Por que vamos ensinar música na escola

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    Por que vamos ensinar msica na escola?

    Reflexes sobre conceitos, funes e valores da educao

    musical escolar

    Ana Carolina Nunes do Couto (UFPE)Israel Rodrigues Souza Santos (UEMG)

    Resumo: O fato de o Brasil no possuir uma tradio em ensinar msica na escola regular pode levar adiferentes percepes da sociedade sobre essa atividade. Ideias equivocadas sobre contedos, formas efunes podem comprometer o retorno da Educao Musical como componente curricular obrigatrio -garantido atravs da lei 11.769/08. Neste sentido, o presente artigo traz uma reviso literria sobre osmotivos que tornam vlida a aula de msica no contexto escolar. O texto aponta determinados valores

    tradicionalmente atribudos musica e ao seu ensino, valores ainda hoje utilizados como argumentos dejustificativa para sua presena na escola.

    Palavras-chave: educao musical; ensino mdio; polticas educacionais.

    Abstract: The fact that Brazil does not have a tradition of music teaching in public schools can lead todifferent perceptions of the society about this activity. Misconceptions about its contents, forms andfunctions can compromise its value as a required curricular component as prescribed in the law11.769/08. In this sense, this article reviews the literature that has provided reasons for the importance ofteaching music in the context of public schools. This article points out to certain values traditionallyattributed to music and its teaching, which are still used to justify its presence in public schools.

    Keywords: music education; middle school; educational policies.

    A inexistncia de uma tradio em se ensinar msica na escola regular no Brasil pode levar a diferentesideias da sociedade a respeito dos contedos, objetivos e funes dessa disciplina. Partindo destepressuposto, importante refletir sobre o papel que a msica deve desempenhar na escola regular, bemcomo suas funes e valores, para que seu retorno escola (lei 11.769/2008) acontea de uma formabem compreendida e fundamentada pela comunidade de educadores musicais.

    Delimitao de conceitos

    A falta de compreenso sobre o que educao musical, o qu ela aborda e como o faz, uma dasprincipais causas da dificuldade que se tem em justificar sua presena na educao formal bsica doindivduo. Terminologias da rea, como musicalizao, educao musical, ou at mesmo o prprioconceito de msica, so constantemente concebidas de forma equivocada, tornando o trabalho do

    profissional que lida com a educao musical uma verdadeira incgnita para muitos. De acordo comHentschke, talvez a explicao para a falta de entendimento que a sociedade tem sobre o que educaomusical esteja ligada prpria concepo que o homem ocidental tem da arte, ou seja, do seuengajamento com o processo criador em geral, ou ainda pela ideia generalizada de que arte refere-se aum inatingvel processo subjetivo (HENTSCHKE, 1991, p. 57).

    As artes, em geral, so tipos de linguagens que intencionam expressar sensaes e/ou sentimentos,contudo, sem o mesmo grau de automatismo e comunicabilidade da linguagem falada (DUARTE JUNIOR,1991, p. 46-47; PENNA, 1991, p. 22). No caso especfico da msica, as ideias e sentimentos do homemseriam expressos em formas sonoras (SWANWICK, 2003, p. 18). Por serem criadas pelo homem, taisformas esto vinculadas ao tempo e ao espao, e as combinaes de seus elementos ocorrem de

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    maneiras diferentes em cada poca e local, determinando o que chamamos de estilo. Assim, alinguagem musical uma linguagem socialmente construda e compartilhada, o que significa que pode sertambm estudada e compreendida (PENNA, 1991, p. 20-21). Nesta perspectiva, abandona-se a ideia deque o estudo da arte, e da msica, mais especificamente, seja um processo to subjetivo a ponto de serinatingvel.

    Para que a linguagem musical seja compreendida e compartilhada, h a necessidade do conhecimento deseus cdigos. Esse conhecimento, segundo Penna, pode ser adquirido no apenas na escola, mas tambmde maneira dita informal, pela vivncia, pelo contato cotidiano, o que leva sua familiarizao (PENNA,1991, p. 20-21). De acordo com Swanwick, para que haja a compreenso da msica e sua linguagem, elaprecisa ser vista como uma forma simblica com camadas de significados (SWANWICK, 2003, p. 50).

