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Preço € 1,50. Número atrasado € 3,00 L ’O SSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS Unicuique suum Non praevalebunt Ano LI, número 49 (2.694) terça-feira 8 de dezembro de 2020 Cidade do Vaticano Em março de 2021 Francisco no Iraque Aceitando o convite da República do Iraque e da Igreja católica local, o Papa Francisco fará uma viagem apostólica ao país médio- oriental de 5 a 8 de março de 2021, visitando Bagdad, a planície de Ur, ligada à memória de Abraão, a cidade de Erbil, assim como Mosul e Qaraqosh, na planície de Nínive, anunciou a 7 de dezembro o diretor da sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, ex- plicando que o programa da viagem será da- do a conhecer no momento oportuno, tendo em consideração a evolução da emergência sanitária mundial. 20 anos após o “sonho” de João Paulo II Gesto concreto de proximidade MASSIMILIANO MENICHETTI Após quinze meses durante os quais suspen- deu as peregrinações internacionais devido à pandemia, Francisco recomeça extraordina- riamente a viajar, indo quatro dias ao Ira- que. Esta viagem representa certamente um gesto concreto de proximidade a toda a po- pulação daquele país atormentado. Francis- co tinha manifestado claramente a sua in- tenção de visitar o Iraque a 10 de junho de 2019, durante a audiência aos participantes no Encontro das Obras de Ajuda às Igrejas Orientais (Roaco). «Um pensamento insis- tente acompanha-me, refletindo sobre o Ira- que — dizia, compartilhando a vontade de ir em 2020 — para que possa olhar em frente através da participação pacífica e comparti- lhada na construção do bem comum de to- dos os componentes da sociedade, até reli- giosos, e não volte a cair em tensões que de- rivam dos conflitos nunca resolvidos das po- tências regionais». Uma possibilidade que parecia cada vez mais concreta, quando a 25 de janeiro de 2020, o Papa recebeu no Vati- cano Barham Salih, Presidente da Repúbli- ca do Iraque. O Chefe de Estado também se tinha encontrado com o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, e D. Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados. Os desafios do país tinham sido O Papa na praça de Espanha na festa da Imaculada Conceição Oração, penitência e coração aberto à Graça Às 7 horas da manhã de 8 de dezem- bro, dia em que a Igreja celebra a Imaculada Conceição da Virgem Ma- ria, no silêncio de uma cidade ainda adormecida, o Papa Francisco foi à praça de Espanha para prestar a tra- dicional homenagem à Imaculada Conceição. Aos pés da imagem ma- riana, dirigiu o olhar para a Mãe de Deus e colocou um ramo de rosas brancas na base da coluna. A sua ora- ção não foi acompanhada pela multi- dão, como em geral acontece nesta ocasião, devido à situação de emer- gência sanitária, para evitar riscos de contágio. Em oração, o Papa confiou a Nossa Senhora todos aqueles que, na cidade e no mundo, são afligidos pela doença e pelo desânimo. De- pois, foi à basílica de Santa Maria Maior, onde se deteve em prece dian- te do ícone de Maria Salus Populi Romani e celebrou a Missa na capela da Natividade. Em seguida, regressou ao Vaticano. NESTE NÚMERO A pandemia um desafio à interlocução com o futuro Que parábolas para este tempo? JOSÉ TOLENTINO DE MEND ONÇA O volume «O céu sobre a terra» com um texto inédito do Papa Francisco Transformar o mundo PÁGINAS 4/5 CONTINUA NA PÁGINA 3 O Pontífice convocou o “Ano de São José” Para celebrar os 150 anos da declaração do Esposo de Maria como Padroeiro da Igreja Católica, o Papa Francisco convocou o “Ano de São José” com a Carta apostólica “Patris corde – Com coração de Pai”. Com o decreto Quemadmodum Deus, assinado em 8 de dezembro de 1870, o Beato Pio IX quis dar este título a São José. Para celebrar esta data, o Pontífice con- vocou um “Ano” especial dedicado ao Pai putativo de Jesus a partir de hoje até 8 de dezembro de 2021.

Preço 1,50. Número atrasado 3,00 LOSSERVATORE ROMANO - … · 2020. 12. 9. · L’OSSERVATORE ROMANO Preço € 1,50. Número atrasado € 3,00 EDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS Unicuique

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L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS

Unicuique suum Non praevalebunt

Ano LI, número 49 (2.694) terça-feira 8 de dezembro de 2020Cidade do Vaticano

Em março de 2021

Fr a n c i s c ono Iraque

Aceitando o convite da República do Iraquee da Igreja católica local, o Papa Franciscofará uma viagem apostólica ao país médio-oriental de 5 a 8 de março de 2021, visitandoBagdad, a planície de Ur, ligada à memóriade Abraão, a cidade de Erbil, assim comoMosul e Qaraqosh, na planície de Nínive,anunciou a 7 de dezembro o diretor da salade Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, ex-plicando que o programa da viagem será da-do a conhecer no momento oportuno, tendoem consideração a evolução da emergênciasanitária mundial.

20 anos após o “sonho”de João Paulo II

Gesto concretode proximidadeMASSIMILIANO MENICHETTI

Após quinze meses durante os quais suspen-deu as peregrinações internacionais devido àpandemia, Francisco recomeça extraordina-riamente a viajar, indo quatro dias ao Ira-que.

Esta viagem representa certamente umgesto concreto de proximidade a toda a po-pulação daquele país atormentado. Francis-co tinha manifestado claramente a sua in-tenção de visitar o Iraque a 10 de junho de2019, durante a audiência aos participantesno Encontro das Obras de Ajuda às IgrejasOrientais (Roaco). «Um pensamento insis-tente acompanha-me, refletindo sobre o Ira-que — dizia, compartilhando a vontade de irem 2020 — para que possa olhar em frenteatravés da participação pacífica e comparti-lhada na construção do bem comum de to-dos os componentes da sociedade, até reli-giosos, e não volte a cair em tensões que de-rivam dos conflitos nunca resolvidos das po-tências regionais». Uma possibilidade queparecia cada vez mais concreta, quando a 25de janeiro de 2020, o Papa recebeu no Vati-cano Barham Salih, Presidente da Repúbli-ca do Iraque. O Chefe de Estado também setinha encontrado com o cardeal secretáriode Estado, Pietro Parolin, e D. Paul RichardGallagher, secretário para as Relações comos Estados. Os desafios do país tinham sido

O Papa na praça de Espanha na festa da Imaculada Conceição

Oração, penitênciae coração aberto à Graça

Às 7 horas da manhã de 8 de dezem-bro, dia em que a Igreja celebra aImaculada Conceição da Virgem Ma-ria, no silêncio de uma cidade aindaadormecida, o Papa Francisco foi àpraça de Espanha para prestar a tra-dicional homenagem à ImaculadaConceição. Aos pés da imagem ma-riana, dirigiu o olhar para a Mãe deDeus e colocou um ramo de rosasbrancas na base da coluna. A sua ora-ção não foi acompanhada pela multi-dão, como em geral acontece nestaocasião, devido à situação de emer-gência sanitária, para evitar riscos decontágio. Em oração, o Papa confioua Nossa Senhora todos aqueles que,na cidade e no mundo, são afligidospela doença e pelo desânimo. De-pois, foi à basílica de Santa MariaMaior, onde se deteve em prece dian-te do ícone de Maria Salus PopuliRomani e celebrou a Missa na capelada Natividade. Em seguida, regressouao Vaticano.

NESTE NÚMERO

A pandemiaum desafio à interlocução com o futuro

Que parábolaspara este tempo?

JOSÉ TOLENTINO DE MEND ONÇA

O volume «O céu sobre a terra»com um texto inédito do Papa Francisco

Transformar o mundo

PÁGINAS 4/5

CO N T I N UA NA PÁGINA 3

O Pontífice convocouo “Ano de São José”

Para celebrar os 150 anos da declaração do Esposo de Mariacomo Padroeiro da Igreja Católica, o Papa Francisco convocouo “Ano de São José” com a Carta apostólica “Patris corde –Com coração de Pai”. Com o decreto Quemadmodum Deus,assinado em 8 de dezembro de 1870, o Beato Pio IX quis dareste título a São José. Para celebrar esta data, o Pontífice con-vocou um “Ano” especial dedicado ao Pai putativo de Jesus apartir de hoje até 8 de dezembro de 2021.

Page 2: Preço 1,50. Número atrasado 3,00 LOSSERVATORE ROMANO - … · 2020. 12. 9. · L’OSSERVATORE ROMANO Preço € 1,50. Número atrasado € 3,00 EDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS Unicuique

L’OSSERVATORE ROMANOpágina 2 terça-feira 8 de dezembro de 2020, número 49

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS

Unicuique suum Non praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

RedaçãoPiazza Pia, 3 - 00193 Romatelefone +39 06 698 45856

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L’OS S E R VAT O R E ROMANO

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Uma economia inclusivacapaz de amor

«No mundo com a força e criatividade da vida de Deusem nós: desta forma saberemos fascinar o coração e oolhar das pessoas para o Evangelho de Jesus, ajudare-mos a fazer fecundar projetos de nova economia inclu-siva e de política capaz de amor»: foi a recomendaçãoque o Papa Francisco confiou numa mensagem de vídeoaos participantes no décimo Festival da doutrina social

da Igreja, inaugurada a 26 de novembro em Verona —e em várias cidades italianas através de ligações via in-ternet devido à pandemia — sobre o tema «Memória dofuturo». Nos trabalhos, que foram concluídos no domin-go 29, sentiu-se a ausência do padre Adriano Vincenzi,animador das edições anteriores, que faleceu no passadodia 13 de fevereiro.

Uma cordial saudação ao Bis-po e a todos vós que partici-pais, em Verona e nas váriascidades italianas ligadas viainternet, no Festival da Dou-trina Social da Igreja que,com a sua metodologia criati-va, deseja iniciar um confron-to entre sujeitos diferentes nasensibilidade e na ação, masconvergindo na construção dobem comum. É uma ediçãodiferente das habituais, por-que estamos a lutar com apandemia ainda presente, umcenário que traz consigo difi-culdades e graves feridas pes-soais e sociais E é uma ediçãoligeiramente diferente tam-bém porque, pela primeiravez, o padre Adriano Vincen-zi não está convosco paraapoiar este momento formati-vo agora na sua décima edi-ção. Queremos recordá-lo notraço distintivo do seu servi-ço, com palavras que estãoem harmonia com o que es-crevi na última Encíclica Fra -telli tutti: «É grande nobreza

ser capaz de desencadear pro-cessos cujos frutos serão co-lhidos por outros, com a es-perança colocada na força se-creta do bem que se semeia»(n. 196).

Este ano, o tema que esco-lhestes é Memória do futuro. Pa-rece um pouco estranho masé criativo: “Memória do futu-ro ”. Ele convida-nos àquelaatitude criativa que podemosdizer que é “frequentar o fu-t u ro ”. Para nós, cristãos, o fu-turo tem um nome e este no-me é e s p e ra n ç a . A esperança é avirtude de um coração quenão se fecha no escuro, não sedetém no passado, não deixacorrer o presente, mas sabever o amanhã. Para nós, cris-tãos, o que significa o ama-nhã? É a vida redimida, a ale-gria do dom do encontro como Amor trinitário. Neste senti-do, ser Igreja significa ter umolhar e um coração criativos eorientados escatologicamentesem ceder à tentação da nos-talgia, que é uma verdadeira

patologia espiritual.Um pensador russo,

Vjačeslav Ivanovič Ivanov,afirma que só existe realmenteaquilo que Deus recorda. Épor isso que a dinâmica doscristãos não é a de reter nos-talgicamente o passado, mas ade aceder à memória eternado Pai; e isto é possível viven-do uma vida de caridade.Portanto, não a nostalgia, quebloqueia a criatividade e nostorna pessoas rígidas e ideoló-gicas, também nas esferas so-cial, política e eclesial; aocontrário, a memória, tão in-trinsecamente ligada ao amore à experiência, torna-se umadas dimensões mais profun-das da pessoa humana.

Todos nós fomos geradospara a Vida no Batismo. Re-cebemos o dom da vida que éa comunhão com Deus, comos outros e com a criação. Porconseguinte, somos chamadosa realizar a vida em comu-nhão com Deus, ou seja, naintimidade da oração na pre-

sença do Senhor, no amor pe-las pessoas que encontramos,ou seja, na caridade, e por fimpela mãe terra, o que indicaum processo de transfigura-ção do mundo. E a Vida rece-bida como um dom é a pró-pria vida de Cristo, e não po-demos viver como crentes nomundo a não ser manifestan-do precisamente a sua vidaem nós. Enxertados na vidado Amor trinitário, tornamo-nos capazes de memória, damemória de Deus. E só o queé amor não cai no esqueci-mento, precisamente porqueencontra a sua razão de ser noamor do Pai, do Filho e doEspírito Santo. Neste sentido,toda a nossa vida deve, de al-guma forma, ser uma liturgia,uma anamnese, uma memóriaeterna da Páscoa de Cristo.

