaptação deve ocorrer em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica. Se julgado incapaz para o serviço público, o readaptando será aposentado (§1º). A readaptação será efetivada em cargo de atribuições afins, respeitada a habilitação exigida, nível de escolaridade e equivalência de vencimentos e, na hipótese de inexistência de cargo vago, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga (§2º).

“A readaptação pode ocorrer quando o servidor for acometido de determinada doença que não o inabilita para o serviço público, mas que o impede de continuar exercendo as funções de seu cargo. Constatando-se esse fato, o servidor deve ser posicionado em outro cargo do mesmo nível de escolaridade no qual a sua deficiência não lhe impeça exercer as respectivas funções. A avaliação, nesse caso, é de competência do serviço médico oficial. Esse órgão é que indica que tipo de função o servidor pode desempenhar sem sacrifício de sua saúde. Essa modalidade de investidura ocorre muito entre os professores. Estes profissionais, com o tempo, em razão da atividade em sala de aulas, podem ter as cordas vocais danificadas, chegando, em alguns casos, à rouquidão ou à perda da voz. A readaptação depende de lei específica reguladora do procedimento. O servidor, quando for o caso, será readaptado para cargo de mesmo grau de escolaridade. Laudo médico oficial é indispensável à readaptação”.76

“Diz-se provimento por readaptação quando o servidor é provido em outro cargo cujo exercício é mais compatível com sua superveniente limitação física (provimento do cargo de vigilante escolar com servidor ocupante de cargo de motorista, que perdeu um dos braços em acidente), conforme já decidiu o STF (RDA, 128:145). É provimento horizontal, pois o servidor não ascende nem é rebaixado. Faz-se essa espécie de provimento sem concurso, dada a finalidade do provimento. Se assim não for entendido e for obrigatório o concurso público, essa finalidade poderá não ser alcançada, pois a vaga, eventualmente, será ocupada por alguém que não o readaptando, aprovado no concurso público”.77

73 Vide ADIN 245, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ de 13/08/1992.74 Op. cit., p.579.75 CARVALHO FILHO, op. cit., p.490-491.76 FARIA, op. cit., p.135.77 GASPARINI, op. cit, p.248-249.

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Reversão é o provimento derivado decorrente de reingresso do servidor inativo no serviço público, o que, conforme o art.25 da Lei 8112/9078, pode ocorrer em duas hipóteses: I) restabelecimento do servidor aposentado por invalidez, quando junta médica oficial declarar insubsistentes os motivos da aposentadoria; II) no interesse da administração, desde que o servidor tenha solicitado a reversão, a aposentadoria tenha sido voluntária, o servidor tenha sido estável quando na atividade, a aposentadoria tenha ocorrido nos cinco anos anteriores à solicitação e haja cargo vago. A reversão far-se-á no mesmo cargo ou no cargo resultante de sua transformação (§1º). O tempo em que o servidor estiver em exercício será considerado para concessão da aposentadoria (§2º). No caso de restabelecimento de servidor aposentado por invalidez, encontrando-se provido o cargo, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga (§3º). O servidor que retornar à atividade por interesse da administração perceberá, em substituição aos proventos da aposentadoria, a remuneração do cargo que voltar a exercer, inclusive com as vantagens de natureza pessoal que percebia anteriormente à aposentadoria (§4º). Não poderá reverter o aposentado que já tiver completado 70 (setenta) anos de idade (Lei 8112/90, art.27).

“Reversão é o reingresso do aposentado no serviço ativo, ex officio ou ‘a pedido’, por não mais subsistirem, ou não mais subsistirem, as razões que lhe determinaram a aposentação; ou seja, por ter sido erroneamente decidida ou porque, em inspeção médica, apurou-se a ulterior superação das razões de saúde que a estribavam. Na legislação federal é admitida a reversão, seja quando junta médica oficial declarou insubsistentes os motivos da aposentadoria por invalidez, seja no interesse da Administração, desde (a) o aposentado tenha solicitado a reversão, (b) sua aposentadoria haja sido voluntária, (c) se trate de servidor que era estável, (e) a aposentadoria tenha ocorrido nos cinco anos anteriores ao pedido de reversão”.79

“O servidor público aposentado pode voltar ao serviço público quando assim o solicitar, ou quando determinado o retorno pela entidade a que se ligava, dado que insubsistentes (decisão viciada) os motivos da aposentação ou por não mais subsistirem (os motivos desapareceram) os motivos determinantes de sua aposentadoria. É a reversão. Na primeira hipótese, ou seja, mediante solicitação, costuma-se dizer que a reversão é a pedido. Enquanto não atingir a idade-limite da aposentadoria compulsória, o servidor pode solicitar a reversão, cabendo à entidade requerida, tomadas as cautelas de estilo (exame médico, existência de vaga), deferir ou não o pedido. Na segunda hipótese, isto é, quando determinada pela Administração Pública, diz-se ex officio. As razões dessa manifestação da entidade que aposentara o servidor são a insubsistência dos motivos da aposentação e a ilegalidade da concessão. Os Estatutos regulam a reversão, e alguns só a permitem até uma certa idade, se houver laudo médico favorável. A reversão, em princípio, far-se-á no mesmo cargo, mas, se for impossível, em outro de atribuições e vencimentos semelhantes. Conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo (RDA, 121:228), a reversão é ato discricionário da entidade pública a que se vinculava o servidor. Embora decidido dessa forma, não cremos que a Administração Pública possa optar ou não pela reversão quando presentes os motivos que lhe dão ensejo. A reversão é sempre obrigatória em tais casos, sob pena de responsabilidade, já que não seria jurídico, nem justo e lógico, que alguém desfrutasse de uma situação a que não tem direito (o aposentado está curado, a aposentadoria foi concedida ilegalmente). Por essas razões não se pode submeter o servidor sujeito à reversão, a concurso público, pois outro candidato poderá vencer esse certame, salvo nos casos de reversão a pedido. Nessa hipótese, se o servidor interessado na reversão não for aprovado e classificado no concurso, continuará na situação de aposentado. Não cabe reversão quando a aposentadoria deveu-se ao tempo de serviço ou à idade”.80

78 Com redação dada pela MP 2225-45/2001 e posteriores.79 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.275.80 GASPARINI, op. cit., p.250.

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Aproveitamento é o provimento derivado decorrente de reingresso do servidor que estava em disponibilidade remunerada.

“Disponibilidade é procedimento jurídico-administrativo adotado pela Administração Pública por ocasião de reforma ou reorganização estrutural de órgão ou entidade pública que implica a redução de cargos e, conseqüentemente, de servidores. Nesses casos, os servidores excedentes são, por ato da autoridade competente, postos em disponibilidade com direito a vencimentos proporcionais ao tempo de serviço (EC n.19/98). A qualquer tempo, no interesse do serviço, o servidor em disponibilidade pode ser convocado para retornar às atividades próprias do cargo de que era detentor antes do afastamento”.81

Assim, o art.41, §3º, da Carta Magna estabelece que, uma vez extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

Da mesma forma, dispõe o art.30 da Lei 8112/90 que o retorno à atividade de servidor em disponibilidade far-se-á mediante aproveitamento obrigatório em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado. Será tornado sem efeito o aproveitamento e cassada a disponibilidade se o servidor não entrar em exercício no prazo legal, salvo doença comprovada por junta médica oficial (art.32).

Ou seja, o aproveitamento “significa o retorno do servidor a determinado cargo, tendo em vista que o cargo que ocupava foi extinto ou declarado desnecessário. Enquanto não se dá o aproveitamento, o servidor permanece em situação transitória denominada de disponibilidade remunerada. A disponibilidade reclama que a Administração providencie o adequado aproveitamento do servidor, evitando-se que fique indefinidamente percebendo remuneração sem exercer qualquer função pública. A exigência emana do art.41, §3º, da CF”.82

“O servidor público estável, e somente ele, pode ser colocado em disponibilidade, nos termos dos §§2º e 3º do art.41 da Constituição Federal. Finda a disponibilidade, o servidor público estável retorna ao serviço na entidade que o colocara nessa situação de inatividade. É o aproveitamento. Os Estatutos regulam essa forma de provimento derivado. O aproveitamento , sempre que se apresentar essa oportunidade, é obrigatório. Não é, pois, faculdade para a Administração Pública nem pode ser contestado pelo aproveitando, que deve tomar posse e entrar no exercício do cargo nos prazos legais, sob pena de ser tornado sem efeito o aproveitamento e cassada a disponibilidade (art.38, §5º, do Estatuto paulista). O aproveitamento dar-se-á, quando possível, no mesmo cargo; caso contrário, em outro que lhe corresponda em termos de atribuições e vencimentos. À falta de lei disciplinando essa forma de provimento, não pode o servidor em disponibilidade exigir seu aproveitamento, conforme Súmula 39 do STF”.83

Reintegração é o provimento derivado por reingresso de servidor que tenha sido indevidamente demitido do serviço público. Reza o art.41, §2º, da Lei Maior que, invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. No âmbito federal, dispõe o art.28 da Lei 8112/90 que a reintegração é a

81 FARIA, op. cit., p.136.82 CARVALHO FILHO, op. cit., p.493.83 GASPARINI, op. cit., p.249-250.

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reinvestidura do servidor estável no cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens. Observe-se que o Estatuto Federal faz referência também a decisão administrativa de reintegração (alguns Estatutos estaduais somente prevêem a reintegração por decisão judicial, o que, todavia, não deve obstar a reintegração pela própria Administração, haja vista o princípio da autotutela).

Na hipótese de o cargo ter sido extinto, o servidor ficará em disponibilidade, até posterior aproveitamento (art.28, §1º). Encontrando-se provido o cargo, o seu eventual ocupante será reconduzido ao cargo de origem, sem direito à indenização ou aproveitado em outro cargo, ou, ainda, posto em disponibilidade (§2º).

“Reintegração é o retorno de servidor ilegalmente desligado de seu cargo ao mesmo, que dantes ocupava, ou, não sendo possível, ao seu sucedâneo ou equivalente, com integral reparação dos prejuízos que lhe advieram do ato jurídico que o atingira. Tal reconhecimento tanto pode vir de decisão administrativa como judicial. No Estado de São Paulo só pode provir de decisão judicial”.84

“Dá-se a reintegração do servidor ao cargo que antes ocupava porque fora desvinculado ilegalmente. Nesse hipótese, o retorno faz-se com a plena restauração dos direitos violados (volta para o mesmo cargo, com todas as vantagens) e com o integral ressarcimento dos prejuízos sofridos (recebe todos os vencimentos, com juros e correção monetária), não obstante decisão em contrário do STF (RDA, 127:377) no que concerne à correção. A reintegração pode ser judicial (decorre de decisão do Poder Judiciário em ação de anulação de ato jurídico cumulada com reintegração do servidor) ou administrativa (deriva de decisão da entidade a que se ligava o servidor), conforme prevê o art.28 do Estatuto federal. O Estatuto paulista não prevê a reintegração administrativa. Isso, cremos, é de nenhuma importância, visto que, pelo princípio da autotutela, a Administração Pública direta, a autárquica e a fundacional pública podem rever seus atos. Para essa finalidade é irrelevante argumentar em sentido contrário, com o disposto no §2º do art.41 da Constituição Federal (...), porque aí só se prevê a invalidação da demissão por via judicial. Essa expressa modalidade de reintegração não elimina a outra; ambas convivem. Se o cargo foi extinto e não houver interesse no seu restabelecimento, o servidor reintegrado será posto em disponibilidade, com proventos proporcionais, se não puder ser aproveitado em cargo equivalente. Se o cargo foi transformado, a reintegração dar-se-á nesse cargo. Dada a finalidade da reintegração, sua utilização é incompatível com o concurso público. Não se pode, assim, submeter o reintegrando a concurso público, que, no caso, é absolutamente dispensável”.85

Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado e decorrerá de duas hipóteses: I) inabilitação em estágio probatório relativo a outro cargo; II) reintegração do anterior ocupante (art.29 da Lei 8112). Encontrando-se provido o cargo de origem, o servidor será aproveitado em outro de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado.

“O servidor estável retornará ao cargo que ocupava quando foi desprovido do cargo que ocupa devido à reintegração do seu então titular. É a recondução. Para essa espécie de provimento é desnecessário o concurso público. Não ocorre a recondução quando o servidor é inabilitado no estágio probatório que cumpria em razão da nomeação em outro cargo, dado que para a investidura neste cargo teve de exonerar-se do que anteriormente ocupava, sob pena de acumulação ilegal. Se o

84 BANDEIRA MELLO, op. cit., p.276.85 GASPARINI, op. cit., p.249.

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afastamento do cargo primitivo é decorrência de uma licença, o retorno se dá pela extinção desta, não por força da recondução”.86

6.2) ESTABILIDADE

Estabilidade “é o direito outorgado ao servidor estatutário, nomeado em virtude de concurso público, de permanecer no serviço público após três anos de efetivo exercício, como passou a determinar a EC n.19/98, que alterou o art.41da CF, pelo qual anteriormente era exigido o prazo de apenas dois anos”.87

Em suma, estabilidade é a garantia de permanência no cargo efetivo, que se justifica por assegurar ao servidor a independência no desempenho de suas funções, afastando-lhe o receio de perseguições políticas.