    Swanwick remete a quatro elementos para definir o que ele chama de discurso artstico, o que colaborana compreenso da msica enquanto linguagem. So eles:

    y Internamente, representamos aes e eventos para ns mesmos: ns imaginamos.y Reconhecemos e produzimos relaes entre essas imagens.y Empregamos sistemas de sinais, vocabulrios compartilhados.y Negociamos e trocamos nossos pensamentos com outros.

    Esses elementos, intercalados, caracterizam o pensamento e a produo nas artes, tanto quanto em

    deliberao filosfica, racionalizao cientfica ou pensamento matemtico. [...] Minha tese queo fenmeno dinmico da metfora serve de base a todo discurso (SWANWICK, 2003, p. 23).

    O autor argumenta que, ao compreender a msica enquanto discurso, o indivduo capaz de trabalharinternamente conhecimentos previamente adquiridos, mas agora em um novo contexto, assimilando-osem uma nova situao. Assim, confere-lhe novo significado, tal qual no processo da metfora. Segundoele, o processo metafrico reside no corao da ao criativa, capacitando-nos a abrir novas fronteiras,tornando possvel para ns reconstituir ideias, ver as coisas de forma diferente (SWANWICK, 2003, p.26).

    A educao musical existe para auxiliar o indivduo a alcanar esta compreenso da msica enquantolinguagem. Para o desenvolvimento, manifestao e mesmo para a avaliao desta compreenso, apessoa pode utilizar-se das modalidades do fazer musical, conhecidas como execuo, onde se fazmsica atravs da execuo instrumental e/ou vocal; da apreciao, que a modalidade na qual a pessoaouve msica de maneira crtica e participativa; e tambm da composio, que implica na criao musicalatravs da manipulao dos elementos da msica (FRANA; SWANWICK, 2002). Assim, a educaomusical pode envolver diversos estgios da aprendizagem musical, indo dos seus primrdios at grausmais elevados de instruo, como por exemplo, em nveis superiores da educao.

    A primeira etapa da educao musical chamada de musicalizao (PENNA, 1991, p. 37). Nessa fase oeducador musical busca desenvolver no indivduo os instrumentos de percepo bsicos, necessrios paraque este compreenda o material sonoro de maneira significativa, enquanto linguagem artstica, ou comoprefere Swanwick (2003), enquanto discurso. Contudo, o nvel de domnio dos cdigos musicais durante aetapa da musicalizao seria diferente do de um profissional, por se ater ao fornecimento de umreferencial bsico, [d]os esquemas de percepo necessrios para sustentar uma disposio de seapropriar de obras musicais (PENNA, 1991, p. 43). Penna tem o cuidado de ressaltar que, diferentementedo que comumente se acredita, a musicalizao no um processo dirigido exclusivamente ao pblicoinfantil, mas sim a qualquer faixa etria, embora haja a necessidade de adaptao da linguagem, dosestmulos motivacionais, do repertrio, e o respeito pela capacidade de abstrao de cada faixa etria

    especfica (p. 53).

    Um eixo bsico comum sugerido por Penna para o trabalho metodolgico com a musicalizao envolveriaprimeiramente a vivncia musical, a qual permitiria a atividade perceptiva (PENNA, 1991, p. 53). Emseguida, h a formao de conceitos fundamentais da linguagem musical, seu reconhecimento eidentificao. Tais aspectos devem acontecer atravs de atividades que promovam a formao de imagensauditivas e de representaes simblicas; e atividades de expresso para que os conceitos aprendidossejam aplicados. Tal ao pedaggica deve ser capaz de dar condies para a compreenso crtica darealidade cultural de cada um (p. 33). Processo semelhante tambm descrito por Martins, o qual afirmaque a aprendizagem musical passaria primeiramente por um momento do desenvolvimento da percepo,onde se deve focar determinado elemento para a ateno do indivduo. Em seguida teramos operaes

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    internas de classificao, de categorizao e de organizao, momento onde aconteceria a formao deconceitos (MARTINS, 1985, p. 19).

