176
1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento Humano do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política Sociedade Brasileira de Economia Política - SEP 2008

PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

1

PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL

Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento Humano do Programa

de Estudos Pós-graduados em Economia Política Sociedade Brasileira de Economia Política - SEP

2008

Page 2: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

2

SUMÁRIO

1) Até onde irá a crise financeira - François Chesnais........................... p. 3

2) El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera

...................................................................................François Chesnais......p. 14

3) Exposição de François Chesnais em encontro de Herramienta 39... p. 45

4) La crise du neo-liberalisme mundial – Michel Husson .....................p. 56

5) La crise financière au coeur de la situation politique après les élections

Municipales – François Chesnais.......................................................p. 58

6) Introduction à la discussion sur la crise – François Chesnais............p. 62

7) La fin d’un modèle – Michel Hussson ..............................................p 68

8) O pesadelo das finanças sem freios – Fréderic Lordon .....................p.81

9) O mundo refém das finanças – Fréderic Lordon ...............................p.90

10) ¿Recesión o crisis en EUA? O de cómo fallan los conjuros – Alejandro

Valle Baeza .....................................................................................p..101

11) Capital ficticio y ganancias fictícias – Reinaldo Carcanholo e Maurício

Sabadini ...........................p.118

9) A crise como essência da nova ordem, In PUV Viva, ano 9, n° 32, julho a

setembro de 2008. Rosa Maria Marques ...............................................p 131

10) O papel da finança no capitalismo contemporâneo – Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani..................................................................................p.136

11) Entrevistas sobre a crise – Revista do Instituto Humanitas Unisinos..p 153

11) Declaración de la Sociedad de Economía Política y Pensamiento Crítico Latinoamericano ante la crisis económica mundial ............................p.174

Page 3: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

3

1) Até onde irá a crise financeira – François Chesnais

Le monde diplomatique – 12 de novembro de 2007

Um dos maiores estudiosos das finanças internacionais investiga, em diálogo com dois livros recém-publicados, os tremores dos últimos meses. Seu diagnóstico: vêm aí grandes solavancos, que podem atingir a Ásia e mudar a economia do planeta

No início de agosto, surgiu uma crise financeira no setor dos empréstimos

hipotecários, nos Estados Unidos. Imediatamente, ela se propagou para outras partes do

sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam a

comunidade dos investidores e dos operadores (os “mercados”), bem como os

observadores. Os bancos centrais intervieram rapidamente, principalmente com o

fornecimento de crédito a taxas baixíssimas para os bancos em dificuldade (a que se dá o

nome de "criação de liquidez") [1] Desde o início de setembro, fases de tranqüilidade têm

alternado com o anúncio de novas dificuldades dos bancos e outras instituições financeiras.

Para compreender todo o alcance do processo iniciado no mês de agosto, é preciso

recorrer a uma obra assinada por Michel Aglietta e Laurent Berrebi (economista-chefe da

empresa Groupama Asset Management), Désordres dans le capitalisme mondial [2]. O

período de 2003-2007 constituiu-se de “anos milagrosos”, com efeitos euforizantes. Na

França, tanto a UMP (União para um Movimento Popular, centro-direita) quanto o PS

(Partido Socialista, de centro-esquerda), os políticos e a grande mídia louvaram o exemplo

norte-americano. O mesmo se deu na maioria dos outros países. Em seu trabalho, extenso e

bem documentado, os autores explicam a dinâmica perversa dessa alta conjuntura e

anunciam seu fim inevitável.

O interesse do livro deve-se à escolha metodológica dos autores — criar um quadro

analítico único, propriamente mundial —, bem como ao volume de fatos e análises

reunidos. Na introdução, eles definem “a globalização como um sistema de

interdependências multilaterais em que as potências emergentes (isto é, a China e, em

menor grau, a Índia) exercem uma influência determinante sobre as economias

desenvolvidas”, acrescentando que “foi a partir da virada do século 21 que o termo

‘globalização’ se tornou adequado aos fenômenos que ele supostamente deve designar”.

Page 4: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

4

No terreno específico da macroeconomia, que é a especialidade deles, Aglietta e

Berrebi percebem a economia mundial como uma totalidade diferenciada e hierarquizada,

cujos pólos são os Estados Unidos e a China. Nesse quadro situam-se desenvolvimentos

muito mais tímidos na União Européia e no Japão. Esse aparece com uma economia e uma

sociedade marcadas por fatores de inegável debilidade, mas também com trunfos. Em

contrapartida, “a Europa está deserdada” (título do capítulo 6). A União Européia estimula

“as atitudes não-cooperativas dos governos, numa busca interminável de diminuição dos

custos salariais”. Trata-se de “uma zona de livre-câmbio que engloba uma falsa união

monetária”, já que “a zona do euro não tem nem federalismo orçamentário, nem

cooperação orçamentária entre seus membros, nem sequer regras mínimas comuns”.

Depreende-se do livro de Aglietta e Berrebi a quase certeza de que, em caso de crise

financeira acentuada e de recessão mundial, é na União Européia que os impactos serão os

mais graves [3].

Inverte-se a dinâmica da década passada: agora, crise começa nas finanças (EUA) e se

espraia para produção (Ásia)

A referência à virada do século 21 também é importante. O ano de 2001 não é

somente o dos atentados de 11 de setembro e da declaração da “guerra sem fim” por

George W. Bush. É também o ano da entrada da China na OMC (Organização Mundial do

Comércio), que representa o ponto mais avançado das medidas para fazer do planeta um

espaço único de valorização do capital. Enfim, 2001 é o ano que vê as autoridades

monetárias norte-americanas adotarem a ampliação do crédito hipotecário, como resposta à

crise da bolsa de ações de alta tecnologia (a Nasdaq) e a seus desdobramentos industriais

(falência da Enron etc.). A análise parte das interconexões entre a crise asiática de 1997-98,

que Aglietta e Berrebi apresentam corretamente como uma crise de superprodução. Trata

das medidas de salvaguarda de fundos especulativos e de criação de liquidez tomadas pelo

Federal Reserve e, em seguida, do estouro da bolha das bolsas de valores na primavera de

2001.

A seqüência mostra a que ponto essas interconexões se consolidaram e seus efeitos

se agravaram. A análise nos prepara para a interconexão, análoga, porém bem mais grave,

entre uma crise de superprodução, centrada no Sudeste Asiático — e, principalmente, na

China — e uma crise financeira sistêmica mundial, cujo epicentro só pode se situar nos

Page 5: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

5

Estados Unidos. A primeira lição da crise iniciada em agosto é a de que a direção dos

desdobramentos se inverteu em relação a 1997-98/2001. Dessa vez, a crise financeira

internacional, nascida nos Estados Unidos, precede a crise de superprodução, cuja lenta

gestação na Ásia aparece em muitos índices.

Comecemos pelos sobressaltos financeiros e tentemos compreender suas raízes

profundas. A leitura conjunta dos livros de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme

américain? — e de Aglietta e Berrebi é muito útil desse ponto de vista. O primeiro permite

compreender por que era quase inevitável que o choque ocorresse no setor hipotecário

norte-americano. O autor, decerto porque não vem das finanças, nem da economia, lança

um olhar bem severo sobre práticas financeiras que ele não hesita em caracterizar como

quase permanente e intrinsecamente fraudulentas, mesmo nos casos em que, como no da

Enron (que ele analisa bem), não se abriu nenhum processo penal.

Aglietta e Berrebi, por seu turno, explicam de que modo a atual fase do capitalismo,

posta sob o signo do valor acionário, só pode gerar, em intervalos próximos, crises

financeiras cujo epicentro são os Estados Unidos. Também revelam como a globalização

financeira se propaga rumo ao conjunto das praças mundiais. Colocar o interesse dos

acionistas à frente dos objetivos das empresas e estabelecer normas de rendimento dos

capitais investidos (o return on equity ou ROE) [4] tem como resultado, fora das fases

muito curtas de difusão de novas tecnologias, onerar o investimento produtivo e permitir “a

uma elite financeira, no topo da hierarquia profissional das grandes empresas e das

profissões jurídicas e financeiras associadas, capturar a maior parte dos ganhos de

produtividade”.

Crédito imobiliário: durante décadas, a rede principal que protegeu economia dos

EUA das grandes crises

Para manter um nível de atividade elevado, “é necessária uma demanda dinâmica”.

Ao menos por enquanto, ela não provém dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde

a distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do

consumo interno e onde os excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos

Estados Unidos. A demanda “também não pode ter como origem as rendas salariais, cujo

crescimento é fraco. Ela provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente,

mas sua massa global é insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento

Page 6: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

6

rápido. A resposta a esse dilema encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o

capitalismo contemporâneo encontra a demanda que permite realizar as exigências do valor

acionário. Esse mecanismo atinge seu paroxismo nos Estados Unidos. […] Empurrando

para o alto os preços dos ativos patrimoniais, o crédito desconecta o consumo da renda

disponível”.

Esses ativos não têm, necessariamente, a forma de títulos. Contrariamente ao que se

pensa, os lucros com a bolsa são, nos Estados Unidos, a segunda fonte de enriquecimento

patrimonial das famílias (20%). A primeira fonte (60%) provém dos lucros realizados na

compra e na revenda das residências individuais. Portanto, não é por acaso que o Fed

escolheu o imóvel residencial como base das medidas para impedir a quebra da bolsa de

2001 e relançar a economia por meio do consumo dos particulares.

