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PRIMEIRA TURMA

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.020 - SP

(Registro nº 96.0024192-9)

Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros

Recorrentes: Universidade São Francisco e outro

Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Impetrado: Juízo de Direito da lªVara Cível de Bragança Paulista - SP

Recorrido: José Valentim Cavaletti

Advogados: Drs. Antônio Antunes de Barros Sobrinho e outros, e Paulo César Vieira de Carvalho

EMENTA: Processual- Mandado de segurança - Efeito sus­pensivo a recurso - Aluno universitário - Curso feito à sombra de decisão judicial- Pendência de ação rescisória - Negativa de imposição do grau - Inexistência de fumus bonijuris e periculum in mora.

I - A jurisprudência do STJ assentou-se na tese de que não é razoável negar-se o grau ao estudante que, sob o pálio de decisão judicial, concluiu, com aproveitamento, todo o curso.

U - Incide em manifesto paradoxo a escola que, após aprovar o aluno, nega-lhe o grau, a pretexto de que ele carece de competência para o exercício da profissão relacionada com o currículo concluído.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos a das notas taquigráficas a

seguir, por unanimidade, negar pro­vimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Míl­ton Luiz Pereira, José Delgado e De­mócrito Reinaldo. Ausente, jus­tificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.

R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 45

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Brasília, 20 de março de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 12-05-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: No Parecer que emitiu, em nome do Ministério Público Federal, o eminente Sub­procurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho descreve a lide, com estas palavras:

"Trata-se, o presente, de recur­so ordinário interposto com arri­mo no artigo 105, lI, b, da CF/88, pelas recorrentes Universidade São Francisco e outro, contra Acórdão da 4ª Câmara Cível do TJE/SP que, por unanimidade votos, de­negou a Segurança impetrada com fim de dar efeito suspensivo a re­curso de Apelação interposto con­tra sentença do juiz da Comarca de Bragança Paulista/SP, quejul­gou procedente Ação Cautelar ajui­zada pelo recorrido José Valentim Cavaletti.

José Valentim Cavaletti ajui­zou Ação Cautelar que veio a ser julgada procedente pelo juiz da 1 ª Vara da Comarca de Bragança Paulista, determinando o cum­primento de Acórdão já transita­do em julgado, no sentido de re­conhecer validade à sua matrícu­la no Curso de Medicina. Em face do impedimento imposto pela re­corrente Universidade São Fran­cisco à sua formatura.

Inconformada com aquela de­cisão, a recorrente Universidade interpôs Apelação, recurso este que veio a ser recebido apenas no efeito devolutivo.

As recorrentes Universidade São Francisco e outro impetra­ram Mandado de Segurança con­tra decisão do juiz da 1 ª Vara da Comarca de Bragança Paulista que, nos autos de Ação Cautelar, recebeu recurso conferindo-lhe apenas efeito devolutivo, visan­do, portanto, conferir-lhe, tam­bém, o efeito suspensivo. No Man­damus, a recorrente argumen­tou que impediu o litisconsorte José Valentim Cavaletti de colar grau, em virtude de estar trami­tando Ação Rescisória onde se discute a legalidade de sua ma­trícula.

Argumenta, ainda que, não sustado o ato de colação de grau, estará o recorrente habilitado a clinicar e operar, a despeito do questionamento de sua matrícu­la no Curso de Medicina, freqüen­tado sem prévio exame vestibu­lar. Por fim, disse que a decisão que assegurou o recorrente a fre­qüentar as aulas não assegurou ao mesmo o direito de colar grau.

Deferida a liminar, fls. 109 v., vieram as informações às fls. 118. O Ministério Público a quo opinou pela denegação da Segurança.

A4ª Câmara Cível do TJE/SP, por unanimidade de votos, de­negou a Segurança, sob o argu­mento de que a colação de grau nada mais é do que a conseqüên­cia da aprovação do recorrente no

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decorrer de todo o Curso de Me­dicina, ano após ano, disciplina após disciplina. Ao contrário do que pretende a recorrente, a ha­bilitação profissional do recorri­do está claramente evidenciada, uma vez que ela própria o apro­vou em todas as matérias até o final do curso. Assim, não pode se furtar a conferir-lhe o grau de médico. Não havia, portanto, da­no a ser reparado, ou ilegalidade alguma à decisão que recebeu a Apelação apenas no efeito devo­lutivo.

O presente Recurso Ordinário é interposto com fulcro no artigo 105, lI, b, da CF/88, contra o Acórdão acima mencionado, pug­nando pela suspensividade da Apelação ou caso o recorrido já te­nha colado grau, pela sustação imediata do exercício profissional do mesmo, decretando a nulida­de de sua colação e cassação do diploma." (fls. 317/320)

Adoto este resumo, como relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Adoto, também, como razão de de­cidir, o Parecer do Ministério Públi­co Federal, que reproduzo a seguir:

"Não merece, todavia, provi­mento o presente Recurso. De fa­to, como bem salientou o Minis­tério Público a quo, verifica-se que a recorrente, ao invés de de­monstrar os fundamentos por

que deveria ser recebida a Ape­lação interposta na Ação Caute­lar no efeito suspensivo, passou a discorrer sobre questões estra­nhas aos autos. O objeto da deci­são transitada em julgado, resu­me-se àqueles pontos que estão sendo discutidos na Ação Resci­sória proposta pela recorrente.

N a verdade, o despacho que re­cebeu o recurso de Apelação ape­nas em seu efeito devolutivo não se constitui em decisão teratoló­gica. O periculum in mora não se mostrou plenamente demons­trado,já que, em momento algum no Recurso Ordinário, a recorren­te preocupou-se em defender a qualidade do curso prestado pelo recorrido, litisconsorte passivo. Os exames realizados no mesmo, a aprovação que a própria recor­rente lhe outorgou após o térmi­no do curso, são condições para o exercício da profissão, para o qual está habilitado em virtude do curso onde foi aprovado.

A colação de grau no Curso de Medicina, nada mais é do que a conseqüência ordinária, após um longo e desgastante período de estudos em que o formando pro­vou possuir condições técnicas e psicológicas para receber o grau de médico e exercer a profissão. Absurdo, nos parece, portanto, o objetivo da recorrente de obstar a colação de grau de um aluno concluinte do curso, apenas por­que discorda da decisão que de­terminou o seu ingresso no cur­so, sem aprovação em concurso vestibular. Trata-se de uma si-

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tuação que não pode apenas ser resolvida em saber se tinha ou não o recorrido capacidade para ultrapassar o exame vestibular e vencer o curso de medicina.

Ora, se o aluno foi aprovado em todas as etapas do curso, qual a melhor prova de sua habilita­ção técnica e profissional que, a nosso ver, não pode ficar a depen­der exclusivamente de aspectos formais e burocráticos, relaciona­dos com as dúvidas sobre a au­tenticidade no exame vestibular" (fls. 320/322).

Dos judiciosos argumentos de­senvolvidos pelo Doutor Moacir Guimarães percebe-se que não se encontram presentes os pressupos­tos da concessão de efeito suspen­sivo a recurso.

Com efeito, a pretensão da esco­la recorrente não emite qualquer fu­maça de bom direito, eis que a ju­risprudência do STJ assentou-se no sentido de que

"- Estudante matriculado por efeito de liminar. Se ele está às vésperas de colar grau, não é aconselhável desconstituir seus créditos escolares, inda que se en­tenda que o regulamento da Uni­versidade não o assiste;

- Em situações como tais, a le­tra da lei deve ser encarada com temperamentos, em homenagem ao interesse público." (1 ª Turma - REsp 59.921-0/ES)

No que respeita ao perigo de le­são, a recorrente afunda-se em pa­radoxo.

O perigo resultante do exercício profissional pelo Recorrido estaria em suposta incompetência técnica ou científica.

Ora, como pode a Recorrente co­gitar em incompetência, quando ela própria o aprovou em todas as ma­térias que integram o curso por ela ministrado?

Nego provimento ao recurso.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 7.322 - MG

(Registro n Q 96.0038696-0)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo

Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Impetrado: Juízo de Direito de Prata - MG

EMENTA: Processual Civil. Mandado de segurança requerido pelo Ministério Público objetivando a preservação do direito de

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conhecer o teor das decisões e despachos para efeito da interposição do recurso adequado. Legitimidade.

Em face do Sistema Jurídico-Constitucional vigente, as deci­sões judiciais, além de proferidas com precisão e clareza, devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade (C.F., art. 93, IX, CPC, art. 165).

Ao juiz é defeso o proferimento de decisões, em código, impe­dindo o conhecimento do respectivo teor pelas partes e pelo M. Público e impossibilitando a interposição do recurso adequado.

É lícito, ao juiz, disciplinar, pela via de instruções, os serviços internos das serventias que lhe são subordinadas. Todavia, os atos normativos, com esse objetivo, além de publicados, para conheci­mento geral, não podem incursionar na disciplina do processo -ou do procedimento - função reservada ao legislador.

O Ministério Público tem legitimidade para impetrar seguran­ça visando preservar o exercício de suas atividades, porquanto, em face da legislação de regência, compete-lhe assistir aos atos judiciais, intervir nas causas em que houver interesse público (e definidas em lei) e recorrer das decisões, quer nos processos em que figure como parte, quer nos que intervenha como fiscal da lei.

Recurso provido. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, dar provimento ao recur­so, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integran­te do presente julgado. Participa­ram do julgamento os Srs. Minis­tros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado e José de Jesus Filho. Custas, como de lei.

Brasília, 13 de março de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 22-04-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Adoto, como Relatório, o contido na decisão de fl. 34, assim concebida:

"O ilustre Promotor de Justi­ça da Comarca de Prata manejou segurança ao fito de determinar­se ao coator que "nunca mais" uti­lize resoluções que baixou e des-

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tinadas à impulsão de processos, declarando-se nulos os atos im­pugnados (f. 07).

Para tanto, narra que o coator, "mediante uma série de Resolu­ções baixadas", por elas movi­menta os processos em curso co­mo por exemplo no de n Q 2.266/ 95 determinou se aplicasse a Re­solução n Q 07.

Diz que se não sabe o conteú­do de tais Resoluções, senão o coator e o Escrivão, visto que não foram publicadas, tratando-se de ato sem publicidade, com isso "obstruindo a ação ministerial".

Ao apreciar a inicial, indeferi a súplica, porque se trata de ato meramente administrativo, repu­tados viciosos. Como colocada a matéria, cabe à d. Corregedoria Geral de Justiça examiná-la, ja­mais em sede de mandado de se­gurança (f. 23). Determinei que se extraíssem cópia da inicial e dos documentos que a acompa­nham, remetendo-a ao Exmo. Sr. Des. Corregedor-Geral, diligên­cia já cumprida.

Inconformado, o Ministério PÚ­blico Estadual manifestou agravo regimental, sustentando: "Com efeito, infere-se do petitório inau­gural que o Ministério Público postula em defesa de prerrogati­va sua, constante no artigo 129, II, da Constituição Federal" -"zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direi­tos assegurados nesta Constitui­ção, promovendo as medidas ne­cessárias à sua garantia".

o ato impugnado, aduz, com­promete exatamente o bom anda­mento dos serviços, atingindo di­retamente a garantia constitucio­nal enfocada. As Resoluções cer­ceiam o direito líquido e certo não só do MP, mas também das par­tes envolvidas na relação proces­sual, "na medida em que estabe­lece privação na obtenção de in­formações imediatas acerca do andamento dos processos, impon­do-lhes o indevido ônus de pes­quisar o conteúdo de tais atos". Finalmente, há ameaça e há le­são ao princípio constitucional do due process oflaw (folhas 34/35).

Acrescento que o Tribunal julgou improcedente o Agravo Regimental, "sob fundamento de que se não tra­ta de tirar ou infirmar garantia do M. Público e o mandado de seguran­ça é impróprio para o que pretende o impetrante".

Inconformado, o M. Público, atra­vés do Procurador-Geral da Justi­ça, interpôs recurso ordinário, ale­gando:

a) o juiz da Comarca de Prata baixou uma série de Resoluções que devem reger os processos cí­veis e criminais que tramitarem naquele juízo;

b) o magistrado, ao proferir despacho e decisões, ao invés de fundamentá-los, reporta-se a Re­soluções, o que impede ao M. Pú­blico e às partes ciência exata da tramitação dos feitos, porquanto esses atos normativos nem se­quer foram publicados;

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c) o M. Público tem o dever e a prerrogativa de fiscalizar as ati­vidades jurisdicionais, no âmbi­to do processo e não pode fazê-lo desconhecendo o teor das deci­sões;

d) os atos do juiz obstaculizam, ao M. Público, o exercício de suas atividades.

N esta instância, o Dr. Subprocu­rador-Geral da República opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): O Ministé­rio Público do Estado de Minas Ge­rais, por seu Procurador-Geral da Justiça, pela via do recurso ordiná­rio, transfere controvérsia inusita­da a esta egrégia Corte, e em que, um juiz de Direito de Comarca do interior daquele Estado, elaborou Resoluções - sem a devida promul­gação (publicação), cujo conteúdo, embora com base nos elementos constantes dos autos, não nos é pos­sível conhecer, por inteiro; em que, pretendendo disciplinar, na esfera administrativa, os serviços internos de sua Comarca, se desbordou para o âmbito do próprio processo civil (e penal?) e, até legislando sobre procedimento, afrontando, a um só tempo, preceitos legais (C. de Proc. Civil, art. 499, § 2Q e arts. 165 e 458) e da C. Federal (arts. 37 e 93, IX).

Farei, para o conhecimento de meus eminentes pares, um sucinto relato.

O Dr. Juiz de Direito da Comarca de Prata, no interior de Minas Ge­rais, baixou Resoluções objetivando a disciplina dos serviços pertinen­tes à Escrivania e, sem dúvida, com o elogiável desiderato de acelerar o andamento dos processos, em geral. Embora não conste dos autos o in­teiro teor das Resoluções, com base em excertos inseridos em certidões e cópias de despacho que instruem o mandamus, pode-se concluir "que constituem formulários, despachos e decisões ou providências padroni­zadas" para que sejam observados pelos Escrivães, por determinação do juiz, quando a elas (Resoluções) se referir ao proferir, no curso dos processos, despachos ordenatórios ou decisões interlocutórias. As Re­soluções não são publicadas e delas não têm prévio conhecimento nem as partes, nem os advogados e o M. Público. Para uma avaliação mais acurada da situação vexatória cria­da pelas Resoluções, transcrevo, abaixo, alguns dos despachos (ou decisões) exarados, em diversos fei­tos, pelo nobre juiz indigitado como coator:

No processo de n Q 2.260 (folha 12):

"Defiro a execução. Aplique-se o despacho contido na Resolução n Q 07, observados os seus núme­ros 07 a 12 (Dra. Rosângela Muro­ka ou Dr. Jorge Oliveira)" (16.11.95).

No processo de n Q 2.297, o despa­cho está assim redigido:

"Defiro a Inicial. Aplique-se o despacho contido na Resolução

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05, observados os seus números 04,06 (prova testemunhal), 9 (03 salários mínimos) 9.1 (18.12.95, às 13,55 horas - D.S.)".

No processo n 9 2.266:

"Defiro a execução. Aplique-se o despacho contido na Resolução n 9 07, observando os seus núme­ros 07 e 12 (Dr. Raniel Correia Almeida ou Dr. Ozires E. V. Pá­dua)" 20.11.95.

Contra as Resoluções, que, como visto, são um misto de atos admi­nistrativos envolvendo matéria ni­tidamente de natureza processual, o Promotor de Justiça impetrou man­dado de segurança, alegando ofensa ao seu direito líquido e certo, uma vez que lhe compete fiscalizar o exato cumprimento da lei e, ainda:

a) o impetrante, já que as Re­soluções não são publicadas e delas não tem prévio conheci­mento, desconhece o que nelas se contém, razão por que fica obsta­da a sua função fiscalizadora e a ação Ministerial;

b) ao expedir tais Resoluções, de que ninguém tem acesso e que delas somente o próprio juiz e o Escrivão conhecem os respectivos conteúdos, impede, a autoridade coatora, que o impetrante e de­mais intervenientes nos feitos, fiscalizem os despachos e deci­sões e o andamento dos proces­sos, já que, ao juiz, no julgamen­to da lide, cabe observar as nor­mas legais (art. 126 do CPC);

c) a publicidade, ensina Hely Lopes Meirelles, "é a divulga­ção oficial do ato para conheci­mento público e início de seus efeitos externos, que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem. Exigem publicidade os atos administrati­vos, para adquirirem validade universal, isto é, perante as par­tes e terceiros. A publicidade é registro de eficácia e moralidade;

d) ao expedir as Resoluções sem lhes dar publicidade o faz, o coator, com ofensa a princípios constitucionais (art. 37 da C. Fe­deral) e, portanto, tais atos são inválidos e não produzem qual­quer efeito, por falta, ainda, do requisito da moralidade. Pediu a concessão de liminar e o deferi­mento da segurança.

o Des. Relator indeferiu liminar­mente a Inicial, sob o fundamento de que: "Trata-se de atos adminis­trativos, que poderiam ser viciosos. Cabe à Corregedoria Geral da Jus­tiça examiná-los. Por não ser caso de impetração, indefiro a Inicial, nos termos do art. 89 da Lei n9 1.533/51" (folhas 23/24).

Contra esta decisão, o Dr. Procu­rador da Justiça interpôs agravo re­gimental, a que o Tribunal de Jus­tiça negou provimento, com a sucin­ta e defectiva argumentação:

"Não se trata de tirar ou infir­mar garantia do M. Público, nem de negativa do devido processo legal. É que o mandado de segu­rança não é próprio para o que se pretende" (folha 38).

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É esta a relevante questão jurí­dica que o M. Público de Minas Ge­rais, pela sua Chefia, submete à apreciação desta egrégia Corte, pela via do recurso ordinário, para o qual pede provimento.

Entendo que a irresignação deve ser conhecida e provida, até mesmo pelo laconismo e defecção do próprio acórdão recorrido, que considero desfundamentado, em desconfor­midade com a lei (CPC, art. 458) e com a C. Federal (art. 93, IX).

Ressalto, desde logo, que a impe­tração envolve os atos administra­tivos, mas, também, as decisões jurisdicionais do juiz, que uma vez proferidas em "código", só o próprio magistrado ou os servidores da jus­tiça já iniciados na arte de deco­dificar, pode decifrar, interpretar ou compreender. Despachos ou de­cisões dessa natureza, ainda que tenham respaldo em atos de ordem administrativa, são Írritos e mani­festamente ilegais, e impedem o M. Público de exercitar deveres e obri­gações. É que, cabe ao M. Público, segundo mandamento expresso de lei (Lei n Q 8.625, de 1993, art. 43 e CPC, arts. 81, 82 e 499, § 2Q

), assistir aos atos judiciais, exercer o direito de ação, nos casos previstos na legis­lação, intervir nas causas em que houver interesse de incapaz, nas pertinentes ao estado das pessoas e nas que houver interesse público e recorrer das decisões, nos processos em que figura como parte e nos em que figura como fiscal da lei.

De conseguinte, constitui direito, dever e faculdade do Parquet fisca­lizar o andamento dos processos,

atividade que somente pode ser exercida, a contento, se conhecer e compreender, ou mesmo interpreta~ as decisões e despachos do juiz. E que, se entender que algum provi­mento jurisdicional está em dis­sonância com a lei (ou com os inte­resses públicos ou de incapazes), impõe-se-Ihe o dever, moral e fun­cional, de interpor o recurso ade­quado (art. 499, § 2Q

, do C. de Proc. Civil). Destarte, as decisões e os despachos do juiz devem ser claros e precisos, além de que fundamen­tados, como imperativo da lei e da Constituição Federal. A motivação das decisões constitui garantia dos cidadãos e inerente ao estado de direito. O preceito da motivação é de ordem pública. É a justificação de seus provimentos jurisdicionais que põe o juiz a coberto da suspeita dos dois piores vícios que possam manchá-lo: o arbítrio e a parciali­dade (Moacyr Amaral Santos). Desfundamentada se considera a decisãoque,aoinvésdeexpendera motivação jurídica, embora de modo sucinto, faz remissão a qualquer ato administrativo ou jurisdicional, es­pecialmente se não estiver inserido no processo. A mera remissão ao ato, no caso, torna os despachos, ou as decisões, de impossível compreen­são, comprometendo preceitos da lei e d~ C. Federal (CPC, art. 165 e C.F., art. 93, IX) e impede o M. PÚ­blico de exercer o seu munus, como fiscal da lei (ou, até, como autor da ação) e, portanto, de interpor os re­cursos cabíveis, na defesa do inte­resse público. Decisões, assim con­cebidas, cerceiam a atividade do impetrante (M. Público), obstacu-

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lando a realização de atos que, em algumas vezes, constituem direito e, em outras, dever ou obrigação oriunda da lei ou da Carta Política.

Parece-me evidente que, muito embora a Corregedoria Geral possa atuar perante o juiz para evitar o descumprimento da lei e, até de orien­tá-lo para ser mais cauteloso na feitu­ra de resoluções que, de algum modo incursionam na disciplina do pro­cesso - ou do procedimento - fun­ção reservada ao legislador, é intei­ramente cabível a impetração da se-

gurança objetivando preservar a possibilidade de o M. Público exer­cer as suas atividades e as atribui­ções conferidas em lei, sem os óbi­ces elencados na fundamentação do mandamus.

Com estas considerações, dou provimento ao recurso, para afas­tar o incabimento, no caso, da ação de segurança e devolver o processo ao Tribunal de origem para que jul­gue o mérito da causa, como enten­der de direito.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 14.022 - SP

(Registro n Q 91.0017590-0)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo

Recorrido: Mário Érico Cornago

Advogados: Drs. Elizabeth Jane Alves de Lima e outro, e Dorival Scarpin e outros

EMENTA: Processual Civil. Execução Fiscal. Depositário. Res­ponsabilidade. Art. 150, CPC. Lei n Q 6.830/80 (art. 11).

1. A responsabilidade do depositário, quanto à guarda e con­servação do bem penhorado, não se presume, impondo-se a de­monstração de conduta negligente ou desidiosa ou com o mani­festo propósito de causar o desvio, dano ou perda do bem deposi­tado.

2. Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e no-

54 R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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tas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte in­tegrante do presente julgado. Par­ticiparam do julgamento os Senho­res Ministros José Delgado, José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Se­nhor Ministro Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Se­nhor Ministro Milton Luiz Pereira.

Custas, como de lei.

Brasília, 17 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 17-03-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Trata-se de Recurso Ex­traordinário, com Argüição de Re­levância, convertido em Especial, malferindo o v. aresto do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciado nos se­guintes termos:

"Inadmissível, face aos elemen­tos destes autos, responsabilizar o recorrente pela deterioração do bem penhorado, que ficou sem uso durante três anos e três me­ses. Não estava ele obrigado a manter em funcionamento um forno industrial, que pesa 1.200 quilos. Não se caracterizou, por­tanto, a figura do depositário in­fiel, conforme bem demonstrou o agravante.

Em caso assemelhado foi res­saltado que a 'prisão do deposi-

tário cabe em caso de infidelida­de, ou seja, quando ele não resti­tui, uma vez exigido, o objeto de­positado (cf. art. 1.287 do CC; arts. 901 e 904 e seu parágrafo único do CPC).

Na espécie em exame, não se cuida de depositário infiel, mas de imputação de responsabilida­de pela má conservação da coisa depositada. A matéria vem às ex­pressas regulada pelo art. 150 do CPC, que reza, in verbis: 'O de­positário ou o administrador res­ponde pelos prejuízos que, por do­lo ou culpa, causar à parte, per­dendo a remuneração que lhe foi arbitrada ... '" (fls. 26/27).

O Recurso funda-se na negativa de vigência ao artigo 150 do Código de Processo Civil, tendo em vista a culpa in vigilando do depositário. Além disso, o v. aresto atacado te­ria dissentido da jurisprudência do Excelso Pretório e da Súmula 619/ STF.

Ao contra-arrazoar o Recorrido disse que não houve dolo ou culpa na guarda do bem, e que, se com­provada a culpa, os prejuízos deve­rão ser apurados em processo pró­prIO.

O Subprocurador-Geral da Repú­blica, Dr. José Antônio Leal Chaves, opinou pelo não conhecimento do re­curso, tecendo os seguintes comen­tários:

" ... não prospera o apelo em te­la, no que se dizia amparado no estatuído na alínea a do permis­sivo constitucional, ou seja, na

R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 55

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denúncia de negativa de vigência do art. 150 do CPC, porquanto, em nenhum passo foi este contraria­do ou desprezado pelo r. acórdão impugnado, que, só e só, bem dis­tinguiu depositário responsável pela má conservação da coisa pe­nhorada do depositário infiel, para assentar cabível o aforamento de ação própria, para haver daquele a indenização dos alegados pre­juízos por ele causados e não a exigência de imediato depósito do valor do bem penhorado, sob ameaça de prisão do depositário, que não se dispusera a efetuar, com seu numerário, as despesas necessárias à conservação, in casu, de um forno industrial de 1.200 quilogramas, movido a car­vão, também industrial.