“A estabilidade do servidor público, modernamente criticada por alguns seguimentos da sociedade, principalmente pelos governos nos três níveis de Administração Pública, é de fundamental importância para respaldar decisão de servidor que não cumprir ordem superior em desacordo com a lei ou com a moralidade administrativa. O servidor instável pode ser levado a praticar atos ilegais, embora em desacordo com a sua consciência, mas cumprindo ordem superior, por medo de perder o cargo. A instabilidade do servidor pode fragilizar a própria Administração e resultar em prejuízo para a sociedade. A estabilidade do servidor público é garantia do cidadão e não privilégio daquele”.88

A estabilidade não se confunde com a efetividade, pois esta é atributo do cargo concursado, enquanto a estabilidade está relacionada ao serviço público na pessoa do servidor. Vale dizer, o servidor adquire estabilidade no exercício do cargo efetivo (não há estabilidade em cargos comissionados ou temporários).

“Com muita freqüência têm sido confundidas as noções de estabilidade e efetividade. Trata-se, entretanto, de figuras de perfil bem diferenciado, com natureza e finalidades próprias, embora ambas tenham grande relevância no estudo dos servidores públicos. Estabilidade, como vimos acima, é a garantia constitucional do servidor público estatutário de permanecer no serviço público, após o período de três anos de efetivo exercício. Efetividade nada mais é do que a situação jurídica que qualifica a titularização dos cargos efetivos, para distinguir-se da que é relativa aos ocupantes de cargos em comissão. Se um servidor ocupa um cargo efetivo, tem efetividade; se ocupa cargo em comissão, não a tem. Vejamos a aplicação prática dessa diferença. Um servidor que, após aprovação em concurso, é investido em cargo efetivo, tem efetividade, e esta nasce no momento em que o servidor toma posse e completa a relação estatutária. Nos primeiros três anos, continua tendo efetividade, embora não tenha ainda estabilidade”.89

“A estabilidade somente pode ser adquirida pelos concursados e não se confunde com a efetividade. Esta – a efetividade – é inerente ao cargo. É dizer: o cargo postula ocupante que permaneça, que não tenha precariedade de permanência como têm, por exemplo, os ocupantes de cargos em comissão. A estabilidade, antes de ser garantia do funcionário, é garantia do desempenho independente da função pública. E pontue-se: o fato de o funcionário ser estável não tira a possibilidade de afastá-lo, caso infrinja seus deveres. A legislação infraconstitucional traz nitidamente demarcada a possibilidade. Não é, assim, a estabilidade que pode gerar a desídia, o locupletamento etc. Na verdade, a omissão

86 Idem, p.250-251.87 CARVALHO FILHO, op. cit., p.523-524.88 FARIA, op. cit., p.138.89 CARVALHO FILHO, op. cit., p.527-528.

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administrativa no tocante às punições (cuja aplicabilidade não constitui poder, mas dever do administrador) é que leva à mais variada gama de desmandos administrativos”.90

Registre-se, todavia, que em casos excepcionais o ordenamento jurídico considerou estáveis servidores que não ocupavam cargos efetivos, tal como previsto no art.19 do ADCT.

O período entre o início do exercício pelo servidor e a aquisição de sua estabilidade é denominado estágio probatório, também chamado de período confirmatório. Durante esse período, o cargo efetivo é ocupado temporariamente por servidor não estável (“dizemos temporariamente porque, durante o período probatório, o funcionário ocupa cargo efetivo, porém não se encontra ainda estabilizado”91).

Conforme já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, “a estabilidade diz respeito ao serviço público, e não ao cargo”, razão pela qual “o servidor estável, ao ser investido em novo cargo, não está dispensado de cumprir o estágio probatório nesse novo cargo”.92

O servidor público estável só perderá o cargo: I) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; II) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa (art.41, §1º, da CF/88). Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (§4º).

“A avaliação desfavorável não implica exoneração automática, sumária. Há muito tempo o STF formulou a Súmula 21, no seguinte teor: ‘Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade’. Por sua vez, a Constituição Federal, art.5o, inc. LV, assegura o contraditório e ampla defesa aos que têm controvérsias com a Administração e aos acusados em geral. Por força da referida súmula e do preceito constitucional, ao servidor em estágio probatório deve ser dada ciência prévia de apresentar alegações e documentos a respeito (contraditório e ampla defesa), mesmo que o processo administrativo seja simplificado; tudo isso, reitere-se, antes de se editar o ato de exoneração ou demissão”.93

Além disso, o art.169, §4º, da Carta Magna, com a redação dada pela EC 19/98, previu a possibilidade de exoneração de servidor estável em observância ao limite de gasto orçamentário com pessoal, quando não forem suficientes outras medidas de redução de despesas previstas no §3º (I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não estáveis).

O servidor estável que perder o cargo por motivo de redução de despesas fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço (CF/88, art.169, §5º). Outrossim, o cargo objeto da redução será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos (§6º).

90 FIGUEIREDO, Lúcia Valle, op. cit., p.550.91 Idem, p.544.92 STJ, RO em MS 859, 2a Turma, Relator: Ministro José Jesus Filho, RDA 191/135, 1992.93 MEDAUAR, op. cit., p.330.

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“Verifica-se, portanto, que a estabilidade tem novo perfil, porque poderá ser, como é tão a gosto dos autores do projeto da Emenda, flexibilizada. Todavia, há necessidade, para que se possa dar validamente tal flexibilização, do atendimento de alguns parâmetros, a seguir enumerados: 1) que as medidas adotadas para a compatibilização, como a redução em 20% dos cargos em comissão, a exoneração dos servidores não estáveis, não tenham sido suficientes; 2) que lei federal disponha sobre as normas gerais a serem obedecidas diante de tais situações; 3) que haja ato normativo motivado de cada um dos poderes especificando a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução. Portanto, podemos verificar que ficou substancialmente alterado o perfil da estabilidade por força da possibilidade de flexibilização”.94

No tocante a alguns agentes políticos (servidores em regime especial, segundo parte da doutrina) a garantia de permanência no cargo se reveste de maior força do que a estabilidade, denominando-se vitaliciedade (juízes de primeiro grau e membros do MP têm vitaliciedade assegurada após dois anos de exercício do cargo, somente podendo perder o cargo por decisão judicial transitada em julgado – CF/88, arts.95, I e 128 §5º, I, a). São vitalícios também os membros do Tribunal de Contas (CF/88, art.73, §3º).

A vitaliciedade “somente é possível com relação a cargos que a Constituição federal define como de provimento vitalício, uma vez que a vitaliciedade constitui exceção à regra geral da estabilidade, definida no art.41. A lei ordinária não pode ampliar os cargos dessa natureza”.95

“Enquanto o provimento efetivo se dá sempre por concurso público, o vitalício nem sempre depende dessa formalidade. Na Magistratura de primeiro grau, essa exigência consta do art.93, I, da Constituição; nos Tribunais, o provimento se faz por promoção dos juízes de carreira ou por nomeação, sem concurso, pelo Chefe do Poder Executivo (art.84, XIV e XVI, da Constituição). Nesse último caso, a vitaliciedade é adquirida independentemente de estágio probatório; este só existe para os juízes de carreira, nomeados por concurso, hipótese em que a perda do cargo, nesse período, exige deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado (art.95, I)”.96

6.3) DIREITOS E VANTAGENS

Além da estabilidade, podemos destacar outros direitos e vantagens previstos no Estatuto dos servidores públicos civis federais (Lei 8112/90), os quais beneficiam diretamente o servidor ou seus dependentes.

Em benefício diretamente do servidor existem os direitos e vantagens de ordem pecuniária e os direitos de ausência ao serviço.

Os direitos e vantagens de ordem pecuniária referem-se à contraprestação salarial paga ao servidor em razão do serviço e as verbas que possibilitam o desempenho do serviço.

Há basicamente duas modalidades de pagamento aos servidores: o sistema de remuneração e o sistema de subsídios.

A remuneração “é o montante percebido pelo servidor público a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrência de sua situação funcional”.97

94 FIGUEIREDO, op. cit., p.546.95 DI PIETRO, op. cit., p.479.96 Idem.97 CARVALHO FILHO, op. cit., p.565.

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A remuneração compreende o vencimento (parcela fixa paga ao servidor, referente ao cargo que ocupa), acrescida das vantagens pecuniárias (indenizações, adicionais e gratificações de ordem pessoal ou referentes a certos fatos).

“Vencimento é a retribuição pecuniária que o servidor percebe pelo exercício de seu cargo, conforme a correta conceituação prevista no estatuto funcional federal (art.40, Lei 8112/90). Emprega-se, ainda, no mesmo sentido vencimento-base ou vencimento-padrão. Essa retribuição se relaciona diretamente com o cargo ocupado pelo servidor: todo cargo tem seu vencimento previamente estipulado. O aumento dos vencimentos dos cargos deve ter previsão legal (art.61, §1º, II, a, CF)”.98

“Vantagens pecuniárias são as parcelas pecuniárias acrescidas ao vencimento em decorrência de uma situação fática previamente estabelecida na norma jurídica pertinente. Toda vantagem pecuniária reclama a consumação de certo fato, que proporciona o direito à sua percepção. Presente a situação fática prevista na norma, fica assegurado ao servidor direito subjetivo a receber o valor correspondente à vantagem. Esses fatos podem ser das mais diversas ordens: desempenho das funções por certo do tempo; natureza especial da função; grau de escolaridade; funções exercidas em gabinetes de chefia; trabalho em condições anormais de dificuldades etc. São vantagens pecuniárias os adicionais e as gratificações”.99

Para ter direito a sua remuneração, o servidor há de cumprir regularmente a sua carga horária de trabalho.

“Como regra geral, os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima de trabalho semanal de 40 horas e observados os limites mínimo e máximo de seis e oito horas diárias, respectivamente, podendo haver estabelecimento de horários diferenciados em leis especiais. Já o ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observada a possibilidade excepcional de acumulação, podendo ser convocado, sempre que houver interesse da Administração (Lei 8.112/90, art.19, caput, e §1º)”.100

A Lei 8112/90 prevê indenizações, tais como as ajudas de custo (arts.53 e 54), as diárias (art.58) e a indenização de transporte (art.60).

Também prevê gratificações, tais como a referente ao exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de natureza especial (art.62) e a gratificação natalina (art.63).

São previstos também adicionais, tais como o referente ao exercício habitual de atividades insalubres, penosas ou perigosas (art.68), ao desempenho de serviço extraordinário (art.73), de trabalho noturno (art.75), 1/3 de férias (art.76), além de outros benefícios, como, por exemplo, o auxílio-natalidade (art.196) e o salário-família (art.197).

Ainda segundo o art.39, §3º, da Lei Maior, aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto constitucionalmente no art. 7º, IV, VII (salário mínimo), VIII (décimo terceiro salário), IX (adicional noturno), XII (salário-família), XIII (limite de jornada), XV (repouso semanal remunerado), XVI (horas extras), XVII (férias com acréscimo de 1/3),

98 Idem, p.566.99 Ib idem, p.567.100 PRADO; TEIXEIRA, op. cit., p. 151.

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XVIII (licença à gestante), XIX (licença-paternidade), XX (proteção do mercado de trabalho da mulher), XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho) e XXX (proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil).

O subsídio é a modalidade de pagamento pela qual o servidor é remunerado em parcela única, sem acréscimos de qualquer espécie, excetuadas apenas eventuais parcelas indenizatórias.

“Subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio de pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insusceptíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie. Seu conceito se depreende do art.39, §4º, segundo o qual “O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (...)”. Assim, na vedação estabelecida só não se incluem as verbas indenizatórias, qual, por exemplo, o pagamento de ‘ajudas de custo’ para acobertar despesas de mudança do servidor designado para servir em local fora da sede, ou a do art.57, §7º, onde se prevê que os senadores e deputados perceberão, quando de sessão legislativa extraordinária, um pagamento de parcela ‘indenizatória’, não superior ao subsídio mensal que lhes corresponde”.101

Com o advento da EC 19/98, a Constituição Federal passou a prever a remuneração por subsídios para os membros de Poder, os detentores de mandato eletivo, os Ministros de Estado, Secretários de Estado e Municípios. Tal sistema ainda não foi implementado, porquanto se aguarda a definição legal de um teto remuneratório referente ao subsídio de Ministro do STF (CF, art.48, XV)102. Outrossim, essa definição de parâmetros remuneratórios para o serviço público se encontra pendente por conta da reforma administrativa em andamento.

Alexandre de Moraes assinala que “além dos servidores públicos citados no §4º, do artigo 39, obrigatoriamente, pela existência de regras constitucionais de extensão, o subsídio acaba sendo estendido a outras carreiras do serviço público. Assim, o regime de subsídios é aplicável também aos membros do Ministério Público (CF, artigo 128, §5º, I, c), aos integrantes da Advocacia Geral da União, aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e aos Defensores Públicos (CF, artigo 135), aos Ministros do Tribunal de Contas da União e aos servidores públicos policiais (CF, artigo 144, §9º)”.103

Cabe registrar, ainda, que o art.39, §8º, da Carta Magna dispõe que a remuneração dos servidores públicos organizados em carreira também poderá também ser fixada em subsídios.