Eis, pois, o significado doFestival deste ano: viver a me-

mória do futuro significa com-prometer-nos a fazer com quea Igreja, o grande povo deDeus (cf. Lumen gentium, 6),possa constituir na terra o iní-cio e a semente do Reino deDeus. Viver como crentesimersos na sociedade, mani-festando a vida de Deus querecebemos como um dom noBatismo, para que possamosagora recordar aquela vida fu-tura em que estaremos juntosperante o Pai, o Filho e o Es-pírito Santo.

Esta atitude ajuda-nos asuperar a tentação da utopia,a reduzir a proclamação doEvangelho a um simples hori-zonte sociológico ou de nosdeixarmos engajar no “m a rk e -ting” das várias teorias econó-micas ou fações políticas.

No mundo com a força ecriatividade da vida de Deusem nós: desta forma sabere-

mos fascinar o coração e oolhar das pessoas para oEvangelho de Jesus, ajudare-mos a fazer fecundar projetosde nova economia inclusiva ede política capaz de amor.

Gostaria de dirigir uma pa-lavra em especial aos diversosatores da vida social reunidospor ocasião do Festival: aomundo dos empresários, pro-fissionais, representantes domundo institucional, coopera-ção, economia e cultura: con-tinuai a comprometer-vos, se-guindo o caminho que o pa-dre Adriano Vincenzi traçouconvosco para o conhecimen-to e formação na doutrina so-cial da Igreja. Construtoresde pontes: a vós ali reunidos,não encontreis muros masro s t o s . . .

E, por favor, não vos es-queçais de rezar por mim.O brigado!

Numa mensagem aos Passionistas o convite à missão entre os pobres e os necessitados

Rumo aos “c ru c i f i c a d o s ” da nossa épocaUm convite a renovar a missão entre os pobres eos fracos, «os “crucificados” desta nossa épo-ca», foi dirigido pelo Papa à congregação daPaixão de Jesus Cristo, através de uma mensa-gem — divulgada a 19 de novembro — enviadaao superior-geral, por ocasião das celebraçõesjubilares do terceiro centenário de fundação. Aseguir, o texto da mensagem.

Ao Reverendo PadreJOACHIM REGO C.P.

Sup erior-Geralda Congregação da Paixão

de Jesus Cristo (Passionistas)As celebrações jubilares do terceirocentenário da vossa Congregação ofe-recem-me a oportunidade para meunir espiritualmente à vossa alegriapelo dom da vocação que recebestesde viver e anunciar a memória da Pai-xão de Cristo, fazendo do mistériopascal o cerne da vossa vida (cf. Consti-tuições, 64). O vosso carisma, tal comocada carisma da vida consagrada, é ir-radiação do amor salvífico que brota

do mistério trinitário, que se revela noamor do Crucificado (cf. Exort. ap. Vi-ta consecrata, 17-19.23), que se derramasobre a pessoa escolhida pela Provi-dência e se infunde numa comunidadeconcreta, para se implantar na Igrejacomo resposta às necessidades parti-culares da história. A fim que o carismaperdure no tempo, é preciso que seadapte às novas exigências, mantendovivo o poder criativo das origens.

Esta importante celebração cente-nária representa uma oportunidadeprovidencial para poder caminhar ru-mo a novas metas apostólicas, sem ce-der à tentação de «deixar as coisas co-mo estão» (Exort. ap. Evangelii gaudium,25). O contacto com a Palavra de Deusna oração e a leitura dos sinais dostempos nos acontecimentos diáriostornar-vos-ão capazes de sentir o soprocriativo do Espírito, que paira sobre otempo, indicando respostas às expeta-tivas da humanidade: a ninguém passadespercebido que hoje vivemos nummundo no qual já nada é como antes.A humanidade encontra-se numa espi-ral de mudanças, que põem em ques-tão não apenas o valor das correntesculturais que até agora a enriquece-ram, mas até a íntima constituição doseu ser. A natureza e o cosmo, submeti-dos ao sofrimento e à caducidade dasmanipulações humanas (cf. Rm 8, 20),adquirem preocupantes traços dege-nerativos. Também a vós é pedido queencontreis outros estilos de vida e umanova linguagem para anunciar o amor

do Crucificado, dando testemunho as-sim do coração da vossa identidade.

A este respeito, tenho conhecimen-to de que as vossas recentes reflexõescapitulares vos levaram ao compromis-so de renovação da missão, frisandotrês percursos: gratidão, profecia e es-perança. A gratidão é a experiência deviver o passado na mesma atitude doMa g n i f i c a t e caminhar rumo ao futuronuma atitude eucarística. A vossa gra-tidão é fruto da memoria passionis. Quemvive imerso na contemplação, dedi-cando-se ao anúncio do amor que seentrega por nós na cruz, torna-se umseu prolongamento na história, e a suavida é realizada e feliz. A profecia con-siste em pensar e falar no Espírito. Istoé possível para quem vive a oração co-mo respiro da alma, e pode acolher amoção do Espírito no íntimo dos cora-ções e em toda a criação. Então, a pala-vra anunciada adapta-se sempre às ne-cessidades do presente. Que a memoriapassionis vos converta em profetas doamor do Crucificado num mundo queperde o sentido do amor. A esperançaé ver na semente que morre a espigaque produz ora trinta, ora sessenta, oracem por cento. Trata-se de sentir quenas vossas comunidades religiosas eparoquiais, cada vez mais reduzidas,continua a ação geradora do Espírito,que garante a misericórdia do Pai, quenunca nos abandona. A esperançaconsiste em alegrar-nos do que temos,em vez de nos queixarmos do que fal-ta. De qualquer forma, não vos deixeis

«roubar a alegria da evangelização»(Exort. ap. Evangelii gaudium, 83).

Espero que os membros do vossoInstituto possam sentir-se «marcadosa fogo» (ibid., n. 273) pela missão enrai-zada na memoria passionis. O vosso Fun-dador, São Paulo da Cruz, define aPaixão de Jesus como «a maior e maismaravilhosa obra do amor de Deus»(Cartas II, 499). Sentia que este amor oabrasava e desejaria incendiar o mun-do com a ação missionária, sua e dosseus companheiros. É muito impor-tante recordar que «a missão é umapaixão por Jesus, mas ao mesmo tem-po, uma paixão pelo seu povo. Quan-do paramos diante de Jesus crucifica-do, reconhecemos todo o seu amor,que nos dignifica e sustenta, mas nessemesmo momento, se não formos ce-gos, começamos a perceber que esteolhar de Jesus se dilata e dirige, cheiode afeto e ardor, a todo o seu povo. Anossa identidade não se compreendesem esta pertença» (Exort. ap. Evangeliigaudium, 268).

Embora, como Cabeça, o nosso Sal-vador tenha ressuscitado e já não voltea morrer, no seu corpo - que mistica-mente é a Igreja, mas que misteriosa-mente é também cada ser humano aquem, de certo modo, se uniu na En-carnação (cf. Const. ap. Gaudium et spes,22) - ainda sofre e morre. Não vos can-seis de reforçar o vosso compromisso afavor das carências da humanidade.Esta urgência missionária vise sobretu-do os crucificados do nosso tempo: os

pobres, os fracos, os oprimidos e osdescartados pelas inúmeras formas deinjustiça. O cumprimento desta tarefaexigirá da vossa parte um sincero es-forço de renovação interior, que derivada relação pessoal com o Crucificado-Ressuscitado. Só quem é crucificadopor amor, como Jesus na cruz, é capazde socorrer os crucificados da históriamediante palavras e obras eficazes.Não é possível convencer os outros doamor de Deus somente através de umanúncio verbal e informativo. São ne-cessários gestos concretos que permi-tam experimentar este amor no nossopróprio amor, que se concede parti-lhando situações crucificadas, dedi-cando a vida até ao fim, deixando sem-pre claro que a mediação do EspíritoSanto está entre o anúncio e o seu aco-lhimento na fé.

A Mãe do Crucificado-Ressuscita-do, figura da Igreja, Virgem que escu-ta, ora, oferece e gera vida, é memóriapermanente de Jesus, especialmenteda sua Paixão. Confio-vos a Ela, invo-cando a intercessão do vosso Funda-dor, São Paulo da Cruz, e dos Santos eBeatos passionistas, e concedo de co-ração a Bênção apostólica a toda a fa-mília passionista e a quantos participa-rem nas várias celebrações do vosso so-lene jubileu.

Roma, São João de Latrão,15 de outubro de 2020.

Ao Festival da doutrina social da Igreja o Pontífice pediu para não reduzir o anúncio a marketing

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L’OSSERVATORE ROMANOnúmero 49, terça-feira 8 de dezembro de 2020 página 3

O mundo precisa de bênçãoO Pontífice invocou a paz para a Nigéria ensanguentada

CATEQUESE — sobre uma dimensão essencial da oração

Prosseguindo o ciclo de catequeses sobre o tema da oração, o Papa explicou asua «dimensão essencial». Na audiência geral — realizada na manhã dequarta-feira, 2 de dezembro, sem a presença de fiéis por causa da pandemia —o Pontífice ofereceu na Biblioteca particular do Palácio apostólico uma reflexãosobre a importância de abençoar, pois «de um coração abençoado não pode saira maldição».

na fila para entrar na prisão.Tantas mães que esperam nafila para entrar e ver o seu fi-lho na prisão: não deixam deamar o seu filho e sabem queas pessoas que passam no au-tocarro pensam “Ah, esta é amãe do prisioneiro”. Contudo,não sentem vergonha, ou me-lhor, sentem vergonha, mas fi-cam ali, pois o filho é mais im-portante do que a vergonha.Portanto, somos mais impor-tantes para Deus do que todosos pecados que podemos co-meter, porque Ele é pai, Ele émãe, Ele é puro amor, Eleabençoou-nos para sempre. EEle nunca deixará de nosab ençoar.

Uma forte experiência é lerestes textos bíblicos de bênçãonuma prisão, ou numa comu-nidade de recuperação. Fazercom que as pessoas que per-manecem abençoadas apesardos seus graves erros, sintamque o Pai celeste continua aamá-las e espera que elas final-mente se abram ao bem. Se atéos seus parentes mais próxi-mos os abandonaram porqueagora são considerados irrecu-peráveis, para Deus conti-nuam a ser sempre filhos.Deus não pode cancelar emnós a imagem de filho, cadaum de nós é filho, é filha. Àsvezes acontecem milagres: ho-mens e mulheres renascem.Porque encontram a bênçãoque os unge como filhos. Poisa graça de Deus muda a vida:aceita-nos como somos, masnunca nos deixa como somos.

Pensemos no que Jesus fezcom Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10),por exemplo. Todos viam neleo mal; ao contrário, Jesus vênele um vislumbre de bem, edali, da sua curiosidade em verJesus, faz passar a misericórdiaque salva. Assim, mudou pri-meiro o coração e depois a vi-da de Zaqueu. Nas pessoasmenosprezadas e rejeitadas,Jesus via a bênção indeléveldo Pai. Zaqueu é um pecadorpúblico, ele praticou muitasações más, mas Jesus via aque-le sinal indelével da bênção doPai e por isso teve compaixão.Aquela frase que se repete tan-

to no Evangelho, “teve com-paixão”, e aquela compaixãoleva Jesus a ajudá-lo e a mudaro seu coração. Mais ainda,chegou a identificar-se comcada pessoa em necessidade(cf. Mt 25, 31-46). No trecho do“proto colo” final sobre o qualseremos todos julgados, Ma-teus 25, Jesus diz: “Tive fome,estava nu, estava na prisão, es-tava no hospital, estava ali...”.

A Deus que abençoa, nóstambém respondemos aben-çoando — Deus ensinou-nos aabençoar e nós devemos aben-çoar — é a oração de l o u v o r, dea d o ra ç ã o , de ação de graças. O Ca-tecismo escreve: «A oração debênção é a resposta do homemaos dons de Deus: uma vezque Deus abençoa, o coraçãodo homem pode responder,bendizendo Aquele que é afonte de toda a bênção» (n.2626). A oração é alegria egratidão. Deus não esperouque nos convertêssemos paracomeçar a amar-nos, mas fê-lomuito antes, quando ainda es-távamos no pecado.

Não podemos só abençoareste Deus que nos abençoa,devemos abençoar tudo n’Ele,todo o povo, abençoar Deus eabençoar os irmãos, abençoaro mundo: esta é a raiz da man-sidão cristã, a capacidade de sesentir abençoado e a capacida-de de abençoar. Se todos fizés-semos isto, certamente não ha-veria guerras. Este mundo pre-cisa de bênção e nós podemosdar a bênção e receber a bên-ção. O Pai ama-nos. E tudo oque nos resta é a alegria de oabençoar e a alegria de lheagradecer, e de aprender comEle a não amaldiçoar, mas aabençoar. E aqui apenas umapalavra para as pessoas que es-tão habituadas a amaldiçoar,as pessoas que têm sempre na

boca, até no coração, uma pa-lavra negativa, uma maldição.Cada um de nós pode pensar:tenho o hábito de amaldiçoardesta maneira? E peçamos aoSenhor a graça de mudar estehábito porque temos um cora-ção abençoado e de um cora-ção abençoado a maldição nãopode sair. Que o Senhor nosensine a nunca amaldiçoar,mas a abençoar.

