28
Pós-Graduação em Direito Público Disciplina: Direito Tributário LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 5 ÍNDICE LEITURA OBRIGATÓRIA 1..... P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA 2..... P. 14 A 28

Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

  • Upload
    lephuc

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

Pós-Graduação em Direito Público

Disciplina: Direito Tributário

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 5

ÍNDICE

LEITURA OBRIGATÓRIA 1..... P. 02 A 13

LEITURA OBRIGATÓRIA 2..... P. 14 A 28

Page 2: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

2

APLICAÇÃO PRÁTICA DA MEDIDA CAUTELAR FISCAL

A medida cautelar fiscal possibilita garantir o crédito tributário constituído ou

por constituir, sabendo-se que no processo cautelar não existe lugar para decisão definiti-

va acerca da sujeição dos bens dos requeridos, discussão que é própria à ação de execu-

ção.

1. INTRODUÇÃO

Após a conclusão dos procedimentos fiscais pelo órgão fazendário, em face

de pessoa jurídica, constitui-se o crédito tributário, mediante lavratura do respectivo

auto de infração.

A existência de débitos tributários, em não havendo patrimônio conhecido

da empresa, pode dar causa à propositura de ação cautelar, com base no procedi-

mento fiscal instaurado, como veremos a seguir.

2. DO CABIMENTO DA AÇÃO CAUTELAR FISCAL

Plenamente cabível o ajuizamento de ação para resguardo dos interesses da

Fazenda, dos seus créditos públicos de expressiva monta, de responsabilidade de

empresas e seu sócio-administrador, a fim de evitar que ocorra ou prossiga o desvio

de bens da sociedade, agravando-se ainda mais a situação.

A medida cautelar fiscal, no caso, encontra amparo no art. 2º, mais especi-

almente inc. VI e inc. IX, da Lei 8.137/1992:

Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo

de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor:

I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou

deixa de pagar a obrigação no prazo fixado;

II - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a eli-

dir o adimplemento da obrigação;

III - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens;

Page 3: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

3

IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu pa-

trimônio;

V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do

crédito fiscal:

a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade;

b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;

VI - possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultra-

passem trinta por cento do seu patrimônio conhecido;

VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da

Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei;

VIII - tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo

órgão fazendário;

IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédi-

to.

Disciplinando os requisitos probatórios necessários à concessão da medida

cautelar fiscal, tem-se o art. 3º da Lei 8.137/1992:

Art. 3° Para a concessão da medida cautelar fiscal é essencial:

I - prova literal da constituição do crédito fiscal;

II - prova documental de algum dos casos mencionados no artigo anteceden-

te.

Para os fins do art. 3º, inc. I, da Lei 8.397/1992, necessário que o crédito

tributário seja constituído mediante a lavratura de auto de infração , formalizado em

processo administrativo fiscal.

Acerca da prova da constituição do crédito tributário, elucidativo preceden-

te do STJ:

“(...) Consoante doutrina o eminente Ministro José Delgado: ‘Há entre os

pressupostos enumerados um que é básico: a prova de constituição do crédito fiscal.

O inciso I do art. 3º da Lei nº 8.397/92 não exige constituição definitiva do crédito

fiscal; exige, apenas, que ele encontre-se constituído. Por crédito tributário consti-

tuído deve ser entendido aquele materializado pela via do lançamento. A respeito

do momento em que o crédito tributário deve ser considerado para o devedor

Page 4: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

4

como constituído, há de ser lembrado que, por orientação jurisprudencial, este

momento é fixado quando da lavratura do auto de infração comunicado ao contri-

buinte.’ (Artigo Aspectos doutrinários e jurisprudenciais da medida cautelar fiscal,

na obra coletiva Medida cautelar fiscal. Coordenadores: Ives Gandra da Silva Martins,

Rogério Gandra Martins e André Elali. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 79)“ (STJ, 1ª

Turma, REsp 466.723/RS, rel. Min. DENISE ARRUDA, j. 06.06.2006, DJ 22.06.2006, p.

178).

Além disso:

Convém ressaltar que na ação cautelar fiscal não se exige o crédito tributá-

rio, mas apenas se resguarda futura e eventual ação de execução, em garantia do

patrimônio público. A pendência de causa de suspensão da exigibilidade do crédito

tributário não pode ser considerada como um impedimento absoluto à cautelar fiscal.

De fato, se a própria Lei n. 8.397/92 admite o manejo da cautelar, em certas hipóte-

ses, mesmo antes da constituição do crédito tributário, é inegável que a teleologia

legal aí implícita é a de assegurar, tanto quanto possível, o futuro adimplemento das

obrigações tributárias descumpridas e dos respectivos acessórios (TRF 3ª REGIÃO, 3ª

Turma, AG 200703000109178/SP, rel. CECILIA MARCONDES, j. 24.10.2007, DJU

28.11.2007, p. 260).

E, ainda:

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por si só, não obsta a

concessão de liminar em medida cautelar fiscal (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AG

200704000086041/SC, j. 20.06.2007, D.E. 17.07.2007).

Aliás, mesmo que o débito estivesse parcelado – causa de suspensão de exi-

gibilidade –, a ação cautelar fiscal poderia ser intentada:

O Fisco tem interesse jurídico na ação cautelar fiscal que visa à indisponibi-

lidade dos bens do devedor, mesmo que ele tenha aderido ao REFIS, pois tal fato não

é impeditivo da manutenção dos gravames efetuados no patrimônio do contribuinte

em ações anteriormente ajuizadas. Está presente requisito para a decretação de in-

disponibilidade dos bens, pois há documentação nos autos a comprovar que a empre-

sa possui débitos que ultrapassam trinta por cento de seu patrimônio conhecido (TRF

4ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 200071000093900/RS, rel. VILSON DARÓS, j. 07.02.2007,

D.E. 28.02.2007) .

Page 5: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

5

Ainda acerca do crédito tributário e da afetação que o início de sua consti-

tuição produz em face dos bens do devedor e responsáveis, mutatis mutandis, traz-se

oportuníssimo precedente do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO:

(...) 8. Uma vez que o início do procedimento de fiscalização deflagra jus-

tamente a possibilidade de constituição do crédito tributário, sabendo o contribuinte

que o fisco examinaria a escrita contábil e os livros fiscais, a fim de investigar o des-

cumprimento de obrigações tributárias, não há falar em ausência do pressuposto cen-

tral de admissibilidade da ação revocatória - a anterioridade do crédito aos atos de

alienação que reduziram o devedor à insolvência ou ao estado de insolvência. Foi a

previsibilidade do desenlace da ação fiscal que motivou a transferência dos bens a

terceiros, transparecendo o propósito de malograr a satisfação dos créditos tributá-

rios. 9. (...). Não é possível exigir do fisco a mesma dinâmica que caracteriza os ne-

gócios, pois o lançamento tributário consiste em ato administrativo vinculado, cujos

requisitos são notoriamente mais rigorosos que os atos de direito privado. (...). (TRF

4ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 200171050018732/RS, rel. JOEL ILAN PACIORNIK, j.

02.05.2007, D.E. 22.05.2007) .

À luz do disposto no inciso VI do art. 2º da Lei 8.397/1992, a medida cautelar

fiscal é providência que se impõe para o devido resguardo dos direitos de cobrança

do crédito.

Nesse contexto, esta ação serve para tornar indisponíveis tantos bens quan-

tos bastem à satisfação do crédito − inclusive do sócio-administrador de fato, no caso

de inexistência de bens da pessoa jurídica − tudo nos termos do art. 4º, caput e pa-

rágrafo primeiro, da Lei 8.397/1992. Nesse sentido, o inteiro teor do dispositivo le-

gal:

Art. 4° A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a in-

disponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação.

§ 1° Na hipótese de pessoa jurídica, a indisponibilidade recairá somente so-

bre os bens do ativo permanente, podendo, ainda, ser estendida aos bens do acionis-

ta controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes

para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais, ao tempo:

a) do fato gerador, nos casos de lançamento de ofício;

b) do inadimplemento da obrigação fiscal, nos demais casos.

§ 2° A indisponibilidade patrimonial poderá ser estendida em relação aos

bens adquiridos a qualquer título do requerido ou daqueles que estejam ou tenham

Page 6: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

6

estado na função de administrador (§ 1°), desde que seja capaz de frustrar a preten-

são da Fazenda Pública.

§ 3° Decretada a medida cautelar fiscal, será comunicada imediatamente ao

registro público de imóveis, ao Banco Central do Brasil, à Comissão de Valores Mobi-

liários e às demais repartições que processem registros de transferência de bens, a

fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a constrição judicial.

A medida cautelar fiscal se afigura em instrumento jurídico que possibilita

garantias consistentes para o crédito tributário constituído ou por constituir, saben-

do-se que no processo cautelar não existe lugar para decisão definitiva acerca da

sujeição dos bens dos requeridos, discussão que é própria à ação de execução.

