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Domingo 11/12/2011 E POR QUE NÃO EM ARAPIRACA? O artista plástico Rogério Gomes está entre os nomes que participam do 27º Salão de Arte da Marinha. B7 AÇÃO NA CENA. De Hermeto Pascoal a Fernando Melo e seu Duofel e chegando a João Paulo e Júnior Bocão com o Mopho, o agreste alagoano viu nascer alguns dos principais expoentes da música produzida por aqui nas últimas décadas. Agora, num movimento contínuo, a região se transforma numa espécie de palco para a nova cena independente do estado: de lá vem o som do duo My Midi Valentine, que acaba de lançar The Fall of Mesbla, um dos registros mais surpreendentes da nossa safra recente. Mas eles não estão sozinhos. Com o êxito do álbum, evidenciam o momento de ebulição do Coletivo Popfuzz, criado a partir da união de esforços de jovens músicos de Arapiraca e Maceió – e que injetou ânimo no circuito local. A Gazeta conferiu o disco, acompanhou um dia na rotina do coletivo e foi ao último show produzido por eles para montar uma radiografia dessa história. Não perca do Campeonato Brasileiro. Lançado em outubro para download e disponível em suporte físico a partir des- ta semana, The Fall of Mes- bla mostra uma notável evolução no som da My Midi em relação ao pri- meiro registro. MATURIDADE Mas o amadurecimen- to, segundo eles, não está apenas na sonoridade. To- do o processo que levou até a realização do disco foi vivenciado com mais profissionalismo. O êxito da dupla, que tem show agendado para a próxima quarta-feira (14) em São Paulo, no 4º Congresso Nacional Fora do Eixo, re- flete também o atual mo- mento do Coletivo Pop- fuzz (leia nas págs. B2, B5 e B6), do qual são inte- grantes; com o novo ál- bum, Marcos e Tales assu- mem a posição de carro- chefe – na qual já estive- ram as bandas Super Ama- relo e Neon Night Riders. Criada em 2006, a My Midi Valentine nasceu em meio à profusão de ban- das que emergiam do cole- tivo naquele período. “No começo nós fazíamos uma banda por semana, uma para cada gênero que que- ríamos tocar. Tínhamos muitas bandas, mas ne- nhuma conseguia gravar. Parecia inviável. Mas o que pesava mesmo era a nossa desorganização. Co- mo a nossa cena tinha es- sa coisa do ‘do it yourself(faça você mesmo), nós precisávamos ter a maturi- dade de não apenas fazer música, mas também de sermos produtores. Com as bandas nós ensaiáva- mos e fazíamos show, mas uma hora pesou a necessi- dade de ter um material. Foi quando eu decidi fazer um projeto paralelo, com instrumentos virtuais, que demandasse menos traba- lho e responsabilidade co- letiva. Acho que a mesma coisa aconteceu com ou- tras bandas de Maceió co- mo a BadRec e a Neon Night Riders, que surgi- ram dessa falta de concre- tização das bandas orgâni- cas”, explica Marcos, que na época era guitarrista da extinta Super Amarelo. Foi assim que, aderindo aos procedimentos digi- tais, a dupla conseguiu gravar o primeiro disco da Popfuzz, Free Songs to Mi- di Night, lançado exclusi- vamente na internet. Tipo de som difícil de classifi- car, a música da My Midi pode ser inicialmente con- fundida com o chamado 8-bit, gênero que utiliza efeitos sonoros de video- games. Marcos esclarece: “Eu tive a ideia quando ouvia Belle and Sebastian. Pensei que ficaria legal es- sas músicas bonitinhas com alguns barulhos futu- ristas e sons de videoga- me”, diz ele, recusando o rótulo, que considera uma manifestação nerd muito específica, até xiita. “De- pois eu descobri que já existia uma cena que fazia isso. Mas nós fazemos mú- sica pop, mais próxima do indie-pop. O que a gente classifica como adventure pop”, pontua. INFLUÊNCIAS No carro de Tales al- guns minutos antes, de Aqualung a Grandaddy percebia-se os indícios da miscelânea que construiu a My Midi Valintine. Bus- cando na memória, Mar- cos cita Pink Floyd e The Cure como suas principais influências, enquanto Ta- les diz ter se iniciado pelo rock nacional antes de descobrir a chamada mú- sica alternativa. Para além das influências musicais, em seu trabalho o duo im- prime o espírito de uma geração que cresceu em meio aos dispositivos ele- trônicos e principalmente diante da consolidação da world wide web. “Talvez por termos sido criados pela internet, não segui- mos guetos. Tivemos aces- so à informação chegando de um modo muito demo- crático, o que proporcio- nou um ecletismo propria- mente dito. Ouvimos de Pink Floyd a The Postal Service, nossas preferênci- as foram as mais embara- lhadas possíveis”, diz Tales. No entanto, a influência matriz, segundo Marcos, é a banda finlandesa The Crash. “Eles fazem uma música aparentemente fe- liz, mas que trata de temas melancólicos”, diz. De volta ao jogo, com lance de Raul para Franci- mar numa cobrança de falta, o ASA faz o primeiro gol da partida. O bar vem abaixo, mas a dupla tenta manter a concentração na entrevista. Seja na relação com o videogame, na capa que estampa um soldadi- nho ou nas letras repletas de nostalgia, The Fall Mes- bla exala o sentimento da- quelas tardes vadias da in- fância. Se há algo de mal resolvido nesse período da vida de ambos? “Meu psi- cólogo me proibiu de falar sobre isso”, brinca Tales. “Eu morei algum tempo em Maceió, e algumas coi- sas ficaram presas. Não acho que é uma celebra- ção gratuita da infância. É efeito das memórias que até hoje repercutem da nossa infância em Arapira- ca”, diz Marcos. Tales complementa: “As músicas falam não só sobre a in- fância, mas também sobre a adolescência, são sobre coisas passadas. É o con- forto de lembranças boas”. O agreste alagoano já forneceu ao País talentos como Hermeto Pascoal (da vizinha Lagoa da Ca- noa), Fernando Melo, do RAFHAEL BARBOSA REPÓRTER Arapiraca, AL – “Toda vez/ que eu fico em casa e você não vem/ Vem logo alguém/ Pra me dizer/ Que viu você com outro amor/ Um outro alguém com que você saiu/ Você dançou/ Quem sabe até/ V ocê amou/ Mas não ligo não/ Pois sei que é meu seu coração...”. Os versos de Esperando Você, do gru- po Baby Som, saem da bo- ca de Marcos Cajueiro, 26. Com a letra na ponta da língua, em seu inseparável teclado Casio ele dedilha o acompanhamento da mú- sica. O cenário é o Lago da Perucaba, num início de noite de lua cheia. Aquele seria um dos muitos ‘mo- mentos musicais’ testemu- nhados pela reportagem ao lado da My Midi Valen- tine, num encontro que começou à tarde e se es- tenderia madrugada aden- tro naquele sábado, 12 de novembro. Para conversar sobre The Fall of Mesbla, segun- do e recém-lançado disco do da dupla formada tam- bém por Tales Maia, 25, fomos até a cidade dos músicos. Em dia de jogo do ASA, a entrevista não poderia ter sido marcada em outro lugar senão em um bar. Numa das chope- rias mais badaladas do município, na avenida Ce- ci Cunha, entre outros as- suntos eles falaram sobre o novo trabalho, da atual cena roqueira arapira- quense, de videogames e filmes da Sessão da Tarde e, claro, de futebol. “Se o ASA perder esse jogo vai descer para a Sé- rie C, e se ganhar vai con- tinuar tentando se manter na série B”, explica Mar- cos, com um ouvido no papo e outro na partida contra o Duque de Caxias, pela 36ª rodada da série B Duofel, e Júnior Bocão e João Paulo, do Mopho. Ao deixar a capital e retornar para a cidade origem, Marcos, que é estudante de Direto, fez o movimen- to contrário ao de muitos de sua geração. Hoje uma das cidades que mais cres- cem não apenas em Alago- as, mas no Brasil, Arapira- ca estaria começando a oferecer atrativos até para artistas que fazem um som tão experimental como a My Midi? “Musicalmente Arapiraca ainda está na década de 80, e de um modo ruim”, polemiza Marcos. “A cidade tem ho- je mais opções para sair, mais opções de balada. Mas aqui não existe uma cena. Vimos nisso a opor- tunidade de preencher os espaços vazios. Nós assu- mimos um papel não so- mente de artistas, mas de fomentadores. Mesmo porque, fazendo o som que a gente faz, não toca- ríamos em lugar nenhum se não promovêssemos nossos próprios shows”, constata. “Assumimos um papel catequizador, de in- fluenciar as pessoas a con- sumir música alternativa”, acrescenta Tales. “E aqui em Arapiraca existe um ‘apoderamento’ dos espaços públicos que não acontece em Maceió”, compara Marcos, referin- do-se ao prestígio das pra- ças e parques junto à po- pulação do Agreste. Além do Lago da Perucaba, que concentra restaurantes, bares, espaços de recrea- ção e esportes, a cidade conta com o Parque Ceci Cunha, outro grande cen- tro de convivência ao ar li- vre que pontualmente também sedia shows aber- tos ao público; há ainda a Área Verde, utilizada pelos moradores para lazer e exercícios. ‡ Leia mais nas págs. B2, B5 e B6 MARCOS CAJUEIRO COMPOSITOR “Com as bandas nós ensaiáva- mos e fazía- mos show, mas uma hora pesou a necessida- de de ter um materi- al. Foi quan- do eu de- cidi fazer um proje- to paralelo, com instru- mentos vir- tuais, que demandas- se menos trabalho” GERAÇÃO 2.0 Para além das influênci- as musicais, em seu traba- lho o duo im- prime o espí- rito de uma geração que cresceu em meio aos dis- positivos ele- trônicos e principal- mente diante da consolida- ção da world wide web RAFHAEL BARBOSA Marcos Cajueiro e Tales Maia, da My Midi, no alto da Serra das Micro- ondas, um dos cenários mais imponentes na paisagem da cidade Do Do Do o o Do D m m m m m m m m m RICARDO LÊDO/ARQUIVO GA

