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EducaçãoFamílias queinvestem tudonos filhos
Mudam de cidadee até de país,
reservam paraa escola mais
de metadedo orçamentoe até desistem
das suas carreiras.Conheça as
histórias e saibaquanto custa hoje
da creche '
à universidade
EDUCAÇÃO. FAMÍLIAS QUE PLANEIAM O FUTURO AO PORMENOR
A ideia não é despejar os miúdos num colégio privado paraestarem mais protegidos e terem acompanhamento nos
estudos. Para estas famílias, todas as escolhas têm umpropósito definido, um objectivo que só acaba quando o curso
estiver feitO. Há SaCrifíCiOS e Um preÇO altO. Por Marta Martins SUva
No público, há autarquiasque oferecem os livrosescolares; há privadas
que chegam a diluiro preço destes nas
mensalidades
fl^^H as porqueM^K c que euI m tenho de
H U estar a í.i¦ H lar esta
língua es-
quisita?",perguntava Maria, com os seus 3
anos, enquanto tentava escapar à
babysitter alemã contratada pelospais para brincar com ela e com o
irmão com a condição de não usaruma palavra de português.
Alexandra Fernandes e Luís
Afonso, professores universitários,optaram por matricular os dois filhos na Escola Alemã de Lisboa
logo no jardim-dc-infância, ape-sar de nem um nem outro ter
qualquer ligação ao país de Ange-la Mcrkel. Desde os 4 anos domais velho que os irmãos têm o
apoio de babysitters alemãs querespondem a dúvidas que os paisnão dominam naquela língua.Quando eram pequenos vinhamsó brincar com eles. Agora, que játêm 12 e 16 anos, a]udam-nos fun-damentalmente nos trabalhos de
casa, em alemão, que para os paissão incompreensíveis.
"A escolha da escola foi sempreuma das nossas preocupações.Queríamos proporcionar-lhes amelhor educação e encontrámos o
que procurávamos nesta escolainternacional - se eles quiserem ir
para o estrangeiro têm maior mobilidade porque serão bilinguespara sempre. Esta escolha foi paranós uma opção estratégica: a Alemanha é uma potência mundial
que tem muitas coisas boas e eles
vão ter essas portas abertas", ex-plica a mãe.
"À mensalidade da Escola Alemã[que ronda os 500 euros por mês]
acresce o custo da babysitter. peloque isto é o nosso maior investimento. Uma boa educação é abase para o futuro sem preocupações que queremos que eles te-nham", acrescenta Alexandra Fer-nandes, professora de Gestão.
"Os pais actualmente preocu-pam-se mais, porque a pressãosocial dos tempos de hoje e a cxi
géneia do mercado de trabalho osleva a crer que o futuro não vai ser
O casal Luís Afonso e AlexandraFernandes e os filhos Maria e
Francisco: desde muito miúdosque as crianças usam o alemão;tornou-se uma segunda língua
fácil e quanto mais recursos tive-rem e mais bem preparados foremos filhos, melhor enfrentarão os
desafios da vida. A educação sem-
pre foi o foco dos pais. mas a edu-cação orientada para a formaçãoacadémica, neste momento, paraa maioria dos pais tornou-se 'amissão': a de preparar o futuro dosfilhos para vencerem na vida",afirma a psicóloga educacionalCristina Santos. Fala com o co-nhecimento de quem está habi-tuada a escutar estas preocupa-ções no seu consultório.
"A verdade é que - e isso está
provado pelos estudos que aOCDE todos os anos divulga o
tempo de desemprego de pessoasmais qualificadas é menor e a re-muneração, quando empregadas,é maior, por isso o investimentona educação é um bom investi-mento", observa Luísa Cerdeira,investigadora do Instituto de Edu-
cação da Universidade de Lisboa.
"Agora é maravilhoso o investi-mento no imobiliário e na indús-tria ligada ao turismo, mas só vaiser seguro até certa altura... A edu-cação não está tão sujeita a osci-lações. Mesmo em momentos de
crise, e podendo inclusivamentehaver uma regressão na sua situa
ção, este jovem em quem os paisinvestiram está melhor do que senão tivesse estas competencias e
esta formação", acredita a econo-mista. "Não havendo nada segurona vida, qualquer pai ou qualquermãe pode acreditar que o investi-mento que faz na formação dos filhos é possivelmente dos investi-mentos mais seguros que ainda
consegue fazer, até porque teráretorno", acrescenta.
