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Por Uma Sociologia da Globalização

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SASSEN, SASKIA. SOCIOLOGIA

DA GLOBALIZAÇÃO. PORTO ALEGRE.EDITORA ARTMED. 2010.

POR UMA SOCIOLOGIA DA GLOBALIZAÇÃO

Gisele Maria Ribeiro de Almeida*

Lidiane M. Maciel**

Saskia Sassen é uma socióloga holandesa, atualmenteprofessora da Universidade de Chicago, cujos trabalhos buscamanalisar a dinâmica que reproduz a economia global e suasrepercussões. Escreveu cerca de dez livros sobre essa temática,mas suas obras quase não foram traduzidas e editadas no Brasil.Exceção é o livro “As cidades na economia mundial” que foilançado pela Studio Nobel em 1998 e agora em 2010, o seupenúltimo livro chamado “Sociologia da Globalização” foipublicado pela editora Artmed.

Segundo a autora, o livro “Sociologia da Globalização” foi“encomendado” por Jeffrey Alexander e objetiva contribuir paraa compreensão do fenômeno da globalização e sua complexidade.Para dar conta desta tarefa, apresenta uma agenda de pesquisa epropõe caminhos analíticos para os estudos acerca da

* Doutoranda em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas– Unicamp.** Mestranda em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas– Unicamp.

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globalização, particularmente no que tange ao campo disciplinarda sociologia.

O livro é de alguma forma uma compilação das ideiasapresentadas em outras obras da autora, assim alguns capítulospodem parecer redundantes ao leitor que conhece sua obra. Noentanto, a revisão de seus argumentos traz contribuiçõesimportantes para um olhar sociológico atento a certos fenômenoscontemporâneos que na maior parte dos casos se apresentam comoefêmeros demais para serem captados pelo conhecimento científico.O livro de Sassen se propõe a enfrentar esse desafio e sugereelementos a serem considerados por uma “sociologia daglobalização”.

Além da introdução, bastante clara aos seus propósitos, aobra tem sete capítulos. No capítulo intitulado “Elementos parauma sociologia da globalização”, que abre a discussão, a autoraapresenta críticas aos estudos sobre o global, seu argumentoprincipal é que via de regra tais estudos incorporam noçõesequivocadas de lugar e de escala, por não reconhecer que arealidade da mundialização erigiu novos escalonamentossuperpostos, de forma que falar em subnacional ou supranacionalde maneira estanque não faz mais o menor sentido.

Portanto, para considerar a globalização de um ponto vistacrítico, a autora insiste na importância de se considerar o papelde esferas tipicamente nacionais na formação do sistema global.As cidades globais são para Sassen a melhor evidência de que asescalas não têm mais hierarquias rígidas, isso porque estas cidadesoferecem condições locais para o funcionamento de instituiçõesde atuação e alcance global, como os mercados de capitais.

Assim, para a autora, no âmbito das Ciências Sociais, nãoreconhecer que o modelo das hierarquias escalares implodiu podeser um entrave analítico nas pesquisas sobre a globalização, euma das evidências deste problema seria demonstrada pela faltade uma postura mais crítica, capaz de historicizar a escala donacional, e que normalmente tem resultado em uma percepçãorígida desta dimensão e impedido uma compreensão adequada

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deste processo global nas discussões elaboradas até o momentopela área disciplinar.

Avançando nesta perspectiva, Sassen discute em seguida o“lugar” do Estado no cenário da globalização e seu argumentocentral questiona o papel passivo que esse teria assumido na novaordem mundializada. Ao contrário, para ela o Estado-Nação temuma posição estratégica na globalização sendo, portanto, essencialque uma sociologia da globalização supere a visão analítica usual,que “enxerga” apenas o enfraquecimento deste frente aos processosglobais.