    Na etapa da musicalizao, diversos autores alertam para a necessidade de tornar o processo significativopara o aluno (ARROYO, 1990; FREIRE, 2001; GROSSI, 1990). Isso implica a no reduo do trabalho napura focalizao dos elementos musicais, como por exemplo, a altura, durao, intensidade, andamento,timbre, etc., esquecendo do carter musical, pois a linguagem musical uma linguagem artstica eexpressiva, e dever ser apreendida enquanto tal (PENNA, 1991, p. 49). Para Swanwick esses elementosseriam apenas materiais sonoros, e apenas uma maneira de analisar a experincia musical. O educadormusical deve estar consciente de que existe a necessidade de ultrapassar a simples conceituao ereconhecimento de tais elementos, e faz-los adquirir sentido dentro do contexto musical, caso contrriono haver nenhum envolvimento nos nveis metafricos do discurso musical (SWANWICK, 2003, p. 59).Martins adverte para que tentativas de explicar a percepo a partir do conceito, ao invs da prpriapercepo deste conceito, no evoluam em um significado musical, o que transforma o estudo de msicanuma atividade pseudoterica, estril e antimusical (MARTINS, 1985, p. 19).

    Ao compreendermos a musicalizao enquanto uma etapa dentro da educao musical, automaticamentecolocamos esta ltima dentro de uma processo mais amplo. Ela pode atingir fases que ultrapassam amusicalizao, podendo, por exemplo, abordar a notao musical enquanto representao simblicaconvencionada (PENNA, 1991, p. 36). J a musicalizao trabalharia nos nveis da concreticidade sonora.Com os pressupostos acima citados, acreditamos que a discusso que se segue a respeito do papel daeducao musical na formao bsica do indivduo, bem como do que ensinado e de como se almeja

    faz-lo, estar melhor situada. Sintetizando essa seo, de acordo com Swanwick, em educaomusical a principal meta , certamente, trazer a conversao musical do fundo de nossa conscincia parao primeiro plano (SWANWICK, 2003, p. 50).

    O papel da Educao Musical na educao formal do indivduo

    Como mencionado anteriormente, o processo de educao musical pode acontecer de maneira natural,ou tambm dita informal (PENNA, 1991, p. 22). Tal fato pode dificultar uma tentativa de explicar qualseria, ento, a funo de um trabalho com a msica nas escolas, j que tal processo independeria, atcerto ponto, dela.

    Apesar de processos no-formais de musicalizao estarem presentes na vida de muitas pessoas, eles noseriam equivalentes, obtendo resultados distintos que dependeriam diretamente das condiessocioculturais de cada um (PENNA, 1991, p. 23). Neste sentido, a escola, e mais especificamente a escola

    pblica entidade aberta a todas as classes e, portanto, um espao democrtico por excelncia seria oespao ideal para promover o acesso linguagem musical a todos que dela participem (LOUREIRO, 2004,p. 66; PENNA, 1991, p. 25-26; QUEIROZ; MARINHO, 2007, p. 70).

    Encontramos diversos motivos que legitimam a presena e a necessidade do ensino artstico nas escolas.O primeiro deles invoca o fato de que as artes e suas diferentes formas de manifestaes so produtos dohomem, e por isso uma forma de registro de sua prpria histria (SANTOS, 1990, p. 49).

    Duarte Jnior (1991) acredita que o ensino das artes permite que o indivduo reconhea e eduque o seuprprio processo de sentir, que fora perdido numa concepo de mundo onde a primazia da razo, a

    primazia do trabalho e a natureza infinita orientam o comportamento e pensamento do mundoocidental (DUARTE JUNIOR, 1991, p. 63-77). Neste sentido, o ensino das artes contribuiria para quehouvesse o resgate da capacidade do homem de criar um sentido pessoal que oriente sua ao no mundo.De acordo com suas palavras:

    Encontrando nas formas artsticas Simbolizaes para os seus sentimentos, os indivduos ampliam o seuconhecimento de si prprios atravs da descoberta dos padres e da natureza de seu sentir. Por outrolado, a arte no possibilita apenas um meio de acesso ao mundo dos sentimentos, mas tambm o seudesenvolvimento, a sua educao. Como, ento, podem ser educados e desenvolvidos os sentimentos? Damesma forma que o pensamento lgico, racional, se aprimora com a utilizao constante de smboloslgicos (lingusticos, matemticos, etc.), os sentimentos se refinam pela convivncia com os Smbolos daarte. [...] Conhecer as prprias emoes e ver nelas os fundamentos de nosso prprio eu a tarefabsica que toda escola deveria propor, se elas no estivessem voltadas somente para a preparao demo-de-obra para a sociedade industrial (DUARTE JUNIOR, 1991, p. 66-67).