E se no início Maria e Francisco
fugiam das babysitters alemãs,"hoje ]á percebem o investimentoe dão muito valor às escolhas"
que os pais fizeram. 'Percebem
que esta educação é uma mais-valia", assegura a mãe. Além dos
estudos, Alexandra sempre valorizou o desporto como parte da
formação dos filhos.
Largar a carreira pelo filhoAntónio Maria também reconheceo investimento dos pais. Nestecaso não apenas a escolha da Es-cola Francesa do Porto, que fre
quenta desde os 3 anos - e a
mesma onde a mãe estudou -,mas o facto de Sofia César Machado ter abdicado de uma car-reira na advocacia para o acompanhar em todas as fases de cres-cimento ao longo dos seus 12 anosde vida. "O objectivo era criar umfilho que pudesse ser feliz, e por-tanto precisaria de bases sólidas,de quantidades brutais de amor,de muita brincadeira e atenção,de convívio com toda a família, de
A formação de
a to nível este-
ve sempre íiga-ds ao desenvol-
vimento dos
oaíses, diz a
economistaLjísa Cerdeira
"HOJE OSPAIS PREO-CUPAM SE
MAIS, ACRE-DITAM QUE OFUTURO NÃOVAI SER FÁ-
CIL", DIZ UMAPSICÓLOGA
ferramentas que lhe permitissemexprimir-se. Desenhos, pinturas,cores, visitas a museus, teatros,amigos franceses, chineses, rus-sos, ucranianos, italianos...", enu-mera Sofia, de 45 anos, que a par-tir do próximo ano pensa voltar atrabalhar fora de casa. Antóniotem agora 12 anos, 1,72 m de altu-ra e fala português e francês co-mo línguas principais, às quaisacresce o alemão c o inglês. É
ainda |ogador de basquetebol fe-
derado. "Tem uma capacidadede raciocínio fabulosa. Privilegiao trabalho de grupo, tem amigosem todos os cantos do mundo e
caminha para fazer o baccalauréat (exame terminal), que lheconcederá acesso a quase todasas universidades do mundo muitomais facilmente, permitindo queescolha realmente a profissão quequer ter com toda a liberdade.Com isto, esperamos ter contri-
O coachingfamiliar é umdos nichos de
mercado quecresceu tam-
bém motivadopelas preocupa-
ções dos paisface ao futuro
dos filhos
SOFIA,A MÃE DE AN-TÓNIO, ACRE-
DITA QUEELE PODEMTER ACESSO
A QUALQUERUNIVERSI-DADE DOMUNDO
buído para que o António se tornenum adulto mais feliz."
"Muitas vezes encontramos paisque no fundo gostariam de prote-ger os filhos das adversidades,mas é impossível evitar as con-trariedades, a dor, a tristeza, os
insucessos, o erro... tudo isso faz
parte da vida. É importante queos pais estejam tranquilos, acre-ditamos que cada um fará o me-lhor que pode e consegue em de-terminada situação - com as
competências que tem, com os
recursos a que tem acesso, comas experiências de vida que teveaté então...", sossega Sandra Belo,do Family Coaching, uma empre-sa que desenvolve a sua activida-de na área do coaching aplicadoao contexto familiar.
"Nas nossas sociedades, talvez a
relação com os filhos seja, do
ponto de vista da afectividade, a
relação mais estável. Em Portu- O
RICARDO REIS
Economista e professorna London School
of Economics
"Já se justificapoupança paracolocar os filhos
no superior"
Em Portugal, as famílias não têm acultura de poupar desde o berçopara a educação superior dos fi-lhos? Há algum país em que isto
seja evidente?Durante décadas, em Portugal, o en-sino superior foi gratuito, os alunos
estudavam na universidade mais
próxima da residência dos pais, e os
jovens ficavam cm casa durante os
estudos. Logo não havia necessidade
de poupança adicional significativa
para o ensino superior. Hoje, as propinas já existem, mas não são muitoaltas para a licenciatura, embora já
sejam mais significativas para o mes-trado. Por isso, já se justifica algumapoupança. Os países em que as pou-panças são mais significativas são
aqueles cm que (i) as propinas são al-tas, (ii) há um costume social de sair
de casa aos 18 anos, e (iii) não há umsistema de empréstimos para a edu-
cação muito desenvolvido.Partindo do princípio que uma fa-mília quer poupar desde o berçopara garantir o futuro do filho,
qual a melhor mais rentável formade o fazer?A mesma que numa poupança para areforma: com uma carteira de inves-timentos diversificada, minimizandoas inúmeras comissões cobradas pe-los agentes financeiros, e tendo emconta não só o risco como também a
liquidez de diferentes activos.