Popfuzz na Gazeta (DEZ 2011)

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Matéria Especial de Domingo na Gazeta de Alagoas, falando do nosso ultimo lançamento e das ações do coletivo e do FdE em 2011.

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Domingo 11/12/2011

E POR QUE NÃO EM ARAPIRACA?

O artista plástico Rogério Gomes está entre os nomes que participam do 27º Salão de Arte da Marinha. B7

AÇÃO NA CENA. De Hermeto Pascoal a Fernando Melo e seu Duofel e chegando a João Paulo e Júnior Bocão com o Mopho, o agreste alagoano viu nascer alguns dos principais expoentes da música produzida por aqui nas últimas décadas. Agora, num movimento

contínuo, a região se transforma numa espécie de palco para a nova cena independente do estado: de lá vem o som do duo My Midi Valentine, que acaba de lançar The Fall of Mesbla, um dos registros mais surpreendentes da nossa safra recente. Mas eles não estão

sozinhos. Com o êxito do álbum, evidenciam o momento de ebulição do Coletivo Popfuzz, criado a partir da união de esforços de jovens músicos de Arapiraca e Maceió – e que injetou ânimo no circuito local. A Gazeta conferiu o disco, acompanhou um dia na

rotina do coletivo e foi ao último show produzido por eles para montar uma radiografia dessa história. Não perca

do Campeonato Brasileiro. Lançado em outubro para download e disponível em suporte físico a partir des-ta semana, The Fall of Mes-bla mostra uma notável evolução no som da My Midi em relação ao pri-meiro registro.