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    Poder-se-ia dizer ento que o papel da educao musical na vida escolar dos indivduos seria o dedemocratizar o acesso linguagem musical, a partir de um engajamento dos educadores musicais comuma slida fundamentao terica que conduza sua prtica nesse ambiente, buscando aes quepossibilitem o desenvolvimento perceptivo para as diferentes manifestaes musicais que nos cercam.

    Reflexes sobre os Valores da Educao Musical

    Notamos a importncia e o valor que determinada rea do conhecimento possui para uma determinadasociedade na medida em que analisamos a estruturao de seu currculo escolar. O nfimo espao atualconcedido s artes na escola, e a virtual inexistncia da msica, demonstra que esta no faz parte do quese estabeleceu como importante pelo senso comum de nossa sociedade (HENTSCHKE, 1991, p. 56).Duarte Jnior menciona que o intelectualismo de nossa sociedade reforado dentro do ambiente escolar,onde o que considerado relevante apenas aquilo que se pode conceber racionalmente, logicamente, eas artes no se enquadram nesta perspectiva (DUARTE JUNIOR, 1991, p. 66). Logo, o papel que a msicadesempenha numa escola que a encara desta forma restringe-se apenas ao ldico, a um mero lazer edivertimento, em contraste com as atividades teis das demais disciplinas (p. 81).

    Hentschke (1991) levanta a questo da necessidade de uma conscientizao dos valores da msica e daeducao musical entre os agentes de toda prtica educacional. Essa autora, baseada na literaturaocidental de educao musical e em fundamentos encontrados em diversas reas, como a filosofia, asociologia, a psicologia e etnomusicologia, discute como tais valores sofreram transformaes ao longo dahistria, causando consequncias na estruturao dos currculos em cada poca. Fonterrada refora tal

    pensamento, ao afirmar que o impacto que determinada profisso pode ter na sociedade depende, emgrande parte, do entendimento do que ela tem a oferecer (FONTERRADA, 2005, p. 11). Assim, essasduas autoras discutem como a falta de compreenso sobre os valores da msica e da educao musicalafetam a insero do ensino de msica nas escolas regulares brasileiras.

    Merriam (apud SWANWICK, 2003, p. 47) identifica e categoriza determinadas funes que a msicageralmente desempenha na sociedade. Swanwick no entanto, tem o cuidado de separar tais categorias emduas listas distintas. Na primeira lista encontram-se as categorias que possuem um carter com potencialpara o desenvolvimento do discurso simblico, que so: expresso emocional, prazer esttico,

    comunicao e representao simblica. De acordo com o autor, essas funes simblicas teriampotencial tanto para a transmisso quanto para a transformao cultural (p. 49). Portanto, tais funesseriam as mais apropriadas aos objetivos de uma educao musical que busca o desenvolvimento dalinguagem musical enquanto discurso simblico.

    A segunda lista que Swanwick faz sobre as categorias de Merriam, enquadra as funes da msicavinculadas ao apoio e/ou reproduo cultural. So eles: reforo da conformidade a normas sociais,validao de instituies sociais e rituais religiosos, contribuio para a continuidade e estabilidade dacultura, preservao da integrao social. J que tais categorias no tendem a criar ou encorajar aexplorao metafrica, no seriam, de acordo com Swanwick (2003, p. 49), funes a serem atribudas educao musical. Contudo, isso no significa que no possam estar presentes, desde que no ocupem oobjetivo primeiro da Educao Mus ical.

    Conhecer e discutir tais valores importante para que o fazer musical seja concebido como interligado outras reas do conhecimento humano, demonstrando assim que a questo do acesso ao fazer artsticoultrapassa a do lazer ou da indstria do entretenimento (FONTERRADA, 2005, p. 10-11). Tais valoressero discutidos de forma mais aprofundada na sequncia.

    Valor Esttico

    A esttica uma rea do conhecimento humano ligada aos efeitos que determinada criao artstica podecausar no homem. Estamos falando ento sobre a interao do sujeito com os efeitos que a obra artstica,nesse caso a msica, lhe proporciona numa dimenso afetiva.