Da análise minuciosa de Jorion depreende-se que o objetivo de dar ao capitalismo

norte-americano uma base social ampla, favorecendo o advento de uma “sociedade de

proprietários” (ownership society), vem sendo perseguido há quase um século. Desde 1913,

uma lei permite deduzir do imposto os juros sobre os empréstimos para a habitação. A

isenção foi estendida aos lucros com as vendas. Entre as medidas tomadas durante o New

Deal, para enfrentar os efeitos da crise de 1929, aparece a criação de uma agência federal

da habitação (Federal Housing Authority, FHA). Ela ainda existe e continua a ajudar na

constituição do patrimônio pessoal. É o caso também das entidades semipúblicas, com

nomes pitorescos, encarregadas de assegurar um mercado secundário para os empréstimos

concedidos pelos bancos e instituições financeiras.

A primeira (Fannie Mae) foi estabelecida, em 1938, para compensar os impactos

políticos e sociais da grande crise. Foi preciso criar uma segunda, em 1970 (Freddy Mac),

para enfrentar o aumento rápido das necessidades de transformação dos empréstimos

hipotecários em ativos realizáveis. O recurso à securitização [5] das hipotecas, portanto, é

antigo e sua utilização vem aumentando sem parar. Ao longo dos anos, as entidades

semipúblicas beneficiaram, sobretudo, as classes média e alta, permitindo-lhes realizar

lucros na revenda de sua residência. O ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, avaliava-os,

em 1999, em 25 mil dólares em média. Dois terços das famílias tiveram acesso, desse

modo, à propriedade. Em 2003, o objetivo da “sociedade proprietária” foi novamente

fortalecido, ao menos no nível da propaganda, pela criação de um fundo de auxílio à

Page 7: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

7

primeira residência cujo nome é um programa em si mesmo: “American Dream

Downpayment Initiative” (iniciativa de aporte inicial para o sonho americano).

Empresas de crédito sem controle concedem empréstimos usurários a famílias pobres.

Os bancos garantem o jogo

Jorion explica que, de fato, metade dos “proprietários” só são proprietários no

nome, pois possuem apenas 10% do valor real de suas casas. Num contexto econômico em

que as disparidades de riqueza são extremamente elevadas para um país industrializado (os

50% mais pobres da população possuem somente 2,8% do patrimônio, e o 1% mais rico,

32,7%), o sonho norte-americano de “todo mundo proprietário” sempre foi, diz o autor, “no

melhor dos casos, um sonho, e no pior, um simples efeito de propaganda”.

A partir de 2001, num contexto de taxas de juros muito baixas e de

desregulamentação financeira, tal sonho imobiliário serviu de fundamento para numerosas

operações fraudulentas. Desde então, ele transformou-se em pesadelo, sobretudo para as

famílias mais pobres submetidas a um regime de “empréstimos de rapina”. Entre os fatos

pouco conhecidos citados por Jorion figura o voto, em 1980 (no momento da liberalização

financeira orquestrada por Paul Volker, no final da presidência de Jimmy Carter), de uma

lei revogando as disposições sobre a repressão das taxas de juros usurárias.

A desregulamentação acelerada das décadas de 1990 e 2000 permitiu o crescimento

rápido das empresas independentes de empréstimos hipotecários, e o Fed reconhece que

não pode fiscalizá-las ou controlá-las. Em 2002 (último indicador citado), tais empresas

ofereciam apenas 12% dos empréstimos, mas 62% dos mutuários tinham vínculos com

elas. Foram elas que apanharam na armadilha as famílias pobres, que têm pagado

prestações usurárias, por se endividar a taxas elevadíssimas. Jorion analisa minuciosamente

técnicas que em muitos países seriam consideradas fraudulentas. Ele anuncia a catástrofe

social atualmente em curso. Os processos de arresto de moradias atingiram 180 mil só no

mês de julho, ou seja, duas vez mais do que em julho de 2006. Eles ultrapassaram a linha

do milhão desde o início do ano, isto é, 60% a mais do que um ano atrás. A expectativa é de

que haja no total 2 milhões de arrestos em 2007.

Para que o mercado mafioso (não há termo mais conveniente) dos empréstimos

“subprime” [6] se desenvolvesse, era preciso satisfazer uma última condição: que as

empresas independentes de empréstimos hipotecários encontrassem empresas financeiras

Page 8: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

8

sólidas (ao menos na aparência), junto às quais pudessem securitizar os contratos assinados

com elas. A partir de 2005, esse mercado encontrou fundos especulativos de alto risco (os

hedge funds), filiais de grandes bancos de investimento ou de grandes bancos comerciais

americanos e estrangeiros, prontos para comprar “lotes de ativos” contendo promissórias

hipotecárias “subprime”.

O fator-China empobrece assalariados em todo o mundo. Mas cria enorme massa de

recursos financeiros

É aqui que voltamos ao trabalho de Aglietta e Berrebi e à ênfase que eles dão à

passagem dos mercados de ações a um regime “de inclinação deflacionista”. É o efeito não

desejado e não previsto da extensão da globalização no rumo da Ásia. Ele se traduziu por

uma baixa do rendimento das ações e das obrigações, enquanto volumes crescentes de

fundos líquidos buscavam se valorizar. Provocou a enxurrada dos fundos especulativos e

das aplicações cada vez mais arriscadas.

Com algum atraso, a plena integração da China à economia mundial — e, em grau

menor, a da Índia — provoca uma tomada de consciência dos efeitos planetários que ela

acarreta para os assalariados. Que efeitos? Os da competição direta entre os trabalhadores,

em razão da “duplicação da oferta de trabalho global”, como o “excesso estrutural de mão-

de-obra” que ela cria no seio de uma economia mundial liberalizada e desregulamentada.

Isso permite que as empresas “façam incidir sobre os assalariados o essencial do ajuste às

novas condições de concorrência”.

A transformação da China em “fábrica do mundo” e da Índia em país de relocação

das atividades de serviços de informática e de produção de softwares teve também efeitos

importantes no domínio financeiro. A transferência para os assalariados das pressões

deflacionistas sofridas pelas empresas se fez acompanhar, na esfera financeira, de uma

baixa das taxas de juros a longo prazo e de uma modificação do movimento de longa

duração das ações.

Do lado das empresas, as aposentadorias com prestações definidas foram

maciçamente convertidas em fundos de previdência privada, onde são os assalariados que

suportam os riscos. Do lado dos fundos de aplicação financeira, ocorreu uma fuga na

direção das operações cada vez mais arriscadas sobre ativos cada vez mais opacos. O

“regime de inclinação deflacionista” empurra para as aplicações especulativas. Ele fortalece

Page 9: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

9

as “finanças carniceiras”, dos quais os fundos de “private equity”, freqüentemente filiais de

bancos, se tornaram a expressão mais temida [7].O acúmulo de excedentes comerciais e de

reservas em divisas, sobretudo em dólares, pelos países asiáticos, mas também por grandes

países fornecedores de matérias-primas, que foram colocados em bônus do Tesouro, em

obrigações privadas e em ações, em Nova York, tem permitido, aos Estados Unidos, exibir

índices financeiros invejáveis e deixar escoar os déficits externos. Também vem permitindo

que o governo Bush financie suas guerras, sem parar de baixar os impostos. Esses

excedentes também vêm constituindo a base de um processo de criação de “liquidez”, isto

é, de meios amplamente fictícios de financiamento de operações especulativas de alto

rendimento.

Crescimento da China é dependente das vendas aos EUA. Será possível encontrar

outros mercados?

Um dos meios encontrados pelos grandes bancos de investimento de Nova York,

por bancos internacionais (como BNP-Paribas), mas também, para surpresa geral, pelos

bancos regionais alemães, foi a criação de filiais com status de hedge funds. Os riscos

incorridos foram subestimados, pois a “comunidade financeira” acreditou ter criado

anteparos importantes sob a forma, principalmente, de mecanismos de parcelamento do

risco. A crise de agosto mostrou a extrema vulnerabilidade e o potencial de contágio muito

elevado.

Hoje, é nos Estados Unidos e, em menor grau, no Reino Unido que se situam os

impactos mais fortes da crise hipotecária e seus desdobramentos bancários. Em prazos um

pouco mais longos, o elo crítico se situará na Ásia, sobretudo na China. Ainda que a crise

financeira tenha sido (mais ou menos) contida, a baixa dos preços imobiliários — e,

portanto, dos ativos e das capacidades de endividamento dos proprietários — vai provocar

uma desaceleração da demanda global. Ora, mais de 70% da economia chinesa depende de

seu comércio exterior. Desde 2005, as exportações brutas representam mais de um terço de

seu crescimento econômico.

Os Estados Unidos são o principal mercado da China. O grupo de distribuição Wal-

Mart, que possui uma densa rede de franqueados na China, assegura quase 10% das vendas

chinesas no estrangeiro — a maior parte para os Estados Unidos. Pequim buscará

compensar a desaceleração da demanda norte-americana voltando-se para outros mercados,

Page 10: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

10

mas pode chegar um momento em que, como no caso da Coréia do Sul em 1997, os efeitos

do superacúmulo transformem-se em fator imediato de crise.

É aqui que precisamos nos deter nos capítulos que Aglietta dedica à China em seu

livro com Berrebi, bem como no trabalho centrado exclusivamente nesse país — (La Chine

vers la superpuissance) —, escrito com Yves Landry. Aglietta considera que as chaves da

estabilidade macroeconômica internacional nos próximos anos, e independentemente do

futuro da economia mundial, encontram-se na China. Embora dê mostras de muita

solicitude para com os dirigentes chineses [8], ele não consegue esconder sua grande

preocupação. É o caso da criação de sobrecapacidades muito fortes.

Aglietta e Berrebi observam que “o governo chinês decidiu esfriar o motor do

investimento e até mesmo, em alguns setores (imobiliário, siderúrgico e automobilístico),

proibir quaisquer novos investimentos. No entanto, os números recentes disponíveis

mostram que, apesar dessas medidas estritas, ele tem dificuldades para frear os gastos no

imobiliário, nas infra-estruturas rodoviárias e nas construções de outras fábricas. Essa

situação se deve, em parte, às províncias e aos industriais locais. As províncias buscam

afirmar sua autonomia frente ao poder central, encorajando sem discernimento a

implantação de indústrias locais, e os industriais locais tentam se aproveitar da euforia

geral”.

