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População e mudança climática Dimensões humanas das mudanças ambientais globais

População e Mudança Climática - Dimensões Humanas Das Mudanças Ambientais Globais

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A reflexão sobre o futuro da humanidade e suas relações com as mudanças ambientais globais constitui tema relevante para o Século 21. As mudanças em curso na sociedade impõem desafios para o debate atual dos processos que envolvem a relação População e Mudança Climática. De fato, alguns estudos sobre a temática têm sugerido que a mudança climática tem uma associação não apenas com a eficiência do recurso energético, mas também com a pobreza e igualdade de gênero. Esta é uma temática que faz parte da agenda de várias agências da ONU. Em particular o Fundo de População das Nações Unidas apoia iniciativas que visem a uma melhoria e ampliação do conhecimento relacionado às dimensões humanas das mudanças ambientais.

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  • Populao emudana climticaDimenses humanas das mudanas ambientais globais

  • Universidade Estadual de Campinas

    ReitorFernando Ferreira Costa

    Vice-ReitorEdgar Salvadori de Decca

    Pr-Reitor de Desenvolvimento Universitrio Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva

    Pr-Reitor de PesquisaRonaldo Aloise Pilli

    Pr-Reitora de Ps-GraduaoEuclides de Mesquita Neto

    Pr-Reitor de Graduao Marcelo Knobel

    Pr-Reitoria de Extenso e Assuntos ComunitriosMohamed Ezz El Din Mostafa Habib

    Coordenador de Centros e Ncleos Interdisciplinares de Pesquisa (COCEN)tala Maria Loffredo Dottaviano

    Coordenadora do Ncleo de Estudos de Populao (NEPO)Regina Maria Barbosa

  • Populao emudana climticaDimenses humanas das mudanas ambientais globais

    Daniel Joseph HoganEduardo Marandola Jr.

    Organizadores

    Campinas, setembro de 2009

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECRIA ADRIANA FERNANDES

    Populao e mudana climtica: dimenses humanas das mudanas ambientais globais / Daniel Joseph Hogan (Org.); Eduardo Marandola Junior (Org.). - Campinas: Ncleo de Estudos de Populao-Nepo/Unicamp; Braslia: UNFPA, 2009.292p.

    ISBN 978-85-88258-12-9

    1. Populao. 2. Mudanas climticas. 3. Vulnerabilidade. I. Hogan, Daniel Joseph (Org.). II. Marandola Jr., Eduardo (Org.). III. Ttulo.

    ndice para Catlogo Sistemtico1. Populao - 301.322. Mudanas Climticas 551.63. Vulnerabilidade 301.32

    Ncleo de Estudos de Populao (NEPO)Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

    Caixa Postal 6166 CEP: 13081-970 Campinas, SP BrasilFone (19) 3521 5890 Fax: (19) 3521 5900

    www.nepo.unicamp.br

    ApoioFundo de Populao das Naes Unidas (UNFPA)

    Harold Robinson - Representante Brasil e Diretor Argentina e ParaguaiTas de Freitas Santos - Representante Auxiliar e Coordenadora de Programa

    Capa e Produo Editorial

    Diagramao

    Reviso Geral

    Colaborao

    Reviso Bibliogrfica e Ficha Catalogrfica

    Fotolito e Impresso

    Imagem capa

    Fabiana GrassanoFlvia Fbio

    Trao Publicaes e Design

    Eduardo Marandola Jr.

    Maria Ivonete Z. Teixeira

    Adriana Fernandes

    Mundo Digital Grfica e Editora

    INPE/CPTE/DSA - GOES-10 + METEOSAT-09 - NOAA/EUMETSAT - GOES(10.2 - 11.2 um) e METEOSAT(10.8 um) - 200906231630. Disponvel em . Acesso em 23/06/09.

  • Apresentao

    Introduo

    Populao e mudanas ambientais globaisDaniel Joseph Hogan

    Parte I Elementos terico-metodolgicos

    Tangenciando a vulnerabilidadeEduardo Marandola Jr.

    Mudanas climticas, extremos atmosfricos e padres de risco a desastres hidrometeorolgicosLuc Hidalgo Nunes

    Metodologias de integrao de dados sociodemogrficos e ambientais para anlise da vulnerabilidade socioambiental em reas urbanas no contexto das mudanas climticas Humberto Prates da Fonseca Alves

    Parte II Populao e desenvolvimento

    Populao, consumo e mudana climticaLeonardo Freire de Mello

    Populao em zonas costeiras e mudanas climticas: redistribuio espacial e riscosRoberto Luiz do Carmo e Csar Augusto Marques da Silva

    Os potenciais efeitos das mudanas climticas sobre as condies de vida e a dinmica populacional no Nordeste BrasileiroBernardo Lanza Queiroz e Alisson Barbieri

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    Sumrio

  • Parte III Urbanizao e mudanas climticas

    Perspectivas para a adaptao frente s mudanas ambientais globais no contexto da urbanizao brasileira: cenrios para os estudos de populaoRicardo Ojima

    Regime internacional de mudanas climticas e cooperao descentralizada: o papel das grandes cidades nas polticas de adaptao e mitigaoMarcelo Vargas e Diego Freitas

    Mudanas climticas: entre a coeso e a fragmentao dos assentamentos humanos, os conflitos e as transformaes da paisagem na Baixada Santista Andra Ferraz Young

    Mudanas climticas locais no municpio de Belo Horizonte ao longo do sculo XXWellington Lopes Assis e Magda Luzimar de Abreu

    Posfcio

    Mudanas climticas e cidades: contribuies para uma agenda de pesquisa a partir da periferiaHelosa Soares Moura da Costa

    Sobre os autores

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  • ApresentaoA reflexo sobre o futuro da humanidade e suas relaes com as mudanas

    ambientais globais constitui tema relevante para o Sculo 21. As mudanas em cur-so na sociedade impem desafios para o debate atual dos processos que envolvem a relao Populao e Mudana Climtica. De fato, alguns estudos sobre a temtica tm sugerido que a mudana climtica tem uma associao no apenas com a efi-cincia do recurso energtico, mas tambm com a pobreza e igualdade de gnero.

    Esta uma temtica que faz parte da agenda de vrias agncias da ONU. Em particular o Fundo de Populao das Naes Unidas apoia iniciativas que visem a uma melhoria e ampliao do conhecimento relacionado s dimenses humanas das mudanas ambientais.

    O livro Populao e Mudana Climtica: Dimenses Humanas das Mudanas Ambientais Globais, um exemplo destas iniciativas e resulta da parceria entre o Ncleo de Estudos de Populao e o Fundo de Populao das Naes Unidas. O livro expressa a complexidade do fenmeno em curso, ressaltando a diversidade de situaes no cenrio brasileiro. Apesar dos desafios, torna-se tarefa fundamental de estudiosos subsidiar as polticas sociais, com anlises e abordagens integradas e interdisciplinares para um fenmeno novo e instigante.

    Nesse sentido, este livro contribui para a construo do conhecimento cien-tfico, para divulgao de informao e instrumento para reflexo e subsdios para formulao de polticas que considerem a importncia da relao populao-am-biente como elemento definidor do futuro da sociedade.

    Tas Freitas SantosRepresentante Auxiliar do UNFPA/Brasil

  • Introduo

  • Populao e mudanas ambientais globaisDaniel Joseph Hogan

    Em curto espao de tempo, o aquecimento global saltou de um tema en-tre muitos outros no rosrio ambientalista para a condio de maior desafio do sculo 21. A questo estava presente na Cpula da Terra em 1992, o primeiro As-sessment Report do IPCC (International Panel on Climate Change) tendo sido divul-gado dois anos antes. O prprio IPCC, criado no final da dcada de 1980 pela World Meteorological Organization e pelo PNUMA (Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente), foi uma evidncia de um movimento cientfico cuja densidade j transbordava os limites dos especialistas em clima.

    Mas o carter abstrato e incompleto dos modelos que deram apoio hi-ptese do aquecimento provocado pelas emisses de CO2 e de outros gases de efeito estufa, que por sua vez estariam aumentando pela mo do homem deixou margem para dvidas e polmicas. A confiana dos cientistas em seus modelos s ia ser compartilhada pelo conjunto da sociedade com a divulgao do Fourth Assessment Report o AR4 no incio de 2007.1 A contundncia dos

    1 Nem esta introduo nem o livro oferecem uma introduo ou sntese da questo do aquecimento global. Para o iniciante a melhor referncia continua sendo os textos produzidos pela IPCC como snteses do AR4: IPCC (2007a; 2007b; 2007c; 2007d).

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    resultados sintetizados, ampliados, por exemplo, pela militncia e pelo filme do Al Gore, foi o ponto de inflexo em termos da opinio pblica sobre o aqueci-mento global.

    O aumento das temperaturas em si, junto com as suas dramticas conse-quncias, se tornaram compreensveis por amplos segmentos da populao. Os efeitos na sade humana das ondas de calor e da migrao de importantes ve-tores de doenas; nos padres de precipitao; na agricultura; na frequncia e intensidade dos eventos climticos extremos: no era mais a fico cientfica mas o futuro quase certo da humanidade.