    Ao falar do valor esttico entramos numa dimenso muito pessoal, pois as percepes acerca do belo, decerto modo, podem ser parecidas na linguagem oral, mas as sensaes so particulares e correspondem auma interao do universo de cada pessoa com o objeto/msica a ser apreciado e no podem tersignificao unicamente conceitual. Essas sensaes independem de conhecimento terico pr-estabelecido. O seu sentido intrnseco questo humana. No pela faculdade de conhecimentointelectual que o belo captado, nem a sua impresso corresponde experincia rudimentar da satisfao

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    de um desejo fsico (NUNES, 1991, p.12). Contudo, lembramos, como mencionado anteriormente porDuarte Jnior (1991, p. 66), que isso pode ser educado atravs de um trabalho sistemtico.

    Nunes (1991) menciona duas vertentes para o estudo da experincia esttica, sendo um subjetivo e ooutro objetivo. O subjetivo valoriza os elementos heterogneos, como o prazer sensvel, os impulsos, ossentimentos e emoes (NUNES, 1991, p. 14), sendo que algumas correntes inspiradas pela psicologia,chamadas psicologistas, dedicam-se a estudar a tendncia do aspecto subjetivo da experincia esttica.No aspecto objetivo da experincia esttica, valorizam-se os elementos materiais (sons, cores, linhas,volumes), as relaes formais puras (ritmo, harmonia, proporo, simetria), as formas concretas noespao e no tempo, capazes de produzir efeitos estticos (NUNES, 1991, p. 14).

    De acordo com Hentschke (1991), o argumento utilizado de que a educao musical possui, sobretudo,um valor esttico, permitiu que se libertasse a msica e seu ensino de uma subservincia a outrasdisciplinas. De acordo com a autora, no sculo XIX e princpio do XX o ensino musical serviaprincipalmente de apoio para o desenvolvimento de preceitos religiosos ou de boa cidadania, e s quandoa educao musical passou a ser vista como possuidora de objetivos e justificativas especficas ela pde selibertar de tal subservincia, principalmente nos pases mais desenvolvidos (HENTSCKHE, 19 91, p. 58). Noentanto, Fonterrada afirma que a falta de clareza na comunidade escolar brasileira sobre as funes damsica continua fazendo com que esta seja destinada a ser utilizada como auxiliar outras reas oudisciplinas: auxiliar a aula de matemtica, contribuir para a instalao de bons hbitos, e outras(FONTERRADA, 2005, p. 12).

    Valor Social

    O valor social da msica foi utilizado como argumento para justificar a presena da educao musicalprincipalmente em escolas do sculo XIX, pois servia como reforo aos valores religiosos e de ornamentoem seus rituais, bem como para ajudar no desenvolvimento de uma boa conduta social, como jmencionado anteriormente neste trabalho. Contudo, tal viso limitadora, pois a utilizao da msicaapenas como apoio a determinadas funes sociais no propicia o seu desenvolvimento enquantolinguagem simblica (SWANWICK, 2003, p. 54).

    A rea da msica que se ocupa com a organizao social da prtica musical conhecida por sociologia damsica. Segundo Green (1997, p.25), as pessoas se agrupam socialmente, podendo tais grupos seremorganizados por classe, etnia, gnero, etc. Os usos que tais grupos fazem da msica podem ser os maisvariados. Neste sentido, a sociologia da msica se interessa em conhecer tanto a organizao social daprtica musical, quanto em estudar a construo social do significado musical para os diferentes grupos.

    Green coloca-nos o significado musical chamado por ela de significado delineado (GREEN, 1997, p. 28 e29) como atrelado aos contextos de produo, distribuio e receptividade da msica. Tal significado afetadiretamente nossa forma de compreender msica. Segundo esta autora, ao ouvirmos determinada msicacostumamos delinear aspectos extramusicais, consciente ou inconscientemente. Por exemplo, imaginamoso que o intrprete est vestindo, ou que tipo de pessoa escuta aquela msica, etc. Apesar de o

    significado delineado no se referir aos materiais sonoros propriamente ditos, eles aparecem para osindivduos de uma forma to ligada a estes que parecem emergir da prpria msica (GREEN, 1997, p.34).

    Assim, as pessoas fazem uso da msica tambm como um smbolo de identidade social.