Ainda no tocante às vantagens pecuniárias, existem as regras referentes à aposentadoria dos agentes públicos. Conforme aponta Celso Antônio Bandeira de Mello, “a Constituição dispõe que ao servidor público titular de cargo efetivo é assegurado regime de previdência de caráter contributivo (art.40, caput, com a redação da Emenda 41, de 19.12.2003), e lhe garante aposentadoria e proventos. (...) As disposições constantes deste art.40 também se aplicam aos titulares de cargos vitalícios; aos magistrados, por força do art.93, VI, aos membros do Ministério

101 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.242.102 Conforme decidiu o STF em Sessão Administrativa (de 24/06/1998) e na ADI (MC) 2648-CE, Rel. Min. Maurício Corrêa. 103 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo, São Paulo: Atlas, 2002, p.178.

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Público, ex vi do art.129, §4º, e aos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas, em decorrência do art.73, §3º. Os demais servidores, inclusive os ocupantes exclusivamente de cargo em comissão, cargo temporário ou emprego público, regulam-se pelo regime geral de previdência social (art.40, §13º). O mesmo ocorrerá com os servidores das entidades da Administração indireta com personalidade de Direito Privado”.

As regras de aposentadoria no serviço público são muito complexas e variadas, por decorrência de recentes modificações no ordenamento constitucional (EC 20/99 e EC 41/2003, envolvendo diversas questões, dentre as quais a constituição de fundos previdenciários de natureza complementar. O tema não será aqui especificamente abordado, por envolver relação jurídica de natureza previdenciária pública, distinta da relação de serviço público ativo objeto do presente estudo. Assim, até pela extensão da matéria tendo em vista as polêmicas alterações decorrentes da reforma previdenciária, deve o aluno examinar o conteúdo do art.40 da Constituição Federal, bem como recorrer à literatura especializado sobre o assunto.

Além das vantagens de ordem pecuniária, os servidores públicos usufruem também dos chamados direitos de ausência, relacionados às férias (Lei 8112/90, arts.77 a 80), licenças (arts.81 a 92), os afastamentos (arts.93 a 99) e as concessões (arts.97 a 99).

As licenças poderão ocorrer por motivo de doença em pessoa da família (art.83); por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro (art.84); para o serviço militar (art.85); para atividade política (art.86); para capacitação (art.87); para tratar de interesses particulares (art.91) e para desempenho de mandato classista (art.92). Existe ainda a licença para tratamento de saúde (arts. 202 a 206); a licença à gestante, à adotante e licença-paternidade (arts.207 a 210); a licença por acidente em serviço (arts.211 a 214).

Os afastamentos poderão ser para servir a outro órgão ou entidade (art.93); para o exercício de mandato eletivo (art.94) ou para estudo ou missão no exterior (art.95). Mais recentemente, a Lei 11.907/2009, acrescentando o art.96-A na Lei 8.112, criou uma nova modalidade de afastamento, para participação de programa de pós-graduação stricto sensu no país.

Marçal Justen Filho aponta a distinção entre os dois institutos:

"O afastamento tem grande semelhança com a licença, no sentido inclusive de estar condicionado à emissão de ato administrativo formalizador de seu deferimento. Mas a diferença fundamental reside em que o agente continua a desempenhar alguma atividade de interesse público, na pendência do afastamento. Há, portanto, uma distinção relevante no tocante ao interesse a que os dois institutos se destinam a atender. Assim, a Lei n. 8.112 prevê os casos de afastamento para servir a outro órgão ou entidade (art.93), afastamento para exercício de mandato eletivo (art.94) e afastamento para estudo ou missão no exterior (art.95). Essa ponderação não afasta a possibilidade de a lei qualificar como afastamento uma hipótese em que a suspensão temporária do exercício das atribuições se faz no interesse do servidor. Nessa linha, o art.102 se vale da expressão afastamento para indicar casos em que há nítida preponderância do interesse do próprio servidor, fazendo referência inclusive à hipóteses de licenças. Deve-se entender que o referido art.102 utilizou o vocábulo 'afastamento' como um gênero, abrangente de diversas espécies (inclusive os afastamentos em sentido técnico e as licenças). Veja-se que o afastamento para exercício de mandato eletivo se constitui em direito líquido e certo do servidor, contrariamente às outras duas hipóteses. A disciplina correspondente aos pressupostos e às condições de remuneração depende de regulamentação".104 104 Curso..., cit., p. 901.

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As concessões poderão ser de 1 (um) dia, para doação de sangue; de 2 (dois) dias, para se alistar como eleitor; de 8 (oito) dias consecutivos em razão de casamento, falecimento do cônjuge, companheiro, pais, madrasta ou padrasto, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela e irmãos (art.97). A lei prevê ainda horário especial ao servidor estudante e aos portadores de deficiência (art.98).

A lei trata, ainda, do direito de petição especificamente assegurado ao servidor público, em defesa de direito ou interesse legítimo, com possibilidade de vista de processo ou documento, pedido de reconsideração e interposição de recursos (arts.104 a 115).

Em benefício dos dependentes do servidor existem os direitos e vantagens de natureza previdenciária e assistencial, quais sejam a pensão (Lei 8112/90, arts.215 a 225), o auxílio-funeral (art.226) e o auxílio-reclusão (art.229).

6.4) LOTAÇÃO E RELOTAÇÃO DO SERVIDOR

Todo servidor público, quando em atividade, deve estar lotado em alguma repartição administrativa.

Lotação é termo empregado para designar “o conjunto de servidores que devem exercer atividades em dada repartição”.105 Assim, cada órgão público deve contar com certo número suficiente de servidores, de variados cargos, para o adequado desempenho da atividade administrativa.

A Lei 8112/90 não cuidou de definir o instituto da lotação, ao contrário do que foi feito no anterior estatuto dos servidores da União (Lei 1.711/52), cujo art. 33 assim dispunha: Entende-se por lotação o número de servidores que devem ter exercício em cada repartição. Também o Decreto-Lei 1713/39 tratou do instituto em seu art.36: Entende-se por lotação o número de funcionários de cada carreira e de cargos isolados que devam ter exercício em cada repartição ou serviço.

Ao tomar posse e entrar em exercício, ao servidor é dada uma lotação inicial em determinado órgão público ou unidade administrativa. Todavia, essa lotação pode ser modificada ao longo da sua vida funcional, a pedido ou por conveniência do serviço, de modo que ocorra a transferência do servidor para outro órgão. Essa transferência, portanto, ensejará a relotação do servidor, isto é, uma nova lotação, deixando vaga a lotação anterior.

A Lei 8112/90 trata de dois institutos que ensejam a relotação do servidor. São eles a remoção e a redistribuição.

Segundo dispõe o art.36, remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. E o parágrafo único do mesmo artigo prevê três modalidades de remoção: I - de ofício, no interesse da Administração; II - a pedido, a critério da Administração; III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da 105 CRETELLA, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 475.

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Administração; b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.

Observe-se que a remoção pode ocorrer de um órgão para outro dentro da mesma sede ou com mudança de sede. A lei não veda, nem condiciona, a remoção de servidor que ainda esteja em estágio probatório.

Como aduz Marçal Justen Filho:

"A remoção sempre retrata um ato unilateral, mas pode ser resultado de um pleito do particular. Em alguns casos, pode até se caracterizar um direito do particular à remoção. Tal se passa, por exemplo, na hipótese prevista no art.36, parágrafo único, III, 'a', da Lei n. 8112, que determina que o servidor público federal será removido a pedido quando o cônjuge ou companheiro, também servidor público, tiver sido o removido no interesse da Administração. Mas a remoção também pode ser imposta no interesse da Administração, sem que a tanto se possa opor o servidor - a não ser que o servidor seja beneficiado pela garantia de inamovibilidade, que é reservada constitucionalmente para os magistrados e algumas carreiras similares. Nada impede, no entanto, que a Administração submeta a remoção à avaliação de conveniência dos servidores, tomando em vista o princípio de que o melhor desempenho funcional dependerá da satisfação pessoal do servidor. Assim, diante da necessidade de remoção de algum servidor para determinado local, a Administração consulta os diversos servidores para verificar qual deles se dispõe a 'aceitar' a remoção. Obviamente, não se trata propriamente de um consenso de vontades, mas de identificar o voluntário para certo encargo que deverá ser executado de modo necessário".106

Redistribuição, por sua vez, é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, observados os seguintes preceitos: I - interesse da administração; II - equivalência de vencimentos; III - manutenção da essência das atribuições do cargo; IV - vinculação entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades; V - mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional; VI - compatibilidade entre as atribuições do cargo e as finalidades institucionais do órgão ou entidade (art.37).

A redistribuição ocorrerá ex officio para ajustamento de lotação e da força de trabalho às necessidades dos serviços, inclusive nos casos de reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade (art.37,§1o). Extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade no órgão ou entidade, o servidor estável que não for redistribuído será colocado em disponibilidade, até seu aproveitamento (art.37,§3o). Não obstante, poderá ser mantido sob responsabilidade do órgão central de pessoal, e ter exercício provisório, em outro órgão ou entidade, até seu adequado aproveitamento (art.37,§4o).

Ainda segundo Marçal Justen, a redistribuição "reflete uma reavaliação sobre a distribuição eficiente dos recursos materiais e humanos da Administração. Não se destina a alterar propriamente as competências do cargo, mas apenas a possibilitar o exercício daquelas atribuições no âmbito de outro setor administrativo. A redistribuição não tem cabimento quando há um quadro único de cargos de cada Poder. Nesse caso, a alteração no exercício das atribuições não apresentará qualquer peculiaridade, senão a edição de ato administrativo da autoridade competente. A necessidade de redistribuição surge quando existem diversas estruturas organizacionais, integradas por cargos 106 Curso..., cit., p. 897-898.

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próprios, mas com atribuições equivalentes. A transferência de cargo de uma para outra estrutura organizacional consiste na redistribuição. A redistribuição pode compreender tanto cargos vagos como ocupados".107

Percebe-se nitidamente a distinção entre os dois institutos acima destacados. Enquanto na remoção a transferência do servidor se dá no âmbito de um mesmo quadro funcional, na redistribuição o servidor é transferido para outro quadro funcional, desde que dentro da estrutura administrativa do mesmo Poder da União (já que a Lei 8112/90 refere-se aos servidores federais).

Deve-se ter cuidado para não confundir as duas situações de relotação acima enfocadas (remoção e redistribuição) com outra modalidade de transferência que pode ocorrer sem, contudo, haver mudança de lotação. É o caso do afastamento para servir em outro órgão ou entidade, mediante cessão, em caráter provisório.

Consoante dispõe o art. 93 da Lei 8112/90, o servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses: I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança; II - em casos previstos em leis específicas. Na primeira hipótese, sendo a cessão para órgãos ou entidades dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o ônus da remuneração será do órgão ou entidade cessionária, mantido o ônus para o cedente nos demais casos (art.93, § 1o).

Na hipótese de o servidor cedido à empresa pública ou sociedade de economia mista, nos termos das respectivas normas, optar pela remuneração do cargo efetivo, a entidade cessionária efetuará o reembolso das despesas realizadas pelo órgão ou entidade de origem (art.93, §2o). A cessão far-se-á mediante Portaria publicada no Diário Oficial da União (art.93, §3o).

Na cessão, o cargo ocupado pelo servidor continua integrando o quadro funcional do órgão de origem, de modo que, junto ao órgão de destino, o servidor estará atuando como excedente, isto é, fora do quadro.

Nada impede que um servidor em estágio probatório seja cedido a outro órgão ou entidade, desde que seja para ocupar cargos de Natureza Especial, cargos de provimento em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, de níveis 6, 5 e 4, ou equivalentes (art.20, §3o ).

6.5) SUBSTITUIÇÃO DO SERVIDOR

Visando zelar pela continuidade do serviço público, a Lei 8112/90 estabelece que os servidores investidos em cargo ou função de direção ou chefia e os ocupantes de cargo de Natureza Especial terão substitutos indicados no regimento interno ou, no caso de omissão, previamente designados pelo dirigente máximo do órgão ou entidade (art.38).

O substituto assumirá automática e cumulativamente, sem prejuízo do cargo que ocupa, o exercício do cargo ou função de direção ou chefia e os de Natureza Especial, nos afastamentos, impedimentos legais ou regulamentares do titular e na vacância do cargo, hipóteses em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o respectivo período (art.38.§1o).107 Idem.

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O substituto fará jus à retribuição pelo exercício do cargo ou função de direção ou chefia ou de cargo de Natureza Especial, nos casos dos afastamentos ou impedimentos legais do titular, superiores a trinta dias consecutivos, paga na proporção dos dias de efetiva substituição, que excederem o referido período (art.38.§2o).

6.6) DEVERES E PROIBIÇÕES

O art.116 da Lei 8112/90 prevê que são deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; II - ser leal às instituições a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares; IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; V - atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública; VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; VII - zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público; VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição; IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa; X - ser assíduo e pontual ao serviço; XI - tratar com urbanidade as pessoas; XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Corolários desses deveres são as seguintes proibições, previstas no art.117: I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato; II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição; III - recusar fé a documentos públicos; IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço; V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição; VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado; VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político; VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil; IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; X - participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro; XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas; XV - proceder de forma desidiosa; XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares; XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias; XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho; XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.

