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Os 122 funcionários que trabalham em um dos prédios da Fundação Oswaldo um susto quando voltaram das festas de fim de ano em 1997. O edifício de do construído em maio de 1995. Naqueles quatro dias de verão em que a refriger fechadas, os fungos que já habitavam o sistema de ar condicionado central pr O prédio, que abriga uma biblioteca com mais de 800 000 volumes -maior ace sobre biomedicina -, foi interditado por quatro meses. O saldo foi de 61 pessoa dermatológicos e outras 19 com irritação das vias respiratórias. "A falta de ma condicionado causou o episódio", diz o carioca Jorge Machado, coordenador-c Fundação Oswaldo Cruz. Esse caso é um exemplo extremo do que pode acon não é o único. A síndrome dos edifícios doentes, como os cientistas a chamam, é uma doença da arquitetura moderna: edifícios selados que reciclam continuamente o ar. Nos Estados Unidos, encontram-se casos de prédios (e, conseqüentemente, de funcionários) doentes em grandes companhias como Levi s, Southwest Airlines e BP Amoco. São tão freqüentes que a Organização Mundial de Saúde estima que um em cada três trabalhadores esteja, neste exato momento, em um escritório doente. Em tempos em que a decantada qualidade de vida é uma das prioridades das empresas, histórias como essas podem soar anacrônicas. Talvez esses casos sejam tão comuns porque as causas estão geralmente escondidas em elementos invisíveis e aparentemente inofensivos. Desde substâncias tóxicas que se desprendem do carpete ou de aparelhos de fax e máquinas copiadoras a bactérias que se reproduzem no sistema de ar condicionado. Some-se a isso o fato de que se passa, em média, 50 horas semanais nesses ambientes. Pior: no escritório moderno as janelas não abrem, não há paredes ou salas fechadas para barrar possíveis contaminações. Em vez disso, respiramos o mesmo ar que nosso colega respirou ontem. "Para aqueles com sistemas imunológicos robustos, pode não representar muito", diz o médico carioca Luiz Fernando de Góes Siqueira, pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. "Mas para 20% ou 30% da população de escritórios os problemas podem ir desde dor de cabeça e tontura a irritação na garganta e nos olhos." O mais comum é que se atribuam todos os problemas aos microrganismos que podem se desenvolver nos dutos de ar condicionado. "As substâncias químicas podem representar um problema tão ou mais importante", diz Francisco Kulcsar, da Fundacentro, órgão de pesquisa do governo federal para saúde no trabalho. No início de 1993, uma multinacional do setor químico, instalada na cidade de São Paulo, percebeu que um número considerável de funcionários da área de telemarketing reclamava de dor de cabeça. Uma investigação mostrou que o problema era a concentração de ozônio, emitido pelas máquinas copiadoras que estavam na sala fechada de 220 metros quadrados. A solução foi derrubar as paredes e dispersar as máquinas pelo escritório. Logo depois, a produtividade dos funcionários voltou ao normal. Segundo uma recente matéria de capa publicada pela revista Business Week, as empresas americanas poderiam evitar a perda de 258 bilhões de dólares anuais prevenindo os efeitos de um prédio doente no desempenho de seus funcionários. "Há pouquíssimos estudos nessa área no Brasil", diz a arquiteta Regina Barcellos, gerente de infra-estrutura física da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O assunto só ganhou uma legislação em agosto de 1998, quatro meses depois da morte do então ministro das Comunicações, Sergio Motta, por insuficiência respiratória. Ele passou dias na UTI, às voltas com uma infecção nos pulmões provocada por uma bactéria, a Legionella pneumophila, que teria sido encontrada no sistema de ar condicionado do Ministério em Brasília. É a mesma bactéria que, em 1976, causou o episódio que levou ao estudo de edifícios doentes nos Estados Unidos. Em um hotel de Filadélfia, durante uma reunião de um grupo chamado Legião Americana, houve um surto de pneumonia que matou 29 pessoas. "A lei que existe por aqui apenas indica a necessidade de manutenção do ar-condicionado", diz o engenheiro carioca Daniel Scherman, diretor da incorporadora paulista Birmann. "Mas não há referência ao que é um ar bom." A primeira padronização mais completa deverá ser publicada nos próximos dias. Antes de passar a valer, o documento fica disponível para consulta pública por 45 dias no Diário Oficial e na página da Vigilância Sanitária na Internet (www.anvisa.gov.br). A nova norma, elaborada por pesquisadores de instituições como a Faculdade Prédios doentes Revista Exame 09/08/2000 00:00 Prédios doentes | EXAME.com http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/720/noticias/predios-... 1 de 3 20/02/2015 23:54

