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Preço € 1,50. Número atrasado € 3,00 L ’O SSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS Unicuique suum Non praevalebunt Ano LII, número 1 (2.698) terça-feira 5 de janeiro de 2021 Cidade do Vaticano Mudança de ritmo No Angelus de 1 de janeiro, a prece e a preocupação do Papa Francisco pelas crianças do Iémen Sem educação sem medicamentos, famintas «Sem educação, sem medicamentos, famintas», as crianças do Iémen ocupam um lugar especial no cora- ção do Papa Francisco, que no primeiro Angelus do ano novo quis manifestar «pesar e preocupação pelo agravamento da escalada das violências» naquele país árabe, que causam «numerosas vítimas inocentes», sobretudo entre os mais pequeninos, exaustos pela falta de alimentos. Assim, a oração do Pontífice fez-se também apelo «a fim de que se envidem esforços para encontrar soluções que permitam o regresso da paz àquelas martirizadas populações». O bispo de Roma quis presidir à recitação do Angelus, não obstante a dolorosa ciática que o tinha obrigado a renunciar às tradicionais celebrações de 31 de dezembro e de 1 de janeiro na Basílica de São Pedro, presididas respetivamente pelo cardeal decano e pelo secretário de Es- tado. Ambos os purpurados leram as homilias preparadas pelo Pontífice para a circunstância. PÁGINAS 3, 4 E 5 NESTE NÚMERO Audiência geral de quarta-feira O mundo torna-se melhor com um “obrigado” PÁGINA 2 Carta apostólica acerca de algumas competências em matéria económico-financeira Uma melhor organização PÁGINA 6 Diácono permanente na guia de uma paróquia portuguesa com o apoio dos jesuítas A vindima é grande PÁGINA 7 Angelus de 3 de janeiro Um ano para cuidar uns dos outros PÁGINA 8 ANDREA MONDA O Santo Padre disse-o e repetiu-o várias vezes durante o longo ano de 2020 que já terminou: a crise transforma- nos, no fim da crise somos diferentes do que éramos antes, melhores ou piores, mas di- ferentes. No último dia do ano, uma dolorosa inflama- ção do nervo ciático bloqueou o Papa, que não pôde presidir aos ritos do fim e do início do ano. Não é novidade esta sua dor no nervo ciático, mas a coincidência temporal impressiona e faz reper- cutir o pequeno e simples episódio “clínico”, le- vando-o a um nível simbólico. O pensamento vai ao texto bíblico e em particular à dor ciática que atinge Jacob, no final do encontro-confronto no- turno com o anjo do Senhor no vau de Jaboc. É o episódio da luta de Jacob com Deus (Gn 32, 23- 33), um «acontecimento misterioso», como obser- vou Romano Guardini, que «afunda na memória e nela permanece gravado. Talvez não o compre- endamos, ou sintamos que está repleto da realida- de mais sagrada. Refletimos sobre ele, extraímo-lo e encontramos sempre algo mais». No final do episódio, após a extenuante luta noturna, chega a aurora e com o nascer do sol vemos que Jacob co- xeia «porque ele tinha atingido a articulação da coxa de Jacob no nervo ciático». A luta, um com- bate corpo a corpo cheio de surpresas, teve lugar durante toda a noite, quando «Jacob estava sozi- nho». Este ano de 2020 foi a longa noite em que a hu- manidade esteve sozinha, travando uma luta exte- nuante da qual somente nestes últimos dias pode- mos entrever o fim, o novo nascer do sol. Deste ano todos recordarão as imagens de 27 de março, com o Papa sozinho debaixo da chuva, no crepús- culo de uma tarde escura, que na desolação da praça de São Pedro saiu para implorar o Senhor, quase como Noé que sob o dilúvio pediu a salva- ção em nome de todos. O Papa Francisco como Noé, mas agora também como Jacob, que cami- nha à luz da aurora com maior sentido de força e confiança, porque pediu e recebeu a bênção da parte do anjo do Senhor, ouvindo as suas pala- vras: «Lutaste com Deus e com os homens, e ven- ceste!». Não é o mesmo Francisco de antes, de há um ano, como aconteceu com o patriarca bíblico (a quem Deus também mudou de nome, de Jacob para Israel), e ambos coxeiam. Tiveram que mu- dar o ritmo. É a crise que obriga a isto: é o tempo propício para a mudança, para a conversão. Uma mudança de ritmo; isto é necessário para cruzar o limiar de um tempo inédito, promissor de uma nova luz. Só mudando o ritmo, o modo habitual de caminhar, podemos ver o mundo de outra perspetiva. Quem se obstina a caminhar como an- tes permanecerá com a rigidez de um rigor mortis, mas quem reconhecer que a crise chegou e, con- fundindo-nos, atingiu todos nós, sem distinções, então viverá. Há um “indicador” que revela se esta mudança se verificou realmente em profundidade ou se foi apenas um acontecimento emocional e superfi- cial, e até este pormenor sobressai do episódio bí- blico: o “indicador” é a nossa relação com os ir- mãos. Jacob está ali, sozinho, no vau do rio, na angústia do encontro iminente com o temido ir- mão Esaú. Só depois do encontro-confronto com Deus poderá abraçar e reconciliar-se com o irmão. Este é o caminho que o Papa Francisco nos indica com a encíclica Fratelli tutti, pensada antes mas aca- bada de escrever durante a pandemia: no momen- to da crise a saída consiste em pedir a Deus a força para se abrir aos outros, para cuidar dos irmãos, rompendo as correntes do vitimismo e do narcisis- mo. Seremos cuidados se cuidarmos dos outros. Há um vau à nossa frente que devemos atravessar, e podemos fazê-lo, mas só se estivermos prontos para esta dolorosa e vital mudança de ritmo.

Preço 1,50. Número atrasado 3,00 LOSSERVATORE ROMANO...Enquanto Jesus está a ca-minho, dez leprosos vão ao seu encontro e imploram: «Jesus, Mestre, tem piedade de nós!» (17,

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Preço € 1,50. Número atrasado € 3,00

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS

Unicuique suum Non praevalebunt

Ano LII, número 1 (2.698) terça-feira 5 de janeiro de 2021Cidade do Vaticano

Mudança de ritmo

No Angelus de 1 de janeiro, a prece e a preocupação do Papa Francisco pelas crianças do Iémen

Sem educaçãosem medicamentos, famintas

«Sem educação, sem medicamentos, famintas», as crianças do Iémen ocupam um lugar especial no cora-ção do Papa Francisco, que no primeiro Angelus do ano novo quis manifestar «pesar e preocupação peloagravamento da escalada das violências» naquele país árabe, que causam «numerosas vítimas inocentes»,sobretudo entre os mais pequeninos, exaustos pela falta de alimentos. Assim, a oração do Pontífice fez-setambém apelo «a fim de que se envidem esforços para encontrar soluções que permitam o regresso da pazàquelas martirizadas populações». O bispo de Roma quis presidir à recitação do Angelus, não obstante adolorosa ciática que o tinha obrigado a renunciar às tradicionais celebrações de 31 de dezembro e de 1 dejaneiro na Basílica de São Pedro, presididas respetivamente pelo cardeal decano e pelo secretário de Es-tado. Ambos os purpurados leram as homilias preparadas pelo Pontífice para a circunstância.

PÁGINAS 3, 4 E 5

NESTE NÚMERO

Audiência geral de quarta-feira

O mundotorna-se melhorcom um “obrigado”

PÁGINA 2

Carta apostólicaacerca de algumas competênciasem matéria económico-financeira

Uma melhoro rg a n i z a ç ã o

PÁGINA 6

Diácono permanente na guiade uma paróquia portuguesacom o apoio dos jesuítas

A vindima é grande

PÁGINA 7

Angelus de 3 de janeiro

Um anopara cuidaruns dos outros

PÁGINA 8

ANDREA MONDA

OSanto Padre disse-o e repetiu-o váriasvezes durante o longo ano de 2020que já terminou: a crise transforma-nos, no fim da crise somos diferentes

do que éramos antes, melhores ou piores, mas di-f e re n t e s .

No último dia do ano, uma dolorosa inflama-ção do nervo ciático bloqueou o Papa, que nãopôde presidir aos ritos do fim e do início do ano.Não é novidade esta sua dor no nervo ciático, masa coincidência temporal impressiona e faz reper-cutir o pequeno e simples episódio “clínico”, le-vando-o a um nível simbólico. O pensamento vaiao texto bíblico e em particular à dor ciática queatinge Jacob, no final do encontro-confronto no-turno com o anjo do Senhor no vau de Jaboc. É oepisódio da luta de Jacob com Deus (Gn 32, 23-33), um «acontecimento misterioso», como obser-vou Romano Guardini, que «afunda na memóriae nela permanece gravado. Talvez não o compre-endamos, ou sintamos que está repleto da realida-de mais sagrada. Refletimos sobre ele, extraímo-loe encontramos sempre algo mais». No final doepisódio, após a extenuante luta noturna, chega aaurora e com o nascer do sol vemos que Jacob co-

xeia «porque ele tinha atingido a articulação dacoxa de Jacob no nervo ciático». A luta, um com-bate corpo a corpo cheio de surpresas, teve lugardurante toda a noite, quando «Jacob estava sozi-nho».

Este ano de 2020 foi a longa noite em que a hu-manidade esteve sozinha, travando uma luta exte-nuante da qual somente nestes últimos dias pode-mos entrever o fim, o novo nascer do sol. Desteano todos recordarão as imagens de 27 de março,com o Papa sozinho debaixo da chuva, no crepús-culo de uma tarde escura, que na desolação dapraça de São Pedro saiu para implorar o Senhor,quase como Noé que sob o dilúvio pediu a salva-ção em nome de todos. O Papa Francisco comoNoé, mas agora também como Jacob, que cami-nha à luz da aurora com maior sentido de força econfiança, porque pediu e recebeu a bênção daparte do anjo do Senhor, ouvindo as suas pala-vras: «Lutaste com Deus e com os homens, e ven-ceste!». Não é o mesmo Francisco de antes, de háum ano, como aconteceu com o patriarca bíblico(a quem Deus também mudou de nome, de Jacobpara Israel), e ambos coxeiam. Tiveram que mu-dar o ritmo. É a crise que obriga a isto: é o tempopropício para a mudança, para a conversão. Umamudança de ritmo; isto é necessário para cruzar o

limiar de um tempo inédito, promissor de umanova luz. Só mudando o ritmo, o modo habitualde caminhar, podemos ver o mundo de outraperspetiva. Quem se obstina a caminhar como an-tes permanecerá com a rigidez de um rigor mortis,mas quem reconhecer que a crise chegou e, con-fundindo-nos, atingiu todos nós, sem distinções,então viverá.

