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TE OOER A -- OS-IMPRESSIONISMO BELlNDA THOMSON COSAC & NAIFY EDiÇÕES TATE GALLERY PUBLlSHING

Pos Impressionism o 0001

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TE OOER A

--OS-IMPRESSIONISMOBELlNDA THOMSON

COSAC & NAIFY EDiÇÕES

TATE GALLERY PUBLlSHING

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I

A DÉCADA DE 1880SEMENTES DA DISCÓRDIA

Quando podem ser identificadas as primeiras insatisfações com oirnpressionismo e as tentativas de levar a idéia a um estágio adiante?Convencionalmente, os historiadores citam a oitava exposição impressiorusta,de 15 de maio a 15 de junho de 1886, como um momento significativo demudança. Essa seria a última exposição do grupo, que não podia imaginar apossibilidade de estar vivendo o seu fim. Mas bem antes dessa data, e em várioslugares, já podiam ser detectados sinais de divergência em relação à idéiaimpressiorusta central.

Havia, por exemplo, as contínuas advertências dos críticos aoimpressionismo, convencidos desde o início de que, por mais inovadora e bem-vinda que essa arte da sensação rápida, momentânea, pudesse ser, oferecendouma mudança em relação às rotinas gastas e às tonalidades sombrias da pinturaacadêmica, ela ainda era em si incompleta, apenas um prelúdio para uma formade arte mais substancial que ainda estava por vir. Houve também a abstenção deC~zanne, após 18 sições impressionist~s ue se seguiram pelo ~recebeu o ata ue dos críticos e o não-reco 1ecimento de seus esforços. Cézanneestava consciente de sua in de ua ão a essa arte da espontaneida e poremtambém a incompletude, insat~ill da e o uso e tItu os SISU ÕS,

como Estudo a partir da nat~!reza ou Cabe§Jlde homem:..!!.!.!!! ( ver figo2), em suas oras.Ao mesmo tem o, estava co valor do ob'etivo último do -impresslonismo, e determinado a persegui-Io sem concessões. Havia as dúvidas

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expressas severamente por outros membros do grupo, particularmente aquelesque admiravam Cézanne - Pissarro em primeiro lugar; em seguida Renoir, edepois Gauguin -, sobre a falta de uma metodologia sólida no impressionismo.Todos os três buscaram fortalecer suas técnicas concentrando-se no desenho,voltando-se para o menos impressionista dos impressionisras, Edgar Degas,como conselheiro e exemplo, bem como para tradições mais antigas da arte dodesenho, das quais Degas era herdeiro (ver A tbarcuteira, de Pissarro, figo3).Finalmente, em 1886, viu-se a demonstração de Seurat do que poderia seralcançado se princípios rigorosos fossem aplicados à paleta e à pincelagemimpressionista como um corretivo a sua prática até entãointuitiva, arbitrária e não-científica.

Desde a exposição inaugural, em 1874, o grupoimpressionista jamais constituíra uma associação fixa. ovosmembros aderiam a cada nova exibição do grupo, alguns dosquais desapareciam nessa mesma freqüência, enquanto outrospermaneciam. Cada uma dessas acomodações fez com que aidéia impressionista se alterasse imperceptivelmente. Haviaaqueles com técnicas desajeitadas e grosseiras, como ArmandGuillaumin, o próprio Cézanne e Paul Gauguin - apresentadopor Pissarro em fins de 1870 -, que estavam ávidos por aprendercom o exemplo de seus colegas, e buscaram imitar suahabilidade para analisar e captar, por meio de toquesinterrompidos de cor, a maneira pela qual a variação da luztransformava a paisagem. Com seus esforços laboriosos,ganharam a aceitação dos colegas. V...á.riosourros tecém-chegados - Gustave ~otte, F~riÇQ Zapdomenegh~yCassatt, Iean-Louis Eorain. Jean-François Rafjà.eIli - devem suaintrodução no ru o a De as, cujos interesses não estavam =-tanto na intura ao ar livre uanto nos e eitos visuaiS aCl entaisproduzidos, incessantemente, pela vida ur ana moderna. Degas~ns temas por meio de métodos recolhiC!õsdo----desenho e da composição, desenvolvidos em uma complexaprática de ateliê. Por volta de 1881, sentiu-se que a presençadesses forasteiros havia criado um desequilíbrio no grupo,particularmente naquele ano em que Monet, Sisley e Renoirhaviam se ausentado para voltar a expor no Salão oficial.

A decisão de excluir Raffaelli no ano seguinte, que por suavez influenciou o retorno dos três grandes paisagistas, resultounuma sétima exposição em 1882, que estava muito maispróxima do perfil da exposição original. Ela foi relevante por oferecer aoscríticos a chance de reexaminar o conceito central do impressionismo (o termojá estava sendo empregado de modo um tanto vago para qualquer pintura emtons brilhantes com um tema moderno) e perceber como ele havia sedesenvolvido ao longo dos oito anos de sua existência. Para [acques de Biez,n'"umartigo escrito para a revista Paris, a prolongada peninência do rótuloimpressionista era bastante evidente, uma vez que as falhas apontadas peloscríticos em 1874 permaneciam sem correção: "impressionistas eles desejavam

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2Paul Cézanne

Retrato de VietorChoequet (Exp. em1877 como Cabeça dehomem; estudo)1876-77

Óleo sobre tela45,7 x 36,8Coleção particular

3Camille Plssarro

A charcuteira 1883

Óleo sobre tela65,1 x 54,3Iate Gallery

4Georges Seurat

Banhistas em Asnieres1883-84,retocado e. 1887

Óleo sobre tela201 x 301.5National Gallery,Londres

parecer, impressionistas eles permaneceram. Claro que todos nós somosirnpressiorustas num sentido amplo da palavra. A impressão tem um lugar emtodas as artes, já que ela é o primeiro estímulo [...] Ninguém se torna artistaexceto na condição de que retome àquela impressão inicial, a fim de dar-lhe umdesenvolvimento apropriado. É por recusarem essa paciência e por pararemobstinadamente no ponto em que o desenvolvimento reflexivo deveria começarque os artistas independentes são 'impressionistas'".

A MUDANÇA DA MARÉ

Excepcionalmente. o próximo grupo impressionista só foi aparecer quatroanos depois, quando a atmosfera cultural havia mudado significativamente.