    Quinze anos depois da Cpula da Terra a comunidade da cincia do clima assumiu o seu lugar de destaque. Mas as cincias humanas estavam quase au-sentes desse debate. A pequena comunidade de pesquisadores das dimenses humanas das mudanas ambientais globais agiram margem do establishment das cincias sociais, sendo encarados com certa curiosidade e tolerncia. Este certamente foi o caso no Brasil. E o resultado disso que s hoje podemos assistir atividades de pesquisa e reflexo neste campo, to necessrias e to aguardadas pela cincia do clima.

    As dimenses humanas das mudanas ambientais (ou climticas) globais comeam a receber a devida ateno dos pesquisadores brasileiros. Vale a pena lembrar que a integridade da biosfera (e o bem-estar do homem) sofre diversas ameaas a perda da biodiversidade, o buraco na camada de oznio, a poluio dos mares, a disseminao na atmosfera de compostos qumicos longe do seu lu-gar de origem, por exemplo alm do aquecimento global. Se este assume hoje um destaque descomunal, e se est ligado a quase todos esses problemas, isto no quer dizer que essas mudanas ambientais globais no precisam de aes urgentes. A mudana climtica impe uma urgncia nova, mas as medidas miti-gadoras no resolvero as demais mudanas.

    Com algum atraso em relao tanto s cincias exatas e biolgicas quanto s cincias sociais de outros pases, o tema j sensibiliza boa parte das cincias humanas brasileiras. Nas associaes cientficas, nas agncias de fomento e nas universidades, projetos de pesquisa individuais e institucionais recebem hoje um crescente apoio. O sucesso da International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP) na definio de uma agenda e na promo-o da colaborao internacional refletido na pesquisa em andamento no pas (HOGAN 2007).

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    Populao e mudana climtica

    Nesse contexto, a ateno ao fator populacional foi pioneira. Ainda na som-bra de um certo neomalthusianismo, quando a populao em crescimento foi identificada como grande responsvel para as emisses de CO2, surgiram estudos cuidadosos buscando medir as relativas contribuies do volume de populao e do padro de consumo (BONGAARTS 1992). Esses estudos iniciais foram segui-dos por esforos de melhor contextualizar o volume populacional e a sua taxa de crescimento em um quadro analtico onde as relaes recprocas entre popula-o, ambiente e desenvolvimento foram traadas (MACKELLAR et al. 1998; LUTZ; PRSKAWETZ; SANDERSON, 2002; ONEILL; MACKELLAR; WOLFGANG, 2001).

    Apesar desse trabalho inicial, os Assessment Reports continuam subutilizan-do informaes demogrficas, limitando o foco s implicaes de mudanas em volume da populao para as emisses. O Special Report on Emissions Scenarios (SRES) (NAKICENOVIC, 2000), que forneceu as estimativas populacionais ao IPCC, embora mencionasse outras tendncias demogrficas como urbanizao, estrutura etria e composio da unidade domstica e seus impactos sobre o crescimento de emisses de CO2, no foi seguido pelo AR4 (YOUNG; MOGELGAARD; HARDEE, 2009).

    Embora o SRES reconhea que Population projections are arguably the backbone of GHG emissions scenarios, os autores afirmam que o volume total da populao tem uma relao menos direta com as emisses que outras caractersti-cas demogrficas. Como MacKellar et al. (1998) concluram h mais de uma dcada, future emissions are much more sensitive to a reasonable range of variation in emissions per capita associated with economic growth, structural change and technical progress than to a reasonable range of variation in fertility rates. O cresci-mento do nmero de domiclios promovido por mudanas nos padres de casa-mento e pelo envelhecimento populacional, e pode aumentar significativamente as emisses. Urbanizao tambm est relacionada ao aumento de emisses, pelo crescimento do uso de energia que representa.

    O SRES formulou quatro storylines para a elaborao dos cenrios. Partin-do de quatro projees populacionais (trs do International Institute for Applied Systems Analysis IIASA Laxenburg, Austria, mais a variante mdia das Naes Unidas) e quatro hipteses sobre a evoluo da tecnologia e das polticas de miti-gao, chegou-se a cenrios mais, ou menos, otimistas. A gama de possibilidades grande, mas menor que aquela apresentada na Figura 1, j que os prprios autores consideram a hiptese A2 pouco crvel. Ainda assim, a contribuio de crescimen-

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    to populacional com fatores sociais-ecnmicos-polticos-tecnolgicos deixa muita margem para as projees (NAKICENOVIC, 2000; YOUNG; MOGELGAARD; HARDEE, 2009).

    Para a comunidade demogrfica, a questo do volume e taxa de crescimen-to da populao foi devidamente equacionada no texto da Conferncia do Cairo sobre Populao e Desenvolvimento em 2004. O Captulo III do Programa de Ao do Cairo tratou as interrelaes entre populao, crescimento econmico e prote-o ambiental. Considerou-se que o estresse ambiental (incluindo, por extenso, as mudanas climticas) se deve tanto a padres de produo e consumo (incluindo o consumo de recursos em pases ricos e por ricos em pases pobres), quanto a fatores demogrficos (UNITED NATIONS, 1995). Dez anos depois, o UNFPA (Fundo de Popu-lao das Naes Unidas, na sigla em ingls) explicitou a importncia da mudana climtica e empregou a noo de pegada ecolgica para afirmar que a pegada ecolgica de uma pessoa mdia em um pas de alta renda aproximadamente seis vezes maior que aquela de algum em um pas de baixa renda (UNFPA, 2004).

    Figura 01 Populao e emisses de carbono sob diferentes cenrios IPCC SRES

    Fonte: Jiang and Hardee, 2009.

    Na medida em que os demgrafos e outros cientistas sociais deixaram em segundo plano a questo da presso dos nmeros sobre os recursos, a ateno

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    foi concentrada nas consequncias ambientais dos processos de mobilidade popu-

    lacional e os padres de assentamento populacional no territrio (HOGAN, 2005;

    MARANDOLA JR.; HOGAN, 2007). Essa perspectiva ser mais elaborada na segunda

    parte dessa introduo.

    Igualmente importante, mas menos desenvolvido entre os demgrafos

    (brasileiros e de outros pases) a relao da mudana ambiental (e climtica)

    com os padres de mortalidade e morbidade. A medicina e, especialmente, a epi-

    demiologia acumulam evidncias muitas vezes extrapolando da tradio de

    sade ambiental das consequncias dos eventos climticos extremos (GLOBAL

    ENVIRONMENTAL CHANGE AND HUMAN HEALTH, 2008). Entre os problemas es-

    perados so doenas, feridos e mortes como resultados do aumento da intensi-

    dade das enchentes, deslizamentos de terra, ressacas martimas, e tempestades

    de vento.

    A frequncia e a intensidade das ondas de calor se tornaro mais graves, afe-

    tando especialmente os mais idosos e os recm-nascidos. Possivelmente, o vero

    europeu de 2003 antecipou este cenrio. O Earth Policy Institute calculou em 2006

    que a onda de calor que atingiu a Europa em 2003 foi responsvel para mais de

    52.000 mortes. Embora entre as muitas estimativas da mortalidade deste evento

    esse valor seja dos mais altos, no h dvida sobre as graves consequncias, espe-

    cialmente severas na Frana (cerca de 15.000 mortes). As mudanas de temperatu-

    ra e precipitao tambm afetaro os vetores de diversas doenas, expondo novas

    populaes a essas doenas (CONFALONIERI, 2003; 2006).

    Considerando que os estudos at agora empreendidos no Brasil privilegia-

    ram o uso da terra e os padres de distribuio populacional, a prxima seo re-

    concentrar nos temas de migrao, urbanizao e consumo.

    Urbanizao e mudana climtica

    Se levarmos em conta que mais que 80% dos brasileiros viveram em cidades

    em 2000 (no Estado de So Paulo, 93%), ser nelas que o impacto das mudanas cli-

    mticas ser mais sentido. Considerando que padres de comportamento urbano

    (valores, estilos de vida, orientaes polticas, por exemplo) so difundidos sobre

    a sociedade maior, nas cidades que novos valores e prticas tero que deitar raiz

    (SCHNORE, 1964; HAUSER, 1966; MARTINE et al., 2008). E considerando o acmulo

    de problemas ambientais e o atraso na criao de uma infraestrutura ambiental

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    vis--vis o crescimento de cidades, elas no esto preparadas hoje para a mudana climtica.

    Em termos internacionais, uma grande parte da pesquisa no campo das di-menses humanas tem como foco reas agrcolas e/ou florestadas (MORAN; SKOLE; TURNER II, 2004; BRONDZIO; MORAN 2008). As cidades no tm recebido a mes-ma ateno. Para os pases em desenvolvimento, onde as condies urbanas so precrias e a vulnerabilidade social tende a ampliar os impactos de mudanas am-bientais (HARDOY; MITLIN; SATTERTHWAITE, 2001), no possvel deixar de lado a perspectiva ambiental2.