MATURIDADEMas o amadurecimen-

to, segundo eles, não está apenas na sonoridade. To-do o processo que levou até a realização do disco foi vivenciado com mais profissionalismo. O êxito da dupla, que tem show agendado para a próxima quarta-feira (14) em São Paulo, no 4º Congresso Nacional Fora do Eixo, re-flete também o atual mo-mento do Coletivo Pop-fuzz (leia nas págs. B2, B5 e B6), do qual são inte-grantes; com o novo ál-bum, Marcos e Tales assu-mem a posição de carro-chefe – na qual já estive-ram as bandas Super Ama-relo e Neon Night Riders.

Criada em 2006, a My Midi Valentine nasceu em meio à profusão de ban-das que emergiam do cole-tivo naquele período. “No começo nós fazíamos uma banda por semana, uma para cada gênero que que-ríamos tocar. Tínhamos muitas bandas, mas ne-nhuma conseguia gravar. Parecia inviável. Mas o que pesava mesmo era a nossa desorganização. Co-mo a nossa cena tinha es-sa coisa do ‘do it yourself’(faça você mesmo), nós precisávamos ter a maturi-dade de não apenas fazer música, mas também de sermos produtores. Com as bandas nós ensaiáva-mos e fazíamos show, mas uma hora pesou a necessi-dade de ter um material. Foi quando eu decidi fazer um projeto paralelo, com instrumentos virtuais, que demandasse menos traba-

lho e responsabilidade co-letiva. Acho que a mesma coisa aconteceu com ou-tras bandas de Maceió co-mo a BadRec e a Neon Night Riders, que surgi-ram dessa falta de concre-tização das bandas orgâni-cas”, explica Marcos, que na época era guitarrista da extinta Super Amarelo.

Foi assim que, aderindo aos procedimentos digi-tais, a dupla conseguiu gravar o primeiro disco da Popfuzz, Free Songs to Mi-di Night, lançado exclusi-vamente na internet. Tipo de som difícil de classifi-car, a música da My Midi pode ser inicialmente con-fundida com o chamado 8-bit, gênero que utiliza efeitos sonoros de video-games. Marcos esclarece: “Eu tive a ideia quando ouvia Belle and Sebastian. Pensei que ficaria legal es-sas músicas bonitinhas com alguns barulhos futu-ristas e sons de videoga-me”, diz ele, recusando o rótulo, que considera uma manifestação nerd muito específica, até xiita. “De-pois eu descobri que já existia uma cena que fazia isso. Mas nós fazemos mú-sica pop, mais próxima do indie-pop. O que a gente classifica como adventure pop”, pontua.

INFLUÊNCIAS No carro de Tales al-

guns minutos antes, de Aqualung a Grandaddy percebia-se os indícios da miscelânea que construiu a My Midi Valintine. Bus-cando na memória, Mar-cos cita Pink Floyd e The Cure como suas principais influências, enquanto Ta-les diz ter se iniciado pelo rock nacional antes de descobrir a chamada mú-sica alternativa. Para além das influências musicais, em seu trabalho o duo im-prime o espírito de uma geração que cresceu em

meio aos dispositivos ele-trônicos e principalmente diante da consolidação da world wide web. “Talvez por termos sido criados pela internet, não segui-mos guetos. Tivemos aces-so à informação chegando de um modo muito demo-crático, o que proporcio-nou um ecletismo propria-mente dito. Ouvimos de Pink Floyd a The Postal Service, nossas preferênci-as foram as mais embara-lhadas possíveis”, diz Tales.

No entanto, a influência matriz, segundo Marcos, é a banda finlandesa The Crash. “Eles fazem uma música aparentemente fe-liz, mas que trata de temas melancólicos”, diz.

De volta ao jogo, com lance de Raul para Franci-mar numa cobrança de falta, o ASA faz o primeiro gol da partida. O bar vem abaixo, mas a dupla tenta manter a concentração na entrevista. Seja na relação com o videogame, na capa que estampa um soldadi-nho ou nas letras repletas de nostalgia, The Fall Mes-bla exala o sentimento da-quelas tardes vadias da in-fância. Se há algo de mal resolvido nesse período da vida de ambos? “Meu psi-cólogo me proibiu de falar sobre isso”, brinca Tales. “Eu morei algum tempo em Maceió, e algumas coi-sas ficaram presas. Não acho que é uma celebra-ção gratuita da infância. É efeito das memórias que até hoje repercutem da nossa infância em Arapira-ca”, diz Marcos. Tales complementa: “As músicas falam não só sobre a in-fância, mas também sobre a adolescência, são sobre coisas passadas. É o con-forto de lembranças boas”.

O agreste alagoano já forneceu ao País talentos como Hermeto Pascoal (da vizinha Lagoa da Ca-noa), Fernando Melo, do

RAFHAEL BARBOSA REPÓRTER

Arapiraca, AL – “Toda vez/ que eu fico em casa e você não vem/ Vem logo alguém/ Pra me dizer/ Que viu você com outro amor/ Um outro alguém com que você saiu/ Você dançou/ Quem sabe até/ Você amou/ Mas não ligo não/ Pois sei que é meu seu coração...”. Os versos de Esperando Você, do gru-po Baby Som, saem da bo-ca de Marcos Cajueiro, 26. Com a letra na ponta da língua, em seu inseparável teclado Casio ele dedilha o acompanhamento da mú-sica. O cenário é o Lago da Perucaba, num início de noite de lua cheia. Aquele seria um dos muitos ‘mo-mentos musicais’ testemu-nhados pela reportagem ao lado da My Midi Valen-tine, num encontro que começou à tarde e se es-tenderia madrugada aden-tro naquele sábado, 12 de novembro.

Para conversar sobre The Fall of Mesbla, segun-do e recém-lançado disco do da dupla formada tam-bém por Tales Maia, 25, fomos até a cidade dos músicos. Em dia de jogo do ASA, a entrevista não poderia ter sido marcada em outro lugar senão em um bar. Numa das chope-rias mais badaladas do município, na avenida Ce-ci Cunha, entre outros as-suntos eles falaram sobre o novo trabalho, da atual cena roqueira arapira-quense, de videogames e filmes da Sessão da Tardee, claro, de futebol.