1e,8~-

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Quando Seurat foi convidado a participar da oitava exposiçãoimpressionista, em 1886, Pissarro havia defendido a sua inclusão mais emhomenagem ao que ele já realizara do que como uma estratégia para atrairjovens e promissores talentos ao grupo. Mas, em certo sentido, Pissarroestava assumindo um risco calculado, e nem todos os velhos impressionistasapoiaram o convite. Gauguin foi um dos que deram boas-vindas às novasadesões. Como ele próprio era relativamente um novato, estava ansioso paraevitar o perigo da desintegração do grupo no início da década, sentindo queseu futuro era ameaçado por uma nova estratégia do marcband dosimpressionistas, Durand-Ruel: promover talentos isolados numa série deexposições individuais em detrimento da unidade do grupo. Assim,Gauguin estava otimista com relaçãoao evento de 1886: "vai ser umaexposição b;stante abrangente" ,explIcou a sua es osa, "com algunsnovos impressionistas talentosos. ãfãz alguns anos que todas as esco as eateliês andam preocupados com ISSO,

--e~era se que essa exposlçao cause--um_gran e tumu to; ta vez se prouma mudança de maré".- Seurat fOI o primeiro dos novos

recrutados ao impressionismo a chegararmado de um estilo altamentedesenvolvido, sem nada mais a aprendere sem a intenção de deixar-se desviar docaminho por ele escolhido. O grupoconcentrado de pastéis de Degas, porexemplo, que mostrava mulheres nabanheira fazendo a toalete (fig. 5), umdos aspectos da exposição queimpressionou os críticos e foi admiradode modo relutante por Gauguin, nãodeixou nenhuma marca em Seurat. Ele jáhavia adotado conscientemente aquelesaspectos do impressionismo que julgavaúteis (a pincelada fragmentada e a paleta prismâtica), os quais transplantou paraum estilo derivado de uma formação inteiramente acadêmica. Seurat haviapassado pelo tipo de treinamento da École des Beaux-Arts, sob a orientação doacadêmico Charles Blanc - que foi deliberadamente evitado pelosimpressionistas menos rigorosamente instruídos -, e a série de p1l1turasapresentadas por ele, que incluía A ponta do Hoc, Grandcamp e Um domingo de verão naÇrande [atte, 1884Jjjg certamente não podia ser crtticada por técnicadescuidada' ou . l.e-t-lolQ 's o ras eram metó icas, um1l10sas, exdutadascom extrema abjJiJ",Ei. diante e um Jovem mestre consuma o, q ejá encontra a Seg;uidQF6 , seu colega ín epen ent au Ignac e os - lssarro ,pai e filho.

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5Edgar Degas

Mulher na banheirac,1883

Pastel sobre papel70x 70late Gallery

6Georges Seurat

A ponta do Hoc,Grandcamp 1885

Óleo sobre tela64,8 x 81,6late Gallery

7Georges Seurat

Um domingo de verãona Grande Jatte, 18841884-85

Óleo sobre tela205,7 x 305,7Art Institute of Chicago,Coleção Helen BirchBartlelt

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Enquanto a adesão de RaffaeUi mostrou-se inaceitável (julgaram-no umoportunista que buscava explorar os contatos e a máquina publicitária dosimpressionistas), a intervenção de Seurat revelou- e de certa forma maissutilmente disruptiva, minando de fato qualquer esforço para manter a unidadedo grupo impressionista e propiciando a criação de um novo rótulo estilístico -o neo-irnpressionismo. Em um ano, Seurat conquistaria adeptos suficientes paraformar um grupo dissidente, já que o método divisionista que concebera(apelidado pelos críticos de "pontillusmo'"] disseminou-se nos ateliês como

ium~fe~,re.9 estilo de ,~eurat, gue bebeu do tema e da cor impressionist~s,porem corngmdo-os severamente, marcou wn passo deClslvona cnaçao deu~a arte de permanência, arti a mat~a crua do impressiorusrno,

A IMAGEM DO ARTISTA: SEURAT, O HOMEM DOS SISTEMAS

A estranha dignidade e form.alidade que, em 1886, surpreenderam. muitoscríticos diante da enorme pintura de Seurat mostrando os passeantes dominicaisna ilha de La Grande Jatte parecem ter sido igualmeme características do pintor,A arte era wn assunto sério para Seurat, filho de um jurista novo-rico, e requeria,para alcançar resultados compatíveis com seu objetivo moralmente elevado, umamestria técnica irrepreensivel. A sua abordagem fria e metódica rendeu-lhealguns apelidos não muito lisonjeiros por parte de seus colegas artistas: Degas eGauguin, respectivamente, chamaram-no "o tabelião" e "o químico". Seurat nãoencontrou espaço para urna expressão muito pessoal por meio da escolha do

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. i

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objeto ou das sutilezas intuitivas do tratamento individual. Apenas raramentetentou algo novo em termos de tema; sua estratégia foi ampliar para uma escalamonumental e fazer uma síntese do tipo de temas modernos já exploradosanteriormente por Monet, Renoir e Cailleborte, e que haviam sido descritos porHenry James em /876 como "grosseiramente escolhidos" e "tratados de mododisplicente". Seguindo o exemplo dos impressionistas, muitos artistas na décadade 1880 levaram seus cavaletes para os embarcadouros suburbanos e lidaram comos temas presentes nas margens dos rios, favorecendo particularmente ossubúrbios ocidentais de Asniêres ou Clichy, na época em francodesenvolvimento: lembramos de Guillaumin, Gauguin, Van Gogh, Bernard eSignac, cuja tela Gasômetros em Cliclry (fig. 8) foi uma das três inteiramentedivisionistas exibidas em 1886. Era uma demonstração de compromisso com a

verdade e com a modernidade, sem conciliações. Os subúrbios mostraram-setambém um terreno fértil para os escritores e poetas naturalistas, intrigados coma sua mistura peculiar e incômoda de beleza natural e novos edifícios e com apopulação sortida de trabalhadores e pessoas em busca de lazer.

Quando iniciou a primeira de suas maiores obras figurativas em 1883-84,Seurat já havia, graças a repetidos estudos da figura humana, desenvolvido umaforma de caracterização notavelmente esquernática, anônima, destituída dequalquer detalhe irrelevante. Seus desenhos sofisticados, com mryon Conté macioem papel rugoso, exploravam o meio em busca das texturas aveludadas e osefeitos negativo-positivo que ele podia render. Sua maneira de pintar evoluíradas pinceladas curtas e quebradas de Banhistas em Asnieres para a técnica do pontoque empregou pela primeira vez no verão de 1885 em A ponta do Hoc e depois,