    Os estilos de vida urbana so um dos principais motores da mudana climtica: a expanso urbana transforma e fragmenta a paisagem, comprometendo tanto a diversidade biolgica quanto a capacidade de ecossistemas de amortizar as consequncias da atividade humana. A expanso urbana historicamente gerou um sistema de transporte que depende do automvel, com emisses significativas de CO

    2 (OJIMA, 2006; 2007a; 2007b; 2007c; OJIMA; HOGAN, 2009;

    HOGAN; OJIMA 2008; BATTY; CHIN; BESUSSI, 2002; BREHEN, 1995; BRUEGMANN, 2005; EWING et al., 2008; TORRES; ALVES; OLIVEIRA, 2007). O consumo urbano tem uma pegada de carbono importante, em termos do uso de recursos (KATES, 2000; CURRAN et al. 2002; JONES, 1989; 1991; LEBEL, et al. 2006; PARIKH; VIBHOOTI, 1995; MARTENS; SPAARGAREN 2005) e na disposio dos resduos (THRONE-HOLST; STO; STRANDBAKKEN, 2007). Atividades industriais esto quase sempre localizadas em cidades. Um recente relatrio de Goldman Sachs estima que um aumento de 1% na proporo urbana de um pas leva a um aumento na demanda de energia eltrica de 1,8%; e um aumento de renda per capita de 1% leva a um aumento de 0,5% na demanda (THE ECONOMIST, 2008). Os esforos de mitigao, ento, precisam considerar as formas e funes de cidades e o comportamento das suas populaes.

    tambm nas cidades que as vulnerabilidades a mudana climtica sero sentidas de forma mais aguda (KOWARICK, 2002; KASPERSON; KASPERSON; TURNER II, 1995). Alteraes nos padres de precipitao podem provocar a escassez peridica de gua, especialmente em situaes onde a oferta e a distribuio j so problemticas. A concentrao das chuvas no tempo representar uma presso a

    2 No livro preparado para os participantes do 2001 Open Meeting of the Human Dimensions of Global Environmental Change Research Community, realizado no Rio de Janeiro, os organizadores encomendaram um captulo sobre urbanizao para compor a perspectiva brasileira (HOGAN; TOLMASQUIM, 2001). Seria somente em 2006 que a International Human Dimensions Programme criaria um core project sobre urbanizao.

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    mais aos sistemas de drenagem, j inadequados. Eventos extremos mais frequentes podem causar danos infraestrutura urbana, provocar enchentes localizadas e superar a capacidade de absoro de solos com deslizamentos de terra. (HOGAN; MARANDOLA JR., 2007). Perodos de seca e ondas de calor agravaro problemas cardiorrespiratrios, em particular para os mais idosos e os mais jovens (SHEA, 2007; MCMICHAEL, 1993; 2000; 2001; MENDONA, 2003; CAMPBELL-LENDRUM; CORVALN, 2007; CONFALONIERI, 2003; CONFALONIERI et al., 2007; CONFALONIERI, et al., 2002; CONFALONIERI; MARINHO, 2007; SALDIVA; BRAGA; PEREIRA, 2002; TAYLOR; LATHAM; WOOLHOUSE, 2001; WEISS; MCMICHAEL, 2004; ZISKA; EPSTEIN; ROGERS, 2008). Vetores de doena mudaro em importncia para populaes locais na medida em que mudanas de precipitao e temperatura mudam os seus lugares de reproduo. Muitos desses problemas sero sentidos em graus diferentes pelos pobres. So eles que tm mais probabilidade de morar nas vrzeas, nas terras ngremes e em habitaes mais precrias, com riscos maiores de tempestades e extremos de temperatura. Em um pas cujas principais cidades se localizam em um litoral de mais de 8.000 km, a vulnerabilidade da regio costeira mudana climtica tambm uma questo importante. Hardoy e Pandiella (2009, p.226) fazem eco aos especialistas do tema quando afirmam que climate change contributes another level of stress to already vulnerable cities and populations.

    Cidades, uso da terra e a questo dos valores

    A concluir esta breve introduo, necessrio reconhecer que as perspectivas sombrias para a vida urbana requerem um contraponto. Por mais que o crescimen-to das cidades do mundo em desenvolvimento continuar a ser um fato central do sculo 21, e por mais que a mudana climtica representa um enorme desafio para estas cidades, tambm verdade que so a nossa melhor esperana:

    Cities are the locus of most economic expansion, and exemplify to rural and urban residents alike the hope of social advancement () urbanization can help to unshackle the bonds of perennial poverty, give people a better chance to live fuller lives and even help to deflect environmental damage. () urbanization is not only inevitable but necessary if poverty is to be reduced in the developing world and global sustainability enhanced. () Urbanization can be critical for economic growth, for reduction of poverty, for stabilization of population growth and for long-term sustainability. But realizing this potential will require a different mindset on the part of policymakers () Proximity and concentration make it easier and cheaper for cities to provide their citizens with basic social services, infrastructure and amenities. The higher intensity of economic activity in cities can foster employment and income growth (MARTINE et al. 2008).

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    Se a perspectiva apresentada nesta introduo, e em muito deste livro, traa o desafio de enfrentar as vulnerabilidades e de pensar as necessrias adaptaes mudana climtica nas cidades, no por causa de uma falta de esperana. Como insiste George Martine, a luz no fim deste tnel a prpria cidade. Ela nos oferece oportunidades para a superao dos desafios. Mas exige-se um novo mindset, no somente na parte dos planejadores e gestores pblicos, mas da populao em ge-ral. Os estilos de vida das classes altas e mdias, que servem de modelo da boa vida para as demais classes sociais, se fundamentam em valores insustentveis. Diferen-tes grupos em diferentes pocas se realizaram plenamente com diferentes padres de consumo e diferentes formas de se relacionar com o mundo. So muitas as con-vivncias possveis, muitos os caminhos. O mundo sustentvel, resiliente e adapta-do mudana climtica no ser um mundo menos alegre, menos democrtico ou com menos oportunidades de auto-realizao. Mas ser diferente. preciso abrir mo do individualismo absoluto, cultivando o planejamento, aceitando os limites ao humana e buscando satisfao em valores menos materialistas, para que o desafio da mudana climtica tenha resposta.

    O livro

    Os captulos que compem este livro todos inditos tm como objetivo ofe-recer caminhos para as cincias humanas, em especial para os estudos de populao, no seu esforo de lidar com a mudana climtica. Com pouca tradio neste tema, as cincias humanas carecem de abordagens tericas e metodolgicas para a pesquisa. Os captulos iniciais (Parte I), de Marandola Jr.; Nunes e Alves sugerem possibilidades conceituais e tcnicas que se mostram como pontos de partida para este desafio.

    A Parte II traz a problemtica para alguns casos especficos: a questo do con-sumo, populaes sujeitas ao aumento do nvel do mar, e a populao da regio mais pobre do pas, o Nordeste. Este conjunto de textos uma amostra de como as causas e consequncias da mudana climtica sero sentidas de forma muito desigual. Alguns grupos sociais so mais vulnerveis s mudanas climticas e en-frentaro maiores dificuldades para se adaptarem a elas.

    A Parte III apresenta um conjunto de anlises que privilegiam a perspectiva urbana e territorial. Este o tema que mais tem mobilizado os pesquisadores brasi-leiros no campo de estudos de populao, no perodo recente. Ainda no recebeu a mesma ateno que o desmatamento (maior fonte de emisses do pas). Mas esses captulos mostram como as populaes urbanas sero impactadas e como as suas atividades e os seus estilos de vida contribuem para o aquecimento global.

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    No seu conjunto, estes captulos apontam para a importncia e relevncia de estudar a mudana climtica de uma perspectiva populacional. So diversas as dimenses humanas da mudana climtica, no todas representadas aqui. Mas o cardpio suficientemente rico e diverso para justificar uma maior ateno ao cli-ma pelos demgrafos, socilogos, antroplogos, economistas e gegrafos que se preocupam com a relao entre homem e natureza.

    A produo deste livro contou com o apoio do Fundo de Populao das Na-es Unidas e do Ncleo de Estudos de Populao da Universidade Estadual de Campinas. Representa, tambm, um dos primeiros resultados de duas iniciativas de agncias de fomento nacionais. Os textos de Hogan; Marandola Jr.; Alves; Carmo e Silva; Vargas e Freitas; Ojima e Mello integram as atividades do projeto, financia-do pela Fapesp (Processo 2008/58159-7), Crescimento Urbano, Vulnerabilidade e Adaptao: Dimenses Ecolgicas e Sociais de Mudanas Climticas no litoral de So Paulo. Estes trabalhos, como tambm os textos de Nunes; Queiroz e Barbieri; Costa; Young; Assis e Abreu so frutos da colaborao inicial da Subrede Cidades da Rede Brasileira de Pesquisas em Mudanas Climticas (Rede CLIMA), criada em 2007 pelo Ministrio de Cincia e Tecnologia. Os dois projetos esto sob minha co-ordenao, representando um esforo inicial da comunidade das cincias humanas brasileiras em produzir conhecimento bsico sobre mudanas climticas que leve em considerao as questes especficas da nossa sociedade e espao.

    Este livro se apresenta, portanto, como um convite reflexo destes desafios.

    Referncias

    BATTY, M.; CHIN, N.; BESUSSI, E. State of the art review of urban sprawl impacts and measurement techniques. Work Package 1 Deliverable. Bristol: Scatter, 2002.

    BONGAARTS, J. Population growth and global warming. Population and Development Review, New York, v.18, n.2, p.299-319, 1992.

    BREHEN, M. The compact city and transport energy consumption. Transactions of the Institute of British Geographers, USA, n.20, p.81-101, 1995.