    Green faz um alerta aos professores para a n ecessidade de se considerar como tais significados interferemna maneira que o aluno se relaciona com a msica, pois as abordagens que no so capazes deconsiderar os contextos sociais nos quais os indivduos esto inseridos podem afetar seu trabalho em salade aula. Segundo a autora:

    No importa se se toca, canta, ouve, compe, estuda ou ensina-se msica, pode-se se apossar da msicae us-la como uma pea de nossa indumentria, indicando alguma coisa sobre sua situao social, etnia,gnero, preferncia sexual, religio, subcultura, valores polticos, etc. Parti cularmente no caso de crianasa adolescentes que buscam sua identidade como adultos novos numa sociedade em constante alterao, amsica poder oferecer um poderoso smbolo cultural ajudando-os na adoo e representao de um self(GREEN, 1997, p. 34).

    O conhecimento a respeito dos significados delineados expostos acima, bem como de sua forainfluenciadora na forma de nos relacionarmos com msica ajuda a justificar o porqu de a educao

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    musical acreditar que o trabalho pedaggico deve partir da vivncia musical na qual o aluno est inserido,sendo o incio de um trabalho que visa a ampliao do alcance musical destes (PENNA, 2002, p. 18).

    Do valor social que se atribui educao musical espera-se a oportunidade para o desenvolvimento de umpensamento crtico da realidade de cada um, onde o aluno capaz de transformar uma postura deconsumidor passivo do que lhe imposto pela mdia, tendo condies agir de forma mais refletida sobreaquilo que ouve (HENTSCKHE, 1991, p.59).

    Outra funo atribuda ao valor social para legitimar a educao musical em escolas de que ele seriauma forma de preservar e perpetuar o que produzido social e culturalmente, o que proporcionaria umacompreenso e valorizao das nossas bases culturais (HENTSCKHE, 1991, p. 59). Alm disso, tais limitespoderiam ser ultrapassados, permitindo que, ao conhecer nossa prpria cultura, possamos adentrarcontextos distintos dos nossos (SWANWICK, 2003, p. 36). Schafer (2001) acredita que estudar a msicade outras culturas ajuda a colocarmos a nossa em uma perspectiva adequada (SCHAFER, 2001, p. 296).

    Tais pensamentos geraram uma ramificao do valor social, denominado multicultural, considerado umdos mais recentes valores atribudos educao musical. Ao considerar a inexistncia de sociedadesmonoculturais, j que todos carregaramos, de certa maneira, uma dificuldade de identificar nossas razes(SWANWICK, 1988, p. 25, apud HENTSCHKE 1991, p. 59), no poderamos mais ignorar este aspectodentro da educao musical. Por isso, acredita-se na msica como um meio de propiciar uma melhorintegrao entre as mais diversas culturas nas escolas. Este valor se vincula diretamente com o valorsocial, pois ambos tendem a expandir o olhar do individuo sobre a diversidade cultural, muitas vezes,

    dentro da prpria comunidade onde vive ou at mesmo dentro da escola, pois morar no mesmo bairro oufrequentar a mesma escola no corresponde necessariamente a pertencer mesma rede de relao social,econmica, simblica, ideolgica (SANTOS, 1990, p. 42). Tal diversidade est presente em espaosmenores, como a sala de aula, onde os valores podem se confrontar em virtude do posicionamentocultural de cada um. Neste sentido a msica favoreceria a integrao e a socializao atravs das trocasde experincias que o educador ter que favorecer.

    Valor Psicolgico

    Houve um aumento considervel em pesquisas que procuram investigar e conhecer o aspecto cognitivo daexperincia musical nas ltimas dcadas (HENTSCHKE, 1991, p. 59; ILARI 2002 e 2003; PARIZZI, 2006).

    Atravs da aquisio destes novos conhecimentos, a cada dia que passa o valor psicolgico vemexercendo uma influncia maior na justificativa da presena da educao musical nas escolas.

    De acordo com Hentschke (1991, p. 59), os primeiros interesses por esta rea, datados do incio do sculoXIX at meados da dcada de 1970, envolviam principalmente a observao e experimentao da maneirapela qual o indivduo processa a msica e quais seriam os possveis efeitos nele exercidos. Aps esteperodo, as investigaes voltam-se para a tentativa de conhecer as etapas do desenvolvimento musicalnos indivduos, e o acmulo de conhecimento nesta rea tm inspirado muitos educadores musicais aelaborarem currculos baseados em tais descobertas (BEYER, 1995, p. 56).