8Paul sígnac

Gasômetros em Clichy1886

Óleo sobre tela65x81National Gallery 01victona, MelbourneFelton Bequest, 1948

9Georges Seurat

O farol em Honfleur1886

Óleo sobre tela66,7 x 81,9National Gallery 01 Ar!,Washington

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embora apenas na camada final de tinta, em Ia Grallde [atte. 6,sJDtese \:.fsulpnte~milar aos desenbos - um disranciarnenro do assunt;9 obtido pelo métodocontras 'r a su erfíci da tela com uma dis 'bui ão uniforme de~ ou pontos. As cores tinham de ser aplicadas em doses cuida.clos.~ca adas d matizes co.mpJementares, de forma a.alcançar.o máximo deluminosidade di~llSa.A teoria por trás dessa divisão de cores deve almétodos de Del~roix - os q.uai.s..Senraracreditava terem sido desenvolvidosgraças às prescrições do químico Euoene Chevreul sobre os contrastessirnu taneos e cor, taIS como seriam ap'licados na manufatura e tapeçarias - ealgo aos .!3.pe ópGiG@sélo éJ.uírnico..Jlorte-americano Ogden Rood,. 'O procedimento divisionista demandava paciência quase mecânica e auto-anulação; claramente, não havia possibilidade de alcançar resultados

equilibrados, sarisfatórios, a não ser no ateliê.Durante alguns anos no final da década de 1880., Pissarro dedicou-se a seguir

o exemplo de Seurat: em parte porque o divísionismo parecia a conseqüêncialógica de sua própria luta para lograr uma unidade e a solução. para a suapincelagem cada vez mais congestionada; em parte como reação a uma tendênciaexcessivamente pessoal, romântica, que ele viu insinuar-se nas obras recentes deMonet e Renoir feitas ao ar livre, tais como a série de paisagens marítimas queMonet pintara em Etretat. Seurat também devia estar pensando em Monetquando se impôs a tarefa de pintar os rochedos escarpados da Normandia-sendo A ponta do Hoc a primeira de uma longa série -, e é difícil não ver umelemento de competitividade nessa tentativa. Um verão após o.outro eleretomaria à costa do canal da Mancha (embo.ra raramente" voltando duas vezes

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106eorges Seurat

o circo 1890-91

Óleo sobre tela186 x 151,1

usée d'Orsay, Paris

ao mesmo ponto/perseguindo metodicamente seu misterioso objetivo, Queobjetivo seria esse, somente as pinturas resultantes podem nos dizer, pois Seuratera extremamente reticente quanto às suas intenções. É evidente que o poder e amutabilidade romântica do mar não exerceram a mesma fascinação em Seurat eMonet: as paisagens marítimas do primeiro são invariavelmente serenas eestáticas. De fato, a própria peculiaridade dos motivos escolhidos por Seuratsugere que sua atenção estava concentrada em criar uma harmonia pictórica apartir da quietude e dos contrastes entre a natureza e o artifício, um temaidentificável também em suas pinturas figurativas de grande escala. Em Ofarol emHonjleur (fig. 9), novos edifícios nada pitorescos criam rígidas justaposições emrelação ao padrão natural harmonioso composto pelo mar e a praia. Em O ri@

(fjg !O) a Ültjma 4r-seqüência de pinturas caidadesament~l1jretadas quetOlJlam a cidade moderna como tema, o artifício. literalmente, tem o poder nasm~os. O movimento dinâmico é indicado por diagonais e arabescosrodo iantes, enquanto o úblico do circo, es uematicamente indicado eo denado em as hierárquicas, é reduzido a ersona ens de uma antomimaJocosa e caricatur. veze e uscasse, com os ângulos e curvas re etitivas eseu desenho e sua en e lSClp ma a e azu , amarelo e laranja,uma equivalência pictórica para as repetições disciplinadas de movimento ealegria forjada que estão por trás das exibições dos acrobatas.

A BUSCA DE UM MÉTODO SÓLIDO: CÉZANNE

Nada poderia estar mais longe da imagem de Seurat como v= artista do qU'!:"Jcaos colorido da vida boêmia dos ateliês evocado an· ' miJ~€>Jla ~em A obra-prima L'Oeuvre ublicado em 1886. C o sabe o ersona e ~~centr e o a, Claude I,aoti.!:..r,é representado como um artista fracassado queacaba se suicidando e não como alguém que alcança sucesso precoce.Entretanto, a incômoda semelhança de Lantier com o sensível, saturninoCézanne, amigo de infância de Zola em Aix-en-Provence, acentuou a ruptura naamizade desses dois indivíduos extraordinários, ambos destinados a realizargrandes coisas no campo que escolheram. Em tempos mais felizes, numa de suasvisitas regulares a Zola, Cézanne pintou O castelo de Médan (fig. n'), uma vista dolocal às margens do Sena onde Zola havia pouco comprara uma casa de campocom os ganhos de seus escritos. Portanto, o quadro pode ser visto, de certaforma, como um reconhecimento do sucesso do amigo - Les Soirées de Médan forao nome dado à publicação coletiva do círculo naturalista de Zola, que incluíaalguns dos críticos mais favoráveis ao impressionismo, tais como Joris-KarlHuysmans e Paul Alexis. Mas o tributo é convenientemente distanciado eobjetivo, assim como o ponto escolhido por Cézanne para observar seu motivo- uma ilha no rio. Como paisagem, é também um excelente exemplo da novamaneira revolucionária de pintar desenvolvida por Cézanne nos anos de 1879-80.Seu tema dos edifícios entre árvores, tipicamente destituído da presençahumana, é organizado de maneira comprimida num plano horizontal, com asverticais simetricamente posicionadas dos troncos das árvores provendo

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eguilíbrio. Essa unidade densa da composição e seu espaço raso sãointensificados pelas pinceladas regulares aplicadas diagonalmente, queimprimem solidez à terra em contraste com as horizontais da água e otratamento mais solto da faixa de céu.

O fato de essa pintura extremamente requintada jamais ter pertencido a Zolaé uma triste indicação do abismo que se ampliara no entendimento entre o pintore o escritor. Na verdade, Zola foi u elos críticos a afirmar ue os im ressiorustashaviam falhado j;lo não (~r~og.re.cliclo é de suas hesitantes tentativasiniciais. O quadro acabou sendo adquirido por Paul Gauguin or volta de ~2,

do negociante de artigos para pintura Pêre Tan u . Gauguin havia sidoaeresentado à obra de Cézanne elo mentor impressionista Camille Pissarro, epercebeu que o período de esfor o solitário e Cézanne no sul da Fran~ar~ara num tip~isivalll! e novo de impressionismo ..Gauguin insistiu paraque Pissarro anotasse qualquer coisa significativa que Cézanne pudesse deixarescapar sobre seu método de trabalho: "Se acaso ele encontrar a receita paraexpressar plenamente todos os seus sentimentos em um único procedimento,imploro a você que tente íazê-io falar durante o sono dando-lhe uma daquelasmisteriosas drogas homeopáticas, e venha a Paris imediatamente contar-nostudo". Uma outra ati rude prática de Gauguin foi adquirir, além de O castelo deMédan, cinco outros dzannes, por uma quantia bastante baixa, confiante em quefuturamente iriam provar-se um ótimo investimento; e também ajustou seupróprio estilo e pincelagem segundo essas obras. Ao tazê-io, Gauguindemonstrou muJa·.o otável como colecionador e artista, assegurando a gipr6prio um dos primeiros lu ares na linha de admiradores de Cézanne - que iriacrêSCer:Cleum punhado de artistas e colecionadores esc arecidos nos anos e18 o, para as ro orç~ ias oie. Mas a go sõbre o oportunismo aaproximação de Gauguin levantou suspeitas em Cézanne: na realidade.despertou suas tendências mais paranóicas - um mal comum entre os artistas devanguarda. Ele acusou Gauguin de ter-lhe roubado sua preciosa" pequenasensação". A impossibilidade de uma troca de idéias frutífera e a ausência decamaradagem entre os dois artistas são mostras significativas da tensão e darivalidade crescentes no mundo da arte na época.