No final da catequese, durante as ha-bituais saudações aos grupos que oseguiam através da mídia, o Papa fezum apelo a favor da Nigéria e recor-dou o quadragésimo aniversário doassassínio de quatro missionárias emEl Salvador. A seguir, também a sau-dação aos fiéis de língua portuguesa.

Gostaria de vos assegurar asminhas orações pela Nigéria,infelizmente ensanguentadade novo por um massacre ter-rorista. No sábado passado,no nordeste do país, mais deuma centena de camponesesforam brutalmente assassina-dos. Que Deus os receba nasua paz e conforte as suas fa-mílias e converta os coraçõesdaqueles que cometem taishorrores, ofendem gravementeo seu nome.

Hoje é o quadragésimo ani-versário da morte de quatromissionárias norte-americanasassassinadas em El Salvador:as irmãs de Maryknoll, ItaFord e Maura Clarke, a reli-giosa Ursulina Dorothy Kazele a voluntária Jean Donovan.A 2 de dezembro de 1980, fo-ram raptadas, violadas e assas-sinadas por um grupo de para-militares. Estavam a servir emEl Salvador no contexto daguerra civil. Com empenhoevangélico e correndo grandesriscos, levavam comida e me-dicamentos às pessoas deslo-cadas e ajudavam as famíliasmais pobres. Estas mulheresviveram a sua fé com grandegenerosidade. São um exem-plo para que todos se tornemfiéis discípulos missionários.

Queridos ouvintes de lín-gua portuguesa, saúdo-voscordialmente, desejando-vosaquela misericórdia imensa einesgotável que o Pai nos deucom o seu Filho feito Menino.Possam os vossos corações e asvossas famílias alegrar-se coma presença deste Deus feitoHomem, a exemplo da VirgemMãe que O concebeu por obrado Espírito Santo! A todos,bom Advento!

Intenção do Santo Padre para o mês de dezembro

A prece muda a realidade

Estimados irmãos e irmãs,bom dia!Hoje refletimos sobre uma di-mensão essencial da oração: abênção. Continuemos as refle-xões sobre a oração. Nas nar-rações da criação (cf. Gn 1-2)Deus abençoa continuamentea vida, sempre. Abençoa osanimais (1, 22), abençoa o ho-mem e a mulher (1, 28), e nofinal abençoa o sábado, dia dedescanso e de fruição de todaa criação (2, 3). É Deus quemabençoa. Nas primeiras pági-nas da Bíblia, é uma repetiçãocontínua de bênçãos. Deusabençoa, mas também os ho-mens abençoam, e depressadescobre-se que a bênção pos-sui uma força especial, queacompanha o destinatário aolongo da vida e dispõe o cora-ção humano a deixar-se mudarpor Deus (Conc. Ecum. Vat.II, Const. Sacrosanctum concilium,61).

Portanto, no início do mun-do há Deus que “b endiz”,abençoa, bendiz. Ele vê quecada obra das suas mãos é boae bela, e quando chega ao ho-mem e se cumpre a criação,Ele reconhece que é «muitoboa» (Gn 1, 31). Pouco tempodepois, aquela beleza queDeus imprimiu na sua obra se-rá alterada e o ser humano tor-nar-se-á uma criatura degene-rada, capaz de difundir o male a morte no mundo; mas ja-mais nada poderá apagar aprimeira marca de Deus, umamarca de bondade que Deuscolocou no mundo, na nature-za humana, em todos nós: acapacidade de abençoar e ofacto de sermos abençoados.Deus não errou com a criação,nem com a criação do homem.A esperança do mundo re s i d ecompletamente na bênção deDeus: Ele continua a amar-nos,Ele primeiro, como diz o poe-ta Péguy (Le porche du mystère dela deuxième vertu, 1ª ed. 1911. Ed.

port., Os portais do mistério da se-gunda virtude, Ed. Pa u l i n a s ,Portugal, 2014) continua a es-perar o nosso bem.

A grande bênção de Deus éJesus Cristo, é o grande domde Deus, o seu Filho. É umabênção para toda a humanida-de, é uma bênção que nos sal-vou a todos. Ele é a Palavraeterna com a qual o Pai nosabençoou, «quando éramosainda pecadores» (Rm 5, 8) dizSão Paulo: Palavra que se fezcarne e foi oferecida por nósna cruz.

São Paulo proclama comcomoção o desígnio de amorde Deus e diz assim: «Benditoseja Deus, Pai de nosso Se-nhor Jesus Cristo, que do altodo céu nos abençoou com to-da a bênção espiritual emCristo e nos escolheu nele an-tes da criação do mundo, parasermos santos e irrepreensí-veis, diante dos seus olhos. Noseu amor predestinou-nos pa-ra sermos adotados como fi-lhos seus por Jesus Cristo, se-gundo o beneplácito da sua li-vre vontade, para fazer res-plandecer a sua maravilhosagraça, que nos foi concedidapor Ele no Amado» (Ef 1, 3-6).Não há pecado que possa can-celar completamente a ima-gem de Cristo presente em ca-da um de nós. Nenhum peca-do pode cancelar aquela ima-gem que Deus nos concedeu.A imagem de Cristo. Podedesfigurá-la, mas não a podesubtrair à misericórdia deDeus. Um pecador pode per-manecer nos seus erros pormuito tempo, mas Deus é pa-ciente até ao fim, esperandoque no final aquele coração seabra e mude. Deus é como umbom pai e como uma boa mãe,também Ele é uma boa mãe:nunca deixam de amar o seufilho, por mais que ele possaerrar, sempre. Faz-me lembraras muitas vezes que vi pessoas

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Gesto concreto de proximidade

«Por uma vida de oração» é a intenção para omês de dezembro contida no vídeo da Redemundial de oração do Papa.

«O coração da missão da Igreja é a oração»,afirma o Pontífice. É «a chave para entrar emdiálogo com o Pai». Veem-se imagens de pes-soas em atitude de oração: mãos postas, rostosde mulheres e crianças que, em recolhimento,elevam a Deus as suas preces. Oração silencio-sa, do coração. A mesma oração que o Papa fezdiante do Crucifixo milagroso conservado naigreja romana de São Marcelo “al Corso” e co-locado no adro da praça de São Pedro na sexta-feira 27 de março, quando rezou pelo fim dapandemia. «Cada vez que lemos um pequenotrecho do Evangelho — continua o Pontífice novídeo — ouvimos Jesus a falar-nos. Falamoscom Jesus. Ouçamos Jesus e respondamos». Eisto «é oração», porque «rezando mudamos a

realidade. E mudamos os nossos corações».Com efeito, «os nossos corações mudam quan-do rezamos». Pode-se «fazer muitas coisas,mas sem oração não funciona».

Eis o convite a recorrer ao Senhor para que«a nossa relação pessoal com Jesus Cristo sejaalimentada pela Palavra de Deus e por uma vi-da de oração».

O vídeo conclui-se com as palavras do PapaFrancisco: «Em silêncio, todos, cada um rezecom o coração», pronunciadas durante o en-contro com a Rede mundial de oração, no 175ºaniversário da sua fundação.

Distribuído como habitualmente através dosite www.thepopevideo.org, o vídeo traduzidoem nove línguas foi criado e produzido pelaRede mundial de oração do Papa em colabora-ção com a agência La Machi e o Dicastério pa-ra a comunicação.

enfrentados, tais como o de«encorajar a estabilidade e oprocesso de reconstrução —salientou uma nota da sala deImprensa do Vaticano — en-corajando o caminho do diá-logo e da busca de soluçõesadequadas a favor dos cida-dãos e no respeito pela sobe-rania nacional». É central «aimportância de preservar apresença histórica dos cris-tãos» e «a necessidade delhes garantir segurança e umlugar no futuro» do país.

No Iraque, de facto, antesde 2003, o ano do conflitoque levou à queda de Sad-dam Hussein, existiam cercade 1-1,4 milhões de cristãos.O horror da guerra e a ocu-pação da Planície de Nínivepelo autoproclamado Estadoislâmico, entre 2014 e 2017,reduziu-os a cerca de 300-400mil. O Presidente Salih fri-sou repetidamente o valordos cristãos e o seu papel naconstrução, na mesma linha o

primeiro-ministro MustafaAl-Kazemi, que convidou oscristãos, que fugiram do Ira-que devido à violência, a re-gressar a fim de contribuírempara a reconstrução. No en-tanto, os estaleiros da paz, se-gurança e estabilidade aindaestão abertos. A crise econó-mica, o desemprego, a cor-rupção e a tragédia dos cercade 1,7 milhões de pessoas des-locadas internamente estão apôr à prova os projetos de de-senvolvimento. A Unicef cal-cula que mais de 4 milhõesde pessoas necessitam de as-sistência humanitária, meta-de são crianças. Neste con-texto, onde faltam hospitais emedicamentos, a pandemiade Covid-19 matou milharesde pessoas

Na primeira linha, em to-das as frentes, a Igreja localaguarda agora a chegada doSucessor de Pedro que irá im-plementar o projeto concebi-do por São João Paulo II. «OPapa Francisco é um homemaberto, um buscador de paz e

de fraternidade. Todos noIraque, cristãos e muçulma-nos, o estimam pela sua sim-plicidade e proximidade, dis-se há um ano o Cardeal LouisRaphael Sako, Patriarca deBabilónia dos Caldeus, àagência Sir. As suas palavrastocam o coração de todosporque são as de um pastor.Ele é um homem que podetrazer a paz. Muitos milhõesde muçulmanos seguiram avisita do Pontífice a AbuDhabi. Será assim tambémno Iraque».

A do Iraque, na planíciede Ur dos Caldeus, deveriater sido a primeira etapa daperegrinação jubilar de JoãoPaulo II no ano 2000. A via-gem do Papa Wojtyła foi pla-neada de 1 a 3 de dezembrode 1999. Mas não se realizou,porque Saddam Hussein,após negociações que dura-ram vários meses, decidiuadiá-la. Vinte anos mais tar-de, aquele sonho de JoãoPaulo II torna-se realidadepara o seu segundo sucessor.

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A pandemia - Um desafio à interlocução com o futuro

Que parábolaspara este tempo?

Comunicação apresentada na assembleia da CNBB a 25 de novembro

JOSÉ TOLENTINO DE MEND ONÇA

U m tipo de comunicaçãode Jesus que faz pensar éaquele patente em frasescomo esta que servem de

fórmulas introdutivas ao seu discur-so: «A que é semelhante o Reino deDeus? A que o hei de comparar?» (Lc13,18). Talvez ainda não valorizamosdevidamente essas frases que pare-cem apenas simples estruturas depassagem e, na verdade, são bemmais. É importante que nos pergun-temos o que pretende Jesus com esserecurso de linguagem e o que é queeste nos ensina sobre o seu método deinterpretação da realidade. Nessesentido, eu diria que há três coisasque se tornam manifestas.

A primeira delas é que nem sempreé fácil interpretar a realidade. Emtantas situações esta como que resisteao nosso modo habitual de a descre-ver e o mete em crise. Na verdade, apergunta «A que é semelhante o Rei-no de Deus?» introduz uma espéciede pausa reflexiva, um distanciamen-to em relação aos saberes feitos; ins-taura um tempo mais lento dedicadoà escuta.

A segunda coisa que aprendemoscom estas interrogações de Jesus éque para explicar a vida de Deus e

dos homens em profundidade preci-samos de parábolas e comparações. Eprecisamos de parábolas ou de com-parações que sejam novas, que relan-cem as tarefas do olhar. As perguntasde Jesus, de facto, abrem espaço a umdiscurso não teórico, mas narrativo,existencial e simbólico. Porque a nar-rativa e a atenção ao símbolo fazem-nos sintonizar diretamente com o realda vida e é aí que Jesus coloca a reve-lação do Reino de Deus. Sabemos,no entanto, como não é fácil entrarem comunicação com esse núcleo vi-tal e, pelo contrário, como é tentadorsobrevoarmos teoricamente a realida-de ou permanecermos indiferentes aela, mesmo aquela que nos está maispróxima.

A terceira coisa a aprender é o fac-to do discurso de Jesus ter como fina-lidade ganhar os corações para o Rei-no de Deus em vez de se ficar pelosmeros exercícios da retórica. A retóri-ca faz uma camuflagem da realidadeatravés das palavras, adiando o dese-jo de verdade e autenticidade. Tãodiferente da persuasão evangélicaque procura gerar no sujeito crente aplena autoconsciência do presente

modelado por Deus, indicando que oK a i ró s se desenvolve precisamentedentro do k ró n o s , apresentando comodesafio para uma hermenêutica pro-fética aquilo que parece apenas a in-certa convulsão da história, desafian-do-nos a acolher o aqui e o agora, nasua indefinição e dureza, como ummisterioso radar para sondar o futu-ro .

