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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Tribunal de Justiça Vigésima Primeira Câmara Cível (AP) Agravo de Instrumento nº: 0047572-88.2016.8.19.0000 Agravante: MAGNA FIGUEIRA DA SILVA Agravados: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, EDUARDO DA COSTA PAES, JORGE LUIZ DE SOUZA ARRAES e CATARATAS DO IGUAÇU S.A. Relatora: DES. MÁRCIA CUNHA SILVA ARAÚJO DE CARVALHO AGRAVO DE INSTRUMENTO e AGRAVO INTERNO. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. Concessão para gestão e exploração integradas do Jardim Zoológico do Município do Rio de Janeiro. Decisão do juiz a quo que indeferiu o pedido liminar de suspensão do procedimento licitatório. Conflito aparente entre as normas contidas no art. 9, I, da Lei 8.666/93 e a constante no art. 31 da Lei 9.074/95. Harmonização dos princípios constitucionais referentes à questão: isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.

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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro

Tribunal de Justiça Vigésima Primeira Câmara Cível

(AP)

Agravo de Instrumento nº: 0047572-88.2016.8.19.0000

Agravante: MAGNA FIGUEIRA DA SILVA

Agravados: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, EDUARDO DA COSTA

PAES, JORGE LUIZ DE SOUZA ARRAES e CATARATAS DO IGUAÇU

S.A.

Relatora: DES. MÁRCIA CUNHA SILVA ARAÚJO DE CARVALHO

AGRAVO DE INSTRUMENTO e AGRAVO

INTERNO. DIREITO ADMINISTRATIVO.

LICITAÇÃO. Concessão para gestão e exploração

integradas do Jardim Zoológico do Município do

Rio de Janeiro. Decisão do juiz a quo que indeferiu

o pedido liminar de suspensão do procedimento

licitatório. Conflito aparente entre as normas

contidas no art. 9, I, da Lei 8.666/93 e a

constante no art. 31 da Lei 9.074/95.

Harmonização dos princípios constitucionais

referentes à questão: isonomia, moralidade,

impessoalidade e eficiência. NEGADO

PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.

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(AP)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Agravo de

Instrumento nº 0047572-88.2016.8.19.0000, em que figura como

agravante MAGNA FIGUEIRA DA SILVA, sendo agravados, MUNICÍPIO

DO RIO DE JANEIRO, EDUARDO DA COSTA PAES, JORGE LUIZ DE

SOUZA ARRAES e CATARATAS DO IGUAÇU S.A.

Acordam, por UNANIMIDADE de votos, os Desembargadores que

compõem a Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal do Estado do

Rio de Janeiro, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE

INSTRUMENTO E JULGAR PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO, nos

termos do voto da Relatora.

Rio de Janeiro, de 2017.

DES MÁRCIA CUNHA SILVA ARAÚJO DE CARVALHO

Relatora

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RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de instrumento, com pedido de

tutela recursal, para suspensão do procedimento licitatório EDITAL DE

CONCORRÊNCIA CEL/PRÓPRIOS Nº 3/2016 - Concessão para gestão e

exploração integradas do Jardim Zoológico do Município do Rio de

Janeiro, interposto por MAGNA FIGUEIRA DA SILVA contra a decisão

de index 00005 (anexo 1), que nos autos da ação popular com pedido de

antecipação de tutela interposta pela agravante em face dos agravados,

indeferiu o pedido de tutela antecipada nos seguintes termos:

“1. Recebo a emenda à inicial. Observe-se, incluindo-se no polo

passivo a empresa ré indicada, anotando-se onde couber.

2. Inexistem nos autos, ao menos por ora, prova robusta acerca da

alegada nulidade do ato impugnado, limitando-se a parte autora a

juntada de cópia do edital e de recortes de jornais. Assim, no

momento, entendo que o suporte probatório é frágil, não restando

caracterizada a necessária verossimilhança da alegação autoral a

amparar a concessão da liminar requerida. Ante ao exposto,

indefiro o pedido liminar. 3. Cite-se. 4. Após, ao MP, inclusive para

manifestação acerca de possível existência de inquérito civil/ação

civil pública, tendo o mesmo objeto. ”

Em suas razões de index 00002 a agravante sustenta, em

apertado resumo, que no lugar de promover as reformas necessárias

e adequar a estrutura do Jardim Zoológico às exigências

ambientais, a Prefeitura, por decisão do segundo réu, resolveu

privatizar o Jardim Zoológico, vendendo aquele bem público de valor

inestimável através do singelo artifício de denominar a alienação de

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“concessão para a Gestão e Exploração Integradas do Jardim Zoológico

Municipal, pelo prazo de 35 anos”, além de incluir no edital cláusulas

destinadas a direcionar o resultado do certame a empresa

previamente eleita. A agravante destaca os seguintes vícios no

procedimento administrativo atacado: (a) a violação do artigo 17 da Lei

nº 8.666/93, através de artifício vernacular; (b) o direcionamento do

resultado para empresa previamente eleita através de exigência de

comprovação de capacidade técnica absolutamente incompatível com o

objeto do certame; (c) o aviltamento do valor do bem municipal a ser

cedido à iniciativa privada, em evidente lesão ao patrimônio público.

Decisão desta Relatora de index 000024, que, num primeiro

momento, não concedeu o efeito suspensivo ao recurso, negando a

concessão da liminar, em respeito ao princípio do contraditório, que, in

casu, não deve ser mitigado.

Após o pedido de reconsideração de index 000033, foi proferida a

decisão de index 000038, que determinou que o Município juntasse

contrato elaborado para o projeto, deixando claro se a empresa que

venceu o certame foi a contratada para elaborar o projeto, além da

documentação de qualificação apresentada pelo vencedor do certame.

Determinou, ainda, que a Fundação RioZoo apresentasse seus atos

constitutivos, regulamentos e normas de funcionamento e que o

Município esclarecesse se houve parecer da Secretaria de Meio

Ambiente e de outros órgãos ambientais, Estaduais e Federais, sobre a

Licitação.

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Manifestação do Município-agravado em contrarrazões de index

000045/000060, em que foram juntados os documentos de index

000061/0000607.

A agravante às fls. 615 reitera seu pedido de concessão de medida

liminar, no sentido se sustar imediatamente o contrato celebrado.

Decisão desta Relatora de index 000623, concedendo a tutela

recursal para o fim de suspender os efeitos da licitação chamada pelo

Edital de Concorrência Cel/Próprios Nº 3/2016 - Concessão para gestão

e exploração integradas do Jardim Zoológico do Município do Rio de

Janeiro – e, consequente, contratação da vencedora do certame,

Cataratas do Iguaçu.