Da mesma forma, ciúme e desconfiança impediram que em 1886 umaamizade se desenvolvesse entre Gauguin e Seurat, apesar das semelhançasimplícitas em seus objetivos artísticos. A!TIbos estavam envolvidos com a idéiade que, assim como naJnúsic<l, haveria um sistema codificado or trás do ~~o reino da visualidade transmitia significado - além do sentido literal dotema de uma pintura, certas linhas e cores poderiam ser usadas para veiculac:rtas emoções e umores. ssas idéias oram enunciadas de forma simples emCra111111airedes arts du dessin, de Blanc, e seriam depois exploradas pelo matemáticoe esteta Charles Henry, autor de Introduction à une esthétique scientiiique, de 1885, e deoutros textos publicados em Ia Revue Indépendante em 1888. Ambos os artistasperceberam que a simplificação e a síntese eram a solução. Os escritos deGauguin de 1885 mostram-no próximo ao pensamento de Henry sobre aspropriedades estéticas da cor e da linha, tomado que estava por sua admiração aDelacroix com sua expressão intensa da emoção e, também, pelas idéias sobre oêxtase prescritas no texto de um poeta turco. Contudo, o avanço teórico de

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11Paul Cézanne

O castelo de Mé(Casa de lola) c.Óleo sobre tela59 x 72Glasgow MuseuColeção Burrell

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Gauguin não se traduzia ainda nas telas, pois seu estilo, tendo assimilado adensidade de cor que admirava em Cézanne, estava imobilizado numa rotinacomo a de Pissarro.

No verão de 1886, estavam presentes todas as condições necessárias para queGauguin se unisse aos outros convertidos pelo divisionismo de Seurat. Mas issojamais ocorreu, por razões que só podem ser atribuídas a orgulho ferido echoque de personalidades. Gauguin tinha grandes expectativas quanto a suamostra de pinturas na oitava exposição impressionista, mas viu suas conquistasperderem lugar, à luz da crítica, para a técnica mais acaba.ia de Degas e dos

recém-batizados neo-i p..ressionistas. Seurat também estava precavido contra asmaquinações políticas de Gauguin, julgando-o perito em enganar as pessoas. Agota d'água foi um desentendimento ocorrido quando Gauguin apareceu noateliê de Signac na ausência deste, contando com a promessa de poder usá-lodurante o verão, e foi expulso de maneira um tanto intrometida por Seurat. "Euposso ser um artista cheio de incertezas sem erudição", Gauguin protestou aSignac, "mas como um cidadão do mundo eu não aceito que qualquer UI/1 tenha odireito de me maltratar". O tom de sua carta revela muito da suscetibilidade e

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Quando Gauguin mencionou a sua esposa a atmosfera de excitação criada entreos artistas às vésperas da pitava exposição impressionista, os artistas que tinhaem mente não eram necessariamente nomes que lembramos hoje. Seucomentário aplicava-se a algumas pessoas de seu próprio círculo, que incluíaGuillaumin e outj;Q.com ek..pOOpciQ e ado à imura, ErnestSchuffenecker; muito era esperado do impressionismo também pela promissorage7ação de pintores que logo emergiria dos ateliês acadêmicos. Um ânimo deexpectativa certamente caracterizava um recém-chegado da Holanda a Paris,Vincent van GQgh.

Fernand Cormon foi um dos vários pintore~..Q.!1lP.ia:.Çconservador,acadêmico) a saudar os alunos e, apesar da inclinação totalmente antirnodernade seu próprio trabalho - especializara-se em temas míticos e pré-históricos-,tinha uma atitude relativamente tolerante em relação às aspirações dos jovens.Entre seus alunos, no início de 1886, havia um grupo particularmente talentosomas bastante heterogêneo: ~ile Bernard, Louis Anq1letin e Henri de Io!!lo!!se.-

Lautrec. O aristocrata Toulouse-Lautrec deixara para trás uma vida rarefeixa noc~o, no Lan uedoc ara mergulhar na camarada em do mundo da arte =-;avi a mar inal e .is...$eu amigo Anquetin, filho de um rico açougueiro ~aNormandi mucloal'iL-8om Lautrec a ateliê bandonando osel:;;inamentos rí idos ratista Léon Bonnat. Paralelamente, os dois artistastinham desenvolvido um compromisso com o ideário moderno e, à medida quese aproximavam do fim de seu período de aprendizado, podiam ser encontradostanto nos cabarés de Montmartre quanto no Louvre. Émile Bernard, na épocaem que posou para o sensível retrato feito por Lautrec (fig. (2), era um garoto dedezessete anos íntegro e precoce, embora um tanto inexperiente. Para abraçar acarreira artística, teve de vencer a oposição dos pais, particularmente quando,bem na época em que Vincent van Gogh estava se inscrevendo no ateliê deCormon, na primavera de 1886, Bernard foi expulso por insubordinação. Depoisdisso, Bernard continuou a desenvolver sua idiossincrática educação artística deforma independente, inspirado, de um lado, pela arte religiosa antiga e, de outro,pelas obras de seus contemporâneos, incluindo ~eurat e Cézanne.

Van Gogh kav+a~~para Paris com um objetivo claro: fazer contatos {~{atualizart em relação aos últimos desenvolvimentosH arte. S~-am~""'-. l /U.-{t [~com Bernard pela oposição famIlIar que sofrera, tendo SIdo ele prop(lO banido L){;-

r---lia prescl'lça a~pai protestante, um pastor calvinista (cuja morte recente o havia ct/!;~fiiW verdadeiramente libertado ), e'U-f1 em sua bagagem psicológica uma carreira ~

marcada por tentativas íracassad s no comércio de arte, no ensino e no trabalho

.)~

das ambições frustradas desse homem renegado pela família, um homem deinvestimentos que se tornara pintor. A partir dessa data, a hostilidade e odesdém caracterizaram a atitude de Gauguin para com o neo-impressionismo, esua escolha por um caminho artístico independente estava determinada. Foi umcaminho que o levou imediatamente à Bretanha e, depois, aos Mares do Sul.

LUTAS PARISIENSES: "LE PETlT BOULEVARD"

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12Henri de ToulcLautrec

Émile Bernard

Óleo sobre tef54 x 44,5Iate Gallery

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pastoral. Nos dois anos que se seguiram, o ardor que Van Gogh imprimiulafsua 1~nova missão artística agiu como um catalizador no grupo informalmente ligadoque ele apelidou de impressionistas do "petit boulevard", encorajando suasiniciativas experimentais.