Nos EUA e China, nós políticos dificultam a adoção de soluções que poderiam

reverter a crise

Atenuando suas críticas com observações sobre a herança positiva do

confucionismo, Aglietta detém-se longamente nos estragos da corrupção (ver a introdução

do livro escrito com Landry). O único remédio para a superprodução, dizem os autores,

seria “uma reorientação da atividade de um crescimento extrovertido para um crescimento

mais autocentrado”.

Aqui se coloca, evidentemente, a questão da liberdade de organização política e o

direito dos assalariados de construir verdadeiros sindicatos. Aglietta e Landry sublinham

assim que, “passada a fase de recuperação quantitativa, em que basta investir para gerar

crescimento, vem a fase qualitativa, em que só a melhoria da produtividade e o

fortalecimento institucional fundamentam o crescimento e o transformam em

desenvolvimento sustentável. Nesta segunda etapa, os fatores-chave são a educação, a

Page 11: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

11

valorização da iniciativa e a criatividade, que permitem a emergência de novos modos de

organização e de novas estruturas. A liberdade dos debates e a presença de contrapoderes

são então elementos essenciais que dão uma flexibilidade indispensável às estruturas”. Os

autores sublinham que “a China ainda está longe disso”.

Um dos fios condutores do diagnóstico de Aglietta sobre a economia mundial, e

sobre os remédios que seria preciso aplicar a ela, diz respeito à taxa de poupança. Ela é

baixa demais em alguns países, alta demais em outros. Os Estados Unidos, onde ela se

tornou negativa, e a China representam os pólos extremos dessa distorção. A reconstituição

de uma taxa de poupança que deixasse de fazer dos Estados Unidos a sede, quando não o

transmissor mais imediato, de crises financeiras sucessivas “requer uma consolidação

orçamentária incompatível com as orientações políticas da maioria conservadora no poder.

Implica sobretudo uma recuperação considerável da poupança das famílias. Isso supõe uma

revisão dilacerante do consumo a crédito, combinado com o desperdício aterrorizante dos

recursos não-renováveis, que constitui o modo de vida norte-americano”.

Dúvida: será necessária uma grande crise econômica global para reintroduzir a

regulação da moeda e crédito

Coincidindo com as conclusões de Jorion, eles acrescentam que “isso supõe também

uma mudança na concepção que os dirigentes norte-americanos têm do lugar dominante e

do papel hegemônico dos Estados Unidos no mundo”. Quanto à China, além dos reflexos

de entesouramento que mergulham suas raízes na história, lida-se com “uma poupança de

precaução ante a degradação dos sistemas públicos de proteção social, de educação, de

aposentadoria, diante do risco de perda de emprego nas empresas estatais subsistentes”,

problemas, portanto, que conduzem à liberdade de organização e de reivindicação.

O concentrado dos mecanismos suscetíveis de conduzir a uma situação em que as

“mudanças estruturais maiores [sejam] impostas por uma crise” encontra-se na moeda

internacional (as divisas e suas taxas de câmbio). Em razão do “caráter de bem público da

moeda”, sua regulação “só pode ser política”. Para Aglietta e Berrebi, “a responsabilidade

de sua gestão é necessariamente intergovernamental”. Os Estados Unidos sempre se

opuseram a isso por causa dos privilégios que tiram do regime de semipadrão dólar. Mas,

atualmente, uma responsabilidade compartilhada seria de absoluta necessidade.

Page 12: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

12

Não existe nenhum outro meio de criar “uma estrutura ordenada das taxas de

câmbio, de um lado, e de regular a liquidez global em função da demanda de meios de

pagamentos internacionais, do outro”. Ora, o que fizeram os bancos centrais desde meados

de agosto senão criar mais liquidez ainda e travar entre si uma espécie de guerra das

moedas, da qual o euro sofreu as piores conseqüências pelas razões vistas anteriormente?

Será necessário que o sistema capitalista mundial passe por uma crise enorme antes de

serem recriados os fundamentos de uma regulação monetária e financeira? É preciso se

preparar para isso? Seja como for, Aglietta e Berrebi terão soado o alarme.

[1] Ver Frédéric Lordon, O mundo refém das finanças, em Le Monde Diplomatique Brasil setembro de 2007. [2] Michel Aglietta e Laurent Berrebi, Désordres dans le capitalisme mondial, Paris, Odile Jacob, 2007. O livro se beneficiou dos recursos do serviço de estudos econômicos da empresa, bem diferentes dos de um laboratório universitário. [3] Ver, no mesmo sentido, o livro bem recente de Patrick Artus, Les incendiaires: les banques centrales dépassées par la globalisation, Paris, Perrin, 2007, que examina a possibilidade de uma explosão do euro. [4] Para uma definição desses conceitos e de sua importância, ver Frédéric Lordon, Enfin une mesure contre la démesure de la finance, le SLAM!, Le Monde Diplomatique, fevereiro de 2007. [5] A securitização consiste em “transformar os créditos em posse dos bancos, das instituições financeiras, das companhias de seguro ou das sociedades comerciais (as contas clientes) em títulos negociáveis” (ver Bertrand Jacquillat, Les 100 mots de la finance, Paris, PUF, 2006). A etapa seguinte, que se desenvolveu principalmente a partir de 2002, consiste em “fundir” junto certo número de créditos para fazer deles uma linha de obrigações negociáveis. Os títulos assim “manufaturados” podem ser vendidos nos mercados em pequenos pacotes aos diversos investidores institucionais ou fundos especulativos que quiserem comprá-los. [6] A palavra pode ser traduzida pela perífrase “inferior à norma de qualidade”. Designa os empréstimos com risco de falência elevado. [7] Ver por exemplo “Public versus private equity”, The Economist, 7 de julho de 2007. Há alguns meses, o semanário da City londrina se tornou o eco da preocupação crescente de uma parte dos melhores financistas quanto aos private equity, cujos perigos agora são sistematicamente expostos. [8] É espantoso ver Aglietta e Berrebi retomarem, por conta própria, uma das “justificativas” dadas pela direção do Partido Comunista Chinês para a repressão do movimento estudantil da praça Tiananmen em 1989, isto é, “a ajuda considerável que o movimento recebia do exterior”.

Page 13: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

13

2) El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera

François Chesnais, In Herramienta, n° 37

La marcha de la crisis financiera que estalló en el sector de préstamos hipotecarios

de los Estados Unidos en agosto del año pasado no es lineal. Los momentos de regreso a

una calma relativa se alternan con expresiones más visibles de crisis, a veces

espectaculares. El estallido de esta crisis representa un giro en el curso de la economía

mundial.

En primer lugar, marca el fin del ciclo económico estadounidense iniciado con la

recuperación de comienzos de 2003. Ya en este sentido su alcance es mundial, pues el

consumo interno norteamericano representó, entre 2003 y 2006, la principal salida para la

oferta de mercancías producidas en los otros países. Y hay más: aún antes de que la

demanda interna de los Estados Unidos sufriese todos sus efectos, la crisis hipotecaria

comenzó a propagarse casi en todo el mundo, mediante los mecanismos propios del sistema

financiero globalizado, hacia los bancos y las sociedades de colocación financiera (los

mutual funds, los hedge funds y las sociedades especializadas en préstamos hipotecarios).

No son afectados sólo los países fuertemente interconectados con las finanzas

estadounidenses. Lo son también los que tienen monedas más expuestas a los efectos de la

caída del dólar. Por lo tanto, los niveles de actividad económica, de empleo y de

disposición al consumo o la inversión en un conjunto de países pueden disminuir a

consecuencia de lo que ocurre en los Estados Unidos. Son de prever interacciones a este

nivel, pues la OCDE precisó que la desaceleración había comenzado entre los países

miembros antes del inicio de la crisis financiera.[1]

El mecanismo de contagio en el que más se interesan los diarios es el de la

cotización de las acciones en las bolsas. La transmisión de las fluctuaciones bursátiles

puede ser espectacular, pero más allá del efecto "subjetivo", en términos de imagen del

capitalismo, no es el canal de propagación más importante. Sólo en los Estados Unidos y en

menor medida en Gran Bretaña el consumo interno está directa y rápidamente afectado por

los movimientos bursátiles. La inquietud inmediata de los observadores tiene que ver sobre

todo con otras tres cuestiones. La primera se refiere a la amplitud de la contracción del

crédito interno en el sector financiero, provocada por los títulos "podridos" de "nueva

Page 14: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

14

generación" (ver más adelante) que los bancos y los fondos de colocaciones de riesgo (los

hedge funds ) tienen en sus carteras. No se trata todavía de una contracción del crédito a las

empresas, sino de un paso en esa dirección. La segunda tiene que ver con al ritmo y la

violencia del estallido de la burbuja inmobiliaria en otros países en que existe, sobre todo

los de la Unión Europea como España o Irlanda, pero también Australia. El tercero se

refiere a los efectos al menos parcialmente antagónicos de las políticas de tasas de interés y

tasas de cambio adoptadas por los principales países. Un ejemplo es el alza de las tasas de

cambio del euro con respecto al dólar, que se aceleró con la baja de las tasas de interés

norteamericanas.