Comunicação da agravante de fls. 657, comunicando que os

agravados não acataram a determinação desta Relatora.

O Município do Rio de Janeiro, em sua manifestação de index

000661, comunica que a Cataratas requereu prazo de cinco dias para

cumprimento da determinação judicial, a fim de evitar danos à saúde

dos animais em cativeiro e à continuidade do serviço; com o que anuiu

esta Desembargadora, conforme despacho de index 000670.

A Cataratas do Iguaçu S.A. e Riozoo Zoológico do Rio de Janeiro

S.A., em sua petição de index 000673/000692, interpuseram Agravo

Interno contra decisão desta Relatora acerca da tutela recursal.

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O Município do Rio de Janeiro também interpôs Agravo Interno,

tendo em vista a decisão desta relatoria que concedeu a antecipação da

tutela recursal (index 000856/000871).

Decisão desta Relatora de index 001007, requisitando relatório

resumido por parte da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da

OAB sobre o estado das instalações do ZOO e da saúde dos animais,

bem como informação da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil

sobre a existência de pessoas jurídicas com expertise e capacidade

empresarial, tanto para realizar o projeto de implantação da

concessão do Zoo do Rio de Janeiro, quanto para exploração da

própria concessão, tudo no prazo de cinco dias.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio De Janeiro,

pleiteia, às fls. 001022, seu ingresso no feito no feito como amicus

curiae.

A OAB às fls. 1032/1033 encaminha dossiê, demonstrando a

melhoria nas condições dos animais que estão sob os cuidados da

empresa vencedora da licitação – CATARATAS.

Instada por esta Relatora a se manifestar acerca do pedido de

ingresso da OAB como amicus curiae, a agravante requer o

indeferimento do pleito (fls. 001087).

A OAB às fls. 001089/001099 apresenta seu parecer, opinando

pela retratação da decisão liminar que suspendeu o contrato de

concessão.

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O Prefeito do Rio de Janeiro, às fls. 001100, reitera a

manifestação do Município de fls. 001077/001088.

Cataratas do Iguaçu S.A. e Riozoo Zoológico do Rio de Janeiro

S.A. apresentam suas contrarrazões às fls. 001107/001132.

A agravante, às fls. 001135/1138 reitera sua negativa quanto à

intervenção da OAB e salienta que a contratação da CATARATAS é

desnecessária, porquanto a Fundação Rio-Zoo conta com um quadro

funcional próprio, de dezenas de servidores estáveis.

Às fls. 001145/1151, cópia da decisão proferida pelo

Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça, suspendendo a

decisão monocrática desta Relatora que concedia a tutela recursal.

Decisão de fls. 1153 admitindo a OAB/RJ como amicus curiae.

Cataratas do Iguaçu S.A. e Riozoo Zoológico do Rio de Janeiro às

fls. 001164/001167 defendem a expertise da primeira, juntando

manifestação do coordenador do Projeto Tamar no sentido de que a

contratação com a Cataras trará ganhos para os animais do Zoo.

Parecer da Procuradores de Justiça de index 001171, opinando

pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pela agravante.

Eis o sucinto relatório até o momento. Decido.

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Na origem cuida-se de ação popular interposta pela agravante em

face dos agravados, pretendendo, liminarmente, a suspensão do

procedimento licitatório referente ao EDITAL DE CONCORRÊNCIA

CEL/PRÓPRIOS Nº 3/2016 - Concessão para gestão e exploração

integradas do Jardim Zoológico do Município do Rio de Janeiro. Ao

final, almeja a anulação do ato administrativo consubstanciado no dito

Edital, e, por conseguinte, a condenação das autoridades rés à

obrigação de indenizar o Município pelos gastos realizados com a

instauração e processamento da licitação viciada.

Insurge-se a autora/agravante contra decisão que indeferiu a

liminar, e, consequentemente, autorizou o prosseguimento do

procedimento licitatório em questão.

Para a concessão de tutelas de urgência imprescindível se faz a

presença dos motivos e dos pressupostos previstos na lei processual.

Neste sentido, mister analisar a existência de elementos que

evidenciem a probabilidade do direito que se persegue, além do perigo

de dano iminente.

Em relação ao fumus bone iuris passo a analisar cada um dos

vícios que a agravante alega haver no procedimento administrativo

atacado:

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1) Violação do artigo 17 da Lei nº 8.666/931, através de artifício

vernacular.

Defende a agravante, neste item, que muito embora o edital

informe que o objeto da licitação seria a “concessão para gestão e

exploração dos serviços integrados do Jardim Zoológico Municipal, pelo

prazo de 35 anos”, na prática o objetivo do certame é a privatização do

Jardim Zoológico, com sua “venda” ao particular.

Acredita o agravante que o Município está, na verdade, alienando

bens da Administração Pública, razão qual as exigências previstas no

artigo 17 da Lei de Licitação para alienação deveriam ser respeitadas, o

que não se observou no ato administrativo impugnado.

Com efeito, o Jardim Zoológico não é somente um imóvel

pertencente a uma Fundação Municipal, mas também um centro de

pesquisa e de educação ambiental.

Contudo, entendo que não assiste razão à agravante neste ponto,

porque no edital em questão não há menção a qualquer transferência

de domínio de nenhum dos bens que compõe o Zoo do Rio de Janeiro.

Ao contrário, está previsto que todas as acessões, tanto matérias como

imateriais, ao final da concessão integrarão o patrimônio do poder

concedente.

1 Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: (...)

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2) Aviltamento do valor do bem municipal a ser cedido à iniciativa

privada, em evidente lesão ao patrimônio público.

Segundo a agravante o valor da contratação estimado em R$

65.091.233,00 (sessenta e cinco milhões, noventa e um mil, duzentos e

trinta e três reais) para investimentos de responsabilidade da

concessionária diverge muito dos oito milhões e meio estimados pelo

Projeto Executivo realizado pela RioUrbe.

Aduz que a futura concessionária além da importância de R$

1.139.000,00 (um milhão e cento e trinta e nove mil reais) a ser paga

até a lavratura do Termo de Concessão, somente começará a pagar

qualquer outro valor aos cofres públicos a partir do 25º mês de vigência

da concessão.