“Se o ASA perder esse jogo vai descer para a Sé-rie C, e se ganhar vai con-tinuar tentando se manter na série B”, explica Mar-cos, com um ouvido no papo e outro na partida contra o Duque de Caxias, pela 36ª rodada da série B

Duofel, e Júnior Bocão e João Paulo, do Mopho. Ao deixar a capital e retornar para a cidade origem, Marcos, que é estudante de Direto, fez o movimen-to contrário ao de muitos de sua geração. Hoje uma das cidades que mais cres-cem não apenas em Alago-as, mas no Brasil, Arapira-ca estaria começando a oferecer atrativos até para artistas que fazem um som tão experimental como a My Midi? “Musicalmente Arapiraca ainda está na década de 80, e de um modo ruim”, polemiza Marcos. “A cidade tem ho-je mais opções para sair, mais opções de balada. Mas aqui não existe uma cena. Vimos nisso a opor-tunidade de preencher os espaços vazios. Nós assu-mimos um papel não so-mente de artistas, mas de fomentadores. Mesmo porque, fazendo o som que a gente faz, não toca-ríamos em lugar nenhum se não promovêssemos nossos próprios shows”, constata. “Assumimos um papel catequizador, de in-fluenciar as pessoas a con-sumir música alternativa”, acrescenta Tales.

“E aqui em Arapiraca existe um ‘apoderamento’ dos espaços públicos que não acontece em Maceió”, compara Marcos, referin-do-se ao prestígio das pra-ças e parques junto à po-pulação do Agreste. Além do Lago da Perucaba, que concentra restaurantes, bares, espaços de recrea-ção e esportes, a cidade conta com o Parque Ceci Cunha, outro grande cen-tro de convivência ao ar li-vre que pontualmente também sedia shows aber-tos ao público; há ainda a Área Verde, utilizada pelos moradores para lazer e exercícios. ‡ Leia mais nas págs. B2, B5 e B6

MARCOS CAJUEIRO COMPOSITOR

“Com as bandas nós ensaiáva-mos e fazía-mos show, mas uma hora pesou a necessida-de de ter um materi-al. Foi quan-do eu de-cidi fazer um proje-to paralelo, com instru-mentos vir-tuais, que demandas-se menos trabalho”

GERAÇÃO 2.0 Para além das influênci-as musicais, em seu traba-lho o duo im-prime o espí-rito de uma geração que cresceu em meio aos dis-positivos ele-trônicos e principal-mente diante da consolida-ção da world wide web

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Marcos Cajueiro e Tales Maia, da My Midi, no alto da Serra das Micro-ondas, um dos cenários mais imponentes na paisagem da cidade

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GAZETA DE ALAGOAS, 11 de dezembro de 2011, Domingo2 Caderno BB

R.E.M., The Cranberries, Radiohead, Coldplay e Amy Winehouse embala-vam a noite. Em fevereiro, o mesmo Lago da Peruca-ba foi palco do Grito Rock, festival que acontece si-multaneamente em deze-nas de cidades no Brasil e que pela segunda vez teve uma edição em Arapiraca. A noite teria fim no Mistu-ra Fina, pub conhecido tanto pela caprichada am-

bientação quanto pela qualidade musical.

Antes, ainda durante o jogo, um assunto não po-deria ficar de fora da con-versa. Cria da internet, com The Fall of Mesbla a dupla se rende ao disco fí-sico quando artistas como Wado abandonam o for-mato para apostar definiti-vamente na rede. Uma contradição? “O disco é para o orgulho dos pais”,

brinca Marcos, para de-pois falar sério: “Eu não tenho disco, não colecio-no, não ouço. A questão para nós foi a experiência da circulação de bandas. O disco físico serve como suvenir nos shows. É frus-trante fazer show e não ter disco, porque sempre tem alguém que não foi lá para ver sua banda, mas chegou lá, viu e gostou, então pergunta pelo CD”.

Corruptela de The Fall of Math, disco da banda de post-rock 65daysofsta-tic, segundo o duo alagoa-no o título The Fall of Mes-bla teria surgido ao acaso, como uma sacada sonora, mas acabou se tornando mais uma entre as cama-das nostálgicas do traba-lho. Extinta em 1999, a fa-mosa loja de departamen-tos deixou ‘órfãos’ e ainda hoje desperta saudosismo em muita gente.

“Depois a gente perce-beu o quanto isso é uma coisa que ainda está na memória das pessoas. E realmente, quando a Mes-bla fechou foi meio estra-nho para a gente por que era uma loja grande, que vendia de tudo. Se você queria comprar roupa ia lá, se queria comprar vide-ogame ia lá, se queria comprar Cavaleiros do Zo-díaco ia lá. Parecia que ia acabar o mundo quando ela fechou. Foi um grande choque”, explica Marcos.

Mesmo por acaso, a sa-cada rendeu frutos à My Midi: há duas semanas eles foram destaque na re-

vista do jornal O Globo, com uma reportagem que situava o álbum no con-texto do fenômeno desen-cadeado pelo fim da loja.

CANTAR EM INGLÊS A essa altura, o leitor

deve estar se perguntando como uma banda surgida em Arapiraca compõe mú-sicas em inglês para falar de assuntos diretamente ligados ao modo de vida de seus integrantes. O as-sunto é polêmico. Marcos pede a palavra para um desabafo: “A gente escuta sempre esse questiona-mento. E o que mais me incomoda é o preconceito, principalmente de pessoas que não ouviram o disco. Como se um artista fosse obrigado a produzir músi-ca admitindo regras. As pessoas confundem muito folclore com cultura. Nós vivemos num País miscige-nado, que foi feito de mis-turas. No western spaghet-ti, os melhores filmes de faroeste foram feitos com produção italiana, roda-dos na Espanha e com elenco francês”, diz.