Un poco a más largo plazo, a seis u ocho meses, el principal interrogante, del que

realmente depende el curso de la crisis financiera, se refiere al Asia. Esta crisis financiera

no podría desembocar en una crisis mundial grave del tipo de la de 1929, si no se produjera

una desaceleración general de la demanda mundial que revelase que hubo -desde 2002 y

más aún luego de 2003- un proceso de sobreacumulación en todas las economías asiáticas

de la costa del Pacífico (en China, pero también en Japón, Corea y Taiwán). Muchos

economistas piensan que en esta región clave del sistema capitalista mundial, la capacidad

de producción instalada excede ampliamente las posibilidades de absorción del mercado

mundial. Pero siguen esperando que, a pesar de la contracción de la demanda externa -que

es absolutamente necesaria para las economías de Asia- los países en cuestión sabrán

compensar esa limitación aumentado su demanda interna. En todo caso, se entra en un

contexto en el que la presión de la competencia de las mercancías asiáticas engendra

tensiones proteccionistas que enfrentarán a los Estados Unidos y otros países con China.

Finalmente, está la situación de los países productores del mismo tipo de mercancías, por

ejemplo textiles: incluso una contracción limitada de la capacidad de los Estados Unidos y

de la Unión Europea para recibir importaciones provenientes de China y otros países de

Asia acentuará la presión de la mercancías asiáticas sobre ellos y agravara sus dificultades.

¿Qué puntos de apoyo brinda Marx para abordar las crisis financieras?

Marx no conoció una situación de hipertrofia de la esfera financiera comparable a la

actual. Sin embargo dejó algunas indicaciones metodológicas importantes y sobre todo una

teoría del capital ficticio en la que nos apoyaremos más adelante. Recordemos por ahora

que lo denominado en el siglo XIX "crisis monetaria" o "de dinero" más que financiera,

Page 15: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

15

constituía para él "un momento de las crisis industriales", pero un momento muy

significativo porque en él se desnuda una contradicción fundamental contenida en la

moneda:

la función del dinero como medio de pago envuelve una brusca contradicción. En la

medida en que los pagos se compensan unos con otros, el dinero sólo funciona idealmente,

como dinero aritmético o medida de valor. En cambio, cuando hay que hacer pagos

efectivos, el dinero ya no actúa solamente como medio de circulación, como forma

mediadora y llamada a desaparecer de la asimilación, sino como la encarnación individual

del trabajo social, como la existencia autónoma del valor de cambio, como la mercancía

absoluta. Esta contradicción estalla en ese momento de las crisis comerciales y de

producción a las que se da el nombre de crisis de dinero.[2]

El reemplazo del oro por las monedas estatales de los países más fuertes

(actualmente, un "semi-patrón oro"[3]) así como el desarrollo extraordinario que

adquirieron los efectivos bancarios exigiría transcribir esta contradicción a las condiciones

actuales.[4] Queda en pie sin embargo el hecho de que en esta crisis ya se ha perfilado una

situación en la cual

el crédito se reduce o desaparece en absoluto, el dinero se enfrenta de pronto de un

modo absoluto a las mercancías como medio único de pago y como la verdadera existencia

del valor. De aquí la depreciación general de las mercancías, la dificultad, más aún, la

imposibilidad de convertirlas en dinero".[5]

Es muy útil una distinción introducida por Marx respecto a las "crisis monetarias" o

"de dinero". Por un lado, "es una fase de cualquier crisis". Por el otro, y sin que existan

barreras infranqueables entre ambas, está

esa modalidad especial de crisis a que se da también el nombre de crisis de dinero,

pero que puede producirse también de un modo independiente, influyendo luego de rechazo

sobre la industria y el comercio. Son estas crisis que tienen como centro de gravitación el

capital-dinero y que, por tanto, se mueven directamente dentro de la órbita de los Bancos,

de la Bolsa y de la finanza.[6]

Las crisis monetarias de este tipo son las que llamamos ahora crisis financieras.

Traducen la maduración de las contradicciones a nivel de la formación de la tasa de

ganancia así como de las condiciones de realización del valor y plusvalor. El hecho de que

Page 16: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

16

estas crisis se forman de manera "independiente" es consecuencia de la acumulación de

capital-dinero y de la formación de capital ficticio a gran escala. Pero estas son a su vez la

expresión de graves "disfunciones" que hunden sus raíces en las relaciones de producción y

de propiedad y en las medidas de política económica utilizadas para contenerlas.

El tiempo de la crisis financiera

Así se comienza a percibir el alcance de la crisis financiera que se abrió y la

importancia de las cuestiones en juego. Ocurre en un momento en que los instrumentos

utilizados por los bancos centrales comenzaron a mostrar sus limitaciones, a fuer de haber

sido utilizados repetidamente desde hace veinte años. Se produce después de una fase

excepcionalmente larga de acumulación sin ruptura. Se sitúa, finalmente, cuando la

configuración del marco geoeconómico y geopolítico del capitalismo mundial está

experimentando modificaciones profundas.

El acento se debe poner, en primer lugar, sobre el alcance y consecuencias de lo que

denomino una muy larga fase de "acumulación sin ruptura". Considerando que la

reconstrucción de lo destruido en la Segunda Guerra Mundial terminó a mediados de los

años 1950, el capitalismo como sistema mundial conoció desde entonces más de cincuenta

años de acumulación casi ininterrumpida. Es la fase de este tipo más larga de toda su

historia. La acumulación se dio con momentos de ritmos diferentes, pero sin que se

produjese ninguna ruptura, como una gran crisis económica o una guerra análoga a las dos

grandes conflagraciones del siglo XX. La recesión mundial de 1974-76 puso fin al largo

movimiento cíclico llamado "los treinta gloriosos". Cerró un período, pero luego de una

fase de transición la acumulación recomenzó sobre la base, especialmente, de un

desplazamiento progresivo de su centro de gravedad geográfico. Ninguna ruptura se

produjo tampoco desde el flanco de la lucha de clases. El capitalismo mundial tuvo las

manos libres para responder a lo que pudo parecer en su momento una ruptura por medio de

la revolución neoliberal o más exactamente neoconservadora. Con el beneficio de la

distancia histórica y la destrucción (al menos parcial) de las anteojeras de aquella época,

podemos ver ahora que su esfera de acción e influencia sobrepasó las fronteras de la

dominación imperialista del momento. Las "reformas" de Margaret Thatcher tuvieron como

contrapartida las de Deng Xiaoping en China, que comenzaron como las suyas en 1979-80

y pasaron desapercibidas para la izquierda mundial.

Page 17: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

17

La falta de ruptura en la acumulación durante un período tan largo no es algo

secundario. Facilitó considerablemente el trabajo del capital "para apropiarse de la praxis

social en toda su extensión y toda su profundidad" y forjar como dice Alain Bihr, a nivel

ahora verdaderamente mundial, "un tipo de sociedad global profundamente marcado por el

dominio del capital, mucho más allá de la esfera puramente económica".[7] Es en esta

sociedad en la que estallará cualquier eventual crisis de sobreproducción mundial, tomando

a la mayor parte de sus componentes sociales, es decir los asalariados, en un estado de total

falta de preparación "subjetiva" y por tanto política.

Una de las principales consecuencias y manifestaciones de "la acumulación sin

ruptura" es por supuesto el nivel alcanzado y los mecanismos engendrados por la

acumulación de capital de préstamo a interés, que se valoriza exteriormente a la

producción de valor y plusvalor, sin salir de la esfera de los mercados financieros.[8] La

fuerza económica y social del capital de inversión financiera es consecuencia directa de la

duradera falta de ruptura en la acumulación. No hay que olvidar que una de las primeras

causas de la reaparición de este tipo de capital a fin de los años 1960 fue el aumento de las

ganancias no reinvertidas en la producción directa de valor y plusvalor. Era preciso que

tales capitales no quedaran "ociosos" y fue necesario abrirles posibilidades de valorización

como capital de préstamo. Fue la función jugada transitoriamente por el mercado de

eurodólares offshore en la City, hasta que la liberalización financiera orquestada desde

Washington sentara las bases de los mercados de activos planetarios. Las otras dos grandes

fuentes de acumulación de un capital que viene a compartir la plusvalía manteniéndose

fuera de la producción han sido (y siguen siendo) la renta basada en las fuentes de energía o

de materias primas, con la renta petrolera a la cabeza, y los fondos acumulados en títulos de

los sistemas de jubilación privada. Mientras más importante pasó a ser la concentración del

capital de préstamo a interés, especialmente en los Estados Unidos, más crucial se volvió

garantizarle condiciones que le permitiesen concretar su pretensión de compartir la

plusvalía, cuya masa debería estar en constante aumento. Una política monetaria

consistente en tasas de interés bajas e inyecciones de liquidez ante cada sobresalto

financiero pasó a ser el principal sino el único instrumento de política macroeconómica.

La nueva configuración de la dominación mundial del capital y sus contradicciones

Page 18: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

18

El segundo gran factor en el que es preciso detenerse, son los cambios en la

configuración geoeconómica de la dominación del capital, comenzando por la identidad de

los países y los sitios precisos donde se efectúan la acumulación del capital productivo y la

extracción del plusvalor. Comentando el debate sobre el "intercambio desigual", Louis Gill

sostenía no hace mucho tiempo (su libro es de 1996) que

para que exista transferencia de plusvalor mediante el cambio, es preciso primero

que exista producción de plusvalor. Pero la masa de plusvalor producida en los países

subdesarrollados es débil porque su productividad es débil. La fuente principal de la

acumulación a escala mundial se encuentra allí donde la productividad es más elevada, en

los países capitalistas industrializados y no en los países subdesarrollados.[9]

Ya no es así. Por supuesto, siguen siendo los países capitalistas avanzados (y sobre

todo los Estados Unidos) los lugares en donde la tasa de plusvalía, entendida como

diferencia entre el tiempo de trabajo necesario para la reproducción de la fuerza de trabajo

y el tiempo efectivamente trabajado, es la más elevada del mundo. La productividad del

trabajo es muy alta y el tiempo de trabajo necesario muy bajo, y una de las razones de esto

es la importación masiva de muy baratos "bienes salarios" (los que entran en el costo de

reproducción de la fuerza de trabajo). Pero si consideramos el cuadro en términos de masa

y no de tasa, la mayor parte de la plusvalía que permite la reproducción del capital ahora

proviene de Asia y sobre todo de China.