Há um “indicador” que revela se esta mudançase verificou realmente em profundidade ou se foiapenas um acontecimento emocional e superfi-cial, e até este pormenor sobressai do episódio bí-blico: o “indicador” é a nossa relação com os ir-mãos. Jacob está ali, sozinho, no vau do rio, naangústia do encontro iminente com o temido ir-mão Esaú. Só depois do encontro-confronto comDeus poderá abraçar e reconciliar-se com o irmão.Este é o caminho que o Papa Francisco nos indicacom a encíclica Fratelli tutti, pensada antes mas aca-bada de escrever durante a pandemia: no momen-to da crise a saída consiste em pedir a Deus a forçapara se abrir aos outros, para cuidar dos irmãos,rompendo as correntes do vitimismo e do narcisis-mo. Seremos cuidados se cuidarmos dos outros.Há um vau à nossa frente que devemos atravessar,e podemos fazê-lo, mas só se estivermos prontospara esta dolorosa e vital mudança de ritmo.

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L’OSSERVATORE ROMANOpágina 2 terça-feira 5 de janeiro de 2021, número 1

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS

Unicuique suum Non praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

RedaçãoPiazza Pia, 3 - 00193 Romatelefone +39 06 698 45856

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Catequese - Sobre a oração

O mundo torna-se melhorcom um “obrigado”

«O mundo precisa de esperança ecom a gratidão... transmitimos umpouco de esperança», frisou o PapaFrancisco durante a audiência geralde quarta-feira, 30 de dezembro,realizada na Biblioteca particulardo Palácio apostólico do Vaticano,ainda sem a presença de fiéis, pararespeitar as normas anticovid. Reto-mando as catequeses sobre a oração— interrompidas na semana passa-da para falar a respeito do Natal— o Sumo Pontífice insistiu sobre aprece de ação de graças.

Estimados irmãos e irmãs,bom dia!Hoje gostaria de meditar so-bre a oração de ação de gra-ças. Inspiro-me num episódionarrado pelo evangelista Lu-cas. Enquanto Jesus está a ca-minho, dez leprosos vão aoseu encontro e imploram:«Jesus, Mestre, tem piedadede nós!» (17, 13). Sabemosque para os doentes de lepra,o sofrimento físico era acom-panhado de marginalizaçãosocial e de marginalização re-ligiosa. Eram marginalizados.Jesus não evita um encontrocom eles. Muitas vezes vaialém dos limites impostos pe-las leis e toca o doente — oque não se podia fazer —abraça-o, cura-o. Neste caso,não há contacto. À distância,Jesus convida-os a apresentar-se aos sacerdotes (v. 14), que,segundo a lei, estavam encar-regados de certificar a cura.Jesus não diz mais nada. Ou-viu o seu pedido, ouviu o seugrito de piedade, e envia-osimediatamente aos sacerdo-tes.

Aqueles dez confiam n’Ele,não permanecem lá até aomomento de serem curados,não: confiam e partem ime-diatamente, e enquanto cami-nham, os dez são curados.Então, os sacerdotes pode-riam ter verificado a sua curae readmiti-los na vida normal.Mas aqui está o ponto maisimportante: daquele grupo,apenas um, antes de ir tercom os sacerdotes, volta paraagradecer a Jesus e louvar aDeus pela graça recebida. Sóum, os outros nove conti-nuam o caminho. E Jesus ob-serva que aquele homem erasamaritano, uma espécie de“h e re g e ” para os judeus da-quela época. Jesus comenta:«Não houve quem voltassepara dar glória a Deus, senãoeste estrangeiro?» (17, 18). Anarração é comovedora!

Esta narração, por assimdizer, divide o mundo emdois: os que não agradecem eos que o fazem; os que to-mam tudo como se lhes fossedevido, e os que aceitam tudocomo dom, como graça. OCatecismo escreve: «Qualqueracontecimento e qualquer ne-cessidade podem transformar-

se em oferenda de ação degraças» (n. 2638). A oraçãode ação de graças começasempre a partir do reconhe-cer-se precedidos pela graça.Fomos pensados antes queaprendêssemos a pensar; fo-mos amados antes que apren-dêssemos a amar; fomos dese-jados antes que brotasse umdesejo no nosso coração. Seolharmos para a vida destaforma, então o “agradecimen-to” torna-se o motivo-guiados nossos dias. Muitas vezesesquecemos até de dizer“obrigado”.

Para nós, cristãos, a açãode graças deu o nome ao Sa-cramento mais essencial queexiste: a Eucaristia. Com efei-to, a palavra grega significaexatamente isto: a g ra d e c i m e n t o .Como todos os crentes, oscristãos bendizem a Deus pe-lo dom da vida. Viver é, so-bretudo, ter recebido a vida.Todos nós nascemos porquealguém desejou a vida paranós. E esta é apenas a primei-ra de uma longa série de dí-vidas que contraímos viven-do. Dívidas de gratidão. Nanossa existência, mais do queuma pessoa nos fitou com umolhar puro, gratuitamente.Muitas vezes são educadores,catequistas, pessoas que de-sempenharam o seu papelalém da medida exigida pelodever. E eles fizeram surgirem nós a gratidão. A amizadeé também um dom pelo qualdevemos estar sempre gratos.

Este “obrigado”, que deve-mos pronunciar continuamen-

te, este obrigado que o cris-tão partilha com todos, dila-ta-se no encontro com Jesus. OsEvangelhos atestam que apassagem de Jesus suscitavafrequentemente alegria e lou-vor a Deus naqueles que oencontravam. As histórias deNatal são povoadas de oran-tes, cujos corações foram alar-gados pela vinda do Salva-dor. E também nós fomoschamados a participar nesteimenso júbilo. Isto também ésugerido pelo episódio dosdez leprosos que foram cura-dos. Naturalmente, todos elesficaram felizes por ter recupe-rado a saúde, podendo assimsair daquela interminávelquarentena forçada que os ex-cluía da comunidade. Masentre eles havia um que acres-centou alegria à alegria: alémda cura, regozijou-se por terencontrado Jesus. Não só estálivre do mal, mas agora tam-bém tem a certeza de seramado. Este é o núcleo:quando agradeces, expressasa certeza de seres amado. Es-te é um passo grande: ter acerteza de ser amado. É adescoberta do amor como aforça que governa o mundo.Dante disse: o Amor «quemove o sol e as outras estre-las» (P a ra í s o , XXXIII, 145). Jánão somos viajantes que va-gueiam por aqui e por ali,não: temos uma casa, habita-mos em Cristo, e desta “mo-rada” contemplamos o restodo mundo, e parece-nos infi-nitamente mais bonito. So-mos filhos do amor, somos ir-

mãos do amor. Somos ho-mens e mulheres de graça.

Portanto, irmãos e irmãs,procuremos estar sempre naalegria do encontro com Je-sus. Cultivemos a alegria. Odiabo, ao contrário, depois denos ter enganado — comqualquer tentação — deixa-nos sempre tristes e sozinhos.Se estivermos em Cristo, ne-nhum pecado nem ameaçanos pode impedir de conti-nuar o nosso percurso comalegria, com os nossos nume-

rosos companheiros de cami-nho.

Acima de tudo, não deixe-mos de agradecer: se formosportadores de gratidão, omundo também se tornarámelhor, talvez só um pouco,mas é suficiente para lhetransmitir alguma esperança.O mundo precisa de esperan-ça e com a gratidão, com estaatitude de dizer obrigado,transmitimos um pouco deesperança. Tudo está unido,tudo está interligado, e cada

um pode desempenhar a suaparte onde quer que esteja. Ocaminho para a felicidade éaquele que São Paulo descre-veu no final de uma das suascartas: «Orai sem cessar. Daigraças em todas as circuns-tâncias, pois a respeito de vósesta é a vontade de Deus, emJesus Cristo. Não extingais oEspírito!» (1 Ts 5, 17-19). Nãoextingais o Espírito, bomprograma de vida! Não extin-guir o Espírito que temosdentro e que nos leva à grati-dão.

No final da audiência geral, o San-to Padre manifestou a sua proximi-dade à «querida população croata»— atingida no dia anterior por umtremor de terra que «causou víti-mas e prejuízos enormes» — e de-pois saudou os vários grupos defiéis, entre os quais os de expressãoportuguesa.

Ontem, um terramoto causouvítimas e grandes danos naCroácia. Expresso a minhaproximidade aos feridos e àspessoas atingidas pelo sismo,e rezo em particular porquantos perderam a vida epelos seus familiares. Esperoque as autoridades do país,com a ajuda da comunidadeinternacional, em breve pos-sam aliviar o sofrimento doquerido povo croata.

Queridos irmãos e irmãs,no último domingo celebra-mos a Festa da Sagrada Fa-mília. Aprendamos de SãoJosé e da Virgem Maria, quecuidaram com tanto amor doMenino Jesus, a amar sempremais aqueles que Deus nosconfiou. Abençoo-vos de co-ração, desejando-vos um sere-no e feliz Ano Novo!

Mensagem aos jovens de Taizé

Não a quem semeia desespero e desconfiançaOs jovens cristãos não podem estar entre aqueles «que semeiam o de-sespero e suscitam a desconfiança constante» porque isso significaria«neutralizar a força da esperança oferecida pelo Espírito de Cristo Res-suscitado», escreveu o Papa Francisco numa mensagem assinada pelocardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, enviada no dia 26 de de-zembro aos participantes no 43º Encontro europeu, animado pela comu-nidade de Taizé (27 de dezembro — 1 de janeiro), que este ano se rea-lizou online devido à pandemia. Tema dos trabalhos: «Esperar no tempobom e mau».

Queridos jovens!Há mais de quarenta anos que a comunidade de Taizé pre-para todos os anos um encontro europeu numa grande ci-dade do continente, na qual participam várias gerações dejovens. O Papa Francisco tem o prazer, também este ano, dese unir a vós em pensamento e oração. Uma vez que a si-tuação sanitária não permitiu desta vez a reunião, destesprovas de criatividade e imaginação: embora distantes, es-tais ligados de uma forma sem precedentes graças aos novosmeios de comunicação. E ao mesmo tempo alargais o en-contro a jovens de todos os continentes. Que estes dias, du-rante os quais rezais juntos e vos apoiais mutuamente na fée na confiança, vos ajudem a «esperar no tempo bom emau», como sublinha o tema da mensagem que vos acom-panhará ao longo de 2021.

O próprio facto de vos “e n c o n t r a rd e s ”, mesmo que exce-cionalmente o façais de modo virtual, já vos coloca no ca-

minho da esperança. Como o Santo Padre reafirmou na suaencíclica Fratelli tutti, «Ninguém pode enfrentar a vida isola-damente (…); precisamos duma comunidade que nos apoie,que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamentea olhar em frente» (n. 8). Não estejais entre aqueles que se-meiam o desespero e suscitam desconfiança constante, poisisso significaria neutralizar a força da esperança que nos éoferecida pelo Espírito de Cristo Ressuscitado. Pelo contrá-rio, deixai-vos habitar por esta esperança; ela dar-vos-á a co-ragem de seguir Cristo e de trabalhar em conjunto com epelos mais necessitados, especialmente aqueles que lutampara lidar com as dificuldades do tempo presente. «A espe-rança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pes-soais, das pequenas seguranças e compensações que redu-zem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tor-nam a vida mais bela e digna. Caminhemos na esperança!»(Fratelli tutti, 55). Que no decurso deste ano possais conti-nuar a desenvolver uma cultura do encontro e da fraterni-dade e caminhar juntos para esse horizonte de esperança re-velado pela Ressurreição de Cristo.