Considerando-se ser a segurança (e não o bem propriamente dito) o cerne do

processo cautelar, para a procedência da ação, somente é necessário que se demons-

tre a plausibilidade jurídica da tese alegada.

Ou seja, deve apenas haver fundada probabilidade (não se exigindo certeza)

de que o patrimônio da pessoa jurídica e física requerida venha a ser chamado a su-

portar os ônus da execução.

As regras que presidem a cautelar fiscal, veiculadas inicialmente pela Lei

8.397/1992, com as posteriores alterações promovidas pela Lei 9.532/1997, permi-

tem a constrição do patrimônio do devedor e, desse modo, a inibição de qualquer

atitude que possa significar esvaziamento patrimonial que leve à insolvência.

Nesse sentido, falando genericamente sobre as tutelas jurisdicionais de cu-

nho cautelar, HUMBERTO THEODOR JUNIOR ensina:

Consiste, pois, a ação cautelar no direito de provocar, o interessado, o órgão

judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo

(pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irre-

parável ao interesse tutelado no processo principal; vale dizer: a ação cautelar con-

siste no direito de “assegurar que o processo possa conseguir um resultado útil” (Cur-

so de Direito Processual Civil, v. II, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 358)

No tipo de ação cautelar da qual aqui se trata, à luz da existência de regra-

mento específico e próprio, despicienda qualquer demonstração, em separado, dos

requisitos genéricos das ações cautelares − fumus boni iuris e periculum in mora −,

Page 7: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

7

eis que já devem ser tidos como atendidos apenas pela demonstração das situações

fáticas que constam dos requisitos exigidos para propositura da ação prevista na Lei

8.397/1992, que autoriza as providências cautelares naquelas hipóteses que específi-

ca.

Importante destacar que “(...) havendo motivos suficientes, deve ser assegu-

rada à Fazenda Nacional o cumprimento da obrigação tributária em aberto, por meio

da cautelar fiscal e consequente constrição judicial de bens”, e também que “a lei

permite a concessão de medida cautelar fiscal mesmo quando há suspensão da exigi-

bilidade do crédito tributário” (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 95.04.08588-1/RS, rel.

JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA, j. 21.03.2000, DJ 05.04.2000, p. 17).

De todo modo, o fumus boni iuris emerge de toda a fundamentação trazida

na ação, ao passo que o periculum in mora restará evidente ao se comprovar que, se

permanecerem os bens do devedor livres e desembaraçados, estes poderão ser trans-

feridos, a qualquer título, inclusive a terceiros de boa-fé, inviabilizando a quitação

do crédito público.

Importante salientar que a Lei 8.397/1992, em seu art. 7.º, caput, trouxe

disposição autorizadora clara e expressa: “O Juiz concederá liminarmente a medida

cautelar fiscal, dispensada a Fazenda Pública de justificação prévia e de prestação

de caução”.

3. COMPETÊNCIA JUDICIAL

A competência do juízo para o processamento da ação é regida pelo artigo 5º

da Lei 8.397/1992:

Art. 5° A medida cautelar fiscal será requerida ao Juiz competente para a

execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.

Parágrafo único. Se a execução judicial estiver em Tribunal, será competen-

te o relator do recurso.

4. LEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO-ADMINISTRADOR

Page 8: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

8

A responsabilidade pessoal pelo crédito tributário pode surgir pelo cometi-

mento de ilícito tributário objeto de auto de infração.

Nesse sentido:

TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR FISCAL. LEI-8397/92 (06.01.92) ART-7. Se há

fundado receio de inviabilidade da cobrança da dívida fiscal, por irregularidades pra-

ticadas na sociedade devedora, justifica-se o arresto de bens, inclusive do sócio-

gerente (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AG 97.04.05132-8/SC, rel. VLADIMIR FREITAS, j.

11.11.1997, DJ 24.12.1997, p. 112.538) .

A base legal para a mencionada responsabilização pessoal encontra-se no

art. 135, inc. III c/c art. 136, ambos do CTN. Colaciona-se precedente:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO DOS

SÓCIOS. ARTIGOS 135 E 136 DO CTN. 1. Nos termos do art. 135 do CTN, respondem

pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias os gerentes,

administradores ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado quando

agirem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. 2. A

responsabilidade por infrações da legislação tributária não depende de culpa ou dolo

do agente ou responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do dano.

Art. 136, CTN. 3. Apelação improvida.” (TRF 3ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 381.104, rel.

OLIVEIRA LIMA, j. 14.08.2001. DJU 06.11.2001, p. 323)

Oportuno invocar, relativamente à matéria da responsabilização pessoal de

sócios, também os arts. 124 e 128 do CTN − constantes da Seção II (Solidariedade) do

Capítulo IV (Sujeito Passivo) e da Seção I (Disposição Geral) do Capítulo V (Responsa-

bilidade Tributária) − a seguir transcritos:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato

gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefí-

cio de ordem.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de mo-

do expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao

fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte

Page 9: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

9

ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da refe-

rida obrigação.

Do art. 124, inc. I, do CTN, extrai-se que, quando duas ou mais pessoas esti-

verem ligadas por interesse comum ao fato gerador, dar-se-á a solidariedade legal

presumida. Desta forma, e como também diz o art. 128 supra, qualquer pessoa que

esteja vinculada ao fato gerador é devedora solidária em relação ao crédito tributá-

rio.

Ora, é óbvio que os sócios de uma empresa - especialmente o sócio-

administrador - têm interesse comum na ocorrência do fato gerador. E também o

têm os demais sócios, porquanto, é com base no conjunto de atos realizados, que

dentre outras coisas se consubstanciam em fatos geradores tributários, que a empre-

sa auferirá seus resultados e, muito especialmente, os lucros que beneficiarão os

cotistas.

Todo e qualquer dirigente de empresa, na condição de gestor do negócio, ao

deixar de recolher os tributos devidos por ela infringe a lei, pois ele deve administrar

e cumprir regularmente as obrigações que contrai em nome dela, já que a personifi-

cação representada pela pessoa jurídica não lhe confere vida animada.

Em outras palavras, os atos da empresa são sempre praticados através da

vontade de seus dirigentes, de seus representantes. Daí a solidariedade destes em

relação às obrigações que contraem em nome daquela. A responsabilidade solidária

em tal caso é presumida posto que a situação configurada na lei (art. 124, inc. I) é

aquela em que todos os envolvidos ganham simultaneamente com o fato econômico

(fato gerador). Em corroboração ao afirmado, claro precedente jurisprudencial:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - MC (FISCAL): INDISPONIBILIDADE DOS BENS

DOS AGRAVANTES (EMPRESA E SÓCIO-GERENTE) PARA GARANTIA DE FUTURA EXECU-

ÇÃO FISCAL - DÉBITO QUE ULTRAPASSA A 30% DO PATRIMÔNIO CONHECIDO - LEGITI-

MIDADE RECURSAL DAS PARTES LIMITADA (INDIVIDUALMENTE) À SUA SEARA ESPECÍFICA

–RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR EXPRESSAMENTE PREVISTA NO ART. 4º, §1º,

DA LEI N. 8.397/92 - AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO QUANTO À INDISPO-

NIBILIDADE DOS BENS DO CO-RESPONSÁVEL E NÃO PROVIDO EM RELAÇÃO À EMPRESA.

1 - O procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado após a constituição do cré-

dito, quando o devedor possuir débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa que, soma-

dos, ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido (art. 2º, VI, da Lei n.

8.397/1992, na redação da Lei n. 9.532/1997). (...) 3 - Àquele que administra bens,

ai entendida a administração da sociedade, é atribuída responsabilidade tributária

Page 10: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

10

solidária (subsidiária), por expressa determinação legal, aparada na letra do art. 128,

que comete à lei a atribuição da responsabilidade tributária. 4 - Possibilidade de in-

disponibilização dos bens também do sócio-gerente da empresa à época da ocorrên-

cia dos fatos geradores dos débitos (art. 4º da Lei n. 8.397/92). 5 - Peças liberadas

pelo Relator, em 28/05/2007, para publicação do acórdão. (TRF 1ª REGIÃO, 7.ª Tur-

ma, AG 200601000343250/BA, rel. LUCIANO TOLENTINO AMARAL, j. 28.05.2007, DJ

15.06.2007, p. 75)

A própria Lei 8.397/1992, que instituiu a medida cautelar fiscal, em seu art.

4º, parágrafo 1º, é clara ao permitir que a indisponibilidade patrimonial seja estendi-

da aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou

estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais ao

tempo do fato gerador e do inadimplemento da obrigação fiscal – sócio administrador

de fato ou de direito.