Lo que ha cambiado en poco más de una década en estos países y los ha hecho tan

atractivos al capital extranjero es lo que Marx denominaba en las indagaciones expuestas en

el primer tomo del El capital "el precio proporcional del trabajo", refiriéndose a su precio

en comparación con la plusvalía o con el valor de lo producido. En Asia, el precio

proporcional del trabajo bajó, a medida que al efecto de la duración y la intensidad del

trabajo se le sumó el del aumento de la productividad por la modernización del

equipamiento, lo que fue estimulado y parcialmente asegurado por la presencia de grupos

industriales extranjeros, pero también por inversiones autónomas.[10]

Durante la primera mitad de los años 1990 se dio un primer desplazamiento de la

acumulación hacia Asia, principalmente hacia Corea y Taiwán, pero también a Singapur y

otros países cuya vulnerabilidad se reveló durante el curso de la "crisis asiática" de 1997-

Page 19: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

19

1998. Después de esa fecha, tomaron la posta China y, en menor medida, también la India

en determinadas industrias y con grandes interrogantes.

Hay que considerar la distancia recorrida desde hace un siglo. En el momento en

que se elaboró la teoría "clásica" del imperialismo en sus diferentes versiones, China estaba

sometida a un estatus semicolonial y la India a una dominación imperial que exigían una

importante ocupación militar permanente. Hoy, en condiciones políticas y grados

diferentes, ambas entidades constituyen elementos centrales en el funcionamiento de la

economía mundial. No es preciso decidir si corresponde o no darles el estatus de potencias

económicas de primera línea, o decir si dominarán o no el siglo XXI, para comprender que

la plena incorporación de estos dos países-continentes a la economía mundial, y en

particular la de China, impone dejar de lado los análisis ordenados a partir de un solo país,

aunque sea todavía el más poderoso. Lo seguro es que China no se hubiese transformado

tan rápido y en tal escala en "la fábrica del mundo" sin el movimiento masivo de

deslocalización de la producción de las mayores empresas estadounidenses y luego

japonesas y sin la tercerización internacional masiva organizada por las grandes

distribuidoras de características casi industriales, como Wal-Mart.

Las relaciones económicas y políticas de la época de la "globalización" deben ser

consideradas, más que nunca, como "articulaciones de una totalidad, diferenciaciones en el

interior de una unidad"[11]. Hasta comienzos de los años 2000, todavía se podían hacer

análisis colocando a los Estados Unidos en el centro de las relaciones jerarquizadas

constitutivas de la mundialización, concediéndole incluso un lugar aparte, el de potencia

hegemónica en el sentido fuerte de la palabra. Ya no. Los Estados Unidos estuvieron en el

origen de la mundialización del capital contemporáneo y fueron en gran medida los

arquitectos del correspondiente régimen institucional. Pero ahora ya no son más que uno de

los elementos constitutivos centrales, uno de los polos, pero no el único. El análisis del

movimiento de acumulación, de sus contradicciones y de su crisis debe hacerse

concediendo todo su lugar al que tal vez ya sea, en la configuración actual, su piedra

angular: China. Los Estados Unidos siguen disponiendo de potentes palancas económicas y

políticas, la más importante de las cuales es el rol que conserva aún el dólar. Pero la crisis

en gestación debe ser pensada en un marco donde Asia ha pasado a ser un componente

esencial.[12]

Page 20: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

20

El Asia industrializada (economías enteras como las de Corea o Taiwán, o los

grandes polos industriales de China y la India) aseguró una longevidad suplementaria a la

larga fase de acumulación sin ruptura. Pero contradictoriamente, y debido a las condiciones

en que funciona la economía mundial, sembró algunos gérmenes de la crisis actual. La

plena integración de China a la economía mundial y también la de la India, tuvieron como

efecto poner en competencia directa a los trabajadores de todo el mundo. Desde hace dos o

tres años los bancos de inversiones vienen multiplicando los análisis referidos a la

"duplicación de la oferta de trabajo mundial debido a la entrada en la globalización de

China y la India" y a sus efectos sobre los salarios, los precios y las perspectivas de

ganancia. Pero la transformación de China en "fábrica del mundo" y de la India en país de

relocalización de las actividades de servicios informáticos y de producción de

computadoras han tenido una contrapartida muy importante, tanto en la economía real

como en el dominio financiero.

El redespliegue de las inversiones de los grupos industriales de los países de la

Tríada (EE.UU., Europa, Japón) y la importación de mercancías baratas producidas en

China y otros lugares de Asia dieron un fuerte apoyo (y en algunos casos llegaron a

sustituir) a políticas económicas y presupuestarias (en el caso de los Estados Unidos,

política monetaria) dirigidas a contener los salarios. En muchos sectores industriales, los

precios de los "bienes salarios" de origen industrial cayeron tanto que las empresas

enfrentaron una situación casi deflacionista y fueron "acogotadas" (y con ellas sus

asalariados). En Alemania el efecto depresivo del estancamiento e incluso la baja de los

salarios reales en la demanda y la actividad económica interna terminó siendo compensado

por el aumento de las exportaciones. En otras partes, fue al endeudamiento o a las medidas

fiscales a lo que recurrieron los gobiernos para sostener el empleo. El resultado fue en gran

medida insignificante debido a la magnitud de las importaciones. Las medidas aplicadas

alentaron sobre todo el alza artificial de los activos financieros y patrimoniales que termina

actualmente.

Pero poner en competencia directa a los trabajadores tuvo también repercusiones

muy importantes en la esfera financiera, especialmente con la baja de las tasas de interés a

largo plazo. Michel Aglietta dice que nació un "régimen financiero con tendencia

deflacionista"[13], que condujo al aumento de las inversiones especulativas. Los fondos de

Page 21: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

21

colocación financiera, pero también los bancos, se lanzaron en una fuga hacia adelante en

operaciones cada vez más riesgosas con activos cada vez más "opacos", es decir ficticios.

Paralelamente, se asistió a la acumulación de excedentes comerciales y de reservas en

divisas -principalmente dólares- por los países asiáticos, pero también por países que son

grandes proveedores de materias primas. Estos excedentes fueron colocadas en bono del

Tesoro y en acciones y obligaciones privadas (entre ellas, los créditos hipotecarios). Los

Estados Unidos pudieron dejar que se acumularan los déficits externos y financiar sus

guerras al mismo tiempo que la administración Bush se permitía seguir bajando los

impuestos. Pero los excedentes fueron también una fuente de la creación de "liquideces" y

de financiamiento de operaciones especulativas de alto rendimiento. Hoy la economía

capitalista está mundializada como campo de valorización del capital y terreno de

competencia entre los trabajadores. Pero todavía no lo está en un terreno crítico, el de la

moneda, las políticas monetarias y las decisiones de los bancos centrales; en esto sigue

siendo "transnacional", es decir marcada por las decisiones soberanas de los países más

fuertes. En el terreno monetario, las relaciones actuales entre el dólar, el euro, la libra

esterlina, el yen y ahora la moneda china el yuan son en gran medida "no cooperativas",

para utilizar una expresión de moda. Lo que es, potencialmente, un factor de aceleración de

la crisis.

Desde 1982: crisis financieras a repetición

La acumulación de capitales que buscan valorizarse como capital-dinero a interés y

el crecimiento y complejidad cada vez mayor de los mercados financieros conllevan crisis

multiformes propias de las finanzas. El lugar ocupado por lo que frecuentemente se

denomina el "capital financiero" (al que prefiero denominar "capital-dinero concentrado" o

"capital de colocación financiero") torna prácticamente seguro que las primeras fases de

cualquier eventual crisis de superproducción pasarán por los mercados financieros y la

acumulación de préstamos y deudas. La liberalización y la mundialización financieras

estuvieron continuamente jalonadas por crisis y sobresaltos menores. Debido al rol jugado

por el alza de las tasas de interés norteamericanas y por el dólar en la creación de las

condiciones para la dominación de las finanzas en la acumulación, el primer episodio fue la

crisis mexicana de 1982. Fue el punto de partida de la crisis de la deuda del tercer mundo,

especialmente en América latina en países dirigido por clases dominantes parasitarias

Page 22: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

22

desprovistas de renta petrolera. Pero incluso en los Estados Unidos, las quiebras bancarias

(Penn Square, Seattle First Bank, Continental Illinois) jalonan la primera mitad de la

década de 1980. Luego, los choques y sobresaltos financieros continuaron a medida que la

masa de capital ficticio en busca de valorizarse se incrementó y las formas de colocación y

especulación se multiplicaron y diversificaron. Se dio el crack bursátil de mediana amplitud

de Wall Street en 1987. Fue seguido en 1989 por la quiebra y salvataje de las cajas de

ahorro norteamericana (loan and savings) que marcó el debut de una primera crisis mundial

inmobiliaria. Su punto culminante es el crack del Nikkei y del sector inmobiliario en Japón,

cuyas consecuencias realmente nunca desaparecieron, pese a que la potencia de los grupos

industriales fue salvaguardada mediante su implantación en los Estados Unidos y en China.

El estallido de esta primera burbuja inmobiliaria internacional en 1990 provocó una

recesión, caracterizada por algunos economistas como "financiera" para subrayar que su

causa era cierta forma de especulación.