6.7) RESPONSABILIDADES E PROCESSO DISCIPLINAR

6.7.1) As três instâncias de responsabilidade

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Dispõe o art.121 da Lei 8112/90 que o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.

São, portanto, três esferas distintas de responsabilidade, consoante aponta a doutrina:

“O servidor público, por seus atos e omissões, responde em três níveis diferentes. O primeiro deles é o administrativo em que vai ser apurada a possível prática de infrações disciplinares, o segundo é o civil, no qual vai se verificar a presença do dever de indenizar prejuízos resultante de sua atuação causados a terceiros e à própria Administração. Por último a responsabilidade criminal na qual se apura a possível prática de crimes ou contravenções atribuídas ao servidor em razão de sua condição funcional”.108

José dos Santos Carvalho Filho assinala que “cada responsabilidade é, em princípio, independente da outra. Por exemplo: pode haver responsabilidade civil sem que haja responsabilidade penal ou administrativa. Pode também haver responsabilidade administrativa sem que siga conjuntamente a responsabilidade penal ou civil. Sucede que, em algumas ocasiões, o fato que gera certo tipo de responsabilidade é simultaneamente gerador de outro tipo; se isto ocorrer, as responsabilidades serão conjugadas. Essa é a razão por que a mesma situação fática é idônea a criar, concomitantemente, as responsabilidades civil, penal e administrativa”.109

O funcionário público que eventualmente deva ser responsabilizado por ilegalidade, omissão ou abuso de poder será representado perante a sua autoridade superior (Lei 8112/90, art.116, XII e parágrafo único).

A autoridade superior, por sua vez, tendo ciência dos fatos, é obrigada a tomar providências no sentido de apurar a eventual irregularidade na atuação do seu subordinado.

O art.143 da Lei 8112/90 estabelece que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

A par disso, o nosso ordenamento considera crime de condescendência criminosa “deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente” (Código Penal, art.320).

Está prevista ainda, como sendo uma contravenção penal, a omissão de comunicação de crime, quando “deixar de comunicar à autoridade competente crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação” (Decreto-lei 3688/41, art.66, I).

Importante assinalar que as providências a serem tomadas pela autoridade administrativa devem observar um prazo legal. Na esfera da Administração Pública Federal, nos termos do art.142 da Lei 8112/90, a ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco)   anos , quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II - em 2 (dois)   anos , quanto à suspensão; III - em 180 (cento e oitenta)   dias , quanto á advertência. O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Os prazos de prescrição previstos na lei penal

108 OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p.153.109 CARVALHO FILHO, op. cit., p.580.

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aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor (art.170).

A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros (art.122 da Lei 8112/90).

Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva (§2º). A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida (§3º). Confira-se a doutrina a respeito:

“Se o agente, por ação ou omissão, dolosas ou culposas, causou dano à Administração, deverá repará-lo, sendo responsabilizado civilmente. A apuração da responsabilidade civil poderá ter início e término no âmbito administrativo ou ter início nesse âmbito e ser objeto, depois, de ação perante o Judiciário (...) Para que o servidor possa ser responsabilizado e obrigado a pagar o prejuízo é necessário comprovar seu dolo (teve a intenção de lesar ou assumiu esse risco) ou sua culpa (imprudência, negligência ou imperícia). Para isso, a Administração é obrigada a tomar as medidas legais pertinentes, não podendo, ‘a priori’, inocentar o servidor. De regra, se efetua apuração administrativa por meio de sindicância e, se for o caso, de processo administrativo. Se for verificado dolo ou culpa, a Administração poderá consultar o servidor a fim de obter o pagamento, por desconto em folha ou forma diversa. Na ausência de concordância, a Administração deve ingressar no juízo civil para obter o ressarcimento; se a Administração visa a obter ressarcimento de indenização que pagou a particulares, em virtude de dano causado pelo agente, trata-se de ação regressiva, como prevê a Constituição, art.37, §6º, parte final”.110

“Deve-se distinguir duas situações especiais, no capítulo da responsabilidade civil dos servidores públicos, conforme tenham sido os danos causados direta ou indiretamente à Fazenda Pública. Se o servidor causa, diretamente, por culpa ou dolo, dano ao erário da pessoa de direito público a que serve, tem o dever de repará-lo, como mera aplicação da regra geral de proteção patrimonial, de sede civil. Se o servidor inflige, indiretamente, um prejuízo à Fazenda do ente de direito público a que serve, em razão de Ter ele respondido objetivamente perante terceiros por danos por ele causados, nessa qualidade, a Constituição (art.37, §6º) lhe impõe o dever de reembolsá-la do que justamente pagou, desde que o servidor tenha agido, comprovadamente, com culpa ou dolo. A referida norma constitucional, auto-aplicável, institui o direito de regresso da pessoa jurídica de direito público contra o servidor responsável nos casos de culpa ou dolo, tema a que se retornará no estudo da responsabilidade patrimonial do Estado. O servidor responderá, de maneira especial, pelos danos que causar, em razão de abuso de autoridade, de conformidade com a Lei 4898, de 9 de dezembro de 1965 (art.6o, caput e §2º). Existe, ainda, garantindo a satisfação do erário em caso de responsabilidade de certos servidores, o instituto da hipoteca legal à Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal, sobre os imóveis dos tesoureiros, coletores, administradores, exatores, prepostos, rendeiros e contratadores de renda e fiadores”.111

Importante destacar que, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, é vedado à Administração auto-executar a cobrança de indenização por dano causado pelo servidor.112

110 MEDAUAR, op. cit., p.351-352.111 MOREIRA NETO, op. cit., p.314-315.112 STF, MS 24182-DF, Relator: Ministro Maurício Corrêa, Informativo n.279 de ago/2002.

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Logo, o desconto em folha das parcelas indenizatórias só pode ser efetuado se o servidor concordar com esta forma de pagamento, caso contrário, restará à Administração acionar o Judiciário. José dos Santos Carvalho Filho concorda com esse posicionamento, ressaltando que “o Poder Público não tem crédito privilegiado em relação a seu servidor. Seu crédito é indiscutível, mas a forma de satisfazê-lo há de ser a empregada para a cobrança dos créditos em geral”.113

Ainda em matéria de responsabilidade civil, a Lei 8429/92 trata dos atos de improbidade administrativa, dentre os quais se destacam aqueles que causam prejuízo ao erário (art.10)114 conforme será estudado mais à frente.

A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao servidor, nessa qualidade (art.123 da Lei 8112/90).

São os chamados crimes funcionais, previstos no Código Penal e na legislação extravagante, como, por exemplo, a Lei 4898/65 (crime de abuso de autoridade) e a Lei 8666/93 (que prevê crimes em matéria de licitações e contratos administrativos).

Em relação aos agentes políticos, além dos crimes comuns, existem ainda tipos penais especiais definidos como crimes de responsabilidade de natureza política, também objeto de leis específicas, como, v.g., a Lei 1079/50 (Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do STF, Procurador-Geral da República); a Lei 7106/83 (Governadores e Secretários de Estado) e o Decreto-lei 201/67 (Prefeitos e Vereadores).

A responsabilidade criminal deve ser apurada mediante instauração de ação penal pelo Ministério Público.

Sobre o tema assinala a doutrina:

“O servidor responde penalmente quando pratica crime ou contravenção. Existem, no ilícito penal, os mesmos elementos caracterizadores dos demais tipos de atos ilícitos, porém com algumas peculiaridades: 1. a ação ou omissão deve ser antijurídica e típica, ou seja, corresponder ao tipo, ao modelo de conduta definido na lei penal como crime ou contravenção; 2. dolo ou culpa, sem possibilidade de haver hipóteses de responsabilidade objetiva; 3. relação de causalidade; 4. dano ou perigo de dano: nem sempre é necessário que o dano se concretize; basta haver o risco de dano, como ocorre na tentativa e em determinados tipos de crime que põem em risco a incolumidade pública. A responsabilidade criminal do servidor é apurada pelo Poder Judiciário. De acordo com o artigo 229 da Lei n. 8112/90, é assegurado auxílio-reclusão à família do servidor ativo, nos seguintes valores: dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão; ou metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda do cargo. Pelo Estatuto de São Paulo (art.70), o funcionário perde, em qualquer hipótese, dois terços do vencimento”.115

“A responsabilidade penal do servidor é a que decorre de conduta que a lei penal tipifica como infração penal. A matéria da responsabilidade penal é típica das áreas do Direito Penal e Processual Penal e exige que a solução final do litígio seja definida pelo Poder Judiciário. Nesse caso, a

113 Op. cit., p.582.114 Ao lado destes, a Lei 8429/92 trata ainda dos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito (art.9º) e dos atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública (art.11).115 DI PIETRO, op. cit., p.486.

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responsabilidade só pode ser atribuída se a conduta for dolosa ou culposa, estando, por conseguinte, descartada a responsabilidade objetiva. O servidor pode ser responsabilizado apenas penalmente. Mas se o ilícito penal acarretar prejuízo à Administração, será também civilmente responsável. Os crimes contra a Administração são, basicamente, os dos arts. 312 a 326 do CP – crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública. A legislação especial, a seu turno, prevê outras condutas típicas, acarretando também a responsabilidade penal do servidor. Diga-se, por oportuno, que a responsabilidade penal pode ser, ou não, pertinente à função administrativa. Quando está fora de sua função pública, a eventual prática de ilícito penal pode não causar nenhuma influência no âmbito da Administração”.116

A responsabilidade administrativa tem relação com a aplicação de penalidades disciplinares ao servidor, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa e o contraditório.

No caso dos servidores estatutários federais, as sanções disciplinares previstas na Lei 8112/90 são a advertência, a suspensão, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a destituição de cargo em comissão e a destituição de função comissionada (art.127).

Logo, para punir o servidor, deve a Administração lançar mão de uma dessas modalidades, não podendo inovar além delas. Por outro lado, ao contrário do que ocorre na esfera penal, as penalidades disciplinares não estão correlacionadas a condutas tipificadas especificamente. É a chamada atipicidade das infrações disciplinares.

Na verdade, a aplicação de tais sanções faz-se com vistas ao elenco de deveres e proibições previstos para o servidor público na Lei 8112/90.

Muitos dos deveres encerram situações indeterminadas tais como “manter conduta compatível com a moralidade administrativa”, “exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo” etc (art.116).

Já quanto às proibições, o legislador se cercou de elementos de maior objetividade: “ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato”; “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”, “manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil” etc. (art.117).

De qualquer forma, o exercício do poder disciplinar pela Administração Pública demandará certa margem de discricionariedade na adequação da penalidade adequada a cada caso concreto, compatibilizando a sanção com a conduta (princípio da adequação punitiva ou da proporcionalidade).

Assim, na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais (art.128).

Não obstante, a Lei 8112/90 fornece alguns critérios que devem nortear o administrador na aplicação da penalidade adequada.116 CARVALHO FILHO, op. cit., p.582.

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O art.129 trata dos casos em que é cabível a advertência por escrito. O art.130 trata dos casos em que é cabível a suspensão pelo prazo máximo de noventa dias. O art.132 trata dos casos em que é cabível a demissão. O art.134 trata dos casos em que é cabível a cassação de aposentadoria ou a disponibilidade do inativo. O art.135 trata dos casos em que é cabível a destituição de cargo em comissão.

Como assinala José dos Santos Carvalho Filho, “o sistema punitivo na esfera administrativa é bem diferente do que existe no plano criminal. Neste, as condutas são tipificadas, de modo que a lei cominará uma sanção específica para a conduta que a ela estiver vinculada. Assim, o crime de lesões corporais simples enseja uma sanção específica: a de detenção de três meses a um ano (art.129, CP). Na esfera administrativa, o regime é diverso, pois que as condutas não têm a precisa definição que ocorre no campo penal”.117

Maria Sylvia Di Pietro faz ainda importante análise da matéria:

“Não há, com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das infrações não é definida com precisão, limitando-se a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento dos deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as infrações definidas, como o abandono de cargo ou os ilícitos que correspondem a crimes ou contravenções. Isto significa que a Administração dispõe de discricionariedade no enquadramento da falta dentre os ilícitos previstos na lei, o que ainda mais se amplia pelo fato de a lei (art.128 da Lei Federal e 256 do Estatuto Paulista) determinar que na aplicação das penas disciplinares serão consideradas a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela provierem para o serviço público. É precisamente essa discricionariedade que exige a precisa motivação da penalidade imposta, para demonstrar a adequação entre a infração e a pena escolhida e impedir o arbítrio da Administração. Normalmente essa motivação consta do relatório da comissão ou servidor que realizou o procedimento; outras vezes, consta de pareceres proferidos por órgãos jurídicos preopinantes aos quais se remete a autoridade julgadora; se esta não acatar as manifestações anteriores, deverá expressamente motivar a sua decisão”.118

No mesmo sentido os ensinamentos de Diógenes Gasparini:

“A aplicação dessas penas não está vinculada à lei, no que concerne à definição da infração e à respectiva sanção, nem ao fato de que se tem de começar pela menos rigorosa para ir, num crescendo, alcançar a de maior rigor punitivo, à medida que o servidor ao longo de sua carreira pratica infrações. O comportamento da entidade é, nesse particular, discricionário, sendo inaplicável o princípio que vigora para o Direito Penal da pena específica (não existe infração sem prévia lei que a defina e a apene), que os romanos expressavam pelo brocardo nullum crimen, sulla poena sine lege. A autoridade competente, em razão da gravidade do fato determinante da punição, escolhe, dentre essas penas, a que melhor atenda ao interesse público e que melhor puna a infração praticada. Com efeito, essa autoridade, para aplicar a pena, deve levar em conta, conforme exigem os estatutos, a natureza e a gravidade da infração e os danos que possa ter causado ao serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais (art.128 do Estatuto federal). Ademais, deve explicitar os fundamentos de sua decisão, sob pena de invalidade”.119

117 Idem.118 Op. cit., p.485.119 GASPARINI, op. cit., p.217-218.

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6.7.2) Independência entre instâncias, hipóteses de comunicabilidade e efeitos da condenação penal

As esferas de responsabilidade civil, penal e administrativa são, a princípio, distintas e independentes; podendo ocorrer de um mesmo ato ensejar cumulação de sanções civis, penais e administrativas (art.125 da Lei 8112/90).