O papel do Estado para a autora é primordial porque cabea ele regulamentar a desregulamentar processos e prerrogativas.Desta forma, há um reposicionamento do Estado no campo depoder e a reconfiguração de sua atuação. Com isso, Sassen nãoignora o funcionamento de uma geografia do poder, a força dosEstados não é homogênea, de forma que a orientação e a definiçãodestas regulamentações e desregulamentações cabem aos maispoderosos.

As consequências disso para uma sociologia da globalizaçãoé que pela dinâmica do capitalismo global o dualismo entre Estadoe Mercado deixa de existir, dado que as exigências do mercadosão incorporadas pela institucionalidade estatal, temos então,como cita a autora “a formação de uma nova ordem institucionalprivada ligada a economia global” (p. 32)

Para Sassen, essa conjuntura econômica e institucional estálocalizada nas cidades globais, que se constituem em lugaresestratégicos para a reprodução da economia global, o que significaa exigência de uma materialidade, que está sediada nesses espaçosnacionais específicos. É importante frisar que isso ocorreporque a reprodução do capitalismo global é complexa e essacomplexidade repercute em demandas materiais e locais dentrode uma “geografia estratégica” que engendra as cidades globais.Estas cidades revelam tanto o processo de desnacionalizaçãoquanto o enraizamento local e material da globalização, voltandoao seu argumento de que a globalização realiza uma rupturacom a usual hierarquia de escala.

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Por isso, para a autora, as cidades globais e a rede que elasformam são pontos vitais na agenda de pesquisa de uma“sociologia da globalização”; isso porque é através das cidadesglobais e da rede que as conectam que a economia global éadministrada e, portanto reproduzida. Segundo Sassen, asgrandes cidades reconfiguram a nova ordem social e funcionamcomo uma “estrutura complexa” capaz de alinhavar os processosatualmente denominados de transfronteiriços. Assim, ao discutira cidade global, Saskia Sassen propõe a recuperação do “lugar” esuas “práticas sociais” pela sociologia da globalização.

O capítulo seguinte “A criação de migrações internacionais”,aborda as migrações internacionais como parte da dinâmica socialdesenvolvida nas cidades globais. A mão de obra imigrante éuma categoria transnacional importante na vida cotidiana dacidade global; um local no qual os imperativos globais que aatingem, acabam por transformá-la em “uma zona de fronteirapara um novo tipo de relação” (p. 107).

As migrações internacionais já eram objeto de reflexão daautora em livro anterior. Em “The Mobility of Labor and Capital:a Study in International Investment and Labor Flow”1 editadopela Universidade de Cambridge em 1988, Sassen demonstrou oequívoco das análises voltadas à compreensão do fenômenomigratório, que se mantêm limitadas aos condicionantes daorigem (como superpopulação, pobreza e estagnação econômica)e por isso pensam o fenômeno das migrações internacionais poruma ótica nacional. Sua proposta é que a compreensão destesfluxos exige que se contemplem fatores internacionais. Ao mesmotempo em que Sassen reconhece que estes fatores de expulsãopossam gerar pressões migratórias, isso não levaria à migraçãoem larga escala necessariamente. É preciso, como aponta, quehajam outros efeitos catalizadores da migração. No caso, estesefeitos resultam na formação de vínculos entre os países, como

1 Há uma tradução para o espanho. SASSEN, Saskia. La movilidad deltrabajo y del capital. Madri: Ministério de Trabajo y Seguridad Social,1993.

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os investimentos estrangeiros e a presença de empresasmultinacionais.

Opondo-se a uma visão econômica e unilateral explicativado fenômeno, Sassen reconhece o peso das representaçõesideológicas e os impactos para a subjetividade dos imigrantes nestecenário2, sejam elas criadas pelas conexões coloniaise neocoloniais, ou pela exposição diária a propaganda do mundoglobal que atingem diversas populações nos mais longínquosrecantos. Ou seja, não necessariamente são os países mais pobresque tem ou terão emigrantes, como seria pela ótica teórica da“atração versus repulsão”, mas sim aqueles nos quais houveinvestimentos estrangeiros e nos quais a cultura ocidental tevemais proeminência, ou seja, a questão é “como a globalizaçãoencurta a distância material e subjetiva entre o país de origeme destino” (p. 114).