    BRONDIZIO, E. S.; MORAN, E. F. Human dimensions of climate change: the vulnerability of small farmers in the Amazon. Philosophical Transactions of the Royal Society B, London, n.363, p.1803-1809, 2008.

    BRUEGMANN, R. Sprawl: a compact history. Chicago: University of Chicago Press, 2005.

    CAMPBELL-LENDRUM, D.; CORVALN, C. Climate change and developing-country cities: implications for environmental health and equity. Journal of Urban Health - Bulletin of the New York Academy of Medicine, US, n.84, p.i109-i117, 2007.

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    CHAKRAVARTY, S.; STEPHEN, P.; SOCOLOW, R. Sharing global CO2 emissions among 1 billion

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    CONFALONIERI, U. E. C. et al. Human health climate change 2007: impacts, adaptation and vulnerability. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. (Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change).

    ______; MARINHO, D. P. Mudana climtica global e sade: perspectivas para o Brasil. Revista Multicincia, Campinas, n.8, maio/2007. Disponvel em: .

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  • Parte IElementos terico-metodolgicos

  • Tangenciando a vulnerabilidadeEduardo Marandola Jr.

    Entre conceitos e definies

    O ano de 2007 j est na histria ambientalista naquela mesma lista que tem 1972 e 1992 como anos de significativa mudana institucional, da opinio pblica e da sociedade sobre a problemtica ambiental. Se em Estocolmo foi incorporada a importncia da diminuio da poluio (tendo como idia forte o ecodesenvol-vimento) e no Rio de Janeiro a necessidade de conter o desmatamento e promo-ver a qualidade de vida (sendo o termo-chave o desenvolvimento sustentvel), a divulgao do 4 Relatrio do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), o AR-4, marcou a incorporao do tema mudana climtica e do termo vulnerabili-dade como idia-forte para as polticas pblicas de todas as esferas, estritamente ambientais ou no.

    verdade que o tema, em si, no data de dois anos. A assinatura do Proto-colo de Kyoto, em 1997, com a notvel no participao dos Estados Unidos, alm dos relatrios anteriores do prprio IPCC, especialmente o de 2001, foram introdu-zindo a questo das mudanas climticas junto opinio pblica gradativamente. Alm disso, pelo menos desde o final dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990 uma comunidade cientfica internacional vem se estruturando em torno do estudo

  • Tangenciando a vulnerabilidade30

    das dimenses humanas das mudanas ambientais globais e das mudanas clim-ticas (KATES, 2000; KASPERSON; KASPERSON, 2001; HOGAN; TOMALSQUIN, 2001; HOGAN, 2007). Mas a divulgao do AR-4 foi uma virada em termos da importncia que o fenmeno assumiu em quase todas as arenas institucionais, polticas, cient-ficas e da sociedade civil.

    A aceitao das razes antropognicas das mudanas climticas, mesmo que ainda haja focos de discusso sobre sua veracidade ou no, abriu um novo captulo da cruzada ambientalista, legitimando todos os temas e questes que h dcadas vm sendo levantados. O excesso de poder do homem, via tcnica (JONAS, 1985), ganhou uma nova dimenso com a aceitao de que a sociedade est interferindo no ambiente em escala planetria, uma amplitude de interveno que se julgava impossvel atingir. Toda a discusso sobre qualidade de vida, sustentabilidade e o modelo de racionalidade e sociedade esto sendo ressignificadas neste novo con-texto. E o primeiro rebatimento evidente o reforo de antigas agendas, como as do sculo XIX (sobretudo saneamento bsico e controle da poluio) e do XX (des-matamento, perigos e desastres naturais, qualidade de vida), ainda inconclusas, contando agora com novos captulos dedicados ao enfrentamento da mudana climtica.

    Junto com a aceitao do tema, veio a difuso ampliada de seus termos-cha-ve, especialmente vulnerabilidade. Assim como desenvolvimento sustentvel, nos anos 1990, vulnerabilidade j era um conceito utilizado no meio acadmico, com um histrico de construo epistemolgica e institucional, o qual nem sempre considerado em sua adoo recente. O resultado um uso disseminado e genera-lizado que no carrega uma construo conceitual precisa, de um lado, e se presta aos mais diferentes interesses, de outro. Ora carregada de ideologia, ora de foras reacionrias, o conceito, forte em seu potencial analtico, se perde nos discursos cruzados que buscam legitimidade e espao na arena poltica e cientfica.

    Neste aspecto especfico, importante notar a fora discursiva que o termo assumiu no meio poltico e acadmico. Segundo Furedi (2007, p.242), vulnerabili-dade tornou-se uma expresso idiomtica retrica, servindo para expressar a ret-rica da perda, evocando sensibilidades nostlgicas, ou a retrica da irracionalidade, trazendo imagens da manipulao da controvrsia. In similar way, what we can characterize as the rhetoric of vulnerability works as a rhetorical idiom that situ-ates people and their experience within the context of powerlessness and lack of agency. Em todos os campos em que se detecta a perda (de bens de cidadania, de

  • Eduardo Marandola Jr. 31

    sade, de qualidade de vida, de renda, de vidas, de bens, etc.) lana-se mo da vul-nerabilidade para expressar esta perda, com um contedo retrico forte, mas com diferentes densidades conceituais.

    Para o autor, esta retrica da vulnerabilidade composta por trs elementos principais: (1) a mdia e outras representaes pblicas de como a comunidade deve responder ao desastre; (2) as experincias individuais do desastre; e (3) as pesquisas acadmicas realizadas sobre os desastres. Esta composio trplice atesta a impor-tncia no apenas dos discursos formulados ideologicamente ou tecnicamente, mas tambm da experincia vivida dos fenmenos, as quais igualmente produzem dis-cursos e interferem na comunicao de risco. De fato, se vulnerabilidade se tornou uma palavra presente nos diferentes campos do saber e da gesto pblica porque ela expressa uma situao vivida diariamente em nossa sociedade contempornea.

    A polifonia dos discursos sobre vulnerabilidade refora a necessidade de dis-cutir sua preciso conceitual, que tem sido evocada por diferentes autores, em ge-ral aqueles que buscam uma perspectiva holstica e abrangente de compreenso dos fenmenos (CARDONA, 2004; HOGAN; MARANDOLA JR., 2005). H vrias razes de construo epistemolgica do conceito de vulnerabilidade, as quais convergem com maior ou menor intensidade em campos interdisciplinares, como o caso dos estudos ambientais por excelncia. A prpria cincia das mudanas ambientais globais, formada ao longo dos anos 1990 para dar conta da magnitude das ques-tes envolvidas e da problemtica a ser enfrentada, um dos principais seios de formao, consolidao e desenvolvimento do conceito (HOGAN; MARANDOLA JR., 2005; ADGER, 2006). justamente desta forte base conceitual que o termo incor-porado ao discurso corrente sobre mudanas climticas e mudanas ambientais globais. Resgatar o sentido gestado neste campo, em direo a uma arena inter-disciplinar abrangente fundamental para adensar o sentido do conceito e poder pensar os demais termos correntes na literatura e discursos sobre o tema.

    Um dos obstculos a esta discusso mais criteriosa um certo consenso que se formou ao redor da literatura sobre mudanas climticas associada aos relatrios do IPCC, o qual adotou uma definio dos termos chaves, o que atende ao objetivo do painel, que o de congregar um nmero grande de informaes de diferentes espe-cialistas e cincias para realizar uma sntese com resultados comparveis. No entanto, no podemos perder de vista a necessidade de conceituar e compreender estes ter-mos dentro de um quadro epistemolgico, que nos permita investigar os temas em estudo de acordo com os objetivos da pesquisa ou da discusso desenvolvida.

  • Tangenciando a vulnerabilidade32

    A crtica de se utilizar definies normativas para conduzir investigaes de cincia bsica, em especial no campo das cincias humanas, reside na circunscrio a priorstica da natureza do problema a ser investigado. As definies cristalizam e circunscrevem os objetos antes da pesquisa em si, facilitando a identificao dos mesmos fatores em diferentes contextos, ao mesmo tempo em que dificulta ou at elimina a possibilidade de captao de singularidades ou de alteraes ao longo do tempo. Assim, se para um campo pragmtico, como a gesto pblica, pode ser til guiar-se por definies previamente estabelecidas, a reflexo acadmica no pode ceder a esta prtica por limitar a sua capacidade de acompanhar as transformaes nos fenmenos estudados.

    O conceito, diferente da definio, aberto e dinmico, abrigando possibili-dades diferentes de leitura e entendimento, abrindo-se para o inesperado quando est sendo utilizado. Ao invs de enquadrar a realidade, ele serve de lente, ajudan-do a enxergar melhor certos fenmenos ou processos, mas sem impedir que se vejam outros no definidos a priori. Em se tratando da interao sociedade-natu-reza nos tempos lquidos contemporneos, no h dvida de que tomar os termos como conceitos mais prudente e enriquecedor, pois estes possibilitam ampliar o conhecimento que temos sobre mudanas climticas e a vulnerabilidade, e no simplesmente replicar uma forma de entendimento pr-estabelecida.