O STF já decidiu que a absolvição em processo administrativo disciplinar não impede a apuração dos mesmos fatos em processo criminal, uma vez que as instâncias penal e administrativa são independentes.120

Não obstante, em alguns casos poderá haver a comunicabilidade, de modo que o que for decidido na instância penal repercute necessariamente na instância administrativa.

A Lei 8112/90 estabelece que haverá o afastamento da responsabilidade administrativa no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria (art.126).

Ressalte-se, todavia, que a absolvição do servidor na esfera penal somente repercute nas demais esferas se restar provada a inexistência do fato ou a negativa de autoria, nos moldes do art.386, I e V, do CPP. As demais hipóteses de absolvição previstas no CPP, relacionadas à falta de provas ou ausência de tipificação penal (art.386, II, III, IV e VI), não repercutem nas esferas civil e administrativa.

No caso de absolvição por falta de provas, não há comunicabilidade porque “as provas que não são suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo”.121

Em caso de mera ausência de tipificação penal, o servidor, mesmo absolvido na esfera criminal, pode vir a ser condenado administrativamente. Isso porque “o mesmo fato que não constitui crime pode corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que caracteriza o crime”.122 Tem-se aí a chamada falta residual a que se refere a Súmula 18 do STF: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”. Ao revés, “se a decisão absolutória proferida no juízo criminal não deixa resíduo a ser apreciado na instância administrativa, não há como subsistir a pena disciplinar”.123

Já no que concerne à condenação na esfera penal, a sua repercussão na esfera administrativa vai depender do tipo de crime praticado pelo servidor e da pena que lhe for aplicada pelo juízo criminal.

Como leciona José dos Santos Carvalho Filho, "primeiramente, deve agrupar-se as decisões penais em duas categorias, conforme o crime imputado ao servidor público: a) crimes funcionais, aqueles em que o ilícito penal tem correlação com os deveres administrativos; e b) crimes não funcionais, os demais, isto é, os que não têm essa conexão".124

120 HC 77784-MT, Relator: Ministro Ilmar Galvão. 121 DI PIETRO, op. cit., p.487.122 DI PIETRO, op. cit., p.487.123 STF, RDA 123/216.124 CARVALHO FILHO, Manual..., cit., p. 830.

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No tocante à condenação por crime funcional, haverá sempre alguma comunicabilidade com a instância administrativa. Consoante explica o referido professor:

"Em se tratando de decisão penal condenatória por crime funcional, terá que haver sempre reflexo na esfera da Administração. Se o juiz reconheceu que o servidor praticou crime e este é conexo à função pública, a Administração não tem outra alternativa senão a de considerar a conduta como ilícito também administrativo. Exemplo: se o servidor é condenado pelo crime de corrupção passiva (art.317. CP), terá implicitamente praticado um ilícito administrativo. No caso da Lei n. 8.112/90, o servidor terá violado o art. 117, XII, que o proíbe de receber propina ou vantagem de qualquer espécie em razão de suas atribuições. A instância penal, então, obriga a instância administrativa"125.

Com efeito, se o juiz criminal declara a ocorrência de um fato criminoso de natureza funcional, atribuindo a sua autoria ao servidor, tal conclusão há de ser adotada também em processo disciplinar no qual se esteja apurando a responsabilidade administrativa pelo mesmo fato, e é precisamente nisso que consiste a comunicabilidade de instâncias. Significa dizer que se o servidor for condenado na esfera criminal, terá de também sofrer uma punição na via administrativa.

Acrescente-se a isso que o Código Penal prevê a possibilidade de o próprio juiz decretar de logo a perda do cargo do servidor, como efeito direto da condenação penal. Deveras, se o servidor for condenado por crime funcional praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, poderá ser decretada a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo sempre que a pena privativa de liberdade for superior a 1 (um) ano (CP, art.92, I, a). Ressalve-se que esse efeito da condenação penal não é automático, devendo ser motivadamente declarado pelo juiz na sentença criminal (CP, art.92, p. único).

Apesar de a doutrina em geral não fazer distinção, tratando essa situação como hipótese de comunicabilidade entre as instâncias, pensamos não haver aí propriamente tal comunicabilidade, porquanto a perda do cargo é decorrência direta da sentença criminal e não de uma condenação administrativa baseada no quanto decidido na esfera penal.

Quando se fala em comunicabilidade, pressupõe-se que haja duas decisões, uma na esfera criminal e outra na esfera administrativa, sendo que esta deve seguir a conclusão daquela. Já em se tratando de efeito da sentença penal, a perda do cargo independe de uma decisão na via administrativa.

Da mesma forma, em relação à condenação por crime não funcional, apesar de não configurar propriamente uma situação de comunicabilidade entre as instâncias (por não haver falta disciplinar a punir), ainda assim pode ensejar repercussão na esfera administrativa, como efeito direto da condenação penal, se o juiz, aplicando pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, decidir decretar de logo a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (CP, art.92, I, b).

Se a condenação em pena privativa de liberdade não implicar a perda do cargo, naturalmente o servidor deverá ficar afastado do serviços enquanto cumpre a pena, conforme esclarece José dos Santos:

“a) se a privação de liberdade for por tempo inferior a quatro anos, o servidor ficará afastado de seu cargo ou função, prevendo o estatuto federal nesse caso o benefício de auxílio-reclusão, pago à sua família (art.229); b) se a privação de liberdade é superior a quatro anos, incide o art.92, I, “b”, do CP 125 Idem.

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(com a redação dada pela Lei 9268, de 1/4/1996), pelo qual a condenação, nessa hipótese, acarreta a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo”.126

6.7.3) Sanções por ato de improbidade administrativa

Importante salientar ainda que se o ato praticado pelo servidor se configurar como ato de improbidade administrativa, caberá especificamente a ação de improbidade administrativa prevista na Lei 8429/92, que, apesar de se tratar de ação de natureza civil, poderá ensejar a aplicação de sanções similares às previstas nas esferas penal e administrativa.

Atos de improbidade são todos aqueles que importem enriquecimento ilícito (Lei 8429/92, art.9o), que causem prejuízo ao erário (art.10) ou que atentem contra os princípios da administração pública (art.11).

O art.37,§4º, da Constituição Federal de 1988 estabelece que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Realçando o caráter civil e político das sanções por improbidade administrativa, escreve Maria Sylvia Di Pietro:

“Isso permite concluir que: (a) o ato de improbidade, em si, não constitui crime, mas pode corresponder também a um crime definido em lei; (b) as sanções indicadas no artigo 37, §4º, da Constituição não têm a natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas ‘sem prejuízo da ação penal cabível’; (c) se o ato de improbidade corresponder também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será concomitante com o processo criminal. Além disso, o ato de improbidade administrativa, quando praticado por servidor público, corresponde também a um ilícito administrativo já previsto na legislação estatutária de cada ente da federação, o que obriga a autoridade administrativa competente a instaurar o procedimento adequado para apuração de responsabilidade. (...) A natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário”.127

A exemplo do que ocorre com a condenação penal por crime funcional, conforme visto no tópico anterior, a condenação por ato de improbidade pode ensejar a perda do função pública, que é uma das penas previstas no art.12 Lei 8429/92. Nesse caso, trata-se de um efeito direto da condenação judicial, independente do que vier a ser decidido em processo disciplinar na via administrativa.

6.7.4) O processo administrativo disciplinar

126 CARVALHO FILHO, op. cit., p.586.127 Op. cit., p.664-665.

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O processo administrativo disciplinar (PAD) "é o instrumento formal, instaurado pela Administração Pública, para a apuração das infrações e aplicação das penas correspondentes aos servidores, seus autores".128

"É a sucessão ordenada de atos, destinados a averiguar a realidade de falta cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinentes".129

Costuma-se utilizar a expressão inquérito administrativo, por analogia ao inquérito existente na via de investigação policial. Tal nomenclatura, porém, é inadequada porque, ao contrário do procedimento policial inquisitório, o processo administrativo disciplinar demanda a observância da ampla defesa e do contraditório. Não obstante, o art.151, II, da Lei 8112/90 utiliza esta expressão para indicar a fase de colheita de provas, já no bojo do processo administrativo disciplinar instaurado, a qual deverá obedecer ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito (art.153).

Também se utiliza o vocábulo sindicância, que, na verdade, é melhor empregado para designar uma fase investigatória anterior ao processo disciplinar propriamente dito. A sindicância, nesse caso, tem caráter inquisitório (sem necessidade de ampla defesa e contraditório), pois não há ainda acusação contra servidor.

Todavia, emprega-se o termo sindicância também para designar um processo administrativo de natureza sumária para apuração de faltas consideradas leves, tais como a advertência ou suspensão de até trinta dias (nesse caso, será necessário o contraditório e a ampla defesa).

Da sindicância poderá resultar: I) arquivamento do processo; II) aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; III) instauração de processo disciplinar (art.145).

Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar (art.146).

Sobre o tema escreve Odete Medauar:

“Nos estatutos, em geral, aparecem duas modalidades de sindicância: a sindicância preliminar a processo administrativo e a sindicância como processo sumário. A primeira modalidade caracteriza a peça preliminar e informativa do processo administrativo disciplinar, devendo ser instaurada quando os fatos não estiverem definidos ou faltarem elementos indicativos da autoria. Configura meio de apuração prévia, em relação ao processo administrativo disciplinar, destinada a colher elementos informativos para instaurá-lo ou não. Nesta acepção, a sindicância não se instaura contra um servidor; visa a apurar possíveis fatos irregulares e seu possível autor. Inexistem, então, acusados ou litigantes a ensejar as garantias do contraditório e da ampla defesa, previstas na Constituição Federal, art.5o, LV. Em geral observa as seguintes fases: instauração, instrução, relatório. Desta sindicância pode resultar o seguinte: o arquivamento do caso, por inexistência de infração, de irregularidade, ausência de autoria; ou instauração de processo disciplinar, ante a caracterização do fato como infração e a identificação do possível autor. A segunda modalidade é a sindicância de

128 GASPARINI, op. cit., p.807.129 MEDAUAR, op. cit., p.358.

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caráter processual, pois destina-se a apurar a responsabilidade de servidor identificado, por falta leve, podendo resultar em aplicação de pena. Trata-se, na verdade, de um processo administrativo sumário”.130

Observe-se que o art.143 da Lei 8112/90 distingue as duas situações, ao dispor que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Nessa linha, preferimos empregar o termo sindicância para designar a fase de investigação prévia na qual ainda não estão reunidos elementos concretos em torno da materialidade do fato ou de sua autoria.

Há casos em que a abertura de processo administrativo disciplinar pode ser feito independentemente de prévia sindicância, quando já haja prova da materialidade e indícios suficientes para responsabilizar o servidor, de modo que a autoridade superior procede imediatamente a instauração do PAD.131

Porém, se ainda existem dúvidas acerca da autoria ou materialidade da infração disciplinar, deve a autoridade superior promover uma sindicância para apurar. Para tanto designará uma comissão de sindicância. Se desta sindicância forem reunidos elementos suficientes para apontar a responsabilidade de determinado servidor (ou seja, se o servidor responsável foi identificado) a ensejar penalidade de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, aí sim será promovido o respectivo processo administrativo disciplinar contra o mesmo, com as garantias de ampla defesa. Nesse caso, haverá uma comissão processante, também chamada de comissão disciplinar.132

Os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução. Na hipótese de o relatório da sindicância concluir que a infração está capitulada como ilícito penal, a autoridade competente encaminhará cópia dos autos ao Ministério Público, independentemente da imediata instauração do processo disciplinar (arts.154 e 171).

Ressalte-se que “as comissões não têm a função de dar a decisão final da sindicância ou do processo administrativo disciplinar; apresentam-se, ao mesmo tempo, como órgãos de instrução, de audiência e de assessoramento à autoridade competente para julgar”.133

A ciência da autoridade superior pode decorrer de atuação ex officio ou, ainda, de provocação por outra autoridade ou por terceiro (denúncia). As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade. Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto (art.144).