Não exsurge dos autos supor­te bastante à caracterização do depositário, ora recorrido, como infiel, posto que não houve des­vio de bens." (fl. 62)

omissis.

"O dissídio jurisprudencial de­nunciado, de outra parte, não se instaurou. Conforme se apreen­de das razões recursais vertidas às fls. 34/38, carece de similitude com a hipótese sub judice tanto o estabelecido na Súmula n Q 619 da Excelsa Corte, quanto o assen­tado no r. acórdão dado no RE n Q

103.164-6/SP, nos quais avulta a infidelidade do depositário nes­tes autos não configurada." (fl. 64).

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Revela-se que, em execução fiscal, foi determina­da a atualização do valor do bem pe­nhorado, intimando-se o depositá­rio (devedor executado) para pagar o quantum apurado, sob pena de prisão, conseqüente à falta de zelo na conservação da garantia ofere­cida à cobrança forçada, ato judici­al provocador de Agravo de Instru­mento provido.

Inconformada com o provimento, a Fazenda Estadual articulou Re­curso Extraordinário com Argüição de Relevância, ipso iure, vertido para a via Especial (fl. 48 - autos apensados).

Nesse contexto, embora agasa­lhado o conhecimento, colocada a questão sob exame, de logo, espia­se o insucesso da pretensão recur­sal, à vista das certeiras razões li­neadas no ferretado v. Acórdão, tex­tualmente:

c .. ) "Inadmissível, face aos ele­

mentos destes autos, responsabi­lizar o recorrente pela deteriora­ção do bem penhorado, que ficou sem uso durante três anos e três meses. Não estava ele obrigado a manter em funcionamento um forno industrial, que pesa 1.200 quilos. Não se caracterizou, por­tanto, a figura do depositário in­fiel, conforme bem demonstrou o agravante.

Em caso assemelhado foi res­saltado que a 'prisão do deposi-

56 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128. setembro 1997.

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tário' cabe em caso de infidelida­de, ou seja, quando ele não resti­tui, uma vez exigido, o objeto de­positado (cf. art. 1.287 do CC; arts. 901 e 904 e seu parágrafo único do CPC).

N a espécie em exame, não se cuida de depositário infiel, mas de imputação de responsabilida­de pela má conservação da coisa depositada. A matéria vem às expressas regulada pelo art. 150 do CPC, que reza, in verbis: 'O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada ... " (fls. 26 e 27).

Apoiando o julgado, destacou o douto agente do Ministério Público Federal:

"O dissídio Jurisprudencial denunciado, de outra parte, não se instaurou. Conforme se apre­ende das razões recursais verti­das às fls. 34/38, carece de simi­litude com a hipótese sub judie e tanto o estabelecido na Súmula nº 619 da Excelsa Corte, quanto o assentado no r. acórdão dado no RE nº 103.164-6/SP, nos quais avulta a infidelidade do deposi­tário, nestes autos não configu­rada" (fl. 64).

A jurisprudência tem preceden­tes abonadores:

- "Processual Civil - Depo­sitário - Responsabilidade.

O simples confronto das afir­mativas do agravante, por si só, é insuficiente para induzir res­ponsabilidade do depositário por qualquer desgaste no bem penho­rado ou ter ocorrido uso indevido dele, mesmo porque o desuso per si pode causar danos.

Negou-se provimento ao agra­vo" (Ag. Inst. 43.285-MG - ReI. Min. Sebastião Alves dos Reis -TFR).

- "Processual Civil - Depo­sitário - Execução.

I - Se os bens em depósito fo­ram destruídos pela ação do tem­po, não se pode responsabilizar o depositário, por infidelidade.

II - Agravo improvido" (Ag. Inst. 48.072-MA - Rel. Min. Carlos M. Velloso - TFR).

Comungando com as razões co­memoradas, reanimando-as como motivação, voto improvendo o re­curso.

É o voto.

R. sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 57

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RECURSO ESPECIAL NQ 88.683 - SP

(Registro nQ 96.0010534-0)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS

Advogados: Drs. Carla Pedroza de Andrade e outros, e Regina Célia Cervantes e outro

EMENTA: Processo Civil. Execução fiscal. Requerimento de pre­ferência feito por autarquia apresentando crédito privilegiado. Inexistência de execução concomitante e de penhora sobre o mes­mo bem. CPC, artigos 612 e 711. CTN, artigo 187. Lei n Q 6.830/80 (art. 29, parágrafo único).

1. Impõe-se a existência de prévia execução e penhora sobre o mesmo bem, faltando legitimidade para suscitar privilégio de cré­dito a quem não demonstre tais pressupostos. Inadmissível a sim­ples intervenção em processo de execução porque, sem integrar a relação processual, singelamente pedindo, pretenda receber cré­dito apontado como privilegiado.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e no­tas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte in­tegrante do presente julgado. Par­ticiparam do julgamento os Senho­res Ministros José Delgado, José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Humberto Gomes de Bar­ros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.

Custas, como de lei.

Brasília, 27 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREI­RA, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 24-03-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Trata-se de Recurso Es­pecial, fundado no artigo 105, inciso IH, alíneas a e c, da Constituição Federal, proposto pela Fazenda do Estado de São Paulo, impugnando o v. aresto do egrégio Tribunal de

58 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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Justiça do Estado de São Paulo, as­sim ementado:

"Execução Fiscal. Os créditos fiscais são sempre privilegiados e concorrendo vários credores, o concurso resolve-se pela ordem do art. 29, parágrafo único, da Lei n Q 6.830/80. Assim, o crédito do INSS tem precedência sobre o da Fazenda do Estado" (fi. 58).

Sustenta a recorrente que o v. aresto negou vigência aos artigos 187, do Código Tributário Nacional e 29, parágrafo único, da Lei 6.830/ 80, assim como dissentiu da Juris­prudência desta Corte.

Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões.

O ínclito 42 Vice-Presidente, em substituição, do e. Tribunal de ori­gem admitiu o Especial por enten­der presentes os pressupostos de admissibilidade.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Põe-se contro­vérsia conseqüente do reconheci­mento judicial de preferência para pagamento de crédito constituído em favor do INSS, conforme ficou resumido na ementa do ferretado v. acórdão:

"Execução Fiscal. Os créditos fiscais são sempre privilegiados e concorrendo vários credores, o concurso resolve-se pela ordem

do art. 29, parágrafo único, da Lei n 2 6.830/80. Assim, o crédito do INSS tem precedência sobre o da Fazenda do Estado" (fi. 58).

Presentes os requisitos de admis-sibilidade, o recurso merece ser co­nhecido (art. 105, IH, a, c, C.F.).

Favorecido o exame, coloca-se que, a respeito dos créditos estatais privilegiados, duas situações são claramente divisadas: uma, revela­dora do ajuizamento de execuções autônomas (Estado e autarquia), re­caindo a penhora sobre bem já pe­nhorado; a outra, única execução em curso, com penhora sobre bem diverso ou sem a sua formalização.

Nessa perspectiva, a jurispru­dência perfilia soluções diferencia­das. Para a primeira hipótese, a dis­cussão restringe-se entre os credo­res, versando o direito de preferên­cia. Na outra, descabendo o simples pedido de intervenção no processo de execução, o qual não integra, simplesmente alegando preferên­cia. Logo, deverá ajuizar a execu­ção e, recaindo a penhora sobre o mesmo bem, então, suscitar a pre­ferência creditícia. Assim já se pro­nunciou o extinto Tribunal Federal de Recursos; confira-se:

- "Execuções. Pretensão de exercer direito de preferência por parte de autarquia. Não é lícito à Fazenda simplesmente intervir em processo de execução a que é estranha para, sem mais, receber o que pretende ser-lhe devido. Haverá de ajuizar a execução e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, oportunamente exer­cer seu direito de preferência.

R. Sup. Trib. Just .• Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 59

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Provimento negado" (Ag. Inst. n Q 48.513-SP - lAPAS x Fazen­da do Estado de São Paulo - ReI. Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 5.3.1986).

À ocasião, observou o eminente Relator:

" ... seria totalmente injustifi­cável que o credor, com privilé­gio decorrente da natureza da obrigação, pudesse sem razão plausível, perturbar a execução movimentada por outro. Garan­tido o pagamento de seu crédito pela penhora, basta-lhe levar o processo até o final.

A questão costuma colocar-se quando não haja penhora. Cum­pre considerar, de início, que a atuação da Fazenda não fica li­mitada pela instauração de con­curso de preferência de qualquer tempo, ajuizar execução. É isto o que deverá fazer, como se passa a mostrar.

Os artigos 711 a 713 da lei pro­cessual regulam concurso parti­cular que não se confunde com o universal, consistente na execu­ção contra devedor insolvente. N os termos dos artigos citados, verifica-se que a disputa é exclu­sivamente entre os credores, res­tringindo-se ao direito de prefe­rência e à anterioridade da pe­nhora. Não cuida a lei de possi­bilidade de intervenção do deve­dor, ao contrário do que sucede na execução contra insolvente, em que pode ela intervir na fase de verificação dos créditos (art. 768, parágrafo único).

Amílcar de Castro observa que 'o concurso de preferência não é litígio com o devedor-executado' o qual, por isso mesmo, não há de ser citado ou intimado e não poderá mesmo ser ouvido (Coment. ao C.P.C., vol. VIII -Rev. Trib. - São Paulo - 1974, págs. 348/349). No mesmo senti­do Celso Neves (Coment. ao C.P.C., vol. VII - Forense, pág. 137).

Há que se admitir que a exclu­são do executado funda-se em que, no concurso, apenas se deci­dirá sobre a preferência entre os credores, matéria que não lhe diz respeito, pois, de qualquer sorte, haverá de pagar a todos. Claro está, entretanto, que em algum outro processo não se lhe poderá negar a possibilidade de impug­nar a própria existência do cré­dito, o que lhe interessa e muito.

A execução enseja o oferecimen­to de embargos. Impossível acei­tar-se que, apenas porque o cre­dor interveio após o leilão, seja­lhe subtraída a oportunidade de impugnar o crédito, efetuando-se o pagamento sem sua audiência. Em vista do exposto, forçoso con­cluir que a lei afasta intervenção do devedor, tratando-se de con­curso particular, porque tem en­sejo de em outro processo de­duzidas as razões, visando des­constituir o título. Tratando-se de crédito previdenciário, por meio de embargos à execução.

Tendo, pois, como certo, que não pode a Fazenda simplesmente in­tervir em processo de execução a

60 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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que é estranha e pretender rece­ber o que entende devido, alegan­do preferência, haveria violência ao contraditório que mantém na execução se há de observar. A via adequada será o ajuizamento da execução. Recaindo a penhora sobre o mesmo bem, surgirá opor­tunidade para que se exerça seu direito de ver-se paga antes de outros credores" (fls. 75 a 77).

Anota-se que esta Corte tem pre­cedente abonando a compreensão comemorada:

- "Execução Fiscal Movida por Fazenda Estadual. Direito de Preferência por Parte de Autar­quia Federal. CPC, artigos 612 e 711. CTN, art. 187. Lei n Q 6.830, de 22.9.80, artigo 29, parágrafo único.

I - Não é lícito a autarquia federal simplesmente intervir em processo de execução a que é es­tranha para, mais, receber o que pretende ser-lhe devido. Haverá, em caso, de ajuizar execução e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, exercer oportuna­mente seu direito de preferência.

II - Recurso especial conhe­cido e provido" (REsp n Q 11.657-SP - ReI. Min. Eduardo Ribeiro - in DJU de 8.9.92).

Explicita-se que, neste recurso, o INSS não demonstrou a existência de penhora incidente sobre o mes­mo bem. Outrossim, esta Turma, igualmente, tem precedente tratan­do de idêntica questão, relatado

pelo eminente Ministro Cesar Ro­cha; a dizer:

" ... o concurso de preferência de que cuidam os arts. 187 do Código Tributário Nacional e 29, parágrafo único, da Lei n Q 6.830/ 80, só se dá quando instaurado o concurso creditório (devedor ci­vil) ou a execução coletiva fali­mentar (devedor comerciante), hipóteses em que as Fazendas Públicas a eles não se submetem, podendo mover as suas execu­ções independentemente do juízo concursal.

Fora dessas hipóteses, apli­cam-se disposições contidas nos arts. 612 e 711 do Código de Pro­cesso Civil, pelas quais se exige a pluralidade de penhoras, sen­do o apurado das arrematações distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prela­ções. Vale dizer: impõe-se a exis­tência de prévias execução e pe­nhora sobre o mesmo bem leiloa­do, falecendo a quem não de­monstre tais pressupostos apti­dão para pretender a satisfação do crédito, que alegar possuir, contra o executado.

Destarte, como observado aci­ma, não é lícito ao recorrido autarquia simplesmente intervir em processo de execução a que é estranho para, sem mais, receber o que pretende ser-lhe devido, vis­to ser necessário, em tal caso, ajui­zar execução e, recaindo a penho­ra sobre bem já penhorado, exer­cer oportunamente o seu di-reito de preferência" (REsp n Q 33.902-2-SP - in DJU de 18.4.94).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 61

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Eis a ementa deste último julga­do:

Assim, impõe-se a existência de prévias execução e penhora sobre o mesmo bem leiloado, fa­lecendo a quem não demonstre tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédi­to, que alegar possuir, contra o executado.

62

- "Processual Civil- Execu­ção Fiscal Proposta pela Fazen­da Estadual. Concurso de Prefe­rência Requerido pelo lAPAS.

O concurso de preferência de que cuidam os arts. 187 do Códi­go Tributário Nacional e 29, pa­rágrafo único da Lei n Q 6.830/80, só se dá quando instaurado o con­curso creditório (devedor civil) ou a execução coletiva falimentar (devedor comerciante), hipóteses em que as Fazendas Públicas a eles não se submetem, podendo mover as suas execuções inde­pendentemente do juízo concur­sal.

Fora dessas hipóteses, apli­cam-se as disposições contidas nos arts. 612 e 711 do Código de Processo Civil, pelas quais se exi­ge a pluralidade de penhoras, sendo o apurado das arremata­ções distribuído e entregue con­soante a ordem das respectivas pre­lações.

Precedentes.

Recurso provido" (fl. 81).

À guisa de referência, lembro que a egrégia Segunda Turma, sustentan­do posição contrária, tem julgados fa­vorecendo à preferência do crédito da autarquia: REsp 10.089 - Rel. Min. Américo Luz - in DJU de 7.12.92; REsp 8.338-0-SP - ReI. Min. Peçanha Martins - in DJU de 8.11.93.

Vincada a motivação, por si sufi­ciente, com as razões desenvolvidas nos julgados, não admitindo simples intervenção em processo de execu­ção a que a parte requerente do pri­vilégio é estranha, devendo antes ajuizar a sua, reanimando a funda­mentação louvada, voto provendo o recurso.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 89.561- SP

(Registro n Q 96.0013169-4)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Recorrente: Via Engenharia S. A. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

Interessados: Abraão Pereira da Silva e outros Advogados: Drs. Cristovão Colombo dos Reis Miller e Daniel Costa

Rodrigues

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EMENTA: Processual Civil. Ação civil pública. Proteção ao con­sumidor. Assistência. Transformação do resultado. Leis n2l: 7.3471 85 (art. 21). Lei 8.078/90 (art. 84 e § 1 Q) - CPC, artigos 50 e pará­grafo único, 264, parágrafo único, 267, I e VI, 295, I, e parágrafo único, IH, 302, 303 e 462.

1. Ação Civil Pública, reforçada por disposições do Código de Defesa do Consumidor, quanto à intervenção de terceiros inte­ressados para a apuração de responsabilidade por danos morais e patrimoniais, acolhe a aplicação supletiva do CPC (arts. 50 e 54). Outrossim, diferentemente de outras ações de jurisdição liti­giosa, nos quais os efeitos da sentença alcançam somente as par­tes integradas à relação processual formada, na Ação Civil Públi­ca a eficácia é erga omnes (art. 16, Lei 7.347/85, arts. 16, 19 e 21).

2. O ingresso do assistente na relação processual formada na espécie em causa guarda conteúdo e repercussões peculiares, re­cebendo a causa no estado em que se encontrar, mas sem excluir causa superveniente (art. 462, CPC). Pois a prestação jurisdicional há de compor a lide como ela se apresenta no momento da entre­ga. O direito superveniente é o direito objetivo pela ocorrência de fatos novos constitutivos, modificativos ou extintivos da pre­tensão deduzida na inicial.

3. Impossível a tutela específica inicialmente pedida, quanto ao resultado, viabiliza-se a transformação preconizada em lei (da­nos e perdas), já que a sentença deve refletir o estado de fato da lide no momento em que for proferida. No caso, sem alteração substancial da causa de pedir, no pertencente ao resultado, notó­ria causa superveniente forçou a transformação (art. 84 e § 1 Q, Lei 8.078/90).

4. Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Primeira Turma do Su­perior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, negar provimento ao re­curso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Senhores Minis­tros José Delgado, José de Jesus Fi-

lho, Demócrito Reinaldo e Hum­berto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Hum­berto Gomes de Barros.

Custas, como de lei.

Brasília, 3 de abril de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Relator.

Publicado no DJ de 28-04-97.

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pro­feriu acórdão, cuja ementa está as­sim consubstanciada:

"Agravo de instrumento - ação civil pública para vedação da ou­torga de habite-se e da comercia­lização de casas populares - Sus­pensão da liminar pelo Presiden­te do Tribunal - Pedido de as­sistência dos promitentes-com­pradores e conversão em perdas e danos - Art. 84 e § 1 Q da Lei n Q

8.078/90 -Adequação da preten­são ao estado de fato atual para ensejar a prestação de resultado prático correspondente ao da tu­tela objetivada na inicial - Re­curso improvido" (fi. 1.246).

Os Embargos de Declaração in­terpostos foram rejeitados nos ter­mos da ementa, in verbis:

"Embargos de declaração. Agra­vo de instrumento improvido em ação civil pública para vedação da outorga de habite-se e da co­mercialização de casas populares - Suspensão da liminar pelo Presidente do Tribunal - Pedi­do de assistência dos mutuários adquirentes e conversão em per­das e danos admitida -Arts. 84, § 1 Q e 90 da Lei n Q 8.078/90 e art. 264, § único do C.P.C. -Adequa­ção da pretensão ao estado de fato atual para ensejar a presta­ção de resultado prático corres­pondente ao da tutela objetivada

na inicial - Omissões e contra­dições inocorrentes - Embargos rejeitados" (fi. 1.262).

Contra o v. aresto e com funda­mento no artigo 105, inciso III, alí­nea a, da Carta Magna, foi inter­posto Recurso Especial, no qual se alega negativa de vigência aos arti­gos 131, 165,267, incisos I e VI, 295, incisos I e III, 302, 303, 462, e 458, inciso lI, do Código de Processo Ci­vil; 50, parágrafo único, 84, pará­grafo único, 90 e 264, parágrafo único, do Código de Defesa do Con­sumidor.

Espera a Recorrente "a anulação do feito a partir daquela decisão, na medida que admitiu o ingresso de terceiros na lide, alterando e adicio­nando os pedidos do Ministério PÚ­blico deduzidos na ação civil públi­ca sem, no entanto, assegurar à Re­corrente que também pudesse adi­tar a sua defesa e apresentar novas provas em oposição aos novos pedi­dos dos terceiros".

Simultaneamente foi interposto Recurso Extraordinário (art. 102, lU, a, C.F.), inadmitido na origem, decisão contra a qual foi interposto Agravo de Instrumento.

O Recorrido, em suas contra-ra­zões, afirma que o Recurso não deve ser conhecido, em razão do provi­mento dado à apelação n Q 264.004-1/9, para se anular a sentença en­tão prolatada, considerada condicio­nal, fazendo com que o presente re­curso tenha perdido o objeto. No mérito disse incidir o teor da Sú­mula 284 da Excelsa Corte.

64 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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Instado pelo nobre 3Q Vice-Presi­dente a se pronunciar acerca da alegada perda do objeto, a Recor­rente disse que "ao anular a r. sen­tença (Apelação Cível 264.004-119; v. fls. 1.349/1.331) a E. Câmara não alterou o resultado do julgamento do Agravo de Instrumento n Q

245.104-116 (fls. 1.246/1.253), de modo que o r. despacho agravado (reproduzido a fls. 1.282 e 1.300 e por cópia a fls. 1.140, 6Q volume)­que admitiu os assistentes Abraão Pereira da Silva e Outros no pólo ativo da lide - não foi nem refor­mado, nem revogado, nem anulado", por isso os Recursos interpostos não perderam o objeto.

O Recurso Especial foi admitido pelo eminente 3Q Vice-Presidente do Tribunal a quo, em parte, para ne­gar seguimento quanto à alegada negativa de vigência aos artigos 131, 165 e 458, inciso II, do Código de Processo Civil, porque:

" ... não aproveita a alegação de falta de prestação jurisdicional, por ausência de fundamentação do acórdão pois, como tem se manifestado o C. Supremo Tribu­nal Federal, em reiteradas deci­sões, prestação jurisdicional, ain­da que errônea, não deixa de ser prestação jurisdicional, inexis­tindo, daí, ofensa ao art. 153, § 4Q

, da CF/69 (Ag. n Q 132.742-1-MS, ReI. Min. Carlos Madeira, in DJU de 30-10-89, pág. 16.464)".

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Pela guia do relatório, na sementeira das infor­mações plantadas no processo de Agravo de Instrumento formado nos autos de Ação Civil Pública, colhe­se que a insurgência foi provocada pelo v. Acórdão, assim resumido:

"Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública para vedação de outorga de 'habite-se' e da comer­cialização de casas populares -Suspensão da liminar pelo Pre­sidente do Tribunal - Pedido de Assistência dos promitentes-com­pradores e conversão em perdas e danos. Art. 84 e § l Q da Lei n Q

8.078/90 -Adequação da preten­são ao estado de fato atual para ensejar a prestação de resultado prático correspondente ao da tu­tela objetivada na inicial - Re­curso improvido."

A manifestação recursal, rejeita­dos os embargos declaratórios, as­sestando críticas ao ingresso de ter­ceiros no pólo ativo e contra a mo­dificação do pedido inicial, tem por motivação alegada negativa de vi­gência aos artigos 131, 165 e 458, II, CPC; arts. 84, parágrafo único, e 90, da Lei 8.078/90; arts. 50, pa­rágrafo único, 264, parágrafo úni­co, 267, I e VI, 295, I, c/c parágrafo único, UI, 302, 303 e 462, CPC.

Presentes os requisitos de admis­sibilidade, nos limites estabelecidos na r. decisão proferida no douto JUÍ­zo a quo (fls. 1.360 a 1.362), o re-

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curso merece ser conhecido (art. 105, In, a, C.F.).

Desimpedido o exame, de imedia­to, registre-se que, posteriormente, no julgamento da apelação, a anu­lação da sentença de mérito, não deixou sem objeto o presente recur­so, inequívoco que o v. Acórdão, intangidos os atos processuais an­teriormente realizados, resguardou a continuação do processo (fls. 1.320 a 1.331). Vale dizer, entre os atos judiciais mantidos encontra-se a decisão agravada, causa do v. aresto ferretado na via Especial.

Desse modo, viabiliza-se a veri­ficação da decisão irradiadora da re­lação jurídico-litigiosa propiciadora do Agravo de Instrumento, com o seguinte conteúdo:

"O pedido de fls. 868/876 con­figura, efetivamente, hipótese de assistência litisconsorcial, nos termos do art. 54 do CPC, pois o direito que se discute também é o dos requerentes. A sentença a ser prolatada certamente vai in­fluir na relação jurídica entre os assistentes e a parte contrária ao assistido, vez que são eles com­promissários-compradores das unidades habitacionais onde atualmente residem segundo ale­gado.

Ademais, não há que se falar em carência ou inépcia do pedido de assistênciajá que o art. 84 da Lei n Q 8.078/90 preceitua sobre os casos de conversão da obrigação em perdas e danos quando for impossível a obtenção do resul­tado prático correspondente, dis-

posição esta aplicável a ação ci­vil pública, conforme art. 21 da Lei n Q 7.347/85.

Todavia, devem os assistentes comprovar documentalmente se­rem pobres na acepção do termo, regularizando o reconhecimento de firmas dos instrumentos de mandatos juntados, no prazo de 10 dias.