    Hoje em dia sabe-se que a percepo e a cognio musicais podem ser estimuladas j no primeiro ano devida do beb (ILARI, 2002, p. 88). Parizzi, ao estudar o canto espontneo da criana de zero a seis anosde idade, afirma que possvel notar uma previs ibilidade da evoluo do curso deste canto, assim como jse conhece o desenvolvimento cognitivo e musical da criana (PARIZZI, 2006, p. 15). Tal dado permitereforar a contribuio que um educador musical pode trazer ao desenvolvimento musical desde a maistenra idade, principalmente atravs de atividades que estimulem o envolvimento da criana com a msica,desde que com um bom planejamento.

    Desde o surgimento em 1983 da teoria das inteligncias mltiplas, de Howard Gardner, que a partir daconstatao da existncia de vrias reas distintas de cognio no crebro, sugeriu que a inteligncia no unitria, mas sim compartimentada por competncias especficas (ILARI, 2003, p. 12), a msica e seuestudo podem encontrar justificativa a partir do momento que este pesquisador estudou a intelignciamusical. Tal inteligncia corresponde capacidade para perceber e classificar diferenas de sons, denuances de intensidade, de andamento, de timbres, estilos, etc., que podem ser manifestos no apenasna execuo instrumental como no raramente se associa mas tambm atravs da composio e daapreciao de msica. O surgimento dessa teoria ajuda a separar a inteligncia musical do conceito de

    talento. Segundo Ilari (2003):

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    A teoria de Gardner (1983) sugere que todos os seres normais (isto , no portadores de doenascongnitas como autismo ou Sndrome de Down) possuem todos os tipos de inteligncia, todos abertos aodesenvolvimento. Ou seja, diferentemente do talento, a inteligncia musical um trao compartilhado emutvel, isto , um trao que todos possuem em um certo grau e que passvel de ser modificado (ILARI,2003, p. 12).

    Tambm encontramos estudos que procuram demonstrar o desenvolvimento que pode ocorrer em outroscampos do conhecimento humano como decorrncia de experincias musicais. Acredita-se que a prticamusical estimule o desenvolvimento do crebro da criana, auxiliando, alm do aprendizado da msica emsi, tambm o desenvolvimento da afetividade e da socializao, na aquisio da linguagem, etc. (ILARI,2003, p. 14).

    Valor Tradicional

    Para uma sociedade que no possui uma tradio no ensino musical escolar, a concepo acerca do queseria uma educao musical quase sempre se restringe ideia da prtica musical que ocorre em escolasespecializadas, ou seja, de que a performance musical em um determinado instrumento tida como

    referncia de realizao musical (FRANA e SWANWICK, 2002, p. 8). Segundo Hentschke (1991):

    Esta concepo parte de certos princpios que asseveram que a msica significa demonstrar habilidade emao menos um instrumento, capacidade de compor de acordo com o sistema tonal e capacidade dediscriminar elementos, estilos e compositores da msica. O papel do educador musical neste casorestringe-se ao de dispensador de um sistema tradicional vigente. No entanto se tal valor for tomadocomo carro-chefe de prticas de Educao Musical, o mesmo pode encaminhar-nos a uma prticaetnocntrica, ou seja, limitar o repertrio musical do aluno nossa cultura ocidental, ou maisespecificamente a repertrios regionais (HENTESCKHE, 1991, p. 60).

    Entretanto, para a educao musical destinada escola regular, o tipo de aprendizado mencionado acimanem sempre o mais indicado, seja pelas prprias condies oferecidas pelo sistema (aulas com turmascom nmero grande de alunos, ausncia de equipamentos tais como instrumentos musicais, alm dacarga horria insuficiente), seja pelo prprio objetivo da Educao Musical neste contexto (o de noformar msicos-instrumentistas, mas sim desenvolver a capacidade de compreenso da linguagem musicalcomo discurso simblico) (PENNA, 1991; FRANA; SWANWICK, 2002; SWANWICK, 2003).

    Neste sentido, Frana e Swanwick acreditam no que chamam de uma educao musical abrangente,como aquela que vai alm da concepo tradicional de ensino de msica (FRANA; SWANWICK, 2002, p.