O gal, temos índices de divórciodos mais elevados da Europa e,
portanto, estas relações menossólidas, menos continuadas, fa-zem com que esta ligação com os
filhos se torne ainda mais impor-tante. No fundo, as pessoas preci-sam de ter alguma coisa estável e
efectivamente os estudos feitos
comprovam que os filhos são a
prioridade dos pais", sublinha porseu lado a socióloga MargaridaMesquita, professora no Instituto
Superior de Ciências Sociais e Po-líticas da Universidade Técnica deLisboa e responsável por váriosestudos nesta área.
Muitas vezes este investimento
começa a ser planeado bem antesde os filhos nascerem. Maria e João
começaram a namorar aos 18 anose souberam desde o início que "sair
"TALVEZ ARELAÇÃO
COM OS FI-LHOS SEJA,
NAS NOSSASSOCIEDA-
DES, A MAISESTÁVEL",
DIZ A SOCIÓ-LOGA MAR-
GARIDAMESQUITA
de Portugal era uma oportunidadede abrir os horizontes".
"O nosso objectivo era evoluirnas nossas carreiras, ter filhos e
trabalhar para lhes poder propor-cionar, principalmente, duas coi-sas: boas escolas e capacidade deolhar e ver o mundo. Achámos
sempre que indo para fora esta-ríamos mais bem equipados paralhes dar uma melhor educação nofuturo, face a uma maior capaci-dade financeira. Durante o noiva-do, João arranjou emprego emLondres, num dos maiores gabi-netes de engenharia do mundo e
eu agarrei a oportunidade com as
duas mãos", recorda Maria Ama-ral, uma arquitecta de 40 anos.
Ficariam na capital inglesa me-nos tempo do que imaginavam,porque cinco meses depois de
nascer o filho mais velho João re-cebeu uma proposta de trabalhona Arábia Saudita, para onde a fa-
mília se mudou há sete anos.
Valorização social e simbólica"O nosso segundo filho já nasceu noBahrain. O ensino é óptimo e muitodesafiante, com a aprendizagem de
inglês e árabe a ser estimulada des-de os 2 anos. Vão a museus, inven-tam histórias, fazem teatros e con-certos, aprendem a ler, a escrever,
Mila Artysh e o marido, Igor,ucranianos, chegaram a Portu-
gal no ano 2000. Hoje, dedicammetade do seu orçamento à
educação do filho, Daniel
CautelaMana Amaral,
a mãe que vivena Arábia Sau-dita, ponderavoltar a Portu-
gal. Mas disseà SÁBADO que
só o fará de-
pois de asse-
gurar que aquiencontra umaescola que res-
ponda ao tipode educaçãoque ela e o
marido valori-zam. 0 casal
conta semprea história da
noite aos filhosem português
e em inglês
"O SUCESSOESCOLAR
DOS FILHOSPARECE SERA PROVA DACOMPETÊN-CIA EDUCA-
TIVA DOSPAIS", DIZ ASOCIÓLOGAMARIA MA-
NUEL VIEIRA
a contar, a cantar, a tocar instru-mentos musicais. O meu filho maisvelho até aprendeu na escola ferra-mentas para gerir conflitos interso-ciais: como reagir se o agridem, se
não querem brincar com ele, se o
interrompem, se lhe mentem, se
mentem acerca dele, se são desa-gradáveis com ele... e como pedirdesculpa, como se defender, como
argumentar quando num conflito
quiser expressar a sua opinião, oufazer ouvir a sua voz", descreve,satisfeita, a mãe.