Sem prejuízo, manifestam-se todas as partes sobre o documen­to novo juntado (fls. 1.128/1.132). (fl. 1.140).

Diante desse provimento judici­al, como adiantado, insurgiu-se a parte recorrente, de riste, objurgan­do a admissão de terceiros, como as­sistentes litisconsorciados com o autor da ação e malsinando a decor­rente alteração do pedido inicial, com a pretensão de que a ação pro­cesse-se apenas relacionando as partes originárias e fiel a pretensão definida na petição inaugural.

Nesse contexto, com vantagem, bem se aprumam as objetivas obser­vações lineadas, primeiramente, no inaugural Acórdão e, depois, nojul­gamento dos Embargos de Declara­ção, textualmente:

" ... Inocorreu a acenada nuli­dade, porquanto a decisão impug­nada, com os fundamentos tidos por adequados e suficientes, apreciou o pedido de assistência e o acolheu, repelindo, em contra­partida, de forma concisa, os ar­gumentos da agravante, sem ne­cessidade de fazê-lo dissertativa ou analiticamente quanto a cada

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um deles, tendo, ademais, indi­cado fundamento legal que ajus­tou à hipótese.

É plenamente cabível a inter­venção de compromissários-com­pradores na ação civil pública, a teor do art. 50 e seu § único, do CPC, que autorizam a assistên­cia em qualquer tipo de procedi­mento e em qualquer grau de ju­risdição.

O interesse dos assistentes é inafastável, já que a matéria questionada a eles dizia manifes­to respeito e, sem dúvida, ocor­reu alteração da situação fática como resultado da suspensão da liminar em pedido ao Exce­lentíssimo Des. Presidente do E. Tribunal, que ensejou a comer­cialização imediata das casas, que a demanda se propunha a obstar.

No entanto, ainda que preju­dicada a vedação de comercia­lização, os motivos de fato para ela apontados, se efetivamente, existiam, não haveriam de desa­parecer necessariamente, perma­necendo, pois, a substância da causa, tanto que a própria Deci­são Presidencial assinalou que 'a redução dos efetivos da liminar ... deixa preservada a discussão da substância da causa, para oportuna e plena apreciação após regular instrução. Assim, en­quanto se discute eventual direi­to ou responsabilidade, assegura­da estará a preservação das cons­truções e sua utilização para a finalidade que se destinam, res­salvada a destacada responsabi­lidade da autoridade municipal e do construtor' (fls. 7081709).

Forçoso concluir, portanto, que no pleito de vedar-se a comercia­lização das unidades por vícios construtivos, compreende-se a responsabilidade indenizatória em favor dos adquirentes que se viram prejudicados pela comer­cialização não estancada, de sor­te que, frustrada a proibição, re­manescendo prejuízo, corolário lógico é a indenização.

Assim, há de revelar-se tam­bém legítima a pretensão de con­verter-se em perdas e danos a obrigação de não fazer (não comercialização das unidades) que, em tese, caberia ser decla­rada, não fosse inócua a declara­ção, posto que a devedora já con­sumou o facere (comercialização das casas).

É certo - como anota a douta Procuradoria oficiante - que o art. 264, § único, do C.P.C. veda a alteração do pedido ou da cau­sa de pedir após o saneamento do feito. Todavia, o rigor dessa norma foi mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê nas ações envolvendo relação de consumo, como a do caso em tela, a conversão da obrigação em perdas e danos. Evidentemente, existem restri­ções a essa conversão. Tanto as­sim, que apenas em duas hipó­teses se admite a conversão: quando se tratar de opção feita pelo autor, ou, quando não for possível a tutela específica, nem a obtenção do resultado prático correspondente (§ único do art. 84 do CDC).

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Sendo inviável, no caso dos autos, atender-se o pedido inici­al, que restou prejudicado, em vista de decisão judicial (suspen­são da liminar pelo Desem­bargador Presidente do e. Tribu­nal) que autorizou a venda e ocu­pação das unidades habita­cionais, enquanto se discutia eventual direito ou responsabili­dade, é de ser reconhecida a pos­sibilidade jurídica de se adequar a pretensão ao estado de fato atu­al, ensejando-se a prestação da tutela jurídica correspondente àquela inicialmente objetivada". (fls. 1.251 a 1.253).

" ... Não há lugar - reitera-se aqui - para a nulidade almeja­da, pois a decisão impugnada, com fundamentos adequados e suficientes, apreciou o pedido de assistência e o acolheu, repelin­do, em contrapartida, de forma concisa, os argumentos da ora embargante, sem necessidade de fazê-lo dissertativa ou analitica­mente quanto a cada um deles, tendo, ademais, indicado funda­mento legal que ajustou à hipó­tese, conforme estampado em seu texto trasladado a fls. 1.140 e rea­firmados a fls. 1.181/1.181 v.

A concisão - ao contrário do propugnado pela embargante -é forma retórica, precisa e legal e não falta de fundamentação de determinado pronunciamento.

Aliás, os arts. 459, in fine e 165, também em sua parte final, do CPC, nos casos de extinção do processo, sem julgamento do mé-

rito e nas decisões interlocutó­rias, autorizam expressamente o julgador a utilizar a forma conci­sa.

O r. despacho profligado - não resta dúvida -, ao admitir os promitentes-compradores (mu­tuários) das unidades habitacio­nais como assistentes litisconsor­ciais do agravado e a conversão do pedido de não comercialização das casas em perdas e danos, in­dicou os motivos desse convencio­namento, que decorreram pri­mordialmente da situação de fato advinda da deferida suspensão parcial dos efeitos da liminar pelo Desembargador Presidente do Tribunal até o julgamento defi­nitivo da ação civil pública e as­sentaram na impossibilidade de obtenção do resultado prático correspondente à tutela específi­ca inicialmente objetivada (não comercialização das casas), como permitia a fungibilidade do pedi­do em tal modalidade de lide, na forma dos arts. 84, § 1 Q, e 90, do Código de Defesa do Consumidor, do art. 21 da Lei n Q 7.347/85 e do art. 50 do CPC.

Tratando-se de simples decisão interlocutória, e não de sentença de mérito, era ocioso esgotar a indicação dos motivos e a análise das questões de fato e de direito, em termos de fundamentação exigida nos arts. 131 e 458, inciso lI, do CPC.

Como enfatizado no v. acórdão hostilizado, 'ainda que prejudica­da a vedação de comercialização, os motivos de fato para ela apon-

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tados, se efetivamente existiam, não haveriam de desaparecer ne­cessariamente, permanecendo, pois, a substância da causa', a en­sejar, portanto, readequação ou alteração do pedido, enquanto persistisse referida suspensão, 'tanto que a própria Decisão Pre­sidencial assinalou que 'a redu­ção dos efeitos da liminar ... dei­xa a discussão da substância da causa, para oportuna e plena apreciação após regular instru­ção. Assim, enquanto se discute eventual direito ou responsabili­dade, assegurada estará a preser­vação das construções e sua uti­lização para a finalidade que se destinam, ressalvada a destaca­da responsabilidade da autorida­de municipal e do construtor' (fls. 708/709)' (fls. 1.251/1.252).

Não há cogitar, por conseguin­te, de falta, nem de insuficiência de fundamentação, que acarre­tasse nulidade da decisão agra­vada, nem tampouco de inobser­vância do princípio inscrito no art. 93, inciso IX, da Carta Mag­na.

Combinando-se o art. 50, § único, do CPC, com o art. 84, § 1 Q, do CDC, nenhum óbice podia existir à integração dos promi­tentes-compradores no pólo ati­vo da ação, recebendo eles o pro­cesso no estado em que se encon­trava e, a partir daí, constatada a impossibilidade de cumprimen­to da obrigação de não fazer (não comercialização das casas), em virtude sempre da mudança da situação de fato anterior opera-

da pelos efeitos do cumprimento da suspensão da liminar, que ha­veriam de ser provisórios (até o julgamento definitivo da ação, se não revogada antes) e não haven­do como remover aqueles efeitos já concretizados, que a embar­gante não buscou evitar, o resul­tado prático correspondente ao pleito inicial de não comercia­lização seria alcançado exata­mente com a conversão em per­das e danos pelos mesmos moti­vos constitutivos da obrigação de não fazer inicialmente demanda­da (falhas e riscos de danos da construção), de sorte que, subsis­tente esta mesma causa de pedir, afigurava-se plenamente legíti­ma a alteração do pedido medi­ante a conversão em perdas e danos, com base na fungibilidade prevista no art. 84, § 1 Q, do CDC, in verbis.

'A conversão da obrigação em perdas e danos somente será ad­missível ... se impossível a tutela específica ou a obtenção do resul­tado prático correspondente'.

o art. 264, § único, do CPC, não constitui óbice a essa altera­ção do pedido, pois, na hipótese, o art. 84, § 1 Q, do CDC, a admite sem restrição no processo de co­nhecimento, havendo de prevale­cer este dispositivo, pois, segun­do o art. 90 do mesmo estatuto, nas relações de consumo aplicam­se as normas do CPC, mas ape­nas naquilo que não contraria­rem as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

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Superada, de tal modo, a obje­tada inalterabilidade do pedido neste caso específico de relação de consumo, torna-se irrelevante a outra objeção de que os assis­tentes litisconsorciais do agrava­do só poderiam receber o proces­so no estado em que se encontra­va.

Tendo sido ouvida previamen­te acerca do pedido de assistên­cia e conversão em perdas e da­nos (fls. 1.017 e 1.056/1.069), ad­mitindo com atendimento das prescrições legais (arts. 50 e segs. do CPC e arts. 84, § 19 e 90 do CDC), à embargante não socor­rem, data venia, as alegações de inobservância do devido proces­so legal ou da ampla defesa e con­traditório, descabendo falar-se em infringência do art. 59, incisos LIV e LV da Constituição Fede­ral.

Não há negar, como visto, a incidência do art. 84, § 19 , do CDC, na espécie, a permitir a al­teração do pedido (conversão em perdas e danos) em litígio decor­rente de relação de consumo, em que se tornou impossível a tute­la inicialmente objetivada, em razão da superveniência do fato novo (comercialização das casas, que se visou impedir, após a es­tabilização da lide).

E a conversão do pedido, como tambémjá visto, ocorreu sem que se verificasse alteração da causa de pedir, pois os motivos que de­terminaram a propositura da ação (irregularidades na constru­ção das casas e prejuízos aos con-

sumidores, no caso, os candida­tos à aquisição das moradias, que se tornaram promitentes-com­pradores ou mutuários e vieram a ingressar no feito como assis­tentes do auto-agravado) não de­sapareceram, segundo informam estes autos (fls. 1.007 e segs., 59 e 69 volumes).

O interesse jurídico e a legiti­midade dos assistentes ficaram bem evidenciados.

A embargante sequer negou que eles fossem mutuários ou promitentes-compradores das unidades habitacionais em apre­ço. E os documentos de fls. 974 e segs. do 59 volume (recibos de prestações do financiamento) o confirmam. A não juntada dos compromissos de venda e compra é irrelevante.

O interesse jurídico dos assis­tentes na ação civil pública as­senta na causa petendi (irregu­laridades das construções e con­seqüentes danos para os adqui­rentes) e não no pedido originá­rio de proibição de concessão de habite-se e da comercialização, que, como estabelecido na deci­são agravada e já se expôs ante­riormente, foi convertido em per­das e danos, na forma do art. 84, § 19 , do CDC, sem ofensa ao art. 264, § único, do CPC, cujo rigor, em litígio decorrente de relação de consumo, foi mitigado por aquele dispositivo.

Presentes, assim, o interesse jurídico, a legitimidade para agir e autorizada a mutatio libelli mitigada, na espécie, o pedido dos

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assistentes não era inepto, ine­xistindo razão para que se apli­cassem os arts. 267, incisos I e VI e 295, inciso I e § único, inciso IH, do CPC, como alvitrado pela embargante.

A conversão em perdas e da­nos, quando impossível a tutela específica inicialmente objeti­vada, embora não prevista no art. 3Q da Lei n Q 7.347/85, que só fala em condenação em dinheiro ou no cumprimento de obrigação de fa­zer ou não fazer, também consti­tui inequivocamente objeto da ação civil pública, como já visto, na forma dos arts. 84, § 1 Q e 90 e 117 do CDC (art. 21 da Lei n Q

7.347/85).

Por fim, a conversão do pedi­do admitida, sem alteração da causa petendi, em decorrência do fato superveniente acolhido (comercialização das casas, que se visou impedir), está em har­monia com o princípio do art. 462 do CPC, cujo entendimento há de se ajustar ao disposto nos arts. 302 e 303 do mesmo estatuto, consoante é da jurisprudência (RT 488/209; RF 258/259); JTA 118/293; RP 4/393, em. 14)."- fls. 1.266 usque 1.272.

Com efeito, algemados os pontos básicos da controvérsia, davante, comporta realçar que a Lei n Q 7.347/ 85, cônsono às disposições do seu artigo 21, albergou a aplicação dos dispositivos da Lei n Q 8.078/90 (Tí­tulo IH - disposições gerais - ) e bem assim, não arredou a aplicação supletiva do Código de Processo Ci­vil (art. 19, Ação Civil Pública).

Em sendo assim, e assim é, sem enleios, sobressai que foram coloca­dos amplos caminhos processuais à disposição das pessoas legitimadas para o acionamento apuratório da responsabilidade por danos morais e patrimoniais ou na defesa dos in­teresses e direitos atingidos. O le­gislador ofereceu meios abrangen­tes; daí a possibilidade da assistên­cia simples ou litisconsorcial, "em qualquer dos tipos de procedimen­to e em todos os graus de jurisdição ... " (arts. 50 e parágrafo único e 54, CPC).

Portanto, sublinhadas a nature­za e finalidade da ação em causa, não se contempla que a admissão de terceiros esteja vedada por contra­riedade às disposições de uma ou outra das leis mencionadas. Ao re­verso, reclama a aplicação subsidiá­ria ou supletiva dos aludidos pa­drões legais. Mesmo porque, dife­rentemente de outras ações de ju­risdição litigiosa, nas quais os efei­tos da sentença alcançam somente as partes integradas à relação pro­cessual formada, nesta a eficácia é erga omnes (art. 16, Lei 7.347/85 e art. 103, Lei 8.078/80). Assim, a integração dos interessados facili­ta a colaboração, sendo diretamen­te afeiçoados ao desfecho do proces­so. Demais, a trato de ação públi­ca, a integração do terceiro é com­patível, não se lhe negando a "per­tinência subjetiva" para agir.

Por essas vagas, pois, avivada a finalidade da assistência deferida, inafastável a preexistência de lide e inescondível os efeitos reflexos da composição judicial pedida, mani-

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festo o interesse jurídico, ergue-se a legalidade do pedido de admissão e deferimento (fIs. 875 a 883 e 1.128 a 1.132).

No tocante à ocorrência de modi­ficação do pedido inicial, decorren­te de proposição feita pelos Assis­tentes, sem dúvidas ganham rele­vância as disposições do Parágrafo único, art. 50, CPC.

Deveras, o ingresso do Assisten­te, a qualquer tempo e grau de ju­risdição, o vincula ao estado em que se encontra o processo. Conquanto seja essa a regra, na espécie, veri­fica-se que, o surgimento de fato superveniente, emergindo concreta situação, a alteração feita tem res­paldo legal, " ... já que o art. 84 e § 12, da Lei nº 8.078/90 preceitua so­bre os casos de conversão da obri­gação em perdas e danos quando for impossível a obtenção do resultado prático correspondente, disposição esta aplicável à Ação Civil Pública, conforme art. 21 da Lei n Q 7.347/85". (fl. 1.140).

Nessa perspectiva, alvoroça-se que os Assistentes, na verdade, re­ceberam a causa no estado em que se achava amoldada pelo MM. Juiz com o fito de assegurar o resultado a uma nova realidade noticiada pe­los Assistentes, assim:

" ... cientes de que devem in­gressar na lide no estado em que ela se encontra, entendem, data venia, que nem por isso ficam impedidos de denunciarem fatos novos, máxime porque, dado a privacidade de suas casas, me-

lhor que ninguém as conhecem". (fI. 879).

Sem dúvidas, desembaraçada a comercialização das casas (fls. 708/ 709), concretizados motivos inova­dores, prevalecente a defesa dos in­teresses dos Assistentes, a lei con­fere eficiente proteção, não só aos direitos subjetivos, mas, também, para reparação de danos materiais. Desse modo, divisadas novas situa­ções jurídicas, impõe-se propiciar efetiva tutela, com amplos meios.

Por essas estrias, na vertente de realidades surgidas, decorrente­mente, o Juiz apreciando o pedido, pode deferir a proteção explicita­mente requerida ou (alternativa­mente), uma vez que, no caso, ficou difícil ou impossível a tutela espe­cífica, razão determinante do cum­primento da obrigação por outra forma, com a preocupação de asse­gurar o resultado (art. 84 e § 12, Lei 8.078/90 e 21, Lei 7.347/85). É a demonstração da força condicio­nante do interesse público, quando a obrigação de fazer transforma-se em danos e perdas (art. 633, CPC).

Em outras palavras, 'a prestação jurisdicional "há de compor a lide como ela se apresenta no momento da entrega" (art. 462, CPC). O di­reito superveniente é o direito sub­jetivo pela ocorrência de fatos no­vos constitutivos, modificativos ou extintivos da pretensão deduzida na inicial. No caso, não se cuida de al­teração do pedido ou da causa de pedir, uma vez que a lei de regên­cia, tendo por base a inicial, para o

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resultado, favorece a tutela especí­fica ou providências judiciais para a obtenção de resultado equivalen­te ao do adimplemento (art. 84 e § 1 º, refs.); seja de ofício ou a reque­rimento da parte.

Enfim, impossível a tutela espe­cífica (porque decisão judicial satisfativa autorizou a comercia­lização das casas - fls. 708 e 709), quanto ao resultado, tornou-se viá­vel a transformação preconizada em lei (danos e perdas), já que a sen­tença deve refletir o estado de fato da lide no momento em que for pro­ferida. A vedação de alteração do pedido e da causa de pedir, na ação sob exame, não exclui a causa su­perveniente, competindo ao postu­lante dar conta ao julgador de fato superveniente.

Seqüencialmente, quanto à pre­tendida alteração da 'causa de pe­dir', evidencia-se que não foi modi­ficada na sua substância. Em rela­ção ao "pedido", embora demonstra­da a transformação do resultado seja no primeiro aspecto ou no se­gundo, novamente merecem ser avi­vadas as certeiras anotações feitas no julgado confrontado, verbis:

"Forçoso concluir, portanto, que no pleito de vedar-se a comercia­lização das unidades por vícios construtivos, compreende-se a responsabilidade indenizatória em favor dos adquirentes que se viram prejudicados pela comer­cialização não estancada, de sor­te que, frustrada a proibição, remanescendo prejuízo, corolário lógico é a indenização.

Assim, há de revelar-se tam­bém legítima a pretensão de con­verter-se em perdas e danos a obrigação de não fazer (não co­mercialização das unidades) que, em tese, caberia ser declarada, não fosse inócua a declaração, posto que a devedora já consu­mou o facere (comercialização das casas).

É certo - como anota a douta Procuradoria oficiante - que o art. 264, § único, do C.P.C. veda a alteração do pedido ou da cau­sa de pedir após o saneamento do feito. Todavia, o rigor dessa nor­ma foi mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor CCDC), que prevê nas ações envolvendo relação de consumo, como a do caso em tela, a conversão da obri­gação em perdas e danos. Eviden­temente, existem restrições a essa conversão. Tanto assim, que apenas em duas hipóteses se ad­mite a conversão: quando se tra­tar de opção feita pelo autor, ou, quando não for possível a tutela específica, nem a obtenção do re­sultado prático correspondente C§ único do art. 84 do CDC).

Sendo inviável, no caso dos autos, atender-se o pedido inici­al, que restou prejudicado, em vista de decisão judicial (suspen­são da liminar pelo Desem­bargador Presidente do e. Tribu­nal) que autorizou a venda e ocu­pação das unidades habitacio­nais, enquanto se discutia even­tual direito ou responsabilidade, é de ser reconhecida a possibili­dade jurídica de se adequar a pre-

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tensão ao estado de fato atual, ensejando-se a prestação da tute­la jurídica correspondente àque­la inicialmente objetivada". (fls. 1.252 a 1.253).

Alinhadas as razões do conven­cimento, no seu conteúdo, a foco dos limites obj etivos preestabelecidos, no meu sentir, ficando arredadas a sugerida negativa de vigência dos padrões legais elencados pela par­te recorrente, voto pelo improvi­mento do recurso.

É o voto.

ESCLARECIMENTOS

O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): Senhor Presidente, peço, antes de mais nada, um breve esclarecimento ao Ilustre Relator no sentido de saber o seguinte: a sen­tença foi prolatada sobre a ação ci­vil pública efetivamente? Melhor dizendo, houve um acórdão que anulou a sentença?

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): O recurso diz respeito a um Agravo de Instrumen­to em relação a uma decisão inci­dental.

O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): A sentença foi anulada pelo acórdão do Tribunal?

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Sim.

O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): Creio, Senhores Minis-

tros, que tem razão, nesse aspecto, o recorrente quando diz que a sen­tença de fato não abrange ou não atinge os efeitos do agravo, posto que a ação, anulada a sentença, vol­ta, em primeiro grau, a ter o seu seguimento normal. Em face disso, parece-me que o pedido de assistên­cia, no caso, na da ação civil públi­ca, há de ser entendido como uma tutela particular de um interesse inicialmente difuso, e que o parti­cular pode, sem nenhum prejuízo, vir também a defender.

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A sentença foi anulada.

O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): Sim. O meu raciocínio é de que anulada a sentença, volta o processo em Primeiro Grau com admissão do litisconsorte a ter pros­seguimento. O agravo que é contra a falta de oportunidade de se mani­festar sobre os pedidos, teria por pertinente o seu objeto, posto que continuaria a lide formada não ape­nas entre o Ministério Público e a entidade pública, mas também por aqueles que pretenderam assistir a ação do Ministério Público.

Parece-me legítima não só a in­tervenção dessas partes, como tam­bém legítimo o oferecimento de pra­zo, no caso, a Fazenda Pública, para que venha a se manifestar sobre os aditamentos eventualmente trazi­dos ao cerne da questão.

É nesse sentido, portanto, que ve­nho a opinar pelo provimento do agravo, se bem entendi a posição ne­le espelhada.

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RECURSO ESPECIAL Nº 98.060 - RS

(Registro n Q 96.0036868-6)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo

Recorrente: Comercial Masil Material Hidráulico e Construção Ltda.

Recorrida: Fazenda Nacional

Advogados: Drs. Lênio Flávio Schmidt e outro, e Dolizete Fátima Michelin e outros

EMENTA: Processual Civil. Recurso especial. Tributário. Cor­reção monetária das demonstrações financeiras de empresas (Leis n!lJi.. 7.730/89, 7.799/89 e 8.200/91). Atualização dos balanços pelo BTNF.

o prequestionamento, para viabilizar o conhecimento do espe­cial, exige que o órgão julgador de segundo grau haja adotado entendimento explícito sobre o preceito legal que constitui o fun­damento do recurso nobre.

Inexiste prequestionamento quando o acórdão recorrido faz simples menção ao preceito legal indicado como violado (no es­pecial), sem que, sobre ele, se tenha manifestado de forma preci­sa, esclarecendo-lhe o sentido e a compreensão.

O art. 43 do CTN se limita a definir o fato gerador do imposto de renda, entendendo-o como o acréscimo patrimonial oriundo do capital ou do trabalho, sem qualquer menção à indexação de renda ou correção monetária das demonstrações financeiras de empresas.

Em face do sistema jurídico-constitucional vigente, não se pode sobrepor princípios estatuídos em lei ordinária a preceito de lei ordinária promulgada subseqüentemente, sabendo-se que é re­gra assente no direito positivo de que a lei posterior revoga a anterior, naquilo que disciplinar de forma diferente.

A correção monetária está sujeita ao princípio da legalidade estrita e somente a lei formal expressa é que poderá determinar o seu cabimento.

Ao contribuinte não é dado arvorar-se no direito de utilizar índice de correção monetária que lhe pareça mais favorável do que o preconizado na lei. Inexiste direito adquirido a índice de correção, e, por isso mesmo, o fator de atualização do débito tri­butário pode, através de lei, ser substituído por outro, sem ofen­sa a qualquer garantia constitucionaL

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In casu, a lei estipulou o fator de correção (dos Balanços) e quantificou o percentual para a atualização, no período conside­rado, daí ser injurídico pretender-se a utilização de outro índice, por mais apropriado (ou real) que seja, por ausência de base le­gal. O legislador não está impedido de instituir índices de atuali­zação diferenciados para atender a diversidade de situações e de condições reais que caracterizam, em dado momento, a conjuntu­ra financeira do País. A correção monetária das disponibilidades financeiras das empresas há de obedecer o que preconizam as Leis n~ 7.730/89 e 7.799/89.