Afirma, ainda, que nos dois primeiros anos do contrato, como a

concessionária poderá cobrar ingressos no valor de R$ 15,00 (quinze

reais) no primeiro ano e R$ 20,00 (vinte reais) no segundo ano, ela

faturará mais de R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais) antes

de começar a pagar qualquer percentual aos cofres públicos.

Questiona, também, a possibilidade de a concessionária

aumentar o valor do ingresso para até R$ 35,00 (trinta e cinco reais),

após os dois primeiros anos do contrato e o fato de que os sessenta e

cinco milhões seriam fantasiosos já que a concessionária poderá,

conforme previsto no item 12.1 do Edital, “elaborar, no curso da

Concessão, planos de expansão e modernização do Jardim Zoológico

Municipal, visando à inclusão de novas atrações, o aperfeiçoamento das

instalações e serviços e a ampliação da área útil do equipamento (...)”.

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Inicialmente percebe-se pela leitura do edital que o valor de

sessenta e cinco milhões foi estimado para a concessão como um todo,

ou seja, ao longo dos 35 anos, não se podendo, portanto, compará-lo

com os oito milhões estimados no projeto da RioUrbe, vez que estes

foram estimados com o objetivo de resolver problemas emergenciais, a

fim de que o Zoo pudesse voltar a abrir para visitação.

Quanto ao fato da concessionária só pagar aos cofres públicos,

qualquer importância além dos R$ 1.139.000,00 iniciais, a partir do 25º

mês de vigência da concessão, ao que parece, talvez esta previsão do

edital exista em face da obrigação da concessionária, nos 24 (vinte e

quatro) meses iniciais realizar intervenções de reforma e construção,

consoante o disposto no item 9.3 do edital, a seguir transcrito:

9.3.A CONCESSIONÁRIA será investida na posse do

equipamento para a realização das intervenções em até 30

(trinta) dias da assinatura do TERMO DE CONCESSÃO,

devendo concluir as intervenções de reforma e construção no

prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados da ordem de

início emitida pela Secretaria Especial de Concessões e

Parcerias Público-Privadas.

Quanto à possibilidade de a concessionária poder aumentar o

valor do ingresso para até R$ 35,00 (trinta e cinco reais) e poder realizar

planos de expansão e modernização, observa-se que nas duas situações

há previsão da anuência de órgãos do Município, conforme o previsto

nos itens 11.2 (iii) e 12.1 do Edital, com as seguintes redações:

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(iii) A qualquer momento, desde que concluídas as

intervenções de remodelagem e readequação do Jardim

Zoológico Municipal e o respectivo aceite emitido pela

Secretaria Especial de Concessões e Parcerias Público-

Privadas, o valor máximo poderá ser de R$ 35,00 (trinta e

cinco reais).

12.1 A CONCESSIONÁRIA poderá, a seu exclusivo critério,

elaborar, no curso da Concessão, planos de expansão e

modernização do Jardim Zoológico Municipal, visando à

inclusão de novas atrações, o aperfeiçoamento das

instalações e serviços e a ampliação da área útil do

equipamento, os quais devem ser previamente submetidos

ao MUNICÍPIO para aprovação instruídos com Projeto Básico

das intervenções, conforme as diretrizes técnicas e

especificações mínimas constantes do Edital, do Termo de

Concessão e demais Anexos deste Edital.

Em que pesem todas as considerações feitas acima, o primordial é

que, neste momento, em sede de cognição sumária, não é possível

verificar a exatidão de nenhum valor citado pela agravante, seja do

estimado para concessão ou dos ingressos, já que imprescindível a

dilação probatória neste sentido.

3) Direcionamento do resultado.

Conforme alegado pela agravante, bem como reconhecido pelo

Município-agravado, a vencedora da licitação de concessão foi quem

elaborou o projeto básico para possibilitar a concessão da exploração do

Zoológico do Rio de Janeiro (index 000196/000372). Defende o

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Município inexistir qualquer irregularidade pelo fato da elaboradora do

referido projeto ter sido a vencedora do certame, uma vez que tal fato

seria permitido pelo artigo 31 da Lei 9074/95, regulamentado pelo

Decreto 8428/2015.

Art. 31. Nas licitações para concessão e permissão de

serviços públicos ou uso de bem público, os autores ou

responsáveis economicamente pelos projetos básico ou

executivo podem participar, direta ou indiretamente, da

licitação ou da execução de obras ou serviços.

Portanto, segundo a tese do agravado, o dispositivo supra

referido, por se tratar de lei posterior, teria revogado o impedimento

previsto no artigo 9º, inciso I, da Lei 8666/93, no que diga respeito às

concessões.

Por ocasião do recebimento do recurso e análise do pedido de

concessão de tutela recursal, entendi por deferir a liminar para

suspender a contratação da vencedora do certame ou do próprio

contrato, se já efetivado, liminar que foi inicialmente mantida pela

Presidência deste Tribunal e posteriormente suspensa por decisão do

mesmo órgão em nova apreciação do pedido de suspensão dos efeitos

da liminar por mim deferida.

Seguem abaixo os fundamentos apostos na decisão liminar:

É bem verdade que o artigo 2º, parágrafo

1º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro,

determina que “A lei posterior revoga a anterior quando

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expressamente o declare, quando seja com ela incompatível

ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei

anterior. ” Contudo, o parágrafo 2º do mesmo dispositivo

dispõe que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou

especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a

lei anterior. ” Portanto, antes de se afirmar que lei posterior

revogou lei anterior, é necessário que se verifique o alcance

das regras ditadas por uma e por outra.

A Lei 8666/93 regulamenta o artigo 37,

inciso XXI, da Constituição Federal da República,

instituindo normas para licitações e contratos da

administração pública. Portanto, pode se dizer que se trata

de Lei geral de normas relativas ao tema de licitações.

A Lei 9074 de 07 de julho de 1995 trata do

regime de concessão ou de permissão para os serviços e

obras públicas de competência da União, elencados no seu

artigo 1º, quais sejam:

IV - vias federais, precedidas ou não da

execução de obra pública;

V - exploração de obras ou serviços

federais de barragens, contenções, eclusas ou outros

dispositivos de transposição hidroviária de níveis,

diques, irrigações, precedidas ou não da execução de

obras públicas;

VI - estações aduaneiras e outros

terminais alfandegados de uso público, não instalados

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em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de

obras públicas.

VII - os serviços postais.

Além disso, o artigo 4º da mesma Lei,

deixa claro que essa se aplica às concessões, permissões e

autorizações de exploração de serviços e instalações de

energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos

de água, dedicando todo um capítulo e a imensa maioria de

seus dispositivos às concessões, permissões e autorizações

referentes aos serviços de energia elétrica.

Deste modo, é de se concluir que a Lei

9074/95 deve ser considerada lei especial em relação à Lei

8666/93, de modo que os dispositivos desta somente foram

modificados por aquela, no que dizem respeito às matérias

especiais mencionadas anteriormente. Neste sentido, é o

texto de Iara Paiva de Lima publicado no Fórum de

Conhecimento Jurídico (www.editoraforum.com.br), in

verbis:

“É importante ressaltar que o ordenamento

jurídico atual conta com duas leis de concessões e

permissões: a de nº 8987/95, que estabelece o Regime Geral

e a Lei 9074/95. Embora o artigo 1º desta segunda Lei leve

a crer que se trata de diploma complementar à Lei Geral, na

verdade trata-se de sistema relativamente autônomo

especifico para algumas espécies de concessão ou permissão

(artigo 1º: vias federais, precedidas ou não da execução de

obra pública; exploração de obras ou serviços federais de

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barragens, contenções, eclusas ou outros dispositivos de

transposição hidroviária de níveis, diques, irrigações,

precedidas ou não da execução de obras públicas; estações

aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público,

não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou

não de obras públicas; os serviços postais.”

Fala também a favor da não revogação do

disposto no artigo 9º da Lei 8666/93, o fato de obra de

referência no assunto, da autoria de Marçal Justen Filho,

comentando a Lei de Licitações, em sua 15ª edição, do ano

de 2012, ou seja, sete anos após a edição da Lei 9074/95,

manter hígida a íntegra do artigo 9º, relativo aos

impedimentos de participação em licitação.

Ora, se este dispositivo tivesse sido

revogado, tal fato não passaria despercebido pelo renomado

autor, que em seus comentários traz inúmeras referencias

de julgados, inclusive do STF, datado de 14/04/2005, na

ADI 3158, da qual foi Relator Ministro Eros Grau que

abaixo transcrevo parte:

“O artigo 9º da Lei 8666 é dotado de caráter

geral, visto que confere concreção aos princípios da

moralidade e isonomia. Logo, como norma geral que é,

vincula os órgãos da administração direta e indireta dos

Estados, DF e Municípios, e autarquias, as Fundações

Públicas, as Empresas Públicas, as Sociedades de Economia

Mista e demais entidades controladas direta ou

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indiretamente pelos Estados-membros, Distrito Feral e pelos

Municípios. 2”

Também obra de referência no assunto, de

Jesse Torres Pereira Junior, Comentários à Lei de Licitações

e Contratações da Administração Pública, em sua 8ª edição

e publicada no ano de 2009, igualmente posterior a vigência

da Lei 9074/95, deixa evidente a manutenção integral do

disposto no artigo 9º da Lei 8666/93. Esse autor diz sobre o

caráter da norma: “Têm caráter geral as normas do artigo 9º

e seus incisos porque tendentes a assegurar a observância

dos princípios da igualdade e moralidade seja na licitação ou

na execução do contrato, tanto de obra ou serviço, tanto de

fornecimento de bens a ele necessários. ”

Segue o autor, “A norma institui pré-

requisito cujo atendimento à administração verificará antes

de examinar a documentação correspondente a habilitação

preliminar dos licitantes. Se o interessado incide na vedação,

sequer será admitido a tal fase inicial do certame, porquanto

será irrelevante se preenche ou não as exigências do ato

convocatório quanto à capacidade jurídica, qualificação

técnica, econômico-financeira e irregularidade fiscal. A regra

é impeditiva de seu ingresso na licitação, ainda que estivesse

habilitado para dela participar3”.

2 JUSTEN, FILHO, MARÇAL, Comentários À Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, São Paulo, 15ª Edição, 2012, P.186. 3 PEREIRA JUNIOR, JESSE TORRES, Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, Rio, RENOVAR, 8ª edição, 2009, p.161.

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Vale também reproduzir aqui o Acórdão de

nº 904/2010, do TCU, em que foi relator o Ministro

Benjamin Zymler (posterior à vigência da Lei 9074):

“Não é demais lembrar que a vedação constante

no I, do artigo 9º, da Lei 8.666/93, o qual estabelece que o autor

do projeto executivo não pode participar de licitação da obra, tem

por objetivo evitar que os autores do projeto concorram com os

demais licitantes em posição privilegiada ante a possibilidade de

deterem informações não disponíveis para os demais. ”

No mesmo sentido, mais jurisprudência do

TCU:

Decisão 603/1997-TCU-Plenário (Relator

Min. Humberto Guimarães Souto)

“O Tribunal Pleno, diante das razões

expostas pelo Relator, DECIDE:

1 - conhecer do expediente remetido pela

SERVMASTER – Serviços Especializados Ltda como

representação, nos termos do § 1º, do art. 113, da Lei nº

8.666/93, para, no mérito, considerá-la procedente;

2 - determinar a Justiça Federal de Primeira

Instância no Estado do Pará que observe fielmente as

prescrições contidas no art. 9º da Lei nº 8.666/93, de forma

a somente vedar a participação, direta ou indireta, nas

licitações e na execução de obra ou serviço e no fornecimento

de bens a eles necessários, das pessoas arroladas nos

incisos I, II e III do referido dispositivo;”

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Decisão 262/1998-TCU-Plenário

(Relator: Ministro Carlos Átila)

O Tribunal Pleno, diante das razões

expostas pelo Relator e com fundamento no art. 194, II, do

Regimento Interno, DECIDE:

(...)

2. determinar ao Tribunal Regional do

Trabalho da 16ª Região que, ao promover licitações e

contratações, observe a Lei nº 8.666/93, em especial o que

dispõe sobre:

(...)

e) a vedação de contratar o autor do projeto

básico ou executivo, pessoa física ou jurídica, para execução

de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles

necessários (art. 9º, I);

Acórdão 427/2002-TCU-Plenário

(Relator: Min. Subst. Augusto Sherman Cavalcanti)

“Acórdão :

VISTOS, relatados e discutidos estes autos

que cuidam de Representação de iniciativa de equipe de

auditoria da 6ª Secex acerca da contratação, mediante a

dispensa de licitação nº 121/2001, realizada pelo Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq,

da empresa Cesar - Centro de Estudos e Sistemas

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Avançados do Recife - para a prestação de "serviços de

consultoria técnica em pesquisa e desenvolvimento de

sistema integrado de gestão do fomento da ciência e

tecnologia" (Sistema Lattes Fomento), no valor de

R$6.627.200,00, com fundamento no inciso XIII do artigo 24

da Lei nº 8.666/93.

(...)

ACORDAM os Ministros do Tribunal de

Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as

razões expostas pelo Relator, em:

8.1. conhecer da presente Representação,

por preencher os requisitos de admissibilidade dos artigos 68

e 69, inciso VI, da Resolução TCU nº 136/2000, c/c o art.

213 do Regimento Interno do Tribunal, para, no mérito,

considerá-la procedente; (Vide Acórdão 1659/2004 Plenário -

Ata 40. Representação da 6ª SECEX considerada

parcialmente procedente).

(...)

8.6. determinar ao CNPq - Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que:

(...)

d) observe, ainda, o estabelecido no art. 9º

da Lei nº 8.666/93, especialmente a vedação de

participação, direta ou indireta, do autor do projeto básico ou

executivo, pessoa física ou jurídica, na licitação ou na

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execução de obra ou serviço e no fornecimento de bens a eles

necessários;”

Acórdão 463/2001- TCU-2ª Câmara (Rel.

Min. Ubiratan Aguiar)

Sumário:

Relatório de auditoria. Verificada

subcontratação indevida; falta de acompanhamento dos

dados utilizados para pagamento do contratado;

inobservância de dispositivos legais da lei de licitações.

Audiência. Acolhimento parcial. Inobservância do art. 9º da

Lei nº 8.666/93. Aplicação de multa. Autorização para

cobrança judicial da dívida. Determinações. Ciência ao

Ministério do Meio Ambiente.

Voto :

“Dentre as falhas apontadas pela

Secex/RN, no tocante às obras da Adutora de Trairi, destaco

a incompatibilidade de dados entre os boletins de medição e

as notas fiscais examinadas; a subcontratação, pelo

consórcio vencedor da licitação, da empresa autora do

projeto básico para executar o projeto executivo e o

gerenciamento da obra, com infração ao art. 9º da Lei nº

8.666/93; e a falta de acompanhamento, por parte da

SERHID, dos dados que serviram de base para pagamento

do consórcio contratado.

(...)

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4. Quanto à irregularidade apontada,

observo que as vedações do art. 9º derivam dos princípios da

moralidade pública e da isonomia, pois objetivam afastar do

certame pessoas físicas ou jurídicas que detenham

informações privilegiadas. É evidente que o autor do projeto

básico dispõe de conhecimentos concernentes a detalhes de

estrutura e de custos da obra que lhe permite participar do

certame com vantagem relativamente aos demais

concorrentes.

5. O fato de o Consórcio Gutierrez/Enarq ter

subcontratado a empresa autora do projeto básico para

executar o projeto executivo e o gerenciamento da obra

configura, na verdade, participação indireta da autora do

projeto básico na licitação, com ofensa ao art. 9º da Lei nº

8.666/93.

6. Ressalto que o vínculo entre o Consórcio e

a empresa TECHNE é incontestável, uma vez que essa é

subcontratada do primeiro, havendo vínculo de

subordinação, comercial, técnico e econômico, não havendo

como se acolher as justificativas apresentadas.”

Acórdão 2.006/2006- TCU-Plenário

(Relator Min. Benjamin Zymler)

“Sumário:

CONVERSÃO DE RELATÓRIO DE

AUDITORIA EM TOMADA DE CONTAS ESPECIAL, POR MEIO

DA DECISÃO Nº 879/2001 - PLENÁRIO, COM O INTUITO DE

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APURAR PREJUÍZOS VERIFICADOS EM PAGAMENTOS

REALIZADOS, ATÉ A 30ª MEDIÇÃO, DE SERVIÇOS DA OBRA

DE REFORMA E AMPLIAÇÃO DO AEROPORTO DE

SALVADOR. CONSTITUIÇÃO DE PROCESSO APARTADO

PARA APURAR EVENTUAIS PREJUÍZOS RESULTANTES DE

PAGAMENTOS REFERENTES ÀS DEMAIS MEDIÇÕES E

PARA VERIFICAR O CUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÕES

CONTIDAS NA MENCIONADA DELIBERAÇÃO.

APENSAMENTO DO ÚLTIMO DESSES FEITOS AO PRESENTE

PROCESSO. EXAME DE ALEGAÇÕES DE DEFESA E DE

RAZÕES DE JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PELOS

RESPONSÁVEIS. APURAÇÃO DE PREJUÍZOS CAUSADOS À

INFRAERO. UTILIZAÇÃO DE GARANTIAS ANTERIORMENTE

CONSTITUÍDAS, PARA FAZER FRENTE A ESSES PREJUÍZOS.

IMPOSIÇÃO DE MULTAS A EX-GESTORES DA INFRAERO.

DETERMINAÇÕES. MONITORAMENTO

Voto

(...)

XXIV - Subcontratação de Autoras do

Projeto Básico

“Houve, também, conforme mencionado no

Relatório supra, realização de audiência dos Srs. Eduardo

Bogalho Pettengill e Fernando Perrone, em razão de

subcontratação das empresas que participaram da

elaboração do Projeto Básico, para refazimento e

complementação dos projetos executivos. Tal subcontratação,

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observo, era conhecida pela Infraero. Configurou-se, pois,

violação ao comando contido no inciso I do art. 9º da Lei nº

8.666/1993, que veda a participação direta ou indireta na

realização da obra do autor de projeto básico ou executivo.”

Acórdão 2.079/2013- TCU-Plenário

(Relator Min. José Múcio Monteiro)

“Sumário:

REPRESENTAÇÃO. CONCORRÊNCIA PARA

A CONSTRUÇÃO DE DOIS AÇUDES COM RECURSOS

FEDERAIS. PARTICIPAÇÃO INDIRETA DO AUTOR DOS

PROJETOS NA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS. INCLUSÃO DE

CONDIÇÕES RESTRITIVAS DE COMPETITIVIDADE.

AUDIÊNCIA. OITIVA. REJEIÇÃO DAS JUSTIFICATIVAS.

MULTA AO EX-PREFEITO. INABILITAÇÃO PARA O

EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO DE

CONFIANÇA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECLARAÇÃO

DE INIDONEIDADE DE EMPRESA PARA PARTICIPAR DE

LICITAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL.”

Voto

(...)

“6. Com relação à primeira irregularidade,

acompanho o último posicionamento externado pelo

Ministério Público junto ao TCU. A meu ver, a relação de

parentesco entre autor do projeto de um dos açudes licitados

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na Concorrência nº 1/2007, Francisco Harley Braga

Fernandes, e seu pai, Horley Fernandes, sócio da

Construtora Pau D"Arco, caracterizam a participação indireta

do autor do projeto na licitação, vedada pelo art. 9º, § 3º, da

Lei de Licitações. A própria retirada de Horley Fernandes da

sociedade poucos meses antes da abertura da Concorrência

nº 1/2007, longe de constituir prova de sua inocência, pode

ter sido engendrada exatamente para escapar à vedação

legal e atribuir contornos de regularidade à contratação.”

O entendimento do STJ no REsp

1298297/SP, cuja ementa a seguir transcrevo, também

corrobora com o aqui esposado.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.

LICITAÇÃO. EDIFÍCIO ANEXO DO TJSP.VIOLAÇÃO DO

ARTIGO 535 DO CPC INEXISTENTE. ARTIGO 9º, I, DA

LEI8.666/93. RESPONSÁVEIS PELO PROJETO BÁSICO.

INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃODE PARTICIPAÇÃO NO

CERTAME RELATIVO AO PROJETO EXECUTIVO.

1. Não há violação ao

artigo 535 do CPC quando o Tribunal de origem, mesmo sem

ter examinado individualmente cada um dos argumentos da

recorrente, adota fundamentação suficiente para decidir de

modo integral a controvérsia, apenas não acolhendo a tese

da recorrente.

2. Nos termos do artigo 9º, I, da Lei

n.º 8.666/93, é expressamente vedada a participação do

autor do projeto básico ou executivo na licitação para a

contratação da obra, serviço ou fornecimento deles

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decorrentes. Contudo, inexiste qualquer proibição no sentido

de que o autor do projeto básico participe da licitação para a

elaboração do projeto executivo e para a assessoria técnica

de projeto durante a construção da obra, como é o caso dos

autos.

3. Tratando-se de norma de vedação, há de

ser aplicada restritivamente, não sendo possível utilização de

critérios interpretativos mais abrangentes, sob pena de

contrariar os princípios da hermenêutica jurídica.

4. Recurso especial provido, para

reconhecer a possibilidade da empresa Botti Rubin

Arquitetos Associados Ltda. participar do certame. Processo:

REsp 1298297 SP 2011/0206008-8 Relator(a):

Ministro BENEDITO GONÇALVES Julgamento:

16/08/2012

Uma vez concluído que os impedimentos

contidos no artigo 9º, da Lei de Licitações permanecem

hígidos, salvo nas estritas hipóteses abrangidas pelo artigo

31 da Lei 9074/95, resta verificar se a hipótese em questão

se enquadra em qualquer das hipóteses desta última Lei.

A resposta é não. O objeto da presente

concessão é a gestão e exploração integradas do Jardim

Zoológico do Município do Rio de Janeiro, de modo que está

sujeita aos impedimentos da Lei Geral de Licitação.

É fato incontroverso, como já dito acima,

que quem elaborou o projeto básico que serviu de base para

a formulação do Edital de Licitação não só participou da

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concorrência, mas sagrou-se ali vencedora, padecendo de

nulidade o ato administrativo de licitação e consequente

contratação.

Desse modo, concedo a tutela recursal

para o fim de suspender os efeitos da licitação chamada

pelo EDITAL DE CONCORRÊNCIA CEL/PRÓPRIOS Nº

3/2016 - Concessão para gestão e exploração integradas do

Jardim Zoológico do Município do Rio de Janeiro e

consequente contratação da vencedora do certame,

CATARATAS DO IGUAÇU.

Embora mantenha em parte o entendimento ali constante, melhor

examinando o caso presente, a doutrina e a jurisprudência pertinente,

orientarei meu voto de forma diversa, pelos fundamentos que passo a

expor.

Como se pode verificar, o cerne da questão aqui é o aparente

conflito entre as normas contidas no art. 9, I, da Lei 8.666/93, que

vedada a participação do autor do projeto básico ou executivo na

licitação para a contratação da obra, serviço ou fornecimento deles

decorrentes, e a constante no art. 31 da Lei 9.074/95, que permite que,

nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso

de bem público, o autor ou o responsável economicamente pelos

projetos básicos ou executivos pode participar, direta ou indiretamente,

da licitação ou da execução de obras ou serviços.

Ambas normas estão vigentes, sendo a Lei 8.666/93, geral e

anterior em relação à Lei 9.074/95, de modo que as regras desta última

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só modificam as da primeira no que forem especiais. A Lei 8.666/93,

como se sabe, é a lei geral de licitações e a Lei 9.074/95 se destina a

estabelecer regras para regulamentar a Lei 8.987/95, igualmente

especial em relação à Lei 8.666/93, pois trata de licitação para

contratação pelo Poder público nas modalidades de concessão e

permissão. Daí se extrai a óbvia conclusão de que as normas contidas

nas Leis 8.987/95 e 9.074/95 somente se aplicam às hipóteses de

seleção para contratação em regime de concessão ou permissão,

mantidas hígidas as disposições da lei 8.666/93, na íntegra, no que

pertine aos demais regimes de contratação pela Administração Pública,

bem como aquelas normas que não colidam com as que constam nas

duas leis especiais e posteriores.

Numa primeira análise do caso e apoiada em boa doutrina4,

entendi que a Lei 9.074/95 não se aplicava a todos os tipos de

concessões e permissões, mas apenas àquelas que versassem sobre as

áreas de atuação previstas no art. 1º da mesma lei e serviços de energia

elétrica aos quais se dedicam vários dispositivos desta lei. Melhor

examinado o referido dispositivo e após leitura de vasta doutrina sobre

o tema5, mudei meu entendimento.

4 PAIVA DE LIMA, Iara, texto publicado no Fórum de Conhecimento Jurídico

(www.editoraforum.com.br).

WALD, Arnoldo, MORAES, Luiza Rangel e WALD, Alexandre, in Direito de parceria e a Lei de

Concessões – análise das Leis 8,987/95 e 9.074/95 e legislação subsequente. São Paulo: Saraiva, 2004, p.

502 e 503. 5 JUSTEN FILHO, Marçal, in Concessões de serviços públicos, São Paulo: Dialética, 1997p.380/384;

BANDEIRA DE MELLO, Celso, in Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 30ª edição,

2012, p.734; GUIMARÃES, Bernardo Strobel in, Proposta de manifestação de interesse (PMI) – riscos

públicos e riscos privados, Revista de Contratos Públicos, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, 2014, p. 36/37;

BELEM, Bruno, in O procedimento de manifestação de interesse como meio de participação do privado

na estruturação de projetos de infraestrutura, Belo Horizonte: Biblioteca Digital de Direito Público, ano

12, março de 2013; DAL POZZO, Algusto Neves, in Procedimento de manifestação de interesse e o

planejamento estatal de infraestrutura, Belo Horizonte: Forum de Contratação e Gestão Pública, ano 13,

nº 150, 2014, p 27/30; GARCIA, Flavio, in A participação do mercado na definição do objeto das

parceiras público-privadas – o procedimento de manifestação de interesse, Revista de Direito Público da

Economia, ano 11, n.42 Belo Horizonte: Forum, 2013; SAADI, Mario, in O planejamento da concessão e

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Em leitura mais apurada do disposto no art. 1º da Lei 9.074/95,

verbis

“Sujeitan-se ao regime de concessões ou, quando couber, de

permissão nos termos da Lei nº 8.987 de fevereiro de 1995, os

seguintes serviços e obras públicas de competência da União:

I - (vetado);

II – (vetado);

III – (vetado);

IV- vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública;

V – exploração de obras ou serviços federais de barragens,

contenções, eclusas, diques e irrigações precedidas ou não

da execução de obras públicas;

VI – estações aduaneiras e outros terminais alfandegados e

uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto,

precedidos ou não de obra pública;

VII – os serviços postais.

Verifico que nada ali limita a aplicação daquela lei aos serviços e

obras elencados nos incisos do art. 1º. Simplesmente ali se impõe à

Administração Pública da União, se contratar com particular sobre

aquele tipo de serviço ou obra, o fazer pelo regime da concessão ou

permissão.

Por outro lado, o art. 31 da Lei 9.074/95, diz, in verbis:

“Nas licitações para concessão e permissão de serviços

públicos ou uso de bens públicos, os autores ou responsáveis

economicamente pelos projetos básico ou executivo podem

participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de

obras ou serviços.”

o procedimento de manifestação de interesse – fundamentos legais, aplicação e desdobramentos, Revista

Brasileira de Infraestrutura, ano 3, n.5, Belo Horizonte, 2014, p.142.

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Ou seja, o citado artigo se refere, sem qualquer limitação, a todas

as concessões ou permissões, seja qual for o serviço ou o bem público

objeto do contrato.

Também não se sustenta a alegação de que a Lei 9.074/95

somente se aplique a esfera da União. Primeiro porque tanto esta lei,

quanto a por ela regulamentada, a Lei 8.987/95, fazem parte do

sistema legislativo de licitações, que tem como norma geral a Lei

8.666/93, que, sem sombra de dúvidas, se aplica às três esferas do

Poder Público. Segundo porque a Lei 11.922/2009, no seu art. 2º, diz,

textualmente:

“Ficam os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios autorizados a estabelecer normas para

regular procedimento administrativo, visando a estimular a

iniciativa privada a apresentar, por sua conta e risco, estudos e

projetos relativos à concessão de serviços públicos, concessão de

obra pública ou parceria público-privada.”

A Administração Pública que se quer eficiente não pode prescindir

de estudos preliminares à contratação, como se faz na atividade

privada, antes da contratação de qualquer negócio complexo e que

envolva vultosos valores e riscos.

A generalidade de serviços e uso de bens públicos não permite

que a própria Administração se encarregue da elaboração dos estudos e

projetos para contratação de concessões ou permissões, devendo se

socorrer de particulares especializados.

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De um lado, o impedimento previsto no art. 9º, I, da Lei 8.666/93,

no sentido de vetar a participação do autor do projeto básico ou

executivo na respectiva licitação tem raiz constitucional nos princípios

da igualdade (art. 5º CRF), impessoalidade e moralidade (art. 37 CRF).

O afastamento desta vedação traz evidente risco do que a doutrina

chama de captura da Administração pelo particular.6 A captura consiste

na dominância da Administração Pública pelo particular, que molda o

projeto base ou executivo segundo seu interesse privado e não no

interesse público. Ao se permitir que interessados na contratação de

concessões ou permissões elaborem proposta de manifestação de

interesse, e não que seja efetuado um projeto de concessão ou

permissão por um terceiro impedido de contratar nessa concessão ou

permissão, amplia-se o risco de captura – de que conste no projeto

elementos benéficos para o particular e prejudiciais ao interesse público

– violando-se os princípios da moralidade e eficiência, bem como que o

particular inclua ali requisitos ou retenha informações, que lhe

favoreçam atender em futuro processo licitatório para contratação da

concessão ou permissão, violados os princípios da isonomia e da

impessoalidade.

De outro lado, tem-se a realidade dos fatos: a incapacidade da

Administração Pública de prestar, diretamente, enorme gama de

serviços públicos; a sofisticação técnica de inúmeros serviços públicos

versus a incapacidade técnica da Administração até para realização de

estudos necessários para a concessão ou permissão que melhor atenda

6 GUIMARÃES, Bernardo Strobel in, Proposta de manifestação de interesse (PMI) – riscos públicos e

riscos privados, Revista de Contratos Públicos, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, 2014, p. 40/42; BELEM,

Bruno, in O procedimento de manifestação de interesse como meio de participação do privado na

estruturação de projetos de infraestrutura, Belo Horizonte: Biblioteca Digital de Direito Público, ano 12,

março de 2013; DAL POZZO, Algusto Neves, in Procedimento de manifestação de interesse e o

planejamento estatal de infraestrutura, Belo Horizonte: Forum de Contratação e Gestão Pública, ano 13,

nº 150, 2014, p 31;Guimarães, Fernando Vernalha, in Concessão de serviço público, São Paulo: Saraiva,

2ª edição, 2014, p.264/266.

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ao interesse público; o alto custo dos estudos e projetos para

implementação de concessão ou permissão, afastando a possibilidade

do Poder Público custeá-los, bem como impedindo ou reduzindo muito o

número de particulares interessados em correr o risco de elaborar o

projeto sem poder participar da licitação de concessão ou permissão e

de não haver sequer licitante para tal e não ser devidamente ressarcido;

a existência de diversos serviços de necessidade ou utilidade pública

que, por variadas razões, não tenham muitos plaiers no mercado, de

modo que se prevalecer o impedimento do art. 9, I, da Lei 8.666/93, as

chances de se ter um projeto de boa qualidade para implantação da

concessão ou permissão, bem como uma disputa licitatória que

efetivamente atenda ao interesse público ficam muito reduzidas. Essa

relação está longe de esgotar os fatos, mas já é suficiente, imagino, para

demonstrar que possibilitar que o autor dos projetos básico ou de

execução possam participar diretamente da licitação para concessão ou

permissão de serviço ou bem público atende ao princípio da eficiência.

A cultura da desconfiança que se instalou no país, não sem razão,

aponta em favor de se manter o impedimento previsto no art. 9, I, da Lei

8.666/93. Contudo, entendo que essa solução, aparentemente mais

fácil, não é a melhor e não atende mais ao melhor interesse público. E

há solução conciliadora, que busca atender a todos os princípios

constitucionais envolvidos. A lição de Marçal Justino Filho, ao comentar

o art. 31 da Lei 9.074/95, é primordial:

“Essas considerações conduzem a duas alternativas. A

primeira é a inconstitucionalidade do art.9º (sic), por infringir os

princípios da república (indisponibilidade do interesse público e

da moralidade) e isonomia. A outra é estabelecer interpretação

conforme, subordinando a participação do autor do projeto na

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licitação à comprovação da absoluta lisura no seu

comportamento. Trata-se de aplicar o dispositivo seguindo

estritamente o espírito da Constituição, ainda que isso signifique

pesquisa mais longa e profunda por parte dos órgãos de controle.

Verificado qualquer indício de que a elaboração do projeto

produziu efeitos favoráveis à vitória de um dos licitantes, o

princípio da moralidade exige a anulação do certame.”7

Essa é a formula para harmonizar a aplicação de todos os

princípios constitucionais referentes à questão: isonomia, moralidade,

impessoalidade e eficiência.

Por fim, na própria Lei de Licitações foram reconhecidas situações

em que a proteção dos princípios da prevalência do interesse público,

da impessoalidade, da moralidade e da eficiência não é atendida sequer

pelo processo licitatório, que, portanto, é dispensado, conforme se lê

nos 29 incisos do art. 24 da Lei.

No presente caso, até este momento, não há qualquer indício de

que a contratação de concessão do Zoológico do Rio de Janeiro tenha se

dado em prejuízo do interesse público e/ou com privilégio da licitante

vencedora.

É fato público e notório o péssimo estado de conservação do Zoo,

com diversos animais com risco de morte e em grave sofrimento, tanto

que houve a interdição do local para visitação pública. Além de diversas

matérias veiculadas pela imprensa, isso se comprova com parecer do

IBAMA sobre vistoria efetuada no local, dando conta das péssimas

condições encontradas, o que gerou um termo de ajustamento de

conduta para providências emergenciais (index 735/759); nota pública

7 Opus citi, p. 462.

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da Sociedade de Zoológicos e Aquarios do Brasil, manifestando sua

preocupação com o Zoo do Rio de Janeiro e os animais que abriga

(index 774).

De se destacar a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil,

Seccional do Rio de Janeiro, admitida como Amicus Curiae, que

apresentou relatório de vistoria realizada no Zoológico, dando conta da

iminente necessidade de reforma e melhora das péssimas condições em

que se encontravam os animais (index 1032/1059).

Para elaboração do projeto de concessão foi publicado edital com

procedimento de manifestação de interesse, com devida publicidade,

conforme documento constante no index 178. Conforme se constata nos

documentos do index 186, foram apresentadas três propostas

(Cataratas do Iguaçu S.A., União Norte e Zoológicos do Brasil), sendo

selecionada, conforme decisão fundamentada da comissão de avaliação,

Cataratas do Iguaçu, decisão a qual se deu a devida publicidade, bem

como da aprovação da autoridade administrativa. O projeto elaborado

consta no index 196/372, e se mostra bastante bem elaborado à

primeira vista, dependendo qualquer comprovação de alegação de

desequilíbrio financeiro, como já dito, de dilação probatória.

Realizada a licitação da concessão, dois licitantes se inscreveram,

Cataratas do Iguaçu S.A. e Esfeco Administração Ltda. Tendo a

primeira oferecido inicialmente outorga no valor de R$ 1.151.000,00 e a

segunda o valor de R$ 3.333.333,00, sendo que após instigadas a

apresentarem lances verbais, a Cataratas ofereceu o valor de R$

4.000.000,00 e a Esfeco manteve a oferta anterior, sagrando-se

vencedora a Cataratas (index 397).

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Por fim, entendi consultar a entidade de classe, no caso a

Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil, para verificar o nível de

concorrência do mercado. A resposta consta no index 1071, onde a

entidade afirma que os 27 zoológicos públicos administrados e

mantidos pela iniciativa privada recebem aproximadamente 700 mil

visitantes por ano, enquanto que o do Rio de Janeiro, um dos maiores

do país, tanto em área, quanto em plantel de animais (1300), tem

demanda histórica de 1,5 milhões de visitantes por ano, daí concluir a

entidade que seria um grande desafio para qualquer dos demais

administradores de zoológicos administrar um do porte deste do Rio de

Janeiro, que, além de tudo, tem graves problemas estruturais e de bem

estar de animais, com mídia negativa. Afirma que as necessidades de

investimentos são urgentes, na ordem de R$ 70.000.000,00, com o

desafio de recuperação de imagem perante a sociedade. Aduz que a

elaboração do projeto é algo que exige equipe multidisciplinar

(advogados, financistas, engenheiros civis, arquitetos, orçamentistas,

paisagistas, cenógrafos, além de biólogos e veterinários). Desconhece

outra empresa além da Cataratas capaz de elaborar projeto de tamanho

custo sem qualquer garantia de que fosse implementado. Houve ampla

divulgação dos editais para proposta de manifestação de interesse e

concessão entre os associados da entidade, mas nenhum deles

manifestou interesse em participar.

Diante disso, não vislumbro verossimilhança nos fatos alegados

na inicial para concessão de tutela de urgência.

Da mesma forma, embora possa existir risco de dano para o

interesse público na manutenção do contrato de concessão, caso no

decorrer da ação se vislumbre algum vício, esse eventual dano pode se

resolver em perdas e danos, enquanto que há perigo de dano reverso,

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consistente no risco para a saúde e sobrevivência dos animais,

irreversível, bem como na continuação da deterioração da imagem

pública do zoológico, que se tornar igualmente irreversível.

Por tais fundamentos, oriento meu voto no sentido de NEGAR

provimento ao recurso, tornando sem objeto o agravo interno.

Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2017.

DES. MARCIA CUNHA SILVA ARAUJO DE CARVALHO

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