    Para realizar esta discusso, no entanto, parto de um campo especfico de re-ferncia, para promover a discusso circunstanciada (uma interdisciplinaridade con-textualizada): o campo de populao e ambiente, cuja minha insero se d num dilogo entre Geografia e Demografia. Se o desafio que as mudanas climticas apre-sentam nossa sociedade contempornea envolve vrias dimenses, sintomtico do estado atual da discusso que as cincias humanas em geral tenham demorado tanto a atender ao chamado para participar desta discusso. Como aponta Lever-Tracy (2008) no caso da Sociologia, o tema era como um grande elefante na sala, que ningum queria mexer nem reconhecer, diferente dos gegrafos, que esto entre os primeiros a participar ativamente do enfrentamento desta questo. J a Demografia talvez tenha sido uma das que h mais tempo atendeu ao chamado para esta dis-cusso (apesar de sua relativa demora em incorporar as preocupaes ambientais), talvez por conta da insero quase corriqueira do nmero populacional em qualquer modelo de presso ou capacidade de suporte de ecossistemas, o que uma constan-te nas modelagens de mudanas ambientais e climticas.

    Os estudos em populao e ambiente tm participado do debate inter-nacional sobre as mudanas ambientais globais, com presena nos projetos do

  • Eduardo Marandola Jr. 33

    International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP) e do prprio IPCC (ONEILL; MacKELLAR; LUTZ, 2001; HOGAN, 2007; DE SHERBININ; SCHILLER; PULSIPHER, 2007), contribuindo para a incorporao e reflexo das vari-veis efetivamente demogrficas no debate. Isso fundamental porque a populao um componente essencial da problemtica, seja como produtor de emisses, seja como alvo dos danos e impactos. Hunter (2000) aponta trs formas de como os fa-tores demogrficos interferem na mudana climtica: (1) contribuio na emisso de gases de efeito estufa; (2) mudanas no uso da terra; e (3) no consumo. Nos trs casos, composies demogrficas especficas, associadas a valores culturais, tec-nologia e ambiente tambm especficos, configuram diferentes vulnerabilidades e, portanto, desafios para pensar os impactos e as adaptaes necessrias para en-frentamento das mudanas climticas.

    De outro lado, a populao aparece enquanto o sujeito que sofre os impac-tos e seus danos. Em vista disso, recorrente em toda a literatura e discusso so-bre o tema preocupar-se com a identificao das populaes vulnerveis (ONEILL; MacKELLAR; LUTZ, 2001; WISNER et al., 2004; ADGER; PAAVOLA; HUG, 2006). Afinal: quem sofrer mais? O que pode ser feito para diminuir estes impactos? Esta dis-cusso est longe de estar suficientemente discutida, havendo ainda muito que avanar em termos das condies propriamente demogrficas que configuram a vulnerabilidade ou ainda as condies geogrficas dos lugares que potencializam perigos e riscos especficos (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2009).

    Um dos caminhos para este avano aumentar a sinergia entre os concei-tos/noes relacionados vulnerabilidade que aparecem nesta bibliografia. Com origens distintas e significados relacionados, eles dizem respeito s populaes ou ao ambiente onde estas vivem, sendo necessrio pens-los em conjunto. Adapta-o, resilincia, riscos, perigos, mitigao e ajustamentos so alguns destes termos que precisamos pensar em conjunto para avanarmos num entendimento mais ro-busto, buscando compreender a inter-relao entre eles. Mais do que realizar uma longa discusso sobre cada um deles, meu objetivo pensar o significado destes termos no contexto dos estudos de populao e ambiente, para pautar uma agen-da de investigao sobre mudanas climticas neste campo, refletindo sobre sua dimenso geogrfica.

    O que pretendo aqui, portanto, no discutir a mtrica da vulnerabilida-de, ou do risco, o que tem sido feito (ADGER, et al., 2004; ADGER, 2006; CUTTER; EMRICH, 2006), embora com reconhecidas limitaes e dificuldades (CARUSON; MacMANUS, 2008). Espero contribuir para o debate sobre as dimenses demogr-

  • Tangenciando a vulnerabilidade34

    ficas e geogrficas das mudanas climticas globais a partir da discusso destes termos, no para estabelecer um consenso que os defina; mas para adensar seus significados conceituais, que so mltiplos, abrindo possibilidades de interao e dilogo entre as vrias esferas, interesses e recortes que se dedicam a esta can-dente temtica. O objetivo do captulo modesto, portanto: implica encetar uma reflexo que coloque tais conceitos em dilogo para que possamos identificar suas relaes, limites e possibilidades para pensar a relao populao-ambiente no ce-nrio das mudanas climticas globais.

    Riscos, perigos e o sentido de desastre

    A mudana climtica, por ser algo to amplo e complexo, afetar todos os com-ponentes do sistema-terra. por isso que no podemos pensar diferente quanto ao sistema-mundo. No h como imaginar que uma mudana desta magnitude, seja ela lenta ou brusca, no v afetar a forma como as sociedades e as pessoas ocupam o es-pao. Dentre as questes postas s cincias e sociedade, esto: Quais as mudanas? Quais os impactos? Quais as necessidades de adaptao e de mitigao?

    Estas perguntas so fundamentais e esto sendo refeitas nos mais diferentes contextos: municpios, Estados nacionais, regies, setores da economia, sistemas produtivos, etc. E por isso que esta problemtica tornou-se, de repente, premente e inescapvel para todos.

    No entanto, nossa sociedade j vive uma situao de risco constante h algum tempo. Os riscos associados ao padro produtivo, forma de ocupao e uso do solo, forma como gerimos os recursos ambientais (tratando-os, inclusive, como recursos) j so reconhecidos na teoria social como componentes de uma so-ciedade que produz e distribui riscos escala global (BECK, 1992). No toa que os perigos e desastres naturais so estudados h quase um sculo, tendo se conver-tido nos ltimos 30 anos num dos maiores problemas ambientais de muitos pases e dos grandes centros urbanos ao redor do mundo. Conviver com o risco tornou-se uma marca da sociedade contempornea, sejam eles ambientais, sociais, tecnol-gicos ou um hbrido destes (HEWITT, 1997; PINGEON, 2005; BAUMAN, 2007).

    Neste sentido, importante notar a construo histrica da noo de desas-tre, percebendo como o discurso do que perigoso se transformou culturalmente. Bankoff (2004) faz isso pontuando a forma como a idia de perigo e desastre mu-dou na cultura ocidental (Caixa 01). O autor mostra que entre os sculos XVII e XIX, a tropicalidade significava a ameaa, representada pela doena, localizada nos tr-

  • Eduardo Marandola Jr. 35

    picos coloniais. No ps-Segunda Grande Guerra a pobreza tornou-se a condio de ameaa e perigo, enquanto nas ltimas dcadas do sculo XX at hoje, a grande ameaa so os perigos ambientais causa-dores de desastres e catstrofes. O autor salienta que para cada uma destas ame-aas a sociedade ocidental depositou sua confiana de cura/soluo em instituies tecnolgicas ligadas cincia. Contra a doena, a medicina e seus companheiros sanitarismo e higienismo; contra a pobre-za, o planejamento e os investimentos de organismos financeiros internacionais; e contra os perigos ambientais, a cincia.

    Talvez o que estejamos vivendo agora seja a transformao deste ltimo, os perigos ambientais, num novo contexto, dotando-lhe de novas caractersticas que, devido a seu aspecto global e abrangente, torna-o mais ameaador. Pois, diferen-te destas ameaas anteriores, que ocorriam em lugares muito especficos e, no raro, completamente separados do mundo civilizado, a mudana climtica pro-duz impactos em todos os lugares, embora haja o trabalho atual de identificar a forma como ela se manifestar em cada lugar e regio. De qualquer forma, no possvel isolar os pases centrais dos efeitos da mudana climtica, embora todo o esforo estar concentrado, evidente, em utilizar as mesmas foras de produo de desigualdades para manter a distribuio territorial da riqueza e dos perigos diametralmente opostas.

    Neste sentido, Bankoff (2004) argumenta que a forma como a sociedade ocidental enfrenta os perigos produz regies marginalizadas ambientalmente. Ou seja, assim como ocorreu com as doenas tropicais, a pobreza e os perigos naturais, os riscos relacionados s mudanas climticas tendem a estabelecer regies e pa-ses resilientes ou no, vulnerveis ou no. Para o autor, a cincia tem papel central nesta produo, sendo fundamental para a reverso deste quadro a incorporao mais sistemtica dos conhecimentos locais de uma forma mais efetiva, para alm da tradicional frmula da educao ambiental. Antes, deve estar nas localidades a autodeterminao e gesto de seu prprio territrio.

  • Tangenciando a vulnerabilidade36

    Se a mudana climtica , nesta srie histrica, a grande condio de perigo do incio do Sculo XXI, ela se apresenta com os mesmos elementos dos anteriores, mas com uma caracterstica especfica: ela representa o acmulo destes perigos, dando-lhes mais fora e visibilidade. A mudana climtica tem a caracterstica de potencializar tanto as doenas tropicais, quanto a pobreza e os desastres, e faz isso na mesma escala de generalidade dos desastres, com a mesma esperana na cin-cia ocidental para analisar, prever e gerir, no apenas os riscos e perigos, mas agora tambm a vulnerabilidade de lugares e populaes.