Recurso improvido. Votos vencidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por maio­ria, vencidos os Srs. Ministros Mil­ton Luiz Pereira e José Delgado, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigrá­ficas constantes dos autos, que fi­cam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hum­berto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado e José de Je­sus Filho. Custas, como de lei.

Brasília, 06 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 31-03-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Cuida-se de recurso especial manifestado pela empresa

Comercial Masil Material Hidráu­lico e Construção Ltda., com arri­mo nas letras a e c do admissivo constitucional, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4" Região, cujo acórdão restou resumi­do na ementa seguinte:

"Tributário. Demonstrações fi­nanceiras. Correção monetária. IPC.BTNF.

1. O BTNF é o indexador utili­zado para a correção monetária das demonstrações financeiras do ano-base de 1990.

2. As normas que disciplinam índices de correção monetária se inserem no campo das finanças públicas, por isso incabível a apli­cação dos princípios do direito tributário.

3. O Plenário deste Tribunal decidiu que a Lei n Q 8.200/91 não constitui uma confissão de erro legislativo, pois não modificou a disciplina da base de cálculo do imposto de renda relativo ao ba­lanço de 1990 (Argüição de In­constitucionalidade na AMS n Q

92.04.14994-9/RS)" - fl. 98.

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Sob a alegação de contrariedade à legislação federal, aponta o recor­rente várias leis que teriam sido violadas, com destaque para o arti­go 43 do Código Tributário N acio­naI, artigo 185 da Lei 6.404/76 e ar­tigos 29 e 39 da Lei 7.799, de 1989, enquanto traz à colação, para de­monstrar o alegado dissídio juris­prudencial, julgados de outros tri­bunais, discrepantes do v. aresto recorrido (fls. 105/125).

Transcorrido in albis o prazo para as contra-razões, o recurso foi admitido e processado na origem, subindo os autos a esta instância.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Cumpre afastar, de logo, a possibilidade de apreciação do recurso, quanto à alegada vulneração aos artigos 43 do CTN e 185 da Lei 6.404/76, por­quanto as matérias disciplinadas nestas disposições legais não estão prequestionadas, nem constituíram objeto do decisório, cujo voto condu­tor a elas nenhuma referência fez. O mesmo se diga em relação às de­mais leis citadas esparsamente, sem que fosse demonstrado, de for­ma precisa e objetiva, quais os dis­positivos teriam sofrido maltrato e como teria se configurado a viola­ção a tais ou quais preceitos. Defi­ciente, pois, nessa parte, a funda­mentação do inconformismo re­cursal.

No que concerne ao mérito, pro­priamente dito, ainda que se tenha

como prequestionado o disposto na Lei 7.799/89 e demonstrado o dis­sídio pretoriano, ao meu sentir, não colhe êxito a pretensão recursal.

É que, já tendo me manifestado, por mais de uma vez, sobre a qua­estio iuris ora posta em discussão, pela similitude que guardam entre si as hipóteses, nada cabe acrescen­tar às considerações expendidas, quando do julgamento do REsp n Q

88.721IRS, da minha relatoria, e que agora as adoto como razão de deci­dir, com a seguinte dicção:

"As questões jurídicas enfei­xadas neste recurso são inteira­mente iguais àquelas inseridas no especial de n Q 77.697, de que foi Relator o eminente Ministro José de Jesus Filho. A diferença consiste, apenas, na circunstân­cia de que, naquele recurso, as mesmas questões foram dirimi­das no âmbito de u'a ação decla­ratória, enquanto, no caso, cuida­se de um mandado de seguran­ça. Ali, o especial foi interposto com assento na letra a, do per­missivo constitucional e aqui, com embasamento nas alíneas a e c. Todavia, em ambas as irre­signações, interpretou-se a mes­ma legislação federal. Naquele recurso, apreciando o mérito da matéria jurídica em discussão, proferi o voto com as conclusões a seguir:

"Nos termos em que se for­mulou o especial, só nos resta o exame do mérito com base na ofensa ao art. 43 do CTN, por­quanto, o preceito constitucio-

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nal invocado como malferido não pode ser objeto de aprecia­ção, nesta fase.

Registre-se, desde logo, que o questionado art. 43 do CTN não serve de embasamento ao especial, sendo de manifesta impertinência a sua invocação. Como já se afirmou, no início do voto preliminar, o pedido do recorrente - na ação decla­ratória "visou obter a declara­ção judicial de que o percen­tual a ser utilizado para fins de correção monetária do ba­lanço de que trata a Lei 7.799/ 89 (e Lei n 9 7.730/89, art. 30, § 19 ), seja de NCz$ 10,50 e não de NCz$ 6,92, consoante o dis­posto no art. 30, § 19 da citada lei". Como está patente, a questão jurídica objeto da con­trovérsia diz respeito à corre­ção monetária do balanço da empresa, no ano de 1990 (ano­base 1989).

A questão se cinge à corre­ção monetária das demonstra­ções financeiras, tema que refoge inteiramente à discipli­na do art. 43 do CTN. De fato, este preceito legal se limita a definir "o fato gerador do im­posto de renda", sem menção alguma à atualização da moe­da, ao dispor, "que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da dis­ponibilidade econômica ou ju­rídica de renda (assim enten­dido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de

ambos e de proventos de qual­quer natureza"). Por sua vez, o instituto da correção mone­tária foi instituído através de legislação diferente e é sob o pálio desta que a questão jurí­dica há de ser dirimida.

Com efeito, preceituam o art. 30 e seu § 19 da Lei n 9

7.730, de 31 dejaneiro de 1989 (que instituiu o cruzado novo e determinou o congelamento dos preços):

"Art. 30 - No período­base de 1989 a pessoa ju­rídica deverá efetuar a cor­reção monetária das de­monstrações financeiras de modo a refletir os efeitos da desvalorização da moeda observada anteriormente à vigência desta lei".

§ 19 - Na correção mo­netária de que trata este artigo a pessoa jurídica de­verá utilizar a OTN de NCz$ 6,92 (seis cruzados novos e noventa e dois centavos).

Por sua vez, o art. 30 da Lei n 9 7.799, de 10 de julho de 1989, assentou:

Art. 30 - "Para efeito da conversão em número de BTN, os saldos das contas sujeitas à correção mone­tária, existentes em 31 de janeiro de 1989, serão atua­lizados monetariamente tomando-se por base o valor da OTN de NCz$ 6,92".

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Como se vê dos dispositivos acima transcritos, a legislação é clara e precisa, ao estabele­cer o valor da OTN, no perío­do, em NCz$ 6,92 e ao deter­minar que, por este valor, se­jam corrigidas as demonstra­ções financeiras das empresas (balanços). A Lei é assim, ex­pressa. Não compete, pois, ao Judiciário, indagar sobre a real inflação de janeiro de 1989, ou perquirir sobre o percentual exa­to de correção a que se deveria submeter o balanço da empre­sa, ou, ainda, se a pessoa jurí­dica interessada teve prejuízo em fazendo a atualização do balanço utilizando o valor da OTN especificado em lei. Essa indagação, além de desbordar­se da função jurisdicional, de­mandaria reexame dos elemen­tos de informação. Impende, pois, ao Judiciário, verificar qual a lei vigente naquele período (janeiro de 1989) e dar-lhe apli­cação. Se há lei fixando o fator de correção e se está em vigor, não resta à Corte, nesta fase, senão aplicar a lei. Se a legis­lação instituiu de forma ex­pressa e clara o índice de atua­lização dos balanços, deve o Legislador ter sido despertado para que este fosse o mais consentâneo com a realidade nacional e com o interesse pú­blico. Transmudar-lhe é defe­so ao Judiciário, ao qual é ve­dado investir-se na condição de legislador positivo. "Se ao Judiciário fosse dado criar a norma jurídica a ser aplicada ao caso sob sua apreciação, fi­caria sem conteúdo a função

legislativa exercida pelo Poder Legislativo relativamente aos casos que fossem levados aos Tribunais para julgamento".

Haveria dois Poderes reali­zando a mesma função essen­cial, ambos criando normas ju­rídicas gerais. Tal situação que­braria a ordem lógica estabele­cida pela existência dos Três Poderes (Vicente Miranda, Poderes do Juiz no Processo Civil Brasileiro, pág. 79). "No Sistema jurídico brasileiro, o juiz é essencial e substancial­mente julgador. Apenas excep­cionalmente e em casos expres­samente previstos pela lei é que o juiz exerce função legis­lativa. O juiz julga de acordo com a lei, competindo-lhe o po­der do jus dicere" (Autor e obra citada, pág. 80).

Com efeito, escreveu Antô­nio Sampaio Dorrea, acerca do tema:

"Em verdade, não cabe ao magistrado recusar cumpri­mento à lei, por injusta ou opressiva, mas, SIm, apurar estritamente sua conformi­dade ao texto constitucio­nal. A atuação judiciária tem de se esgotar, exaurir, neste confronto, pena de usurpar esfera privativa de outro Poder, incumbido de determinações normativas cristalizadoras da opção en­tre valores múltiplos, com o inevitável discricionarismo que a tarefa impõe. Ao judi­ciário, a análise estritamen­te da legalidade dos atos ad-

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ministrativos e da constitu­cionalidade das leis. Ao Le­gislativo, a decisão da con­veniência, da oportunidade e do conteúdo substancial da norma. Princípios são estes fundamentais em nosso di­reito público, sem discrepân­cias nas fontes mais genuínas (Direito Constitucional Tri­butário, pág. 178)".

N o caso sub examen, a lei, de forma clara e precisa, esti­pulou o fator de correção e quantificou o percentual para efeito de atualização dos balan­ços, no período considerado. Daí serem válidos os argumen­tos do douto juiz de Novo Ham­burgo, RS, no Processo n Q

90.4624-6, aliás, de juridicida­de irreprochável:

"Qualquer outro índice, por mais real do que aque­le, por mais apropriado, por mais conveniente, não pode ser pretendido, por lhe fal­tar um requisito ingastável - a base legal. Não cabe, ao poder judiciário, na espécie, deixar de aplicar a lei, para se pôr em busca de outro índice que, do ponto de vis­ta econômico possa ser mais aconselhável do que o pre­conizado pelo legislador. Isso é absolutamente inviá­vel e antijurídico. Não pode o Judiciário arvorar-se em legislador, em titular da indexação monetária, a um porque· lhe falece competên­cia para tal e esse não é o seu mister; a dois porque,

escolhido outro índice, o aco­lhimento deste acarretaria um tratamento desigual para as impetrantes relati­vamente aos demais contri­buintes nas mesmas condi­ções, o que violentaria o princípio da isonomia em matéria tributária".

Vale, ainda, ressaltar, "que nada está a impedir que a lei estabeleça índices de correção monetária diferenciados para atender a diversidade de situ­ações e de condições reais que caracterizam uma dada con­juntura econômico-financeira. As Leis 7.730/89 e 7.799/89 não extinguiram a correção mone­tária, mas, definiram novos índices de correção, alterando os anteriores". Essa possibili­dade já foi reconhecida por este egrégio Tribunal, ao en­tender que, nos casos dos con­tratos de mútuo rural, o índi­ce de correção fosse em percen­tual mais deduzido, em face de lei específica.

Desvaliosa, ademais, a ale­gação de prejuízo ou de enri­quecimento ilícito por parte da União, se aplicado o índice pre­visto na Lei 7.730/89. Essas questões fáticas, a par de não serem apreciadas em sede do recurso maior, não foram de­cididas, de forma expressa, pelo acórdão recorrido.

Por último, necessário admi­tir que, ainda que prejuízo te­nha existido - com o pagamen­to, pela recorrente, de quantia maior correspondente ao im-

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posto de renda - esse prejuízo foi compensado e, até ressarci­do, nos anos subseqüentes, com a edição da Lei n Q 8.200/91. As­sim é que, o eminente Ministro Celso de Mello, ao indeferir li­minar na ADln n Q 712-DF, em que se postulava a suspensão dos efeitos dos arts. 3Q e 4Q da Lei n Q 8.200/91, assim se pro­nunciou, com juridicidade:

"A compreensão do senti­do e do alcance das normas legais impugnadas impõe que se relembre o contexto normativo em que discipli­nado o regime de correção monetária das demonstra­ções financeiras das pessoas jurídicas. A disciplina legis­lativa básica concernente à correção monetária das de­monstrações financeiras das pessoas jurídicas para o ano de 1990 encontra-se con­substanciada na Lei n Q 7.799/ 89, que, em seu art. 10, dis­punha que a correção mone­tária deveria proceder-se, com base na variação diária do BTN fiscal, cujo valor no­minal seria reajustado em função da variação do índice de preços ao consumidor -lPC (art. 1 Q, § 2Q

). Com a edi­ção do Plano Collor I, em março de 1990, o valor nomi­nal do BTNF foi desvincula­do desse indexador legal, o lPC. Disso resultou que, ao final do exercício de 1990, a variação verificada no lPC (1. 794, 72%) foi sensivelmen­te maior que a variação do BTNF (845,12%). Essa dife-

rença representou, em ter­mos práticos, uma subcorre­ção monetária dos balanços, do que decorreu uma distor­ção no resultado operacional das empresas, majorando a carga tributária em alguns casos e atenuando-se, em ou­tros. A Lei 8.200/91 foi edi­tada justamente para corri­gir o equívoco desse resulta­do e contemplou as hipóteses de saldo devedor e de saldo credor na conta de correção monetária, deferindo para o exercício de 1993 o início do processo de retificação das distorções ocorridas no ano­base de 1990 . Na hipótese do saldo devedor, o art. 3Q

, I, au­torizou a dedução da diferen­ça dos índices na determina­ção do lucro real. Reduzindo, com isso, o lucro real da em­presa, que é a base de cálcu­lo para o imposto de renda, resulta minorada a carga tri­butária, beneficiando o con­tribuinte. E conclui, o nobre Ministro, em seu voto: "Nada impede o Poder Público de reconhecer, contexto formal de lei, a ocorrência de situa­ções lesivas à esfera jurídica dos contribuintes e adotar, no plano do direito positivo, as providências necessárias à cessação dos efeitos onero­sos que, derivados, exem­plificativamente, da mani­pulação da substituição ou da alteração de índices, ha­jam tornado mais gravosa a exação tributária imposta pelo Estado" (Rev. dos Tri-

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bunais, 14, janeiro e março de 1996, págs. 288/289)".

Fica, assim, patente que o próprio legislador encontrou, na elaboração da lei, o remédio para minorar a situação das empresas que pagaram, a mai­or, o imposto de renda no pe­ríodo considerado (1990), ten­do em vista os termos do art. 30, § 1º da Lei nº 7.799/89, com­pensando-as, nos exercícios subseqüentes. Descabe, pois, ao Judiciário, determinar, desde logo, a correção dos balanços, contrariando os termos expres­sos da lei e instituindo outra forma de compensação dos pre­juízos, acaso existentes, medi­ante a substituição de índices.

Demais disso, conforme acentuou o Ministro Celso de Mello, na ADIn 712, "com a edição do Plano Collor, "a dife­rença (entre o IPC e BTNF) re­presentou, em termos práticos, uma subcorreção monetária dos balanços, do que decorreu uma distorção do resultado operacional das empresas, majorando a carga tributária em alguns casos e atenuando­se em outros". Isso significa que, nem todas as empresas foram prejudicadas com a pro­mulgação da Lei nº 7.799/89 (art. 30, § 1 º), com o pagamen­to a maior, do imposto de ren­da. Muitas foram beneficiadas, com a diminuição do tributo. Daí não se poder determinar que, em todos os casos, a corre­ção do balanço se faça pelo IPC-, como pretende a recorrente. E necessária a avaliação, no caso

concreto, se houve ou não sub­correção do balanço, o que exi­ge incursão nos elementos de informação de processo, a que é infenso o especial."

Insisto em que o art. 43 do CTN não serve de enfoque para o especial. Em primeiro lugar porque a matéria inserida nes­te preceito legal não foi objeto de decisão expressa, no acórdão. O decisum não se fundou na interpretação e aplicação do art. 43 do CTN. Este disposi­tivo, como já se afirmou, alhu­res, limita-se a expender o con­ceito legal de renda para efeito de incidência do tributo federal "e que considera esta (renda) como sendo o produto do capi­tal, do trabalho ou da combina­ção de ambos, importando, sempre, na aquisição de dispo­nibilidade jurídica de renda ou de proventos ou de ambos". Não há, no dispositivo supra, qual­quer referência implícita ou ex­pressa a correção monetária, a atualização de balanços, a pre­juízos porventura existentes, acaso se omita a correção, a en­riquecimento ilícito do sujeito ativo, etc. O conceito de renda se complementa com a defini­ção de fato gerador (art. 114 do CTN) da obrigação tributária consignada na legislação perti­nente, "que é a situação defini­da em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". Na hipótese de renda, "o fato imponível é a aquisição da dis­ponibilidade econômica ou ju­rídica de rendas e proventos de qualquer natureza". E essa de­finição se complementa com o

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momento de sua ocorrência, "que é aquele em que se verifi­quem as circunstâncias mate­riais necessárias a que produ­zam os efeitos que normalmen­te lhe são próprios" (art. 116 do CTN). Não foram, como se ob­serva do contexto do acórdão, as questões neste apreciadas e decididas. A recorrente preten­de (em todo o curso da causa), que se atribua prevalência da legislação pretérita - e já revogada, sobre as leis vigen­tes, em matéria de atualização das demonstrações financeiras, sob pretexto de que, estas lhe ocasionaram prejuízo, com a correção, a menor, do balanço anual, com a contrapartida do enriquecimento ilícito da Fa­zenda N acionaI.

A recorrente, assim, preten­de impor circunstâncias factuais - existência de prejuízo e enri­quecimento ilícito - a preceitos expressos de lei, que definiram o índice de correção (dos balan­ços) e o respectivo valor. Ao con­trário: a lei é que valoriza os fa­tos e indica os que têm eficácia para constituir, alterar ou extin­guiF direitos. Se a lei designou o fator de correção, quantifican­do-o, só este deve ser aplicado, eis que gerou-se a presunção juris et de jure de que a base de cálculo do imposto de renda, no período considerado, corres­ponde ao montante real dos acréscimos patrimoniais das empresas. Afixação do índice (e o seu valor) tornou-se questão de Estado, de conveniência da Administração e constitui ma­téria de política econômica do

governo federal, "em atendi­mento às circunstâncias vincu­ladas à economia e às finanças do Estado, insusceptível de apreciação pelo Poder Judiciá­rio", salvo infração a texto cons­titucional expresso. Vale acen­tuar, fazendo meus os argumen­tos do eminente juiz monocráti­co: "as regras de indexação mo­netária não constituem matéria de direito tributário. Inserem­se num contexto maior perti­nente à economia nacional, às finanças públicas, ao valor da moeda nacional e à recomposi­ção do respectivo poder aquisi­tivo" e não se sujeitam aos prin­cípios gerais tributários. Por­tanto, a lide nem sequer pode­ria ser dirimida sob o pálio do art. 43 do CTN. Que correlação tem esse dispositivo, não é de­mais repetir, com as regras da indexação monetária? (Situadas no contexto das finanças públi­cas e ao valor da moeda nacio­nal e respectivo poder aquisi­tivo?).

Por último, em face do sis­tema jurídico-constitucional vigente "a correção monetária não se rege exclusivamente pela variação da inflação. De nada adiantaria que se vives­se em regime inflacionário e a lei, de forma expressa, não ins­tituísse a correção monetária, definindo-lhe os índices e a respectiva percentualização". Correção monetária, em deter­minado período, é aquela cla­ramente definida na lei. E o legislador não fica obrigado, tendo-se como prevalecentes os interesses nacionais, em

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percentualizar o fator de cor­reção em igualdade absoluta com a inflação real. Daí, a con­seqüência é que, ainda por mais injusta que possa pare­cer, "a correção monetária con­siste, apenas, na parcela de inflação reconhecida por lei e transformada em indexador da economia" (folha 58). Não vislumbro, pois, qualquer

ofensa ao preceito legal indicado (art. 43 do CTN), que, sequer, po­derá estar em causa, pela sua manifesta impertinência (e au­sência de prequestionamento)".

N essa mesma linha de entendi-mento, conheço do recurso, mas ne­go-lhe provimento.

É como voto.

VOTO (VENCIDO)

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Senhor Presidente, data venia, fico vencido.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: Sr. Presidente, dou provimen­to ao recurso. Meus argumentos já foram por demais conhecidos em várias oportunidades e há até o re­conhecimento pela própria lei, in­terpretando as disposições. E vou mais além quanto ao meu posicio­namento: a lei não poderia permi­tir isso, porque entendo que há um verdadeiro confisco no momento em que só se permite a compensação em seis exercícios seguintes. Na minha visão, isso é um confisco.

A minha divergência é que acata a tese das empresas, mandando aplicar a diferença que foi reconhe­cida pela própria lei nos balanços de 1989/90. E, quando a empresa pede - nem todas pedem - para que essa compensação seja feita de uma só vez, eu concedo.

Estou, por permissivo constitu­cional, cumprindo a lei, extraindo dela aquela interpretação que ela me permite.

RECURSO ESPECIAL NQ 104.185 - PR

(Registro n Q 96.0051544-1)

Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros

Recorrente: Aterfi Administradora de Terminais Rodoviários Ltda.

Recorrido: Socicam Terminais Rodoviários e Representações Ltda.

Advogados: Drs. Egas Dirceu Moniz de Aragão e outros, e Mozart Gouvea Belo da Silva e outros

EMENTA: Processual- Recurso especial- Interpretação de lei à luz de princípios constitucionais - Cabimento do recurso espe­cial - Mandado de segurança individual - Defesa de interesses

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pertencentes a terceiros - Impossibilidade - Retroatividade do registro de comércio (L. 4.726/65, art. 39).

I - Se o acórdão, sem pronunciar a inconstitucionalidade de lei, afirma que a interpretou sob o foco de princípios constitucionais, ele desafia recurso especial - não, recurso extraordinário.

U - O art. 1 Q da Lei 1.533/51 é ofendido, quando se defere Mandado de Segurança individual, para defender interesses de terceiros, que não o impetrante. Ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição Federal, não se admite substituição processual, em Mandado de Segurança.

UI - A eficácia retroativa do registro de comércio (art. 39 da Lei 4.736/65) opera nos procedimentos de licitação pública.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, na conformidade dos votos a das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar pro­vimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vota­ram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausentes, justifica­damente, os Srs. Ministros José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo.

Brasília, 05 de maio de 1997 (da­ta do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 09·06·97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A Recorrida impetrou Mandado de Segurança,

visando a nulidade de licitação efe­tivada pela Companhia de Desen­volvimento de Foz do Iguaçu.

O certame malsinado tinha como objetivo a exploração e administra­ção do Terminal rodoviário daquela cidade.

O V. Acórdão recorrido confirmou o deferimento da Segurança. Mon­tou-se nos seguintes fundamentos:

a) as regras disciplinadoras da concorrência foram alteradas após a publicação do edital. Tal alteração reduziu o valor mínimo do capital social das licitantes;

b) tal modificação prejudicou a impetrante e diversas empresas que deixaram de se habilitar, por­que não dispunham do capital mínimo, originalmente exigível. Também o Município sofreu da­nos, porque viu reduzido o uni­verso de licitantes;

c) em contrapartida, a redução de valor trouxe benefício injusto para a ora recorrente. Esta, no

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dizer do Acórdão, não possuía o capital mínimo exigido, quando se inscreveu;

d) nem se pode tomar em con­sideração a circunstância de que o capital veio a ser alterado -mediante registro na junta co­mercial - após a publicação do edital;

e) o argumento de que o regis­tro operou retroativamente é im­pertinente, porque, na hipótese prevalece o princípio da mora­lidade administrativa, consagra­do no art. 37 da Constituição Fe­deral;

f) a circunstância de ninguém haver impugnado a alteração também é irrelevante, face à pre­valência do princípio da mora­lidade;

g) a Recorrente carece de apti­dão, nos termos reclamados pelo edital, para operar o terminal rodoviário. É que ela limitou-se em demonstrar a experiência de um de seus sócios - não dela, como pessoa jurídica;

h) foram maltratados o interes­se público, e os princípios consti­tucionais da legalidade, impes­soabilidade, moralidade e publici­dade, contidos no art. 37 da Cons­tituição Federal.