O Santo Padre abençoa cada um de vós, queridos jovens,abençoa também os irmãos da comunidade de Taizé, bemcomo as vossas famílias e todos aqueles que em todo omundo estão a participar convosco neste encontro interna-cional.

Cardeal Pietro ParolinSecretário de Estado de Sua Santidade

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L’OSSERVATORE ROMANOnúmero 1, terça-feira 5 de janeiro de 2021 página 3

Primeiras vésperas da solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e «Te Deum» no final do ano civil

Compaixão e solidariedadepara dar “sentido” à pandemia

Devido a uma dolorosa ciática, o Pa-pa Francisco não pôde presidir às ce-lebrações programadas para a noitede 31 de dezembro e para a manhã se-guinte no altar da Cátedra, na basí-lica de São Pedro. Na tarde de 31 dedezembro, o cardeal decano, GiovanniBattista Re, presidiu na basílica deSão Pedro às primeiras vésperas dasolenidade de Maria SantíssimaMãe de Deus, às quais se seguiram aexposição do Santíssimo Sacramento,o tradicional cântico do hino «TeDeum» no final do ano civil e a bên-ção eucarística. Publicamos a homiliapreparada pelo Pontífice e lida pelopurpurado, que a introduziu com asseguintes palavras: «Leio o texto queo Santo Padre, Papa Francisco, tinhapreparado para esta circunstância».

Caríssimos irmãos e irmãs!Esta celebração das Vésperastem sempre um duplo aspeto:com a liturgia entramos na so-lene festa de Maria SantíssimaMãe de Deus; e, ao mesmotempo, concluímos o ano so-lar, com o grande hino de lou-v o r.

O primeiro aspeto seráabordado na homilia de ama-nhã de manhã. Esta noite da-mos graças pelo ano que chegaao fim.

«Te Deum laudamus», «Nósvos louvamos, Deus, vos pro-clamamos Senhor...». Poderiaparecer forçado dar graças aDeus no final de um ano comoeste, marcado pela pandemia.O pensamento dirige-se às fa-mílias que perderam um oumais membros; pensemos emquantos estiveram doentes,nos que sofreram a solidão, emquem perdeu o trabalho...

Às vezes alguém pergunta:qual é o sentido de um dramacomo este? Não devemos terpressa para responder a estainterrogação. Nem sequerDeus responde aos nossos“p orquês” mais angustiados,recorrendo a “razões superio-re s ”. A resposta de Deus per-corre o caminho da encarna-ção, como em breve cantará aAntífona ao Ma g n i f i c a t : « Pe l ogrande amor com que nosamou, Deus enviou o seu Fi-lho em carne de pecado».

Um Deus que sacrificasse osseres humanos por um grandedesígnio, mesmo que fosse omelhor possível, não é certa-mente o Deus que nos revelouJesus Cristo. Deus é Pai, «Pai

eterno», e se o seu Filho se fezhomem, foi pela imensa com-paixão do coração do Pai.Deus é Pai e pastor, e que pas-tor renunciaria a uma só ove-lha, pensando que contudo lherestam muitas? Não, este Deuscínico e impiedoso não existe.Este não é o Deus que nós«louvamos» e «proclamamosSenhor».

Quando o bom samaritanoencontrou aquele pobre ho-mem meio morto à beira da es-trada, não lhe fez um discursopara explicar o significado doque lhe tinha acontecido, tal-vez para o convencer de queafinal era para o bem dele. Mo -vido pela compaixão, o samaritanoinclinou-se sobre aquele estra-nho, tratando-o como irmão, ecuidou dele, fazendo tudo o quelhe era possível (cf. Lc 10, 25-37).

Aqui, sim, talvez possamosencontrar um “sentido” destedrama que é a pandemia, bemcomo de outros flagelos queatingem a humanidade: o desuscitar em nós a compaixão eprovocar atitudes e gestos deproximidade, de cuidado, desolidariedade, de afeto.

Foi o que aconteceu e acon-tece também em Roma, duran-te estes meses; e principalmen-te por isto, esta noite, damosgraças a Deus. Damos graças aDeus pelas coisas boas queaconteceram na nossa cidadedurante o confinamento e, emgeral, no tempo da pandemia,que infelizmente ainda nãoterminou. Há muitas pessoasque, sem fazer barulho, procu-raram tornar mais suportável ofardo da provação. Com o seucompromisso diário, animadospelo amor ao próximo, elescumpriram estas palavras dohino Te Deum: «Todos os diasvos abençoamos, louvamos ovosso nome para sempre!».Pois a bênção e o louvor queDeus mais aprecia é o amorfraterno!

Os profissionais da saúde —médicos, enfermeiras, enfer-meiros, voluntários — encon-tram-se na linha da frente, epor este motivo estão nas nos-sas orações e merecem a nossagratidão; assim como numero-sos sacerdotes, religiosas e reli-giosos, que se prodigalizaramcom generosidade e dedicação.Mas esta noite o nosso agrade-

cimento estende-se a todosaqueles que, cada dia, se esfor-çam por manter as suas famí-lias da melhor maneira possí-vel e àqueles que estão com-prometidos ao serviço do bemcomum. Pensemos nos diri-gentes escolares e nos profes-sores, que desempenham umpapel essencial na vida social eque enfrentam uma situaçãomuito complexa. Pensemostambém com gratidão nos ad-ministradores públicos que sa-bem valorizar todos os bons

No ano do distanciamento a proximidade do Papa

recursos presentes na cidade eno território, que estão desape-gados dos interesses particula-res e inclusive dos interessesdos do seu partido. Porquê?Porque procuram verdadeira-mente o bem de todos, o bemcomum, o bem a partir dosmais desfavorecidos.

Tudo isto não pode verifi-car-se sem a graça, sem a mise-ricórdia de Deus. Nós — comobem sabemos por experiência— nos momentos difíceis so-mos levados a defender-nos —

é natural — somos levados aproteger-nos, a nós próprios eaos nossos entes queridos, asalvaguardar os nossos interes-ses... Então, como é possívelque tantas pessoas, sem outrarecompensa a não ser a de fa-zer o bem, encontram a forçapara se preocupar com o pró-ximo? O que os leva a renun-ciar de algo de si, do seu con-forto, do seu tempo, dos seusbens, para os dar aos outros?No fundo, mesmo que elespróprios não pensem nisto,

são impelidos pela força deDeus, que é mais poderosa doque os nossos egoísmos. É poreste motivo que esta noite olouvamos, pois acreditamos esabemos que todo o bem quese realiza dia após dia na terra,no fim de contas, vem d’Ele,vem de Deus. E olhando parao futuro que nos espera, nova-mente imploremos: «Que avossa misericórdia esteja sem-pre connosco, em Vós espera-mos!». Em Vós estão a nossaconfiança e a nossa esperança!

ANDREA TORNIELLI

Oano de 2020 do Papa Francisco, assim como de cadaum de nós, foi profundamente marcado pela pande-mia. Nenhuma viagem, poucas audiências geraiscom a presença limitada de pessoas no final do ve-rão, depois novamente interrompidas com a chegadada segunda vaga de contágios, celebrações públicasde forma reduzida, com a participação de pequenosgrupos de fiéis. Faltaram a proximidade diária daspessoas, o contacto físico feito de abraços, apertos demão, palavras sussurradas com lágrimas nos olhos,bênçãos na testa, olhares que se cruzam e se encon-tram. Também Francisco, à sua maneira, teve quedesempenhar a sua missão à distância, permanecen-do em casa, conectando-se de modo virtual, multi-plicando os contactos telefónicos.

O ano do Papa Francisco foi marcado pelas pala-vras da exortação Querida Amazonia, que reuniu o dis-cernimento do Sínodo de outubro de 2019 e foi pu-blicada nas vésperas do surto da pandemia: uma vi-gorosa exortação a olhar para quanto acontece na-quela região esquecida. A indicação de caminhosconcretos para uma ecologia humana, que tenha emconsideração os pobres, para a valorização das cultu-ras e para uma Igreja missionária com um rosto ama-zónico. Quando parecia que a Covid-19 concediauma trégua, pelo menos na Itália, Francisco retomouas audiências gerais com os fiéis, propondo-lhes umciclo de catequeses sobre o futuro que queremosconstruir depois da pandemia. Por fim, no passadomês de outubro, o dom de uma nova encíclica, Fra t e l l itutti, que indicou a fraternidade e a amizade socialcomo resposta às sombras do ódio, da violência e doegoísmo, que às vezes parecem prevalecer no nossomundo desfigurado não só pelo coronavírus, maspor guerras, injustiças, pobrezas e mudanças climáti-cas.

Na memória de todos, o acontecimento simbólicodo ano que findou permanece o do dia 27 de março,com a Statio Orbis, a súplica a Deus para intervir e aju-dar a humanidade atingida pela pandemia: Francis-co sozinho, debaixo da chuva, numa praça de SãoPedro desoladamente vazia, como nunca, e ao mes-mo tempo nunca tão cheia, graças a milhões de pes-soas do mundo inteiro, ligadas em mundovisão para

rezar em silêncio. O Papa que sobe lentamente oslargos degraus para chegar ao adro, recordando-nosque estamos todos no mesmo barco, impossibilita-dos de nos salvar sozinhos; o Papa que beija os pésdo Crucifixo de São Marcelo, levado em procissãopelos romanos contra a peste; o Papa que abençoa acidade e o mundo com o Santíssimo, enquanto nofundo se ouvem as sirenes numa Roma paralisadapelo confinamento.

Mas houve outro acontecimento do dia a dia, me-nos impressionante e contudo mais importante, quepermitiu que Francisco acompanhasse milhões depessoas do mundo inteiro na primeira parte do anode 2020, durante o tempo do medo e da desorienta-ção. Foi a Missa do dia, celebrada na capela da CasaSanta Marta às 7h da manhã: durante três meses oSucessor de Pedro bateu suavemente às portas dasnossas casas, convidando-nos a não ouvir grandesdiscursos nem longas catequeses, mas sobretudo aprestar atenção às palavras das Escrituras, comenta-das com breves homilias improvisadas e seguidas,depois da celebração eucarística, por alguns minutosde adoração silenciosa diante do Santíssimo. Cadamanhã, cada meio-dia ou cada tarde, segundo o fusohorário, numerosas pessoas, até não praticantes enão crentes, se sintonizavam através da rádio, da te-levisão, em streaming, para ouvir a mensagem doEvangelho e a voz do Bispo de Roma, que se tornoupároco do mundo. E se as imagens do Papa sozinhona praça, a 27 de março impressionaram, comoveramainda mais aquelas dos numerosos fiéis ajoelhadosdurante a consagração diante de um ecrã ou de umsmartphone, das Américas à Europa, da China àÁfrica. A sobriedade essencial daquelas celebrações,precedidas por breves preces pelas categorias maisatingidas pela Covid-19, fez companhia, ofereceuvislumbres de esperança, ajudou a rezar, levando asentir-nos menos sozinhos, isolados, abandonados.A proximidade ao povo de Deus, o acompanhamen-to alcançado com aquelas missas partilhadas nosecrãs do mundo inteiro, tornou evidente o que signi-fica, para o Papa, ser pastor da Igreja universal, in-tercessor a favor da humanidade ferida, testemunhado Evangelho em ação em toda a família humana, demuitas maneiras frequentemente imprevisíveis e es-condidas.