A interpretação jurisprudencial acerca da legitimidade passiva em questão

pode ser muito bem aferida pela leitura do seguinte precedente do TRIBUNAL REGIO-

NAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, que bem sintetiza os aspectos a ela relacionados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR

FISCAL. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. 1. Hipótese em que a dívida cautelar fiscal foi

deferida contra a empresa, com fundamento no art. 2º, VI, da Lei nº 8.397/92, por

ser o valor da dívida muito superior ao seu patrimônio conhecido e em razão dos seus

sucessivos prejuízos, e extensivamente ao sócio, com apoio no art. 2º, VI, e art. 4º,

ambos da Lei nº 8.397/92, e artigo 50 do Código Civil. 2. Havendo a possibilidade de

evasão fiscal, aliado a outros fatores (interligação/confusão patrimonial entre sócio e

empresa; possível simulação; doação formalizada após longo período de inadimplên-

cia fiscal, com o intuito de frustrar a execução de bens de raiz), é de ser mantida a

indisponibilidade dos bens. 3. A indisponibilidade dos bens, por ser medida de caute-

la, objetiva assegurar eventual futuro redirecionamento, mas não se confunde com

esse e, portanto, não implica constrição do patrimônio do sócio, que não fica privado

de usar e fruir os bens, mas apenas deve observar a restrição ao direito de deles dis-

por, a fim de que se conservem como garantia, para o caso de eventual redireciona-

mento da execução. 4. Agravo de instrumento improvido. (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma,

AG 200604000113611/SC, rel. ARTUR CÉSAR DE SOUZA, DJU 12.07.2006, p. 848)

5. POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DE PEDIDOS TAMBÉM COM BASE NO PODER GE-

RAL DE CAUTELA

Page 11: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

11

No que diz respeito às medidas acautelatórias que podem ser determinadas

no bojo da ação cautelar fiscal, tem a jurisprudência se inclinado a admitir que − à

luz de cada caso concreto − podem ser as mais amplas possíveis, não estando o juiz

adstrito, de forma extremamente rígida, apenas àquilo que a Lei 8.397/1992 precei-

tua.

Não se pode descartar a possibilidade de uso do próprio poder geral de cau-

tela − presente, por exemplo, no art. 615, inc. III ou no art. 798, ambos do CPC −

como embasamento jurídico para determinação de providências cautelares pontuais

e mais abrangentes do que aquela inicialmente prevista na Lei 8.397/1992, úteis ao

resguardo do futuro resultado do processo principal, em que se veiculará o interesse

jurídico que se pretende por ora resguardar. Em corroboração do afirmado, traz-se,

mutatis mutandis, elucidativo precedente jurisprudencial:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR FISCAL. IMÓVEL. INDISPONIBILIDADE.

ALUGUÉIS. INDÍCIOS DE FRAUDE. 1. O deferimento do depósito dos aluguéis configura

pedido diverso da indisponibilização do bem, decretada com base no art. 4º da Lei

8.397/92. Nesta hipótese, a indisponibilidade do bem não atinge, via de regra, seus

frutos e rendimentos. O depósito dos aluguéis, por outro lado, pode ser deferido pelo

Juízo, em face de seu poder geral de cautela, quando houver indícios de irregulari-

dades ou fraudes na locação do imóvel, para o fim de ludibriar o Fisco. Precedentes

da Segunda Turma desta Corte. 2. No caso em tela, há indícios que levam a crer que

a empresa, por seus sócios, pretende esquivar-se ao pagamento dos tributos e dívidas

existentes. Assim, em face do poder geral de cautela deve ser estendida a medida de

indisponibilidade aos frutos civis decorrentes do aluguel de bem imóvel já indisponí-

vel. (TRF 4ª REGIÃO, 2ª Turma, AG 200504010418682/SC, rel. MARGA INGE BARTH

TESSLER, D.E. 12.03.2008)

Com isso, se está afirmando que é perfeitamente admissível, por exemplo, o

arresto de bens do sócio-administrador de fato das empresas devedoras, inclusive e

muito especialmente porque não fazem parte do ativo imobilizado da empresa, não

suficiente à satisfação dos créditos tributários.

Tais medidas não estariam sendo deferidas com base na Lei 8.397/1992,

mas, sim, com base no poder geral de cautela aplicado em face das peculiaridades e

da gravidade do caso concreto, em decorrência de pedidos que são veiculados − até

por questão de economia processual − no bojo da própria ação cautelar fiscal.

Outro precedente do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, embasan-

do-se em jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSJTIÇA, que vai nesse exato

sentido:

Page 12: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

12

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. PESSOA JURÍDICA. EX-

TINÇÃO DE FATO E INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. BENS DO

ATIVO NÃO PERMANENTE. INDISPONIBILIDADE. ART. 4º, § 1º, DA LEI Nº 8.397/92. 1. A

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite que, em situações excepcio-

nais, os efeitos da medida cautelar fiscal atinjam também os bens do ativo não per-

manente da empresa. Precedentes. 2. Situação excepcional demonstrada, face à

extinção de fato da empresa e à insuficiência de bens para a garantia do crédito tri-

butário, permitindo que a indisponibilidade recaia sobre outros bens e direitos não

incluídos no ativo permanente. 3. Agravo de instrumento improvido. (TRF 4ª REGIÃO,

2ª Turma, AG 200604000193552/RS, rel. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, j. 31.10.2006,

DJU 22.11.2006, p. 414)

6. PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS AO LONGO DO CURSO DA AÇÃO

A indisponibilidade de bens, em sede de ação cautelar fiscal, pode se dar em

qualquer fase da ação, em respeito à própria dinâmica inerente às movimentações

patrimoniais, sem que isso possa ser interpretado como qualquer espécie de altera-

ção de pedido ou coisa que o valha.

Em corroboração ao afirmado:

2. Não se deu alteração de pedido, a viciar a relação processual: almejando

a cautelar fiscal indisponibilidade de acervo, esta a pretensão, veemente que a iden-

tificação do(s) bem(ns) da vida a atingir possa se sujeitar ao dinamismo inerente às

movimentações/localizações patrimoniais. (...) 4. Incumbe enfatizar-se sobre a índo-

le do processo cautelar, o qual se traduz no mecanismo de obtenção de uma provi-

dência assecuratória da subsistência e conservação, material e jurídica, de um bem.

5. Realça-se o cunho provisório e instrumental da cautelar, pois dura até que fato

superveniente a torne desnecessária ou que a medida definitiva a substitua, existindo

não com finalidade própria, mas em função de outro processo (TRF 3ª REGIÃO, 2ª

Seção (Turma Sup.), AC 96030519251/SP, rel. SILVA NETO, v.u. 25.10.2007, DJU

05.11.2007, p. 625).

O entendimento é correto, pois, porque, pela sua própria natureza e finali-

dade, a ação cautelar fiscal se destina à obtenção de indisponibilidade de acervo

patrimonial, que encontrará limite apenas no montante do crédito existente.

Page 13: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

13

Sendo assim, enquanto não garantido o montante total do crédito em ques-

tão, sempre que encontrados outros bens do requerido, poderão estes também ser

tornados indisponíveis.

7. PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL

Finalizando, a execução fiscal do crédito tributário inscrito em dívida ativa

deve ser proposta nos exatos termos do artigo 11 da Lei 8.397/1992, que determina

que, “quando a medida cautelar fiscal for concedida em procedimento preparatório,

deverá a Fazenda Pública propor a execução judicial da Dívida Ativa no prazo de ses-

senta dias, contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera ad-

ministrativa”.

Currículo Resumido:

MAURO EVARISTO MEDEIROS JUNIOR

Procurador da Fazenda Nacional lotado em Joaçaba (SC). Pós-graduado em

Direito Civil pela PUC-MG.

Como citar este texto:

JUNIOR, Mauro Evaristo Medeiros. Aplicação prática da medida cautelar fis-

cal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3267, 11 jun. 2012 . Disponível

em: <http://jus.com.br/revista/texto/21965>. Acesso em: 21 mar. 2013. Material da

5ª aula da disciplina Direito Tributário, ministrada no Curso de Pós-Graduação de

Direito Público–Anhanguera-Uniderp/ Rede LFG.

Page 14: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

14

COISA JULGADA TRIBUTÁRIA E INCONSTITUCIONALIDADE

1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

Uma das grandes questões vividas pelo Direito Tributário brasileiro nos últimos anos repousa no adequado tratamento que deve ser atribuído à decisão judicial tran-sitada em julgado definindo aspectos relacionados à constitucionalidade de normas tributárias.

Os problemas vão desde a definição do real alcance que a coisa julgada em matéria tributária possui no que tange às alterações que promovem no estatuto jurí-dico, que deve reger no futuro a relação jurídica tributária até o sentido que pronún-cias individuais de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de normas tributárias devem assumir, quando em momento posterior ocorrem decisões do Supremo Tribu-nal Federal, em controle difuso ou concentrado, em sentido contrário.

2. NATUREZA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA

Gian Antonio Micheli acentua que a coisa julgada importa uma nova normati-zação que as partes devem observar como (quale) uma lex specialis que substitui a antes existente e se impõe tanto à parte sucumbente quanto à parte vencedora; esta última pode renunciar ao resultado a ela favorável, como pode entrar em acordo com parte vencida para uma nova disciplina da relação, todavia as partes não podem le-var, mais uma vez, a controvérsia diante do juiz no intuito de obterem uma nova sentença.