130 Idem, p.360.131 Algo similar ao que ocorre na área criminal, porquanto o Ministério Público pode promover de logo a ação penal, independentemente de prévio inquérito policial, quando já estejam reunidos indícios suficientes da autoria e prova da materialidade, mediante outras peças de informação. 132 MEDAUAR, cit., p.359.133 Idem, p.359-360.

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O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta)   dias , podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior (art.145, parágrafo único).      Já o prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta)   dias , contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem. Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final. As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas (art.152).

Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta)   dias , sem prejuízo da remuneração. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo (art.147).

O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros. Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (art.149).

A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração. As reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado (art.150).

Na fase de inquérito administrativo, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos (art.155). É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fato independer de conhecimento especial de perito (art.156).

As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos autos. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição (art.157). O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. As testemunhas serão inquiridas separadamente. Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes (art.158).

Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado. No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e

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sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles. O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão (art.159).

Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra. O incidente de sanidade mental será processado em auto apartado e apenso ao processo principal, após a expedição do laudo pericial (art.160).

Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas. O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição. Havendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum e de 20 (vinte) dias. O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis. No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de (2) duas testemunhas (art.161).

Ponto objeto de controvérsia na doutrina diz respeito à necessidade ou não de elaboração de defesa técnica, ou seja, de estar o administrado representado por advogado no processo administrativo.

O art.3o, IV, da Lei 9784/99 (lei do processo administrativo federal) facultou que o administrado se faça assistir por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei. Logo, a regra é a facultatividade da defesa técnica. Não obstante, há quem sustente a necessidade da defesa técnica, “sempre que a extrema complexidade da causa impeça o administrado de exercer sua ampla defesa”.134

No tocante aos processos sancionatórios ou disciplinares, há doutrinadores que consideram necessária a defesa técnica, como salienta Lúcia Valle de Figueiredo:

“O direito à defesa técnica está ínsito no direito de ampla defesa, inserida no processo penal. Se a parte ‘acusada’ da prática de infração administrativa não se defender por advogado, deverá lhe ser nomeado defensor. Ainda, se defesa não houver, quer por revelia, quer porque entenda a parte de não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que no processo penal (art.261 do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade. (...) Não há tergiversações maiores entre os autores arrolados sobre a necessidade da defesa técnica nos processos sancionatórios ou disciplinares”.135

No âmbito da jurisprudência, a questão também veio desafiando controvérsias, tendo o STJ chegado a editar a Súmula n. 343 prevendo a necessidade de advogado nos processos disciplinares, o que, poucos dias depois, foi desconsiderado pelo STF ao reputar meramente facultativa tal defesa técnica, nos termos da Súmula Vinculante n. 05: “A falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar não ofende a Constituição”.

134 MOREIRA, Egon Bockman. Processo Administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99. São Paulo: Malheiros, 2000, p.257.135 Op. cit., p. 425-427.

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O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à comissão o lugar onde poderá ser encontrado (art.162).

Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa. Nesse caso, o prazo para defesa será de 15 (quinze) dias a partir da última publicação do edital (art.163).

Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal. A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa. Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (art.164).

Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua convicção. O relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor. Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes (art.165).

O processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade que determinou a sua instauração, para julgamento (art.166).

No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão. Se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da autoridade instauradora do processo, este será encaminhado à autoridade competente, que decidirá em igual prazo. Havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções, o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave. Se a penalidade prevista for a demissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade, o julgamento caberá às autoridades de que trata o inciso I do art. 141 da Lei 8112/90 (Presidente da República, das Casas do Poder Legislativo, dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República).  Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos (art.167).

Isto é, o julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. É o chamado efeito vinculante do relatório, que somente não ocorrerá quando o mesmo contrariar as provas dos autos, caso em que a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade (art.168).

Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará,

no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo processo.   O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo. A autoridade julgadora que der causa à prescrição da ação disciplinar será responsabilizada (art.169)

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O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada. Ocorrida a exoneração quando não satisfeitas as condições do estágio probatório, o ato será convertido em demissão, se for o caso (art.172).

 O processo disciplinar poderá ser revisto (revisão do processo), a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem     fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada. Em caso de falecimento, ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a revisão do processo. No caso de incapacidade mental do servidor, a revisão será requerida pelo respectivo curador (art.174). No processo revisional, o ônus da prova cabe ao requerente (art.175). A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui fundamento para a revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no processo originário (art.176). O requerimento de revisão do processo será dirigido ao Ministro de Estado ou autoridade equivalente, que, se autorizar a revisão, encaminhará o pedido ao dirigente do órgão ou entidade onde se originou o processo disciplinar (art.177). A comissão revisora terá 60 (sessenta) dias para a conclusão dos trabalhos (art.179). O julgamento caberá à autoridade que aplicou a penalidade, no prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, no curso do qual a autoridade julgadora poderá determinar diligências (art.181). Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração.  Da revisão do processo não poderá resultar agravamento de penalidade (art.182).

6.7.5) A “verdade sabida” e o “termo de declaração”.

Antes da Constituição Federal de 1988, costumava-se utilizar mecanismos sumários de apuração de responsabilidade de servidores, tais como a verdade sabida e o termo de declaração.

Pela verdade sabida, “a autoridade competente, que presenciou a infração, aplica a pena, consignando no ato punitivo as circunstâncias em que foi cometida a presenciada falta. Também já se considerou verdade sabida a infração pública e notória, divulgada pela imprensa e por outros meios de comunicação em massa”.136

Pelo termo de declaração “a comprovação da falta do servidor surge com a tomada do depoimento do acusado sobre a irregularidade que lhe é imputada. Se esta é confessada, o termo de declaração serve de base para a aplicação da pena”.137

A jurisprudência nunca viu com bons olhos tais mecanismos, que foram definitivamente abolidos com o advento da nossa atual Carta Magna, cujo art.5o, LV, contempla expressamente que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

6.7.6) A ação regressiva contra o servidor público

O tema em destaque tem relação com o chamado direito de regresso, que é “o assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente

136 GASPARINI, op. cit., p.823.137 Idem.

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responsável pelo dano, quanto tenha este agido com culpa ou dolo”.138 Assim, se o Estado foi obrigado a indenizar terceiro prejudicado por ato de agente seu, deve dirigir contra esse uma pretensão regressiva.

Nessa esteira a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

“Como a responsabilidade do agente é subjetiva, só será cabível a ação de regresso se o agente responsável tiver agido com culpa ou dolo. A causa de pedir da ação a ser ajuizada pelo Estado, por conseguinte, consiste na existência do fato danoso, causado por culpa do agente, e na responsabilidade subjetiva deste. Sendo assim, cabe ao Estado, autor da ação, o ônus de provar a culpa do agente, como estabelece o art.333, I, do CPC. Em conseqüência, se o dano tiver sido causado por atividade estatal sem ser possível a identificação do agente (culpa anônima do serviço), o Estado será obrigado a reparar o dano, jungido que está pela teoria da responsabilidade objetiva, mas lhe será impossível exercer o direito de regresso contra qualquer agente”.139

O mesmo ocorre quando o Estado buscar se ressarcir do dano que lhe foi provocado diretamente pelo agente.

O art.37, §5º, da Constituição federal de 1988 estabelece que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

Com base na parte final desse dispositivo, alguns doutrinadores, dentre eles os mestres Celso Antônio Bandeira de Mello140 e Diógenes Gasparini141, entendem que a ação de reparação movida pela Administração contra o servidor que causa dano ao erário seria imprescritível.

Esse entendimento, porém, é objeto de algumas divergências, tendo em vista que a Constituição Federal veda a perpetuação das penas (art.5o, XLVII, b), o que indiretamente ocorreria em se admitindo a imprescritibilidade da ação de reparação. Não obstante esse dispositivo constitucional refira-se a “penas”, tem sido interpretado extensivamente para abranger qualquer tipo de sanção aplicada aos cidadãos pelo Estado, não apenas as de natureza criminal.

Confira-se, a respeito, o seguinte posicionamento calcado na lei de improbidade administrativa:

“O art.37, §5º, da Constituição Federal, parece, de forma indireta, declarar que a ação de ressarcimento de danos ao erário seria imprescritível. Todavia, esse entendimento mostra-se insustentável perante o próprio ordenamento jurídico vigente, pois a Constituição Federal estabelece, como direito e garantia fundamental, a vedação de penas perpétuas – art.5o, XLVII, ‘b’. Ora, no caso, a se entender imprescritível o ressarcimento, estaria se criando a possibilidade, eterna, de se demandar, v.g., um tataraneto de um administrador ímprobo... Criada estaria, assim, em antinomia com a própria Constituição, uma pena perpétua. (...) Tanto é certo a prevalência do direito fundamental de vedação de penas perpétuas sobre a norma do art.37, §5º, CF, que o art.23, I, da Lei

138 CARVALHO FILHO, op. cit., p.458.139 Op. cit., p.459.140 Op. cit., p.291.141 Op. cit., p.837.

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8429/92, prevê a prescrição qüinqüenal para a aplicação de suas sanções – entre as quais se situa, obviamente, o perdimento de bens e a imposição de indenizar o erário”142

No mesmo sentido já se posicionou a jurisprudência: “É de cinco anos o prazo de prescrição para exigir-se do administrador o ressarcimento de prejuízo causado a órgão público, não sendo correta a interpretação do art.37, §5º, CF, no sentido da imprescritibilidade”.143

6.8) DESPROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO

Ao desprovimento de um cargo público denomina-se vacância, que é o “fato administrativo-funcional que indica que determinado cargo público não está provido, ou em outras palavras, está sem titular”.144

“Desprovimento é a exclusão do serviço público, tendo por objeto a destituição do servidor de cargo, emprego ou função. O desprovimento poderá decorrer de fato ou de ato administrativo, este, por sua vez, ou constitutivo ou declaratório. A conseqüência do desprovimento é a vacância do cargo, emprego ou função desocupados”.145

Portanto, “ocorrida a destituição do servidor do cargo que ocupava, este resta vago, instaura-se uma situação de vacância, ou seja, de cargo sem titular. Várias são as causas que podem levar um cargo à situação de vacância”.146

O art. 33 da Lei 8112/90 dispõe que a vacância do cargo público decorrerá de: exoneração; demissão; promoção; readaptação; aposentadoria; posse em outro cargo inacumulável e falecimento.

Examinando o dispositivo legal, constata-se que a vacância pode ocorrer com extinção do vínculo (exoneração, demissão, falecimento e aposentadoria) ou sem extinção do vínculo (promoção, readaptação e recondução).

As formas de vacância sem extinção do vínculo já foram estudadas anteriormente, ao tratarmos das formas de provimento derivado (o provimento derivado no cargo posterior implica o desprovimento do cargo anterior, com a conseqüente vacância).

Vamos examinar agora as formas de vacância com extinção do vínculo, conforme apontam os doutrinadores.

Exoneração é o desligamento de servidor, sem caráter de penalidade, de cargo em comissão, de cargo efetivo quando ainda não haja estabilidade ou, ainda, de cargo efetivo quando haja estabilidade nas hipóteses excepcionais previstas no ordenamento (já estudadas anteriormente), que pode se dar a pedido ou por ato de ofício da Administração. Está prevista nos artigos 34 e 35 da Lei 8112/90.

“Exoneração é o ato administrativo constitutivo cuja finalidade é extinguir a relação jurídico-funcional entre o funcionário ou servidor e o Estado. A exoneração pode ser aplicada para romper a

142 ANDRADE, Érico. O controle judicial da responsabilidade fiscal: ação civil pública de improbidade. RDA n.232, abril/junho/2003, pp.301/302.143 TJMG, AC 160.191-3, Relator: Desembargador Ximenes Carneiro.144 CARVALHO FILHO, op. cit., p.494.145 MOREIRA NETO, op. cit., p.304.146 GASPARINI, op. cit., p.254.