Houve um voto vencido, conce­dendo a Segurança, sob os argu­mentos de que:

a) o argumento de que a redu­ção no item "capital mínimo" te­ria lesado interesses de terceiros

não pode ser aproveitado, em se­de de Mandado de Segurança -onde são discutidos, apenas, di­reitos individuais do impetrante;

b) na hipótese, não houve ofen­sa a direito da ora Recorrida: ela, expressamente, concordou com a alteração;

c) no que respeita à alteração de capital, ela se efetivou antes de publicado o edital e seu regis­tro, por efeito do art. 37 da Lei 4.726/65 retroagiu à data da la­vratura do instrumento que do­cumentou a reforma estatu­tária;

d) a capacidade técnica de uma pessoa jurídica mede-se pela ca­pacidade técnica das pessoas fí­sicas que a fazem funcionar. Na hipótese, um dos integrantes da Recorrente demonstrou experi­ência na implantação de terminal rodoviário, em outra cidade do Paraná;

e) presume-se a licitude dos atos administrativos, que somen­te podem ser desconstituídos, em caso de lesão ao direito individu­alou ao patrimônio público;

f) foram respeitados os princí­pios constitucionais da legalida­de, moralidade, finalidade e pu­blicidade;

g) a Impetrante carece de di­reito líquido e certo, a ser defen­dido através Mandado de Segu­rança.

Houve Embargos Declaratórios, nos quais se reclama pronuncia­mento sobre várias questões:

86 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128. setembro 1997.

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a) concordância expressa da Impetrante (ora Recorrida), em favor da alteração que resultou na diminuição do capital mínimo;

b)extensão,contralegern,do Mandado de Segurança para sa­tisfazer interesses de terceiros;

c) impossibilidade em se con­ceder Mandado de Segurança, para satisfazer interesse do po­der público, face aos preceitos contidos nos artigos 128 do CPC e 1Q da Lei l.533/51;

d) razões pelas quais o Acórdão negou vigência aos arts. 37 e 39 da Lei 4.726/65, que determinam a eficácia retroativa do registro da alteração contratual;

e) obscuridade do Aresto, na parte em que resolveu o tema re­lativo à suposta inaptidão técni­ca da Recorrente.

Os Embargos foram rejeitados parcialmente, ao fundamento de que seriam, apenas, infringentes. A Corte os aproveitou, tão-somente, para corrigir erro material, irrele­vante na apreciação deste recurso especial.

O Recurso Especial arrima-se na alínea a. Nela, a Recorrente recla­ma de que:

1. o Aresto ofendeu o art. 1 Q da Lei 1.533/51, quando deferiu Mandado de Segurança, para sa­tisfazer supostos interesses de pessoas que não a Impetrante;

2. nessa passagem, também houve julgamento extra peti­tum, porque a Impetrante não

sofreu qualquer prejuízo com a alteração do capital mínimo. Pelo contrário, ela concordara expres­samente com tal modificação. N este excesso, o Acórdão violou o art. 128 do CPC;

3. ao negar eficácia retroativa ao registro de alteração contra­tual, o Acórdão desconheceu os artigos 37 e 39 da Lei 4.726/65;

4. violou, também, o art. 25 do DL 2.300/86, quando deixou de considerar a capacidade técnica das pessoas que integram a Re­corrente, na avaliação deste re­quisito, em relação à pessoa jurí­dica.

o Apelo foi reprovado no Juízo de admissibilidade.

Houve agravo de instrumento que provi, visando melhor exame.

O exame direto dos autos levou­me, contudo, a negar seguimento ao recurso. Minha negativa assentou­se na circunstância de que o Acór­dão recorrido assentou-se em fun­damentos de direito constitucional, não atacados por recurso extraordi­nário.

A Decisão em que paralisei o ape­lo foi desafiada por Agravo Interno.

Em homenagem às brilhantes razões do agravo, reconsiderei a negativa e, agora, trago o recurso especial ao exame da Turma.

Este, o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):

R. Sup. Trib. Just .. Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 87

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Antes de penetrar o mérito, desta­co uma questão preliminar.

Como registrei no relatório, o Acórdão recorrido deixou de reco­nhecer a eficácia retroativa do re­gistro - tal como prevê o art. 39 da Lei 4.726/65 - sob o argumento de que o caso dos autos:

"deve ser centrado sob o prin­cípio da moralidade administra­tiva, que aqui se destaca dos de­mais previstos no artigo 37 da Constituição Federal, e tendo-se em conta o elevado interesse pú­blico, aspectos que devem ser le­vados em consideração, nas cir­cunstâncias ."

A Recorrente, em suas razões de agravo, sustenta a tese de que o art. 37 da CF "não foi invocado como ra­zão autônoma de decidir", mas co­mo - no dizer do próprio Aresto -um dos "aspectos que devem ser le­vados em consideração, nas circuns­tâncias."

Assim, "tudo não passou de mero argumento exegético, contraposto ao raciocínio armado pela recorren­te, nas razões desenvolvidas com apoio no que dispõe a legislação que rege o registro do comércio."

Considerações como tais, não constituíram razões de decidir; fun­cionaram, em verdade, como aquilo a que ingleses e americanos deno­minam obiter dictum - vale di­zer: opinião dispensável para a de­cisão de um caso.

Semelhantes referências a pre­ceitos constitucionais, por não os en­volverem diretamente com a lei

ordinária, passam ao largo do recur­so extraordinário.

A ser correto este raciocínio, a referência genérica ao princípio da moralidade não constituiria questão constitucional, a ensejar recurso extraordinário.

Para melhor avaliar o argumen­to, acredito ser oportuno lembrar que o recurso extraordinário só é viável nas hipóteses em que o acórdão tenha (CF, art. 102, lII):

a) contrariado dispositivo constitucional;

b) declarado a inconstitu­cionalidade de tratado ou lei fe­deral;

c) declarado válido ato ou ato de governo local, cuj a constitu­cionalidade é posta em discussão.

A primeira e terceira hipóteses, evidentemente não ocorrem aqui.

Resta a segunda possibilidade, a ensejar uma pergunta:

teria o Acórdão declarado inconstitucional o dispositivo do art. 39 da Lei do Registro do Co­mércio?

A resposta deve ser negativa. Não se discutiu a constitucio-

nalidade do art. 39. O Aresto, sim­plesmente negou-lhe vigência - ou seja: recusou-se em aplicar o pre­ceito nele contido.

Se assim ocorre, devo retratar­me e dizer que o Acórdão recorrido não desafia recurso extraordinário, mas recurso especial.

Não ocorre o impedimento da Súmula 126.

88 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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Conheço do recurso.

A primeira questão a ser enfren­tada prende-se à suposta ofensa ao art. 1Q da Lei 1.533/51.

O desrespeito teria ocorrido, quando o Acórdão recorrido, mal­grado reconhecesse que a Impe­trante (ora Recorrida) concordara com a redução do capital mínimo, deferiu a Segurança, sob o argu­mento de que a alteração do edital lesara interesses de terceiros e da própria Administração.

Na hipótese, a Impetrante, ora Recorrida, carecia de direito líqui­do e certo à desconstituição da con­corrência - tanto, que havia con­cordado com a alteração que afirma ilegal.

O V. Acórdão recorrido reconhe­ceu esta situação de carência. No entanto deferiu a Segurança, ao fundamento de estar defendendo interesse do Estado.

Sabemos todos, que - ressalva­das as hipóteses de Mandado de Segurança coletivo - nosso or­denamento jurídico reserva a con­cessão do remédio heróico a quem haja sofrido lesão em direito seu. Não existe permissivo através do qual o impetrante, agindo individu­almente, persiga Mandado de Segu­rança, em substituição processual de terceiros. Não se admite substi­tuição processual.

Vem a propósito o registro feito pelo eminente Ministro Carlos Má­rio Velloso, quando integrava a Pri­meira Seção do STJ. Na assentada em que se julgou o MS 128, sua ex­celência observou, com felicidade:

"Não tenho dúvida que o man­dado de segurança coletivo prote­ge direito individual e, também, interesses, sejam os denominados interesses difusos, sejam os inte­resses coletivos, também chama­dos, por muitos, de direitos cole­tivos. O mandado de segurança individual, entretanto, visa a pro­teger, apenas, direito subjetivo, de que o direito líquido e certo é es­pécie." (RSTJ 10/206)

Em concedendo Segurança, para satisfazer supostos direitos de ter­ceiros ou interesses do Estado, o V. Acórdão recorrido violou o art. 1 Q da Lei 1.533/51.

Resta enfrentar a negativa de efeito retroativo ao registro de co­mércio.

Neste passo, o Acórdão, declara­damente, desconsiderou o texto do art. 39 da Lei 4.726/65, a dizer que os efeitos do registro retroagem à data em que o documento foi pro­duzido, desde que ele tenha sido apresentado à Junta Comercial, dentro de trinta dias contados das respectivas lavraturas.

Provejo o Recurso, para denegar a Segurança.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 89

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RECURSO ESPECIAL Nº 109.574 - SP

(Registro nº 96.0062049-0)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrente: Fazenda Nacional

Recorridos: Antônio Teodoro Mendes e outro

Advogados: Drs. Elyadir Ferreira Borges e outros, e Drs. José Marabesi e outro

EMENTA: Constitucional. Tributário. Empréstimo compulsório sobre combustíveis. Inclusão dos IPC's de janeirol89, marçol90 e fevereirol91 através de remessa oficial. Não caracterização de reformatio in pejus.

1 - O índice a ser aplicado para fins de cálculo de correção monetária é o IPC, sendo tal índice correspondente a 42,72% para o mês de janeiro de 1989 (REsp nº 43.055, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo).

2 - Não sendo a correção monetária um plus e sendo tão-somente a reposição do valor real da moeda corroída por tormentosa in­flação, a inclusão dos IPC's referentes aos períodos supracitados por via de remessa oficial, afigura-se perfeitamente legal, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Fazenda, não caracte­rizando, destarte, tal procedimento, reformatio in pejus.

3 - Recurso provido parcialmente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Minis­tros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformida­de dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar par­cial provimento ao recurso. Parti­ciparam do julgamento os Srs. Mi­nistros José de Jesus Filho, Demó­crito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.

Brasília, 13 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.

Publicado no DJ de 31-03-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: A Fazenda Nacional interpõe o presente recurso especial (fls. 64/ 81), com fulcro no art. 105, inciso IIl, alíneas a e c, da Constituição

90 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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Federal, contra acórdão (fl. 61) pro­ferido pela 4'" Turma do TRF da 3'" Região, assim ementado:

"Tributário. Repetição de indé­bito. Empréstimo compulsório so­bre o consumo de gasolina e álcool. Decreto-Lei n Q 2.288, de 23.07.86. Inconstitucionalidade (artigo 10). Ausência de notas fiscais: irrele­vante em face da dispensa pelo le­gislador (artigo 16, § 1 Q). Devo­lução pela média. Propriedade comprovada. Procedência.

I -No RE nº 121.336-90/CE, em 11 de outubro de 1990, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, o STF, por maioria, declarou inconstitucio­nal o art. 10 do DL nº 2.288/86, por prever devolução de emprés­timo compulsório em quotas de fundo e não em dinheiro.

II - Inexigível comprovação por notas fiscais, em face do critério adotado pelo próprio legislador, de devolução pela média - O Estado deve suportar a Lei que produziu.

III - Comprovada, direta ou in­diretamente, a propriedade do veículo automotor, admite-se a restituição. Precedentes jurispru­denciais.

IV - Remessa oficial parcial­mente provida."

Sustenta a recorrente contrarie­dade à lei federal bem como dissídio jurisprudencial, defendendo a ocor­rência da prescrição referente a pe­ríodos anteriores ao ajuizamento da ação, e configurar-se reformatio in pejus a alteração havida quanto à

incidência da correção monetária determinada pela via da remessa oficial.

Consta dos autos a interposição de Recurso Extraordinário (fls. 82/ 88) por parte da ora recorrente.

Sem contra-razões, subiram os autos por força dos despachos (fls. 91193) do Exmo. Sr. Vice-Presiden­te do TRF da 3'" Região admitindo o processamento do especial e negan­do seguimento ao apelo extraordi­nário.

À fl. 96, há certidão noticiando a interposição de Agravo de Instru­mento contra o despacho que inad­mitiu o Recurso Extraordinário.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): Trata-se de ação de repetição de indébito ajuizada pelo ora recorrido contra a Fazenda N a­cionaI, com o escopo de obter a res­tituição de quantias pagas a título de empréstimo compulsório instituí­do pelo DL n Q 2.288/86, ao final julgada procedente pela sentença de 1º grau.

Insurge-se a recorrente contra entendimento esposado pelo aresto atacado que, no seu entender, dei­xou de reconhecer a prescrição do direito do ora recorrido de pleitear em juízo a devolução da quantia recolhida a título de compulsório sobre combustível. Aduz, ainda, a recorrente, que ocorreu reformatio in pejus, de vez que a sentença de

R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9, (97): 43-128. setembro 1997. 91

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1Q grau condenou a União a resti­tuir os montantes recolhidos acres­cidos de correção monetária somen­te; não computando aí os índices do IPC, não tendo o autor, ora recorri­do, apresentado impugnação àque­la sentença nem sequer embargos declaratórios, sendo, a seu ver, des­tarte, vedado ao Tribunal a quo, em sede de remessa oficial, determinar a incidência do IPC relativo aos meses de janeiro de 1989, março de 1990 e fevereiro de 1991 no cálculo da correção monetária.

O recurso merece parcial provi­mento.

Não procedem as alegações da recorrente, com relação à decadên­cia do direito da ora recorrida em pleitear a restituição do emprésti­mo compulsório, posto que o tribu­to, no caso em tela, sujeita-se a lan­çamento por homologação que, inocorrendo, torna impossível falar­se em extinção do crédito tributá­rio. À falta de homologação, a deca­dência do direito de propor ação de repetição de indébito só ocorre após 05 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acresci­dos de mais 05 (cinco) anos, compu­tados desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco, para verificação do quantum devido a título de tri­buto. De outra banda, o prazo pres­cricional inicia-se a partir da data em que foi declarada inconstitu­cional a lei na qual fundou-se a ci­tada exação.

N o sentido acima esposado con­firam-se os seguintes precedentes:

"Processual Civil. Tributário. Em­préstimo compulsório sobre aqui-

sLçao de combustíveis. Decreto­Lei n Q 2.288/86. Ação de repeti­ção de indébito. Prova de recolhi­mento. Média de consumo. Pres­crição. Inocorrência. Precedente.

- Em sede de repetição do em­préstimo compulsório sobre aqui­sição de combustível, o cálculo dos valores tem por base a média do consumo nacional, fixada pela Secretaria da Receita Federal, nos termos do artigo 16, parágra­fo 1 Q, do DL n Q 2.288/86, sendo suficiente para a demonstração do recolhimento do gravame a prova de propriedade do veículo.

- Consoante o entendimento fi­xado pela egrégia Primeira Se­ção, sendo o empréstimo compul­sório sobre a aquisição de com­bustíveis sujeito a lançamento por homologação, à falta deste, o prazo decadencial só começará a fluir após o decurso de cinco anos da ocorrência do fato gerador, somados de mais cinco anos, con­tados estes da homologação táci­ta do lançamento. Por sua vez, o prazo prescricional tem como ter­mo inicial a data da declaração de inconstitucionalidade da Lei em que se fundamentou o referi­do gravame.

- Se o acórdão fixou como termo inicial de prescrição da ação a data prevista para a devolução do gravame - hipótese mais bené­fica para a recorrente do que a consagrada pela egrégia Primei­ra Seção - é descabido o deferi­mento da pretensão deduzida no recurso, seja de prescrição ou de decadência o lapso temporal em

92 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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discussão, sob pena de refor­matio in pejus.

- Recurso especial desprovido". (REsp n Q 69.233/RN, ReI. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 30/101 95).

"Tributário. Empréstimo compul­sório sobre aquisição de veículos. Decreto-Lei n Q 2.288, de 2317186, art. 10. Repetição do indébito. Di­reito a restituição. Decadência. Prescrição. Contagem do prazo. Não caracterização.

I - O tributo, a que se denomi­nou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por ho­mologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido a homologação expressa, a extinção do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cin­co anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologa­ção tácita, isto é, em 1996, quan­to aos fatos impositivos mais re­motos.

II - Se se contar o prazo para a ação de restituição a partir da de­cisão plenária do Supremo, que declarou a inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto-lei n Q 2.288, de 1986, o transcurso do prazo qüinqüenal ocorrerá muito após aquela data.

III - Recurso especial não co­nhecido". (REsp n Q 68.292-4/SC, ReI. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 30/10/95).

"Tributário. Empréstimo compul­sório. Decreto-Lei n Q 2.288, de 231 7186, art. 10. Repetição do indé­bito. Direito à restituição. Deca­dência. Prescrição. Contagem do prazo. Não caracterização.

I - O tributo, a que se denomi­nou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por ho­mologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido a homologação expressa, a extinção do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cin­co anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela da­ta em que se deu a homologação tácita, isto é, em 1996, quanto aos fatos impositivos mais remotos.

II - Se se contar o prazo para a ação de restituição a partir da de­cisão plenária do Supremo, que declarou a inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto-lei n Q 2.288, de 1986, o transcurso do prazo qüinqüenal ocorrerá muito após aquela data.

III - Recurso especial conheci­do e provido". (REsp n Q 75.006/ PR, ReI. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 11/12/95).

"Tributário - Empréstimo com­pulsório - Consumo de cOlnblls­tível - Repetição de indébito -Decadência - Prescrição - Ino­corrência.

- O Tributo arrecadado a título de empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis é da-

R. Sup. Trib. Just .• Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997. 93

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queles sujeitos a lançamento por homologação. Em não havendo tal homologação, faz-se impossí­vel cogitar em extinção do crédi­to tributário.

- À falta de homologação, a de­cadência do direito de repetir o indébito tributário somente ocor­re, decorridos cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador, acrescidos de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao Fisco, para apuração do tributo devido". (REsp n Q 42.720-5/ RS, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17/04/95).

Com relação à utilização do IPC como fator de correção monetária, não merece ser acolhido o pleito for­mulado pela ora recorrente, posto que este Tribunal já consolidou a sua jurisprudência no sentido de que é este índice o que melhor re­flete a realidade inflacionária do período constante dos autos.

Confiram-se:

"Tributário. Empréstimo compul­sório. Restituição de indébito. Correção monetária. Índices apli­cáveis. IPC. Alegação de refor­matio in pejus.

1. Na tortuosa legislação de re­gência, conjugadas as suas dispo­sições e consideradas as varia­ções dos índices de correção mo­netária, a jurisprudência assen­tou o IPC para os meses dejanei­ro e fevereiro de 1989, respecti­vamente, ditando 42,72% e 10,14% (REsp n Q 43.055-0-SP -ReI. Min. Sálvio de Figueiredo -Corte Especial).

2. Incontrovertido o direito subs­tancial à restituição do valor in­devidamente recolhido, a corre­ção monetária constitui simples resgate da sua expressão real, sa­bidamente não constituindo acréscimo ou imposição punitiva. Sem constituir um plus ou san­ção pecuniária, fomenta simples atualização do valor da moeda, para ajustar o formal ao substan­cial do débito, estancando a pos­sibilidade do enriquecimento sem causa pelo devedor não espelha a reformatio in pejus.

3. Precedentes jurisprudenciais.

4. Aplicação do INPC a partir de fevereiro/91, vigente a Lei 8.177/ 91 (art. 4Q

).

5. Recurso parcialmente provido."

(REsp n Q 88.423-SP, ReI. Min. Mil­ton Luiz Pereira, DJ de 10.06.96).

"Correção monetária. Liquidação de sentença.

Consolidou-se a jurisprudência do STJ no sentido de que não há empeço legal à utilização do IPC, que melhor retratava a real osci­lação inflacionária, para o efeito de atualização de débitos resul­tantes de condenação judicial. Dissídio jurisprudencial supera­do quanto ao ponto.

Por não se tratar de hipótese ex­pressamente prevista na Lei n Q

8.177/91, a TR não se presta a atualizar débito resultante de condenação judicial.

Aplicação do INPC, a partir de fevereiro de 1991, segundo a ju­risprudência do STJ.

94 R. Sup. Trib. Just .. Brasília. a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.

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Não conhecido o recurso da ré. Conhecido e parcialmente provi­do o recurso dos autores." (REsp n Q 80.734-SP, ReI. Min. Costa Leite, DJ de 22.04.96).

Contudo, no que tange à aplica­ção do percentual de 70,28% como o relativo ao IPC dejaneiro de 1989 para fins de cálculo da correção monetária a incidir na liquidação de sentença, merece ser acolhido o in­conformismo da recorrente, visto que quando do julgamento do REsp n Q 43.055, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, a Egrégia Corte Especial deste Colendo Tribu­nal, entendeu que o índice a ser aplicado para o mês de janeiro de 1989 é da ordem de 42,72%.

Ademais, não há se falar em reformatio in pejus em decorrên-

cia da remessa oficial, que determi­nou que se incluíssem os percen­tuais relativos aos IPC's de janei­ro/89, março/90 e fevereiro/91, no cálculo da correção monetária, posto que esta (correção) nada mais é do que a reposição do valor real da moeda, corroída por tor­mentosa inflação, caso não aconte­cesse, implicaria em enriquecimen­to sem causa por parte da Fazenda Nacional.

Por tais fundamentos, conheço do recurso, dando-lhe, contudo, provi­mento parcial, a fim de reduzir o índice determinado pelo venerando acórdão recorrido como o correspon­dente ao mês de janeiro de 1989, aplicando-se, destarte, o percentual fixado pela Corte Especial deste Colendo Tribunal, a saber, 42,72%.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 116.035 - RS

(Registro n Q 96.0077910-4)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Recorridos: Indústria de Bolsas Europa Ltda. e outros

Advogados: Drs. Maria Edenea Pons e outros, e Rejane Beatriz de Oli­veira Leite e outros

EMENTA: Tributário. Compensação. Crédito liquido e certo. Possibilidade. Correção monetária.

- A Primeira Turma do STJ, por maioria, em inúmeros pre­cedentes tem assentado que a compensação prevista no art. 66, da Lei n. 8.383/91, só tem lugar quando, previamente, existe li­quidez e certeza do crédito a ser utilizado pelo contribuinte.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 95

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- Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o orde­namento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimento pode ser feito de modo voluntário ou por via judicial.

- O autolançamento previsto no CTN é atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela norma jurídica positiva.

- Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolançamento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.

- O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obrigacionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção do tributo por meio de pagamento, o devedor é quem apresenta o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a parte devedora, no caso o Fisco, de­ve ser chamada para apurar a certeza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a com­pensação, no tocante à liquidez e certeza do débito, é criar, sem autorização legal, um privilégio para o contribuinte e uma dis­criminação para a Fazenda Pública.

- O art. 146, In, letra b, da CF, dispõe que somente Lei Com­plementar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tri­butários. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efetivada a compensação, é lei complementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da lei or­dinária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas partes, não dispensável pela lei ordinária, que é a existência de crédito líquido e certo. A seguir, exige que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66 da Lei n. 8.383/91, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.

- Aplicação, também, pelo efeito da ocorrência de fato super­veniente, art. 462, CPC, da Lei n. 9.430, de 27.12.96, arts. 73 e 74, que exige, para fins de compensação, o reconhecimento pela Se­cretaria da Receita Federal do reconhecimento do valor do crédito apresentado para tal fim.