Na doutrina pátria, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery também utilizam a expressão lex specialis para designar o especial efeito normativo produzi-do pela autoridade da coisa julgada no âmbito das relações jurídicas concretamente definidas pelo Poder Judiciário, afirmando que a sentença de mérito transitada em julgado caracteriza-se como lex specialis entre as partes, que prevalece contra a lex generalis existente no ordenamento jurídico.

Os efeitos (e a autoridade) da coisa julgada não estão apenas do dispositivo da sentença, mas na norma jurídica nela albergada, isto é, no comando deôntico regu-lador do conflito ele interesses levado à apreciação do Poder Judiciário. Tal comando é o resultado do conjunto de elementos fáticos e jurídicos debatidos no processo, diante dos quais o mesmo é proferido. Logo, o alcance da coisa julgada não deve ser aferido apenas por meio da análise do dispositivo sentencial, mas do conjunto dos elementos contidos nos autos, e que constituíram a matéria-prima perante a qual foi proferida a decisão judicial.

A imutabilidade da norma jurídica consubstanciada na sentença judicial refe-re-se à situação (fática e jurídica) chame da qual a mesma foi proferida. Se tal situa-ção sofrer alterações cessa a eficácia da coisa julgada. Esta é, a rigor, uma caracte-rística geral de todas as sentenças de mérito e não apenas daquelas proferidas nas chamadas relações jurídicas continuativas.

Neste sentido, a decisão judicial de natureza declaratória definidora do regi-me jurídico que deve regular a relação jurídica tributária tem eficácia similar a uma

Page 15: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

15

lex specialis (Micheli), ou seja, consubstanciará a norma jurídica individual e concre-ta que regulará os fatos jurídicos sobre a qual o pronunciamento judicial se baseou na resolução da lide. Se o autor não limitar temporalmente o alcance do pedido, a coisa julgada atingirá todos os fatos jurídicos tributários de idêntica natureza, embo-ra ocorridos posteriormente ao trânsito em julgado da decisão declaratória.

A norma jurídica individual e concreta transitada em julgado definirá um “es-quema de agir” entre Estado e contribuinte na feliz expressão de Tércio Sampaio Ferras Junior. Segundo esse autor, quando se requer que o decisum de uma sentença, para valer para processos futuros, envolva as mesmas partes, a mesma causa petendi e o mesmo objeto, obviamente que a pressuposta identidade não pode se referir ao ato concreto, único e irrepetível, mas aos esquemas de agir ou atividade.

Vale observar que a idéia de “esquema de agir” aplica-se perfeitamente às hipóteses de lides tributárias de cunho declaratório em que o pronunciamento judici-al opera-se fundamentalmente sobre a validade das normas jurídicas que devem re-ger a relação jurídica tributária, de modo que transitada em julgado decisão definin-do judicialmente o regime jurídico a ser aplicado a determinados fatos geradores, a autoridade da coisa julgada projeta-se no futuro fixando um “esquema de agir” entre Administração Tributária e contribuinte.

Portanto, a decisão judicial transitada em julgado pela qual define-se o regi-me jurídico da relação tributária, mediante o afastamento de normas tributárias por razões de inconstitucionalidade, consubstancia comando revelador de um esquema de agir; com efeitos pro futuro desde que mantidas as mesmas circunstâncias fáticas e jurídicas subjacentes a sua (decisão) pronúncia.

3. A QUESTÃO DE CONSTITUCIONALIDADE E A COISA JULGADA PREEXISTEN-TE

O Direito Tributário brasileiro é marcado pela excessiva litigiosidade, resulta-do do acirramento do conflito entre Administração Tributária e sociedade em tema de tributação, que vem corroendo a própria efetividade social das normas tributá-rias, o que pode ser comprovado pelo crescimento de lançamentos tributários lavra-dos pela Administração em razão de descumprimentos dos deveres tributários por parte dos contribuintes.

Por força das vicissitudes processuais do controle difuso, muitas vezes uma ação individual transita em julgado em instâncias inferiores, sem que a questão te-nha sido levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Tal decisão judicial, reve-ladora de um “esquema de agir”, representa oco-mando jurídico que deve regular a relação Estado-indivíduo no que tange à lide deduzida em juízo, em especial no as-pecto relacionado à constitucionalidade da lei tributária, fonte da obrigação que o contribuinte-autor pretendeu ver afastada no Poder Judiciário.

Ocorre que posteriormente ao trânsito em julgado da ação individual, na qual foi reconhecida a inconstitucionalidade da lei tributária que determina o recolhimen-to de dada exação (bem como define os seus elementos estruturais), a questão cons-titucional que representa o seu cerne chega à apreciação do Supremo Tribunal Fede-ral, seja em controle difuso (em processo de outro contribuinte) seja em controle concentrado, e essa Corte pronuncia juízo de validade diferente daquele proferido no bojo do processo individual já transitado em julgado.

Page 16: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

16

A hipótese inversa também é factível, qual seja, a existência de coisa julgada individual no sentido da inconstitucionalidade de determinada norma tributária e a posterior declaração de constitucionalidade desta norma pelo Supremo Tribunal Fe-deral em sede de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade.

O pano de fundo do problema concreto é a existência de comando judicial transitado em julgado proferido por tribunais inferiores em ação judicial de cunho declaratório, sem limitação temporal constante do pedido, pleiteando o reconheci-mento incidenter tantum da inconstitucionalidade de norma tributária dotada de vigência permanente.

As hipóteses fáticas variam em razão da modalidade e dos efeitos da eficácia de (in)constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em face coisa julgada já construída no processo individual.

4. PREMISSAS

A análise do tema requer a definição de algumas premissas básicas:

a) a decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser dotada de máxima efetivi-dade em nome do princípio da supremacia da Constituição;

b) a interpretação do direito deve ser conduzida pelo princípio da unidade da Constituição;

c) o juízo de constitucionalidade é substancialmente diferente do juízo de in-constitucionalidade para o efeito de imposição da vontade constitucional, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal nas relações jurídicas individuais já alcançadas pela coisa julgada;

d) o Estado Democrático de Direito impõe o respeito estatal ao princípio da segurança jurídica, manifestado na boa-fé e na confiança no Poder Judiciário.

O princípio da supremacia da Constituição é o alicerce do Estado Democrático de Direito, garantia e condição para o exercício das liberdades individuais e fórmula de vedação do arbítrio do poder estatal. A tarefa de garantia da efetividade da Cons-tituição cabe ao Supremo Tribunal Federal de modo que as decisões desta Corte de-vem, na medida do possível, aplicar-se a todos, segundo um mandamento de máxima efetividade.

Outra premissa da nossa compreensão do tema repousa no princípio da unida-de da Constituição segundo o qual todas as normas (regras e princípios) constitucio-nais têm igual dignidade, ou seja, não há hierarquia de supra-ínfraordenação no cor-po de uma mesma Constituição, o que implica afastar as teses das antinomias norma-tivas, bem como das normas constitucionais inconstitucionais.

A substancial diferença existente entre a decisão que pronuncia a constitucio-nalidade de uma norma e outra que declara a inconstitucionalidade dessa norma é fundamental para a compreensão do tema da eficácia da decisão proferida pelo Su-premo Tribunal, em relação a decisões individuais já transitadas em julgado relati-vamente à mesma questão constitucional.

A decisão judicial que declara a constitucionalidade de uma norma jurídica apenas e tão-somente confirma a presunção de constitucionalidade que esta norma

Page 17: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

17

já possui desde a sua integração à ordem jurídica; os planos da validade e da eficácia da norma permanecem os mesmos. As normas jurídicas não necessitam de decisões judiciais para firmarem-se como válidas perante, em última instância, o que estabe-lece a Constituição; a compatibilidade das normas com a Constituição é tini pressu-posto da própria existência delas, como comandos componentes do repertório que é o ordenamento.

A inconstitucionalidade, por outro lado, é fenômeno excepcional, quase uma patologia no ordenamento, tanto que Kelsen chegou a sustentar a responsabilização dos agentes políticos pela produção de lei inconstitucional.

A ordem jurídica presume a validade de suas normas, de modo que a inconsti-tucionalidade de um comando deve ser compreendida, sempre, dentro da normalida-de institucional, como um fenômeno esporádico, inusitado e indesejado pela altíssi-ma gravidade que revela.

Tal gravidade manifesta-se, sobretudo, no efeito anulatório atribuído à deci-são que reconhece o vício de inconstitucionalidade, a qual, em princípio, impõe o desfazimento e a restauração dos atos jurídicos, lesivos a direitos individuais, decor-rentes da eficácia passada da norma inconstitucional.

Em outro dizer, enquanto a pronúncia de constitucionalidade não traduz ino-vação na ordem jurídica, na medida em que apenas atesta, com eficácia subjetiva maior ou menor, um estado de validade normativa preexistente, a declaração de inconstitucionalidade, por outro lado, consubstancia um rompimento com a normali-dade da ordem jurídica, apoiada na presunção de constitucionalidade dos atos nor-mativos estatais.