    Este acmulo de perigos e desigualdades tem reorganizado a geografia dos riscos. Esta composta pela distribuio, desorganizao espacial e a experincia dos perigos (HEWITT, 1997). A primeira expressa a forma da distribuio espacial dos perigos e como esta interfere na sua produo e enfrentamento; a desorgani-zao espacial expressa a afetao que os perigos promovem na sociedade e no ambiente atingido, produzindo necessidade de adaptao e ajustamento; a tercei-ra aponta para a importncia da identidade e das caractersticas prprias do lugar para o enfrentamento e a vivncia da situao de risco; implica valores culturais, medos e o sentimento de insegurana.

    fundamental entender esta geografia como processual, no fatalista. Pen-sar em termos espao-temporais permite pensar o sentido dos riscos, perigos e desastres num quadro mais ampliado. Cada termo se refere a uma etapa ou aspec-to deste processo. Os contextos geogrfico e social compem uma matriz causal complexa que precisa ser compreendida de forma dinmica. Em geral, temos trs aspectos que interferem nesta composio, tal como j mencionei acima de forma parcial: (1) dimenso contextual da produo do evento; (2) dimenso contextual das condies de enfrentamento do evento; (3) experincia direta do evento e seus efeitos (Caixa 02).

    Risco um conceito importante porque nos permite pensar em termos de probabilida-des tanto no que se refere freqncia quanto aos lugares de ocorrncia. Permite, portanto, promover o planejamento a partir de um olhar prospectivo (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2004a). Evidentemente, disso depende um amplo co-nhecimento da dimenso contextual da pro-duo do perigo, seus danos potenciais, inci-dncia e distribuio (HEWITT, 1997). Perigo,

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    entendido enquanto o evento em si, o hazard, o conceito utilizado para delimitar os eventos que produzem o rompimento de uma continuidade, que interrompem uma seqncia, provocando danos na interface populao-ambiente (MARANDO-LA JR.; HOGAN, 2004b). Sendo eles de ordem social, ambiental, tecnolgica, en-volvem desde terremotos e enchentes at guerras e greves generalizadas (WHITE, 1974; HEWITT, 1997).

    Riscos e perigos, portanto, referem-se ao mesmo fenmeno, sendo apenas lxicos que permitem pensar momentos distintos do processo (MARANDOLA JR., 2008). Todo perigo se refere a um risco, todo risco se refere a um perigo, sem preva-lncia de um sobre o outro. O uso de um ou do outro termo no discurso acadmico e poltico se refere nfase que se direciona s aes preventivas pr-evento (risco) e compreenso do processo de produo e distribuio dos eventos (perigo).

    Quando nos preocupamos com a dimenso contextual das condies de en-frentamento deste evento, os conceitos de vulnerabilidade, resilincia e adaptao aparecem como fundamentais. Eles nos permitem pensar em termos de impactos e de condies de responder aos danos potenciais dos perigos. Neste contexto, po-demos pensar o evento, tendo se realizado ou no, do ponto de vista de como gru-pos populacionais, lugares ou instituies podero suportar os impactos do perigo, absorvendo os impactos (vulnerabilidade), recuperando-se ao estado pr-evento (resilincia) ou alterando comportamentos, normas ou o prprio ordenamento ter-ritorial (adaptao).

    A terceira face a partir da qual podemos pensar a composio processual dos perigos a experincia direta do evento e seus efeitos (Caixa 02). Esta a tradio de preocupao com o ps-evento, tanto na Sociologia, Antropologia quanto na Psicologia Social (QUARANTELI, 1994; LUPTON, 1999; SLOVIC, 2000). A ateno se volta para a forma como a experincia dos eventos afetam a integridade do lugar, a segurana existencial das pessoas e a prpria organizao social e poltica. Mui-tos dos impactos que atingem as pessoas quando enfrentam situaes de perigo e desastre atingem diretamente sua identidade. A insegurana, no entanto, no apenas psicolgica, mas afeta a confiana das pessoas nos sistemas de prote-o estatais e privados, abstratamente representados pelos sistemas de peritos (GIDDENS, 2002). A vulnerabilidade tambm importante quando se olha o pro-cesso por este ngulo, pois ela revela as fragilidades e as capacidades das pessoas e sistemas de passar pela experincia do perigo. Os ajustamentos, por outro lado, so importantes para compreender a forma como pessoas e lugares enfrentaram

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    o perigo de forma prtica, ajustando condutas, especialmente durante e imediata-mente aps o evento.

    Percebe-se a centralidade que vulnerabilidade tem para a compreenso do processo. No entanto, importante perceber que todos os conceitos so necess-rios para uma perspectiva abrangente e contextual dos perigos e desastres. Outro aspecto importante notar que a vulnerabilidade no , em si, a perda, o espectro negativo, mas sim, o qualitativo do enfrentamento. Em vista disso, vulnerabilidade melhor entendida como neutra, idia que desenvolvo na seo seguinte.

    Vulnerabilidade e resilincia nas aes de adaptao

    Quando pensamos em vulnerabilidade, no demais lembrar que a pergun-ta vulnerabilidade a que? central. Igualmente central pensar de quem e aon-de estamos falando, e quais os perigos h risco de ocorrerem.

    Se os perigos fossem igualmente distribudos e todos os lugares e todas as pessoas fossem sofrer os mesmos efeitos das mudanas climticas, no haveria ne-cessidade de pensarmos em termos de vulnerabilidade. A vulnerabilidade um conceito importante justamente porque permite um olhar contextual e circuns-tancial dos fenmenos, abrangendo sua multidimensionalidade (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2006a). Alguns perigos atingem grupos sociais e demogrficos diferentes, bem como sobrevm a lugares com formaes ecolgicas e paisagsticas especfi-cas. No entanto, cada conjunto de caractersticas configura lugares especficos que possuiro elementos particulares que podero potencializar ou minimizar os da-nos. Em algumas situaes, o risco ser o mesmo, e at a ocorrncia dos perigos e impactos ser igual, mas a forma como atingiro lugares e populaes ser distinta. Isso o salto que a idia de vulnerabilidade permite dar nas anlises.

    Este raciocnio no elimina, evidente, a dimenso da injustia ambiental e social na distribuio e ocorrncia destes perigos. Se a prpria natureza da produ-o do espao e da reproduo da sociedade, em nvel global, injusta e desigual (SMITH, 1988; HARVEY, 2004), no h porque pensar que a insero de pessoas e lugares neste sistema, que como um todo atingido por perigos, no seja desigual tambm. Alguns estaro, pela prpria natureza do sistema produtivo em que es-tamos, com menos elementos para proteger-se, configurando uma situao mais insegura, portanto, do que outros (BARNETT, 2006).

    No entanto, este entendimento precisa ser relativizado. Levar em considera-o desigualdades historicamente produzidas no implica reduzir a distribuio de

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    riscos e, sobretudo, a configurao das vulnerabilidades, a uma mera equao de riqueza e pobreza. Dizer que os mais pobres so mais vulnerveis simplificador e lana um conceito rico numa obviedade sem novidade.

    A retrica da perda, no entanto, domina o discurso acadmico e poltico so-bre vulnerabilidade. Como combat-lo? Retirando sua carga negativa: entendendo a vulnerabilidade como caracterstica prpria dos sistemas, lugares e pessoas. Ser vulnervel no simplesmente a suscetibilidade de perdas, mas o conjunto din-mico que compe tudo que se tem disponvel e se para dar resposta aos perigos. Vulnerabilidade o advrbio de modo que implica a qualidade prpria de prote-ger-se, sendo mais ou menos eficiente. Ningum 100% vulnervel, nem 100% invulnervel. Somos vulnerveis a uma coisa e no vulnerveis a outra. Por outro lado, isto nem sempre integral. No se trata de um gradiente de vulnerabilidade, mas sim um qualitativo intrnseco que nos permite responder aos perigos.

    Vulnerabilidade, portanto, um conceito ponte que nos conduz contextu-alizao da problemtica, permitindo tanto pensar os perigos e os danos de forma processual quanto de forma abrangente e integrada. Permite ligar o contexto de produo dos riscos e perigos com o enfrentamento deles por populaes e lugares especficos.

    Neste sentido, Hardoy e Pandiella (2009) fazem seis perguntas-chave que considero centrais para pensarmos a vul-nerabilidade deste ponto de vista. Estas perguntas expressam o que os autores chamam de aspectos ou componentes da vulnerabilidade, cujo questionamento uma estratgia metodolgica de aplica-o em situaes especficas (Caixa 03). Estas perguntas revelam a necessidade de pensar grupos populacionais especficos em lugares especficos para compreender a vulnerabilidade. No basta definirmos a priori perigos que desejamos investigar e tentar montar uma grande matriz causal que ranqueia pases, cidades ou regies. Responder quem ou est mais vulner-vel? no uma tarefa simples, e por isso talvez esta no seja a melhor pergunta. A contextualizao, seja a partir de grupos populacionais, seja a partir de lugares

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    ou territorialidades, permite uma viso mais complexa da interao entre as ca-pacidades disponveis para responder aos riscos do que contextualizar a partir de perigos que, sem contextos especficos, no so reveladores da dinmica probabi-lidade-ocorrncia-resposta.