É bomque nos coloquemos perguntas

«A que é semelhante o Reino deDeus? A que o hei de comparar?» (Lc13,18). Mergulhados nesta situaçãohistórica distópica aberta pela pande-mia, que nos encontrou a todos im-preparados e destapou uma vulnera-bilidade bem maior do que aquelaque supúnhamos ser a nossa, tam-bém nós nos fazemos perguntas: «Aque é que este tempo é semelhante? Aque o havemos de comparar?» Aper-cebemo-nos, e de uma forma dramá-tica, que os nossos discursos, as nos-sas práticas estabelecidas, os nossosespaços, a nossa organização foram,de um momento para outro, tambémcolocados em crise ou declarados ina-dequados. E transcorridos estes me-ses, dentro de nós sabemos como era

o passado, mas não sabemos aindaexatamente como será o futuro.

Contudo, Jesus também aqui é onosso Mestre, pois Ele nos incita auma auscultação mais profunda darealidade e a nos colocarmos corajo-samente perguntas, em vez de nosprecipitarmos em procurar no nossoalforge o que julgamos serem já res-postas. De facto, um elemento de no-vidade destes tempos difíceis que vi-vemos é o património de perguntasque muitos se estão fazendo, e per-guntas que não se debruçam apenassobre o imediato e a sua obsidiantevertigem, mas que se prendem com osentido da vida, com a avaliação críti-ca daquilo que a sociedade modernacoloca como prioritário, com a formacomo cada um tem habitado o real. Ébom que nos coloquemos perguntas.E também a nível eclesial. Não des-perdicemos a oportunidade que re-presenta fazermo-nos perguntas. Issoo escritor João Guimarães Rosa su-blinhava: «Vivendo, se aprende; maso que se aprende, mais, é a fazer ou-tras maiores perguntas». A Igreja temessa responsabilidade: a de promoveras «maiores perguntas».

A praça vaziae a barca onde estamos todos

Que parábolas e comparações po-dem hoje aproximar o Reino de Deusda nossa linguagem e da nossa expe-riência vital? Que parábolas e com-parações nos estão a abrir à compre-ensão desde momento do mundoque, como insiste o Papa Francisco,não se carateriza apenas por uma en-xurrada de mudanças, mas protago-niza efetivamente uma mudança deépoca? Recordo as suas palavras emFlorença, em novembro de 2015, diri-gidas aos participantes do V C o n g re s -so da Igreja Italiana: «Pode-se dizerque hoje não vivemos uma época demudança mas uma mudança de épo-ca. Portanto, as situações que vive-mos hoje apresentam desafios novosque para nós às vezes são até difíceisde compreender. Este nosso tempoexige que vivamos os problemas co-mo desafios e não como obstácu-los».

Foi o próprio Papa Francisco quenos ofereceu, num dos momentosmais terríveis do curso desta pande-mia, duas imagens simbólicas quenos ajudam a concretizar aquilo queo Concílio Vaticano II, na «Gaudium etSpes» chamava o «dever da Igreja in-vestigar a todo o momento os sinaisdos tempos, e interpretá-los à luz doEvangelho» (GS, 4). Naquela oraçãoextraordinária no Sagrado diante daBasílica de São Pedro (27 de marçode 2020), o Santo Padre ofereceu-nosduas imagens que à primeira vista pa-recem contrapostas, pois de um ladotemos o vazio e do outro lado o cheio;de um lado temos a Praça sem nin-guém e do outro temos a Barca ondeestão todos. A imagem da Praça deSão Pedro representava simbolica-mente a inaudita situação dramáticadas nossas ruas repentinamente silen-ciosas, dos espaços públicos despo-voados, das nossas Igrejas vazias de-vido à emergência sanitária e à neces-sidade de confinamento. O vazio é aparábola que os nossos olhos veem.Mas Francisco escolheu para inter-pretar essa imagem uma imagemevangélica de sentido inverso. Defacto, no texto de Marcos 4, 35-41 oPapa sublinhou que, «surpreendidospor uma tempestade inesperada e fu-ribunda», «demo-nos conta de estarno mesmo barco, todos frágeis e de-sorientados mas ao mesmo tempoimportantes e necessários: todos cha-mados a remar juntos, todos careci-

dos de mútuo encorajamento». O va-zio, revisto pela comparação que nosé dada pela Palavra de Deus, não é sóvazio, mas possibilidade de ganharuma nova consciência de tudo o quenos liga como comunidade humana.Um dos frutos desta pandemia, po-

demos dizê-lo, é já a Encíclica «Fra t e l -li tutti» sobre a fraternidade a a amiza-de social, que vem explicar que «umatragédia global como a pandemia daCovid-19» nos recorda «que ninguémse salva sozinho, que só é possível sal-var-nos juntos» (F T, 32) e que há umacoisa ainda pior que a pandemia: é ovírus do «salve-se quem puder» rapi-damente traduzido no lema «todoscontra todos» (F T, 36). Na verdade,como escreveu Albert Camusno seu romance «A Peste», obacilo da peste pode chegar e irembora sem que o coração doHomem se modifique. A tarefaurgente que hoje se coloca àIgreja é trabalhar o coração hu-mano, persuadi-lo da verdadedo Evangelho, acreditando quedentro deste K ró n o s , com a for-ça generativa do Espírito San-to, pode emergir o K a i ró s .

A sala dos abraços e o portal

«A que é semelhante o Reino deDeus? A que o hei de comparar?» (Lc13,18). Se olharmos em nosso redor,mesmo num tempo que parece blin-dado na sua incerteza, há tantas pará-bolas que nos estão a ser contadas.Vou referir brevemente três: duas re-tiradas do jornal e uma da Palavra deDeus. A primeira aconteceu numaCasa de Repouso para idosos, emItália. Sabemos como a pandemiatem forçado a tantos «lutos relacio-nais»: desde os distanciamentos in-terpessoais à suspensão das sauda-ções que trocávamos uns com os ou-tros (o aperto de mão, o abraço entre

amigos, o beijo entre osparentes), impedindo oexercício comum danossa humanidade e fa-zendo crescer o isola-mento e a solidão. En-tre a população maisidosa um risco real é osentimento de abando-no e a depressão, poisfaltam as visitas, a pro-ximidade e os carinhos.Ora, esta instituiçãocriou a sala dos abra-ços. Em conformidadecom todos os regula-mentos de saúde, os

utentes da casa de repouso poderãoabraçar seus filhos, netos e parentesprotegidos por uma cortina especialde plástico que lhes permite dialogarsem dificuldade e ter também umcontacto visual e físico que faz comque se sintam amparados e fortaleci-

dos emocionalmente. Esta parábolada sala dos abraços faz-nos interrogarque necessidade é esta? Que parábolanos está a ser contada por todos osabraços não dados e pelo desejo devoltar às expressões habituais dosnossos afetos? Um abraço é uma es-cola de humanidade. O abraço é umalonga conversa que acontece sem pa-lavras. Tem uma incrível força ex-pressiva. Comunica a disponibilida-

de para entrar em relação com os ou-tros, superando o dualismo, fazendocair armaduras e desculpas. Os abra-ços são a arquitetura íntima da vida, oseu desenho invisível; são plenitudeconsentida ao afeto que reconcilia erevitaliza. Num abraço, tudo o quetem de ser dito soletra-se no silêncio,e ocorre isto que é tão precioso e afi-nal tão raro: sem defesas, um coraçãocoloca-se à escuta de outro coração. Ébom ver como a pandemia nos acor-da para reconhecermos o valor de di-mensões da vida e da humanidade e,nesse sentido, nos reconduz ao essen-cial.

Ainda uma parábola retirada dojornal é aquela que surge num textoda escritora de origem indianaArundhati Roy: a imagem do portal.Escreve ela: «Historicamente as pan-demias obrigaram os seres humanos aromper com o passado e a imaginarde novo o seu mundo. Esta não é di-ferente. É um portal, uma porta entreum mundo e o seguinte. Podemosoptar por cruzá-lo arrastando atrásde nós as carcaças do nosso prejuízo eódio, da nossa avareza, dos nossosbancos de dados e ideias mortas, dosnossos rios mortos e dos céus cheiosde fumos. Ou podemos atravessá-locaminhando ligeiros, com pouca ba-gagem, prontos para imaginar outromundo».

O mensageiroe o campo novo

Quando penso naquilo que hoje aPalavra de Deus nos está dizendo,frequentemente me vem ao pensa-

«A novidade destes tempos difíceis é opatrimónio de perguntas que muitos seestão fazendo, e perguntas... que seprendem... com a avaliação crítica daquiloque a sociedade moderna coloca comoprioritário, com a forma como cada umtem habitado o real»

«É bom ver como a pandemia nosacorda para reconhecermos o valorde dimensões da vida e dahumanidade e, nesse sentido, nosreconduz ao essencial»

Eugène Delacroix (1798-1863), «Cristo no lago de Genesaré»

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A pandemia - Um desafio à interlocução com o futuro

O volume «O céu sobre a terra» com um texto inédito do Papa Francisco

Transformar o mundomento o capítulo 32 do Livro do Pro-feta Jeremias. A sua situação não po-dia ser mais complexa, se não mesmodesesperada. Jeremias está preso nopalácio real de Judá, acusado de ha-ver profetizado contra o rei Zede-quias, anunciando-lhe a derrota con-tra Nabucodonosor, a destruição deJerusalém e o exílio do povo em Ba-bilónia. Ora, precisamente neste con-texto histórico extremo chega a Jere-mias um mensageiro com uma sur-preendente proposta em contraciclo.Visita-o o seu primo Hanameel quelhe diz: «Compra a propriedade quetenho em Anatote, no território deBenjamim, porque é teu o direito deposse e de resgate» (v. 8). E por seruma iniciativa tão nova e desbloquea-dora, Jeremias compreendeu que essapalavra provinha do Senhor. Na suaoração, o profeta não deixa, porém,de manifestar o seu espanto: «Asrampas de cerco são erguidas pelosinimigos para tomarem a cidade, epela guerra, pela fome e pela peste,ela será entregue nas mãos dos babi-lónios que a atacam... Ainda assim, óSoberano Senhor, tu me mandastecomprar a propriedade e convocartestemunhas do negócio, embora acidade esteja entregue nas mãos dosbabilónios!» (vv. 24-25). E o Senhorlhe responde com uma promessa:«Eu os reunirei de todas as terras pa-ra onde os dispersei... Eu os trarei devolta a este lugar e permitirei que vi-vam em segurança... Farei com elesuma aliança permanente» (v. 37.40).

Que tempo é este que estamos a vi-ver? A que o havemos de comparar?Podemos, efetivamente, olhar apenaspara o assédio devastador desta criseque começa por ser sanitária, mas quedepressa contaminou tantos outrosâmbitos, tornando-se uma crise po-liédrica: económica, social, política,eclesial, civilizacional. Ou podemosperceber, numa leitura crente e espe-rançada da história como o faz Deusincansavelmente, que esta hora, comtodos os seus constrangimentos é afi-nal um k a i ró s , uma oportunidade pararelançar a nossa aliança com a vida.Este não é o momento para fazer cairos braços em desânimo, mas é umtempo para apostas de confiança.Não é só um compasso de espera quenos deixa como que suspensos numadolorosa indefinição: é também umdesafio à interlocução com o futuro ea dar passos concretos na sua direção.Não é só um tempo para fechar a se-mente no celeiro enquanto se aguar-dam as condições que consideramospropícias: este é um tempo bom paraos semeadores saírem para o campo,para os pescadores se aventurarem nolago. Não é só uma estação para geriraflições crescentes: é também a oca-sião em que Deus nos ordena que ar-risquemos como Igreja e que compre-mos um campo novo.

«A que é semelhante o Reino deDeus? A que o hei de comparar?» (Lc13, 18), perguntava-se Jesus. Hoje ca-be-nos a nós fazer esta pergunta. Maspara isso precisamos realizar umaauscultação espiritual e autêntica davida; precisamos de não nos fechar-mos num discurso abstrato ou numsistema fechado, mas de nos abrirmosà leituras das histórias e dos exem-plos que estão hoje diante dos nossosolhos; e precisamos, por fim, de umahermenêutica profética da históriaque revele que Jesus Cristo é o seuc e n t ro .

Cardeal arquivista e bibliotecárioda Santa Igreja Romana

Giuseppe Bartolomeo Chiari(1654-1727),«Alegoria da esperança»

FRANCISCO

Ainda podemos acreditar na possibilidade de ummundo novo, mais justo e fraternal? Podemosrealmente esperar numa transformação das so-ciedades em que vivemos, onde não predominema lei do mais forte nem a arrogância do deus di-nheiro, mas sim o respeito pela pessoa e uma ló-gica de gratuidade? Imagino a expressão no ros-to de muitas pessoas, diante destas palavras, des-tas perguntas “ingénuas”. Uma leve dobra doslábios, curvada num sorrisinho de ceticismo ou,na melhor das hipóteses, de comiseração que nosleva a viver na sociedade do desencantamento.

Portanto, devemos reconhecer que o mundo éimutável, com as suas injustiças que “clamam aDeus por vingança”? E a nós, homens de Igreja,só nos resta a tarefa de pregar a resignação passi-va, ou de enunciar com a devida repetitividadeprincípios tanto verdadeiros quanto abstratos?