- A 12 Seção, contudo, ao apreciar embargos de divergência sobre o tema, por voto de desempate, prestigiou voto do eminente Ministro Ari Pargendler sustentado nos fundamentos seguintes:

96 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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a) - "No nosso ordenamento jurídico, as decisões judiciais são proferidas à base da lei, mas na técnica de aplicação desta está sempre embutido o propósito de uma solução justa; as regras de hermenêutica têm sempre esse sentido, orientando o intérprete, pelo menos, a resultados razoáveis." b) - "O pano de fundo deste julgamento, portanto, é esse: ou as empresas que recolheram indevidamente a Contribuição para o Finsocial têm o direito de compensar os respectivos valores com aqueles devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social- Cofins, ou devem se sujeitar ao regime do precatório." c) - "A Lei n. 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, previu a compensação como hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156, 1), cometendo, todavia, à lei dispor a respeito das respectivas condições (art. 170)." d) - "No âmbito federal, essa regulamentação só veio a ocorrer vinte cinco anos depois, pelo artigo 66, da Lei n. 8.383, de 1991, na redação dada pela Lei n. 9.069, de 1995 .... "

e) - "Com a Instrução Normativa n. 67, do Diretor do Departa­mento da Receita Federal, impondo diversas limitações para a efetivação da compensação, ficou inviabilizada, na via adminis­trativa, a consecução de tal procedimento extintivo do crédito tributário, especialmente o referente aos valores indevidamente recolhidos como Contribuição para o Finsocial com os valores devidos à guia de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins;" f) - "O instituto da compensação é originário do direito privado, cuja definição, conteúdo e alcance, nos termos do artigo 109 do Código Tributário Nacional, devem ser respeitados pela lei tri­butária." g) - "Não se compreenderia, nessa linha, que, impondo tal exi­gência às demais leis, o Código Tributário Nacional fosse adotar, no seu próprio texto, outro conceito para a compensação em matéria tributária. Por isso, ou a compensação prevista no artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991, tem a mesma natureza da compensação prevista nos artigos 156, I e 170 do Código Tributário Nacional, ou aquela não pode subsistir em razão da contrariedade a este diploma legal, que tem força de lei complementar."

h) - "O que parece dar à compensação em matéria tributária um perfil diferente é resultado do contexto da discussão, a qual se trava em torno de valores que devem ser creditados no âmbito de um lançamento por homologação. Nesse regime, o contribuinte identifica o fato gerador da obrigação tributária, calcula o mon-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 97

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tante do tributo devido e antecipa o respectivo pagamento (CTN, art. 150), nesse sentido de que recolhe o tributo antes da cons­tituição do crédito pela autoridade administrativa. Como, se ele tem créditos contra a Fazenda Pública? Nesse caso, ao invés de recolher o tributo, o contribuinte registra o crédito na escrita, anulando o débito correspondente. Numa hipótese como na outra - vale dizer, a da antecipação do pagamento, bem assim a do registro do crédito - o procedimento tem caráter precário, valendo até a respectiva revisão, para cujo efeito a Fazenda PÚ­blica tem o prazo de 5 (cinco) anos (CTN, art. 150, * 42). O paga­mento ou a compensação, propriamente, enquanto hipóteses de extinção do crédito tributário, só serão reconhecidos por meio da homologação formal do procedimento ou depois de decorrido o prazo legal para a constituição do crédito tributário, ou de diferenças deste (CTN, art. 156, incisos VII e II, respectivamente)." i) "O procedimento do lançamento por homologação é de natureza administrativa, não podendo o juiz fazer as vezes desta. Nessa hipótese, está-se diante de uma compensação por homologação da autoridade fazendária. Ao invés de antecipar o pagamento do tributo, o contribuinte registra na escrita fiscal o crédito oponível à Fazenda Pública, recolhendo apenas o saldo eventualmente devido. A homologação subseqüente, se for o caso, corresponde à constituição do crédito tributário que, nessa modalidade de lançamento fiscal, se extingue concomitantemente pelo efeito de pagamento que isso implica." j) "A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social -Cofins foi criada em substituição à Contribuição para o Finsocial, com as mesmas características desta. Ambas são da mesma espécie tributária nos termos do artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991. Agora, essa conclusão não vale para a Contribuição Social sobre o Lucro (outro fato gerador), para as Contribuições Previdenciárias (fato gerador diverso), para a Contribuição para o PIS (destinação diferente) e, muito menos, para os impostos." k) "A compensação, nos tributos lançados por homologação, independe de pedido à Receita Federal. A lei não pode prever esse procedimento, que de resto sujeitaria o contribuinte aos recolhimentos dos tributos devidos enquanto a Administração não se manifestasse a respeito. A correção monetária do indébito se dá a partir do recolhimento indevido. A limitação da atualização do crédito frustraria as finalidades da compensação." - Homenagem ao entendimento da 1 ª Seção, haja vista a vin­culação à função uniformizadora do Superior Tribunal de Jus­tiça, com ressalva de ponto de vista pessoal em sentido contrário. - Recurso especial improvido.

98 R Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar pro­vimento ao recurso, com as ressal­vas dos Srs. Ministros Demócrito Reinaldo e Milton Luiz Pereira. Par­ticiparam do julgamento os Srs. Mi­nistros Demócrito Reinaldo, Humber­to Gomes de Barros e Milton Luiz Pe­reIra.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.

Brasília, 24 de abril de 1997 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.

Publicado no DJ de 30-06-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: O Instituto Nacional do Segu­ro Social- INSS interpõe o presen­te recurso especial (fls. 1331155) com fulcro no art. 105, inciso UI, alí­neas a e c, da Constituição Fede­ral, contra acórdão (fl. 131) proferi­do pela li! Turma do Tribunal Re­gional Federal da 4i! Região, assim ementa do (fl. 131):

"Tributário. Compensação de tri­butos. Pedido.

A compensação de tributos pres­supõe a existência de crédito re­conhecido pela Administração ou

por via judicial. Nesta hipótese, pode-se pleiteá-la desde logo ou pedir a repetição de indébito, uti­lizando a sentença como título comprobatório do crédito.

Lei n Q 8.383 /91. Requisitos. Con­tribuição previdenciária. Admi­nistradores e autônomos. Leis n Q

7.787/89, art. 3f1, I, e n Q 8.212/ 91, art. 22, I.

Os valores recolhidos na forma das Leis n Q 7.787/89 e n Q 8.212/ 91, a título de contribuição pre­videnciária incidente sobre a re­muneração dos administradores e autônomos são indevidos, e o que foi pago a tal título, depois de corrigido monetariamente desde o recolhimento, pode ser compensado com os valores devi­dos a título de contribuição sobre a folha de salários, a cargo do em­pregador."

Inicialmente, sustenta o recor­rente negativa de vigência dos arti­gos 267, Ve VI e 462, todos do CPC, artigo 2Q

, § 1Q, da LICC.

No que tange à compensação de contribuições previdenciárias, pre­liminarmente argúi a ocorrência da prescrição qüinqüenal, alegando ofensa ao artigo 88, da Lei n Q 8.212/ 91, bem como ao artigo 168, I, do CTN.

Quanto ao mérito, afirma que fo­ram ofendidos vários dispositivos legais, mais precisamente os arti­gos 170, do CTN e 66, § 1 Q, da Lei n Q

8.383/91, pois afirma que os tribu­tos tidos como compensáveis não têm a mesma natureza jurídica,

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128. setembro 1997. 99

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além de suscitar dissídio com o teor da Súmula 546 do STF.

A parte recorrida, em contra-ra­zões (fls. 162/167), alega não mere­cer prosperar a irresignação do re­corrente, devendo o venerando acórdão recorrido ser mantido por seus próprios e jurídicos fundamen­tos.

Consta dos autos a interposição de Recurso Extraordinário (fls. 156/ 160) por parte do ora recorrente, devidamente contra-arrazoado (fls. 168/172).

Admitido o processamento do es­pecial somente pela alínea a do per­missivo constitucional e negado se­guimento ao extraordinário por despachos (fls. 174/176) do Exmo. Sr. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): No exame da maté­ria, tenho me pronunciado confor­me voto que proferi nos Embargos de Divergência no REsp n Q 90.519/ AL (96/0061084-3).

Em tal decisão, resumi o meu convencimento na ementa seguin­te:

"Tributário. Compensação. Cré­dito líquido e certo. Possibilida­de. Correção monetária.

-A Primeira Turma do STJ, por maioria, em inúmeros preceden­tes tem assentado que a compen-

sação prevista no art. 66, da Lei n. 8.383/91, só tem lugar quan­do, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utiliza­do pelo contribuinte.

- Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o ordena­mento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimen­to pode ser feito de modo volun­tário ou por via judicial.

- O autolançamento previsto no CTN é atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela norma jurí­dica positiva.

- Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolança­mento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.

- O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obriga­cionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção do tributo por meio de pagamento, o devedor é quem apresenta o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a par­te devedora, no caso o Fisco, deve ser chamada para apurar a cer­teza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compen­sação, no tocante à liquidez e cer­teza do débito, é criar, sem auto­rização legaL um privilégio para o contribuinte e uma discrimina­ção para a Fazenda Pública.

100 R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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- o art. 146, In, letra b, da CF, dispõe que somente Lei Comple­mentar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributários. O art. 170, do CTN, ao exigir li­quidez e certeza para ser efeti­vada a compensação, é lei com­plementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da lei ordi­nária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas par­tes, não dispensável pela lei or­dinária, que é a existência de cré­dito líquido e certo. A seguir, exi­ge que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66 da Lei n. 8.383/91, em con­seqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurí­dico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.

- Aplicação, também, pelo efei­to da ocorrência de fato super­veniente, art. 462, CPC, da Lei n. 9.430, de 27.12.96, arts. 73 e 74, que exige, para fins de com­pensação, o reconhecimento pela Secretaria da Receita Federal do reconhecimento do valor do cré­dito apresentado para tal fim.

- Embargos de Divergência da Fazenda Nacional acolhidos. O crédito apresentado não é líqui­do e nem é certo. Não houve reco­nhecimento dessa característica do crédito nem pela administra­ção, nem por sentença judicial."

No corpo do voto, assim me pro­nunciei:

"No trato da divergência espe­lhada nos autos, a 1 ª Seção, por maioria de votos, nos Embargos de Divergência 88.465, entre ou­tros, entendeu dever prevalecer a tese assumida pelo acórdão em­bargado.

Na ocasião, fui vencido com o voto que abaixo registro:

"O eminente Ministro Ari Pargendler, ao proferir voto na demanda em exame, concluiu no sentido de acolher os em­bargos de divergência para declarar que os valores exce­dentes da alíquota de 0,5%, recolhidos como Contribuição para o Finsocial, são compen­sáveis com os valores devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Seguri-dade Social - Cofins, assegurados, evidentemente, à Administra­ção Pública a fü,calização e controle do procedimento efe­tivo de compensação.

Do corpo do voto acima des­tacado, extraem-se as afirma­ções seguintes e que as consi­dero nucleares para o debate sobre o tema:

"a) - "No nosso orde­namento jurídico, as deci­sões judiciais são proferidas à base da lei, mas na técnica de aplicação desta está sem­pre embutido o propósito de uma solução justa; as regras de hermenêutica têm sempre esse sentido, orientando o in­térprete, pelo menos, a resul­tados razoáveis."

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b) - "O pano de fundo deste julgamento, portanto, é esse: ou as empresas que recolheram indevidamente a Contribuição para o Fin­social têm o direito de com­pensar os respectivos valo­res com aqueles devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Segu­ridade Social - Cofins, ou devem se sujeitar ao regime do precatório."

c) - "A Lei n. 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, previu a compensação como hipó­tese de extinção do crédito tributário (art. 156, 1), co­metendo, todavia, à lei dispor a respeito das res-pectivas condições (art. 170)."

d) - "No âmbito federal, essa regulamentação só veio a ocorrer vinte cinco anos depois, pelo artigo 66, da Lei n. 8.383, de 1991, na re­dação dada pela Lei n. 9.069, de 1995 .... "

e) - com a Instrução N or­mativa n. 67, do Diretor do Departamento da Receita Federal, impondo diversas limitações para a efetivação da compensação, ficou invia­bilizada, na via adminis­trativa, a consecução de tal procedimento extintivo do crédito tributário, especial­mente o referente aos va­lores indevidamente re-co­lhidos como Contribuição para o Finsocial com os va-

lores devidos à guia de Con­tribuição para o Financia­mento da Seguridade Social - Cofins;

f) - "O instituto da com­pensação é originário do direito privado, cuja defini­ção, conteúdo e alcance, nos termos do artigo 109 do Có­digo Tributário Nacional, devem ser respeitados pela lei tributária."

g) - "Não se compreen­deria, nessa linha, que, im­pondo tal exigência às de­mais leis, o Código Tribu­tário Nacional fosse adotar, no seu próprio texto, outro conceito para a compen­sação em matéria tributá­ria. Por isso ou a compen­sação prevista no artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991, tem a mesma natureza da com­pensação prevista nos ar­tigos 156, I e 170 do Código Tributário Nacional, ou aque­la não pode subsistir em razão da contrariedade a este di­ploma legal, que tem força de lei complementar."

h) - "O que parece dar à compensação em matéria tributária um perfil dife­rente é resultado do con­texto da discussão, a qual se trava em torno de valores que devem ser creditados no âmbito de um lançamento por homologação. Nesse re­gime, o contribuinte iden­tifica o fato gerador da obri­gação tributária, calcula o

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montante do tributo devido e antecipa o respectivo pa­gamento (CTN, art. 150), nesse sentido de que recolhe o tributo antes da consti­tuição do crédito pela au­toridade administrativa. Como, se ele tem créditos contra a Fazenda Pública? Nesse caso, ao invés de reco­lher o tributo, o contribuinte registra o crédito na escrita, anulando o débito corres­pondente. Numa hipótese como na outra - vale dizer, a da antecipação do paga­mento, bem assim a do re­gistro do crédito - o proce­dimento tem caráter pre­cário, valendo até a res­pectiva revisão, para cujo efeito a Fazenda Pública tem o prazo de 5 (cinco) anos (CTN, art. 150, § 4Q

). O pa­gamento ou a compensação, propriamente, enquanto hipóteses de extinção do cré­dito tributário, só serão re­conhecidos por meio da ho­mologação formal do proce­dimento ou depois de decor­rido o prazo legal para a constituição do crédito tri­butário, ou de diferenças deste (CTN, art. 156, incisos VII e lI, respectivamente)."

i) "O procedimento do lançamento por homolo­gação é de natureza admi­nistrativa, não podendo o juiz fazer as vezes desta. Nessa hipótese, está-se diante de uma compensação por ho­mologação da autoridade

fazendária. Ao invés de an­tecipar o pagamento do tri­buto, o contribuinte registra na escrita fiscal o crédito oponível à Fazenda Pública, recolhendo apenas o saldo eventualmente devido. A ho­mologação subseqüente, se for o caso, corresponde à constituição do crédito tri­butário que, nessa moda­lidade de lançamento fiscal, se extingue concomitante­mente pelo efeito de paga­mento que isso implica."

j) "A Contribuição para o Financiamento da Seguri­dade Social - Cofins foi criada em substituição à Contribuição para o Fin­social, com as mesmas ca­racterísticas desta. Ambas são da mesma espécie tri­butária nos termos do artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991. Agora, essa conclusão não vale para a Contribuição So­cial sobre o Lucro (outro fato gerador), para as Contri­buições Previdenciárias (fato gerador diverso), para a Contribuição para o PIS (destinação diferente) e, muito menos, para os im­postos."

k) "A compensação, nos tributos lançados por ho­mologação, independe de pedido à Receita Federal. A lei não pode prever esse pro­cedimento, que de resto su­jeitaria o contribuinte aos recolhimentos dos tributos

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devidos enquanto a Admi­nistração não se manifestas­se a respeito. A correção mo­netária do indébito se dá a partir do recolhimento inde­vido. A limitação da atuali­zação do crédito frustraria as finalidades da compensa­ção."

Por fim, o voto do eminente Re­lator, nos presentes embargos, concluiu que:

"Voto, por isso, no sentido de acolher os embargos de diver­gência para declarar que os valores excedentes da alíquota de 0,5%, recolhidos como Con­tribuição para o Finsocial, são compensáveis com os valores devidos a título de Contribui­ção para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins; assegurados, evidentemente, à Administração Pública a fisca­lização e controle do procedi­mento efetivo da compensação, e invertidos os ônus da sucum­bência."

Com vista dos autos, apresen­to as minhas reflexões e voto so­bre o assunto central da lide. Es­cuso-me pelo alongamento das minhas razões, as quais se tor­nam necessárias, unicamente, para a consolidação do meu po­sicionamento, nunca para tentar convencer os eminentes pares, possuidores de maior carga cul­tural jurídica e de maior facili­dade de entendimento.

As questões debatidas, na atualidade, sobre o tema em dis­cussão, como é consabido, decor­rem da interpretação discrepan­te que está sendo dada, tanto pela doutrina, como pelajurisprudên­cia, ao art. 66 e seus parágrafos da Lei n. 8.383, de teor seguinte:

"Art. 66. Nos casos de paga­mento indevido, ou a maior de tributos e contribuições fede­rais, inclusive previdenciárias, mesmo resultante de reforma, anulação, revogação ou resci­são de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância a períodos subseqüentes.

§ 1 Q A compensação só pode­rá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma es­pécie.

§ 2Q É facultado ao contri­buinte optar pelo pedido de restituição.

§ 3Q A compensação ou res­tituição será efetuada pelo va­lor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.

§ 4Q O Departamento da Re­ceita Federal e o Instituto N a­cionaI do Seguro Social -INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."

A doutrina tem firmado, a res­peito do dispositivo legal supra­mencionado, posições não conver­gentes.

104 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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Uma corrente está a ditar que o art. 66, da Lei n. 8.383, "teria se limitado a generalizar uma prática de há muito adotada no âmbito da administração tributá­ria, ao admitir o abatimento de um crédito financeiro decorren­te de indébito fiscal contra futu­ros recolhimentos de tributos da mesma espécie, a título de ressar­cimento desse indébito, anterior­mente restrito à hipótese da res­tituição. Esse abatimento decor­re muito mais de uma aproxima­ção do indébito com a figura do pagamento antecipado, ainda que indevido, do que do recurso a um instituto jurídico de contornos ni­tidamente delimitados, tal a com­pensação."

Os adeptos desse entendimen­to, de que o art. 66 trata de uma forma de abatimento do tributo, do que da compensação tributá­ria propriamente dita, justificam o entendimento que firmaram, do modo seguinte:

"O abatimento previsto no art. 66 da Lei n. 8.383/91, ain­da que indevidamente chama­do pelo legislador de compen­sação, presume tributo futuro, cujo lançamento sequer foi fei­to e cujo fato gerador pode até ainda não ter acontecido. A compensação prevista no art. 170 do CTN, ao revés, há de ser perpetrada contra crédito tri­butário, assim entendido aque­le que já tenha sido objeto do lançamento tributário." (An­dré Martins de Andrade, in "O Instituto da Compensação

e o Crédito Financeiro do Res­sarcimento do Indébito Fiscal", in "Problemas do Processo Ju­dicial Tributário", pág. 24, Ed. Dialética, S. Paulo, 1996).

Uma segunda corrente doutri­nária afirma que a compensação do art. 66, da Lei n. 8.383/91, não tem qualquer semelhança com a tratada pelo art. 170, do CTN.

As razões dos que assim enten­dem são:

"1 Q. O art. 170 do CTN refe­re-se a compensação como for­ma de extinção do crédito tri­butário, sendo portanto ati­nente a objeto de lançamento tributário já consumado e que, por isto mesmo, dotado é de li­qui dez e certeza. De outra par­te, o crédito do contribuinte, que há de ser líquido e certo, contra a Fazenda, pode ter natureza tributária ou não tributária.

2Q• O art. 66 da Lei n. 8.383/

91 autoriza a compensação, não de crédito tributário, mas dos valores de tributos futuros, ainda não lançados e por isto mesmo sem as qualidades de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuin­te, a ser utilizado na compen­sação, é apenas o resultante de pagamento indevido de tribu­to, pagamento que no caso do Finsocial deu-se, ordinaria­mente, por iniciativa do contri­buinte, sem qualquer partici­pação do fisco (Hugo Macha­do, in 'Proteção Judicial ao

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Direito de Compensação Tribu­tária', artigo em "Problemas do Processo Judicial Tributário", Dialética, pág. 127)".

A terceira corrente tem defen­dido que a compensação do art. 66, da Lei n. 8.383/91 está vincu­lada ao art. 170, do CTN, este com natureza de Lei Complemen­tar, e que ela só pode ocorrer com a constituição da liquidez e cer­teza do crédito alegado pelo con­tribuinte e que pretende compen­sar. Apurada essa condição do crédito, quer por via administra­tiva, quer por via judicial, o con­tribuinte pode efetuar a compen­sação de tributo indevidamente pago, via lançamento por homo­logação, desde que os tributos se­jam da mesma espécie, isto é, im­posto com imposto, taxa com ta­xa, contribuição com contribui­ção.

Feito esse levantamento dou­trinário, exteriorizo o meu con­vencimento atual sobre a maté­na.

Inicialmente, encontro, nos li­mites do meu conhecimento, imen­sas dificuldades para visualizar dois tipos de compensação no sis­tema tributário atual, isto é, uma regulada pelo art. 170, do CTN, outra pelo art. 66 da Lei n. 8.383/ 9l.

Sou daqueles vinculados ao hábito de procurar entender o direito legislado em forma de sis­tema, especialmente, quando os princípios que o regem impelem o intérprete a esse estado.

A Constituição Federal atual, ao fixar os princípios informa­dores, cogentes e reguladores do sistema tributário nacional, esta­beleceu, no art. 146, que "Cabe à lei complementar: ..... III - es­tabelecer normas gerais em ma­téria de legislação tributária, es­pecialmente sobre: ..... b) obriga­ção, lançamento, crédito, prescri­ção e decadência tributária; ..... "

Evidencia-se, desde logo, que qualquer regência legislativa so­bre lançamento e crédito tributá­rio há de ser inspirada em Lei Complementar, sob pena de não ter qualquer existência, validade, eficácia e efetividade.

Fiel a essa disposição consti­tucional, a esse princípio impe­rativo imposto pelo sistema tri­butário estabelecido pela Carta Magna, considerou-se recepcio­nado pela nova ordem jurídica constituída pela Carta de 1988, o art. 156, lI, CTN, e os dele con­seqüentes, dispondo que a com­pensação é uma modalidade de extinção do crédito tributário. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo artigo, isto é, do art. 156, estipula que a lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o dis­posto nos artigos 144 e 149. Este cuida da revisão do lançamento efetivado e aquele da lei regula­dora do lançamento.

A seguir, com a mesma força de lei complementar, o sistema aceitou o art. 170, do CTN, regu-

106 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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lando, de modo específico, como se opera, de modo geral, a com­pensação do crédito tributário, dispondo a respeito:

"Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipu­lação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, au­torizar a compensação de cré­ditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vin­cendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Sendo vin­cendo o crédito do sujeito pas­sivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apura­ção do seu montante, não po­dendo, porém, cominar redu­ção maior que a corresponden­te ao juro de 1% (um por cen­to) ao mês pelo tempo a decor­rer entre a data da compensa­ção e a do vencimento."

ALei Complementar, como vis­to, determinou que só pode haver em nosso sistema tributário um único modo de compensar o crédi­to tributário. Este é o que ela es­tipulou e que só pode ocorrer se:

a) existir lei, no caso a ordiná­ria, autorizando;

b) essa lei determinar as ga­rantias ou poder atribuir à auto­ridade administrativa tributária que as estipule;

c) houver crédito ou créditos líquidos e certos, vencidos ou vin­cendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

Como visto, há uma ordem de princípios gerais ditados pela Lei Complementar para que a com­pensação seja forma de extinção do crédito tributário, destacando­se, especialmente, a exigência de só haver compensação com crédi­to líquido e certo.

Verifique-se que não há supor­te jurídico para a afirmação de que a compensação tributária de­senvolve-se dentro da mesma moldura criada para o pagamen­to do débito tributário. Verdade é que ambos constituem forma de extinção do crédito tributário. O pagamento, contudo, não está vinculado a que exista lei especi­ficando a forma de sua realiza­ção, nem muito menos exigindo liquidez e certeza do crédito a ser extinto. Basta a conferência dos arts. 157 a 164 para não se ter dúvida quanto a essa afirmação.

Deve, também, ser chamado para debate o art. 141, do CTN, que determina: "O crédito tribu­tário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspen­sa ou excluída, nos casos previs­tos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias."

Observe-se que, mais uma vez, o Código Tributário Nacional es­tabelece que a extinção do crédi­to tributário só pode ocorrer de conformidade como a lei estabe­lecer. Em se tratando de compen­sação, a lei exige que a extinção

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 107

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só se caracteriza se o crédito for líquido e certo. Tendo-se o impé­rio da lei, de modo claro, diferen­temente não se pode interpretar.

Por outro ângulo, há, também, com a mesma hierarquia dentro do sistema tributário, isto é, atu­ando como norma complementar, o art. 147, do CTN, ditando so­bre o lançamento efetuado pelo sujeito passivo e afirmando que tal modalidade de constituir o crédito tributário é efetuada "com base na declaração do sujeito pas­sivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tri­butária, presta informações à autoridade administrativa sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação."

Vê-se, pois, que o lançamento a ser feito pelo sujeito passivo está vinculado à forma disposta pela legislação tributária (ex­pressão esta que, conforme o art. 96, do CTN, compreende as leis, os tratados e as convenções inter­nacionais, os decretos e as nor­mas complementares que ver­sem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes).

Tratando-se de efetivação de lançamento feito pelo sujeito pas­sivo, para fins de compensação, o mesmo só pode ser feito se o crédito a ser compensado for lí­quido e certo, porque assim o diz, com força de Lei Complementar, o art. 170, do CTN.