Al comienzo de los años 1990 se vieron también graves crisis en los mercados

cambiarios de Europa, provocados por el capital-dinero concentrado de los inversores

institucionales. Estas crisis les permitieron lograr ganancias especulativas, imponiendo al

mismo tiempo políticas económicas centradas en "el manejo de la inflación", garantizado

por el Banco Central Europeo según los tratados de Maastricht y de Amsterdam. Estos años

fueron marcados sobre todo por el desplazamiento temporario de las crisis financieras y las

recesiones nacionales que las acompañaban hacia la zona periférica del capitalismo

mundial (donde se encontraban las economías y los mercados financieros llamados

"emergentes"). Así se asistió primero a la muy grave segunda crisis de la deuda en México

en 1995, con repercusiones sobre la producción estadounidense, pese a la intervención

rápida de la Fed (Banco Central de los Estados Unidos ) y del Departamento del Tesoro. El

episodio siguiente tuvo como escenario al Asia. Lo que se ha llamado la "crisis asiática",

desarrollada entre junio de 1997 y los primeros meses de 1998, tocó fuertemente a siete

economías y tuvo efectos en muchos otros países. Fue inmediatamente sucedida por la

crisis rusa, antes de tener fuertes impactos en Brasil y la Argentina, tras provocar la quiebra

y exigir el salvataje en octubre de 1992 de un gran fondo especulativo (un hedge fund) con

base en Nueva York, el Long Term Capital Management. La importancia de la crisis

asiática es que la propagación de la crisis se produjo por la transmisión de la contracción de

Page 23: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

23

la producción y del empleo desde los países en los que se produjo la crisis financiera hacia

otras economías. Esto se dio a través del comercio internacional. En el caso del Sudeste

Asiático, la crisis afectó sobre todo los intercambios intrarregionales de productos

complementarios y menos a las exportaciones de productos directamente competitivos.

Pero en el caso de Corea, en octubre de 1997, se asistió a una crisis financiera que reveló

una fuerte sobreacumulación y desembocó en una verdadera crisis de superproducción con

repercusiones mundiales.

Por primera vez desde los años 1930, se conformó a fines de 1997 una situación de

deflación, es decir de baja de precios y de competencia salvaje entre exportadores de

algunas categorías específicas de mercancías. Hubo también un momento de crisis bursátil.

Tocó a las principales bolsas asiáticas, especialmente Hong Kong, donde el hundimiento de

las cotizaciones provocó un comienzo de contagio bursátil a la baja realmente mundial.

Durante dos días (27 y 28 de octubre de 1997), las acciones cayeron fuertemente en Nueva

York, y la caída se extendió hacia Europa.

Completemos por ahora la cronología volviendo a los Estados Unidos en la fase

expansiva del ciclo de la "Nueva Economía" de 1998-2001. En este momento se completó

el montaje del actual régimen de "gobierno de empresa", que hace del "valor accionarial" el

objetivo prioritario de las firmas (con los stock-options como estímulo para los ejecutivos).

Los capitales de los inversores institucionales refluyeron desde Asia hacia sus bases de

origen. Las dos bolsas de Nueva York, el NYSE y el Nasdaq (especializado en las acciones

de las firmas de "alta tecnología"), volvieron a ser el principal terreno de operación de los

inversores financieros y de los managers "de nuevo estilo" cuya personificación fueron los

ejecutivos de Enron. El "valor accionarial" no exige solamente un reparto de las ganancias

que prioriza los dividendos. Supone también mantener las cotizaciones de la bolsa en un

nivel alto. Los grupos industriales pasaron a comprar sus propias acciones, endeudándose

en el mercado de préstamos. Las adquisiciones de las firmas más débiles fueron financiadas

por intercambios de títulos con precios que no tenían ninguna relación con su valor real.

Cuando la "burbuja Internet" estalló a comienzos de 2001, el Nasdaq conoció un verdadero

crack mientras que el NYSE sufrió una seria caída y se mantuvo en niveles bajos hasta

fines de 2002. Incluso las empresas que no corrieron la misma suerte que Enron o Vivendi,

quedaron muy endeudadas y siguieron estándolo hasta 2003 o incluso 2004. Las opciones y

Page 24: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

24

medidas tomadas por el gobierno de los Estados Unidos para contener los efectos del crack

del Nasdaq y apoyar aún más que antes al sector inmobiliario, sembraron la semilla de la

crisis financiera que ahora vemos y privaron también al actual presidente de la Fed de

medios de acción efectivos.

Los mecanismos de propagación de la crisis

Es preciso regresar a 2007 para precisar el punto de inflexión de la coyuntura

estadounidense e identificar los mecanismos de propagación de la crisis financiera desatada

en agosto.

El primer mecanismo de propagación es interno a la economía norteamericana.

Tiene como origen el estallido de una burbuja inmobiliaria que se formó progresivamente

desde 2004. Comenzó afectando la actividad económica estadounidense en el sector de la

construcción, pero también a la economía en general. El ritmo de la creación neta de

empleos cayó en promedio mensual de 189.000 en el 2006 a 118.000 en el curso de los

meses de agosto-septiembre-octubre.[14] Implicó la quiebra de algunas sociedades

financieras, de dos tipos: las sociedades de préstamo hipotecario y las especializadas en la

actividad de titulización de préstamos hipotecarios riesgosos, su compra y su reventa

(explicaremos mas adelante en que consiste esta titulización). Hablar de "burbuja

inmobiliaria" se justifica porque casas y departamentos no representan sólo un valor de uso

para el propietario, sino también un "activo financiero", que se compra pensando en

revenderlo y que sirve de garantía para otros préstamos. En el origen de una burbuja se

encuentra siempre, junto con candidatos a especuladores que tienen dinero para colocar,

procesos que alientan la idea de "buena colocación" de bienes patrimoniales -títulos

financieros, departamentos o casas- a ser comprados para revenderlos con ganancia segura

y alta rentabilidad. Una vez que este convencimiento colectivo (siempre con carácter "de

manada") toma cuerpo, comienza un alza de precios de los activos implicados que impone

durante cierto tiempo un proceso de autorrealización. La suba de los precios atrae nuevos

compradores cuya llegada empuja los precios aún más arriba. En el caso de los títulos de

empresas (acciones u obligaciones privadas) esto dura hasta que se dé un cambio de

coyuntura como resultado de la marcha lenta de las inversiones o del consumo o de un

choque exterior, que rompa la inercia de los inversores y los empuje a deshacerse de los

títulos más expuestos. En el caso del sector inmobiliario, el momento en que termina la

Page 25: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

25

suba de precios proviene de la saturación de la demanda, el grado de sobreinversión

resultante de "anticipaciones" excesivamente optimista de los promotores inmobiliarios y

también de la simple disminución del crecimiento de los ingresos en los hogares.

En los Estados Unidos, la utilización de la casa individual como activo financiero

viene de lejos. En el curso de la última década y a despecho del mundo bursátil, las

plusvalías realizadas con la compra y venta de casas de habitación individuales fueron la

primera fuente (60%) de enriquecimiento patrimonial de los hogares estadounidenses y las

plusvalías bursátiles (20%) ocuparon la segunda posición. La práctica de préstamos

hipotecarios se generalizó desde hace mucho, pero también y de manera aún mas

importante la de titulización de los préstamos hipotecarios poseídos por los bancos. Sobre

este dispositivo descansa el sueño americano (más exactamente, el mecanismo de

estabilidad social) de acceso a la propiedad de la vivienda. Por eso en 2002 el sector

inmobiliario fue elegido por la Fed y el gobierno federal para relanzar la actividad

económica. A medida que la burbuja inmobiliaria se formó, los préstamos hipotecarios ya

no fueron ofrecidos solamente a los hogares que disponían de ingreso relativamente altos y

estables, sino también a los que no estaban en esa situación. La desregulación acelerada de

los años 1990 y 2000 permitió el florecimiento de sociedades de préstamos hipotecarios

independientes (que hoy la Fed reconoce no poder controlar y ni siquiera supervisar). Son

las que están directamente en el origen del mercado de préstamos "subprime" (literalmente

"inferiores a la norma de calidad"). Pero para que no sólo fuesen acordados préstamos de

riesgo muy frágiles y dudosos, sino también que fueran revendidos, era preciso que las

sociedad de préstamo hipotecario independientes encontraran sociedades financieras

robustas (al menos aparentemente) frente a las cuales pudiesen titulizar los contratos que

habían hecho firmar. Y los fondos especulativos de alto riesgo (los hedge funds), en general

filiales de grandes bancos de inversión o grandes bancos comerciales, aceptaron hacerlo.

Estos fondos y sus sociedades madres no son sólo norteamericanos, sino también

extranjeros. Esto es lo que provocó un proceso de la rápida propagación de una crisis

realmente mundial con el sistema financiero como escenario.

¿Por qué los fondos de colocación especulativos ocuparon un lugar cada vez más

importante desde 2002-2003? Debido al débil rendimiento de las obligaciones derivado de

la baja en las tasas de interés, así como al estrechamiento de los mercados de acciones

Page 26: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

26

(achicamiento relativo, en relación a la masa de "liquideces" que buscaban valorizarse), los

inversores institucionales adoptaron y propusieron a sus clientes lo que se llama una

"gestión dual". Por un lado constituyeron carteras de "gestión pasiva", para cubrir sus

costos. Por el otro delegaron la gestión activa de las colocaciones destinadas a ofrecer

rendimientos elevados, ya sea a los hedge funds (los ya existentes o los que ellos mismos

crearon), ya sea a los "fondos de fondos", especialmente de private equity, especializados

en las OPA con un fuerte efecto de palanca, que también constituyeron solos o asociándose.