Nenhuma mente honesta pode negar a forçatransformadora do cristianismo no devir da his-tória. Cada vez que a vida cristã se propagou nasociedade de modo autêntico e livre, deixou sem-pre um vestígio de nova humanidade no mundo.Desde os primeiros séculos. A maior novidade noplano social foi a consideração do valor de cadapessoa, sensibilidade que levava a não descartaros indivíduos imperfeitos como inúteis, a trataros escravos com respeito a ponto de sentir, aolongo do tempo, como intolerável a própria insti-tuição da escravatura, o sentimento de repug-nância pela crueldade dos jogos dos gladiadorese o “espetáculo de sangue”, a resiliência exercidapelo monaquismo beneditino na época dos bár-baros, perante o abandono dos campos e a perdade memória da cultura greco-latina, a beleza só-bria das igrejas românicas e o orante “assalto aocéu” das catedrais góticas, a severa rejeição dausura e o preceito moral da “justa clemência” p e-lo operário, inserido no catecismo. Um mundonovo que, pouco a pouco, nascia e adquiria for-ma dentro de um mundo velho em decomposi-ção.

Como acontecia, qual é o segredo desta formi-dável transformação? E que ensinamento pode-mos nós, cristãos do século XXI, tirar dela hoje?

Um pensador francês dos anos trinta, Emma-nuel Mounier, disse que a importante influênciado cristianismo na civilização europeia era maisum “efeito colateral” do testemunho dos primei-ros cristãos do que um plano preordenado; maisa consequência gratuita de uma fé vivida comsimplicidade, do que o resultado de um progra-ma político-cultural elaborado teoricamente:«Entre o início e os efeitos existe sempre uma es-pécie de percurso oblíquo, parece que o cristia-nismo produz sempre efeitos sobre a realidadetemporal, como que por excesso, às vezes quasepor distração».1 É quando se enraiza no Evange-lho que o cristianismo oferece o melhor de si à ci-vilização: «Com efeito, o cristianismo oferecemais à ação externa dos homens quando cresceem intensidade espiritual, do que quando se per-de na tática e na gestão».2 Naturalmente, doponto de vista histórico esta observação é válidatambém no negativo; infelizmente, já o vimosmuitas vezes: o cristianismo perde o melhor de siquando acaba por se corromper, identificando-secom lógicas e estruturas mundanas.

Deixemos a superfície para ir mais a fundo;como se descêssemos ao cerne de uma pequenafonte para descobrir a origem daquela força mis-

teriosa que, de modo imprevisível, impele os jor-ros ao seu redor, alterando a paisagem e o territó-rio contíguos. Podemos encontrar a origem dadinâmica cristã transformadora exemplificadana experiência do apóstolo dos gentios, Paulo deTarso, que o Senhor fulgurou no caminho de Da-masco com o seu olhar poderoso e misericordio-so. «Naquele momento, Saulo compreendeu quea sua salvação não dependia das boas obras leva-das a cabo segundo a lei, mas do facto de que Je-sus tinha morrido também por ele — o persegui-dor — e ressuscitado».3 Paulo nada fez para en-contrar Jesus, a iniciativa não foi sua. Nada paramerecer aquele repentino olhar de amor queDeus dirigiu inesperadamente a um seu “inimigop olítico”. Nem sequer «as boas obras levadas acabo segundo a lei» — diz o Papa Bento — lhe po-deriam valer a salvação. Uma gratuidade absolu-ta, à qual o antigo perseguidornão opõe resistência, aliás, aco-lhe-o livremente até sentir esseacontecimento como o sinal pre-dominante da sua vida. A carida-de da qual Paulo se torna teste-munha apaixonada, e que conhe-cemos bem através das suas car-tas, é simplesmente o misteriosoreflexo daquela misericórdia ex-perimentada na sua vida.

Frequentemente, as palavrascristãs no nosso tempo evapo-ram-se, perdem o seu significado.Amor, caridade... vocábulos quehoje evocam um sentimentalismovago ou uma filantropia melancó-lica. Para compreender o seu sen-tido cristão, temos que pensar na experiência vi-vida por Paulo, na transformação que ocorre nelepor iniciativa divina; não altera os traços fortesda sua personalidade, não o leva a tornar-se umsonhador frágil e irrealista, mas um homem comum grande coração, porque é cativado por umAmor maior. O seu hino à caridade, na primeiracarta aos Coríntios, permanece o “manifesto”mais sugestivo da revolução que Cristo traz aomundo.

Realmente, um dos erros mais antigos e sem-pre persistentes na história da Igreja é o pelagia-nismo, em última análise um cristianismo des-provido da Graça, a fé reduzida ao moralismo, auma força de vontade titânica e malograda. Jus-tamente Agostinho — muito consciente da feridaestrutural que cada alma traz dentro de si — opôs-se com todas as forças ao erro de Pelágio. Comefeito, o cristianismo não transformou o mundoantigo com táticas mundanas nem com o volun-tarismo ético, mas unicamente com o poder doEspírito de Jesus Ressuscitado.

Todo o rio de obras de caridade, pequenas ougrandes, uma corrente de solidariedade que hádois mil anos atravessa a história, tem esta únicanascente. A caridade brota de uma emoção, deum enlevo, de uma Graça.

Historicamente, a caridade dos cristãos torna-se desde o princípio atenção às necessidades daspessoas mais frágeis, as viúvas, os pobres, os es-cravos, os doentes, os marginalizados... Compai-xão, padecer com quem sofre, partilha. Torna-setambém denúncia das injustiças e compromissode as combater na medida do possível. Pois cui-dar de uma pessoa significa abraçar toda a suacondição, ajudá-la a libertar-se do que mais aoprime e nega os seus direitos. A primazia daGraça não leva à passividade; pelo contrário,centuplica a energia e aumenta a sensibilidadediante das injustiças.

«Não deves acreditar que roubar significaapenas furtar os bens do seu próximo; se vires oteu próximo que sofrer de fome, de sede, de ne-cessidade, que não tem casa, roupas, sapatos, enão o ajudares, rouba-lo tal como alguém querouba o dinheiro de uma bolsa ou de uma gaveta.Tens o dever de o ajudar na necessidade. Pois osteus bens não são teus; és apenas o administradordeles, e tens a tarefa de os distribuir aos necessita-dos».4

Um olhar novo nasce da experiência direta dagratuidade do amor de Deus. Por exemplo, nãoatenua, aliás aguça o sentido dramático do nossolimite, do nosso ser pecadores. Mas precisamentepor isso, faz-nos sentir mais forte a necessidadede uma justiça acompanhada da misericórdia. O

teólogo norte—americano Reinhold Niebuhr es-creveu: «A justiça que não for mais do que justiçadegenera rapidamente em algo menos do quejustiça».5 E Martinho Lutero anotou: «A verda-deira justiça sente piedade; a falsa justiça, indig-nação».6

É diferente também o modo como o cristãotrabalha ao lado dos últimos, que hoje em diatêm o semblante dos idosos sozinhos, dos traba-lhadores precários ou ilegais, dos refugiados, daspessoas com deficiência. Este compromisso não éo preenchimento de um vazio que talvez procu-remos evitar com um ativismo “entusiasta”, que alongo prazo não é credível, nem sequer sustentá-vel no tempo.

Um abismo separa os profissionais do entu-siasmo do compromisso que nasce da experiên-cia de um presente recebido. Quando nos aproxi-

mamos com sinceridade das pessoas vulneráveis,com o desejo de as ajudar, somos remetidos àsnossas próprias vulnerabilidades. Todos as te-mos. E todos nós precisamos de cuidados, todostemos necessidade de ser salvos. Por este motivo,a caridade sincera conduz sempre à oração, àmendicância da Presença de Deus, a única quepode curar as feridas interiores, tanto nossas co-mo dos outros.

Existe outro traço distintivo na ação do cristãoa favor do último. É uma ponta de júbilo que per-manece sempre, talvez por vezes invisível, até pe-rante as experiências mais negativas e dolorosas.É a companhia de uma Presença que, em últimaanálise, não depende de circunstâncias externas,mas é precisamente oferecida; uma familiaridadecom Jesus, na qual progredimos dia após dia naoração e na leitura do Evangelho. Raiz de umaesperança de mudança, que Charles Péguy viacomo a virtude menina, que caminha quase es-condida entre as saias das duas irmãs mais velhas(a fé e a caridade), mas na realidade é ela, esta es-perança menina, que segura a mão e ampara.«Para não amar o próximo, menina,

seria preciso tapar os olhos e os ouvidos.Aos inúmeros clamores de desolação [...].

Mas é a esperança, diz Deus,que me surpreende.A mim mesmo.

Isto é espantoso!Que essas pobres crianças vejamcomo tudo acontecee acreditem que amanhã será melhor.Que elas vejam o que se passa hojee acreditem que amanhã de manhãserá melhor.Isto é espantoso!E é realmente a maior maravilhada nossa graça.Eu mesmo fico deslumbrado!É preciso que a minha graçatenha efetivamenteuma força inacreditável.E que jorre de uma fonte,como um rio inesgotável.Desde a primeira vez que fluiue que jorra eternamente».7

1 Feu la Chrétienté, 1950, 252.2 Ibid., 253.3 Bento XVI, An g e l u s , 25 de janeiro de 2009.4 Martinho Lutero, B re v i á r i o , 1996, 65-66.5 Moral Man and Immoral Society, 1968, 181.6 Martinho Lutero, B re v i á r i o , 109.7 Charles Péguy, Le porche du mystère de la deuxième

vertu, 1978, 14.

NO LIVRO

O tema do amor cristão

Está nas livrarias desde 24 de novembro o livro Il cielo sullaterra. Amare e servire per trasformare il mondo [“O céu sobre a ter-ra. Amar e servir para transformar o mundo”] (Libreria edi-trice vaticana, Cidade do Vaticano, 288 páginas), com umtexto inédito de Francisco, que publicamos na íntegra nestapágina. O volume, que faz parte da coletânea Scambio dei doni(“Troca de dons”) — caraterizada por um cunho especifica-mente ecuménico – volta a propor o tema do amor cristão edos valores a ele ligados, através de uma coleção de frasesdo Papa Bergoglio.

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L’OSSERVATORE ROMANOpágina 6 terça-feira 8 de dezembro de 2020, número 49

Mensagem no Dia internacional das pessoas com deficiência

A fragilidadepertence a todos

A inclusão deve ser «a “ro c h a ” sobre aqual construir os programas e as ini-ciativas» das instituições civis e ecle-siais, sobretudo neste tempo de pande-mia que «evidenciou ulteriormente adesigualdade» da sociedade, afirmouo Papa Francisco na seguinte mensa-gem difundida por ocasião do Dia in-ternacional das pessoas com deficiên-cia, que se celebrou a 3 de dezembro.

Queridos irmãos e irmãs!Neste ano, valho-me da opor-tunidade que me dá a celebra-ção do Dia Internacional dasPessoas com Deficiência paraexpressar a minha proximida-de a quantos atravessam situa-ções particularmente difíceisnesta crise pandémica. Esta-mos todos no mesmo barco, nomeio de um mar agitado quenos pode atemorizar; mas, nes-te barco, há alguns, como aspessoas com deficiências gra-ves, que têm de lutar mais.

O tema deste ano é «Recons-truir melhor: rumo a um mundo pós-Covid-19, inclusivo da deficiência,acessível e sustentável». Chamou-me a atenção a expressão «re-construir melhor», que melembra a parábola evangélicada casa construída sobre a ro-cha ou sobre a areia (cf. Mt 7,24-27; Lc 6, 46-49). Por isso,aproveito o ensejo para parti-lhar algumas reflexões, preci-samente a partir da referida pa-ráb ola.

1. A ameaçada cultura do descarte

Começo pela «chuva», os«rios» e os «ventos» que amea-çam a casa e se podem identifi-car com a cultura do descarte,generalizada no nosso tempo(cf. Exort. ap. Evangelii gaudium,53). Para ela, certas «partes dahumanidade parecem sacrifi-cáveis em benefício de uma se-leção que favorece a um setorhumano digno de viver sem li-mites. No fundo, as pessoas jánão são mais vistas como umvalor primário a respeitar e tu-telar, especialmente se são po-bres ou deficientes» (Cartaenc. Fratelli tutti, 18).

Esta cultura afeta sobretudoas categorias mais frágeis, entreas quais se contam as pessoascom deficiência. Nos últimoscinquenta anos, foram dadospassos importantes, tanto a ní-vel das instituições civis comodas realidades eclesiais. Cres-ceu a consciência da dignidadede cada pessoa, o que levou aopções corajosas em prol da in-clusão de quantos vivem umalimitação física ou/e psíquica.Contudo, a nível cultural, per-manecem ainda demasiadasexpressões que efetivamentecontradizem esta orientação.Existem atitudes de rejeiçãoque, por causa também de umamentalidade narcisista e utili-tarista, conduzem à marginali-zação, sem considerar que, ine-vitavelmente, a fragilidade é de to-dos. Na realidade, há pessoasaté com deficiências graves queencontraram, embora com di-ficuldade, a estrada de uma vi-da boa e significativa, tal comoexistem muitas outras «nor-malmente dotadas» que toda-via vivem insatisfeitas senãomesmo desesperadas. «A vul-nerabilidade faz parte da es-

sência do homem» (Discurso noCongresso «Catequese e pessoas comdeficiência», 21 de outubro de2017).