O art. 66, da Lei n. 8.383/91, conseqüentemente, ingressou em nosso sistema jurídico tributário,

porque o art. 170, do CTN, auto­riza a sua existência, validade, eficácia e efetividade. Ele, por sua vez, não estatuiu, pois não podia fazê-lo, procedimentos re­ferentes ao fenômeno da compen­sação como extinção do crédito tributário diferentemente dos princípios cogentes fixados pelo art. 170, do CTN, pela suprema­cia hierárquica por este exercida sobre o referido dispositivo de le­gislação ordinária.

Em conclusão: só pode haver compensação de crédito tributá­rio se for apurada, previamente, a sua liquidez e certeza.

Desnecessário desenvolver qualquer comentário sobre o con­ceito, em nosso ordenamento ju­rídico, a respeito do que seja cré­dito tributário líquido e certo, por ser amplamente conhecido.

Apenas para ordenar o desen­volvimento do pensamento ex­posto, é que o faço.

Dívida líquida é a que apresen­ta quantia determinada, isto é, não determinável, ou apurável por simples cálculo aritmético com base em valores expressos no título que a contém. Primeira­mente, há de haver um título que albergue a dívida. A seguir, ela tem de se apresentar com a ca­racterística da definição supra, expressando, de modo indubi­tável, o seu montante, este, obri­gatoriamente, reconhecido pelo credor ou estabilizado por uma decisão judicial.

O conceito de liquidez de obri­gação em nosso sistema jurídico

108 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97); 43-128, setembro 1997.

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é de natureza legal. Não foi fir­mado por disposições doutrinári­as e jurisprudenciais. Ele está disposto no art. 1.533, do Código Civil, assim:

"Art. 1.533. Considera-se lí­quida a obrigação certa, quan­to à sua existência, e determi­nada quanto ao seu objeto."

Por força da lei, só se tem dí­vida líquida e certa quando o tí­tulo recebe a ciência do devedor do que deve e a fixação e certeza do total que lhe está sendo exigi­do.

Essa ciência da dívida pode estar presente de forma voluntá­ria, quando reconhecida pelo pró­prio devedor, ou por determina­ção judicial quando litígio a res­peito se instaurar.

Tem a doutrina afirmado, no trato do assunto:

"Em razão disso, uma dívi­da é líquida, quando se está certo ou ciente do que se deve e quando se sabe o quanto é es­se débito, que, assim, se mos­tra exato e definitivo, presente e inalterável. E, dessas duas circunstâncias resultam a equi­valência da liquidez e a idéia de certeza." (Plácido e Silva, in Voc. Jur., pág. 555, voI. II).

Esses conceitos, aqui repetidos de forma desnecessária, confor­me já afirmado, não são despl=e­zados pelo Direito Tributário. Pe-

lo contrário. Ele os acolhe em sua integridade, sem qualquer alte­ração, conforme dispõe o art. 110, do CTN:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Cons­tituição Federal, pelas Consti­tuições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Fe­deral ou dos Municípios, para definir ou limitar competência tributária."

Postas tais considerações, uni­camente para que não me perca na seqüência das idéias que cons­truí a respeito do tema, nunca com o sentido de expor o que de muito é sabido pelos eminentes pares desta Seção, volto-me, ago­ra, de modo específico, ao art. 66, da Lei n. 8.383/91, destacando, mais uma vez, primeiramente o seu inteiro teor:

"Art. 66 - Nos casos de pa­gamento indevido, ou a maior de tributos e contribuições fe­derais, inclusive previdenciá­rias, mesmo quando resultan­te de reforma, anulação, revo­gação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes.

§ 1 Q. A compensação só po­derá ser efetuada entre tribu­tos e contribuições da mesma espécie.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 109

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§ 29 . É facultado ao contri­buinte optar pelo pedido de restituição.

§ 39 • A compensação ou res­tituição será efetuada pelo va­lor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.

§ 49 • O Departamento da Re­ceita Federal e o Instituto N a­cionaI do Seguro Social -INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."

Ora, é induvidoso, ao meu pen­sar, o fato de que o art. 66, da Lei n. 8.383/91, cuida da compensa­ção autorizada pelo art. 170, do CTN. De outra não poderia se referir, porque a legislação ordi­nária, por si só, de modo autôno­mo, não pode cuidar da extinção do crédito tributário, matéria re­servada, exclusivamente, à Lei Complementar, como já mencio­nado, por querer da Carta Mag­na.

A prevalecer, o que não tem a minha concordância, a corrente que configura o disposto no art. 66, da Lei n. 8.383/91 como uma forma de compensação desvin­culada do art. 170, do CTN, tem­se, obrigatoriamente, em home­nagem ao art. 146, II, b, da CF, de se declarar a inconstitucio­nalidade do referido dispositivo, via controle difuso, para que o mesmo deixe de existir, sem pro­dução de qualquer validade, efi­cácia e efetividade.

Convencido estou de que o art. 66, da Lei n. 8.383/91, tem sua subordinação direta ao art. 170, do CTN, vinculado, portanto, aos princípios por este estabelecidos. Entre tantos, como já exposto, só pode haver compensação se o cré­dito do contribuinte for líquido e certo, isto é, determinado em sua quantia e reconhecido pela Fa­zenda Pública como sendo a de­vedora. Esse reconhecimento, repito, pode ser feito por via ad­ministrativa ou judicial. Só após esse estado de liquidez e certeza é que o contribuinte pode fazer o lançamento, efetuando a opera­ção de compensação, sujeita a ho­mologação pelo Fisco. A este ca­berá, tão-somente, verificar se a quantia determinadora da li­quidez e certeza do título foi cor­retamente lançada, corrigida de modo legal, e se a operação do en­contro de contas efetuou-se regu­larmente. Nenhuma discussão mais poderá existir quanto à li­quidez e certeza do crédito. Ca­berá, também, ao Fisco investi­gar se a compensação se deu en­tre tributos da mesma espécie.

Diante do exposto, o contri­buinte não pode, como tem defen­dido determinada corrente dou­trinária e jurisprudencial, com a apresentação da minha mais alongada vênia, de forma unila­teral, apurar a liquidez e certeza do crédito, ]lor a lei a tanto não lhe permitir. E de ser lembrado que esse crédito surge de uma obriga­ção tributária que nasce da lei e que exige a presença do sujeito passivo para a sua constituição.

110 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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N o tocante aos aspectos apon­tados nos presentes embargos de divergência, anote-se que a egré­gia Segunda Turma não nega a possibilidade da compensação. Pelo contrário. Ela a prestigia, porém, em modos de absoluta se­gurança, tanto para o contribuin­te como para o Fisco, vinculan­do-se ao sistema instituído pelo ordenamento jurídico tributário para a sua realização.

No particular, observo que o voto do eminente relator, Min. Ari Pargendler, coincide, em mui­tos aspectos, com a posição da 2ª Turma. Diz Sua Excelência, em trecho do mesmo:

"Reconhecido que o recolhi­mento indevido tem qualifica­ção como crédito compensável, segue-se a etapa da compensa­ção: a do encontro de créditos e débitos, aqueles e estes ne­cessariamente certos e líqui­dos - operação que demanda provas e contas."

Certa a afirmação. A liquidez e certeza só podem ser apuradas mediante operação que demanda provas e contas. Prova de que o credor reconheceu o débito e a liquidez, ou que aceitou o débito e a liquidez, embora esta neces­site, apenas, de uma operação aritmética para ser determinada. Exemplo: o devedor reconhece o principal, correção monetária pelo IPC e juros. Por via de sim­ples operação aritmética, apura­se a correção monetária e 9S ju­ros.

A primeira discordância entre o posicionamento da 2ª Turma e o da 1 ª Turma começa a existir, quando essa aceita que o contri­buinte, sem possuir qualquer tí­tulo líquido e certo constituído, isto é, reconhecido pelo devedor da quantia a ser compensada, registre, em sua escrita fiscal e contábil, a compensação e esta produza efeitos de extinção do pagamento do crédito, embora sujeita a fiscalização posterior.

A 2ª Turma entende, de modo unânime, que, sem a apuração dessa liquidez e certeza do títu­lo, como exige o art. 170, do CTN, é impossível se fazer a compen­sação, mesmo que os créditos se­jam compensáveis.

Na seqüência dos aspectos di­vergentes entre as Turmas, a 2ª Turma fixou, ainda, o entendi­mento de que o autolançamento é atividade vinculada à lei. Por essa razão, o contribuinte há de efetuá-lo como a norma positiva expressamente determina que o faça. Não há lei permitindo a compensação sem apuração pré­via da liquidez e certeza do débi­to. Não pode, portanto, ser feito autolançamento para tal fim sem a prova desse requisito. Impõe­se, portanto, que se apure, via administrativa ou judicial, a liquidez e certeza do crédito a ser compensado, o que há de ser fei­to em atividade da qual o deve­dor, de modo explícito, participe. Feito o autolançamento com vin­culação a tal exigência legal, cabe ao Fisco, apenas, no prazo de cin-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 111

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co anos, examinar a sua exatidão ou não, isto é, compará-lo com o título representativo da liquidez e certeza do crédito, bem como, se os tributos compensados eram da mesma espécie.

Postas tais considerações, res­ta examinar, tendo-se em vista a especificidade dos embargos di­vergentes em julgamento, se a ação proposta pelo contribuinte está compatível ou não com os pressupostos acima defendidos para a existência da compensa­ção.

O que se tem em debate é um mandado de segurança preventi­vo. Nele não se afirma existir cré­dito líquido e certo reconhecido pelo ente credor. Não se afirma, ainda, qual a quantia que se quer compensar. Pede-se, apenas, de­cisão judicial garantidora do di­reito de compensar o que se de­clara, unilateralmente, sem reco­nhecimento pelo Fisco, nem pelo Poder Judiciário, ter sido pago a maior, a título de FINSOCIAL.

Reivindica-se, assim, uma sen­tença genérica, de cunho pura­mente declaratório, com a auto­rização para fazer, a qualquer época a compensação, com quan­tias que bem entender, com pa­gamentos futuros do COFINS.

Ora, se, primeiramente, ne­nhum crédito líquido e certo está demonstrado pela empresa con­tribuinte, não há que se lhe as­segurar direito a compensação, por esbarrar, de imediato, na re­gra do art. 170, do CTN. Compen­sar o quê? Não há nem certeza

se, realmente, o FINSOCIAL foi pago a mais. Para tanto se che­gar, há necessidade de exame na escrita fiscal e contábil do contri­buinte, há de se investigar pro­vas e documentos pelos meios há­beis, fazer-se encontro de contas, operações aritméticas, para se determinar a realidade dos fatos. Não há nos autos respostas para tal indagação.

Observe-se que a empresa con­tribuinte fez juntar, apenas, vá­rias cópias xerografadas de DARF's referentes ao pagamen­to do FINSOCIAL. Tais documen­tos, por simples cópia, sem reco­nhecimento judicial ou adminis­trativo, por seus próprios efeitos, não conduzem ao entendimento de que o FINSOCIAL foi pago em excesso, quanto foi pago a maior e o que remanesce para ser tido como crédito fiscal a favor do con­tribuinte. Repita-se, mesmo que seja cansativo: só se apurando, em procedimento regular, admi­nistrativo ou judicial, se, em tais DARF's há pagamento a maior, isto é, além dos 0,5% (meio por cento) a título de FINSOCIAL, é que se saberá se há crédito a com­pensar e qual o seu valor.

Ao se conceder a segurança, mesmo em parte, com a afirma­ção de ser compensável o crédito afirmado, sem se apurar previa­mente a liquidez e a certeza do mesmo, está se outorgando ao contribuinte uma atribuição para fazer autolançamento com força de não recolher tributo, sem qual­quer autorização legal, pois ele

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será o único senhor da quantia a ser compensada. Lembro o já afirmado de que as regras legais da compensação diferem, em pro­fundidade, das postas para o pa­gamento do tributo por autolan­çamento.

Esclareço, também, o meu pen­samento de que não há que se emprestar efeito, apenas decla­ratório, ao mandado de seguran­ça em exame. A decisão decla­ratória só tem lugar quando en­volve a necessidade concreta­mente demonstrada de eliminar ou resolver a incerteza do direito ou relação jurídica. Essa incerte­za deve surgir do próprio confli­to de interesses, nunca, somen­te, no espírito do autor. Não é o caso, pois, há leis específicas re­gulando a compensação, de mo­do hierárquico e, portanto, vin­culado, isto é, na Constituição Fe­deral (art. 146, IIl, b), na Lei Complementar (art. 170, do CTN) e na legislação ordinária (art. 66, da Lei 8.383/91). Cabe, apenas, a sua aplicação, interpretando-as sistema ticamen te.

É de ser lembrado, embora de modo não necessário, que não cabe declaratória para mera in­terpretação do direito em tese (RTJ 113/1.322), o que, na essên­cia, é o que pretende o contribuin­te, pois, nenhum ato concreto contra si ele aponta como tendo sido praticado pelo Fisco.

Na espécie, entendo que não há exagero em afirmar que a pre­tensão da empresa contribuinte, por não ter feito prova de qual-

quer ato concreto contra si prati­cado, por não ter provado a liqui­dez e a certeza do seu crédito, é a de se utilizar do mandado de se­gurança como uma consulta ao Judiciário. Não cabe, portanto, ofertar-lhe tal pretensão."

Em pronunciamentos seguintes a 1 e Seção, em sede, também, de Em­bargos de Divergência tem reafir­mado o entendimento supra.

Em princípio, em homenagem ao princípio da aplicação da uniformi­dade de interpretação da legislação infraconstitucional, missão maior do Colendo Superior Tribunal de Justiça, devia ocorrer a minha ren­dição à douta maioria, sem deixar, contudo, de ressalvar o meu ponto de vista.

Ocorre que, em 27 de dezembro de 1996, foi editada a Lei n. 9.430 (DOU de 30.12.96), cuja Seção VIII, sob o título "Restituição e Compen­sação de Tributos e Contribuições", contém os arts. 73 e 74, com a se­guinte redação:

"Art. 73. Para efeito do dispos­to no art. 72 do Decreto-lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos do contri­buinte e a quitação de seus débi­tos serão efetuadas em procedi­mentos internos à Secretaria da Receita Federal, observado o se­guinte:

I - o valor bruto da restitui­ção ou do ressarcimento será de­bitado à conta do tributo ou da contribuição a que se referir;

R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997. 113

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II - a parcela utilizada para a quitação do contribuinte ou res­ponsável será creditada à conta do respectivo tributo ou da res­pectiva contribuição.

Art. 74. Observando o dispos­to no artigo anterior, a Secreta­ria da Receita Federal, atenden­do a requerimento do contribuin­te, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restitu­ídos ou ressarcidos para a quita­ção de quaisquer tributos e con­tribuições sob sua administra­ção."

Os referidos dispositivos legais foram regulamentados pelo Decre­to n. 2.138, de 29 dejaneiro de 1997, com a redação seguinte:

"Art. 1 Q. É admitida a compen­sação de créditos do sujeito pas­sivo perante a Secretaria da Re­ceita Federal, decorrentes de res­tituição ou ressarcimento, com seus débitos tributários relativos a quaisquer tributos ou contribui­ções sob administração da mes­ma Secretaria, ainda que não se­jam da mesma espécie nem te­nham a mesma destinação cons­titucional.

Parágrafo único. A compensa­ção será efetuada pela Secreta­ria da Receita Federal, a reque­rimento do contribuinte ou de ofí­cio, mediante procedimento in­terno, observado o disposto nes­te Decreto.

Art. 29 . O sujeito passivo, que pleitear a restituição ou ressar­cimento de tributos ou contribui-

ções, pode requerer que a Secre­taria da Receita Federal efetue a compensação do valor do seu cré­dito com débito de sua responsa­bilidade.

Art. 39 • A Secretaria da Recei­ta Federal, ao reconhecer o direi­to de crédito do sujeito passivo para restituição ou ressarcimen­to de tributo ou contribuição, me­diante exames fiscais para cada caso, se verificar a existência de débito do requerente, compensa­rá os dois valores.

Parágrafo único. Na compen­sação será observado o seguinte:

a) o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debita­do à conta do tributo ou da con­tribuição respectiva;

b) o montante utilizado para a quitação de débitos será credita­do à conta do tributo ou da con­tribuição devida.

Art. 49 . Quando o montante da restituição ou do ressarcimento for superior ao débito, a Secreta­ria da Receita Federal efetuará o pagamento da diferença ao su­jeito passivo.

Parágrafo único. Caso a quan­tia a ser restituída ou ressarcida seja inferior aos valores dos dé­bitos, o correspondente crédito tributário é extinto no montante equivalente à compensação, ca­bendo à Secretaria da Receita Federal adotar as providências cabíveis para a cobrança do sal­do remanescente.

Art. 59. A unidade da SRF que efetuar a compensação observa­rá o seguinte:

114 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.

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I - certificará:

a) no processo de cobrança, qual o montante do crédito tribu­tário extinto pela compensação e, se for o caso, o valor do saldo a ser restituído ou ressarcido;

b) no processo de cobrança, qual o montante do crédito tribu­tário extinto pela compensação e, sendo o caso, o valor do saldo re­manescente do débito;

II - emitirá documento com­probatório de compensação, que indicará todos os dados relativos ao sujeito passivo e aos tributos e contribuições objeto da compen­sação necessários para o registro do crédito e do débito de que tra­ta o parágrafo único do artigo 3 Q

;

III - expedirá ordem bancá­ria, na hipótese de saldo a resti­tuir ou ressarcir, ou aviso de co­brança, no caso de saldo do débi­to;

IV - efetuará os reajustes ne­cessários aos dados e informações dos controles internos do contri­buinte.

Art. 6Q A compensação poderá ser efetuada de ofício, nos termos do art. 7Q do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, sempre que a Secretaria da Receita Fe­deral verificar que o titular do direito à restituição ou ao ressar­cimento tem débito vencido rela­tivo a qualquer tributo ou contri­buição sob sua administração.

§ 1 Q A compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para que se ma­nifeste sobre o procedimento, no

prazo de quinze dias, sendo o seu silêncio considerado como aqui­escência.

§ 2Q Havendo concordância do sujeito passivo, expressa ou táci­ta, a Unidade da Secretaria da Receita Federal efetuará a com­pensação, com observância do procedimento estabelecido no art. 5Q

§ 3Q No caso de discordância do sujeito passivo, a Unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débi­to seja liquidado.

Art. 7Q O Secretário da Recei­ta Federal baixará as normas necessárias à execução deste De­creto.

Art. 8Q Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação."

Embora a lei faça referência a tributos administrados pela Secre­taria da Receita Federal, os princí­pios de liquidez e certeza que ela impõe aplicam-se aos casos de con­tribuições previdenciárias quando em regime de compensação. De igual modo, todos os argumentos acima desenvolvidos adaptam-se à com­pensação da contribuição previden­ciária dos autônomos, etc.

Face essa legislação superve­niente, a qual aplico à relação jurí­dica processual em debate, em ra­zão dos ditames do art. 462, do CPC: "Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modifica­tivo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 115

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ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença."

Esta Corte já se pronunciou pela aplicabilidade do art. 462, do CPC, em recurso especial, nas decisões anunciadas pelo RESP n. 2.041-RJ eAG. 36.291-SP, publicados no DJU de 7.5.90 e 8.11.93.

Inquestionável, portanto, ao meu pensar, que a compensação tributá­ria, face aos dispositivos legais supramencionados, só pode ocorrer se existir crédito líquido e certo re­conhecido pela entidade devedora, no caso, a administração tributária. Não há de exigir, em decorrência dessa nova legislação, que a com­pensação seja feita entre tributos da mesma espécie. No particular, ren­do-me ao ditado pela lei.

Considerando, porém, conforme já afirmado, a necessidade de zelar pelo princípio da uniformidade das deci­sões emitidas pela Seção, quando em sede de Embargos de Divergência, ou em Incidente de Uniformização de Jurisprudência, embora não es­teja convencido, ressalvo o meu pon­to de vista, para acompanhar a douta maioria, conforme assentamento emitido pela 1 ª Seção, pelo que nego provimento ao especial.

É como voto.

VOTO (VOGAL)

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Faço juntar cópia do voto no qual expresso meu entendimento.

"ANEXO

RECURSO ESPECIALNQ 117.934-PE

VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Descor­tina-se recurso aviado ao derredor da "compensação" (art. 66, Lei n Q

8.383/91), tendo por razão valores recolhidos a título FINSOCIAL, ensejando a interposição do presen­te despique com a finalidade de ser modificado o julgado.

Apontando como frontispício o art. 105, lII, a e c, Constituição Federal, alvoroçando que o julgado contrariou aos artigos 170 do Códi­go Tributário Nacional, 66 e §§ 3Q e 4Q, da Lei 8.383/91, além de dissídio jurisprudencial, a parte recorrente almeja a reforma do julgado, por­que equivocou-se ao decidir pela possibilidade da compensação entre o FINSOCIAL e o COFINS.

Presentes os requisitos de ad­missibilidade, impõe o conhecimen­to do recurso.

Nessa perspectiva, alinhei-me à compreensão então preponderante na Primeira Turma, contrária à compensação; confira-se:

"Créditos Tributários. Com­pensação.

A compensação de créditos tri­butários só é possível com crédi­tos líquidos e certos, vencidos ou vincendos. Não comprovada a existência de créditos desta na­tureza, a pretensão só poderia ser apreciada e decidida na ação e procedimento ordinário.

Recurso improvido." (RMS 4.451-3-SP, Rel. Min. Garcia Vieira - in DJU de 19.9.94).

116 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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"Tributação. Compensação. Art. 66 da Lei 8.383/1991. Art. 170, do CTN. Art. 146, UI, b, CF/ 1988.

1. A Primeira Turma, de modo unânime, em inúmeros preceden­tes tem assentado que a compen­sação prevista no art. 66, da Lei n Q 8.383/1991, só tem lugar quan­do, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utiliza­do pelo contribuinte.

2. Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o orde­namento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimen­to pode ser feito de modo volun­tário ou por via judicial.

3. O autolançamento previsto no CTN e a atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela norma ju­rídica positiva.

4. Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolan­çamento antes de apurar a liqui­dez e certeza do crédito.

5. O sistema jurídico tributá­rio trata, de modo igual, situa­ções que impõem relações obriga­cionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção do tributo por meio de pagamento, o devedor e quem apresente o seu débito co­mo líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a par­te devedora, no caso o fisco, deve ser chamada para apurar a cer­teza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compen-

sação, no tocante à liquidez e cer­teza do débito, é criar, sem auto­rização legal, um privilégio para o contribuinte e uma discrimina­ção, para a Fazenda Pública.

6. O art. 146, lU, letra b, da CF/1988, dispõe que somente Lei Complementar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributários. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efetivada a compensação, e lei complementar. Ainda mais, quan­do diz que a compensação só pode ser feita nos termos da Lei Ordi­nária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas par­tes, não dispensável pela lei or­dinária, que é a existência de cré­dito líquido e certo. A seguir, exi­ge que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66 da Lei 8.383/1991, em con­seqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurí­dico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.

7. Recurso Especial provido" (REsp 108.470-PR, ReI. Min. José Delgado, in DJU de 7.4.97);

"Tributário. Compensação de créditos. FINSOCIAL com o COFINS. Mandado de seguran­ça. Ausência de pressupostos autorizativos. Impossibilidade.

I - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a compensação tributária pressu­põe o confronto de débito e crédi­to provenientes de tributos da mesma natureza, bem como o

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 117

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inequívoco reconhecimento da sua existência. Daí a impossibi­lidade de ser admitida pela via eleita do writ ofmandamus a sua pronta concretização.

Ademais, esta colenda Corte se orientou no sentido de ser contrá­ria à compensação entre créditos e débitos provenientes, respecti­vamente, de FINSOCIAL e COFINS (RMS 4.035-6/DF).

II - Recurso Especial provido." (REsp 100.622-RS, ReI. Min. José de Jesus Filho, in DJU de 7.4.97).

Conquanto a falar da "compensa­ção", continuo pensando ser neces­sária a demonstração de preceden­te liquidez e certeza, tornou-se inescondível que a egrégia Primei­ra Seção, em multifários julgamen­tos, concretizado em Embargos de Divergência, assentou compreensão favorecendo a possibilidade da pre­tensão deduzida pelo contribuinte. A respeito, em comemorando o jul­gamento pioneiro (EREsp nº 78.301-BA, ReI. Min. Ari Pargendler, inter alia, confira-se:

"Tributário. Contribuição para o FINSOCIAL (Lei nº 7.689/88) - Contribuição para o Financia­mento da Seguridade Social COFINS (Lei Complementar nº 70/91) - Compensação (Lei nº 8.383/91) - Possibilidade -Embargos recebidos.

I - Os valores recolhidos a tí­tulo de contribuição para o FIN­SOCIAL, cuja exação foi consi­derada inconstitucional pelo STF (RE nº 150.764-1), são compen­sáveis diretamente pelo contri-

buinte com aqueles devidos à con­ta de COFINS, no âmbito do lan­çamento por homologação. Prece­dente EREsp nº 78.301-BA, re­lator Ministro Ari Pargendler, 1" Seção, julgado em 11/12/96.