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Missa e Angelus na solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e 54º Dia mundial da paz

Será um bom anose cuidarmos do próximo

Devido a uma dolorosa ciática, o PapaFrancisco também não pôde presidir àcelebração da solenidade de Maria San-tíssima Mãe de Deus e 54º Dia mun-dial da paz — desta vez dedicado ao te-ma «A cultura do cuidado como percur-so de paz». Celebrou no seu lugar, noAltar da Cátedra da basílica de SãoPedro, o cardeal secretário de Estado,Pietro Parolin. Publicamos a seguir ahomilia preparada pelo Pontífice e lidapelo purpurado.

Ab ençoar. No livro dos Números,o Senhor pede aos ministros sa-grados que abençoem o seu po-vo. «Abençoareis os filhos de Is-rael. Dizei-lhes: “O Senhor teab enço e”» (6, 23-24). Não se tra-ta de uma exortação piedosa,mas de uma exigência concreta.Também hoje é importante queos sacerdotes abençoem incansa-velmente o Povo de Deus, e quetodos os fiéis sejam também por-tadores de bênção e abençoem.O Senhor sabe que precisamosde ser abençoados: a primeiracoisa que Ele fez depois da cria-ção foi bendizer — dizer bem — de-clarar boa cada coisa e declarar-nos, a nós humanos, muito bons.Mas agora, com o Filho deDeus, não recebemos apenas pa-lavras de bênção, mas a bênçãoem pessoa: Jesus é a bênção doPai. N’Ele — diz São Paulo — oPai abençoa-nos «com toda a es-pécie de bênçãos» (Ef 1, 3). Sem-pre que abrimos o coração a Je-sus, entra na nossa vida a bênçãode Deus.

Hoje celebramos o Filho deDeus, o Bendito por natureza,que vem a nós através da suaMãe, a bendita por graça. Mariatraz-nos, assim, a bênção deDeus. Onde estiver Ela, chegaJesus. Por isso, precisamos de aacolher, como Santa Isabel que,

imediatamente depois de a fazerentrar em casa, A reconhece co-mo uma bênção, dizendo: «Ben-dita és Tu entre as mulheres, ebendito é o fruto do teu ventre»(Lc 1, 42). São as palavras que re-petimos na Ave Maria. Ao darespaço a Maria, não só ficamosabençoados, mas aprendemostambém a abençoar. Com efeito,Nossa Senhora ensina que a bên-ção se recebe para a dar. Ela, abendita, foi uma bênção para to-das as pessoas que encontrou:para Isabel, para os esposos emCaná, para os Apóstolos no Ce-náculo... Também nós somoschamados a abençoar, a bendizerem nome de Deus. O mundo es-tá gravemente poluído pelo di-zer mal e pensar mal dos outros,da sociedade, de nós mesmos.De facto, a maledicência corrom-pe, faz degenerar tudo, enquan-to a bênção regenera, dá forçapara recomeçar cada dia. Peça-mos à Mãe de Deus a graça desermos jubilosos portadores dabênção de Deus para os outros,como Ela o é para nós.

Nascer é o segundo verbo. SãoPaulo destaca o facto de o Filhode Deus ter «nascido de umamulher» (Gl 4, 4). Em poucaspalavras, diz-nos uma coisa ma-ravilhosa: o Senhor nasceu comonós. Não apareceu adulto, mascriança; não veio ao mundo porSi só, mas de uma mulher, de-pois de nove meses no ventrematerno onde Se deixou tecer ahumanidade. O coração do Se-nhor começou a palpitar em Ma-ria, d’Ela recebeu oxigénio oDeus da vida. Desde então, Ma-ria une-nos a Deus, porque,n’Ela, Deus ligou-se à nossa car-ne e nunca mais a deixou. SãoFrancisco gostava de dizer queMaria «tornou nosso irmão o

Majestoso Senhor» (SÃO BOA-VENTURA, Legenda maior 9, 3). Elanão é apenas a ponte entre nós eDeus; é mais: é o caminho queDeus percorreu para chegar aténós e é o caminho que nós deve-mos percorrer para chegar atéEle. Através de Maria, encontra-mos Deus como Ele quer: na ter-nura, na intimidade, na carne.Sim, porque Jesus não é umaideia abstrata; é concreto, encar-nado, nasceu de uma mulher ecresceu pacientemente. As mu-lheres conhecem este concretis-mo paciente: nós, homens, mui-tas vezes somos abstratos e que-remos uma coisa imediatamente,ao passo que as mulheres sãoconcretas e sabem tecer, com pa-ciência, os fios da vida. Quantasmulheres, quantas mães fazemassim nascer e renascer a vida,dando futuro ao mundo!

Não estamos no mundo paramorrer, mas para gerar vida. E asanta Mãe de Deus ensina-nosque o primeiro passo para dar vi-da àquilo que nos rodeia é amá-lo dentro de nós. Diz o Evange-lho de hoje que Ela «conservavatodas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19). E édo coração que nasce o bem: co-mo é importante manter limpo ocoração, guardar a vida interior,fazer oração! Como é importan-te educar o coração para o cuidado,para cuidar das pessoas e das coi-sas. Tudo começa daqui, de cui-darmos dos outros, do mundo,da criação. Pouco aproveita co-nhecer muitas pessoas e muitascoisas, se não cuidarmos delas.Neste ano, enquanto aguarda-mos um renascimento e novostratamentos, não negligenciemoso cuidado. Com efeito, além davacina para o corpo, é necessáriaa vacina para o coração: e esta

vacina é o cuidado. Será umbom ano se cuidarmos dos ou-tros, como Nossa Senhora fazconnosco.

E o terceiro verbo é e n c o n t ra r.O Evangelho diz que os pastores«encontraram Maria, José e oMenino» (Lc 2, 16). Não encon-traram sinais prodigiosos e espe-

taculares, mas uma simples famí-lia. Lá, porém, encontraram ver-dadeiramente Deus, que é imen-sidão na pequenez, fortaleza naternura. Mas, como conseguiramos pastores encontrar este sinaltão pouco cintilante? Foram cha-mados por um anjo. Tambémnós, não teríamos encontrado

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Missa e Angelus na solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e 54º Dia mundial da paz

Será um bom anose cuidarmos do próximo

Bons votos de Francisco no Angelus do primeiro dia do ano

Um 2021 de paz e esperançaE invocou o fim da violência no Iémen e rezou em especial pelas crianças

Deus, se não fôssemos chamadospela graça. Não podíamos ima-ginar um Deus assim, que nascede mulher e revoluciona a histó-ria com a ternura; mas, pela gra-ça, encontramo-lo. E descobri-mos que o seu perdão faz renas-cer, que a sua consolação acendea esperança, e a sua presença dá-nos uma alegria irreprimível. En-contramo-lo, mas não devemosperdê-lo de vista. Na verdade,não se encontra de uma vez portodas o Senhor, mas devemos irter com Ele todos os dias. Por is-so o Evangelho descreve sempreos pastores à procura, em movi-mento: foram apressadamente,encontraram, referiram, volta-ram glorificando e louvando aDeus (cf. Lc 2, 16-17.20). Não fi-caram passivos, pois, para aco-lher a graça, é preciso permane-cer ativo.

E nós… O que somos chama-dos a encontrar no início doano? Seria bom encontrar tempo pa-ra alguém. O tempo é a riquezaque todos temos, mas somos ciu-mentos a seu respeito porquequeremos usá-la só para nós. De-vemos pedir a graça de encon-trar tempo para Deus e para opróximo: para quem está só, pa-ra quem sofre, para quem precisade escuta e atenção. Se encon-trarmos tempo para doar, acaba-remos maravilhados e felizes, co-mo os pastores. Nossa Senhora,que trouxe Deus ao tempo, nosajude a dar o nosso tempo. San-ta Mãe de Deus, nós vos consa-gramos o novo ano. Vós que sa-beis guardar no coração, cuidaide nós. Abençoai o nosso tempoe ensinai-nos a encontrar tempopara Deus e para os outros. Comalegria e confiança, nós vos acla-mamos: Santa Mãe de Deus! As-sim seja!

Bons votos de que 2021 «seja um anode solidariedade fraternal e de paz pa-ra todos, um ano repleto de confiança eesperança», foram formulados pelo Pa-pa no Angelus recitado ao meio-dia de1 de janeiro, da Biblioteca particulardo Palácio apostólico do Vaticano, sema presença de fiéis por causa da Covid-19.

Queridos irmãos e irmãs, bom diae feliz Ano Novo!Comecemos o novo ano colo-cando-nos sob o olhar maternoe amoroso de Maria Santíssima,que a liturgia celebra hoje comoMãe de Deus. Assim, retoma-mos o nosso percurso pelas ve-redas do tempo, confiando asnossas angústias e os nossos tor-mentos àquela que tudo pode.Maria olha para nós com ternu-ra materna tal como olhava parao seu Filho Jesus. E se olharmospara o presépio [virou-se para opresépio montado na sala], ve-mos que Jesus não está no ber-ço, e dizem-me que Nossa Se-nhora disse: “Deixai-me pegarum pouco ao colo este meu fi-lho?”. E Nossa Senhora faz as-sim connosco: ela quer estreitar-nos nos seus braços, para nosproteger como protegeu e amouo seu Filho. O olhar tranquiliza-dor e consolador da SantíssimaVirgem é um encorajamento pa-ra assegurar que este tempo,que nos foi dado pelo Senhor,seja dedicado ao nosso cresci-mento humano e espiritual, afim de que seja um tempo paraeliminar o ódio e as divisões —existem muitas — um tempo pa-ra nos sentirmos mais irmãos,um tempo para construir e nãopara destruir, cuidando uns dosoutros e da criação. Um tempopara fazer crescer, um tempo depaz.