Assim de modo especialneste Dia, em defesa nomeada-mente dos homens e mulherescom deficiência, é importantepromover uma cultura da vidaque afirme sem cessar a digni-dade de toda a pessoa, inde-pendentemente da sua idade econdição social.

2. A «rocha» da inclusão

A pandemia atual eviden-ciou ainda mais as disparida-des e desigualdades que carate-rizam o nosso tempo, com par-ticular detrimento dos maisfrágeis. «O vírus, sem excluirninguém, encontrou grandesdesigualdades e discrimina-ções no seu caminho devasta-dor. E aumentou-as!» (Cateque-se na Audiência geral de 19 deagosto de 2020).

Por isso, uma primeira «ro-cha» sobre a qual construir anossa casa é a inclusão. Emboraàs vezes se abuse deste termo, aparábola evangélica do BomSamaritano (cf. Lc 10, 25-37)permanece sempre atual. Comefeito, no caminho da vida, de-paramo-nos frequentementecom a pessoa ferida, que às ve-zes apresenta precisamente ostraços da deficiência e da fragi-lidade. «A inclusão ou exclu-são da pessoa que sofre na mar-gem da estrada define todos osprojetos económicos, políticos,sociais e religiosos. Dia a diaenfrentamos a opção de serbons samaritanos ou viandan-tes indiferentes que passam aolargo» (Fratelli tutti, 69).

A inclusão deveria ser a «ro-

cha» sobre a qual construir osprogramas e iniciativas das ins-tituições civis, para que nin-guém, especialmente quem en-frenta maior dificuldade, fiqueexcluído. A força de uma cor-rente depende do cuidado dis-pensado aos elos mais frágeis.

Quanto às instituições ecle-siais, reafirmo a exigência depreparar instrumentos idóneos eacessíveis para a transmissão dafé. Espero também que os mes-mos sejam disponibilizados,da forma mais gratuita possí-vel, àqueles que precisam de-les, inclusivamente através dasnovas tecnologias que se reve-laram tão importantes para to-dos neste período de pande-mia. Do mesmo modo encora-jo, para sacerdotes, seminaris-tas, religiosos, catequistas eagentes pastorais, uma formaçãoo rd i n á r i a sobre a relação com adeficiência e o uso de instru-mentos pastorais inclusivos. Ascomunidades paroquiais em-penhem-se por fazer crescer,nos fiéis, o estilo acolhedor daspessoas com deficiência. Acriação de uma paróquia ple-namente acessível requer nãosó a eliminação das barreirasarquitetónicas, mas sobretudoatitudes e ações de solidarieda-de e serviço, por parte dos pa-roquianos, para com as pessoascom deficiência e suas famílias.O objetivo é chegarmos a su-perar a subdivisão «eles», paraexistir apenas o «nós».

3. A «rocha»da participação ativa

Para «reconstruir melhor» anossa sociedade, é preciso quea inclusão dos sujeitos maisfrágeis englobe também a pro-

moção da sua participação ativa.Antes de mais nada, reafir-

mo veementemente o direitode as pessoas com deficiênciareceberem os Sacramentos como to-dos os outros membros daIgreja. Todas as celebrações li-túrgicas da paróquia deveriamestar acessíveis, para que cadaum, juntamente com os irmãose irmãs, possa aprofundar, ce-lebrar e viver a sua fé. Deve serreservada uma atenção espe-cial às pessoas com deficiênciaque ainda não receberam osSacramentos da iniciação cris-tã: poderiam ser acolhidas e in-seridas no percurso catequéti-co de preparação para estes Sa-cramentos. A graça, de que es-tes são portadores, não podeser impedida a ninguém.

«Em virtude do Batismo re-cebido, cada membro do povode Deus tornou-se discípulomissionário. Cada um dos ba-tizados, independentementeda própria função na Igreja edo grau de instrução da sua fé,é um sujeito ativo de evangeli-zação» (Evangelii gaudium, 120).Por isso, também as pessoascom deficiência, tanto na so-ciedade como na Igreja, pe-dem para se tornar sujeitos ativosda pastoral, e não só destinatá-

rios. «Muitas pessoas com de-ficiência sentem que vivem sempertença nem participação.Ainda há tanto que as impedede beneficiar da plena cidada-nia. O objetivo não é apenascuidar delas, mas acompanhá-las e “ungi-las” de dignidadepara uma participação ativa nacomunidade civil e eclesial.Trata-se de um caminho exi-gente e também cansativo, quecontribuirá cada vez mais paraa formação de consciências ca-pazes de reconhecer cada umcomo pessoa única e irrepetí-vel» (Fratelli tutti, 98). Efetiva-mente a participação ativa nacatequese das pessoas com de-ficiência constitui uma granderiqueza para a vida de toda aparóquia, porque, enxertadasem Cristo no Batismo, parti-lham com Ele, na sua condiçãoparticular, o ministério sacer-dotal, profético e real, evange-lizando a t ra v é s , com e na I g re j a .

Portanto, também a presen-ça entre os catequistas de pes-soas com deficiência, de acor-do com as suas próprias capa-cidades, representa um recursopara a comunidade. Neste sen-tido, deve-se favorecer a suaformação, para que possam ad-quirir uma preparação mais

avançada nomeadamente emcampo teológico e catequético.Espero que, nas comunidadesparoquiais, cada vez mais pes-soas com deficiência possamtornar-se catequistas, paratransmitir a fé de maneira efi-caz, inclusive com o seu pró-prio testemunho (cf. Discurso noCongresso «Catequese e pessoas comdeficiência», 21 de outubro de2017).

«Pior do que esta crise, só odrama de a desperdiçar» (Ho-milia na Solenidade de Pentecostes,31 de maio de 2020). Assim en-corajo todas pessoas que dia adia, e muitas vezes no silêncio,se gastam em favor das situa-ções de fragilidade e deficiên-cia. Possa a vontade comum de«reconstruir melhor» desenca-dear s i n e rg i a s entre as organiza-ções tanto civis como eclesiaispara edificar, contra todas asintempéries, uma «casa» sóli-da, capaz de acolher tambémas pessoas com deficiência,porque construída sobre a ro-cha da inclusão e da participaçãoativa.

Roma, São João de Latrão,3 de dezembro de 2020.

FRANCISCO

Conversão pastoral e inclusão ecológicaO cardeal Cláudio Hummes falou sobre a Universidade católica e a Conferência eclesial da Amazónia

MARCELO FIGUEROA

Numa entrevista concedida a «L’Osservatore Ro-mano», o cardeal Cláudio Hummes, presidente danova Conferência Eclesial da Amazónia (Ceama),arcebispo emérito de São Paulo, prefeito emérito daCongregação para o clero e até há poucas semanas

presidente da Rede Eclesial Pan-Amazónica (Re-pam), manifestou o seu pensamento sobre o Síno-do para a Amazónia que teve lugar há um ano, anova Conferência eclesial, a Universidade católicada região e a encíclica Fratelli tutti. Apresentamos aseguir as suas interessantes opiniões e reflexões.

Um ano após o Sínodo para a Amazónia, o que significa paraVossa Eminência este evento e quais são as suas projeções parao futuro?

Penso, antes de mais nada, que o Sínodo ofere-ceu a toda a Igreja um conhecimento mais real eacolhedor dos povos originários, da sua cultura,identidade, história e visão do mundo, bem comoda sua importância insubstituível para toda a famí-lia humana e, de forma especial, para a Igreja. Emsegundo lugar, o Sínodo mostrou que é possívelconstruir novos caminhos para a Igreja através daconversão pastoral e da inclusão ecológica (cuidarda casa comum) e mediante um processo que con-siste em abater muros e construir pontes e, atravésdestas pontes, chegar às periferias do mundo paraouvir, ouvir e voltar a ouvir, desaprender, aprendere depois reaprender, num processo, para construir ofuturo com as populações locais, inculturando e en-carnando o Evangelho nas culturas, num diálogointer-religioso e intercultural, com paixão e audá-cia. Podemos chamar a tudo isto «construção deuma Igreja mais sinodal e misericordiosa, com umaclara opção preferencial pelos pobres». Em terceirolugar, o Sínodo reafirmou o que o Papa Franciscopropõe na Laudato si’ e na Evangelii gaudium sobre ocuidado da casa comum, especialmente da Amazó-nia, neste tempo de grave e urgente crise climática eecológica.

Quais são, na sua opinião, o espaço e a transcendência eclesio-lógica e sociológica da Ceama? É um novo modelo de conferên-cia mais próximo ao pensamento de Francisco?

A conferência eclesial da Amazónia é algo novo,que interpela toda a Igreja. Obviamente inclui bis-pos, mas também outras pessoas, como sacerdotes,religiosos, religiosas, leigos, leigas e, com particularênfase, representantes indígenas. Tem caráter deconferência, por desejo explícito do Papa Francis-co, e por isso não é apenas um secretariado, nemuma comissão de outro organismo. Possui uma ca-raterística mais sinodal do que as outras conferên-cias da Igreja. Ainda é jovem, modesta, mas muitoanimada.

Que lugar ocupará a Universidade católica da Amazónia nocontexto das duas perguntas anteriores?

A criação de uma Universidade católica amazó-nica foi desejada pelo Sínodo. Todos sabemos quea educação e a escolarização são fundamentais parao desenvolvimento integral da família humana. Noentanto, o projeto para a Amazónia é que deve seruma instituição educacional inculturada que acolhae desenvolva a cultura e o conhecimento ancestral,construindo os seus procedimentos e projetos edu-cacionais com a própria população do território.

Tendo em consideração o que já dissemos até aqui, qual é nasua opinião o fio condutor mais importante entre «Laudatosi’», «Querida Amazonia» e «Fratelli tutti»?

É a fidelidade na inclusão de todos os seres hu-manos envolvidos, e também do território, a “casacomum”. É não aceitar que alguém fique para trásou deixe de ser reconhecido como igual. Somos to-dos irmãos. Tudo está interligado!

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L’OSSERVATORE ROMANOnúmero 49, terça-feira 8 de dezembro de 2020 página 7

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiênciasp a r t i c u l a re s :

No dia 26 de novembroO Senhor Cardeal Edoardo Meni-

chelli, Arcebispo Emérito de Anco-na-Osimo (Itália); o Rev.mo Mons.Bruno Marie Duffé, Secretário doDicastério para o Serviço do Desen-volvimento Humano Integral; e oR e v. do Pe. Tomaž Mavrič, Superior-Geral da Congregação da Missão(Lazaristas).

No dia 27 de novembroOs Senhores Cardeais Luis Anto-

nio G. Tagle, Prefeito da Congrega-ção para a Evangelização dos Povos;Angelo Bagnasco, Arcebispo Eméri-to de Génova (Itália); e Peter KodwoAppiah Turkson, Prefeito do Dicas-tério para o Serviço do Desenvolvi-mento Humano Integral.

Sua Ex.cia o Senhor Majid Al-Suwaidi, Embaixador dos EmiradosÁrabes Unidos na Espanha.

No dia 28 de novembroOs Senhores Cardeais Marc Ouel-

let, Prefeito da Congregação para osBispos; e Sua Beatitude BécharaBoutros Rai, Patriarca de Antioquiados Maronitas (Líbano); e o Rev.do

Pe. Frédéric Fornos, S.J., Diretor In-ternacional da Rede Mundial deOração do Papa.

E re ç õ e s

Sua Santidade erigiu:

A 25 de novembroA Eparquia de Olsztyn-Gdańsk de

rito bizantino-ucraniano (Polónia),com território desmembrado da Ar-quieparquia de Przemyśl-Warszawa eda Eparquia de Wrocław-Gdańsk,modificando ao mesmo tempo o no-me da Eparquia de Wrocław-Gdańskem Wrocław-Koszalin e tornando anova Eparquia sufragânea da men-cionada Arquieparquia.

Renúncias

O Sumo Pontífice aceitou a renúncia:

No dia 25 de novembroDe D. Kevin Patrick Dowling,

C.S S.R., ao governo pastoral da Dio-cese de Rustenburg (África do Sul).

No dia 27 de novembroDe D. Anthony Mancini, ao go-

verno pastoral da Arquidiocese deHalifax-Yarmouth (Canadá).

No dia 28 de novembroDe D. Patrick Kieran Lynch,

S S.CC., ao cargo de Auxiliar da Ar-quidiocese Metropolitana de Sou-thwark (Inglaterra).

No dia 29 de novembroDe D. Robert Ovide Bourgon, ao

governo pastoral da Diocese deHearst-Moosonee (Canadá).

Nomeações

O Santo Padre nomeou:

A 25 de novembroBispo da Diocese de Witbank

(África do Sul), D. Xolelo Thad-daeus Kumalo, até à presente dataBispo de Eshowe.

Bispo da Diocese de Rustenburg(África do Sul), o Rev.mo Mons. Ro-bert Mogapi Mphiwe, do clero dePretória, até agora Vigário-Geral damesma Sede.

D. Robert Mogapi Mphiwe nasceu emPretória, na África do Sul, a 14 de março de1972, e foi ordenado Sacerdote no dia 1 denovembro de 1997.