Enfático, ele segue a enumerar exemplos: “O show com o maior núme-ro de pagantes da história foi uma apresentação do A-ha no Rio de Janeiro. Ou seja, uma banda noru-eguesa, cantando em in-glês, num país de língua portuguesa. Isso é cultura humana. Nossa formação foi ouvindo música estran-geira. Nós dialogamos com o que chegou a nós, se misturou com outras re-ferências, e saiu de novo. O samba, por exemplo, que influencia muitas ban-das de sucesso, não che-gou com força aqui em Arapiraca. Nesse sentido nossas influências seriam Mastruz com Leite, Magní-ficos, Baby Som, um forro-zinho gostoso que ouvía-mos na casa dos nossos ti-os. A My Midi é cultura, e é cultura arapiraquense”, enfatiza ele.

A propósito, o ASA ven-ceu o Duque de Caxias por 2x0, e com a vitória contra o Bragantino por 1x0, no dia 19, garantiu sua per-manência na série B do Brasileirão.RB ‡

MÚSICA DE BRINQUEDO CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. CD serve como suvenir para os shows, dizem os músicos

RAMIRO RIBEIRO REPÓRTER

A receita básica para fa-lar da My Midi Valentine e seu segundo álbum, The Fall of Mesbla, poderia ser definida como uma mistu-ra de música eletrônica made in Arapiraca, 8-bit do Agreste, ‘homenagem’ à loja de departamentos que faliu, e o vocal ‘difícil’ de Marcos Cajueiro. Es-queça tudo. A música mais original produzida em Ala-goas neste ano veio sim de Arapiraca, pode até ser classificada como 8-bit ou outra nomenclatura da moda, e carrega a tal loja de departamentos no títu-lo. Mas é muito – muito – mais do que isso.

O trabalho reúne faixas dos EPs Infinite Coins e My MIDI, como Endless Skyli-nes e Bicycle Purple Dream, mas são as inéditas que se destacam já na primeira audição. O início ‘auto-tu-nado’ com Press Start e a sequência com a melódica

Hammer é a carta de in-tenções do duo, conden-sando experimentalismo e apelo pop. O sample de Sonny & Cher em I Got You Babe surpreende e abre es-paço para o teclado viajan-te e a batida cadenciada. Seja na ingenuidade de Continue? ou na levada rít-mica da pungente Junkie, os timbres se acumulam para formar o todo, um punhado coerente de pai-sagens sonoro-imagéticas que confere sentimento a uma sonoridade tão metá-lica, alquebrada, processa-da e reprocessada para ser a tr i lha sonora de um mundo cada vez menor.

Não há mais grandes distâncias separando o in-terior de Alagoas, Man-chester, Will iamsburg (bairro nova-iorquino) e a rua Augusta, em Sampa. Os beats de ILUVU, So Far From Home e 11re Stand Down dão o tom: essa mú-sica também foi feita para dançar. O coro na faixa-tí-tulo parece traduzir o que

Cria da internet, a dupla que ‘recicla’ sons de videogame

se rende ao disco físico

CRÍTICA

Serviço Disco: The Fall of MesblaBanda: My Midi Valentine Lançamento: Popfuzz Re-cords/Midsummer Madness Preço: R$ 10 Onde encontrar: à venda nos eventos da Popfuzz e disponí-vel para download em mymidi-valentine.bandcamp.com

E A MESBLA COM ISSO?

UMA AVENTURA DAS TARDES OCIOSASfoi a gravação do disco: amigos fazendo um som. Um grande mosaico-de-mente de pré-adolescênci-as passadas jogando vide-ogame e lendo gibi, ou as-sistindo a Os Goonnies na TV. De tardes ociosas sur-giu uma aventura. ‡

RAFHAEL BARBOSA REPÓRTER

Arapiraca, AL – Na companhia da My Midi Va-lentine a música está sem-pre presente, seja nas con-versas, no som do carro ou nas reuniões que antece-dem a balada. Antes de partir para um giro pela noite arapiraquense, uma parada na casa de Tales para o chamado ‘esquen-te’. Música, é claro, não poderia faltar.

O repertório vai de Fat-boy Slim a Johnny Cash. Na vez de I Will Survive (a versão do Cake), Marcos questiona como a canção teria virado um hino gay, já que ele não enxerga ne-nhuma conotação homos-sexual na letra. A turma de amigos concorda. O consenso só deixa de exis-tir quando o tema é a me-lhor versão do game Don-

key Kong. Os jogos foram uma constante na vida da dupla. Marcos diz que ho-je joga muito pouco. Já Ta-les, “por uma questão de saúde”, garante ter se afastado completamente do ‘vício’. “Eu perdi dez anos da minha vida”.

A choperia que exibia a partida do ASA era apenas um dos muitos destinos percorridos pela reporta-gem no encalço da My Mi-di. Com o avançar da noi-te, o botequim NaBaxa, no Lago da Perucaba, era um dos points obrigatórios pa-ra quem queria dar uma ‘espiada’ na atual cena musical da cidade.

Em seu palco costu-mam se revezar as princi-pais bandas arapiraquen-ses. Especialmente naque-le sábado, o repertório era de dar inveja aos bares de Maceió. Em execuções ao vivo, canções do Oasis,

RAFHAEL BARBOSA

IMAGENS: REPRODUÇÃO

Tales e Marcos na Área Verde, espaço que marcou sua adolescência

PAPO CABEÇA Marcos Cajueiro, 26 OS JOGOS ∫ Super Mario Bros 3 (Phantom System) ∫ Super Star Soccer Deluxe (Super Nintendo) ∫ Donkey Kong Country (Super Nintendo) ∫ Teenage Mutant Ninja Turtles: Turtles in Time (Super Nintendo) ∫ Out of This World (Super Nintendo)

OS FILMES DA SESSÃO DA TARDE ∫ Hook – A Volta do Capitão Gancho ∫ Os Goonies ∫ Ghost – Do Outro Lado da Vida ∫ Christine – O Carro Assassino ∫ Edward Mãos de Tesoura

Tales Maia, 25 OS JOGOS ∫ Pitfall (Atari) ∫ Alex Kid (Master System) ∫ Donkey Kong Country (Snes) ∫ Duke Nukem 3D (PC) ∫ Diablo (PC)