Como já trazia idéias claramente formadas sobre arte e estilo, que, apesar de( ~ ~ deviam muito aos seus antepassados holandeses, a reação inicial de Van

Gogh aos impressionistas foi de 4~ !'l'OO: ele havia sido levado a esperarmais, pela forma com que os apresentara seu irmão Theo, um 11'larchandempregado em Paris pela firma Goupil and Co. Mas sentiu-se rapidamenteatraído, assim como seus novos colegas, pelo imperativo dq;~:perimentar atécnica de divisão da car criada por Seuratj Trabalhando também nos I/;:;:J.;

~area:durxre/, Van Gogh conheceu e aproximou-se de Signac, que estava 'L.!. "'- 77apenas com.eçando a assumir o papel de propagandista dos princípios teóricos .J

implícitos no divisionismo de Seurat e erareceptivo aos novos adeptos. Assim, ps obrascf,ei5~r"'''P'!:~~-i-_~-.í&~ da época em que Van 1{x) ~~ em ~is revelam aexperimentação das várias técnicas e efeitosque vira nos trabalhos neo-rmpressionistas,com cores puras aplicadas como pontos outraços, e halos em torno de fontes de luz. Emduas ocasiões, em 1887, Van Gogh tornou ainiciativa de organizar exposições ad boc, asquais ajudaram a focalizar seu própriopensan1ento e o de seus contemporâneos,inaugurando novas tendências e divulgandosuas inovações estilisticas. Na primeira dessasexposições, ele decorou as paredes de um caféda vizinhança, Le Tambourin, com suaprópria coleção de xilogravuras japonesas;Van Gogh tinha sido um colecionadorentusiasta durante algum tempo e, chegando aParis, I~b.~i+lg,.or~...de podia comprar gravuras Jíl~~

p~el ar~por uID...preçobastante baixo. A segunda exposição. organizada 11lmlrestaurante recém-jpallgurado e bem eSl.2açosoem Montmartre que elefr~T!~ee~s e de váriosfflygfamjgos franceses. /~~

No final do século XIX, ondas sucessivas de influência japonesa tiveram ~impacto sobre as artes pictóricas e decorativas na França e em toda a Europa.Na década de 1880, revistas e livros acadêmicos falavam do assunto, e ainBuência japonesa alcançara o nível de moda nas ruas. Assim, não tanto por suanovidade, mas pelo momento em que ocorreu, a mostra informal das gravurascolecionadas por Van Gogh foi fundan1ental para Bernard, Anquetin eToulouse-Lautrec. Uma exposição mais ampla dos mestres japoneses promovidapela École des Beaux-Arts, em r890, seria igualmente benéfica para os membrosdo grupo nabi e outros. Para a nova geração, duas lições puderam ser extraídas daobservação atenta da arte japonesa [ver A ponte na chuva (sobre Hiroshige), de

I~/

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14Louis Anquetin

~ lendo um jornal1890Pastel sobre papel

ontado em painel deadeira

54 x43.2Ta e Gallery

13y-1DCefIt van Gogh

/.,ponte na chuvasobre HifÓshige) 1887

eo sobre tela73x54

u Van Gogh.erdã (Fundação

ent van Gogh)

Vincent van Gogh. figo r3]. Em primeiro lugar. ela criava seu próprio mundoauto-suficiente e estilizado, paralelo à natureza e, contudo, corno noimpressionismo, firmemente baseado na realidade e na moderrudade, lidandocom temas atuais da cidade. como a diversão nas ruas ou a prostituição. Alémdisso, num nível técnico, os contornos claros, bem delineados e as cores

chapadas, não moduladas das gravuras, ainda novas para os olhares europeus,demonstravam urna forma de simplificação e síntese que era imediata edecorativa, absolutamente oposta aos resultados de contornos mais suaves eimprecisos obtidos pelo método divisionista. Fundamentalmente, o exemplo daarte japonesa deixou claro que muitos dos truques de ateliê desenvolvidos desdea Renascença, para que o artista reproduzisse com perfeição o espaçotridimensional e enganasse o olho do espectador (truques de trompe l'oei! queainda eram martelados de forma monótona aos alunos nas academias de

Cormon e [ulian ), podiam ser dispensados com segurança em proveito de urnamaior harmonia pictórica. Acima detudo, para os artistascomprometidos com a modernidade,as convenções pponesas - quedispunham com pcricia apenascontorno e plano - podiam seradaptadas tanto aos propósitos dailustração popular e da caricaturaquanto às Imagens incisivamentetraçadas e pintadas da vida parisiense(fig. rú O estilo maduro deToulouse-Laurrec, por exemplo, queaparece pela primeira vez em suaspinturas de circo, em r888, mas queseria desenvolvido nos famosos

cartazes dos anos de 1890, deve suaaudaciosa estilização de arabescos eo desenho espacial radical aosprecedentes da arte japonesa,

combinados com as qualidades mais decorativas e rococó do artista de cartazes[ules Chéret. Na verdade, o próprio Seurat reagiu rapidamente à nova ênfase nalinearidade em sua última e inacabada pintura figurativa, O circo (fig. 10).

A segunda exposição organizada por Van Gogh, já em fins de r887, noconhecido Restaurant du Châlet, Le Grand Bouillon, em Montmartre, reuniupela primeira vez exemplos do estilo fortemente colorido e linear que Anquetine .Bernard, como reação direta à observação das obras japonesas, vinhamexplorando em suas pinturas mais recentes (ver Vista da ponte e111 Asniêres, deBernard, figo r5). Esses trabalhos eram bastante distintos daqueles mostrados porLautrec, pelo próprio Van Gogh e por um colega holandês, Arnold Koning.Algumas semanas mais tarde, num artigo entusiasmado para Ia Revue [ndépmdallte.o escritor simbolista Édouard Dujardin lançou um nome apropriado para essa"maneira nova e especial" - "cloasonismo" (por analogia às técnicas do esmaltee dos vitrais medievais. cloisollné) - e tocou num ponto-chave ao afirmar que ela

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derivava de uma "concepção simbólica da arte". Isso marca categoricamente adiferença entre a abordagem dos impressionistas e a dos artistas clcasonistas-sintetistas: enquanto os primeiros ainda estavam h.ll1damentalmentepreocupados com a representação da realidade em sua forma mais transitória, osúltimos viam a arte como um veículo para a expressão de suas idéias subjetivasacerca da realidade, ou mesmo, como logo iria tornar-se constante na arte deGauguin, das construções de sua imaginação.

A interpretação de Dujardin foi, sem dúvida, instruída por Anquetin, umantigo colega de escola e a principal força por trás do novo estilo. Entre osquadros de Anquetin havia três paisagens, cada uma delas representada, segundoseu tema, em uma tonalidade amarela, azul ou púrpura-averrnelhada. A última

delas infelizmente foi perdida, mas as cenas cloasonistas de Anquetin, de LIl11homem ceifando num campo amarelo-dourado (O ceifeiro) e de uma cena agitadade rua em Montmartre (Anoitecer: Avenue de Clichy, figo16) - seu tom azulindicando o período do dia =, viriam a ser de fundamental importância. Logoapós o término da exposição - fechada prematuramente por conta de objeçõeslevantadas pela clientela do restaurante =, Van Gogh, seu principal organizador,sentiu-se amargurado e deprimido. Na verdade, foi nesse estado que ele partiude Paris para Arles em fevereiro de 1888. Apesar de tudo, graças aos seus esforçospessoais, idéias importantes foram veiculadas e contatos haviam sido feitos.Particularmente importante foi o fato de encontrar-se pela primeira vez comGauguin, que acabava de retomar das Antilhas, bem como o acordo de ambostrocarem obras.