Primeiro Bispo da nova Eparquiade Olsztyn-Gdańsk de rito bizanti-no-ucraniano (Polónia), o Rev.do Pe .Arkadiusz Trochanowski, do clero daEparquia de Wrocław-Gdańsk. Até àtomada de posse do Bispo, a Epar-quia de Olsztyn-Gdańsk será gover-nada pelo Metropolita, D. EugeniuszM i ro s ław Popowicz, como Adminis-trador Apostólico.

D. Arkadiusz Trochanowski nasceu no dia6 de janeiro de 1973 na localidade de Szpro-tawa, Eparquia de Wrocław-Gdańsk (Poló-nia), numa família de antiga tradição greco-católica ucraniana, e recebeu a Ordenaçãosacerdotal em 29 de julho de 2000.

A 26 de novembroBispo Auxiliar da Diocese de

Warszawa-Praga, na Polónia, oR e v. do Cón. Jacek Grzybowski, doclero da mesma Sede, até agora Dire-tor do Gabinete Diocesano para aPastoral Universitária, simultanea-mente eleito Bispo Titular de Nova.

D. Jacek Grzybowski nasceu no dia 11 deagosto de 1973, em Wołomin, Diocese deWarszawa-Praga (Polónia), e foi ordenadoSacerdote em 30 de maio de 1998.

A 27 de novembroArcebispo de Halifax-Yarmouth

(Canadá), D. Brian Joseph Dunn,até hoje Arcebispo Coadjutor damesma Sede.

Bispos Auxiliares de Guadalajara(México), os Rev.dos Pa d re s :

— Manuel González Villaseñor, do

clero da mesma Sede, até esta dataPároco de “San Francisco Javier deLas Colinas”, simultaneamente eleitoBispo Titular de Ploaghe.

D. Manuel González Villaseñor nasceu a16 de dezembro de 1963, em Guadalajara(México), e recebeu a Ordenação sacerdotalem 19 de maio de 1991.

— Eduardo Muñoz Ochoa, do cle-ro da mesma Sede, até agora Forma-dor do Seminário Maior, simultanea-mente eleito Bispo Titular de Sata-fis.

D. Eduardo Muñoz Ochoa nasceu no dia13 de outubro de 1968, em Guadalajara(México), e foi ordenado Presbítero a 22 demaio de 1997.

A 28 de novembroBispo Auxiliar da Arquidiocese

Metropolitana de Toronto (Canadá),o Rev.mo Mons. Ivan Philip Camille-ri, até hoje Vigário-Geral e Modera-dor da Cúria na mesma Sede, simul-taneamente eleito Bispo Titular deTeglata in Numidia.

D. Ivan Philip Camilleri nasceu a 18 deabril de 1969, em Malta, e foi ordenado Sa-cerdote no dia 12 de maio de 2007.

Bispo Auxiliar da Diocese de Dae-jeon, na Coreia, o Rev.do Pe. Stepha-nus Han Jung Hyun, do clero deDaejeon, até à presente data Párocoda Paróquia da Sagrada Família, si-multaneamente eleito Bispo Titularde Mozotcori.

D. Stephanus Han Jung Hyun nasceu nodia 7 de setembro de 1971, em Hong Sung,Diocese de Daejeon (Coreia), e recebeu a Or-denação sacerdotal em 21 de fevereiro de2000.

Vigário Apostólico de El Beni(Bolívia), D. Aurelio Pesoa Ribera,O.F.M., Bispo Titular de Leges, atéagora Auxiliar da Arquidiocese de LaPaz e Secretário-Geral da Conferên-cia Episcopal Boliviana.

Administrador Apostólico “Sedeplena” da Diocese de Broome (Aus-trália), o Rev.mo Mons. Paul Boyers,até esta data Vigário-Geral da mesmaSede.

A 29 de novembroAdministrador Apostólico da Dio-

cese de Hearst-Moosonee (Canadá),D. Terrence Thomas Prendergast,S.J.

Bispo da Diocese de Homa Bay(Quénia), o Rev.do Pe. Michael Otie-no Odiwa, do clero da mesma Sede,até agora Sacerdote «Fidei Donum»na Arquidiocese Metropolitana deAdelaide (Austrália).

D. Michael Otieno Odiwa nasceu a 11 denovembro de 1962, em Sori Karungu, Dioce-se de Homa Bay, no Quénia, e foi ordenadoPresbítero no dia 3 de julho de 1993.

A 1 de dezembroBispo da Diocese de Buffalo (Es-

tados Unidos da América), D. Mi-chael William Fisher, até hoje BispoTitular de Truentum e Auxiliar daArquidiocese de Washington.

A 2 de dezembroBispo da Diocese de Ji-Paraná, no

Brasil, o Rev.do Pe. Norbert HansChristoph Foerster, S.V.D., até à pre-sente data Conselheiro Provincial daProvíncia Brasil Centro, com Sedeem São Paulo.

D. Norbert Hans Christoph Foerster,S.V.D., nasceu a 9 de julho de 1960, em Bonn(Alemanha). Fez os estudos de Filosofia eTeologia em Münster, na Alemanha. Obteve obacharelato em Teologia no Centro de ensinosuperior de Juiz de Fora, no Estado de Mi-nas Gerais; a licenciatura em Ciências da re-ligião na pontifícia Universidade católica deSão Paulo; e o doutorado em São Bernardona Universidade metodista de São Paulo. Foiordenado Sacerdote da Sociedade do VerboDivino em 10 de dezembro de 1989 e, em se-guida, desempenhou as seguintes funções: vi-ce-pároco de São Francisco de Assis em ValoVelho, Diocese de Campo Limpo (1990-1995); animador vocacional e formador noseminário diocesano da Diocese de Registro

(1996-2000); conselheiro provincial da Pro-víncia Brasil Centro dos Verbitas (1996-2001); formador e professor de Teologia nojardim Míriam (2001-2005); e vice-párocode Nossa Senhora Aparecida na Diocese deSanto Amaro (2006-2012). Na Diocese deHumaitá foi vigário-geral, administrador dacatedral (2013-2015) e administrador damissão costeira Beiradão (2016-2020). Atéagora foi professor de Teologia no semináriomaior João XXIII, em Porto Velho.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 24 de novembroD. Damián Iguacén Borau, Bispo

Emérito da Diocese de San Cristobálde La Laguna, Tenerife, na Espa-nha.

O venerando Prelado nasceu no dia 12 defevereiro de 1916, no município de Fuencalde-ras, Diocese de Jaca (Espanha). Recebeu aOrdenação presbiteral em 7 de junho de 1941e foi ordenado Bispo a 11 de outubro de1970.

No dia 25 de novembroD. Uriah Ashley, Bispo Titular de

Agbia, ex-Auxiliar de Panamá.O ilustre Prelado nasceu na localidade de

Almirante, Prelazia de Bocas del Toro (Pa-namá), no dia 1 de fevereiro de 1944. Foi or-denado Presbítero em 15 de agosto de 1979 erecebeu a Ordenação episcopal das mãos deJoão Paulo II a 6 de janeiro de 1994.

No dia 26 de novembroD. Benjamín Jiménez Hernández,

Bispo Emérito da Diocese de Culia-cán, no México, de Covid-19.

O saudoso Prelado nasceu a 31 de marçode 1938, em Pénjamo, Diocese de Irapuato(México). Foi ordenado Sacerdote no dia 28de julho de 1963 e recebeu a Ordenação epis-copal em 29 de junho de 1989.

D. Alfonso Milián Sorribas, BispoEmérito da Diocese de Barbastro-Monzón, na Espanha, de Covid-19.

O ilustre Prelado nasceu no dia 5 de ja-neiro de 1939, em La Cuba, Diocese de Te-ruel (Espanha). Recebeu a Ordenação sacer-

dotal em 25 de março de 1962 e foi ordenadoBispo a 3 de dezembro de 2000.

D. Louis Nzala Kianza, BispoEmérito da Diocese de Popokabaka,na República Democrática do Con-go.

O saudoso Prelado nasceu em KiamfuKia Nzadi, Diocese de Kenge (RepúblicaDemocrática do Congo), a 6 de fevereiro de1946. Foi ordenado Sacerdote no dia 25 deagosto de 1972 e recebeu a Ordenação episco-pal em 14 de julho de 1996.

No dia 28 de novembroD. Bonifácio Piccinini, salesiano,

Arcebispo Emérito de Cuiabá, noBrasil.

O venerando Prelado nasceu no dia 13 demaio de 1929, em Luiz Alves, Diocese deBlumenau (Brasil). A 31 de janeiro de 1948emitiu a primeira profissão religiosa na Socie-dade Salesiana de São João Bosco e foi or-denado Sacerdote em 11 de fevereiro de 1960.Recebeu a Ordenação episcopal no dia 31 deagosto de 1975 e renunciou ao governo pasto-ral da sua Arquidiocese a 9 de junho de2004.

No dia 29 de novembroD. José Rafael Barquero Arce, Bis-

po Emérito da Diocese de Alajuela,na Costa Rica.

O ilustre Prelado nasceu a 27 de outubrode 1931, em San Rafael de Heredia, Diocesede Alajuela (Costa Rica). Recebeu a Orde-nação sacerdotal em 22 de dezembro de 1956e foi ordenado Bispo no dia 1 de maio de1979.

No dia 1 de dezembroD. Henri Teissier, Arcebispo Emé-

rito de Argel (Argélia).O venerando Prelado nasceu em Lyon

(França), a 21 de julho de 1929. Foi ordena-do Presbítero no dia 24 de março de 1955 erecebeu a Ordenação episcopal em 2 de feve-reiro de 1973.

Início de Missãode Núncios Apostólicos

De D. Luís Miguel Muñoz Cárda-ba, no Sudão (20 de outubro).

De D. Ante Jozić, na Bielorrússia(3 de novembro).

Congregação para as causas dos santos

Promulgação de decretos

Online também a trigésima quintareunião do Conselho de cardeais

«Devido à situação sanitária», mais uma vez «realizou-se online» naterça-feira, 1 de dezembro, às 16 horas, o encontro previsto do PapaFrancisco com o Conselho de cardeais.

Foi o comunicado feito pela Sala de imprensa da Santa Sé, ex-plicando que esta trigésima quinta reunião, tal como a anterior emoutubro passado, também teve lugar por ligação vídeo.

Intervieram das respetivas sedes os cardeais Óscar Andrés Rodrí-guez Maradiaga, salesiano; Reinhard Marx; Sean Patrick O'Malley,capuchinho; Oswald Gracias; e Fridolin Ambongo Besungu, capu-chinho; e do Vaticano conectaram-se os cardeais Pietro Parolin eGiuseppe Bertello, e o bispo Marco Mellino, secretário do Conse-lho. O Papa participou da Casa Santa Marta.

Após uma breve saudação do Santo Padre, foi apresentado o no-vo membro do Conselho, cardeal Ambongo Besungu, arcebispo me-tropolitano de Kinshasa, e foram oferecidas algumas contribuiçõessobre a vida da Igreja nos diversos continentes, particularmente naatual situação sanitária.

O secretário do Conselho resumiu os passos dados na elaboraçãodo texto da nova Constituição apostólica, enquanto estão a ser es-tudadas observações, emendas e propostas recebidas pelos dicasté-rios interpelados nos últimos meses.

A próxima reunião foi agendada para fevereiro de 2021.

A 23 de novembro, o Santo Pa-dre Francisco recebeu em au-diência D. Marcello Semeraro,prefeito da Congregação para ascausas dos santos. Durante a au-diência, o Sumo Pontífice autori-zou a mesma Congregação apromulgar os seguintes Decretosre l a t i v o s :

— ao milagre, atribuído à in-tercessão do venerável servo deDeus Mario Ciceri, sacerdotediocesano; nascido a 8 de setem-bro de 1900 em Veduggio (Itália)e falecido em Brentana di Sul-biate (Itália) a 4 de abril de1945;

— ao martírio dos servos deDeus João Elias Medina, sacer-dote diocesano, e 126 compa-nheiros, sacerdotes, religiosos eleigos; mortos, por ódio à fé, naEspanha, entre 1936 e 1939;

— às virtudes heroicas do servode Deus Fortunato Maria Farina,arcebispo titular de Hadrianopo-litana in Honoriade, ex-bispo deTroia e Foggia; nascido a 8 demarço de 1881 em Baronissi (Itá-lia) e falecido em Foggia (Itália)a 20 de fevereiro de 1954;

— às virtudes heroicas do servode Deus André Manjón y Man-jón, sacerdote, fundador das Es-colas da Ave-Maria; nascido a 30de novembro de 1846 em Sargen-tes de Lora (Espanha) e falecido

em Granada (Espanha) a 10 dejulho de 1923;

— às virtudes heroicas do servode Deus Alfonso Ugolini, sacer-dote diocesano; nascido a 22 deagosto de 1908 em Thionville(França) e falecido em Sassuolo(Itália) a 25 de outubro de1999;

— às virtudes heroicas da servade Deus Maria Francisca Ticchi(no século: Clementina AdelaideCesira), monja professa das Cla-rissas Capuchinhas; nascida a 23de abril de 1887 em Belforteall'Isauro (Itália) e falecida emMercatello sul Metauro (Itália) a20 de junho de 1922;

— às virtudes heroicas da servade Deus Maria Carola Cecchin(no século: Fiorina), religiosaprofessa da congregação das Ir-mãs de São José Bento Cottolen-go; nascida a 3 de abril de 1877em Cittadella (Itália) e falecidano navio a vapor quando regres-sava do Quénia para a Itália a 13de novembro de 1925; e

— às virtudes heroicas da servade Deus Maria Francisca Gian-netto (no século: Carmela), reli-giosa professa da congregaçãodas Filhas de Maria Imaculada;nascida a 30 de abril de 1902 emCamaro Superiore (Itália) e alifalecida a 16 de fevereiro de1930.