II - Tributos, cujo crédito constitui-se através de lançamen­to por homologação, como no ca­so, são apurados em registros da contribuinte, devendo ser consi­derados líquidos e certos para efeito de compensação, a se con­cretizar independentemente de prévia comunicação à autoridade fazendária (cf. art. 2º da IN/SRF nº 67/92), cabendo a essa a fisca­lização do procedimento.

III - Embargos recebidos." (EREsp nº 96.939 - ReI. Min. Adhemar Maciel - in DJU de 16.9.96).

Outrossim, diante da fortidão do entendimento pretoriano, na lida da compensação, a administração fazendária editou instruções nor­mativas admitindo-a, circunstância que, pragmaticamente, demanda o reconhecimento dos pedidos articu­lados pelos contribuintes (IN 21/97 e IN 32/97). Teimar com afirmação contrária, na verdade, seria perpe­tuar situação já resolvida adminis­trativamente, com prejuízos às par­tes e desconsideração com a instru­mentabilidade do processo, ense­jando novos recursos.

Nesse contexto, pois, em que pese ressalvar o meu entendimento, sub­metendo-me à jurisprudência uni­formizadora estadeada pela colenda Primeira Seção, voto improvendo o recurso.

É o voto".

118 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.

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RECURSO ESPECIAL NQ 122.310 - MT (Registro n Q 97.0015952-3)

Relator: O Sr. Ministro José Delgado Recorrente: Estado do Mato Grosso Recorrida: Comercial Rio Vermelho de Bebidas Ltda. Advogados: Drs. Valdeci Moraes Siqueira e outros, e Suleiman Olivei­

ra Bragança e outro

EMENTA: Tributário_ Substituição tributária. Bebidas. Estado do Mato Grosso. 1. A jurisprudência da 1 i! Seção do Superior Tribunal de Justiça está assentada na linha do entendimento de que é legal o regime de substituição tributária adotado pelos Estados, em se tratando de transações com bebidas, considerando atendidas as exigências da Constituição Federal e das Leis Complementares regedoras do tema. 2. No Estado do Mato Grosso, o regime de substituição tributária tem seu apoio não somente no art. 6Q

, * 4Q, do DL n. 406, de 31 de

dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complementar n. 44, de 07 de dezembro de 1983. O Convênio ICMS n. 66, de 14 de dezembro de 1988, firmado com fundamento no § 8Q

, do artigo 34 do ADCT da Constituição Federal, e a Lei Estadual n Q 5.419, artigo 30, de 27.12.88, também autorizam essa forma de cobrança do ICMS. Registro que a Cláusula Primeira do Convênio n. 105/92 tem a se­guinte redação: "Cláusula Primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal, quando destinatários, autorizados a atribuir aos remetentes de com­bustíveis e lubrificantes, derivados ou não de petróleo, situados em outras Unidades da Federação, a condição de contribuintes ou de substitutos tributários, relativamente ao ICMS incidente sobre as operações com esses produtos, a partir da operação que os remetentes estiverem realizando, até a última, assegurado o seu recolhimento à Unidade Federada onde estiver localizado o adquirente." 3. Não é ilegal a exigência do recolhimento antecipado, pela em­presa fabricante, do ICMS, incidente na revenda ou fornecimen­to de bebidas pelo fabricante ou fornecedor. 4. Continua, assim, em vigor a legislação infra constitucional, re­guladora da chamada "substituição tributária para frente", hoje com endosso da Emenda Constitucional n. 03/93. 5. Constituição, art. 155, * 2 Q

, XII, b; E. C. n. 3/93. Decreto-lei n. 406/ 68. Lei Complementar n. 44/83. C. T. N., art. 128. Convênio 66/88. 6. Recurso especial a que se dá provimento.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 119

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, dar provi­mento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Au­sente, justificadamente, o Sr. Minis­tro Milton Luiz Pereira.

Brasília, 03 de junho de 1997 (da­ta do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.

Publicado no DJ de 30-06-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: O Estado do Mato Grosso in­terpõe o presente recurso especial (fls. 144/153), com fulcro no art. 105, inciso lII, alínea c, da Constituição Federal, contra acórdão (fls. 132/ 137) proferido pelo Pleno do TJ/MT, assim ementado:

"ICMS - Cobrança antecipada - Ausência de lei complementar que a autoriza.

É ilegal a cobrança antecipada de ICMS quando inexiste lei comple­mentar que a autorize".

Sustenta o recorrente a existên­cia de dissídio jurisprudencial en­tre o aresto atacado e decisões des­ta Corte.

Às fls. 156/162, há parecer do Ministério Público do Estado de Mato Grosso opinando pela ad­missibilidade do especial.

Sem contra-razões, subiram os autos por força do despacho (fls. 165/167) do Exmo. Sr. Desembar­gador Leônidas Duarte Monteiro, Vice-Presidente do TJ/MT, admitin­do o especial.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO (Relator): O acórdão hostilizado pela via do recurso especial ora exa­minado contém a seguinte ementa (fi. 136):

"ICMS - Cobrança antecipada - Ausência de lei complementar que a autoriza.

É ilegal a cobrança antecipada de ICMS quando inexiste lei comple­mentar que a autorize".

Extrai-se da análise do texto aci­ma referido que o tema substitui­ção tributária foi discutido no acórdão com base na interpretação do art. 128, do CTN, regra conside­rada convalidada pelo art. 155, § 29 ,

inciso XII, da CF.

N o corpo do voto condutor do aresto em questão a conclusão fir­mada está assentada em aplicação de dispositivo infraconstitucional. Confira-se essa afirmação com a lei­tura do inteiro teor do mencionado voto (fls. 134/135):

120 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9. (97): 43-128. setembro 1997.

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"A matéria está por demais de­batida, exaustivamente examina­da, de modo que é desnecessário nos alongarmos a respeito do as­sunto, tendo decidido por unani­midade que a cobrança antecipa­da do ICMS é ilegal por conter base no cálculo fictício, bem como por não existir a lei complemen­tar que seria necessária para res­paldar o artigo 150 da Constitui­ção Federal.

Nessas condições, nos termos do que já temos decidido, concedo a segurança.

É como voto."

Conheço, assim, do recurso.

Nego-lhe provimento. Está con­solidada na jurisprudência das 1" e 2" Turmas e na 1" Seção deste Tri­bunal, que o regime de substituição tributária para a cobrança do ICMS não é ilegal.

A respeito, os fundamentos da minha convicção são os que passo a expor.

As razões da aceitação da tese, como vêm fazendo as I!:! e 2!:! Tur­mas e I!:! Seção deste Tribunal, da legalidade do regime da denomina­da substituição tributária para fren­te, na revenda de veículos automo­tores no Estado de São Paulo, para a cobrança do ICMS, servem para apoiar idêntica forma de cobrança do mencionado imposto para a comercialização de derivados de petróleo, inclusive óleos lubrifican­tes.

A respeito da substituição tribu­tária para as transações com veícu-

los automotores, dou o meu apoio aos pronunciamentos desenvolvidos pelo eminente Ministro Pádua Ri­beiro, ao julgar os Embargos de Di­vergência no RESP n Q 52.520/SP, em seu voto, cujo inteiro teor registro:

"Discute-se, nos presentes autos, sobre a legalidade da exigência do recolhimento antecipado, pela empresa fabricante, do ICMS in­cidente na revenda de veículos pelas concessionárias.

Sobre o assunto, venho votando na 2!:! Turma, no mesmo sentido do acórdão paradigma.

Com efeito, não há olvidar que o Supremo Tribunal Federal teve por constitucional a chamada "substituição tributária para frente", desde que instituída por lei complementar. Encampado o instituto pela Constituição em vigor (art. 155, § 2Q

, XII, b), o Convênio 66/88 (que, por força do art. 34, § 8Q

, do ADCT, tem força de lei complementar) o adotou em seu texto, repetindo, em última análise, as normas da Lei Com­plementar n. 44, de 1983. Poste­riormente, sobreveio a Emenda Constitucional n. 3/93, que, em termos inequívocos, constitucio­nalizou o instituto, amplamente utilizado desde o advento do ICM no nosso sistema tributário. Eis o seu texto:

'A lei poderá atribuir ao sujei­to passivo da obrigação tribu­tária a condição de responsá­vel pelo pagamento do impos­to ou contribuição, cujo fator

R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997. 121

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gerador deva ocorrer posteri­ormente, assegurada a imedia­ta e preferencial restituição da quantia paga, caso não se rea­lize o fato gerador presumido.'

Em suma: a legislação infracons­titucional, atinente à chamada 'substituição tributária para fren­te', continua em vigor, hoje com expresso endosso do texto consti­tucional antes mencionado.

O Dr. Heron Arzua, em trabalho sobre 'Substituição Tributária na Emenda 3/93', publicado na Re­vista do IAP, n. 21, teve ensejo de argumentar com toda razão (pág. 187):

'Em rigor a substituição tribu­tária é simplesmente um mé­todo de arrecadação. Uma modalidade diferente do padrão legislativo (não do padrão cons­titucional) de se cobrar o impos­to. A lei é que, respeitadas to­das as características postas na Constituição, dá todos os contornos do imposto: fato ge­rador, base de cálculo, contri­buinte, responsáveis, etc. Se outra norma muda o perfille­gislativo, mas não o constitu­cional (respeitando-se, pois, os postulados essenciais), nada a estranhar.

E a substituição tributária, mecanismo pelo qual se impu­ta a pessoa diferente daquela ligada diretamente ao fato imponível (atribui-se ao fabri­cante o recolhimento do impos-

to devido pelo comerciante va­rejista, v. g.), é hoje instru­mento de sobrevivência do ICMS. Com sua adoção, obtêm­se inúmeras vantagens para todos os envolvidos: Estado, contribuinte e substituto. Para os Estados, há diminuição dos custos de cobrança, com a con­centração da fiscalização em poucas indústrias. Há por igual certeza da arrecadação, uma vez que o tributo é pago por empresa de maior capaci­dade financeira, de maior ca­pacidade contributiva. No tan­gente ao contribuinte substi­tuído, este tem a convicção de que não será prejudicado pela concorrência que sonega o im­posto, com a materialização do princípio da isonomia. Para o substituto (sem entrar aqui na discussão se ele é responsável ou contribuinte originário), a disciplina do preço praticado no varejo evita a concorrência predatória entre os componen­tes da rede de distribuição do produto. E, por fim, para o con­sumidor final, o verdadeiro contribuinte de todos os impos­tos, a absoluta segurança que o imposto pago por ele, inte­grante do preço da mercadoria, será encaminhado aos cofres públicos.'

Essa orientação tem sido procla­mada em reiterados precedentes não apenas na 2ª Turma (RESP's n llli 34.040-1-SP e 39.479-0-SP), mas da própria 1ª Turma, onde se origina o aresto embargado

122 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.

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CRESP's nl!S 35.547 -8-SP e 35.733-O-SP, Relator Ministro Garcia Vieira).

Isto posto, em conclusão, conhe­ço dos embargos e os recebo."

Ao votar sobre a matéria, não obstante ter minhas reservas dou­trinárias sobre o assunto, sempre acompanhei a orientação fixada pela jurisprudência da 1 ª Seção, ex­pressada no voto citado.

Ocorreu que, nas últimas sessões do mês de dezembro de 1996, a 1 ª Seção, apreciando Embargos de Di­vergência em REsp n. 58.512, da relatoria do eminente Ministro Arí Pargendler, referente ao tema 'subs­tituição tributária para frente' e di­zendo respeito ao ICMS cobrado pelo Estado de Minas Gerais na venda de produtos farmacêuticos adquiridos por comerciantes aos fa­bricantes dos mesmos, entendeu, apenas contra o meu voto, de que havia necessidade, para prevalecer a entendida substituição tributária questionada, de lei estadual permi­tindo, de modo específico, isto é, referindo-se a cada tipo de transa­ção comercial, a cobrança do men­cionado tributo da forma indicada.

O voto em questão está assim posto:

"Só o precedente juntado por có­pia às fls. 206/215 se refere à substituição tributária na venda de medicamentos, conforme se depreende da respectiva ementa: "ICMS. Base de cálculo. Sistema de substituição tributária. Após

o advento da citada Lei Comple­mentar n Q 44/83 ficou estabeleci­do que, quando for atribuída a condição de responsável tributá­rio ao comerciante atacadista, relativamente ao imposto devido pelo comerciante varejista, a base de cálculo será o valor da opera­ção promovida pelo responsável tributário, acrescido da margem de lucro atribuída ao revendedor, quando se tratar de mercadorias com preço de venda ou único, fi­xado pelo fabricante ou pela au­toridade competente. Legítima a exigência antecipada do ICMS. Recurso improvido." (fls. 206).

Mas a discussão, travada ali, na­da tem a ver com a lide instalada nestes autos. Aqui Mecall Produ­tos Farmacêuticos Ltda. susten­ta que a definição do substituto tributário está reservada à lei, não podendo se dar pela via do decreto (fl. 294). No paradigma a situação é outra, porque havia lei estadual dispondo a propósito, tal como se lê no voto condutor, da lavra do eminente Ministro Gar­cia Vieira, in verbis " ..... e, por isso, não é ilegal, nem incons­titucional a lei estadual que au­toriza tal antecipação" (fls. 210).

Voto, por isso, no sentido de não conhecer dos embargos de diver­gência."

Em face dessa decisão, instalou­se, em meu espírito, dúvida sobre a matéria, haja vista que, do mesmo modo como o Estado de São Paulo, o Estado do Mato Grosso cobra o

R. Sup. Trib. Just Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 123

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ICMS antecipado, em regime de substituição tributária, com base no Convênio 66/88 e com, apenas, au­torização legal dispondo de modo genérico, deixando-se para o decre­to, em muitas transações, a fixação específica do produto que ao ser comercializado a tanto, impõe essa modalidade extravagante de reco­lhimento do imposto mencionado.

Relembro que a substituição tri­butária, no Estado de São Paulo, está disciplinada no art. 8Q da Lei Estadual n. 6.374, de 1Q de março de 1989, cuja redação é a seguinte:

"Art. 8Q - São sujeitos passivos

por substituição:

I - o destinatário da mercado­ria - comerciante, industrial, cooperativa ou qualquer outro contribuinte, exceto produtor ou extrator de minério - quando devidamente indicado na docu­mentação correspondente, relati­vamente ao imposto devido na saída promovida por produtor ou extrator de minério;

II - o remetente da mercadoria - comerciante, industrial, pro­dutor, cooperativa ou qualquer outro contribuinte, pessoa de di­reito público ou privado - rela­tivamente ao imposto devido nas subseqüentes operações realiza­das por representante, mandatá­rio, comissário, gestor de negócio ou adquirente da respectiva mer­cadoria, quando estes, a critério do Fisco, estejam dispensados de inscrição na repartição fiscal; III - a empresa distribuidora de lubrificante ou de combustível,

líquido ou gasoso, relativamente ao imposto devido pelas opera­ções anteriores e posteriores, des­de a produção ou importação, conforme o caso, da mercadoria e de seus insumos, até a sua en­trega ao consumidor final;

IV - a empresa distribuidora de energia elétrica a consumidor, relativamente ao imposto devido pelas operações anteriores, des­de a produção ou importação, conforme o caso;

V - o fabricante de fumo e seus sucedâneos manufaturados, rela­tivamente ao imposto devido nas subseqüentes saídas dessas mer­cadorias, efetuadas por quais­quer outros contribuintes;

VI - o revendedor atacadista de fumo e seus sucedâneos manufa­turados que os tenha recebido de estabelecimento situado em outro Estado ou no Distrito Federal, re­lativamente ao imposto devido nas subseqüentes saídas dessas mercadorias, efetuadas por quais­quer outros contribuintes;

VII - o contribuinte que realize as operações a seguir indicadas, relativamente ao imposto devido nas anteriores saídas de papel usado e apara de papel, sucata de metal, caco de vidro, retalho, frag­mento e resíduo de plástico, de borracha ou de tecido, providas por quaisquer estabelecimentos:

a) saída de mercadoria fabricada com esses insumos;

b) saída dessas mercadorias com destino a outro Estado, ao Distri­to Federal ou ao exterior.

124 R. sup. Trib. Just .. Brasília. a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.

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VIII - o contribuinte que reali­ze qualquer das operações a se­guir relacionadas, relativamente ao imposto devido nas anteriores saídas de produto agropecuário ou mineral:

a) saída com destino a outro Es­tado. ao Distrito Federal ou ao exterior;

b) saída com destino a estabele­cimento industrial;

c) saída com destino a estabele­cimento comercial;

d) saída com destino a consumi­dor ou a usuário final;

e) saída de estabelecimento que o tenha recebido de outro do mes­mo titular, indicado como substi­tuto nas alíneas precedentes;

f) industrialização.

IX - o contribuinte, autor da encomenda, relativamente ao imposto devido nas sucessivas saídas de mercadoria remetida para industrialização, até o res­pectivo retorno ao seu estabele­cimento;

X - a cooperativa, relativamen­te ao imposto devido na saída de mercadoria que lhe seja destina­da por produtor ou extrator de minério que dela faça parte;

XI - o tomador do serviço - co­merciante, industrial, cooperati­va ou qualquer outro contribuin­te, pessoa de direito público ou privado - relativamente ao im­posto devido na prestação de ser­viço realizada pelo prestador;

XII - o prestador de serviço que promova a cobrança integral do

preço, relativamente ao imposto devido sobre prestações realiza­das por mais de uma empresa;

XIII - o industrial, o comercian­te ou o prestador do serviço, re­lativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou presta­ções de serviços, promovidas por quaisquer outros contribuintes.

§ 1 Q A sujeição passiva por subs­tituição prevista neste artigo pre­valece, também, sendo o caso, nas seguintes hipóteses:

1 - saída da mercadoria com destino a consumidor ou a usuá­rio final ou, ainda, a pessoa de direito público ou privado não contribuinte;

2 - saída da mercadoria ou pres­tação de serviço amparadas por não incidência ou isenção;

3 - saída ou qualquer evento que impossibilite a ocorrência das operações ou prestações indica­das neste artigo.

§ 2Q O pagamento decorrente do disposto no item 2 do parágrafo anterior poderá ser dispensado nos casos em que a legislação admita a manutenção do crédito.

§ 3Q A sujeição passiva por subs­tituição, prevista no inciso X, fica atribuída ao estabelecimento des­tinatário nos casos em que a coo­perativa mencionada remeta a mercadoria a outro estabeleci­mento dela mesma ou a estabe­lecimento de cooperativa central ou de federação de cooperativas de que faça parte, bem como de cooperativa central para a res-

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pectiva federação de cooperati­vas.

§ 49 A aplicação do disposto nes­te artigo, em relação a cada si­tuação, mercadoria ou serviço, depende de normas complemen­tares à sua execução, fixadas em regulamento.

§ 59 Salvo as hipóteses expressas e previamente ajustadas em acor­dos, não se admitirá a imposição por outro Estado ou pelo Distrito Federal de regime de substitui­ção ou de seus efeitos a operações ou prestações que venham a ocor­rer no território paulista com mercadoria ou serviço provenien­te de outro Estado ou do Distrito Federal."

Como se observa, não há na lei do Estado de São Paulo qualquer disposição expressa determinando que na venda de veículos automo­tores pelas empresas fabricantes, o ICMS há de ser recolhido sob o re­gime de substituição tributária.

A exigência do ICMS antecipado, nesse tipo específico de transação, é feita com base no art. 25, do Con­vênio 66/88, este autorizado pelo art. 34, parágrafo 89 do ADCT, cum­prindo imperativo posto no art. 155, XII, a e b, da CF, art. 128 do CTN e Decreto n. 29.948, de 19.05.1989. Este, no art. 171-G, dispõe:

"Nas saídas para o território do Estado de veículos novos classi­ficados nas Posições 87.02 a 87.06 da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - NBM/SR, fica atribuída a responsabilidade pelo

recolhimento do imposto devido nas operações subseqüentes (Lei n. 6.374, artigos 89 , XIII, e 28):

I - ao estabelecimento fabrican­te e suas filiais;

II - a qualquer estabelecimento que receber o veículo diretamen­te de outro Estado ou do Distrito Federal para comercialização em território paulista, observado o disposto no artigo 170.

Parágrafo único. Quando se tra­tar de operações entre estabele­cimentos do fabricante situados em território paulista, a respon­sabilidade pela retenção do im­posto é do estabelecimento des­tinatário."

Observo que a cobrança anteci­pada do ICMS, regime de substitui­ção tributária para frente, em se tratando de operações interestadu­ais com veículos classificados nas Posições 87.02 a 87.06 e 87.09 da Nomenclatura Brasileira de Merca­dorias - Sistema Harmonizado, é feita com base no Convênio ICMS 107/89, que, especificamente, trata da matéria.

Em conclusão: no Estado de São Paulo a substituição tributária so­bre a saída de veículos do estabele­cimento dos fabricantes para o dos adquirentes situados em seu terri­tório recebeu prestígio jurispru­dencial desta Seção, sem que exis­ta, como foi exigido para o Estado de Minas Gerais para a comercia­lização, em hipótese idêntica, de medicamentos, conforme noticiados nos Embargos de Divergência de n 9

58.512, acima apontado, lei especi-

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ficando tal tipo de transação. Os fundamentos para o assentamento jurisprudencial sobre a matéria fo­ram o Convênio 66/88, a Lei Esta­dual n. 6.374/88, tidos como compa­tíveis com a CF e o Código Tributá­rio Nacional que, a respeito, afirma de modo genérico:

"São sujeitos passivos por subs­tituição:

XIII - o industrial, o comercian­te ou o prestador do serviço, re­lativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou presta­ções de serviço, promovidas por quaisquer outros contribuintes."

A Emenda Constitucional n 9 3 afastou, conseqüentemente, qual­quer possibilidade de se renovar discussão sobre o assunto. O fenô­meno da recepção da legislação an­terior ocorreu, haja vista que não há nenhuma incompatibilidade com o mandamento instituído pela Car­ta Magna.

Postas tais considerações, da mesma forma como votei nos Em­bargos de Divergência n 9 58.512, do Estado de Minas Gerais, não obs­tante ter entendimento diverso so­bre o assunto, por pensar haver ne­cessidade de se interpretar de for­ma sistêmica o que a respeito dis­põe a EC n. 3/93, não me animo a ir de encontro com a jurisprudência das Turmas e da 1 e Seção, que em sucessivas decisões, têm afirmado que não é ilegal a exigência do re­colhimento antecipado do ICMS,

tanto pelas empresas fabricantes de veículos e que revendem às conces­sionárias, como pelas que comercia­lizam, etc. Acrescento, agora, que o mesmo ocorre com o regime de subs­tituição tributária do ICMS exigido das empresas que comercia-lizam, por atacado, bebidas.

Saliente-se que, no Estado de Mi­nas Gerais, o regime de substitui­ção tributária tem seu apoio não somente no art. 69 , § 49 , do DL n. 406, de 31 de dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complemen­tar n. 44, de 07 de dezembro de 1983. O Convênio ICMS n. 66, de 14 de dezembro de 1988, firmado com fundamento no § 89 , do artigo 34 do ADCT da Constituição Fede­ral, e a Lei Estadual n. 5.419, de 27.12.88, também autorizam essa forma de cobrança do ICMS.

Registro que o artigo 30 da Lei 5.419, de 27/12/88 tem a seguinte redação:

"A Lei Estadual n Q 5.419, de 27/ dez./88, por sua vez, proclama, em seu artigo 30, inciso II, que:

"Art. 30: Fica atribuída a con­dição de substituto tributário a:

II - produtor, extrator, gera­dor, inclusive de energia, in­dustrial, distribuidor, comerci­ante ou transportador pelo pa­gamento devido nas operações subseqüentes ."

Ademais, saliente-se que esta colenda 1 e Turma quando do julga-

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mento do REsp 106.494/MT, relata­do pelo emin. Min. Milton Luiz Pe­reira, posicionou-se, de forma unâ­nime, acerca da legalidade do regi­me de substituição no Estado do Mato Grosso. Confira-se a ementa deste julgado:

"Tributário. ICMS. Antecipação do recolhimento. Regime de subs­tituição tributária. ADCT, art. 34, § 8 Q

• Decreto-Lei 406/68.

1. Assoalhou-se a legalidade da exigência de antecipado recolhi­mento do ICMS, nos lindes da substituição tributária.

2. Jurisprudência harmonizada em Embargos de Divergência.

3. Recurso provido." (REsp 106.494IMT, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 17.03.97).

Face ao exposto, dou provimento ao recurso.

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