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15Émile Bernard

Vista da ponte _Asniêres 1887Óleo sobre tela38x46Musée des Bea..Brest

16louis Anque .

Anoitecer. AClichy 1887Óleo sobre te -69,8 x 53,3wadswortn k;Hartford. ColSumnere Ma-Sumner

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Da recém-iniciada reclusão em Arles, Van Gogh trabalhou sem descan o paramanter vivos esses contatos, correspondendo-se com seus amigos quasediariamente. Ele também reconheceu a importância dos novos caminhos sugeridopelas pinturas de Anquerin, que foram amplamente exibidas durante os oito mesesseguintes: elas estavam na consignação que o artista enviou em fevereiro de I

ao importante grupo independente de Bruxelas, Les xx, e foram vistas tambémem três ocasiões distintas, em Paris. A nova vivacidade das cores e a nitidez quesurgiram nas composições de Van Gogh em Arles naquele ano, as quais incluemalgumas de suas pinturas mais conhecidas, podem ser atribuídas a umahomenagem feita pelo artista aO ceifeiro e Anoitecer: Avenue de Cliclry.Os girassóis (fig. (7), por exemplo, umada série de pinturas com as quais VanGogh pretendia decorar um aposentopreparado para a visita de Gauguin, éde uma harmonia japonista-cloasonista em dourados, com asformas distintas e decorativas dasflores dispostas em relevo contra asduas cores fortes do fundo,separadas por uma grosseira linhaazul.

Estava claro para a maioria dosvisitantes atentos da exposiçãoGrand Bouillon - den~12:>sarro, Guillaumin e Gauguin-que o estilo doasonista, análogo nãoapenas aos vitrais que sem dúvida oinspiraram, mas também às gravurasJaponesas, representava um contrasteviolento ao pontilhismo, com suastonalidades predominantementeclaras e vibrantes. Imediata eprofeticamente, o crítico e autornaturalista Gustave Geffroy chamoua atenção para essa oposição aoint-i·fularsua resenha em ia [ustice, emfevereiro de 1888, "Pointillé-cloisonné". Um novo estilo pós-impressionistahavia nascido.

A IMAGEM DO ARTISTA: GAUGUIN, O PRIMITIVO

Para Gauguin, a salvação para as dúvidas que o atormentaram enquanto artistano rastro da exposição de 1886 vieram do estímulo de lugares novos, além daexperiência da alteridade propiciada por um deslocamento voluntário. ABrcranha era um refúgio conhecido para os pintores (Jue queriam escapar da

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17Vincent van Gogh

Os girassóis 1888

Ôfeo sobre tela92x 73

tional Galiery,Londres

cidade, e Gauguin, alojado em Pont-Aven, viu-se cercado por alunos e pinrorcmais estabelecidos, de uma estirpe conservadora e acadêmica. Gauguindestacava-se como revolucionário entre eles, graças ao seu sabido envolvirncnrocom os irnpressionistas. Uma oposição desse tipo convinha-lhe, ajudando-o afirmar sua identidade como artista, uma identidade que explorouexaustivamente em seus escritos, pinturas e esculturas no dccorr rer dos três anosseguintes. A Bretanha também o levou a um confronto direto com a ideologia daarte acadêmica - que sempre Fora menosprezada por ele e pelos impressionisrase a qual combateria durante toda a sua carreira. Gauguin tinha agora aoportunidade de observar de perto como os métodos realistas eram postos emp,Eática,em geral com a ajuda de fotógrafos, para produzir as conFecçõe;narrativas extremamente bem-acabadas gue garantiam sucesso popular no Salãg.Ao mesmo tem o, os elementos de diferença que atraíam tantos intores a esse~to extremo da França mostraram-se mais frutí eros e sugestivos paraGauguin do que para aqueles artistas que estavam apenas em busca da pitorescacor local. >--Um fator importante da popularidade da Bretanha entre os pintores era anecessidade de preservar e registrar as diferenças sociais, culturais e religiosas quetradicionalmente haviam afastado seu povo do mundo cada vez mais secular, emconstante mudança, de Paris. O contraste aguçou-se ainda mais pela facilidadecom que as linhas férreas agora transportavam viajantes do coração da capital atéFinistêre ..Gauguin, no início, foi lento em captar esses indicadores culturaisameaçados - o vestuário, os rituais, o imaginário religioso -, mas, em sua segundavisita, em 1888, demonstrou que estava bastante atento a eles, assim como estariadepois no Taiti. Nesse ínterim, ele viajara à Martinica, onde as primeirassementes de seu entusiasmo pelo primitivo foram plantadas. Fora até lá, segundoele próprio, para revigorar-se e distanciar-se da luta frenética da vida artística emParis. Estava também em busca de motivos exóticos, cuja originalid'lde iriaestimular os paladares cansados do público comprador de quadros. A aventurateve o efeito de reavivar as memórias do vasto mundo que ele experimentaraquando criança e depois como marinheiro mercante; e retomou à Françaconvencido de que um futuro cor-de-rosa aguardaria o pintor que fosse capaz deexplorar os trópicos, abertos tão recentemente pela colonização.

Nesse meio tempo, ele capitalizaria o que a Bretanha tinha a oferecer,imbuindo-se do "caráter do povo e da localidade, o que é essencial para que eupossa pintar bem", conforme afirmou no início de 1888. Par~ alcançar seuobjetivo, como explicou à ex-esposa, de quem havia se separado três anos antes,teve de bloquear o lado emocional, sensitivo de sua natureza, e liberar o lado"selvagem", de modo que este pudesse "avançar resoluto e desimpedido".

A idéia de que sacrifícios eram necessários para alcançar um objetivo maiorpermeava o pensamento de Gauguin em 1888, o que lhe permitiu condensar suas"sensações" da natureza e obter aquela simplificação radical do estilo que haviabuscado por tanto tempo. Depois da fina trama de pinceladas interrompidas...---que caracterizara suas i ele a ora come ava a intar mais como

ese ava, em regando blocos quase sólidosemarcadas com gross no. Seu e tilo de desenhar 'á vinha

aSS]ImiRdo esse perfil havia algum tempo, influenciado num grau considerá",,-

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c.irrcira de Gauguin já estava em ascensão, provocou uma longa disputa, típica nahistória da arte, isto é, valorizando mais a originalidade, o ineditismo, do queuma realização sustentada. À medida que outras testemunhas dos acontecimentosde IRRRcontaram uma história difer;nre, e considerando a pequena credibilidadede Bernard como historiador, fica difícil atribuir os créditos de maneira justa. Écerto que o papel de Bernard foi subestimado pelos críticos da época,especialmente pelo defensor de Gauguin, Albert Aurier, apesar de suacontribuição em ajudar Van Gogh a encontrar seu estilo pessoal, O que pareceinegável é que Bernard foi o benenciário e propagador das descobertas deAnquctin (assim como Signac o fora para Scurar), e a reivindicação de Anquetinquanto a ter sido o originador do cloasonismo - (lue apenas recentemente foi

reconhecida de maneira apropriada - continua incontestada. A questão-chave parao historiador é o que cada artista fez dessa idéia estilística relativamente simplesem sua carreira como um todo. Enquanto Anquerin e Bernard abandonaram suafase de cloasonismo, renunciando a ela como se fosse uma aberração da juventude·(ambos voltando-se, ao contrário, para a exploração de estilos mais convencionais,