OS FILMES DA SESSÃO DA TARDE ∫ Eternamente Jovem ∫ Hook – A Volta do Capitão Gancho ∫ Esqueceram de Mim ∫ Os Goonies ∫ Quero Ser Grande

CONEXÕES SONORAS As bandas que ajudaram a construir a My Midi Valentine

∫ Radiohead ∫ The Crash ∫ The Cure ∫ Pink Floyd ∫ The Postal Service ∫ Belle and Sebastian ∫ Pixies ∫ Pavement ∫ Teenage Fanclub ∫ Grandaddy ∫ Super Amarelo

Domingo, 11 de dezembro de 2011, GAZETA DE ALAGOAS Caderno B 5 B

MENOS PAPO, MAIS AÇÃO

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Representante do ‘novo ativismo’, a Popfuzz é o braço alagoano de um

circuito presente em 25 estados brasileiros

CARLA CASTELLOTTI REPÓRTER

Para muita gente, a imagem não sugeriria na-da além do que se via: num sábado à tarde, cinco jovens de 20 e poucos anos estavam reunidos na garagem da casa na qual alguns deles vivem, no bairro do Feitosa. Confec-cionavam pufes feitos de garrafa PET, mas, mais do que um grupo de amigos tentando reciclar o que em geral vai parar no lixo, ali o Coletivo Popfuzz dava sequência a uma de suas inúmeras ações.

Com inscrição no Ca-dastro Nacional de Pessoa Jurídica, o CNPJ, e formal-mente constituída como associação sem fins lucra-tivos, a Popfuzz nem sem-pre teve a organização que possui hoje. Há sete anos, o embrião do coletivo nas-cia como uma simples ação entre amigos cuja meta era viabilizar shows – criando espaço para que suas próprias bandas to-cassem. Isso até dois anos atrás, quando, em novem-bro de 2009, a turma re-solveu vestir a camisa e le-vantar a bandeira do Cir-cuito Fora do Eixo.

O start na tão sonhada profissionalização se deu sem investimento finan-ceiro. Nando Magalhães, 23, um dos ‘cabeças’ do coletivo, conta que tudo começou com a união da “força de trabalho” dos amigos. E embora a parce-ria com o Fora do Eixo te-nha sido iniciada há pouco tempo, 2011 já é conside-rado um divisor de águas na atuação do grupo. “So-mente neste ano inscreve-mos seis projetos. Estar li-gado ao FDE nos dá um lastro”, observa Nando.

Idealizado por Pablo Capilé, de Cuiabá, Talles Lopes, de Uberlândia, e Daniel Zen, de Rio Branco (hoje secretário de Cultura do Acre), o Fora do Eixo foi fundado em 2005. Cin-co anos depois, a emprei-tada deu tão certo que o circuito está presente em 25 dos 27 estados do País, desenvolve ações em paí-ses como a Argentina, o Chile e o Uruguai e, no iní-cio deste ano, montou seu quartel-general no ‘cora-ção’ do eixo, em São Pau-lo. Às vésperas do 4º Con-gresso Fora do Eixo, que acontece entre os próxi-mos dias 13 e 15, outro si-nal de prosperidade da ini-ciativa são os patrocínios angariados. Entre eles, o da gigante Fundação Vale, sem contar o apoio do Au-ditório Ibirapuera, atual-mente sob a gestão do Ins-tituto Itaú Cultural.

MOMENTO DECISIVO Apontado como decisi-

vo, o ingresso do Coletivo Popfuzz no Fora do Eixo tem possibilitado a abertu-ra de portas outrora fecha-das no cenário da produ-ção cultural em Alagoas. “Integrar o circuito nos dá uma espécie de selo de qualidade. Nós participa-mos de uma rede que pro-duz cinco mil eventos por ano”, enfatiza Nando. “Neste ano chegamos a fa-zer cinco eventos em um único mês. Antigamente levávamos muito prejuízo, a gente deve ter passado três anos levando ‘cano’”, diverte-se ele, para em se-guida enumerar as con-quistas do coletivo: “Hoje em dia a gente recebe e-mail dos produtores nos convidando para promo-ver eventos em espaços como o Barroco, o Oráku-

lo e o Banga Bar. E em Arapiraca fizemos uma se-mana de shows com cachê para as bandas, isso com verba proveniente do Pon-to de Cultura e da Prefei-tura”, assinala.

Junto à batalha para vi-abilizar as produções, uma espécie de bandeira políti-ca. Como braço do FDE em Alagoas , uma das obrigações da Popfuzz é disseminar as diretrizes do circuito cuja atuação, diz Nando, também pode ser entendida como a de um movimento social. E em-bora os rapazes cultivem barba e vez por outra re-produzam palavras de or-dem, eles são os primeiros a dizer que de marxista seu ativismo não tem na-da. “É a mutação de diver-sos processos, conseguin-do dialogar tanto com as empresas privadas que vi-sam o lucro, quanto com a turma anarquista que ‘me-te o pau’ no Estado. A gen-te busca a convergência”, afirma ele.

Ao contrário das gera-ções que buscavam nas te-orias a explicação para as desigualdades, a Popfuzz tenta mudar o cenário com ações calcadas na cir-culação de bandas e de in-formação Brasil afora. De-finida pelo sociólogo Cláu-dio Prado de “geração pós-rancor”, a turma do FDE, segundo o pensador pau-lista, “não fica presa às questões filosóficas e mer-gulha radicalmente na uti-lização da cultura digital para fazer o que tem que ser feito”. “Ninguém aqui é contra ganhar dinheiro; o que se pretende é produ-zir mais shows, distribuin-do mais essa grana”, argu-menta Luis Roberto Farias, o Lueba, 27, advogado e integrante do grupo.