Por último, a segurança jurídica consubstancia esteio de natureza axiológica e normativa em que se apóia o Estado Democrático de Direito. Tal princípio nas rela-ções jurídicas de Direito Público, como a tributária, representa exigência de respeito à boa-fé e confiança manifestada por contribuintes no cumprimento de normas im-postas pelo Estado. Em outras palavras, o contribuinte não pode ser prejudicado por acreditar no Estado e este não pode aproveitar-se da própria torpeza criando, delibe-radamente ou não, ardis normativos aos contribuintes.

Fixadas estas premissas, analisamos a seguir a hipótese em que o contribuinte é titular de decisão judicial individual (individual, no âmbito do controle difuso, sem que o processo tenha chegado à apreciação do STF) declaratória da inconstitucionali-dade de determinada exação tributária e posteriormente o Supremo Tribunal Federal vem a declarar a constitucionalidade da mesma exigência.

5. COISA JULGADA INDIVIDUAL DECLARATÓRIA DA INCONSTITUCIONALI-DADE INCIDENTER TANTUM DE NORMA TRIBUTÁRIA E POSTERIOR DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RECONHECENDO A CONSTITUCIONALIDA-DE DA MESMA NORMA, EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO

Não raro, o contribuinte obtém pronunciamento judicial de tribunais inferio-res reconhecendo-lhe a inconstitucionalidade de norma tributária e, por conseqüên-cia, o direito a não se submeter aos comandos desta norma e, posteriormente, o Su-premo Tribunal Federal decide em sentido contrário, isto é, pronuncia a constitucio-nalidade da mesma norma, em decisão de mérito de ADIn ou ADC (especialmente por

Page 18: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

18

estas duas vias, embora na atualidade o mesmo fenômeno também possa ocorrer na ADPF).

A decisão de mérito proferida em sede de controle concentrado de constituci-onalidade é dotada de efeito vinculante e eficácia contra todos, sendo que a parte dispositiva do acórdão do Supremo Tribunal Federal deve ser publicada em sessão especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União dez dias após o trânsito em julgado da decisão.

De modo geral, a doutrina e a jurisprudência do Direito Comparado reconhe-cem que a res judicata não é afetada por superveniente decisão proferida pelo Tri-bunal Constitucional no exercício do controle de constitucionalidade de normas. Ex-ceção a este comando geral é representada pela pronúncia de inconstitucionalidade que gera concretamente um benefício para os indivíduos (retroatividade benéfica).

No entanto, nosso entendimento é que a supremacia da Constituição não pode ceder ante a existência de decisões individuais em sentido contrário; ademais, a es-pecial característica da relação jurídica tributária no Direito brasileiro, a influência do ônus tributário no regular funcionamento da ordem econômica e as peculiaridades do controle de constitucionalidade brasileiro, sobretudo pelas vicissitudes do sistema difuso de constitucionalidade também permitem uma visão diferente do problema, iluminada pelas premissas supra-expostas.

Conforme retro-exposto, a coisa julgada consubstancia uma norma jurídica individual e concreta tal como uma lex specialis (Micheli). A pronúncia de constituci-onalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede concentrada de consti-tucionalidade reafirma com eficácia geral a presunção de validade da norma tributá-ria, devendo ser afastados da ordem jurídica todos os comandos que indiquem em sentido contrário.

Nesse sentido, a decisão individual que livra um determinado contribuinte de obedecer a uma determinada norma tributária, sob o fundamento de que a mesma seria inconstitucional, passa a conflitar com outro comando (de natureza geral), ex-pedido pelo Guardião da Constituição, em sentido contrário, isto é, no sentido da constitucionalidade daquela mesma norma tributária.

A coisa julgada individual que reconhece a inconstitucionalidade de uma nor-ma tributária individual incidenter tantum não pode prevalecer em relação aos fatos futuros, diante de posterior decisão definitiva de mérito do Supremo Tribunal Fede-ral, proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade em sentido contrário, tendo em vista a inegável circunstância de que tal decisão representa uma alteração na situação de direito, existente ao tempo da decisão individual, a influir na eficácia temporal desta decisão.

O princípio da supremacia da Constituição (uma das premissas fundamentais para a análise da questão) impõe a necessidade de fazer incidir a decisão de consti-tucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal sobre a coisa julgada individual que contempla outra interpretação para Constituição. Uma interpretação segura e uni-forme das dicções constitucionais é pressuposto para a garantia de autoridade da Constituição. As decisões individuais sobre os temas constitucionais não podem pre-valecer sobre o efetivo significado da Constituição na visão do órgão encarregado institucionalmente de cumprir em última instância tal mister.

Na ordem constitucional brasileira, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir acerca do real sentido das normas constitucionais. O controle de constitucionalidade

Page 19: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

19

das leis no Brasil, embora reconhecido a todas as autoridades judiciárias pelo contro-le difuso, tem naquela Corte Judiciária o seu ápice.

A verticalização das decisões relativas a temas constitucionais constitui uma tendência do constitucionalismo brasileiro dos últimos anos. A verticalidade repre-senta a própria essência do sistema concentrado de constitucionalidade de modo que o efeito vinculante e a eficácia contra todos são incompatíveis com a permanência de comandos judiciais em sentido contrário, mesmo transitados em julgado.

A segurança jurídica protegida pela coisa julgada individual, não é afetada pe-la aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário quando é iluminada pelo princípio da supremacia ela Constituição, o qual, em ultima instância, impõe a idêntica obediência às dicções constitucionais por todos os seus destinatá-rios. Em outras palavras, segurança jurídica é fundamentalmente obediência ao que determina a Constituição. Coisa julgada individual em conflito com a Constituição Federal não pode manter-se eficaz.

Logo, a aplicação da pronúncia de constitucionalidade com efeitos gerais so-bre a coisa julgada individual em nome do princípio da supremacia da Constituição longe está de representar ofensa à segurança jurídica, antes significa autêntica exi-gência de concretização deste princípio. Não há relação de colisão, mas de comple-mentaridade, entre os princípios da supremacia da Constituição e da segurança jurí-dica.

Outrossim, a necessidade de imposição da decisão de constitucionalidade, proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada individual, é ainda maior na hipótese em que tal decisão individual livra o contribuinte do recolhimento de determinado tributo ou reconheça-lhe o direito.

A coisa julgada individual, que livra um contribuinte do recolhimento de de-terminado tributo, exonerando-o deste custo econômico, fundada na inconstituciona-lidade da norma tributária que o estabeleceu, poderá colidir com o princípio da livre iniciativa econômica quando sobrevier decisão proferida pelo Supremo Tribunal Fede-ral, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, reconhecendo a vali-dade da norma tributária impugnada, e diante de circunstancias fáticas e jurídicas que permitam concluir pela geração de um estado de desequilíbrio na ordem econô-mica provocada pela coisa julgada individual.

O fato de que o custo tributário constitui um importante elemento na configu-ração de situações de desequilíbrios da concorrência, mais do que cogitação doutri-nária atualmente, é resultante de expressa disciplina constitucional. Com efeito, pela Emenda Constitucional n. 42/2003, o constituinte derivado brasileiro estatuiu que “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios na concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo” (art. 146 A).

Esta norma está contemplada no texto constitucional entre os princípios ge-rais do sistema tributário nacional e representa o expresso reconhecimento da ordem constitucional brasileira do inelutável efeito que a tributação gera na ordem econô-mica, e da necessidade de admissão de regimes tributários especiais que objetivem combater eventuais desequilíbrios de concorrência.

Assim, a mera existência de uma decisão judicial livrando um contribuinte in-dividual do recolhimento de determinado tributo (ou reconhecendo-lhe tratamento tributário menos oneroso) não é fator a permitir a conclusão de que estaria configu-

Page 20: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

20

rada a lesão à ordem econômica, até porque as decisões judiciais são sempre fontes geradoras de tratamentos jurídicos desiguais, haja vista a liberdade decisória do juiz e as características processuais de cada caso. Todavia, sob a perspectiva de uma in-terpretação do tema pautada pelos princípios da supremacia da Constituição e da unidade da Constituição, aquela decisão individual poderá colidir, dependendo das circunstâncias fáticas e jurídicas, com os princípios norteadores da ordem econômica quando sobrevier decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concen-trado de constitucionalidade, confirmando perante todos os contribuintes a validade constitucional da norma tributária cuja inconstitucionalidade tenha sido o fundamen-to daquela decisão individual.

Por último, o tratamento jurídico tributário mais favorável que um contribuin-te tenha em função de uma decisão judicial transitada em julgado, fundada na in-constitucionalidade de norma tributária, não deve prevalecer após a pronúncia de inconstitucionalidade da mesma norma pelo Supremo Tribunal em sede de controle concentrado também em nome do princípio da generalidade tributária.