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relação jurídica dos ocupantes de cargos em comissão e dos que estejam em estágio probatório, desde que se assegure o contraditório. Também é praticada nas hipóteses em que a relação jurídica vai se extinguir a pedido do funcionário ou servidor”.147

“Exoneração é o desligamento do servidor do quadro de pessoal da entidade a que se vinculava, sem caráter punitivo. Pode ser a pedido do servidor ou por deliberação (ex officio) da entidade a que estava vinculado. A exoneração ex officio somente pode ter lugar se o servidor titularizava cargo de provimento em comissão ou se era ocupante de cargo de provimento efetivo antes de ocorrer a estabilidade. Nesta última hipótese, exige-se a apuração, em processo administrativo, da inadequação do servidor na execução da atividade pública (RDA, 101:124, 126:147). Há a extinção do vínculo existente entre o servidor e a Administração Pública, mas não a extinção do cargo, que aguardará novo titular”.148

“A exoneração não é penalidade; ela se dá a pedido ou ex officio, neste último caso quando se tratar de cargo em comissão ou, no caso de cargo efetivo, quando não satisfeitas as exigências do estágio probatório ou quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido (arts.34 e 35 da Lei 8112/90)”.149

Demissão é o desligamento de servidor do cargo, com caráter de penalidade, ou seja, com efeito sancionador (art.127, III, da Lei 8112/90). Os casos de aplicação da penalidade de demissão estão previstos no art.132 do Estatuto, quais sejam:  I - crime contra a administração pública; II - abandono de cargo; III - inassiduidade habitual; IV - improbidade administrativa; V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI - insubordinação grave em serviço; VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos; IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI - corrupção; XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

“Demissão, como está a palavra a dizer, é ato administrativo constitutivo cuja finalidade é o desligamento do funcionário estável, após regular inquérito administrativo ou processo judicial, tendo por motivo o cometimento de infrações tipificadas como graves. Ao ato de demissão, como já enfatizamos, deverão preceder o contraditório e a ampla defesa – o ‘devido processo legal’, como reiteradamente falado. Não prescinde, ainda, da designação de defensor ad hoc, pois há o direito e, conseqüentemente, o dever de a Administração possibilitar a defesa técnica. De seu turno, a demissão a bem do serviço público também é desligamento, acrescendo-se, porém, um plus. O funcionário é desligado porque, além de ter cometido infrações graves (onde cabem sanções), sua permanência é absolutamente indesejável ao serviço público, o que torna impraticável sua volta”.150

“Demissão é o desligamento do servidor do quadro de pessoal da entidade a que se vinculava, como medida punitiva. Trata-se, pois, de sanção, e assim é considerada pelo Estatuto federal no art.127. É aplicável, segundo essa lei, nos casos de: crime contra a Administração Pública; abandono de cargo; inassiduidade habitual; improbidade administrativa; incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; insubordinação grave em serviço; ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; aplicação irregular de dinheiros públicos; revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; lesão aos cofres públicos e dilapidação do

147 FIGUEIREDO, op. cit., p.575.148 GASPARINI, op. cit., p.255.149 DI PIETRO, op. cit., p.480.150 FIGUEIREDO, op. cit., p.583-584.

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patrimônio nacional; corrupção; acumulação ilegal de cargos, empregos públicos ou funções públicas; transgressão dos incisos IX a XVI do art.117 do Estatuto federal. Alguns estatutos estabelecem que a demissão pode ser simples ou agravada e indicam quando pode ser desta última espécie e, portanto, aplicada com a nota ‘a bem do serviço público’, como o faz o Estatuto paulista (art.257). Por ela ocorre o rompimento do vínculo que vigorava entre a Administração e o demitido, sem, obviamente, o desaparecimento do cargo, que deverá ser ocupado por outro titular”.151

Falecimento “é o desaparecimento (por isso o cargo fica vago) do servidor. Sua morte põe fim ao vínculo que mantinha com a entidade a que se ligava. Ocorre, assim, a vacância. O cargo até então ocupado aguardará novo titular”.152

Posse em outro cargo inacumulável “é espécie de vacância, na medida em que pela nova posse acontece a vaga no cargo anteriormente ocupado, pois significa a renúncia do cargo precedente, que, por isso, fica vago. Há rompimento do vínculo até então existente entre a Administração Pública e o servidor, sem a extinção do cargo. O servidor, no caso, passa a ocupar outro cargo em razão do novo vínculo que se constitui”.153

6.9) NOÇÕES SOBRE A PREVIDÊNCIA DO SERVIDOR PÚBLICO

Entendemos que o estudo do regime previdenciário dos servidores públicos, no atual contexto do ordenamento brasileiro, demandaria uma disciplina específica e adequada à complexidade de questões jurídicas e as peculiaridades das normas relacionadas ao tema, a exemplo do que já ocorreu em outros campos da administração pública. Não obstante, os manuais de Direito Administrativo costumam fazer menção às normas previdenciárias aplicadas aos servidores estatutários titulares de cargo efetivo, segundo os ditames do art.40 da CF/88, razão pela qual faremos aqui uma abordagem do tema, ainda que sucinta.

A análise da matéria, como dito, é trabalhosa, sobretudo porque o ordenamento jurídico brasileiro que trata da previdência dos servidores públicos sofreu, nos últimos anos, duas alterações substanciais.

Conforme salienta Dirley da Cunha Júnior, “o regime próprio de previdência do servidor público titular de cargo efetivo, sob a égide da atual Constituição Federal, já foi alterado duas vezes. Uma primeira vez, por meio da EC n. 20, de 15 de dezembro de 1998. Na segunda, através da EC n. 41, de 19 de dezembro de 2003. O objetivo principal e indisfarçável destas reformas foi, reduzindo os direitos sociais do servidor público, equipará-los aos trabalhadores da iniciativa privada”.154

No Brasil, existem dois regimes de previdência pública.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é o aplicado aos trabalhadores em geral, inclusive os empregados das empresas estatais. Está previsto nos artigos 201 e seguintes da Constituição Federal de 1988. Seu estudo é objeto da disciplina jurídica denominada Direito Previdenciário.

Já os servidores estatutários, titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, estão submetidos a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que alguns autores, a exemplo de

151 GASPARINI, op. cit., p.255-256.152 Idem, p.256.153 Ib idem.154 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: Podium, 2004, p. 238.

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Diógenes Gasparini155, também chamam de Regime Especial de Previdência Social (REPS). As normas fundamentais deste regime estão escritas no art.40 da Carta Magna, sendo que cada ente político deverá ainda editar legislação própria dispondo especificamente sobre a previdência dos seus servidores efetivos, instituindo, e cobrando deles, contribuições a fim de custeá-lo (CF, art.149, §1º).

Este regime próprio de previdência social (CF, art.40), em cada ente da federação, estabelecerá os proventos de aposentadoria referentes a todos os servidores públicos titulares de cargos efetivos, inclusive os membros vitalícios do Poder Judiciário (CF, art.93, VI), do Ministério Público (CF, art.129, §4º) e dos Tribunais de Contas (CF, art.73, §3º). Os dependentes destes servidores terão direito a proventos de pensão.

Observe-se que nem todos os servidores públicos submetem-se a tal regime próprio. Só os efetivos, porque, na forma do art.40, §13, da CF/88, “aos demais servidores estatais, inclusive os ocupantes, exclusivamente, de cargo em comissão, cargo temporário (são os servidores temporários contratados por tempo determinado para atenderem necessidades temporárias de excepcional interesse público, nos termos do art.37, IX, da Constituição Federal) ou emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social previsto no art.201”.156

Vejamos, então, quais as principais regras do regime próprio de previdência social na atual legislação brasileira, nos moldes do art.40 da nossa Lei Maior, após as alterações implementadas pela EC n. 41/2003.

De acordo com o art.40, §1º, da CF, existem três modalidades de aposentadorias a que faz jus o servidor estatutário efetivo: I) por invalidez permanente; II) compulsória; III) voluntária. Tais aposentadorias poderão ser com proventos integrais ou proporcionais, a depender da modalidade e da situação do segurado.

Na aposentadoria por invalidez permanente, os proventos serão integrais se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma em lei. Nos demais casos, os proventos serão proporcionais ao tempo de contribuição.

Na aposentadoria compulsória, aos setenta anos de idade, os proventos serão proporcionais ao tempo de contribuição.

Na aposentadoria voluntária, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, devem ser observadas as seguintes condições:

a) 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher, com proventos integrais, sendo que tais requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

155 Op. cit., p.204.156 CUNHA JÚNIOR, op. cit., p.238.

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Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

As referidas emendas 20 e 41 mudaram a forma de cálculo de tais proventos, bem como de sua revisão. Anteriormente, havia uma paridade entre a situação do servidor da ativa e o aposentado ou pensionista. O valor da aposentadoria integral correspondia exatamente ao valor dos vencimentos mensais que o servidor recebia ao se aposentar. Os proventos de pensão, para os dependentes, eram calculados da mesma forma, bem como os parâmetros para a revisão periódica do seu valor seguiam as mesmas regras do pessoal da ativa.

Esta paridade foi abolida. Atualmente, de acordo com o art.40, §3º, da CF, para o cálculo dos proventos de aposentadoria serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor feitas ao longo do seu tempo de serviço, na forma da lei. Fixando os parâmetros deste cálculo, foi editada a Lei 10.887/2004.

Dirley Cunha assim explica em que consiste esta legislação:

“Com o objetivo de disciplinar a aplicação das disposições da Emenda 41/2003, foi elaborada a Lei n.10.887, de 18 de junho de 2004, que determinou, no seu art.1º, que, no cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no §3º do art.40 da Constituição Federal e no art.2º do texto da EC 41/2003, fosse considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência. As remunerações consideradas no cálculo do valor inicial dos proventos terão os seus valores atualizados mês a mês de acordo com a variação integral do índice fixado para a atualização dos salários-de-contribuição considerados no cálculo dos benefícios do regime geral de previdência social (§1º). A base de cálculo dos proventos será a remuneração do servidor no cargo efetivo nas competências a partir de julho de 1994 em que não tenha havido contribuição para o regime próprio (§2º). O art.15 da Lei dispõe que os proventos de aposentadoria e as pensões serão reajustados na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social”.157

Em relação ao cálculo dos proventos de pensão, os critérios estão previstos no art.40, §7º, da CF, com a redação dada pela EC 41:

“Segundo a EC 41/2003, a pensão por morte, para os futuros pensionistas, não mais corresponderá à totalidade da remuneração ou dos proventos do servidor falecido. Ela será igual: (I) ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.201 (que foi fixado pelo art.5º do texto da Emenda 41/2003 em R$2.400,00), acrescido de 70% (setenta por cento) da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou (II) ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.201, acrescido de 70% (setenta por cento) da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito. Assim, se o servidor, na data do óbito, percebia, como remuneração ou provento, R$5.000,00, a pensão por morte corresponderá ao 157 Op. cit., p.244.

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limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (R$2.400,00), acrescido de 70% da parcela excedente a este limite (R$5.000,00 – R$2.400,00 = R$2.600 x 70% = R$1.820,00 + R$2.400,00 = valor da pensão: R$4.220,00)”.158

A Constituição veda percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores, salvo se decorrerem dos cargos acumuláveis nela previstos (art.40, §6º). Mas mesmo nesse caso, de acordo com o art.40, §11, há de ser observado o teto salarial do serviço público tratado no art.37, XI (valor do subsídio de ministro do STF).

Não bastasse a complexidade de todas estas regras de regência da previdência dos servidores públicos, mormente após as modificações feitas pelas emendas 20 e 41, outro ponto torna o estudo do assunto ainda mais complexo. É que tais regras só são inteiramente aplicáveis aos servidores que ingressaram em cargos públicos após o advento da EC 41. Para os servidores que ingressaram antes da EC 20, bem como para aqueles que ingressaram no período entre a EC 20 e a EC 41, as regras aplicáveis são diferentes, segundo regras de transição que também foram previstas nestas emendas, bem como na posterior EC 47/2005.

Saliente-se que tal previsão não decorreu da existência de eventual direito adquirido por parte destes servidores antigos, pois, conforme precedentes do STF, não há direito adquirido a regime jurídico. Vale dizer, de acordo com este entendimento, somente tinham direito adquirido à aposentadoria aqueles servidores que já haviam preenchido os requisitos de inatividade estabelecidos nas regras em vigor antes da mudança constitucional. Se a mudança veio quando ainda não preenchidos estes requisitos, o servidor apenas tinha uma mera expectativa de direito. Nesse caso, visando minimizar o impacto da mudança para aqueles que já estavam a caminho da aposentadoria, mas ainda não havia adquirido este direito (alguns, inclusive, faltando poucos meses), foram estabelecidos critérios mais flexíveis. Buscou-se, assim, “harmonizar a passagem do servidor de um para outro sistema”.159 Esta foi a razão política das aludidas regras de transição.

Por fim, registre-se que outra mudança produzida pela EC 41/2003 – talvez a mais polêmica delas – foi a previsão de cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos, tal como passou a constar no art.40, §18, da Carta. Após acirrados debates, com muitos juristas de peso asseverando haver aí uma violação a direito adquirido e a ato jurídico perfeito, o STF, em decisão histórica no julgamento das ADINs 3105 e 3128, colocou uma pá de cal no assunto e considerou constitucional a cobrança.

7) NOÇÕES SOBRE O REGIME ESTATUTÁRIO MILITAR

Os agentes militares são agentes públicos submetidos a um regime estatutário próprio, distinto do regime aplicável aos demais servidores estatutários.

Segundo Diógenes Gasparini, “são todas as pessoas que, permanente ou temporariamente, desempenham atividade militar no âmbito federal ou estadual, percebendo por esse desempenho um subsídio. Para a Lei Maior em vigor são agentes militares os integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), os pertencentes às Polícias Militares e os integrantes dos Corpos de Bombeiros Militares. Os primeiros são federais, enquanto os últimos são estaduais, distritais e territoriais”.160

158 CUNHA JÚNIOR, Dirley da, op. cit., p.244-245.159 GASPARINI, op. cit., p.206.160 Op. cit., p.225.

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“Todos os integrantes dessas corporações são agentes militares com direitos, prerrogativas e obrigações decorrentes diretamente da Constituição Federal, notadamente dos art. 42 e 142, e dos respectivos estatutos. A condição de integrante das Forças Armadas ou das Polícias Militares estadual, distrital e territorial só pode ser atribuída aos oficiais e praças que compõem os quadros militares definidos em lei. Não são, portanto, militares os demais agentes eventualmente lotados nas referidas instituições (Forças Armadas, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares)”.161

Aos membros das Forças Armadas aplicam-se as diversas disposições previstas no art.142,§3º, da Carta. Assim, as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas.

O militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei. O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei.

Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve, assim, como, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos. Aplicam-se aos militares alguns dispositivos previstos na Carta em relação aos trabalhadores em geral e aos servidores civis, quais sejam o art. 7º, incisos VIII, (décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria); XII (salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei); XVII (gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal); XVIII (licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias); XIX (licença-paternidade, nos termos fixados em lei), XXV (assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas) e o art.37, incisos XI, (teto salarial igual ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal); XIII (vedação de vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias); XIV (proibição de cumulação de acréscimos

pecuniários); XV (irredutibilidade de subsídios, salvo nas hipóteses constitucionais). Além disso, aplica-se aos militares e a seus pensionistas o disposto no art. 40, §§ 7º e 8º da Lei Maior.

A Constituição previu ainda lei dispondo sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra (art.142, §3º, X).

No âmbito federal, tal lei é a Lei 6680/80 (Estatuto dos Agentes Militares Federais), com algumas alterações legislativas posteriores. 161 Idem.

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No âmbito dos Estados e do Distrito Federal aplicam-se as disposições do art.42 da Constituição Federal, que trata dos membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, com um regime semelhante aos das Forças Armadas (art.142, §§2º e 3º). Incidem também os dispositivos da Lei 6880/80, porém os Estados-membros e o Distrito Federal poderão editar leis dispondo sobre os seus respectivos estatutos militares.

Quanto ao ingresso no quadro, os agentes militares poderão ser oriundos de recrutamento ou de concurso público.

O recrutamento ocorre por ocasião do serviço militar obrigatório nas Forças Armadas, tal como previsto no art.143 da Carta Magna de 1988. Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar (§1º). As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir (§2º). Nas polícias militares e corpos de bombeiros não há recrutamento; o ingresso nestas instituições somente ocorre por concurso.

O concurso público aplica-se ao ingresso nos cursos de formação de oficiais e praças.

Seguindo uma escala hierárquica própria, os oficiais têm patente (tenente, capitão, major, coronel, general etc.), enquanto os praças têm graduação (soldado, cabo, sargento, subtenente etc.) 162

O oficial tem assegurada a vitaliciedade, isto é, só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra. O oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento acima mencionado. Já o praça somente terá estabilidade após dez anos de serviço, conforme disposto na Lei 6.880/80.

Conforme estejam ou não no exercício do seu posto ou graduação, os agentes militares são classificados em ativos e inativos. O militar inativo está afastado do serviço, seja temporariamente, seja permanentemente. O estado de inatividade poderá decorrer de agregação, reserva ou, ainda, reforma.

A agregação é a situação do militar da ativa que deixa, temporariamente, de ocupar vaga na corporação a que pertence por ter aceito cargo, emprego ou função pública não eletiva na Administração Pública direta ou indireta.

“A agregação não deverá ultrapassar dois anos. Depois desse prazo, o servidor militar será transferido para a reserva. Enquanto durar a agregação, seu beneficiado somente poderá ser promovido por antigüidade. A agregação não é automática, dependendo, assim, de ato da autoridade 162 Essas nomenclaturas de patentes e graduações citadas são aquelas empregadas no Exército Brasileiro e geralmente também utilizadas nas Polícias Militares. Já a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira utilizam outras nomenclaturas, porém com distribuição equivalente entre os postos. Na FAB, as nomenclaturas são similares ao Exército, porém seguidas do termo “aviador”. Assim, v.g., no Exército tem-se o major e na FAB o major aviador. Na Marinha, que é considerada a força armada mais antiga, as nomenclaturas são bem diferentes. Por exemplo, o posto equivalente a major chama-se capitão de corveta e o coronel chama-se capitão-de-mar-e-guerra. No tocante aos oficiais generais, as nomenclaturas também variam. No Exército há generais (de brigada, de divisão e de exército), na FAB há brigadeiros (brigadeiro, major-brigadeiro e tenente-brigadeiro) e na Marinha há almirantes (contra-almirante, vice-almirante e almirante de esquadra). Nas Polícias Militares não há oficial general, o último posto é o de coronel.

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militar competente. Inexistindo esse ato, é inadmissível a agregação. Cessada a agregação, o servidor militar volta à ativa”.163

Reserva é a denominação genérica dada à aposentadoria do militar que preenche os requisitos legais. Porém, o militar da reserva, mesma estando na inatividade, pode ser convocado a qualquer tempo, retornando à ativa por necessidade do serviço militar.

Caso sobrevenha doença ou ocorra acidente que torne o militar definitivamente incapacitado para o serviço militar, ele será reformado. O mesmo acontecerá quando o militar atingir a idade-limite prevista no estatuto. Ou seja, a reforma “é a situação do servidor militar da ativa que deixa, em caráter definitivo, de ocupar vaga na corporação a que pertence. O agente militar reformado não pode, sob qualquer hipótese, retornar à ativa”.164 A reforma pode ocorrer tanto para um militar da ativa (quando, por exemplo, venha a sofrer um acidente), ou até mesmo a um militar que já esteja na reserva (quando venha a atingir a idade-limite). Além dessas situações de incapacidade física ou limite de idade, existe ainda a figura da reforma disciplinar compulsória, que decorre da aplicação de penalidade disciplinar ao militar, uma modalidade semelhante à aposentadoria compulsória aplicada a servidores civis.

8) AGENTES DE FATO

A eventual investidura irregular de agente público constitui tema interessante tratado na doutrina, sob o título de teoria do “funcionário de fato”, ou do agente de fato, sustentando-se a validade dos atos por ele praticados, em nome dos princípios da aparência, da boa-fé, da segurança jurídica e da legalidade:

“De passagem, anote-se que o defeito invalidante da investidura de um agente não acarreta, só por só, a invalidade dos atos que este praticou. É a conhecida teoria do ‘funcionário de fato’ (ou ‘agente público de fato’). ‘Funcionário de fato’ é aquele cuja investidura foi irregular, mas cuja situação tem a aparência de legalidade. Em nome do princípio da aparência, da boa-fé dos administrados, da segurança jurídica e do princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não forem viciados. Por outro lado, uma vez invalidada a investidura do funcionário de fato, nem por isto ficará ele obrigado a repor aos cofres públicos aquilo que percebeu até então. Isto porque, havendo trabalhado para o Poder Público, se lhe fosse exigida a devolução dos vencimentos auferidos haveria um enriquecimento sem causa do Estado, o qual, dessarte, se locupletaria com trabalho gratuito”.165

Portanto, os agentes de fato são aqueles que, apesar de não terem sido regularmente investidos em função pública, vieram a praticar atos em nome do Estado. Tal pode ocorrer em duas hipóteses:

I) excepcionalmente, por urgência em situações emergenciais (ex: epidemias, incêndio, enchentes, guerra, rebeliões etc.), sendo nesses casos chamados de agentes necessários;

II) em situações comuns de interesse público, nas quais o agente, por erro, exerce uma função estatal (quando tudo realmente leva a crer que possa fazê-lo) ou ainda quando tenha sido investido na função de forma inválida. Nesses casos têm-se os chamados agentes putativos.

163 Idem, p.227.164 Ib idem.165 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.230.

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“Os servidores que desempenha funções públicas para as quais foram regularmente investidos, seja por um regime estatutário, seja sob regime contratual, são servidores (ou agentes, quando atuam decisoriamente) de direito. Existem, todavia, servidores que desempenham funções públicas sem regular investidura, caracterizando-se como servidores (ou agentes) de fato. Desde logo, não se deve confundir a figura do servidor de fato com a do usurpador, que se apodera da função pública pela fraude e pela violência para a satisfação de interesse privado. O agente de fato, distintamente, exerce a função pública tal como se esperaria do agente de direito, ou seja, para atender ao interesse público. Assim, alguém pode ser considerado como um servidor de fato, levado tanto por erro, como pelas contingências de necessidade pública, jamais por dolo ou malícia. Ao atuar decisoriamente e no suposto de desempenhar uma função pública, distinguem-se, destarte, duas categorias de agentes de fato: o agente putativo e o agente necessário”.166

Quanto aos agentes necessários, a doutrina reconhece a validade dos atos praticados, tratando-os como gestores de negócios públicos e, portanto, como agentes particulares a colaboradores.

“São os que assumem validamente (RDA, 123:170) a gestão dos negócios públicos em momentos de emergência, de forma instantânea (prisão de um criminoso) ou duradoura (casos de guerra, em que as autoridades constituídas ou os agentes regulares abandonaram suas funções ou foram mortos ou presos pelo inimigo), para a salvaguarda dos interesses coletivos. São chamados pela doutrina de funcionários de fato. A assunção diz-se sponte propria. Os serviços de distribuição de água domiciliar, os de saúde pública e os de segurança, por exemplo, são essenciais e, como tal, não podem sofrer solução de continuidade. Podem, pois, render, em casos de guerra, calamidade pública ou rebelião, ensejo a que alguém os assuma e os administre em prol da comunidade, em razão da ausência da autoridade competente. Tais agentes normalmente nada recebem pela colaboração que prestam. Entre esses agentes e a Administração Pública não há qualquer vínculo formal. Por essas razões tem-se entendido que o tempo de prestação desse serviço não é computado para qualquer efeito (RDA 130:294). Respondem pelos seus atos, e, para fins penais, são considerados funcionários públicos”.167

“Como regra, pode dizer-se que os atos de agentes necessários são confirmados pelo Poder Público, entendendo-se que a excepcionalidade da situação e o interesse público a que se dirigiu o agente têm idoneidade para suprir os requisitos de direito”.168

“Se, em estado de necessidade público, um indivíduo assumir o encargo de desempenhar funções públicas, que de outra forma não seriam executadas, agindo como faria o servidor regularmente provido, temos o agente necessário. (...) deverão ser tidos como válidos os atos praticados pelo agente necessário, se satisfizerem os requisitos legais relativamente aos demais elementos do ato, de modo que a emergência convalida a competência, tanto para os efeitos externos como para efeitos internos”.169

No que se refere aos agentes putativos, com investidura irregular, sustenta-se a validade dos atos por ele praticados, em nome dos princípios da aparência, da boa-fé, da segurança jurídica e da legalidade. Por praticarem atos da Administração, levando terceiros de boa-fé a acreditar serem eles agentes públicos regularmente investidos em suas funções, aplica-se a teoria da aparência.

166 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.277.167 GASPARINI, op. cit., p.155.168 CARVALHO FILHO, op. cit., p.473.169 MOREIRA NETO, op. cit., p.277.

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Page 70: Ponto 3 - Agentes Públicos

UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVOProf. Durval Carneiro Neto

Confiram-se os ensinamentos dos nossos ilustres doutrinadores:

“De passagem, anote-se que o defeito invalidante da investidura de um agente não acarreta, só por só, a invalidade dos atos que este praticou. É a conhecida teoria do ‘funcionário de fato’ (ou ‘agente público de fato’). ‘Funcionário de fato’ é aquele cuja investidura foi irregular, mas cuja situação tem a aparência de legalidade. Em nome do princípio da aparência, da boa-fé dos administrados, da segurança jurídica e do princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não forem viciados. Por outro lado, uma vez invalidada a investidura do funcionário de fato, nem por isto ficará ele obrigado a repor aos cofres públicos aquilo que percebeu até então. Isto porque, havendo trabalhado para o Poder Público, se lhe fosse exigida a devolução dos vencimentos auferidos haveria um enriquecimento sem causa do Estado, o qual, dessarte, se locupletaria com trabalho gratuito”.170

“Em relação aos agentes putativos, podem ser questionados alguns atos praticados internamente na Administração, mas externamente devem ser convalidados, para evitar que terceiros de boa-fé sejam prejudicados pela falta de investidura legítima. Fala-se aqui na aplicação da teoria da aparência, significando que para o terceiro há uma fundada suposição de que o agente é de direito. (...) Como exemplo, cite-se a hipótese de um servidor que, sem investidura legítima, tenha recebido valores de tributos pagos por contribuintes e tenha firmado sua quitação. Os contribuintes são terceiros de boa-fé e fizeram os pagamentos a alguém que tinha efetivamente a aparência de servidor legitimamente investido. Sendo assim, são válidas as quitações e convalidados os atos do agente putativo”.171

“O problema do agente putativo é mais complexo, pois, internamente, os atos padecem de vício de competência e, assim, não produzem efeitos enquanto não vierem a ser objeto de sanatória. Fica ressalvada, porém, a percepção da remuneração do agente, que não é devolvida, se houver ocorrido efetivo exercício de função, pois o Estado não pode locupletar-se do trabalho alheio prestado de boa-fé. Externamente, porém, em atenção à presumida boa-fé dos administrados, como se expôs, produzem-se todos os efeitos regulares. Observe-se, contudo, que essas presunções são apenas juris tantum, cedendo ante a prova de conluio ou de pré-conhecimento, por parte do administrado, eventualmente beneficiado da irregularidade da investidura ou de seus atos”.172

170 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.220-221.171 CARVALHO FILHO, op. cit., p.473.172 MOREIRA NETO, op. cit., p.277.

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