Integrantes do coletivo avaliam que 2011 foi um ano de conquistas – mas também de muito trabalho

De volta ao começo da história, ao dar um dos passos mais ousados de sua trajetória a Popfuzz alugou um imóvel para fa-zer as vezes de escritório do coletivo. Depois, a casa no Feitosa acabou por se transformar em morada de três dos cerca de 20 in-tegrantes do grupo – e não demorou para se tornar palco de eventos. “Hoje moramos na casa eu, Ro-dolfo (Lima) e Caíque (Guimarães). Não faze-mos nenhuma outra coisa, não temos nenhum outro trabalho, senão as ativida-des do coletivo. Não te-mos uma receita fixa, mas nós pagamos as contas”, conta Nando Magalhães.

Na despensa da casa não falta macarrão instan-tâneo, na geladeira não falta salsicha, e contas co-mo luz, água e o próprio aluguel estão em dia. A manutenção do espaço é feita com a receita dos shows e festas produzidas por eles, que também con-tam com a contribuição de outros amigos e incentiva-dores do projeto. “Como qualquer associação sem fins lucrativos, somos cus-teados com as contribui-ções dos associados. Há meses em que arrecada-mos mais grana, outros menos, e aqueles em que a renda dos shows contribui e até vêm doações de fo-ra”, explica Lueba.

Em dez meses como ‘donos’ da casa, os inte-grantes da Popfuzz acredi-tam que a organização dos shows e dos festivais Mai-onese e Grito Rock, ambos sob o guarda-chuva do co-letivo, está cada vez me-lhor. Embora ainda não se qualifiquem como profissi-onais, eles dizem tocar as ações de modo autônomo. “Se logo no começo a gen-te bancava a casa com gra-na dos pais ou dos inte-grantes que ‘trampam’, ho-

je a gente não precisa mais receber esse dinhei-ro”, conta Nando.

Ainda assim, o chama-do ‘núcleo duro’ do coleti-vo, composto por Caíque Guimarães, que é biólogo, Rodolfo Lima, jornalista, e Nando Magalhães, psicó-logo, não é completamen-te emancipado dos pais. O ‘caixa coletivo’, que reúne toda a captação de recur-sos da Popfuzz e fica aber-to para as necessidades de cada integrante do grupo, é suficiente para pagar as contas da casa e a alimen-tação, mas não supre ne-cessidades individuais co-mo a compra de uma esco-va de dente, por exemplo.

Com iniciativas simples, no entanto, eles têm con-seguido arrecadar algum dinheiro. “A gente traba-lha com todas as possibili-dades de captação de ren-da possível. Fazemos even-tos como o Popfuzz na Co-zinha, que inclusive foi o que ‘salvou’ a gente duran-te uns quatro meses. Fica-mos impressionados, por-que o dinheiro vinha uni-camente da venda de cer-veja. Há dois meses, Caí-que e o ilustrador Pablo (Sanches, que também co-labora com o coletivo) fo-ram ministrar oficinas em Souza, na Paraíba, e rece-beram um cachê de R$ 2 mil”, diz Nando.

FUTURO Com seis projetos ins-

critos em editais federais e um deles aprovado na Lei Rouanet para captação re-cursos para o Jaraguá Fo-lia – o que consequente-mente vai favorecer o Gri-to Rock, festival aberto ao público que rola durante as prévias carnavalescas da cidade –, a Popfuzz es-pera ter uma atuação ain-da mais ampla em 2012. Muitas dessas iniciativas, porém, só foram possíveis depois do contato com Pa-

blo Capilé, figura que re-presenta uma espécie de líder carismático dessa turma. “O Pablo dizia que tínhamos de nos posicio-nar, porque fazíamos mui-ta coisa como troca de fa-vores. Ele nos mostrou que estávamos prestando um serviço. Se os serviços não estivessem em pé de igualdade, eles teriam que compensar com dinheiro”, relembra Lueba.

Na espera pelos aconte-cimentos, os integrantes contam que mesmo conse-guindo manter algum diá-logo com os gestores cul-turais do Estado e do mu-nicípio na tentativa de ob-ter recursos, uma Lei de Incentivo à Cultura faz, sim, falta. Isso sem falar da incipiente estrutura pú-blica para shows em Ma-ceió e da conhecida difi-culdade para conseguir apoio para a logística dos eventos. “Não é simples-mente pegar uma caixa de som de igreja, um micro-fone, alugar uma bateria e dizer: ‘Agora toca’”, quei-xa-se Nina Magalhães, 26.

Enquanto isso, na trin-cheira de laptops (alguns deles herdados de coleti-vos de outros estados) montada na cozinha da se-de da Popfuzz, eles plane-jam chegar cada vez mais longe. O próximo Maione-se, principal evento do ca-lendário do coletivo, mu-dará de da ta . Nando anuncia que em 2012 a oi-tava edição da festa vai acontecer em novembro, não apenas para tentar al-cançar um público maior, mas para fazer da data um dado estratégico diante de tantos outros festivais do circuito independente. No próximo ano também, diz ele, o Maionese pela pri-meira vez terá uma atra-ção internacional. Mas afi-nal, qual o objetivo disso tudo? “Dominar o mun-do”, divertem-se eles. CC ‡

NA TRINCHEIRA DOS LAPTOPS

RICARDO LÊDO/ARQUIVO GA

JOÃO SCHWARTZ/DIVULGAÇÃO

Da esquerda para a direita, Lueba, Nina, Nando, Caíque e a colaboradora Rose: a turma da Popfuzz põe a mão na massa e faz acontecer

Com gente saindo ‘pelo

ladrão’, o Popfuzz na Cozinha faz

sucesso e garante uma

grana extra ao coletivo

GAZETA DE ALAGOAS, 11 de dezembro de 2011, Domingo 6 Caderno BB

CONFIRA Mais imagens do

Coletivo Popfuzz em www.flickr.com

/cadernob

A Popfuzz em números

Com foco no rock e privilegiando artistas com repertório auto-ral, o coletivo alago-ano apresenta suas realizações em 2011

>> 32 eventos ∫ 3 festivais ∫ 3 oficinas ∫ 4 sessões do cineclube ∫ 14 shows gratuitos em 9 locais diferentes, dois deles em Arapiraca