"Não temos televisão - nunca ti-vemos. Correm, andam de bicicle-ta, nadam, jogam à bola. Vivemosnum condomínio com essa possi-bilidade e gostamos de os estimu-lar para aquilo que o mundo ofe-rece. Claro que não podemos ga-rantir que vão ter um futuro me-lhor por causa disso, mas temos a
sensação de que ficarão mais bemequipados com esta versatilidade:dominam línguas diferentes; via-jam; dão-se com pessoas de todas
as raças possíveis e não fazem dis-
tinções", acrescenta com orgulho."Colocados agora no centro da
relação familiar, os filhos são ob-jecto de uma enorme valorizaçãosocial e simbólica e de um intensoinvestimento afectivo. O controloda fecundidade é, justamente, umdos efeitos dessa mudança, subor-dinado ao desejo de se oferecer a
cada filho as melhores condiçõesde vida e de bem-estar possíveis,e as oportunidades que se crêmais adequadas", contextualizaMaria Manuel Vieira, investigado-ra do Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lisboa.
Por outro lado, acrescenta a so-cióloga, "o sucesso escolar dos filhos parece fazer prova de com-petência educativa dos pais e,
para o alcançar, muitos não se
poupam a esforços: o investimen-to em actividades extracurricula-res escolarmente úteis, como afrequência de cursos de línguas oude artes, ou o recurso a explica-ções, o controlo sobre os trabalhosde casa, as disputas com professo-res a propósito de notas ou com-portamentos, a obsessão competi-tiva ou o mero incentivo oral ao O
As propinasAs variaçfles são tâo grandesque podem chegar a €4.000
A média das propinas no
ensino superior varia por área
científica e tipo de ensino, diz es-
tudo do Instituto da Educação. No
universitário, são mais altas do
que no politécnico. Exemplo, umestudante da área Artes, Humani-dades c Línguas pagou no poli-
técnico público, em média, uma
propina de €959, de €1.003 nouniversitário público, de €3.747 no
politécnico privado e de €3.824no universitário privado. Outro
exemplo, o caso dos estudantes
que frequentaram os cursos de
Medicina, Medicina Dentária e
Farmácia, os quais, no politécnico
público, pagaram uma propinamédia de €1.121 e no universitário
público de €983. Os estudantesda área de Medicina, Medicina
Dentária e Farmácia do ensino
universitário privado pagaram a
propina média mais elevada, che-
gando a €5.013 por ano.
O estudo são práticas que denun-ciam o lugar acrescido que o in-vestimento escolar dos filhos hojeocupa no quotidiano".
Metade do orçamento familiar0 maior investimento de Mila e
Igor Artysh, uma enfermeira e ummédico de nacionalidade ucrania-na que chegaram a Portugal no ano2000, é com a educação do únicofilho, Daniel, de 13 anos. "Mais de
50% do nosso orçamento vai para amensalidade da escola [470 euros]
e para as actividades extracurricu-lares. Colocamos o ensino como
prioridade e deixamos o luxo de
lado para garantir os estudos. Comesse dinheiro podíamos ir à América de férias, mas este ano vamos
optar por fazer uma semana de
praia em Espanha, por exemplo",brinca a mãe, falando a sério.
A família vivia em Braga, onde o
filho começou por frequentar umcolégio internacional, mas mudou--se para o Porto quando descobriuuma escola com um currículo mais
próximo daquilo que valorizavam."Tanto que comprámos casa pertoda escola que escolhemos e mudá-mos a nossa vida em função disso.
Também achámos que o Porto te-
DANIELARTYSH, 13
ANOS, FAZMÚSICA E
DESPORTO,JÁ TEVE IN-FORMÁTICA,
PLANEIAPINTURA E
TALVEZ AR-QUITECTURA
€101É a média anualno ensino supe-rior, diz estudo
coordenado
por Luísa Ccr-deira. Abaixocas despesas
pessoais(£648/ ano) c
com comunica-
ções (€192/ano)
ria mais oportunidades de futuro
para o nosso filho", partilha Mila,
que não poupa nas actividades em
que inscreve Daniel.Não poupa mesmo: "Faz música,
desporto e até houve uma altura,quando ainda morávamos em
Braga, em que o levava de propó-sito ao Porto para ele ter aulas
numa academia de matemática,
porque considerava importanteele ter outra visão da matériaalém da que era dada nas aulas. E
Já fez cursos de informática, podevir a fazer de pintura e no Verãovai fazer uma formação de arqui-tectura na Universidade do Porto.O nosso objectivo é oferecer o
máximo que podemos, queremosque todas as portas estejam aber-tas. Ainda não sei onde vai levareste nosso investimento no futuro,mas nós estamos a fazer a nossa
parte, ele depois fará a dele." O
Sofia César Machado abdicou deuma carreira na advocacia paraacompanhar a educação de An-
tónio, hoje com 12 anos