\!~ r rcaizantes), Van Go h e Gau in foram capazes de extrair do cloasonismo, numV 'f momento crucial de seus desenvolvimentos, apenas aque es aspectos e que 'r pr6avam para SImplificar e apurar eqUlvocos e complexidades teq;l1cas

anteriores, a fim de chegar a um estilo mais consõLdado, maduro. O essencial damoderrudade de Gau um está em seu ecIetlsmo sua ousadia em coU1ere -misturar empréstimos culturais e mernorras pessoais Iscrepantes e é essa

~ ,. ----- ----32

20Paul GauguinAuto·retrato: osmiseráveis 1888

Óleo sobre tela45 x 55Museu Van Gogh,Amsterdã (FundaçãoVincent van Gogh)

21Paul Gauguin

A colheita da uva emArles: aflição humana1888

Óleo sobre tela73 x92Coleção OrdrupgaardCopenhague

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G~acterísúca, bem nuis do ue sua dívida estilística ara com o cloaso~nsti(ttiu seu legado permanente para os artistas do século xx.

e

VAN GOGH E GAUGUIN: ISOLAMENTO E ATIVIDADE DE GRUPO

Qualquer avaliação da dinâmica da École de Pont-Aven tem de levar em contaseu membro honorário, Vincent van Gogh. Embora jamais tenha visitado aBretanha, Van Gogh manteve-se sempre a par do que ocorria lá e, nW11certograu, até influenciou alguns desses eventos. Com certeza, os movimentos deGauguin a partir de 1888 tinham no horizonte a aprovação de seu novo martband,

o irmão de Vincent, Theo van Gogh, pois a empresa para a qual este trabalhavapermitia-lhe agora alguma liberdade para apoiar financeiramence artistascontemporâneos. Foi obviamente para agradar a Theo que Gauguin saiu dePont-Aven em outubro de 1888, num período altamente criativo, para unir-se aVincent em Arles. A convivência e a colaboração artística dos dois, pelas quaiTheo pagou a conta, produziram mais idéias para o futuro do que grandesobras, embora certas trocas criativas de fato tenham ocorrido.

Embora compartilhando muitos princípios, os dois artistas eramdiametralmente opostos em sua abordagem da pincura e d tas uesrôesmorais fundamentais. Gau uin deu a sua intuta wn tratamento de cor e o

o e elegante, mesmo em temas emocionalmente carregado e

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taciturnos como A visão após o sermão (fig. 19) ou A colheila da uva em Arfes: qfliçãohUlIlana (fig. 21), arribas, é claro, temas de sua própria invenção. Ele parecedemonstrar algo do mesmo distanciamento irônico na forma como lida com osexo oposto. Van Gogh, consciente de sua própria relativa inexperiência emassuntos sexuais, desconfiava do que via como uma atitude hipócrita do francês,

suspeitando de sua habilidade na arte casuística de acomodar a própriaconsciência. O modo de o holandês abordar a pintura era também maisinstintivo, emocional, sentimental e moral. E~ devia muito de sua energia e zeloa sua formação protestante, que o dirigiu para o caminho da salvação porintermédio do trabalho, executando cada quadro como uma obra de devoção.Era a arte concebida, se bem que de modo ingênuo, como uma atividade

22Vincent van Gogh

A cadeira de Vincentcom seu cachimbo1888·89

Óleo sobre tela92 x 73National Gallery,Londres

23Vincen! van Gogh

Canto do jardim doHospital de SI. -Psu' errSt.·Rémy 1889

lápis e pena sobrepapel62,2 x 48,3late Gallery

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humilde, acumulativa, essencialmente uma homenagem à criação divina. Adiferença nas atitudes dos arristas ajuda a explicar seu tratamento tão diferentedo tema. En uanto Lguin, como vimos nas figs. 20 e :?J., [email protected]'~~B'. tétlcas incor orando Imagens da memória e significadossi~com.múLcipl.as c adas o u iria incluir incongruênciasco 110 os lutadores de estilo japonês em A visão, ou as mu ercs brerãs em.suacena da ~eit;w:L, a a Ie erência de Van Gooh recaía em motivos simp es,auto-suficientes, quase icônicos, tirados da natureza, mas vistos atraves o fiftrodallteratura ou da arre precedente, e imbuídos de seus sentimentos su5jeti~s(A#eíra de kIucent C0111 seu cacht;bo. hg. 22), ••

Após uma visita ao Musée Fabre, em Montpellier, Gauguin pôde apontar astradições opostas às quais cada um deles era fiel: enquanto compartilhavam, comênfase diversa, uma intensa admiração por Delacroix, ~ ert umlinha dt.p.intores românticos-realistas, que incluía Daumier, Ziem, Monticelli e

D ubigny, cujas técnicas envolviam um em as((~expreSSIVO,porém desordenado; já Gaugu' entificava::.5,ecom u . di ão mais clássica de e e .histas.a.deRafael, lngres e De as, nos uais a emo ão era disfar dasob a su erfície, e a ênfase recaía na linha e nas coressuaves. Ele acre itava que era essa a tradição que conduzial~mente ao primitivo.

O estado de saúde mental já delicado de Van Gogh nãofoi auxiliado pela eletricidade gerada em suas discussões,nem por ter-se permitido dominar pelo exemplo dofrancês de trabalhar somente segundo as idéias em suamente e não com base na natureza externa. A situaçãolevou a uma crise violenta em dezembro, quando VanGogh, tentando atacar Gauguin, recorreu, em vez disso, àautomutilação. Depois desse incidente, Van Gogh oproupela hospiralização voluntária e Gauguin retomou a Paris.