Em tal hipótese, a manutenção da eficácia da coisa julgada titularizada por um contribuinte individual e a desigualdade por ela revelada (em face dos demais contribuintes) promoverão indesejados efeitos nos princípios reguladores da ordem econômica, entre os quais a livre iniciativa econômica e a vedação à concorrência desleal.

As modernas economias reconhecem a positividade jurídica do princípio da li-vre iniciativa econômica, da qual a liberdade econômica ou liberdade de iniciativa econômica é apenas uma dimensão. No Direito brasileiro, por exemplo, a livre inicia-tiva, nas palavras de Eros Roberto Grau, “é expressão da liberdade titulada não ape-nas pela empresa, mas também pelo trabalho”.

Neste sentido, necessário reconhecer como imposição da realidade contempo-rânea que o nível de tributação imposto pelo Estado aos diferentes agentes e setores econômicos é um fator que exerce importante influência na estabilidade da ordem econômica como plano da realidade em que o princípio da livre iniciativa econômica se realiza.

Todo sistema tributário racional apóia-se na premissa de que agentes econô-micos que praticam o mesmo fato jurídico tributário, qualificado pela lei como hipó-tese de incidência tributária, devem se submeter à idêntica conseqüência normativa, qual seja, o dever de recolher certa quantia aos cofres públicos, salvo evidentemen-te a hipótese de isenções e outras desonerações que a lei mesma contemplar.

Esta premissa é fundamental para o equilíbrio das forças do mercado em um ambiente econômico submetido ao princípio da livre iniciativa econômica, no qual devem ser combatidos todos os fatos e condutas que impliquem atentado à livre-concorrência. A uniformidade da tributação, entendida como comando que afaste os privilégios e discriminações odiosos dentro dos diferentes grupos e setores econômi-cos, assume ainda maior relevo quando se considera a complexidade das relações econômicas modernas e a especificidade de alguns setores econômicos, em que a margem de lucratividade é tão reduzida que a mera existência de um beneficio tribu-tário para um ou alguns agentes econômicos, em especial, pode gerar sérios desequi-líbrios de concorrência, como ocorre, por exemplo, com setores ologopolizados.

A ordem jurídica do mercado não protege situações/regras/condutas que pelo seu caráter produzam posições de privilégio a agentes ou setores econômicos deter-

Page 21: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

21

minados, eliminando ou reduzindo, por exemplo, certos custos que devem ser supor-tados por todos os agentes em regime de livre-competição. O tributo é um elemento do custo de qualquer unidade econômica.

5.1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

Embora seja nosso entendimento que a pronúncia de constitucionalidade pro-ferida pelo Supremo Tribunal, em sede de controle concentrado de constitucionali-dade, deve se aplicar aos contribuintes que tenham em seu favor decisões individuais transitadas em julgado reconhecendo a inconstitucionalidade da mesma norma, é indispensável um aprofundado exame acerca da relação de identidade entre as duas decisões.

Como dito, a eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada individual requer a identidade entre a questão constitucional debatida na lide individual e aquela presente na decisão do Supremo Tribunal Federal.

O controle concentrado de constitucionalidade no Brasil tem causa de pedir aberta, de modo que o Supremo Tribunal Federal ao decidir não está vinculado aos fundamentos expostos na petição inicial da ação direta, operando-se dessa forma uma presunção juris tantum de apreciação de todos os aspectos relacionados à ques-tão de constitucionalidade da norma jurídica impugnada.

No entanto, o efeito geral da decisão de constitucionalidade proferida em se-de de controle concentrado está limitado aos fundamentos do decisório. Neste senti-do, a identidade entre a questão constitucional decidida pelo Supremo Tribunal, ex-posta nos fundamentos da decisão, e a questão constitucional presente no comando judicial individual transitado em julgado, é indispensável para a eficácia daquela decisão da Corte Suprema sobre a decisão individual.

Podam ocorrer situações em que o texto normativo impugnado perante o Su-premo Tribunal tem a sua validade confirmada por este Tribunal em sede concentra-da de constitucionalidade, no entanto, outras questões constitucionais relativas ao mesmo texto normativo permanecem em aberto, a impedir que aquela decisão possa fazer cessar a eficácia da coisa julgada individual na qual se decidiu questão consti-tucional diversa (embora alusiva ao mesmo texto normativo).

Exemplo do afirmado ocorreu no julgamento da ADC n. 1 no que tange ao exame da constitucionalidade da Lei Complementar n. 70/91, instituidora da contri-buição social de seguridade social incidente sobre o faturamento de empregadores - Cofins (art. 195, 1. da CF). Na ação pleiteava-se a declaração de constitucionalidade daquela lei complementar, e do tributo por ela criado, haja vista a existência de várias ações individuais questionando a sua validade.

A ação direta fundou-se nos argumentos adotados por decisões judiciais de instâncias inferiores para considerar a Lei Complementar n. 70/91 inconstitucional, quais sejam: bitributação entre PIS e Cofins; ferimento ao princípio da não-cumulatividade dos impostos de competência federal; a Cofins, como contribuição social que é não poderia ser arrecadada e fiscalizada pela Secretaria da Receita Fe-deral; a Cofins seria um imposto federal, fruto da competência residual da União; a lei complementar impugnada teria transgredido o princípio constitucional da anterio-ridade tributária.

O Supremo Tribunal decidiu a aludida ADC e confirmou a validade constitucio-

Page 22: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

22

nal da Lei Complementar n. 70/91, no entanto não esgotou todas as possibilidades de questionamento constitucional do texto normativo desta lei complementar, o que ocorre, por exemplo, com a questão alusiva ao alcance da expressão “faturamento” como base de cálculo deste tributo, comando contemplado no art. 2° da aludida Lei.

O Supremo Tribunal Federal, embora tenha confirmado para efeitos gerais a constitucionalidade do texto do art. 2° da Lei Complementar n. 70/91, no qual está definido o termo “faturamento” como base de cálculo do tributo, não discutiu a questão constitucional atinente, por exemplo, à integração ao conceito de fatura-mento dos tributos que integram o preço, mas que não constituem receita da pessoa jurídica, entendida esta expressão como o ingresso de natureza econômica que por acrescer ao patrimônio representa manifestação de capacidade contributiva apta a sofrer tributação.

Esta hipótese ocorre com o ICMS, tributo que é arrecadado pelo contribuinte de direito pelo preço de venda de mercadorias e serviços, mas deve ser repassado ao Fisco estadual, sujeito ativo tributário desse tributo. Como a Lei Complementar n. 70/91, no seu art. 2°, parágrafo único, não excluiu expressamente o ICMS para efeito de determinação da base de cálculo da Cofins. Subsiste a questão constitucional ati-nente à integração ou não do valor do ICMS no conceito constitucional de faturamen-to, previsto no art. 195, I, da CF.

Logo, embora o texto normativo do art. 2° da Lei Complementar n. 70/91 te-nha sido objeto de pronúncia de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal com efei-tos gerais, este mesmo texto normativo ainda suscita outras questões constitucionais não decididas por aquele tribunal por ocasião daquela pronúncia.

O exemplo citado serve para demonstrar que a aplicação da decisão de consti-tucionalidade pelo Supremo Tribunal, tomada em sede de controle concentrado de constitucionalidade, sobre decisões individuais já transitadas em julgado, exige a indispensável verificação da relação de identidade entre as questões constitucionais debatidas pelo Supremo Tribunal e aquelas decididas na lide individual.

5.2. EFICÁCIA EX NUNC

A resolução da questão apóia-se na eficácia no tempo da coisa julgada que

declara incidenter tantum a inconstitucionalidade de norma tributária que venha a

ser posteriormente objeto de pronúncia de constitucionalidade.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal está apreciando essa questão consti-tucional no julgamento do RE n. 240.785, atualmente com pedido de vista. A posteri-or pronúncia de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em sentido con-trário à coisa julgada individual, fundada na inconstitucionalidade da mesma norma, não retira a validade do comando consubstanciado na decisão judicial individual, mas subtrai-lhe a eficácia para reger os fatos posteriores à pronúncia de constitucionali-dade. A mudança de qualificação normativa ocorre no plano da eficácia e não no da validade. A norma jurídica individual e concreta continuativa válida para reger os atos jurídicos praticados sob a sua égide, mas perde a autoridade normativa (na di-mensão da eficácia) para continuar regendo no futuro os efeitos jurídicos daqueles fatos, caso eles venham a se repetir.

Em outro dizer, o “esquema de agir” estabelecido pela norma jurídica indivi-

Page 23: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

23

dual e concreta, consubstanciada na decisão judicial transitada em julgado, sofre efeito da decisão de constitucionalidade como eficácia geral proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no entanto tal efeito não tem o condão de atingir-lhe a validade, mas apenas ele fazer cessar a sua eficácia no tempo, retirando-lhe a aptidão para regular a realização futura dos mesmos fatos jurídicos a ele (esquema de agir) subja-centes.