Neste livro, Sassen recoloca suas críticas em relaçãoàs abordagens clássicas que supervalorizam os fatores de expulsãona origem. Seu objetivo é demonstrar como e quando as migraçõescontemporâneas são influenciadas particularmente pelaglobalização, enfim quais os fluxos que realmente poderiam servistos como estimulados por ela, dado que as migraçõesinternacionais já existiam antes da emergência do capitalismoglobal. Além da importância da variável “subjetividade doimigrante” anteriormente mencionada, a autora reconhece asingularidade que pode se manifestar em cada fluxo em particular;no entanto, metodologicamente sua sugestão é buscar astendências gerais, capazes de revelar os efeitos da globalizaçãoeconômica e cultural sobre estes deslocamentos humanos. Emoutras palavras, a autora menciona por exemplo que há semdúvida o peso da herança colonial em vários processos migratórios

2 “Guests and aliens” é um livro de Sassen que saiu pela editora NewPress de Nova York em 1999. Nesta obra, a autora apresenta um panoramahistórico das migrações internacionais na Europa nos últimos dois séculos.Seu objetivo encontrar nesta reflexão elementos que podem municiar odebate norte-americano sobre o assunto.

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destinados à Europa, mas sua ênfase está no reconhecimentodas “novas” dinâmicas que conectam esses locais de origeme destino dos migrantes. Os elos de ligação podem de fato seranteriores a esse processo, mas seu argumento é que diante daglobalização acabam por ser reconfigurados ou mesmorestabelecidos. Aponta também a possibilidade da instauração deligações totalmente novas, engendradas no interior da dinâmicaglobal. A tarefa então é identificar como e porque isso acontece,em ambos os casos.

Nessa nova etapa migratória, o agenciamento e aexportação organizada de trabalhadores ganha importância namedida em que sustenta a reprodução do capital global, pelaformação de uma classe de trabalhadores internacionais malremunerados e que representa uma importante fonte de divisaspara muitos países, geradas pelas remessas direcionadas as famíliasque ficam. As redes que se formam seja no recrutamento legal detrabalhadores, seja no tráfico de pessoas, criam novas dinâmicasfundamentais porque viabilizam que a migração internacionalse torne uma possibilidade real para muitos indivíduos queoutrora não a vislumbrava como alternativa de sobrevivência.A “criação” das migrações internacionais estabeleceu, para alémdas velhas e novas conexões econômicas, novas formas deconexões e, sobretudo de dependência entre os países.

Assim, caminhando para última parte do livro, Sassen,apresenta a problemática das classes globais, que em algumamedida toca a temática das migrações internacionais. A autorabuscou compreender a emergência destas classes pelo referencialsociológico e, na sua avaliação, o conceito de classes sociais nãoestá perdendo significado heurístico. Ao contrário, podeestabelecer caminhos analíticos profícuos na discussão de comopráticas e culturas específicas assumem relevância nos mecanismosde funcionamento da estrutura econômica mundializada.

Para a autora as classes ainda são entendidas enquantoforma de agregar grupos sociais, e devem ser pensadas a partir decritérios objetivos e subjetivos. Sassen identificou três classesglobais: as elites transnacionais, as redes transnacionais formadas

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por autoridades governamentais e a classe global de trabalhadoresdesfavorecidos e ativistas engajados em organizações da sociedadecivil global. A hipótese da autora é que apesar da aparência, taisclasses não são cosmopolitas, todas elas de uma forma ou de outraestão localizadas e informadas por contextos particulares, pelosgovernos nacionais ou ainda por microestruturas presentes nocotidiano. Em resumo, estas classes são reconhecidas como forçassociais emergentes com capacidade de influenciar a políticagovernamental nacional. Mais uma vez, as questões que envolvemas escalas cruzadas e o enraizamento local são retomadas comoinerentes à reprodução do capital global.