É precisamente para cuidardo próximo e da criação que otema do Dia Mundial da Paz,que hoje celebramos, é dedica-do: A cultura do cuidado como percur-so de paz. Os dolorosos aconteci-mentos que marcaram o cami-nho da humanidade no ano pas-sado, especialmente a pande-mia, ensinam-nos que é necessá-rio interessar-se pelos proble-mas dos outros e partilhar assuas preocupações. Esta atituderepresenta o caminho que con-duz à paz, pois favorece a cons-trução de uma sociedade basea-da em relações de fraternidade.Cada um de nós, homens e mu-lheres desta época, é chamado arealizar a paz: cada um de nós,não sejamos indiferentes a isto.Somos todos chamados a reali-zar a paz e a concretizá-la todosos dias e em todos os ambientesda vida, estendendo a mão ao ir-mão necessitado de uma palavrade conforto, de um gesto de ter-nura, de ajuda solidária. E isto,para nós, é uma tarefa dada porDeus. O Senhor atribui-nos atarefa de sermos construtores depaz.

E a paz pode ser construídase começarmos a estar em pazconnosco — em paz no interior,nos nossos corações — e comaqueles que nos rodeiam, remo-

vendo os obstáculos que nosimpedem de cuidar dos necessi-tados e dos indigentes. Trata-sede desenvolver uma mentalida-de e uma cultura de “cuidado”,para derrotar a indiferença, paraderrotar o descarte e a rivalida-de — indiferença, descarte, riva-lidade — que infelizmente pre-valecem. Remover estas atitu-des. E assim a paz não é apenasa ausência de guerra. A paznunca é asséptica, não, não hápaz do quirofano [espanhol: “salade operações”]. A paz está navida: não é apenas a ausência deguerra, mas é a vida rica de sig-nificado, estabelecida e vividaem realização pessoal e em par-tilha fraterna com os outros. En-tão essa paz tão desejada e sem-pre ameaçada pela violência,pelo egoísmo e pela maldade,que aquela paz ameaçada se tor-na possível e alcançável se eu aconsiderar uma tarefa que mefoi atribuída por Deus.

A Virgem Maria, que deu àluz o «Príncipe da Paz» (Is 9, 6)e que o estreita tão ternamentenos seus braços, obtenha paranós do céu o bem precioso dapaz, que não pode ser plena-mente perseguido apenas pelosesforços humanos. O esforçohumano por si só não é suficien-te, porque a paz é sobretudo umdom, um dom de Deus; deve serimplorada com oração incessan-te, sustentada por um diálogopaciente e respeitoso, construí-da através de uma cooperaçãoaberta à verdade e à justiça esempre atenta às legítimas aspi-rações dos indivíduos e dos po-vos. A minha esperança é que apaz reine no coração das pes-soas e das famílias; nos locais detrabalho e de lazer; nas comuni-dades e nações. Nas famílias, notrabalho, nas nações: paz, paz.Chegou o momento de pensar-

mos que a vida hoje em dia égovernada por guerras, por ini-mizades, por tantas coisas quedestroem... Queremos a paz. Eela é um dom.

No limiar deste início, a to-dos apresento os meus cordiaisvotos de um 2021 feliz e sereno.Que cada um de nós procure as-segurar que seja um ano de soli-dariedade fraterna e de paz paratodos; um ano cheio de confian-ça e esperança, que confiamos àproteção de Maria, Mãe deDeus e nossa Mãe.

No final, o Pontífice saudou quantosparticiparam na oração mariana atra-vés dos meios de comunicação social;dirigiu bons votos ao presidente italia-no, Sergio Mattarella; mencionou asiniciativas de paz promovidas por vá-rias realidades; manifestou pesar pelasituação no Iémen; convidou a rezarpelo bispo raptado (e depois libertado)na Nigéria; e agradeceu aos «Sternsin-gers», crianças e jovens da Alemanha e

da Áustria que se vestem como os reismagos para angariar fundos destina-dos aos adolescentes mais necessitados.

Estimados irmãos e irmãs!A todos vós ligados através dosmeios de comunicação social, dirijo osmeus votos de paz e serenidadepara o Ano Novo.

Agradeço ao Presidente daRepública Italiana, o Sua Exce-lência Sergio Mattarella, osbons votos que me dirigiu on-tem à noite na sua Mensagemde fim de ano, e retribuo cor-dialmente.

Estou grato a quantos, em to-das as partes do mundo, respei-tando as restrições impostas pe-la pandemia, promoveram mo-mentos de oração e reflexão porocasião deste Dia Mundial daPaz. Penso em particular naMarcha Virtual da noite passa-da, organizada pelo Episcopado

italiano, Pax Christi, Caritas eAção Católica; e também nadesta manhã, promovida pelaComunidade de Santo Egídioem streaming mundial. Obrigadoa todos por estas e muitas ou-tras iniciativas a favor da recon-ciliação e da concórdia entre osp ovos.

Neste contexto, expresso omeu pesar e preocupação pe-rante a nova escalada da violên-cia no Iémen, que está a causarnumerosas vítimas inocentes, erezo para que sejam envidadosesforços no sentido de encon-trar soluções que permitam orestabelecimento da paz paraesses povos atormentados. Ir-mãos e irmãs, pensemos nascrianças do Iémen! Sem educa-ção, sem medicamentos, comfome. Rezemos juntos pelo Ié-men.

Convido-vos também a unir-vos à oração da Arquidiocese deOwerri na Nigéria pelo Bispo

Moses Chikwe e pelo seu moto-rista, que foram recentementeraptados. Peçamos ao Senhorque eles e todos aqueles que sãovítimas de atos semelhantes naNigéria possam regressar ilesosà liberdade e que esse queridopaís possa encontrar segurança,concórdia e paz.

Dirijo uma saudação especialaos S t e r n s i n g e rs , os “Cantores dasJaneiras”, crianças e jovens quena Alemanha e na Áustria, em-bora não possam visitar as famí-lias nas suas casas, encontraramuma forma de lhes levar a alegrenotícia do Natal e de recolherdonativos para os seus coetâ-neos necessitados.

Desejo a todos um ano depaz e esperança, com a protec-ção de Maria, a Santa Mãe deDeus. E por favor não vos es-queçais de rezar por mim. Bomalmoço e adeus!

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L’OSSERVATORE ROMANOpágina 6 terça-feira 5 de janeiro de 2021, número 1

Carta apostólica do Papa Francisco em forma de motu proprio acerca de algumas competências em matéria económico-financeira

Uma melhor organização

Passo importantena reforma da Cúria romana

Carta apostólicaem forma

de Motu Pro p r i odo Sumo Pontífice

Franciscoacerca de algumas competências

em matériaeconómico-financeira

Uma melhor organização da admi-nistração, controlo e supervisão dasatividades económicas e financeirasda Santa Sé para garantir uma gestãotransparente e eficiente e uma claraseparação de competências e fun-ções, representa um ponto funda-mental na reforma da Cúria.

Com base neste princípio, a Secre-taria de Estado, que apoia mais deperto e diretamente a ação do SumoPontífice na sua missão e representaum ponto de referência essencial pa-ra as atividades da Cúria Romana,não é oportuno que desempenhe asfunções em matéria económica e fi-nanceira já atribuídas por competên-cia a outros Dicastérios.

Tendo tomado conhecimento atra-vés dos Responsáveis das Entidadesconcernidas dos progressos realiza-dos no exercício das respetivas com-petências, considerei necessário esta-belecer algumas normas para melhordeterminar as várias funções da Se-cretaria de Estado, da Administraçãodo Património da Sé Apostólica e daSecretaria para a Economia.

Consequentemente, depois de terexaminado cuidadosamente todas asquestões relativas à matéria, ouvidoos Responsáveis dos Dicastérioscompetentes e consultado pessoas es-pecializadas, estabeleço o seguinte:

Artigo 1Transferência de investimentos

e de liquidez

§ 1 A partir de 1 de janeiro de 2021,a propriedade dos fundos e contasbancárias, investimentos móveis eimóveis, incluindo participações emempresas e fundos de investimento,até então em posse da Secretaria deEstado, será transferida para a Admi-nistração do Património da Sé Apos-tólica, que se encarregará da sua ges-tão e administração. Estarão sujeitosa controlo ad hoc por parte da Secre-taria para a Economia, que a partirde agora desempenhará também afunção de Secretaria Papal para asquestões económicas e financeiras.

§ 2 A Secretaria de Estado transfe-rirá o mais rapidamente possível, nomáximo até 4 de fevereiro de 2021,todos os seus ativos líquidos deposi-tados em contas correntes em seu no-me junto do Instituto para as Obrasde Religião ou em contas bancáriasestrangeiras, para a Administraçãodo Património da Sé Apostólica, nu-ma conta bancária por esta última in-dicada.

§ 3 No caso de não ser possível ouconveniente alterar a titularidade dascontas, investimentos e participações,o Secretário de Estado dotará o Pre-sidente da Administração do Patri-mónio da Sé Apostólica de uma pro-curação geral para agir em nome epor conta da Secretaria de Estado omais rapidamente possível, no máxi-

mo até 4 de fevereiro de 2021, atri-buindo-lhe poderes exclusivos de ad-ministração ordinária e extraordiná-ria para:

a) a gestão de contas bancárias;b) a gestão de títulos e valores mo-

biliários em nome da Secretaria deEstado;

c) o exercício dos direitos decor-rentes das participações da Secretariade Estado nas empresas e fundos deinvestimento;

d) a gestão de bens imóveis deti-dos direta ou indiretamente em nomeda Secretaria de Estado.

§ 4 A partir do exercício financeirode 2021, as contribuições, por qual-quer razão devidas ou livrementeconcedidas à Santa Sé por entidadeseclesiais de qualquer tipo, incluindoas do Governatorato do Estado daCidade do Vaticano e do Institutopara as Obras de Religião, bem co-mo as referidas no cânone 1271 CD C,serão depositadas numa conta deno-minada “Budget Geral da Santa Sé”, ge-rida pela Administração do Patrimó-nio da Sé Apostólica de acordo comos regulamentos em vigor, com baseno orçamento aprovado. As transfe-rências das somas da conta Budget Ge-ral da Santa Sé para a APSA deverão serpreviamente autorizadas pelo Prefei-to da Secretaria para a Economia.

§ 5 O pagamento das despesas or-dinárias e extraordinárias da Secreta-ria de Estado é efetuado pela Admi-nistração do Património da Sé Apos-tólica de acordo com o orçamento daSecretaria, aprovado com base nasnormas em vigor e sem prejuízo dequanto é previsto no artigo 11 do Es-tatuto da Secretaria para a Econo-

mia. No orçamento da Secretaria deEstado, será criada uma rubrica dedespesas para atividades ou emer-gências imprevistas, que serão objetode relatórios regulares. Para as maté-rias reservadas, serão observadas asdisposições do Estatuto da Comissãopara as Matérias Reservadas.

Artigo 2Gestão dos Fundos Papais

§ 1 A Administração do Patrimó-nio da Sé Apostólica constituirá umaprovisão orçamental denominadaFundos Papais, que para maior transpa-rência, fará parte do balanço consoli-dado da Santa Sé, para o qual deve-rão ser mantidas contabilidade sepa-rada, com a abertura de subcontasespecíficas para:

a) o Fundo denominado «Óbolo deSão Pedro», com todas as suas váriassubdivisões e articulações;

b) o Fundo denominado «Fu n d oDiscricionário do Santo Padre»;

c) cada um dos fundos denomina-dos «Fundos Intitulados», que têm umaligação particular de destino pelavontade dos doadores ou por dispo-sição regulamentar.