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  • Os 122 funcionrios que trabalham em um dos prdios da Fundao Oswaldo Cruz, no Rio de Janeium susto quando voltaram das festas de fim de ano em 1997. O edifcio de dois andares era novo, hconstrudo em maio de 1995. Naqueles quatro dias de vero em que a refrigerao ficou desligada efechadas, os fungos que j habitavam o sistema de ar condicionado central proliferaram de maneira O prdio, que abriga uma biblioteca com mais de 800 000 volumes -maior acervo da Amrica Latina sobre biomedicina -, foi interditado por quatro meses. O saldo foi de 61 pessoas com queixas de probdermatolgicos e outras 19 com irritao das vias respiratrias. "A falta de manuteno nos dutos decondicionado causou o episdio", diz o carioca Jorge Machado, coordenador-chefe de sade do trabFundao Oswaldo Cruz. Esse caso um exemplo extremo do que pode acontecer em um prdio dono o nico. A sndrome dos edifcios doentes, como os cientistas a chamam, uma doena da arquiteturamoderna: edifcios selados que reciclam continuamente o ar. Nos Estados Unidos, encontram-se casos deprdios (e, conseqentemente, de funcionrios) doentes em grandes companhias como Levi s, SouthwestAirlines e BP Amoco. So to freqentes que a Organizao Mundial de Sade estima que um em cada trstrabalhadores esteja, neste exato momento, em um escritrio doente. Em tempos em que a decantadaqualidade de vida uma das prioridades das empresas, histrias como essas podem soar anacrnicas. Talvezesses casos sejam to comuns porque as causas esto geralmente escondidas em elementos invisveis eaparentemente inofensivos. Desde substncias txicas que se desprendem do carpete ou de aparelhos de faxe mquinas copiadoras a bactrias que se reproduzem no sistema de ar condicionado. Some-se a isso o fatode que se passa, em mdia, 50 horas semanais nesses ambientes. Pior: no escritrio moderno as janelas noabrem, no h paredes ou salas fechadas para barrar possveis contaminaes. Em vez disso, respiramos omesmo ar que nosso colega respirou ontem. "Para aqueles com sistemas imunolgicos robustos, pode norepresentar muito", diz o mdico carioca Luiz Fernando de Ges Siqueira, pesquisador da Faculdade de SadePblica da Universidade de So Paulo. "Mas para 20% ou 30% da populao de escritrios os problemaspodem ir desde dor de cabea e tontura a irritao na garganta e nos olhos." O mais comum que se atribuamtodos os problemas aos microrganismos que podem se desenvolver nos dutos de ar condicionado. "Assubstncias qumicas podem representar um problema to ou mais importante", diz Francisco Kulcsar, daFundacentro, rgo de pesquisa do governo federal para sade no trabalho. No incio de 1993, umamultinacional do setor qumico, instalada na cidade de So Paulo, percebeu que um nmero considervel defuncionrios da rea de telemarketing reclamava de dor de cabea. Uma investigao mostrou que o problemaera a concentrao de oznio, emitido pelas mquinas copiadoras que estavam na sala fechada de 220 metrosquadrados. A soluo foi derrubar as paredes e dispersar as mquinas pelo escritrio. Logo depois, aprodutividade dos funcionrios voltou ao normal. Segundo uma recente matria de capa publicada pela revistaBusiness Week, as empresas americanas poderiam evitar a perda de 258 bilhes de dlares anuais prevenindoos efeitos de um prdio doente no desempenho de seus funcionrios. "H pouqussimos estudos nessa rea noBrasil", diz a arquiteta Regina Barcellos, gerente de infra-estrutura fsica da Agncia Nacional de VigilnciaSanitria. O assunto s ganhou uma legislao em agosto de 1998, quatro meses depois da morte do entoministro das Comunicaes, Sergio Motta, por insuficincia respiratria. Ele passou dias na UTI, s voltas comuma infeco nos pulmes provocada por uma bactria, a Legionella pneumophila, que teria sido encontradano sistema de ar condicionado do Ministrio em Braslia. a mesma bactria que, em 1976, causou o episdioque levou ao estudo de edifcios doentes nos Estados Unidos. Em um hotel de Filadlfia, durante uma reuniode um grupo chamado Legio Americana, houve um surto de pneumonia que matou 29 pessoas. "A lei queexiste por aqui apenas indica a necessidade de manuteno do ar-condicionado", diz o engenheiro cariocaDaniel Scherman, diretor da incorporadora paulista Birmann. "Mas no h referncia ao que um ar bom." Aprimeira padronizao mais completa dever ser publicada nos prximos dias. Antes de passar a valer, odocumento fica disponvel para consulta pblica por 45 dias no Dirio Oficial e na pgina da Vigilncia Sanitriana Internet (www.anvisa.gov.br). A nova norma, elaborada por pesquisadores de instituies como a Faculdade

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  • de Sade Pblica da Universidade de So Paulo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Fundacentro,dever trazer padres tanto de poluio qumica quanto biolgica. A portaria de 1998 fez com que algunscondomnios comeassem a pensar na questo da qualidade do ar. Ou, pelo menos, a fazer alguma coisa arespeito. Um exemplo o edifcio Centenrio Plaza, em So Paulo, mais conhecido como Robocop, por suafachada metlica. So 32 andares, em que esto os escritrios de empresas como Multibrs e a agncia depublicidade Lowe Loducca. A primeira limpeza foi feita no fim de 1998, trs anos depois da inaugurao doprdio. "Fizemos por causa da determinao legal", diz o engenheiro paulista Roberto Ayres, gerenteoperacional do condomnio. "Encontramos resduos de p da construo que poderiam prejudicar a qualidadedo ar." Ainda so poucos os que tomam alguma providncia antes que acontea algum problema", diz MarceloGurgel, gerente nacional da Sociedade Brasileira de Meio Ambiente e Controle de Qualidade de Ar deInteriores, a Brasindoor. No ano passado, a Brasindoor lanou os resultados de uma pesquisa sobre aqualidade do ar em ambientes internos em algumas das principais capitais do Brasil. Em So Paulo, 12,5% dosambientes tinham ar de m qualidade. No Rio de Janeiro, 16,2%. Em Braslia, foi pior: 21,3%. Ainda em 1999, aBrasindoor passou a certificar edifcios que tivessem boa qualidade do ar. Apenas trs deles receberam o selo.O Centro Empresarial de So Paulo foi o primeiro deles (veja quadro na pg. 52). Os outros dois so ocondomnio Parque Cultural Paulista e o So Luiz, ambos na Zona Sul de So Paulo. Casos de funcionriosque caem doentes devido s condies do ambiente de trabalho podem trazer enormes prejuzos financeiros e imagem de uma empresa. Um dos poucos a parar na Justia brasileira envolve a carioca Daniela Trres, de25 anos, e a IBM. Daniela alega que uma doena pulmonar que trazia desde a infncia teria sido agravada pelaexposio s baixas temperaturas do ar-condicionado do QG da empresa, em frente da Baa de Guanabara, noRio de Janeiro. Daniela comeou como estagiria na rea de informtica, em maio de 1993. Em junho de 1996,passou por uma cirurgia que a deixou incapaz de retornar ao trabalho. Ainda no h deciso final da Justia. "Afuncionria, sabendo de suas limitaes fsicas, no deveria trabalhar num ambiente refrigerado", diz CarmenPeres, diretora de recursos humanos da IBM. "A empresa no tem culpa." Nos Estados Unidos, um dos casosmais conhecidos o da companhia de petrleo BP Amoco. Aps entrar em contato com uma substncia txicadentro das dependncias da empresa, seis cientistas desenvolveram uma forma rara de cncer no crebro. Adeciso judicial favorvel aos funcionrios saiu, em meados do ano passado, quando cinco deles j haviammorrido. Muitos desses problemas, no entanto, no chegam ao conhecimento pblico. Um deles envolveu aLevi s, maior fabricante mundial de jeans. A revista Business Week conseguiu memorandos internos daempresa que mostravam que, por oito anos, pelo menos 60 funcionrios reclamaram da qualidade do ar de umdos escritrios em So Francisco, nos Estados Unidos. Eles respiravam a fumaa que vinha da fornalha de umrestaurante, no piso trreo. Pelo menos trs pessoas tiveram asma. Outros, alergias severas. A situaochegou a tal ponto que um dos escritrios ganhou o apelido de cubculo da morte - trs pessoas que ocupavamo local morreram de cncer. Os executivos da Levi s tomaram providncias para melhorar o sistema ao longodos anos, mas as reclamaes persistiram. Finalmente, em 1997, a companhia resolveu o problema. Algunsdesses potenciais problemas so inerentes ao espao moderno de trabalho, sem divisrias. A SecretariaMunicipal de Sade de So Paulo registrou um surto de rubola na Quatro/A, operadora de centrais telefnicasdo grupo espanhol Telefnica, no incio de julho deste ano. O prdio de dez andares, que fica na Praa daRepblica, no centro velho de So Paulo, tem 4 124 operadores atendendo chamadas lado a lado. A rubola seespalhou por 16 deles. A doena disseminada por contato direto com secrees nasais de uma pessoainfectada, e no pelo ar. "Casos como esse so comuns em escolas", diz Luiz Cludio Ferreira Espndola,diretor do Centro de Epidemiologia, Pesquisa e Informao da Secretaria Municipal da Sade de So Paulo."Mas no me lembro de casos semelhantes em empresas." Os prdios selados surgiram em parte por causa dacrise de energia na dcada de 70. A ausncia de janelas implica gastos menores de eletricidade para refrigeraro ambiente. "Esses prdios no devem ser considerados um problema em si", diz o arquiteto paulista EdoRocha. Segundo ele, um projeto bem feito e uma manuteno adequada evitam que os escritrios modernos setornem um problema. Ele cita o exemplo do escritrio da Souza Cruz, no Rio de Janeiro. Ali, por motivosbvios, permitido fumar em qualquer lugar. A sada do ar-condicionado fica no cho, o que ajuda a empurrar afumaa para onde ela normalmente iria: o teto, onde existem as sadas de ar. Outra medida obrigatria, emqualquer ambiente ventilado artificialmente, a colocao de filtros nos dutos. "Isso pode engordar os custosaqui e ali", diz Rocha. "Mas, no final das contas, vale a pena."

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