Talvez fosse previsível que Van Gogh não conseguiriasustentar uma relação de trabalho tão próxima por muitotempo. Surtos violentos de insta:bilidade mental eram

cada vez mais freqüentes, cuja causa precisa continuou' um enigma para osclínicos ainda depois de sua morte. Duas hipóteses recentes sugerem que elesofria da doen a niere uma combinação episódica de tontura náusea,perda de audição variável'e tinítus), ou de por na mtermitente aguda (combinação

.&distúrbios digestivos e cutTheos, sensibilidãcl:e a luz e detenoraçao ao cérebro).As t n an og e am ener Ia e for a extraordinárias aoseu trabalho, como se pode ver em a guns e seus mais belos desenhos feitos 1l!

hos: ital , '., - ' 3), em que a pena recobre incansavelmente toda asuperfície da folha. Mas essas tendências, evidentemente, revelam-se também nasdiscussões, tomando-o uma companhia dogmática e inflexível. Apesar de tudo,tal obsessão capacitou Van Gogh a realizar uma quantidade enorme de obras nocurto espaço de tempo que lhe coube. Seu modo de trabalhar, apaixonado eexcessivo, horrorizou Gauguin, para quem um certo uso parcimonioso da pinturaera ditado não apenas pelo gosto, mas, como era tradicionalmente o caso, pela

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economia. Afastado da realidade econômica pelos subsídios do irmão, Van Goghnão tinha nenhuma das preocupações normais dos artistas quanto à necessidadede economizar seus materiais, resultando naqueles empastes incomparavelmentegrossos que enrugam a superfície de"suas telas. Foi esse as irruoso de suaobra e a liberdade colorística com a gual animou s bserva ões da(fi .2 ,mais o ue seus remas, o ue deixaria como le ad l ores.

Em 1888-89, Gauguin estava convencido de que, como líder de um grupounido, seria fácil articular um contra-ataque à influência de Seurat e do neo-impressiorusmo: assim, planejou e acolheu com entusiasm6 o recrutamento de

novos adeptos. Van Gogh, que agora estava se recuperando e trabalhando bem,foi convidado a participar, ao lado de Gauguin, Schuffenecker, Bernard e algunsamigos deste, da exposição Impressionistas e sintetistas organizada no café Volpini,seguindo a linha do que ele próprio havia feito anteriormente. Foi um modooportunista de fazer com que as obras fossem vistas pelas multidões quevisitavam o Champ de Mars para admirar a nova torre Eiffel e ver a mostra dearte oficial montada para a Exposição Universal. Em várias avaliações da crítica,as obras de Anquerin foram julgadas as mais radicais da exposição; talvez porimprudência, Gauguin tenha desistido de mostrar A visão após o sermão, tendo em

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24Vincent van Gogh

Trigal com ciprestes1889

Óleo sobre tela72 x 90,9National Gallery,Londres

25Roderic O'Conor

Paisagem amarela,Pont-Aven 1892

Óleo sobre tela67,6 x 91,8Tate Gallery

vista a controvérsia que o quadro causara em fevereiro na e.x-p<>ição ~Bruxelas. A decisão de Van Gogh de não participar é difícil de interpretar; -uma sinalização simbólica de sua desilusão com o ideal de grupo, tão valorizacopor ele anteriormente, ou uma relutância cautelosa em enviar as mensagenserradas ao público incapaz de compreender uma exposição como essa, conselhoque parece ter partido de seu irmão Theo?

Ironicamente, apesar das dificuldades encontradas por Van Gogh e Gauguinpara trabalhar juncos, e de suas atitudes reticentes ante a possibilidade de exporlado a lado, foi justamente ao serem vistos juntos que eus trabalhos iriamcausar maior impacto: a primeira dessas ocasiões foi a exposição Les xx, em1891, em que foram os dois artistas a desp-ertar a mais a itada celeuma entre oscríticos. O artista irlandês Roderic O'Conor foi um dos primeiros a responder àex..e:riência de ter de arado a obra de Gauguin e Van Go h uase ao mesmo

tempo. Em Paisagem amarela, Pont-Aven (fig. 252, a Ealeta vib ante e o.desenhoenérgico de O'Conor mostram o !.1uesó e er descrito como umuxcita ãoque prenunciava o fau o; e{eitos simila~eriam mostrados por volta de ,uma écada mais tarde, quando o exemplo de G~guin e Van Gog~iri~mais uma vez sobre osJauves na França e os grupos de Bloomsbury e de CamdenT,ewn na ng aterra.

Enquanto Van Gogh ficou descontente com o que vira como a desuniãoirrevogável na vanguarda parisiense, a experiência de ver as obras de Gauguin,Bernard, Anquetin e outros no café Volpini ofereceu a vários outros artistas aexpectativa de uma nova união - entre eles alguns estrangeiros em visita a Paris,como De Haan, Verkade ou Willumsen, bem como um grupo de alunos daAcadémie Julian já insatisfeitos com seus mestres, Paul Sérusier, Maurice Denis,Paul Ranson, Pierre Bonnard e Henri-Gabriel Ibels. Segundo as memórias de

3.

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Denis. o que eles viram em obras como Anoitecer: Avenue de Clichy (fig. 16), deAnquctin, foi revclador de uma nova atitude diante da natureza e do tema,menos subserviente, mais livre; cores ainda mais vivas do que as usadas pelosimpressiorustas: as formas dos objetos ou figuras distorcidas para aumentar ointeresse decorativo da pintura; acima de tudo, nem um vestígio do realismoilusionista que lhe haviam ensinado a praticar nos ateliês.

Sérusier recebeu um novo estímulo da exposição realizada no café Volpini. Jáhavia mantido contato com Gauguin em Pont-Aven no outubro anterior, épocaem que pintou, sob sua orientação, Paisagem 110Bois d'Ainour (O talis111ã) (fig. 2.6),obra extremamente simplificada c experimental. Ele até acompanhara Gauguinem sua missão fracassada para doar Visão após" sermão à igreja local de izon,rujo cura recusou a doação, suspeitando de que se tratasse de uma piada.- rusicr. tendo passado o inverno em Paris, onde sua posição de cerra

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26Paul Sérusier

~OiS

d'Amour ("O talismã")1888

Óleo sobre painel27x22Musée d'Orsay, Paris

27Paul Gauguin

Colheita: Le Pouldu1890

Óleo sobre tela73 x 92,1late Galiery

autoridade na Académie Julian conferia respeito às novas idéias que ele teria acomunicar, teve de ser assegurado por Gauguin de que sua intenção era sincera.As pinturas e gravuras do café Volpini impressionaram-no bastante, e eleretomou à Bretanha naquele verão e no próximo, para unir-se ao pequeno grupode seguidores de Gauguin na aldeia de Le Pouldu. Lá, eles pintaram e discutiramamplas questões estéticas, dividindo seu tempo entre produzir sintéticas

pinturas de paisagens (fig. 27) e decorar a sala de jantar da hospedaria em queestavam alojados. A personalidade de Gauguin dominava as reuniões, e aatmosfera arrebatadora era daquelas em que empreendimentos grandiosos,wagnerianos, podiam ser criados. De lá, Sérusier escreveu a Maurice Denis em1889: "Sonho com uma fraternidade purificada, feita apenas de artistas

engajados, amantes do belo e do bom, que coloquem em suas obras e em seumodo de vida esse caráter indescntível que eu traduzo pela palavra 'nabi' ". Essapalavra misteriosa, ele havia sido informado, significava profeta em hebraico, etinha as conorações perfeitas de entusiasmo e elitisrno para situar o gruporecém-constituído num plano di [erente de seus colegas estudantes e do públicoburguês, o "pe/ichtilll ".