Frente às classes globais e sua posição intermediária entreo local e o global, Sassen também vislumbra a ação dos atoreslocais na política global, e dedica a penúltima parte do livroa esses atores, ao refletir sobre a presença deles nas esferas públicasnacionais e global. Apesar do aparente paradoxo, para a sociólogaisso ocorre em função da maior permeabilidade da arena políticainternacional, que teria sido resultado dos efeitos da própriaglobalização e das novas Tecnologias de Informaçãoe Comunicação (TICs).

A infraestrutura criada pelo capitalismo global deixa defuncionar apenas servindo à reprodução desta ordem global, parapermitir que aflorem atores e lutas engajados em questioná-la.Estes “atores globais” que emergem estão situados em localidadesespecíficas, mas compõem redes sociais e esferas públicas de âmbitomundial. Como resultado, estes atores que são locais pelas lutasque travam e pelo espaço que os circundam acabam por integrarlutas e espaços transfronteiriços. Há um processo semelhante à constituição das cidades globais e da rede por elas criadas, noentanto cabe distinguir, de acordo com Sassen, que as novaspráticas e técnicas políticas engendradas pelas TICs viabilizam aatuação de áreas periféricas, processo que pode impactara geografia do poder estabelecida. A política local que a prioriestaria enfraquecida no contexto da globalização pode, diantedeste cenário, ser potencializada, assim como significados eimaginários globais podem aí se difundir e daí emergir.

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O último capítulo dedica-se a “fechar” a discussão, poisapresenta uma reflexão sobre como estas “novas” formaçõesglobais se articulam aos desafios de uma agenda de pesquisarelativa ao campo da sociologia em particular, e que é afinal decontas a preocupação que norteou a obra. O cerne, a partir daqual se desenrola a argumentação da autora, é a noção defronteira. Das fronteiras nacionais a contextualizadas, nas quaisas demarcações geográficas simplificadoras dão lugar a “outrasinstituições e envolvem mais locais do que sugerem asrepresentações comuns” (p. 179). Para Sassen, os processos deglobalização foram responsáveis por criar novas fronteiras,redefini-las ou resignificá-las. Se até então o nacionalismometodológico foi norteador das análises sobre geopolítica nosúltimos séculos, a nova realidade impõe reformulações, na medidaem que a noção de fronteira perde sua singularidade restrita aoEstado-Nação para abarcar novas formações, nas quais asfronteiras podem ser eliminadas como no caso do mercado decapitais, fortalecidas como no maior controle do fluxo de pessoas,ou ainda ampliadas como se verifica nos tratados e instituiçõesinternacionais.

Apreender os espaços virtuais e suas potencialidadesenquanto práticas e culturas recolocam os desafios para o manejode noções como fronteira, escala e lugar, ao mesmo tempo emque neste arranjo se define o objeto de uma sociologia de espaçosdigitais globais que colocam novos atores sociais na arena políticada globalização.

Portanto, é trazendo à baila esse caleidoscópio que se formapelo entrelaçamento destas complexas questões é que Sassenpropõe uma agenda de pesquisa para uma sociologia daglobalização. As temáticas por ela selecionadas foram gestadaspela dinâmica global desenhada nas últimas décadas.A contribuição teórica da autora para uma sociologia daglobalização propõe uma leitura revisitada dos aspectos que aoseu ver compõem os desafios analíticos atuais como, por exemplo,a necessidade de rever a noção de hierarquia bem como dorelacionamento que se estabelece entre as esferas hierárquicas

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presentes. A recuperação do local e do nacional nas análises sobreo global situa-se como a dimensão que melhor exemplifica aproposta apresentada por Saskia Sassen neste livro, pois a partirdeste novo entendimento do global é que para ela se revelam asperspectivas analíticas que podem de fato viabilizar umentendimento do fenômeno em questão.