§ 2 Todos os fundos mencionadosno § 1 mantêm o seu objetivo. Os ati-vos líquidos e os investimentos relati-vos a cada uma das subcontas indica-das no § 1 são colocados em contasdedicadas abertas pela Administra-ção do Património da Sé Apostólica.

§ 3 A Administração do Patrimó-nio da Sé Apostólica informa perio-dicamente sobre a situação dos fun-dos a Secretaria de Estado, a qual

continua a colaborar na sua recolha.§ 4 As despesas e outros atos de

disposição da subconta Fundo Discri-cionário do Santo Padre só podem serfeitos por Sua decisão pessoal.

§ 5 As despesas das outras subcon-tas serão disponibilizadas pela Admi-nistração do Património da Sé Apos-tólica, a pedido da Secretaria de Es-tado, de acordo com o orçamentoaprovado. Todos os outros atos dedisposição na utilização destas sub-contas e os não previstos no orça-mento são submetidos pelo Presiden-te da Administração do Patrimónioda Sé Apostólica à autorização préviado Prefeito da Secretaria para a Eco-nomia, que exerce um controlo espe-cífico, verificando previamente a cor-respondência com as instruções rece-bidas do Santo Padre relativamente àutilização dos Seus fundos, à capaci-dade e liquidez dos mesmos, e à cor-respondência das disposições para odestino final.

§ 6 Em qualquer caso, as disposi-ções de pagamentos não orçamenta-dos e de investimentos utilizando osFundos Papais dadas pelo Presidenteda Administração do Património daSé Apostólica devem ser ratificadaspelo Prefeito da Secretaria para aEconomia, que verifica previamentea sua correspondência com as dispo-sições e autorizações dadas com baseno presente artigo.

Artigo 3Disposições sobre

o controlo e a supervisãoeconómico-financeira

§ 1 Todas as Entidades menciona-das no artigo 1 § 1 do Estatuto doConselho para a Economia, incluin-do as que até agora estavam sob ocontrolo económico e financeiro daSecretaria de Estado, são submetidasao controlo, supervisão e direção daSecretaria para a Economia, tal comodefinido pelo seu Estatuto e pelanorma em vigor, unicamente com ex-ceção das Entidades para as quais oSanto Padre tenha expressamentedisposto de modo diverso.

§ 2 O orçamento e os balanços dasentidades mencionadas no parágrafoanterior são transmitidos à Secretariapara a Economia, que os submete àaprovação do Conselho para a Eco-nomia.

§ 3 Quando previsto pelos Estatu-tos ou pela prática corrente, as atasdos Conselhos de Administração

destas Entidades continuam a ser en-viadas para a Secretaria de Estado oupara o Dicastério do qual dependemcanonicamente.

§ 4 O Presidente dos colégios dosaveriguadores ou dos revisores, sejaqual for a sua denominação, ou ave-riguador ou revisor único, quandoprevisto pelos Estatutos das Entida-des incluídas numa lista aprovadapelo Conselho para a Economia, sãonomeados pelo Prefeito da Secretariapara a Economia, que verifica os re-quisitos de honorabilidade e profis-sionalismo e verifica a existência depossíveis conflitos de interesses.

§ 5 Os componentes dos órgãosestatutários de controlo interno refe-ridos no parágrafo anterior partici-pam sem direito de voto nas reuniõesdo órgão responsável pela adminis-tração da Entidade, seja qual for asua denominação, e têm o direito depedir aos diretores informações e do-cumentos sobre o progresso das ativi-dades da Entidade ou sobre determi-nados assuntos.

§ 6 Os relatórios devidos pelos ór-gãos estatutários de controlo internodas Entidades mencionadas no § 4,de acordo com a lei e o Estatuto, sãotransmitidos à Secretaria para a Eco-nomia. Em todo caso, é dever dosmembros dos órgãos estatutários decontrolo interno informar a Secreta-ria para a Economia sobre irregulari-dades graves na gestão ou organiza-ção, sobre possíveis violações da leiou do Estatuto, e sobre a possível pe-rigo situação de insolvência da Enti-dade.

§ 7 Os superiores, os diretores, osempregados e os colaboradores pro-fissionais dos órgãos de supervisão econtrolo são incompatíveis com a no-meação para os órgãos diretivos dasEntidades incluídas na lista referidano § 1.

§ 8 As disposições do presente ar-tigo substituem automaticamente ascláusulas diferentes eventualmentecontidas nos estatutos das Entida-des.

§ 9 As competências do Conselhopara a Economia, do Gabinete doRevisor-Geral e da Autoridade deSupervisão e Informação Financeira,tal como definidas pelos seus estatu-tos e pelos regulamentos em vigor,permanecem inalteradas.

Artigo 4Fu n ç ã o

do Departamento Administrativoda Secretaria de Estado

§ 1 O chamado Departamento Admi-n i s t ra t i v o da Secretaria de Estadomantém exclusivamente os recursoshumanos necessários para realizar asatividades relacionadas com a sua ad-ministração interna, a preparação doseu orçamento e balanço e outrasfunções não administrativas desem-penhadas até agora.

§ 2 O arquivo do chamado Depar-tamento Administrativo na parte relativaaos investimentos mencionados noartigo 1, e aos Fundos mencionadosno artigo 2, são transferidos para aAdministração do Património da SéAp ostólica.

Tudo o que deliberei com estaCarta apostólica em forma de Mo t uP ro p r i o , ordeno que seja observadoem todas as suas partes, não obstantequalquer coisa em contrário, mesmoque digna de menção especial, e esta-beleço que seja promulgado median-te publicação no jornal «L’O sserva-tore Romano», entrando em vigor nodia da publicação.

Vaticano, 26 de dezembrode 2020, oitavo ano de Pontificado.

O motu proprio do Papa Francisco, Uma melhor or-ganização relativamente a «algumas competênciasem matéria económico-financeira», converte em lei oque ele já tinha escrito na carta de 25 de agosto ao Se-cretário de Estado. Publicado a 28 de dezembro, coma data de 26 do mesmo mês e constitui — explica umcomunicado da Sala de imprensa da Santa Sé — maisum passo importante na reforma da Cúria, para im-plementação no orçamento de 2021.

E nesta perspetiva, a Comissão instituída peloSanto Padre no passado dia 4 de novembro para atransferência de funções económicas e financeiras daSecretaria de Estado — para a Administração do Patri-mónio da Sé Apostólica (Apsa), que fará a gestão, epara a Secretaria para a Economia (Spe), que assumi-rá o controlo — que trabalhou nas últimas semanas,continuará a especificar alguns pormenores técnicosaté ao próximo dia 4 de fevereiro, como estava previs-to.

A nova lei reduz o número de responsáveis econó-micos na Santa Sé e concentra nos Dicastérios a admi-nistração, a gestão e as decisões económicas e finan-ceiras nos Dicastérios instituídos para essa finalidade.Com ela, o Pontífice deseja proceder a uma melhor

organização da Cúria romana e a um funcionamentoainda mais especializado da Secretaria de Estado, quepoderá com maior liberdade coadjuvar o Papa em as-suntos de maior importância para o bem da Igreja.

O chamado “Departamento Administrativo” da Secreta-ria de Estado, uma vez que já não terá de gerir ou de-cidir sobre fundos e investimentos, reduzirá as suasfunções.

O motu proprio estabelece um maior controlo e vi-sibilidade do óbolo de São Pedro e dos fundos queprovêm das doações dos fiéis. Além disso, são reforça-dos os controlos específicos sobre algumas entidadesrelacionadas com a Santa Sé que gerem contas e fun-dos provenientes de doações. Com estas decisões oSanto Padre expressa o seu empenho pessoal, e o daCúria Romana, para maior transparência, separaçãomais clara das funções, maior eficácia nos controlos emelhor adaptação da economia da Santa Sé à missãoda Igreja, para que o Povo de Deus que contribui coma sua generosidade para apoiar a missão do Bispo deRoma o possa fazer com a confiança de que as suascontribuições sejam administradas de forma adequa-da e transparente e com o exercício dos devidos con-t ro l o s .

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L’OSSERVATORE ROMANOnúmero 1, terça-feira 5 de janeiro de 2021 página 7

INFORMAÇÕESRenúncias

O Sumo Pontífice aceitou a renúncia:

A 28 de dezembro de 2020De D. Carmelo Cuttitta, ao gover-

no pastoral da Diocese de Ragusa(Itália).

De D. Marc Stenger, ao governopastoral da Diocese de Troyes (Fran-ça).

De D. Gerald Richard Barnes, aogoverno pastoral da Diocese de SanBernardino (Estados Unidos daAmérica).

A 29 de dezembro de 2020De D. Diarmuid Martin, ao gover-

no pastoral da Arquidiocese Metro-politana de Dublin (Irlanda).

A 30 de dezembro de 2020De D. Telesphor Mkude, ao go-

verno pastoral da Diocese de Moro-goro (Tanzânia).

Nomeações

O Santo Padre nomeou:

No dia 24 de dezembro de 2020Administrador Apostólico “sede

vacante” do Vicariato Apostólico deIstambul e do Exarcado para os Fiéisde rito bizantino residentes na Tur-quia, D. Lorenzo Piretto, O.P., atual-mente Arcebispo Emérito de Izmir eAdministrador Apostólico da mesmaC i rc u n s c r i ç ã o .

No dia 28 de dezembro de 2020Bispo da Diocese de San Bernar-

dino (Estados Unidos da América),D. Alberto Rojas, até agora Coadju-tor da mesma Sede.

Arcebispo Metropolitano de Shil-long (Índia), D. Victor Lyngdoh, atéesta data Bispo da Diocese deJowai.

Bispo da Diocese de Bridgetown(Barbados), o Rev.do Pe. Neil Sebas-tian Scantlebury, do clero de SaintThomas nas Ilhas Virgens (EstadosUnidos da América), até à presente

data Chanceler da mesma Sede e Pá-roco da “Saint Ann Parish”, na Ilhade Saint Croix.

D. Neil Sebastian Scantlebury nasceu nodia 1 de outubro de 1965, em Barbados, e foiordenado Sacerdote a 18 de maio de 1995.

Bispo da Diocese de Malindi, noQuénia, o Rev.mo Mons. WilybardLagho, do clero de Mombasa, até ho-je Vigário-Geral da mesma Arquidio-cese Metropolitana.

D. Wilybard Lagho nasceu a 23 de marçode 1958, em Taita-Taveta, Arquidiocese Me-tropolitana de Mombasa (Quénia), e recebeua Ordenação sacerdotal em 25 de abril de1 9 9 7.