    8). Tais autores defendem que no s a performance, mas tambm que a composio e a apreciaodevem constar de forma integrada e interativa a Educao Musical. Isto porque embora diferentes emsua natureza psicolgica, [as modalidade de composio, apreciao e performance] so indicadores dacompreenso musical e as janelas atravs das quais ela pode ser investigada (p. 7).

    A crena de que o fazer musical restringe-se apenas performance instrumental pode reforar a ideia,preconceituosa, de que a msica uma atividade reservada apenas para alguns indivduos portadores deum merecimento divino, ou inspirados. A prtica instrumental requer determinadas habilidadesmotoras que so adquiridas to somente atravs de muita prtica e esforo ao longo de certo tempo deestudo. Contudo, como j mencionado, a prtica instrumental no a nica maneira de adquirirconhecimento em msica e de demonstrar tal conhecimento. A performance que estar presente numaeducao musical dentro da escola regular vai alm da ideia de virtuosismo instrumental tradicionalmenteconhecido. Para Frana e Swanwick, a performance musical abrange todo e qualquer comportamentomusical observvel, desde o acompanhar de uma cano com palmas apresentao formal de uma obramusical para uma plateia (FRANA; SWANWICK, 2002, p 14).

    Concluso

    O sucesso de uma boa educao musical no contexto da educao formal exige a compreenso sobresuas etapas, valores e funes, que devem ser os principais guias para o trabalho do educador musical.Saber aonde se quer e se pode chegar atravs da educao musical, bem como utilizar de maneiraconsciente os meios que se podem adotar para se alcanar determinados objetivos so coisas queprecisam estar claras a todos os educadores musicais.

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    Para que haja maior clareza em relao a tudo isso, extremamente importante refletir e planejar aespara que a educao musical no se torne apenas um elemento alegrico no currculo escolar. Devemostrabalhar para que seus valores sejam compreensveis no s por msicos, mas pela sociedade em geral,incluindo diretores de escolas, pais, alunos e todos aqueles dispostos pela causa da educao. precisoconhecer as potencialidades da msica no desenvolvimento humano, desde o aspecto fsico at o mental,explorando todos os nveis de compreenso da msica enquanto linguagem. Se conseguirmos ofereceresse tipo de educao musical, estaremos dando importantes contribuies para que tenhamos, numfuturo prximo, indivduos mais capazes de agir de maneira crtica e consciente sobre o produto artstico

    de sua sociedade, e isso poder se refletir em questes sociais, polticas e, sobretudo, aquelasintrinsecamente humanas.

    Este artigo fruto da reviso bibliogrfica do projeto de pesquisa Msica e valor: concepes de diretoresde escolas da rede pblica estadual de Belo Horizonte sobre a aula de Msica, desenvolvido no Centro dePesquisa da Escola de Msica da UEMG e financiado pela FAPEMIG. Prev-se uma futura publicao com oresultado da pesquisa em momento oportuno.

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    Ana Carolina Nunes do Couto mestre e especialista em Educao Musical pela UFMG, graduada emLicenciatura em Msica pela UEL (PR). Atuou como professora da Escola de Msica da UEMG de 2005 a2009, onde idealizou e iniciou a pesquisa Msica e valor: concepes de diretores de escolas da redepblica estadual de Belo Horizonte sobre a aula de Msica, em andamento nesta instituio. Atualmente professora assistente no Departamento de Msica UFPE.Israel Rodrigues Souza Santos aluno do 6 perodo do curso de Licenciatura em Educao MusicalEscolar na Escola de Msica da UEMG. Atualmente bolsista de iniciao cientfica pela FAPEMIGparticipando da pesquisa intitulada Msica e valor: concepes de diretores de escolas da rede pblica

    estadual de Belo Horizonte sobre a aula de Msica (em andamento). Tambm atua como professor daFundao de Educao Artstica ministrando aulas de musicalizao e violo. Ministra aulas para alunos deescolas pblicas no programa de concertos didticos da Orquestra Filarmnica de Minas Gerais e oficineiro de musicalizao e violo no Programa Fica Vivo.

    COUTO, Ana Carolina Nunes; SANTOS, Israel Rodrigues Souza. Por que vamos ensinar Msica na escola?Reflexes sobre conceitos, funes e valores da Educao Musical Escolar. Opus, Goinia, v. 15, n. 1, p.110-125, jun. 2009. Disponvel na internet: