3
Para seu conhecimento 72 | REVISTA ABCFARMA • outuBRo/2013 texto: CeLSo ARNALDo ARAÚJo / fotoS: DivuLgAção A história nos mostra que não é de hoje o cos- tume de se levantar bandeiras nobres, como a da saúde, mas que contrariam a própria organização do Estado e a ordem democrática, cau- sando a sensação de desorganização e de ausência do poder público em um de- terminado setor ou segmento. Em meio à luta da ABCFARMA con- tra a proibição de venda de produtos de conveniência, como águas, doces e bar- ras de cereais, em farmácias e drogarias, estamos vivenciando a difícil missão de defender um setor tomado por interes- ses corporativos de um órgão que ape- nas deveria representar uma classe, mas que insiste em regular um setor que não pode nem se manifestar, pois jamais um dono de farmácia ou drogaria foi presidente de um desses conselhos; ou melhor, um dono de farmácia ou drogaria não far- macêutico. Sim, essa prática dos tempos de ditadura ain- da existe e é escancarada, pois todas as ações con- tra os produtos de conveniência distribuídas no Supremo Tribunal Federal foram iniciadas com a manifestação do Conselho Federal de Farmácia, que entende que apenas os Conselhos estão cor- retos ao dizer inequivocamente que farmácia e drogaria são estabelecimentos de saúde. O pior de tudo é que, estabelecidos em todos os estados da OS PREJUÍZOS produzidos nos BASTIDORES DO SETOR O s interesses corporativos direcionam o setor para um colapso, com a anuência de políticos despreparados e órgãos públicos que não respeitam a democracia, e bandeiras que apelam para a simplicidade da população ou a falta de análise criteriosa da Justiça, os conselhos de Farmácia avançam a qualquer custo. Inclusão de artigo na MP 615/2013 que não tem nenhuma relação com o setor. Em 2011, houve a mesma tática para aumentar a anuidade na MP nº 536/2011, convertida na Lei 12.514/11. A ABCFARMA enviou ofício para a presidente na tentativa de vetar a modificação.

Prejuízos do setor

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Os prejuízos produzidos nos bastidores do setor

Citation preview

Page 1: Prejuízos do setor

Para seu conhecimento

72 | Revista ABCFARMA • outuBRo/2013

texto: CeLSo ARNALDo ARAÚJo / fotoS: DivuLgAção

A história nos mostra que não é de hoje o cos-tume de se levantar bandeiras nobres, como a da saúde, mas que contrariam a própria organização do Estado e a ordem democrática, cau-sando a sensação de desorganização e de ausência do poder público em um de-terminado setor ou segmento.

Em meio à luta da ABCFARMA con-tra a proibição de venda de produtos de conveniência, como águas, doces e bar-ras de cereais, em farmácias e drogarias, estamos vivenciando a difícil missão de defender um setor tomado por interes-ses corporativos de um órgão que ape-nas deveria representar uma classe, mas que insiste em regular um setor que não pode nem se manifestar, pois jamais um dono de farmácia ou drogaria foi presidente de um desses conselhos; ou melhor, um dono de farmácia ou drogaria não far-macêutico.

Sim, essa prática dos tempos de ditadura ain-da existe e é escancarada, pois todas as ações con-tra os produtos de conveniência distribuídas no Supremo Tribunal Federal foram iniciadas com a manifestação do Conselho Federal de Farmácia, que entende que apenas os Conselhos estão cor-retos ao dizer inequivocamente que farmácia e drogaria são estabelecimentos de saúde. O pior de tudo é que, estabelecidos em todos os estados da

OS PREJUÍZOS produzidos nos BASTIDORES DO SETOROs interesses corporativos direcionam o setor para um colapso,

com a anuência de políticos despreparados e órgãos públicos que não respeitam a democracia, e bandeiras que apelam para a

simplicidade da população ou a falta de análise criteriosa da Justiça, os conselhos de Farmácia avançam a qualquer custo.

Inclusão de artigo na MP 615/2013 que não tem nenhuma relação com o setor. Em 2011, houve a mesma tática para aumentar a anuidade na MP nº 536/2011, convertida na Lei 12.514/11. A ABCFARMA enviou ofício para a presidente na tentativa de vetar a modificação.

Page 2: Prejuízos do setor

74 | Revista ABCFARMA • outuBRo/2013

Federação, atuando como uma entidade privada com interesses próprios, mas sendo públicas, aca-bam por conseguir nos bastidores grande influ-ência entre autoridades e políticos, como se vê no citado caso das ações contra a venda de artigos de conveniência, em que o Procurador Geral da República, que assinou a petição da ação, afirma que “farmácia e drogaria não é padaria nem super-mercado” e, ao citar trecho de outro processo, que farmácia ou drogaria é estabelecimento de saúde.

Ora, temos então um Procu-rador da República se manifes-tando em contrariedade à pró-pria Lei Federal que se quer valer como a única do setor – um contrassenso, visto que a Lei nº 5991/73 dispõe sobre o controle sanitário do comércio de medicamentos e não dos es-tabelecimentos de saúde.

Então, estão errados os Legislativos dos estados de São Paulo, Paraíba, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rorai-ma, Rondônia, Piauí, Distrito Federal, entre outros, que, em suas Assembleias, segui-ram a ordem política e a divisão de pode-res para legislar legitimamente a permissão para venda de artigos de conveniência?

Fica clara a influência do órgão fiscalizador de classe em fazer valer seu entendimento contrário à sistemática legal, no interesse de criar uma ativida-de privativa para a classe que representa. Fechar as portas, esse é o destino das farmácias e drogarias, principalmente as micro e pequenas empresas do segmento que não tem farmacêuticos em seu co-mando, mas tem responsável técnico farmacêutico, pois cada vez mais há um cerceamento da atividade e a tentativa de minar as saídas para a continuidade dessas empresas.

É importante salientar que os grandes hospitais têm em seu interior lanchonetes que servem petis-cos e refeições, além de lojas de produtos de conve-niência para pacientes e visitantes.

Esse movimento também fica claro com a nefasta articulação política realizada pelo Conselho Federal de Farmácia em inserir,

no texto de uma medida provisória que tra-ta de assuntos totalmente alheios ao setor, artigo na Lei 5.991/73, no sentido de dizer que a responsabilidade técnica de farmá-cia e drogaria é ato privativo do farmacêu-tico, comemorando a inclusão em seu site (12.09.2013), no típico clamor de quem en-tra numa disputa para ganhar.

O preâmbulo da Lei n. 5991/73 diz: “Dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras Providências”. A tese de que farmácia e drogaria são estabelecimentos de saúde contraria a própria lei.

Page 3: Prejuízos do setor

76 | Revista ABCFARMA • outuBRo/2013

Em levantamento recentemente divulgado, o IMS Health demonstrou que no ano de 2012 hou-ve uma retração de pequenas empresas em 3%, e um dos grandes motivos para a diminuição do nú-mero de empresas é a dificuldade de se permanecer num setor comercial que se quer regular como um setor misto ou público de saúde, sem a participação financeira do Estado.

Essa influência política de bastidores se justifica pelo crescente aumento da arrecadação garantido por uma Lei Federal (12.514/11) que seguiu a mesma carti-lha: inserir artigos alheios ao setor em um texto legal sem nenhuma relação, que tratava da residência médica.

A título de exemplo, o Conselho Regional de Far-mácia do Estado de São Paulo publicou suas demons-trações financeiras (www.crfsp.org.br) que obteve receita com anuidades, ao longo de 2012, no valor de R$24.068.970,82. Como o órgão não separa as receitas obtidas junto a pes-soas jurídicas e pessoas físicas, fica a dúvida: qual é o valor que farmácias e drogarias estão pagando para serem arbitrariamente excluídas do setor?

A perseguição ao setor já rendeu bons frutos financeiros aos conse-lhos de Farmácia, que perceberam como é lucrativo ser órgão público no país, pois criou uma certidão obri-gatória, deturpando uma garantia constitucional, que no caso de São Paulo rende aproximadamente R$4.700.000,00, mais de 10% de sua receita cor-rente, que todo ano a empresa tem de renovar. E o pior: é retirada arbitrariamente pelo fiscal do pró-prio órgão em real afronta ao direito à proprieda-de. A certidão é de quem pede ou solicita ou será que se trata de um alvará ou licença disfarçada?

Há ações judiciais contra essa certidão obrigatória (certidão de regularidade técni-ca), mas a Justiça, em análise totalmente superficial e acatando a bandeira da prote-ção à saúde, vem aquiescendo, e esse do-cumento, que é uma verdadeira aberração jurídica, continua firme e forte, causando estragos ao país e à legalidade.

São inúmeros os projetos que tramitam hoje no Congresso Nacional que podem prejudicar o setor e aumentar a possibilidade de se estabelecer de vez a extinção dos pequenos estabelecimentos que se distribuem pelo país – lembrando que, hoje, apenas 400 municípios contam com a presença de grandes empresas do segmento, o que ressalta a importân-cia da sobrevivência desses estabelecimentos, prin-cipalmente para a população carente.

A ABCFARMA está ciente desses problemas e está lutando pelo setor. É importante a participação das empresas nessa causa, associando-se à entidade ou às entidades parceiras de sua região. n

Uma dúvida: farmácias e drogarias po-dem ser estabelecimentos de saúde sem a participação financeira do estado, como ocorre no sistema público?