No dia 29 de dezembro de 2020Arcebispo Metropolitano de Du-

blin (Irlanda), D. Dermot Pius Far-rell, até hoje Bispo da Diocese deO ssory.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

A 18 de dezembro de 2020D. Peter Takeo Okada, Arcebispo

Emérito de Tóquio, no Japão.O saudoso Prelado nasceu em Ichikawa,

Arquidiocese de Tóquio (Japão), a 24 de ou-tubro de 1941. Foi ordenado Presbítero nodia 3 de novembro de 1973 e recebeu a Orde-nação episcopal em 16 de setembro de 1991.

A 19 de dezembro de 2020

D. Mile Bogović, Bispo Eméritoda Diocese de Gospić-Senj (Croá-cia), de Covid-19.

O venerando Prelado nasceu em Cerovac,Diocese de Gospić-Senj, na Croácia, a 7 deagosto de 1939. Recebeu a Ordenação presbi-teral no dia 5 de julho de 1964 e foi ordena-do Bispo em 29 de junho de 1999.

A 22 de dezembro de 2020D. Rubén Tierrablanca González,

da Ordem dos Frades Menores, Bis-po Titular de Tubernuca, VigárioApostólico de Istambul (Turquia),Administrador Apostólico do homó-nimo Exarcado Apostólico e Presi-dente da Conferência Episcopal dopaís, de Covid-19.

O ilustre Prelado nasceu em Cortázar,

Diocese de Celaya (México), a 24 de agostode 1952. Recebeu a Ordenação sacerdotal em29 de junho de 1978 e foi ordenado Bispo nodia 11 de junho de 2016.

D. Antonio Vacca, Bispo Eméritoda Diocese de Alghero-Bosa (Itália).

O venerando Prelado nasceu em QuartuSant’Elena, Arquidiocese de Cagliari, na Itá-lia, no dia 8 de agosto de 1934. Foi ordenadoSacerdote em 28 de julho de 1957 e recebeu aOrdenação episcopal a 21 de março de1993.

A 26 de dezembro de 2020D. Sergio Pintor, Bispo Emérito

da Diocese de Ozieri, na Itália.O saudoso Prelado nasceu no dia 16 de

novembro de 1937, em Oristano (Itália). Re-cebeu a Ordenação sacerdotal em 9 de julhode 1961 e foi ordenado Bispo a 8 de dezembrode 2006.

A 28 de dezembro de 2020D. Paul Sueo Hamaguchi, Bispo

da Diocese de Oita, no Japão.O ilustre Prelado nasceu a 1 de agosto de

1948, em Higashi Shutsu, Arquidiocese deNagasaki (Japão). Foi ordenado Presbíterono dia 19 de março de 1975 e recebeu a Or-denação episcopal em 26 de junho de 2011.

A 29 de dezembro de 2020D. Gregory Obinna Ochiagha,

Bispo Emérito de Orlu, na Nigéria.O venerando Prelado nasceu a 31 de

agosto de 1931, em Ibeme, Diocese de Okigwe(Nigéria). Recebeu a Ordenação sacerdotalno dia 31 de julho de 1960 e foi ordenadoBispo em 6 de janeiro de 1981.

D. Geoffrey James Robinson, Bis-po Titular de Rusuca, ex-Auxiliar deSydney, na Austrália.

O saudoso Prelado nasceu em Richmond,New South Wales (Austrália), a 10 de agostode 1937. Foi ordenado Sacerdote em 21 de de-zembro de 1960 e recebeu a Ordenação epis-copal no dia 8 de março de 1984.

Início de missãode Núncio Apostólico

De D. Henryk Mieczysław Jagod-ziński, no Gana (20 de novembro de2020).

Congregação para as causas dos santos

Promulgação de decretosA 21 de dezembro, o Santo Padre Francisco recebeuem audiência o Senhor Cardeal Marcello Semeraro,Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.Durante a audiência, o Sumo Pontífice autorizou amesma Congregação a promulgar os decretos relati-vos:

— ao martírio do Servo de Deus Rosario AngeloLivatino, Fiel leigo; nascido a 3 de outubro de 1952,em Canicattì (Itália), e falecido por ódio à Fé na es-trada que conduz de Canicattì a Agrigento (Itália), a21 de setembro de 1990;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Vasco deQuiroga, Bispo de Michoacán; nascido aproximada-mente em 1470, em Madrigal de las Altas Torres (Es-panha), e falecido em Pátzcuaro (México), no dia 14de março de 1565;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Bernardi-no Piccinelli (no século: Dino), da Ordem dos Ser-vos de Maria, Bispo Titular de Gaudiaba e Auxiliarde Ancona; nascido em 24 de janeiro de 1905, emMadonna dei Fornelli, vila de San Benedetto Val diSambro (Itália), e falecido em Ancona (Itália) a 1 deoutubro de 1984;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus Antonio

Vicente González Suárez, Sacerdote diocesano; nas-cido no dia 5 de abril de 1817, em Agüimes (Espa-nha), e falecido em Las Palmas (Espanha), a 22 dejunho de 1851;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus AntonioSeghezzi, Sacerdote diocesano; nascido a 25 de agos-to de 1906, em Premolo (Itália), e falecido em Da-chau (Alemanha), no dia 21 de maio de 1945;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus BernardoAntonini, Sacerdote diocesano; nascido em 20 deoutubro de 1932, em Cimego (Itália), e falecido emKaraganda (Cazaquistão), no dia 27 de março de2002;

— às virtudes heroicas do Servo de Deus InácioStuchlý, Sacerdote professo da Sociedade de SãoFrancisco de Sales; nascido no dia 14 de dezembrode 1869, em Bolesław (hoje Polónia), e falecido emLukov (República checa), em 17 de janeiro de 1953;e

— às virtudes heroicas da Serva de Deus Rosa Stal-tari, Religiosa professa da Congregação das Filhasde Maria Santíssima Corredentora; nascida a 3 demaio de 1951, em Antonimina (Itália), e falecida emPalermo (Itália), no dia 4 de janeiro de 1974.

A vindima é grandeDiácono permanente na guia de uma paróquia portuguesa com o apoio dos jesuítas

GI O VA N N I ZAVAT TA

Um diácono permanente ao qualentregar a guia prática da comu-nidade, apoiado pelos sacerdo-tes da Companhia de Jesus aos

quais aquela paróquia está confiada. Acon-tece em Odiáxere, uma pequena aldeia si-tuada no litoral do Algarve, em Portugal.Não é um unicum naqueles lugares (algumasparóquias de montanha há anos são cuida-das pela missão realizada pelo diácono Al-bino Martins e pela sua esposa) mas é certa-mente a primeira vez que tal acontece nocontexto de uma parceria entre a diocese deFaro e um instituto religioso. O bispo, D.Manuel Neto Quintas, está convencido deque o futuro de algumas comunidades paro-quiais — dada também a escassez de sacer-dotes, forçados a lidar com várias realidadesao mesmo tempo — dependerá da coordena-ção com outros ministérios, tais como o dia-conado, e com os leigos encarregados.«Também pode ser um sinal de Deus quenos diz para servir a Igreja de outra manei-ra, com diferentes formas de serviço», afir-ma o prelado à Folha do Domingo, jornalda diocese. «Os nossos sacerdotes têm umnúmero crescente de paróquias e não é pos-sível, humana e temporalmente, poderacompanhar» todos da mesma forma, expli-ca, acrescentando que a tarefa do presbíteroé também acolher «as qualidades e capaci-dades dos leigos mais responsáveis e, atra-vés deles e com eles, despertar ou gerar ser-viços e ministérios nas paróquias que lhessão confiadas».

Foi escolhido Nuno Francisco, 44 anos,professor do ensino básico na vizinha Porti-

mão, da sua esposa Cristina, 42 anos, enfer-meira especializada em cuidados paliativose, de alguma forma, dos seus dois filhos. Adecisão de empreender a missão numa paró-quia foi tomada em conjunto, ao longo docaminho de preparação para o diaconado,tendo em vista a ordenação que chegou a 16de junho de 2019. «Falámos sobre isso algu-mas vezes com o bispo», conta Nuno, «di-zendo-lhe que se houvesse falta de sacerdo-tes, estaríamos disponíveis. Claro que nossentimos um pouco assustados, mas ao mes-mo tempo temos a convicção interior de quese disséssemos “não” teríamos anulado agraça recebida durante o sacramento». Cris-tina, por sua vez, salienta a confiança mútuaentre os jesuítas e o casal, construída ao lon-

go de um período de tempo que serviu «pa-ra criar uma relação» e que agora se tradu-ziu num compromisso. Para os dois, quecresceram na comunidade da MexilhoeiraGrande, a missão na paróquia de Odiáxereé a continuação de uma viagem, um serviçoà Igreja, um novo “sim” à chamada deDeus. Mas é também o testemunho de umvalor acrescentado a ser dado a conhecer àsnovas gerações, «cada mais indolentes ecom muitos temores». Na Igreja, prosse-guem eles, «existem outros caminhos, umadiversidade de vocações; a vindima é gran-de e por esta razão não podemos ficar para-dos».

Para o padre Domingos da Costa, jesuíta,pároco de Odiáxere nos anos de 1981 a 1985,

esta opção é importante para que «os pró-prios cristãos percebam para que serve odiácono, até agora visto como uma espéciede acólito ao lado do bispo ou do pároco noaltar». Na realidade, recorda D. ManuelNeto Quintas, servir-se de leigos com for-mação adequada, autorizados para o serviçoparoquial, «não como pastores» mas «comoanimadores da comunidade» já está a acon-tecer nas igrejas mais jovens sem a presençafixa de um sacerdote. É um serviço que ani-ma a comunidade do ponto de vista pasto-ral, em particular através da proclamação daPalavra, diz o Bispo de Faro, mas tambémse pede ao diácono que se dedique a ativida-des caritativas, a desempenhar funções li-túrgicas, a administrar o batismo, a presidira casamentos e funerais.

A novidade da experiência de Odiáxereé, como foi dito, a identificação com a Com-panhia de Jesus. Em 2015, o então provin-cial dos jesuítas José Frazão Correia obser-vou que a Igreja deveria «ousar explorar ou-tros caminhos», expressando o desejo doinstituto de «tentar outra forma de presen-ça», ajudando a Igreja diocesana a empre-ender caminhos que «não dependam sim-plesmente da presença do pároco». Teste-munho dado pelo atual provincial jesuíta,padre Miguel Almeida, segundo o qual estaescolha «procura responder à visão do Con-cílio Vaticano II, que apelava a uma Igrejamais participativa, com um papel ativo paraos leigos, vistos não como meros destinatá-rios. Procuramos percorrer o caminho doPapa Francisco - conclui - que nos convida aconsiderar como o tempo é superior ao es-paço e como, para realizar um projeto, é ne-cessário esperar pelo Espírito Santo».

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L’OSSERVATORE ROMANOpágina 8 terça-feira 5 de janeiro de 2021, número 1

Angelus - O Papa renovou os bons votos para 2021

Um ano para cuidaruns dos outros

Frisou o Papa no Angelus recitado aomeio-dia de 3 de janeiro na Bibliote-ca particular do Palácio apostólicodo Vaticano, ainda sem a presença defiéis por causa da pandemia. Comen-tando como de costume o evangelhodominical, Francisco falou do prólogodo Evangelho de João.