    Por outro lado, pensar a vulnerabilidade exige desmembr-la em seus com-ponentes, em especial se a entendemos enquanto parte essencial dos sistemas, um qualitativo. Para Pelling (2003), resilincia um destes componentes da vulne-rabilidade, especialmente em sua vertente socioecolgica (ADGER, 2000). Segundo Folke (2006), este entendimento da resilincia significa a capacidade de absorver impactos e manter-se em interao, sem descontinuidade. No envolve apenas ca-ractersticas biofsicas dos ecossistemas, mas inclui as estruturas e dinmicas sociais que por suas capacidades conseguem superar perigos diversos.

    Neste sentido, Porfiriev (2009) aponta que h uma forte reciprocidade entre a vulnerabilidade da comunidade e a resilincia aos desastres, embora no linear, mesmo que o aumento da resilincia possa significar a diminuio da vulnerabili-dade. Mas a resilincia no o nico componente da vulnerabilidade, e por isso no to simples lig-los a uma relao de causa e efeito simples. Reciprocity between a communitys vulnerability and resilience to disasters provides for important theoretical and practical implications. Among the latter, the use of these concepts for the assessment and measurement of a social or socio-technical systems coping capacity is worth emphasizing (PORFIRIEV, 2009, p.25)

    As razes diferentes entre vulnerabilidade e resilincia podem ser vistas na anlise bibliomtrica de Jansen et al. (2006), que identificam o primeiro termo (jun-to com adaptao) associados a peridicos, autores e artigos que discutem, em primeiro lugar, a mudana climtica e em segundo as mudanas ambientais glo-bais, enquanto resilincia discutida no mbito da questo ecolgica e de gesto ambiental.

    A resilincia, diferente da vulnerabilidade, tangvel. Ela pode ser desenvol-vida ou promovida, a partir do conhecimento dos perigos, dos riscos e dos ele-mentos componentes da vulnerabilidade. Resilincia tambm pode ser tomada em seu sentido mais estrutural. Neste caso, ela precisa ser construda, como no caso das estruturas de gesto urbana (MULLER, 2007). O prprio urbanismo tem que ser resiliente, ou seja, o sistema urbano tem que ser em si resiliente (GLEESON, 2008).

    No entanto, este um tipo especfico de resilincia, a estrutural. Na evolu-o dos conceitos e de sua incorporao a uma perspectiva ecolgica mais am-

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    pla, denominada de socioecolgica (SMIT; WANDEL, 2006; FOLKE, 2006), o conceito evoluiu no sentido de incorporar mais do que a capacidade fsica das estruturas e sistemas recuperar-se de impactos e es-tresses (Caixa 04). A resilincia ecolgica/ecossistmica considera a capacidade de amortecimento e de manuteno das funes com foco na persistncia e na robustez dos sistemas, contextualizando sua ao na estabilidade das paisagens e no equilbrio mltiplo. J a resilincia so-cioecolgica, abordagem mais complexa que procura incorporar sistemas sociais e ecolgicos na mesma medida, tem seu foco na capacidade adaptativa e na capaci-dade dos sistemas de evolurem, atravs do aprendizado, da inovao e da prpria capacidade de transformao (BERKHOUT; HERTIN; GANN, 2004). Nestes casos, Folke (2006) salienta que a resilincia entendida enquanto relao distrbio-reor-ganizao, focada na sustentao e desenvolvimento do sistema.

    Tanto a capacidade adaptativa quanto a prpria adaptao so caractersti-cas igualmente tangveis, que podem ser mensuradas e promovidas de forma di-reta, assim como a resilincia. Em vrias regies do mundo, ao longo do sculo XX, comunidades e populaes especficas desenvolveram aes adaptativas prticas frente s mudanas ambientais locais, regionais e globais, aumentando sua resili-ncia diante de eventos como chuvas extremas, seca, alteraes na qualidade do solo, etc. (ADGER et al., 2003).

    Mas a adaptao no se reduz a aes pontuais. Se ela tem uma raiz nos es-tudos antropolgicos e migratrios (JANSEN; OSTROM, 2006), ela se consolidou na bibliografia sobre mudanas ambientais globais como a ao necessria frente a perigos que ultrapassam a resilincia e a sensibilidade do sistema (SMIT; WANDEL, 2006). Includa na conceituao de vulnerabilidade, vista como componente social e econmica, envolvendo a ao humana no reordenamento do uso do solo e da prpria ocupao territorial, se for o caso (POULIOTTE; SMIT; WESTERHOFF, 2009).

    Adaptao mexe com o espao de forma mais profunda, em diferentes es-calas e nveis. A adaptao s mudanas climticas em si parte da histria, pois o clima um sistema que se transforma constantemente na relao com a sociedade e dos prprios componentes da geosfera. No cotidiano, as pessoas adaptam condu-

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    tas, costumes, rotinas e formas de construo ou de relacionamento (chamada de adaptao autnoma no relatrio do IPCC). Estas aes em geral no so reflexivas, no sentido aplicado por Giddens (1991; 2002); antes, esto ligadas lida diria e a uma escala de tempo lento, na qual a incorporao das alteraes se d em respos-ta s mudanas medida que estas vo sendo constatadas. No nvel governamen-tal, Adger et al. (2003) lembram que tais mudanas, em especial em nossa poca, em que h um entendimento e estimativas sobre possveis cenrios, entram em cena o planejamento e a normatizao das formas de adaptao. Os governos ou se antecipam a possveis mudanas, ou respondem a eventos especficos que atingem de forma direta sua populao e territrio.

    Adaptao, portanto, se refere a aes combinadas, espontneas ou planeja-das, que visam alterar um comportamento ou uma estrutura. Ela, em si, no uma caracterstica dos sistemas servindo, portanto, mais para o planejamento e a gesto do que para a compreenso das problemticas ou da vulnerabilidade. Por outro lado, a capacidade adaptativa fundamental, pois esta, junto com a resilincia, contribui para a alterao de quadros de intensa vulnerabilidade, adaptando siste-mas s mudanas ambientais ou aos novos arranjos socioespaciais (SMIT; WANDEL, 2006; GALLOPN, 2006).

    Assim como nos perigos ambientais e nos desastres, tanto a conduta indivi-dual quanto a percepo das pessoas interferir fortemente no apenas nas aes mitigadoras como nas aes adaptativas (BURTON; KATES; WHITE, 1978; SLOVIC, 2000; SETEG; SIEVERS, 2000; ADEOLA, 2009). Eis a a importncia da experincia dos perigos e a forma como enfrentado e sentido diretamente cada impacto des-tes eventos (Caixa 02). A vulnerabilidade tambm importante na experincia dos perigos, mas de forma intangvel; ela permite compreender esta face do processo, mas sobretudo a insegurana e os ajustamentos.

    A insegurana o sentido cultural e o sentimento individual construdo e vivido. Carrega ao mesmo tempo paisagens do medo socialmente construdas e distribudas (TUAN, 2005) e a histria e o espao de vida da pessoa (MARANDOLA JR., 2008). A insegurana parte fundamental do nosso tempo, marcando esta mo-dernidade lquida que fluidifica as relaes, os lugares e multiplica as construes identitrias e territoriais no mundo contemporneo (BAUMAN, 2007).

    J os ajustamentos so menos radicais que a adaptao, mas por isso tal-vez sejam mais eficientes. No tm sido muito enfatizados nos estudos e propos-tas de enfrentamento da mudana climtica, mas tm uma importncia central na

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    resposta aos perigos investigados pela tradio de estudos dos gegrafos h muito tempo, conforme lembra Kates (2000, p.5): We geographers generally employ the long-established distinctions used in hazard assessment, and distinguish between short-term purposive or incidental adjustment and long-term biological or cultural adaptation. A escala de tempo diferente de adaptao e ajustamento influencia a nfase nas aes emergenciais relacionadas aos desastres: difcil ter em mente, na nossa gesto pblica imediatista, as adaptaes como meta.

    No caso das mudanas climticas, problemas e solues tambm exigem es-calas de ao diferenciadas. Nestes casos, a mitigao ocupa espao no curto pra-zo, mas estes so demasiado concentrados nos impactos, sendo imediatistas em excesso. Os ajustamentos precisam ser incorporados como prtica mais corriquei-ra de emergncia e gesto dos riscos. We need to understand much more about the social costs of adaptation and differential access to it because adaptation, even by the invisible hand of the market, is not cost-free and does not yield the same benefits everywhere (KATES, 2000, p.7).

    No sem razo que os estudos sobre os perigos naturais davam mais n-fase aos ajustamentos e capacidade de resposta, pois estavam concentrados em problemticas circunscritas espao-temporalmente, de discusso e resoluo de problemas a curto e mdio prazo. Segundo Burton; Kates e White (1978, p.40), os ajustamentos envolvem as vrias escalas de ao, sendo, no entanto mais ade-quados ao imediata com resultados de curto-prazo. A cincia das mudanas ambientais globais no tem dado muita ateno aos ajustamentos por entender que mudanas desta magnitude, envolvendo escalas de tempo e espao muito am-plas, remetem necessidade de adaptaes profundas. Por outro lado, a nfase na mitigao se deve ao enfoque nos impactos das mudanas, enquanto elemento sempre negativo. A busca por um equilbrio destes olhares a direo para a qual aponto na ltima sesso deste captulo.