Los hedge funds buscan colocaciones con rendimiento alto. Sus estrategias descansan en

palancas de préstamos muy elevados, activos de alto riesgo y una rotación muy rápida de

sus carteras. Con el 5% de los activos gestionados en el mundo, los hedge funds realizan

entre un tercio y la mitad de las transacciones diarias combinadas de Nueva York y

Londres. El ingreso de nuevos actores en la industria de inversiones financieras en un

contexto de liquideces masivas (cuya causa se explica más adelante) exacerbó la

competencia. Se asistió entonces a la creación de instrumentos de colocación cada vez más

complejos, generalmente basados en la titulización y la creación de lo que la jerga

denomina los "productos sintéticos" en los que se realiza un "empaquetamiento" de

acreencias de origen y fiabilidad muy distintos. Son los RMBS (residential mortgage

backed securities), es decir los títulos adosados a préstamos inmobiliarios; los CDS (credit

default swaps) que son derivados de créditos que implican transferencias a través de un

interés del riesgo ligado a la tenencia de obligaciones de empresas; y finalmente los CDO

(collateralied debt obligation), que son "títulos derivados", es decir el resultado de dos

operaciones sucesivas de titulización. Como pudo verse desde agosto, estos títulos

mantenidos en "gestión dinámica" por los bancos contenían generalmente acreencias

hipotecarias insolventes.

La desregulación del crédito interbancario

La quiebra en julio del 2007 de dos fondos de riesgo de la banca de inversiones

neoyorquina Bear Stearns fue seguida el 4 de agosto por el anuncio de que el banco

regional alemán IKW estaba en grandes dificultades y el Ministerio de Finanzas había

intervenido para su salvataje. Después se anunció, el 9 de agosto, que BNP-Paribas había

congelado tres fondos de riesgo invertidos en subprime, para detener el retiro de los

capitales allí colocados por los inversores. La sacudida siguientes se produjo el 22 de

Page 27: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

27

agosto cuando se supo que en Nueva York tres grandes bancos habían recurrido a la

facilidad de descuento de la Fed por cuenta de sociedades financieras clientes en

dificultades, así como también que ese mismo día en Londres Barclays había sufrido el

rechazo por el HSBC del crédito interbancario llamado "over night ", usual entre bancos

para cerrar sus cuentas del día, abriendo lo que The Economist llamó una "guerra fría" entre

los mayores bancos de la City. Ellos saben que todos tienen inversiones en "productos

sintéticos" con títulos sin valor, aunque ignoran en qué grado ni con qué nivel de pérdidas

potenciales. La incertidumbre se tradujo en una fuerte alza a mediados de agosto del

mercado interbancario londinense (el Líbor) en el que los bancos, británicos y extranjeros,

se financian y prestan mutuamente, afectando el funcionamiento del crédito interno del

sector financiero.

En la configuración del sistema financiero de los años 2000, los fondos de inversión

y otras sociedades financieras pudieron volverse, en tiempos normales, hacia el mercado

monetario para emitir títulos de deuda de corto plazo (llamados commercial paper),

garantizados con algunos de sus activos, de ahí su nombre asset backed commercial paper

(ABCP). Después de agosto, tuvieron grandes dificultades para hacerlo. La capacidad de

obtener fondos emitiendo estos ABCP depende de la calidad de los activos a los cuales se

adosa la emisión. Hasta agosto los antes mencionados "productos sintéticos" satisfacían ese

criterio, pero ya no es así, de modo que los compradores de ABCP escasearon y el mercado

se achicó. El estrechamiento del crédito interno del sector financiero, combinado por

supuesto con la fuerte disminución de los precios del sector inmobiliario en el Reino Unido,

provocó el episodio siguiente, la situación de cuasi quiebra de Northern Rock. Durante

varios años, esta sociedad que es el quinto establecimiento de préstamos hipotecarios y el

octavo banco del sistema británico, obtuvo fuertes ganancias financieras con el ahorro de

particulares, pero sobre todo logrando muy fuertes sumas en el mercado de títulos ABCP.

Su gestión, al igual que la de las sociedades de Private Equity, se basó en "el efecto

palanca" que exige una rotación continua de préstamos elevados de corto plazo. Desde

fines de agosto los bancos y los fondos ya no quisieron conceder préstamos a Northern

Rock. El banco fue obligado a comunicarlo, provocando la primera fuga de depositantes

(bank run) en un país capitalista avanzado desde los años 1930. El Banco de Inglaterra y el

gobierno británico se vieron obligados a intervenir para evitar la quiebra. Un proceso

Page 28: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

28

análogo de estrechamiento del crédito interno del sector financiero hizo caer una amenaza

de quiebra sobre él hedge funds de capitales familiares franceses Oddo, considerado hasta

el mes de agosto como un modelo de "gestión dinámica " exitosa. La contracción del

crédito interno en el sector financiero es uno de los canales posibles de propagación de la

crisis financiera hacia los mercados bursátiles, pues los hedge funds en dificultades, pero

poseedores de una cartera de acciones, podrían verse obligados a venderlas. Después de

agosto es sobre todo la caída de las cotizaciones de los bancos en su calidad de sociedades

cotizantes en Bolsa lo que provocó la caída de los índices bursátiles. Las dificultades que

conocieron fondos especulativos importantes acentuaron también las de los bancos.

Hipertrofia de los mercados de activos, acumulación de deudas y teoría del

capital ficticio

Si hiciera falta un hilo conductor para caracterizar la historia económica de los

países capitalistas industriales avanzados durante las tres últimas décadas, sería el de la

acumulación de un monto extremadamente elevado de capital ficticio y la modificación de

las políticas económicas y políticas para asegurar su mantenimiento. En este período y

debido a la misma acumulación, se han producido cambios profundos en la composición

del capital ficticio, en el sentido de un continuo aumento del carácter puramente ilusorio,

imaginario, de los títulos que componen ese capital y que deben liberar "ganancias", así

como de los peligros cada vez mayores que su emisión y su intercambio hacen pesar sobre

el sistema financiero mundializado. Los mismos defensores de este sistema hablan de "fuga

hacia adelante" y de decisiones que permitieron "que el genio se escape de la botella",

etcétera.

La categoría de "capital ficticio" se encuentra únicamente en Marx. Esboza sus

contornos cuando escribe sobre el capital de préstamo a interés, pero también cuando

examina la actividad de creación de crédito por los bancos. El término define la naturaleza

de los títulos emitidos en contrapartida de préstamos a las entidades públicas o empresas

(las obligaciones), o en reconocimiento a la participación en el financiamiento

(generalmente inicial) del capital de una empresa (las acciones).

El contenido económico de estos títulos está dado por la pretensión de participar en

la distribución de la ganancia (en una magnitud fijada por normas referidas al valor de las

acciones) o a obtener beneficios vía el servicio de la deuda pública y la redistribución de

Page 29: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

29

ingresos centralizados impositivamente.[15] Para sus poseedores estos títulos, que pueden

ser negociables en cualquier momento en mercados especializados, representan un

"capital", del que se espera un rendimiento regular bajo la forma de intereses y dividendos

(una "capitalización"). Vistos desde el ángulo del movimiento de capital productivo de

valor y plusvalor, tales títulos no son capital, en el mejor de los casos son el "recuerdo" de

una lejana inversión; pero para sus poseedores son un "capital", no solamente por la

apropiación de valor que posibilitan, sino por la posibilidad de cederlos en los mercados

financieros y recuperar sumas líquidas que pueden ser nuevamente colocadas, consumidas

o invertidas en el sentido preciso de la palabra.

El crédito creado por los bancos conlleva también una dimensión de creación de

capital ficticio, y aunque asume diversas formas y puede ser más o menos importante,

significa en definitiva que los bancos ponen a disposición de los "agentes económicos"

sumas que no tienen. Para las empresas, son sumas que les permiten ya sea esperar pagos

por venir, ya sea completar su propio capital en el momento de inversiones en actividades

creadoras de valor y plusvalor. Para los particulares a los que se concede crédito, son sumas

superiores a su ahorro y a sus ingresos corrientes que les permiten construir o comprar una

casa o comprar bienes de consumo. Las operaciones de creación de capital ficticio para las

empresas o de medios ficticios para hacer compras implican un aumento de la masa

monetaria en circulación. Son también un factor de riesgo. Los créditos creados

necesariamente sobrepasan ampliamente el monto de las sumas depositadas en los bancos

(cuya principal fuente en los países capitalistas avanzados es hoy el depósito de los salarios

mensualizados): la cuestión es saber cual es la amplitud tolerable sin que el riesgo sea

excesivo. Por ambas razones, durante mucho tiempo la principal misión de los bancos

centrales fue vigilar a los bancos y controlar la amplitud de esta actividad de creación de

crédito. Haciéndolo limitaban, de hecho, el monto de capital ficticio creado en el sector

bancario.

Marx, que había advertido la importancia crucial de sistema de crédito para la

fluidez de la producción, subrayó también que existían fuerzas que dificultaban su control:

No solamente la mayor parte de los activos de los bancos es ficticio, puesto que está

compuesto por títulos y esta clase de riqueza en dinero imaginario constituye una parte

Page 30: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

30

considerable no sólo de la riqueza en dinero de los particulares, sino también, como ya

hemos dicho, de los banqueros.[16]

Pero además

Al desarrollarse el capital a interés y el sistema de crédito, parece duplicarse y a

veces triplicarse todo el capital por el diverso modo a como el mismo capital o simplemente

el mismo título de deuda aparece en distintas manos bajo distintas formas.

Y precisa:

La mayor parte de este "capital-dinero" es puramente ficticio. Todos los depósitos

con excepción del fondo de reserva, no son más que saldos en poder del banquero, pero no

existen nunca en depósito. Cuando sirven para las operaciones de giros, funcionan como

capital para el banquero, una vez que éste los presta. Los banqueros se pagan

recíprocamente las mutuas asignaciones sobre los depósitos no existentes mediante

operaciones de descargo en estos saldos.[17]

La acumulación de títulos y acreencias que ha tenido lugar desde hace casi cuarenta

años fue inicialmente resultado por así decirlo mecánico del proceso en que intereses y

dividendos pasaban a ser colocados en nuevos títulos. Y dado que el carácter ficticio de esta

forma de capital no anula, sino que por el contrario exacerba su peso económico, político y

social, el aumento del "poder de las finanzas" contribuyó a reforzar el conjunto de los

mecanismos conducentes a la acentuación de la desigualdad de ingresos, alimentando un

flujo continuo de sumas en busca de colocación.