O princípio da unidade da Constituição exige que a superveniente pronúncia de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal gere feitos apenas ex nunc, no que tange às relações jurídicas individuais reguladas até esse momento por lex speci-alis, representada pela decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a in-constitucionalidade da norma impugnada perante aquela Corte.

A necessidade de harmonização entre os comandos constitucionais da supre-macia da Constituição e da segurança jurídica impõe que se ressalve do efeito da decisão do Supremo Tribunal os fatos jurídicos praticados sob a égide da coisa julga-da, até a publicação no Diário Oficial da União daquela decisão confirmatória da constitucionalidade da norma impugnada na via difusa (pelo contribuinte) e na via concentrada (por qualquer dos legitimados constitucionalmente a tanto).

A relação jurídica tributária é dotada de atributos de sucessividade e perma-nência, de modo que a coisa julgada produzida sobre qualquer dos seus elementos, via de regra, produz efeitos futuros alcançando fatos jurídicos realizados posterior-mente ao trânsito em julgado da ação. Esta hipótese ocorre especialmente quando o objeto da lide funda-se na constitucionalidade de norma tributária.

Nesse sentido, o contribuinte que obtém perante o Poder Judiciário pronúncia de inconstitucionalidade de norma tributária, tendo tal decisão transitado em julga-do, passa a se comportar na forma do que estabelece esta norma jurídica individual e concreta, ou seja, fica livre do cumprimento dos comandos que estatuídos pela nor-ma impugnada. Posterior decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado que, apreciando a questão da constitucionalidade também debatida na ação individual, venha a confirmar com efeitos gerais a validade da norma jurídica impugnada, não tem o condão de retroagir, desfazendo a eficácia da coisa julgada existente até esse momento, gerando, no entanto, o efeito de fazer cessar tal eficá-cia sobre os fatos jurídicos tributários realizados a partir da publicação da decisão final de constitucionalidade.

Em outro dizer, a superveniente pronúncia de constitucionalidade não retro-age para alcançar a coisa julgada em sentido contrário já existente, contudo faz ces-sar o efeito normativo produzido pela norma jurídica individual e concreta em rela-ção aos fatos praticados a partir daquela pronúncia definitiva de constitucionalidade.

Essa solução impõe-se em nome do equilíbrio entre a supremacia da Constitui-ção e da segurança jurídica na medida em que os atos praticados sob a égide de de-cisão judicial transitada em julgado ficam livres do efeito retroativo da decisão do Supremo Tribunal Federal; no entanto, esta decisão passará a regular os fatos reali-zados após a sua entrada na ordem jurídica, com efeitos gerais.

A norma jurídica individual e concreta, cujo comando apóia-se na inconstitu-cionalidade da norma impugnada perante o Supremo Tribunal, com pronúncia de sua validade por parte dessa Corte, perde a sua eficácia com relação aos atos futuros, todavia, por força do princípio da segurança jurídica (fundamento axiológico-normativo da coisa julgada), da boa-fé e da retroatividade, os atos praticados sob a

Page 24: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

24

égide daquela norma individual encontram-se livres do efeito retroativo da pronúncia de constitucionalidade. Enquanto a inconstitucionalidade opera, via de regra, efeitos ex tunc, haja vista a gravidade do fenômeno inconstitucionalidade para ordem jurídi-ca, a pronúncia de constitucionalidade, porque mera confirmação da presunção de validade da norma jurídica é dotada de efeitos apenas ex nunc que tange à res judi-cata preexistente àquela pronúncia em sentido contrário. O equilíbrio entre os valo-res constitucionalmente protegidos exige solução intermediária que garanta a eficá-cia da coisa julgada individual, manifestação do imperativo segurança jurídica, mas que, por outro lado, assegure a máxima efetividade das decisões do Supremo Tribu-nal Federal, sobretudo quando dotadas efeitos vinculantes e gerais.

Ademais, inegável reconhecer que a pronúncia de constitucionalidade, com efeitos gerais, é circunstância que altera a situação de direito, sob a qual foi produ-zida a coisa julgada individual a impor a imediata adequação da norma individual ao novo momento vivido pelo ordenamento jurídico após aquela pronúncia.

A manutenção dos regulares efeitos jurídicos dos atos praticados anteriormen-te à pronúncia de constitucionalidade, além da exigência do princípio da unidade da Constituição e do equilíbrio entre segurança jurídica e supremacia da Constituição, é resultante também da consideração de outros princípios e regras constitucionais.

O princípio da irretroatividade da lei tributária seria ofendido caso se permitisse o total desfazimento da coisa julgada individual, fundada na inconstituci-onalidade da norma tributária, já que o tributo que não tivesse sido recolhido com fulcro na decisão judicial individual que autorizou tal comportamento poderia ser exigido retroativamente pela Administração Tributária, o que afrontaria a vedação constitucional à tributação retroativa, expressão, ademais, da segurança jurídica.

A decisão judicial transitada em julgado representa a norma jurídica que deve reger os fatos jurídicos tributários praticados sob sua égide, como autêntica lex spe-cialis. A posterior decisão do Supremo Tribunal, que tinha o condão de fazer cessar a eficácia dessa norma, não permite fazer incidir retroativamente, sobre fatos pretéri-tos, a norma cuja constitucionalidade foi declarada por aquela Corte, mas que indi-vidualmente havia sido afastada por decisão judicial final.

A única retroatividade admitida pela Carta Política é aquela destinada a bene-ficiar o indivíduo (retroatividade in bona partem). A retroatividade tributária vedada pela ordem constitucional alcança não apenas a lei, mas o regime jurídico, ou seja, o que a Constituição protege é a tentativa de fazer incidir sobre fatos passados norma jurídica tributária cuja vigência ou eficácia tenha surgido posteriormente a sua reali-zação. Há retroatividade quando a norma alcança atos ou situações já consumados antes de sua entrada em vigor. adjudicando-lhe determinados efeitos jurídicos.

Tempus regit acto. Ao tempo da realização dos fatos geradores tinha vigência o regime jurídico estabelecido na decisão transitada em julgado, de modo que poste-rior decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade, somente atingirá retroativamente o regime jurídico atribuído àqueles fatos se o fizer para beneficiar o contribuinte, jamais para prejudicá-lo, o que ocorreria caso se permitisse, por exemplo, que fossem exigidos tributos não re-colhidos no passado com fulcro na decisão judicial individual que tenha declarado a inconstitucionalidade incidenter tantum da lei tributária.

O princípio da segurança jurídica seria violentado, caso a pronúncia de consti-tucionalidade pudesse fazer nascer, retroativamente, obrigações tributárias já extin-

Page 25: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

25

tas por força da eficácia da coisa julgada individual que estabelecesse a invalidade da norma tributária que as fundamenta. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária apóia-se no tripé: legalidade, tipicidade e previsibilidade da ação estatal, como lapidarmente observou César García Novoa “a tipificação das condutas consti-tutivas dos fatos imponíveis é fundamental na definição das normas que integram o ordenamento tributário. E conseqüentemente este setor do ordenamento teria como requisito inevitável a necessidade de que o particular conheça com clareza as conse-qüências dos seus atos, isto é, conheça o tipo de comportamento concreto a que o ordenamento vincula a obrigação de pagar o tributo.”

E conclui aquele autor que “recordando que a segurança jurídica que devemos admitir neste setor do ordenamento é a chamada segurança ‘do Direito’, sua acepção não poderá ser outra que aquela formulada por Hensel no sentido de que somente pode falar-se de um Direito substancialmente seguro quando o ordenamento introdu-za ‘certeza ordenadora’, o que inevitavelmente leva à idéia de determinabilidade das conseqüências jurídicas dos atos dos particulares, e desde esta perspectiva, à idéia de previsibilidade dessas conseqüências”.

O princípio da confiança e da boa-fé nas relações de Direito Público também seria desatendido caso a pronúncia de constitucionalidade pudesse retroagir para desfazer a eficácia passada da decisão de inconstitucionalidade proferida incidenter tantum. Nunca é demais lembrar que o Estado está vinculado pelo dever de boa-fé nas relações jurídicas com particulares. Os governantes devem proceder ao comando do Estado agindo de boa-fé com seus governados, uma vez que é por conta e ordem destes que eles lá se encontram.

Com efeito, o desfazimento da eficácia retroativa da coisa julgada individual, que produzisse situação mais onerosa para o contribuinte, representaria autêntica penalidade para aquele que confiando no Poder Judiciário comportou-se na forma determinada por esse Poder por meio de decisão transitada em julgado.

Tal exegese conduziria a que o Estado que produziu a lex specialis consubs-tanciada na coisa julgada individual pudesse se aproveitar do posterior desfazimento dessa em face da pronúncia de constitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, o que é incompatível com os alicerces normativos do Estado Democrático de Direito. Ademais, tal retroatividade operaria contra a imperatividade e a autoridade da função jurisdicional materializada na decisão judicial transitada em julgado, o que também não é consectâneo com as exigências do Estado Democrático de Direito.