    Mudanas e escalas: horizontes para os estudos de populao e ambiente

    Quando pensamos nas vulnerabilidades mudana climtica a pergunta que se faz de forma recorrente : Quais vulnerabilidades especficas sero produzidas no novo contexto? A pergunta pertinente porque h um duplo movimento que permeia a incorporao da discusso das mudanas climticas nos estudos de po-pulao e ambiente e dos estudos ambientais de uma maneira geral. O primeiro pensar de que forma as possveis mudanas, nos diferentes cenrios, influenciaro

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    as dinmicas j em curso, seja de sustentabilidade, seja de degradao. Pensa-se o aumento ou diminuio de riscos, aprofundando desigualdades ou diminuindo a vulnerabilidade. Este procedimento o que tem garantido, no contexto das mu-danas climticas, a retomada de muitos temas ambientais que estavam perdendo fora na arena poltica e cientfica, e que agora se vem com nova legitimidade.

    O segundo movimento, que o mais difcil e que envolve muita pesquisa ainda incipiente, pensar de que formas estruturais a mudana climtica vai alterar os equilbrios de ecossistemas, especialmente aqueles mais dinmicos e antropo-morfizados, como as cidades. Quais novos perigos surgiro, que tipos de enfrenta-mento se faro necessrios, que novas relaes sero estabelecidas. O grosso da discusso ainda est concentrado no primeiro movimento, o que tem garantido bases para que tenhamos condies de enfrentar o segundo movimento, que o mais difcil e, no longo prazo, mais importante.

    Para isso, fundamental ter em mente a dimenso escalar da mudana e a natureza prpria do que a mudana. A primeira dificuldade sua natureza multi-escalar e multidimensional, o que exige pensar em escalas de tempo e espao ml-tiplas em termos de produo, distribuio e ocorrncia destes eventos.

    A escala local fundamental, pois nela que as populaes so afetadas de forma direta e nesta esfera que as aes de ajustamentos, mitigao e adapta-o sero mais palpveis e urgentes (FEW, 2003). A escala do lugar ganha reforo (ZIMMERER, 2007), especialmente para compreender a experincia dos perigos.

    Por outro lado, a escala regional tende a ser negligenciada na era das grandes questes planetrias, estabelecendo-se prioridades locais e globais sem a escala regional intermediria. Hudson (2007) defende a necessidade de pensar a regio e o desenvolvimento regional no contexto das mudanas ambientais globais, pois como a forma de territorializao do capital ainda se organiza regionalmente, ela implica padres de consumo, transporte e mobilidade de escala regional. Pensar a sustentabilidade passa por pensar estes arranjos regionais, sejam de grandes reas metropolitanas ou densamente urbanizadas, seja de reas rurais articuladas ou no em sistemas produtivos. A seleo de reas de preservao ou de desenvolvimento est articulada a lgicas de vrias escalas, entre as quais a regio ainda desempe-nha papel central.

    exatamente por isso que a escolha e o uso dos conceitos no pode ser feita a partir de consensos ou modelos previamente delimitados. Cada conceito, como vimos, permite que se veja o processo e o fenmeno por um ngulo, por uma es-cala espao-temporal especfica. No a toa que a bibliografia e o discurso gover-

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    namental continuam dando maior nfase mitigao do que adaptao, talvez porque o maior impacto que chama a ateno da mdia e do setor pblico seja a intensificao dos eventos extremos e desastres, que so tratados por estes setores de forma emergencial, no curto prazo. Mitigao j faz parte das metodologias de avaliao e gesto do risco, tendo, como em Cutter (1996), relao direta com a prpria definio do risco enquanto caracterstica intrnseca dos lugares. J adap-tao aparece em escalas temporais mais longas, envolvendo mudanas culturais, estruturais e at biolgicas.

    Vulnerabilidade o conceito-chave para se pensar as mudanas climticas na sociedade contempornea que permite conectar as dife-rentes escalas e os vrios ngulos do fenme-no. Porm, ela no pode ser entendida como tangvel, material. Entendendo vulnerabilidade como um qualitativo intrnseco aos sistemas (pessoas, grupos, lugares, cidades, regies), temos a possibilidade de compreend-la como circunstancial e participando de pelo menos duas etapas do processo: o contexto de enfrentamento dos perigos e da prpria experincia direta deles (Caixa 02). Em termos da gesto, vulnerabilidade importante para pensar e guiar as pol-ticas, mas no para operacionalizar aes, como as perguntas pertinentes propostas por Birkmann e Wisner (2006) (Caixa 05). No entanto, estas perguntas funcionam como horizontes, pois no podemos tratar a vulnerabilidade em si; podemos apenas tangenci-la. A nfase deve estar nos elementos que a compe e que se referem a ela, como os riscos, os perigos, a capacidade adaptativa e a resilincia. Estes podem ser estudados, compreendidos, estruturados e avaliados. A vulnerabilidade um conceito que permite dar uma liga compreensiva aos fenmenos, de forma dinmi-ca no tempo e no espao, a partir da escala selecionada de anlise.

    Neste cenrio, os estudos em populao e ambiente no podem se limitar a um papel marginal na discusso, pois as variveis demogrficas, pouco enfati-zadas na literatura sobre mudana climtica, precisam vir tona de uma maneira mais precisa e robusta. A dinmica demogrfica, bem como a composio da po-pulao so determinantes em todos os momentos da construo dos perigos, da vulnerabilidade e das respostas aos possveis impactos das mudanas climticas. A migrao, por exemplo, apontada como um dos termmetros das mudanas. possvel que fluxos migratrios se estabeleam no apenas em fuga de catstrofes

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    ambientais, mas tambm de regies que, com as mudanas, vo diminuindo sua capacidade de suporte ou percam dinamismo econmico. A migrao, portanto, uma das estratgias de adaptao que poder apresentar impactos significati-vos no ordenamento territorial e na distribuio espacial da populao (McLEMAN; SMIT, 2006; BRONEN et al., 2009). reas de atrao e repulso de migrantes am-bientais potencialmente sero diferentes das existentes hoje, o que poder gerar redistribuio de riqueza ou o aprofundamento das desigualdades.

    Os demais captulos deste livro mostram como outros elementos da dinmi-ca demogrfica so fundamentais para discutir a produo, o enfrentamento e a ex-perincia dos perigos ligados mudana climtica: estrutura familiar, fecundidade, mortalidade, redistribuio espacial da populao, mobilidade urbana e disperso so fundamentais para no tratar a populao como mero volume, indo alm da presso do nmero sobre os recursos, fantasma que ainda assombra os estudos populacionais na discusso ambiental (MARTINE, 2007).

    Contudo, apesar do avano, o caminho est to somente iniciado. Os estudos sobre vulnerabilidade sociodemogrfica tm avanado, mas com pouca comuni-cao com as discusses ambientais (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2006b). preciso avanar em relao a um senso comum cientfico que se formou nesta mistura de mdia, alarmismo, ceticismo e cores ideolgicas, buscando a construo de pesqui-sas cientficas de fundo que considerem seriamente as possibilidades e as evidn-cias que tm surgido.

    Isso nos conduz necessidade de repensar, no contexto das mudanas, a for-ma de produzir e pensar o conhecimento. Ainda mantemos a confiana axiomtica na cincia e na tcnica como detentoras das condies para solucionar todos os problemas gerados pelo prprio avano da tcnica. Se a sociedade vive a situao da vulnerabilidade, a cincia tambm vive o mesmo perodo de questionamento e vulnerabilidade, desde h muito (FEYERABEND, 2003; SANTOS, 1989; CUTTER, 2003). Se ainda acreditamos no potencial da cincia em compreender as dinmicas socioecolgicas que temos que enfrentar, isso no pode ser feito sem um posicio-namento crtico que coloque em discusso os limites do conhecimento cientfico e sua interao com a sociedade.

    A prpria adaptao vulnerabilizar algumas populaes, protegendo de for-ma seletiva lugares e pessoas. Discutir a questo luz da tica e da justia (social, ambiental) parece uma necessidade quando se pensa em desenvolvimento e nas prprias aes de adaptao e mitigao (KASPERSON; KASPERSON; DOW, 2001;

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    GRASSO, 2007). Okereke e Schroeder (2009) propem uma agenda para esta dis-cusso, que inclui o tema da responsabilidade sobre a mudana climtica e quem ir pagar o preo da adaptao e mitigao, projetando o debate para a sistemtica injustia territorialmente distribuda, de forma desigual, pelo globo.

    Este foi um tema que demorou a surgir na agenda, mas que se mostra crucial no atual estgio da discusso, especialmente agora que o novo presidente america-no acena para uma posio mais alinhada ao controle de emisses de gases de efei-to estufa e at pases de baixo volume de emisses, como o Brasil, tm aceitado as-sumir metas de diminuio. A definio de responsabilidades e de penalidades um avano que dever se expandir para vrios setores da economia, estando em pauta a mensurao e atribuio de valores e crditos em vrias escalas (BAER, 2006).

    Talvez o maior risco que estejamos correndo diante das mudanas climticas, hoje, no sejam os perigos relacionados elevao do nvel do mar, ao aumento de extremos climticos, nem maior incidncia e intensidade de eventos extremos; o maior risco a que estamos expostos, talvez, seja a possibilidade de, ao enfrentar tal situao, aprofundemos ainda mais as injustias ambientais e estejamos mergu-lhando o mundo num novo domnio da tcnica que, mesmo no tendo parmetros para fornecer segurana, no abra mo de tentar faz-lo.

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