>> 59 bandas ∫ 35 alagoanas (6 de Arapiraca) ∫ 6 pernambucanas ∫ 4 sergipanas ∫ 4 potiguares ∫ 2 paraibanas ∫ 1 baiana ∫ 5 do Sudeste (3 paulistas, 1 mineira e 1 capixaba) ∫ 1 do Centro-Oeste ∫ 1 do Sul

>> 18 atividades de formação ∫ 6 debates ∫ 6 oficinas ∫ 5 palestras ∫ 1 workshop

>> 13 discos lançados (em formato físico e liberados na internet para download gratuito) de 9 bandas diferentes

‘Moeda própria’ gera polêmica Aparentemente muito bem intencionada, a turma do Fora do Eixo tem despertado alguma polêmica no meio musical. Entre as diretrizes que movem o circuito (eles seguem os princípios da economia solidária e do trabalho colaborativo) há espaço até para uma moeda própria, o Fora do Eixo Card. “É uma moeda complementar que usamos para sistematizar as trocas

de serviços com nossos parceiros e fornecedores. É uma ferramenta pensada para o desenvolvimento local”, explica Nando. É com essa espécie de cachê virtual que 67% das ações da rede são financiadas, e com ele também são pagas, quando necessário, as bandas que rodam o País a bordo das atividades do coletivo. É justamente aí que reside a controvérsia. Um dos

mais empenhados críticos do formato, no mês passado o músico China causou burburinho ao atacar o circuito nas redes sociais. “Vivo da música e preciso receber os cachês dos shows para conseguir sobreviver. Ainda não estão aceitando Cubo Card (uma das moedas do FDE) na padaria e em nenhuma conta que eu tenho que pagar no fim do mês”, bradou ele.

ainda por Recife, João Pes-soa e Natal.

Produzida pelo Coletivo Popfuzz, a noitada contou com abertura da local Dad Fucked and The Mad Skunks e dos potiguares da Camarones Orquestra Guitarrística. Cerca de 550 pessoas saíram de casa nu-ma noite de quinta-feira e pagaram pela oportunida-de de conferir in loco a ‘fórmula’ dos brasilienses – que combinam vitalidade no palco com muito plane-jamento fora dele.

Mas para entender isso melhor é preciso voltar no tempo, mais precisamente

a 2006, ano da primeira passagem dos Móveis por aqui – eles vieram divul-gar seu disco de estreia, Idem. O show, realizado na extinta Fábrica 86, ga-nhou status de lenda na vi-são de não mais que 50 testemunhas (as mesmas que compareciam a todos os shows de bandas inde-pendentes na época).

O cenário era (quase) de mais gente no palco do que na plateia, que saiu fisgada pela ‘feijoada búl-gara’ dos nove integrantes e propagou o trabalho do grupo até cinco anos de-pois: a ação multiplicou o

público por dez e foi res-ponsável por um dos mai-ores êxitos da banda no Nordeste – e pelo maior da Popfuzz, que em 2011 contabilizou 14 apresenta-ções e três festivais que movimentaram 59 ban-das, locais e nacionais.

Antes do show, o produ-tor (e décimo integrante do grupo) Fabrício Ofuji e o flautista Beto Mejia par-ticiparam da abertura do II Comúsica, no auditório do Sesc Poço, dividindo a experiência de mais de dez anos de carreira no circuito independente com jornalistas, pesquisadores e estudantes. O bem-suce-dido modelo que os Mó-veis oferecem às bandas novas é calcado na partici-pação ativa de todo o gru-po em cada passo do ge-renciamento da própria carreira. Da marcação de shows e turnês à presença nas redes sociais e no site da própria banda, passan-do pela criação de produ-tos para a loja oficial e pe-la assessoria de imprensa.

Colhendo os frutos do trabalho árduo que é for-mar público na cena musi-cal independente no Bra-sil, o sucesso da fórmula criada pelos Móveis já co-meça a dar sinais de des-gaste. O grupo agora fala

BALANÇO PARCIAL

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Apresentação atraiu a maior plateia do coletivo alagoano em 2011

Com recorde de público e sabor de sucesso, show do Móveis Coloniais de Acaju tirou a Popfuzz do underground

RAMIRO RIBEIRO REPÓRTER

Nem mesmo um pneu de avião furado foi capaz de atrapalhar a passagem dos Móveis Coloniais de Acaju pela cidade, no dia 1º de dezembro. O insólito contratempo foi responsá-vel pelas mais de 14h de viagem entre Porto Alegre e Maceió, a primeira para-da da etapa nordestina do Projeto Rotas Musicais – e da turnê de divulgação do segundo disco da banda brasiliense, C_mpl_te, e do DVD Ao Vivo no Auditório Ibirapuera, que passaria

em aumentar seu staff pa-ra atender às demandas de banda emergente que aliás já possui um festival próprio, o Móveis Convi-da, realizado anualmente em Brasília.

Após o bate-papo e des-sa vez no palco, é ao vivo que as coisas se decidem. Aí fica fácil teorizar sobre o sucesso dos Móveis Co-loniais de Acaju. Identifi-cação, comunhão total en-tre palco e plateia. Genuí-na alegria em cantar man-tras que soam como hinos entoados a plenos pul-mões por verdadeiros de-votos que aguardaram anos para ver sua banda favorita tocar.

Na linhagem do pop na-cional dos anos 2000 é possível alocar os Móveis como herdeiros diretos dos cariocas Los Herma-nos. A comoção ao vivo é bastante semelhante: é quando o fã se transforma em torcedor; carrega a banda e é carregado por ela. Na execução de músi-cas como O Tempo, Cão-Guia e a melódica e auto-biográfica Adeus, era difí-cil ouvir a voz do vocalista André Gonzales. Devoção que atingiu em cheio a banda ao perceber que ha-via demorado tanto tempo para voltar. ‡

JOÃO SCHWARTZ/DIVULGAÇÃO

Público e banda em comoção

no show dos Móveis no Orákulo,

em Jaraguá