O exercício regular de direito também impede o desfazimento da eficácia re-troativa da coisa julgada fundada na declaração incidenter tantum da inconstitucio-nalidade da norma tributária, posteriormente pronunciada como constitucional em sede concentrada de constitucionalidade. Com efeito, aquele que se comportou na forma do direito aplicável, na dicção do que definido pelo Poder Judiciário aprecian-do relação jurídica concreta, não pode ser penalizado por ter agido desta forma. Em outras palavras, o contribuinte não pode ter desfeita a eficácia retroativa da coisa julgada e ver-se obrigado a recolher tributo que não tenha sido recolhido no passado, no exercício regular do direito que lhe foi definido pelo Poder Judiciário.

A superveniente pronúncia de constitucionalidade, proferida pelo Supremo Tribunal com eficácia geral, opera a alteração no critério jurídico adotado para a aplicação da norma tributária relativamente ao contribuinte até então beneficiado pela declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade, de modo que por força

Page 26: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

26

do art. 146 do CTN eventual lançamento tributário somente poderá alcançar fato gerador ocorrido posteriormente àquela alteração.

Por último, o desfazimento da eficácia retroativa da coisa julgada a permitir a exigência de tributos não recolhidos, com fulcro em decisão que tenha declarado incidenter tantum a inconstitucionalidade da exigência tributária, também não é solução compatível com a ordem constitucional, porque desconsidera o fato de que o tributo é custo de produção das unidades econômicas, o qual é repassado a preços de bens e serviços comercializados no mercado. Assim sendo, exigir tributos retroativa-mente equivale a promover espúria tributação sobre o patrimônio das pessoas jurídi-cas, na medida em que estas terão que invadir seu patrimônio para cumprir dever tributário que não foi contemplado no passado no cálculo do custo de produção de bens e serviços já comercializados, conduta que estava autorizada pelo Poder Judici-ário de forma definitiva.

Logo, o princípio da unidade da Constituição e a articulação entre os diferen-tes imperativos constitucionais, por ele exigido, impõe que a declaração de constitu-cionalidade proferida na via concentrada atinja apenas a eficácia futura da coisa julgada individual, fundada na inconstitucionalidade incidenter tantum da mesma norma objeto daquele controle, mantendo-se a eficácia pretérita da coisa julgada individual.

5.3. NÃO-CABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA

Atualmente, a ação rescisória vem sendo utilizada para o desfazimento de de-cisão judicial transitada em julgado em sentido contrário à posterior decisão do Su-premo Tribunal Federal sobre idêntica questão constitucional.

Tal alternativa não nos parece adequada na hipótese de superveniente deci-são declaratória da constitucionalidade da norma tributária, já que a adoção da ação rescisória gerará a instituição ex tunc do liame da coisa julgada.

A ação rescisória é instrumento processual dotada de efeitos ex tunc, de mo-do que uma vez julgada procedente, restaura-se o status quo ante, em que na hipó-tese de preexistente decisão judicial declarando a inconstitucionalidade da norma tributária significaria admitir que a Administração tributária pudesse impor ao con-tribuinte o recolhimento de todo o tributo que teria deixado de ser recolhido por força de decisão judicial que garante tal comportamento.

Vale dizer, a admissão de ação rescisória implicaria impedir ao contribuinte, que acreditou nas instituições estatais (especialmente no Poder Judiciário), compor-tando-se segundo os termos judicialmente estabelecidos de forma definitiva, o ônus de tal crença.

O princípio ela supremacia da Constituição, manifestado na autoridade da de-cisão do Supremo Tribunal Federal, deve ser ponderado e equilibrado com outros comandos da própria ordem constitucional, como exige o princípio da unidade da Constituição, o que impõe o entendimento segundo o qual a pronúncia de constituci-onalidade, embora dotada de efeitos gerais, eleve ter efeitos apenas ex nunc, isto é, deve atingir apenas os fatos jurídicos praticados após a sua existência, livrando-se de sua incidência os fatos acobertados pelo manto da coisa julgada individual.

Por promover alteração apenas no plano da eficácia temporal da coisa julga-

Page 27: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

27

da, a pronúncia e constitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal não constitui fato jurídico a autorizar a propositura de ação rescisória contra a preexistente deci-são judicial em sentido contrário, o que, pelo natural efeito desse instrumento pro-cessual, implicaria indesejada retroatividade maligna e juridicamente espúria.

Portanto, incabível é a propositura de ação rescisória, na hipótese ora con-templada, tendo em vista a circunstância de que a decisão individual transitada em julgado não violou a Constituição, apenas conferiu-lhe interpretação diferente da-quela que posteriormente atribuída pelo Supremo Tribunal. No entanto, a decisão da Corte Suprema produz efeitos gerais, após a sua publicação no Diário Oficial, apenas retira a eficácia da norma jurídica individual e concreta, proferida em sentido diver-so, para regular os fatos jurídicos-tributários ocorridos após essa publicação.

6. COISA JULGADA INDIVIDUAL DECLARATÓRIA DA INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DE NORMA TRIBUTÁRIA E POSTERIOR DECISÃO DO SU-PREMO TRIBUNAL FEDERAL RECONHECENDO A CONSTITUCIONALIDADE DA MESMA NORMA, EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO

A pronúncia superveniente de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Fe-deral pode ocorrer também na via do controle difuso. Em matéria tributária tal cir-cunstância realiza-se, sobretudo, por julgamento de recursos extraordinários por aquele tribunal.

Os efeitos de tal decisão sobre existentes coisas julgadas individuais em senti-do contrário, isto é, fundadas na inconstitucionalidade da mesma norma, são seme-lhantes àqueles produzidos pela decisão de constitucionalidade em controle concen-trado, embora o controle difuso de constitucionalidade gere processualmente apenas efeitos inter partes.

A eficácia subjetiva processual do controle difuso é apenas teoricamente limi-tada, pois, como a experiência demonstra, qualquer decisão de constitucionalidade proferida definitivamente pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, mesmo na via incidental, representa inegável ato jurídico com efeitos extraprocessuais, observados claramente na eficácia reforçada que a norma ganha após tal decisão, tendo em vista as tendências do controle de constitucionalidade vividas pelo Brasil na atualidade.

Com efeito, no que tange às lides de natureza tributária, a manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido da constitucionalidade de uma nor-ma tributária, embora não seja dotada de eficácia vinculante e geral, pragmatica-mente assume dimensão muito próxima a esta, haja vista a natural repercussão que tal decisão produz nas instâncias do Poder Judiciário, na Administração Tributária e nos próprios contribuintes, os quais perdem o interesse prático em discutir judicial-mente a questão tributária subjacente, sendo que muitos inclusive desistem das ações já ajuizadas e recolhem o tributo eventualmente suspenso por medidas judici-ais provisórias.

Deve-se observar, contudo, a relação de identidade entre o comando judicial já transitado em julgado e a questão constitucional definida pelo Supremo Tribunal Federal já que pelas vicissitudes do controle difuso, não raro, a Corte pronuncia a constitucionalidade de uma norma tributária, mas deixa outras questões constitucio-nais em aberto, porque não debatidas processualmente, o que ocorre por força dos rigores do requisito do pré-questionamento, os quais, no entanto, vêm sendo reduzi-

Page 28: Pós-Graduação em Direito Público - Cloud Object ...s3.amazonaws.com/.../Direito_tributario_2016_1/AULA_05/LO-Aula5.pdf · P. 02 A 13 LEITURA OBRIGATÓRIA ... o futuro adimplemento

28

dos pela jurisprudência daquele tribunal em nome da uniformidade, definitividade e autoridade de suas decisões.

Observada a relação de identidade, a pronúncia de constitucionalidade opera-

rá alteração apenas no plano da eficácia da coisa julgada preexistente, impedindo

que a mesma permaneça eficaz para regular no futuro os efeitos jurídicos dos fatos

subjacentes a sua produção.

Os efeitos extraprocessuais da pronúncia de constitucionalidade em controle difuso operam a partir do trânsito em julgado da decisão final proferida pelo Supre-mo Tribunal Federal. A partir de tal data, a decisão judicial transitada em julgado fundada na inconstitucionalidade da norma declarada válida por aquele Tribunal ces-sa a sua eficácia quanto aos atos jurídicos praticados a partir de tal data, haja vista a eficácia apenas ex nunc daquela pronúncia de constitucionalidade.

Pelas mesmas razões supra-aduzidas, também é incabível a propositura de ação rescisória para desconstituir ex tunc a eficácia retroativa da decisão transitada em julgado em sentido contrário àquele posteriormente definido pelo Supremo Tri-bunal Federal.

Currículo Resumido:

HELENILSON CUNHA PONTES

Livre-Docente e Doutor pela USP. Advogado

Como citar este texto:

PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada tributária e insconstitucionali-

dade. 1ª ed., São Paulo: Dialética, 2005. Material da 5ª aula da disciplina Direito

Tributário, ministrada no Curso de Pós-Graduação de Direito Público–Anhanguera-

Uniderp/ Rede LFG.