Amados irmãos e irmãs,bom dia!Neste segundo domingo de-pois do Natal, a Palavra deDeus não nos oferece um epi-sódio da vida de Jesus, mas fa-la-nos d’Ele antes que nasces-se. Faz-nos retroceder no tem-po para revelar algo sobre Je-sus antes que Ele viesse entrenós. Fá-lo especialmente noprólogo do Evangelho deJoão, que começa assim: «Noprincípio era o Verbo» (Jo 1,1). No princípio: estas são as pri-meiras palavras da Bíblia, asmesmas com as quais começaa narração da criação: «Noprincípio, Deus criou o céu e aterra» (Gn 1, 1). Hoje o Evan-gelho diz que Aquele que con-templámos no seu Natal, co-mo menino, Jesus, já existiaantes: antes do início das coi-sas, antes do universo, antesde tudo. Ele existe antes do es-paço e do tempo. «Nele haviavida» (Jo 1, 4) antes que a vidas u rg i s s e .

São João chama-Lhe Ve r b o ,ou seja, P a l a v ra . O que nosquer dizer com isto? A palavraserve para comunicar: não sefala sozinho, fala-se com al-guém. Fala-se sempre com al-guém. Quando na rua vemospessoas a falar sozinhas, dize-mos: “Esta pessoa não estáb em...”. Não, falamos semprecom alguém. Agora, o facto deque Jesus seja desde o princí-pio a Palavra significa que des-de o início Deus quer comuni-car connosco, quer falar con-nosco. O Filho unigénito doPai (v. 14) quer comunicar-nosa beleza de sermos filhos deDeus; ele é «a verdadeira luz»(v. 9) e quer afastar-nos dastrevas do mal; ele é «a vida»(v. 4), que conhece as nossasvidas e quer dizer-nos que asama desde sempre. Ele ama-nos a todos. Eis a maravilhosamensagem de hoje: Jesus é aPalavra, a Palavra eterna deDeus, que desde sempre pensaem nós e deseja comunicarconnosco.

E para o fazer, foi além daspalavras. De facto, no coraçãodo Evangelho de hoje, é-nosdito que a Palavra «se fez car-ne e veio habitar entre nós» (v.14). Ele fez-se carne: por queSão João usa esta expressão,“carne”? Não poderia ter dito,de uma forma mais elegante,que se tornou homem? Não, eleusa a palavra carne porque in-dica a nossa condição humanaem toda a sua fraqueza, em to-da a sua fragilidade. Diz-nosque Deus se tornou fragilizadoa fim de tocar de perto a nossafragilidade. Portanto, desdeque o Senhor se fez carne, na-da na nossa vida lhe é desco-nhecido. Não há nada que Eledesdenhe; podemos partilhartudo com Ele, tudo. Queridoirmão, querida irmã, Deus fez-

se carne para nos dizer, para tedizer que te ama precisamenteali, que nos ama ali, nas nossasfragilidades, nas tuas fragilida-des; precisamente ali, ondemais nos envergonhamos, on-de mais te envergonhas. Isto éousado, a decisão de Deus éousada: ele fez-se carne preci-samente ali onde tantas vezesnos envergonhamos; ele entrana nossa vergonha, para se tor-nar nosso irmão, para parti-lhar o caminho da vida.

Fez-se carne e não voltouatrás. Ele não assumiu a nossahumanidade como a roupaque se veste e se despe. Não,ele nunca mais se separou danossa carne. E nunca se sepa-rará: agora e para sempre Eleestá no céu com o seu corpode carne humana. Ele uniu-separa sempre à nossa humanida-de, poderíamos dizer que se“casou” com ela. Gosto depensar que quando o Senhorreza ao Pai por nós, não só fa-la: mostra-lhe as feridas dacarne, mostra-lhe as feridasque ele sofreu por nós. Jesus éassim: com a sua carne ele é ointercessor, quis suportar tam-bém os sinais de sofrimento.Jesus, com a sua carne está pe-rante o Pai. Na verdade, oEvangelho diz que ele veio habi-tar no meio de nós. Não veio fa-zer-nos uma visita e depoispartiu, veio habitar connosco,para estar connosco. Então oque deseja ele de nós? Desejauma grande intimidade. Elequer que partilhemos com Elealegrias e tristezas, desejos e

temores, esperanças e tristezas,pessoas e situações. Façamosisto, com confiança: abramos-lhe o nosso coração, digamos-lhe tudo. Façamos uma pausaem silêncio diante do presépiopara saborear a ternura deDeus que se fez próximo, quese fez carne. E sem medo, con-videmo-lo para a nossa casa,para a nossa família. E tam-bém — cada um sabe bem —convidemo-lo para as nossasfragilidades. Convidemo-lo,para que Ele possa ver as nos-sas feridas. Ele virá e a vidamudará.

Que a Santa Mãe de Deus,na qual o Verbo se fez carne,nos ajude a acolher Jesus, quebate à porta do coração paraviver connosco.

No final da prece mariana o Papaexortou os cristãos a evitar «a men-talidade fatalista ou mágica» e con-fidenciou a sua amargura devido acertos acontecimentos que testemu-nham a vontade de alguns de «viverhedonisticamente, procurando satis-fazer apenas o próprio prazer». Porfim, dirigiu saudações particulares«a quantos começam o novo ano commaiores dificuldades» — doentes, de-sempregados e quantos se encontramem situações de opressão e exploração— e às famílias, sobretudo «aquelasnas quais há crianças pequenas ou asque aguardam um nascimento».

Estimados irmãos e irmãsRenovo a todos vós os meusmelhores votos para este anoque começa. Como cristãos,evitemos a mentalidade fata-

lista ou mágica: sabemos quetudo melhorará na medida emque, com a ajuda de Deus, tra

balharmos juntos para obem comum, colocando nocentro os mais fracos e desfa-vorecidos. Não sabemos o que2021 trará, mas o que cada umde nós e todos juntos pode-mos fazer é comprometermo-nos um pouco mais a cuidaruns dos outros e da criação, danossa casa comum.

É verdade, existe a tentaçãode cuidar apenas dos própriosinteresses, de continuar a fazera guerra, por exemplo, de seconcentrar apenas no perfileconómico, de viver hedonisti-camente, ou seja, de procurar

apenas satisfazer o próprioprazer... Existe esta tentação.Li nos jornais algo que me en-tristeceu bastante: num país,não me lembro qual, para evi-tar o confinamento e gozarboas férias, partiram naquelatarde mais de 40 aviões. Masessas pessoas, que são boaspessoas, não pensaram naque-las que ficaram em casa, nosproblemas económicos de tan-ta gente que o confinamentoarruinou, nos doentes? Ape-nas ir de férias e ter prazer. Is-so entristeceu-me muito.

Dirijo uma saudação espe-cial àqueles que estão a come-çar o Ano Novo com maior di-ficuldade, aos doentes, aos de-

sempregados, àqueles que es-tão a passar por situações deopressão ou exploração. Ecom afeto desejo saudar todasas famílias, especialmenteaquelas que têm crianças pe-quenas ou que estão à esperade um nascimento. Um nasci-mento é sempre uma promessade esperança. Estou próximodestas famílias: que o Senhorvos abençoe!

Desejo a todos bom domin-go, sempre a pensar em Jesusque se fez carne precisamentepara viver connosco, nas coi-sas boas e nas más, sempre.Por favor, não vos esqueçaisde rezar por mim. Bom almo-ço e até à vista!

Num filme documentário

A surpresa de FranciscoO bispo de Roma em visita a habi-tações particulares, prisões, hospi-tais e casas de acolhimento para seencontrar com doentes, migrantes,toxicodependentes, prisioneiros,ex-prostitutas, e para falar comeles, como faria um amigo da por-ta ao lado ou como um simples pá-roco; muitas vezes sentado à mesa,com uma bebida ou um café, en-quanto brinca com crianças e ido-

sos, gerando emoções, lágrimas dealegria, risadas, mas também mo-mentos de oração e reflexão. Umasérie de imagens comovedoras,muitas das quais nunca vistas pelopúblico televisivo, ritma Solo Insieme— La sorpresa di Francesco, um filmedocumentário de Gualtiero Peirce,transmitido pela Raitre a 4 de ja-neiro, às 23h15.

Escrito com Orazio La Rocca,

vaticanista de longa data, foi reali-zado com imagens do Centro tele-visivo do Vaticano, a maioria dasquais inéditas e conservadas nosarquivos do Vatican media. As mú-sicas de monsenhor Marco Frisinae a voz de Nicole Grimaudo acom-panham os vários momentos dahistória, que se inspira na já histó-rica imagem do Papa Francisco nasolidão da praça de São Pedro, a27 de março passado, quando de-baixo da chuva torrencial disse aomundo que agora mais do quenunca, no tempo da pandemia, oshomens já não podem «ir em fren-te cada qual por si mesmo, mas sójuntos», como recorda precisamentea primeira parte do título. A se-gunda, ao contrário, refere-se àsSextas-feiras da misericórdia, criadasem 2015 durante o Jubileu a ela de-dicado: a partir de então, em váriascircunstâncias, o Pontífice encon-trou-se com os mais necessitados,em especial com os residentes na“sua” diocese, apresentando-seinesperadamente, sem ser anuncia-do nem esperado: como por exem-plo em Torre Spaccata, entre ido-sos e doentes em estado vegetativo;na ala de neonatologia do hospitalSan Giovanni; em Boccea, na Al-deia SOS para crianças em situaçãode dificuldade; na Ardeatina, naFundação Santa Lúcia, centro es-pecializado em reabilitação neuro-

lógica; no bairro Eur, onde está aCasa de Leda, uma residência con-fiscada à criminalidade organizada,que hoje acolhe encarceradas comfilhos menores.

Acompanhado pelo arcebispoRino Fisichella — presidente dopontifício Conselho para a promo-ção da nova evangelização, entre-vistado no filme documentário porter guiado a experiência das Sextas-feiras da misericórdia — o Papa Bergo-glio abraçou, falou e acariciou emsilêncio; olhou, mas sobretudo ou-viu histórias de dor e de renasci-mento, encontrando também a ale-gria e o sorriso nos olhos de quan-tos o acolheram no próprio lar casaou numa casa de acolhimento, nu-ma comunidade de recuperação,nos lugares da solidariedade quehospedam os mais marginaliza-dos.

Uma escolha que cancelou asdistâncias, dando aos gestos e aoensinamento de Francisco o signi-ficado mais completo e autênticoda palavra “m i s e r i c ó rd i a ”. Comoquando, em agosto de 2016, visi-tando no bairro popular de Pietra-lata uma estrutura para mulheresresgatadas da rua pelos voluntáriosda Comunidade Papa João XXIII —fundada pelo padre Oreste Benzi— lhes pediu perdão pela violênciainfligida até por quem se professacristão. (gianluca biccini)