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L’OSSERVATORE ROMANOpágina 8 terça-feira 8 de dezembro de 2020, número 49

ANGELUS — NA SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Durante a alocução mariana de 6 de dezembro o Papa recordou que o presépio e a árvore são sinais de esperança

Nenhuma pandemia pode apagar a luz do Natal

Dizer não ao pecadoe sim à Graça

Inspirado pelo pinheiro levantado na praça de São Pedro e pelo presépio em cons-trução, no final do Angelus de 6 de dezembro o Papa Francisco ressaltou a impor-tância destes dois símbolos «de esperança, neste tempo difícil», exortando «a nãose limitar ao sinal, mas a ir ao significado, isto é, a Jesus», pois — assegurou —«não há pandemia, não há crise que possa apagar» a luz do Natal. Antes da re-citação da prece mariana, da janela do estúdio particular do Palácio apostólicodo Vaticano, o Pontífice comentou o Evangelho dominical, meditando sobre o te-ma da conversão.

no Jordão, na água, mas erainútil, era apenas um sinal e erainútil, quando não havia a dis-ponibilidade de se arrepender emudar a vida.

A conversão supõe a dor pe-los pecados cometidos, o dese-jo de se livrar deles, o propósitode os excluir para sempre daprópria vida. Para excluir o pe-cado, é necessário rejeitar tam-bém tudo o que está ligado aele, as situações relacionadascom o pecado, ou seja, é precisorecusar a mentalidade munda-na, o apreço excessivo pelas co-modidades, o apreço excessivopelo prazer, pelo bem-estar, pe-las riquezas.

O exemplo deste desapegovem-nos mais uma vez doEvangelho de hoje, na figura deJoão Batista: um homem auste-ro, que renuncia ao supérfluo eprocura o essencial. Eis o pri-meiro aspeto da conversão: de-sapego do pecado e da mundanidade.Começar um caminho de desa-pego destas realidades.

O outro aspeto da conversãoé o fim do caminho, ou seja, a

busca de Deus e do seu reino. Desa-pego das coisas mundanas ebusca de Deus e do seu reino. Oabandono das comodidades eda mentalidade mundana não éum fim em si mesmo, não é umaascese somente para fazer peni-tência: o cristão não é um “fa-quir”. É algo mais. O desapegonão é um fim em si mesmo, masvisa a consecução de algomaior, ou seja, o reino de Deus,a comunhão com Deus, a ami-zade com Deus. Mas isto não éfácil, pois há muitos vínculosque nos mantêm próximos dopecado, não é fácil... A tenta-ção derruba sempre, derruba, eassim também os vínculos quenos mantêm próximos do peca-do: a inconstância, o desânimo,

a malícia, os ambientes noci-vos, os maus exemplos. Às ve-zes o impulso que sentimos ru-mo ao Senhor é demasiado fra-co e até parece que Deus se ca-la; parecem-nos distantes e ir-reais as suas promessas de con-solação, como a imagem dopastor atento e solícito, que res-soa hoje na leitura de Isaías (cf.Is 40, 1.11). E por isso temos atentação de dizer que é impos-sível converter-se verdadeira-mente. Quantas vezes sentimoseste desânimo! “Não, não con-sigo. Começo um pouco e de-pois volto atrás”. E isto é nega-tivo. Mas é possível, é possível.Quando tiveres este pensamen-to de desânimo, não fiques ali,porque é areia movediça, é

areia movediça: a areia movedi-ça de uma existência medíocre.A mediocridade consiste nisto.O que se pode fazer em tais ca-sos, quando gostaríamos de irem frente mas sentimos quenão conseguimos? Antes demais nada, recordemos que aconversão é uma graça: ninguémse pode converter com as pró-prias forças. É uma graça que oSenhor nos dá, e portanto de-vemos pedi-la com força aDeus, pedir a Deus que nosconverta, que realmente possa-mos converter-nos, na medidaem que nos abrirmos à beleza, àbondade, à ternura de Deus.Pensai na ternura de Deus.Deus não é um Pai malvado,um mau pai, não! É terno, ama-nos muito, como o bom Pastor,que procura a última do seu re-banho. É amor, e a conversãoconsiste nisto: uma graça deDeus. Tu começas a andar, por-que é Ele que te impele a cami-nhar, e verás como Ele há de vir.Reza, caminha e darás sempreum passo em frente.

Maria Santíssima, que de-pois de amanhã celebraremoscomo a Imaculada, nos ajude adesapegar-nos cada vez maisdo pecado e das mundanida-des, para nos abrirmos a Deus,à sua palavra, ao seu amor queregenera e salva!

No final da recitação da prece maria-

na,, o Santo Padre saudou os fiéis pre-sentes na praça, proferindo ainda asseguintes expressões.

Amados irmãos e irmãs!Saúdo de coração todos vósaqui presentes — sois corajosos,com este mau tempo — ro m a -nos e peregrinos, e quantos es-tão sintonizados através dosmeios de comunicação social.

Como vedes, na praça foi le-vantada a árvore de Natal e opresépio está em construção.Durante estes dias, preparam-se também em muitas casas es-tes dois sinais de Natal, para aalegria das crianças... e inclusi-ve dos adultos! São sinais de es-perança, especialmente nestetempo difícil. Não nos limite-mos ao sinal, mas vamos ao sig-nificado, isto é, a Jesus, ao amorde Deus que Ele nos revelou,vamos à bondade infinita queEle fez resplandecer no mundo.Não há pandemia, não há criseque possa apagar esta luz! Dei-xemo-la entrar no nosso cora-ção, e estendamos a mão aosmais necessitados. Assim Deusnascerá de novo em nós e nomeio de nós.

Desejo bom domingo a to-dos. Por favor, não vos esque-çais de rezar por mim. Bom al-moço e até à vista!

[Respondendo às aclama-ções da praça] Os da Imacula-da são simpáticos!

«Confiemo-nos» a Maria, «e digamos deuma vez para sempre “não” ao pecado e “sim”à Graça» para «deixar finalmente de nos fe-charmos em nós mesmos, caindo na hipocri-sia», convidou o Papa no Angelus da soleni-dade da Imaculada Conceição, recitado a 8de dezembro, na praça de São Pedro.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!A festa litúrgica de hoje celebra umadas maravilhas da história da salva-ção: a Imaculada Conceição da Vir-gem Maria. Ela também foi salva porCristo, mas de uma forma extraordi-nária, porque Deus quis que desde omomento da conceção a mãe do seuFilho não fosse tocada pela misériado pecado. E assim Maria, durantetoda a sua vida terrena, foi livre dequalquer mancha de pecado, foi a«cheia de graça» (Lc 1, 28), como oanjo a chamou, e gozou de uma açãosingular do Espírito Santo, para quepudesse manter sempre a sua relaçãoperfeita com o seu Filho Jesus; defacto, foi a discípula de Jesus: a Mãee a discípula. Mas o pecado não esta-va nela.

No magnífico hino que abre a Car-ta aos Efésios (cf. 1, 3-6.11-12), SãoPaulo faz-nos compreender que todoo ser humano é criado por Deus paraaquela plenitude de santidade, paraaquela beleza com que Nossa Senho-ra foi revestida desde o início. A metapara a qual somos chamados é tam-bém para nós um dom de Deus, que— diz o Apóstolo — nos «escolheu an-tes da criação do mundo para sermossantos e imaculados» (v. 4); predesti-nou-nos (cf. v. 5), em Cristo, para es-

tarmos um dia totalmente livres dopecado. E esta é a graça, é gratuita, éum dom de Deus.

E o que para Maria estava no iní-cio, para nós estará no fim, depois determos passado pelo “banho” purifi-cador da graça de Deus. O que nosabre a porta do paraíso é a graça deDeus, recebida por nós com fidelida-de. Todos os santos e santas percorre-ram este caminho. Contudo até osmais inocentes foram marcados pelopecado original e lutaram com todasas forças contra as suas consequên-cias. Passaram pela «porta estreita»que conduz à vida (cf. Lc 13, 24). Esabeis qual foi o primeiro do qual te-mos a certeza que entrou no paraíso,sabeis? Um “patife”: um dos dois queforam crucificados com Jesus. Vol-tou-se para ele e disse: «Jesus, lem-bra-te de mim quando entrares noteu reino». E Ele respondeu: «Hojemesmo estarás comigo no paraíso»(Lc 23, 42-43). Irmãos e irmãs, a graçade Deus é oferecida a todos; e muitosque nesta terra são os últimos, no céuserão os primeiros (cf. Mc 10:31).

Mas cuidado. Não vale a pena seresperto: adiar constantemente umexame sério da própria vida, aprovei-tando-se da paciência do Senhor —Ele é paciente, Ele espera por nós,Ele está sempre presente para nosconceder a graça. Podemos enganaros homens, mas não a Deus, Ele co-nhece o nosso coração melhor do quenós próprios. Aproveitemos o mo-mento presente! Este é o sentido cris-tão de aproveitar o dia: não para des-frutar da vida no momento fugaz,

não, este é o sentido mundano. Masaproveitar o hoje para dizer “não” aomal e “sim” a Deus; abrir-se à suaGraça; deixar finalmente de se fecharem si mesmo, deixando-se levar pelahipocrisia. Enfrentar a própria reali-dade tal como somos; reconhecer quenão amamos a Deus e não amamos onosso próximo como devíamos, econfessá-lo. É assim que se começaum caminho de conversão pedindoprimeiro a Deus perdão no Sacra-mento da Reconciliação, e depois re-parar o mal feito aos outros. Massempre abertos à graça. O Senhor ba-te à nossa porta, bate ao nosso cora-ção para entrar em amizade, em co-munhão connosco, para nos dar asalvação.

E para nós este é o caminho paranos tornarmos “santos e imacula-dos”. A beleza não contaminada danossa Mãe é inimitável, mas ao mes-mo tempo atrai-nos. Confiemo-nos aela, e digamos de uma vez para sem-pre “não” ao pecado e “sim” à Gra-ça.

No final da prece mariana, o Santo Padresaudou os fiéis presentes e recordou que «paraevitar o risco de uma aglomeração», foi demanhã cedo à praça de Espanha para home-nagear a Imaculada.

Amados irmãos e irmãs!Saúdo-vos a todos, fiéis de Roma eperegrinos de vários países. E saúdoo grupo da Imaculada, hoje, na festada Imaculada: muito bem, estão sem-pre aqui!

Hoje, os sócios da Ação Católica

Italiana renovam a adesão à Associa-ção. Envio-lhes as minhas saudaçõese o meu desejo de bom caminho. Re-zo “para que Cristo seja formado emvós” — como escreve São Paulo — epara que sejais artesãos de fraternida-de.

Saúdo os representantes do Muni-cípio de Rocca di Papa, que hoje —de acordo com a tradição — acende-rão a estrela de Natal na “Fo r t a l e z a ”da cidade. Que a luz de Cristo ilumi-ne sempre a vossa comunidade.

Como sabeis, a homenagem tradi-cional à Imaculada Conceição não

terá lugar esta tarde na Praça de Es-panha, a fim de evitar o risco de umaaglomeração, tal como disposto pelasautoridades civis, às quais devemosobedecer. Mas isto não nos impedede oferecer à nossa Mãe as flores quemais lhe agradam: a oração, a peni-tência, o coração aberto à Graça.Contudo, esta manhã, cedo, fui pri-vadamente à Praça de Espanha, e de-pois a Santa Maria Maior, onde cele-brei a Missa.

Desejo-vos a todos boa festa. Epor favor não vos esqueçais de rezarpor mim. Bom almoço e até à vista!

Estimados irmãos e irmãs,bom dia!

O Evangelho deste domingo(Mc 1, 1-8) apresenta a figura e aobra de João Batista. Ele indi-cou aos seus contemporâneosum itinerário de fé semelhanteao que o Advento nos propõe, anós que nos preparamos parareceber o Senhor no Natal. Es-te itinerário de fé é um itinerá-rio de c o n v e rs ã o . O que significaa palavra “conversão”? Na Bí-blia, em primeiro lugar signifi-ca mudar de rumo e de orienta-ção; e portanto mudar tambémo modo de pensar. Na vida mo-ral e espiritual, converter-se sig-nifica passar do mal para obem, do pecado para o amor deDeus. Era isto que ensinavaJoão Batista, que no deserto daJudeia «pregava um batismode conversão para a remissãodos pecados» (v. 4). Receber obatismo era sinal externo e visí-vel da conversão de quantosouviam a sua pregação e deci-diam fazer penitência. Aquelebatismo ocorria com a imersão