Estas sumas llegaron del conjunto del mundo y se incrementaron aún más con el

reflujo en 1997-98 de los capitales que estaban colocados en Asia. El aumento de la masa

de capitales a colocar o recolocar provocó ulteriores desarrollos. En primer lugar, los

inversores financieros, comenzando por los inversores institucionales, ya no se

conformaron con el rendimiento de sus carteras en intereses y dividendos. Ellos pasaron,

para satisfacer las normas del "corporate gobernance" a una gestión llamada de "total

return" en la cual el monto de las ganancias resultantes de la venta o del intercambio de

títulos con alta cotización bursátil pasó a ser un elemento decisivo, e incluso el más

decisivo para la evaluación de la performance de los administradores. Los grupos

industriales comenzaron a recomprar sus títulos en Bolsa para sostener su valor y

obtuvieron los fondos para tal inversión endeudándose. Este disparate es la expresión de

Page 31: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

31

una situación en que las exigencias de acumulación de capital ficticio se imponen por

encima de las del capital orientado hacia la puesta en marcha del trabajo asalariado y la

apropiación de plustrabajo.

La titulización y la naturaleza de las ganancias obtenidas en la esfera financiera

El "total return" no fue más que una etapa. Con la atonía de los mercados bursátiles

después de 2001-2002 y la caída de las tasas de interés a mediano y largo plazo provocada

por los efectos inflacionistas nacidos con la crisis asiática y luego por el monto cada vez

más elevado de los excedentes comerciales y las reservas cambiarias de China, de India e

incluso de Brasil en busca de colocación, los inversores institucionales adoptaron la

"gestión dual", como explicamos. E hicieron que los hedge funds, tratados con mucha

desconfianza tras el salvataje obligado de LTCM, pasaran a ser instituciones "respetables"

cuyos resultados de rendimiento para los inversores fueron esperados y admirados. Nadie lo

objetó. ¿Por qué? Porque los inversores financieros, así como también los bancos centrales,

creyeron tener finalmente una técnica milagrosa que garantizaba al sistema bancario contra

el riesgo: la titulización generalizada. ¿Qué es esta titulización (en francés "titrisation",

aunque la expresión original en inglés es "securitization")? Pues consiste en "transformar

las acreencias en manos de establecimientos de crédito, sociedades financieras, compañías

de seguros o sociedades comerciales (las cuentas-cliente) en títulos negociables"[18]. Estos

títulos tienen nombres estrafalarios pero es obligado mencionarlos. Están en primer lugar

los RMDS (resiential mortgage backed securities), adosados a los préstamos inmobiliarios.

Se encuentran luego los CDS (credit default swaps), derivados de crédito que conllevan la

transferencia con intereses y elevadas comisiones del riesgo ligado a la posesión de

obligaciones de empresas (estos CDS eran instrumentos de cobertura de riesgo, pero

pasaron a ser instrumentos de colocación especulativa). Están finalmente los CDO

(collateralized debt obligations), que son "títulos derivados de títulos" que suponen dos

operaciones sucesivas de titulización y una total opacidad sobre la composición del

"producto sintético". Han jugado un rol muy importante en la marcha de la crisis.

El autor del pequeño léxico del que tomé la definición de titulización agrega que

esta técnica presenta múltiples ventajas:

brinda la oportunidad de diversificar las fuentes de financiamiento, la transferencia

a terceros de la gestión de los reembolsos anticipados y por lo tanto del riesgo de la tasa de

Page 32: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

32

refinanciamiento, el respeto de las porcentajes de solvencia bancaria (ratio Cooke) y la

creación de un nuevo producto financiero que pasa a ser negociable en un mercado.

Y concluye:

el advenimiento de la titulización constituye una revolución financiera fundamental

en la medida en que esta técnica representa la generalización de la transferencia de los

riegos a quienes están en mejores condiciones de asumirlos.[19]

Son palabras que reflejan la opinión casi unánime de los profesionales de las

finanzas, que siguen proclamando que no hay que cuestionar la titulización. Pero como lo

ha mostrado el curso de la crisis hipotecaria y su transformación en crisis de liquidez del

sistema financiero, es un espejismo creer que existirían prestamistas "en mejores

condiciones de asumir el riesgo" asegurando la perennidad de la cadena de créditos

transferidos en cascada. Lo único que hay son fondos dispuestos a asumir riesgos más

elevado que otros en el marco de un sistema extraordinariamente opaco, desprovisto del

cualquier mecanismo de regulación y alimentado por la "sobreliquidez" de capital ficticio y

que, en determinado momento, ya no encuentran a nadie sobre quien descargarse.

Las "ventajas" que se atribuyen a la titulización parecen responder como un eco a la

cita de Marx que antes hicimos. Y una de estas "ventajas", completamente contemporánea,

tiene que ver con la utilización de la titulización por los bancos para evadir (aunque

respetando formalmente) las reglas que el Banco de Reglements Internacionales (BRI)

intentó montar, especialmente en lo referido a los niveles mínimos de fondos propios. La

titulización permitió que los bancos colocaran en una contabilidad paralela, llamada "fuera

de balance", un monto cada vez más elevados de acreencias. La incertidumbre relativa a la

dimensión de estos compromisos fuera de contabilidad formal es una de las causas de

inquietud de los especialistas en cuanto la posibilidad de que se produzca un "crédit

crunch" en el sentido fuerte, es decir una contracción del crédito a la economía. El recurso

a la titulización así como la filialización por los bancos de los fondos riesgosos es una etapa

más en la desespecialización de los bancos desde que la liberalización financiera puso fin a

su primacía en materia de préstamos a las empresas. Bajo efectos de la competencia de los

fondos de pensión y de los mutual funds, los bancos se lanzaron a préstamos remunerativos

pero cada vez más riesgosos. Estuvieron en el corazón de la crisis hipotecaria de 1990-92.

Luego se hicieron cargo del refinanciamiento de los créditos bancarios emitidos en los

Page 33: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

33

países del sudeste asiático hasta retirarse brutalmente en 1997, con pérdidas en algunos

casos, especialmente en Indonesia. Después del 2004, se lanzaron a los mercados de efectos

titulizados por intermedio de filiales de alto riesgo. Y hoy están tocados por el estallido de

la burbuja inmobiliaria.

Queda por abordar un último aspecto de los cambios que tuvieron lugar en la

composición del capital ficticio en estos veinte años: la aparición, al lado de la búsqueda de

intereses y de dividendos, de lo que se puede llamar "ganancias ficticias". Venían de antes,

pero con un rol muy secundario. Es lo que expresaba el término "windfall profits" utilizado

en los años 1920-1930 para designar las ganancias resultantes de especulaciones bursátiles

exitosas. Las "ganancias ficticias " se oponen a las "acreencias fuertes " asociadas a la

acumulación de capital-dinero a interés, es decir con pretensiones de llegar a compartir el

valor y plusvalor bajo la forma de pago de intereses sobre los préstamos al estado y

dividendos a que alude la expresión "dictadura de los acreedores". Las "acreencias fuertes"

están asentadas sobre mecanismos económicos y medios de coerción política que

garantizan su efectividad excepto en caso de muy grandes crisis, guerras o revoluciones

(por ejemplo, los "títulos rusos" perdidos en 1917). Se está ante "capital ficticio" en el

sentido ya explicado (capital para los poseedores de títulos, vestigio de inversiones pasadas

desde el punto de vista del movimiento de acumulación propiamente dicho), pero posibilita

transferencia de valor y de plusvalor hacia grupos sociales con rasgos parasitarios que no

son para nada de ficticios. En el momento de los cracks financieros, el carácter ficticio de

los títulos se descubre a expensas de su poseedores. Pero hasta entonces, son instrumentos

de transferencias muy reales, que modifican la distribución del ingreso y que pesan sobre

las inversiones.

La otra gran forma de acreencias que da lugar a una transferencia efectiva de

ingresos, tomado sobre los salarios para los préstamos a los particulares y sobre las

ganancias para los préstamos a las empresas, es la que nace del crédito. La fuerza de estas

acreencias es menor, a veces muy débil. La capacidad de los acreedores de imponer el pago

tiene límites. Así lo prueban las "acreencias dudosas" que exigen precauciones especiales

por parte de los bancos, pues la quiebra de los deudores ocasiona verdaderas pérdidas para

los prestamistas. En todo caso, lo novedoso fue la aparición (desde mediados de los años

1990 y más aceleradamente a partir de 2001) junto a las acciones y las obligaciones, de un

Page 34: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

34

monto cada vez más elevado de títulos cuya valorización descansa únicamente en un

proceso de circulación interno a la esfera financiera. La ficción alcanza su punto culminante

pues el "valor" de estos títulos sólo se mantiene en tanto y en cuanto su circulación no se

interrumpa, y las sociedades financieras continúen aceptándose los títulos de unas y otras

entre sí. Las "ganancias" provenientes de ocuparse de estos títulos y de la liquidación

exitosa de las deudas subyacentes son "ganancias ficticias". Con el pasaje al "total return"

y la formación de la burbuja del Nasdaq, las "ganancias ficticias" cobraron mayor

importancia. La crisis en desarrollo demuestra que la titulización pero también un conjunto

de prácticas desarrolladas por los bancos de inversiones y los "hedge funds" han relegado

esta forma a un segundo plano. En un reciente trabajo, Reinaldo Carcanholo y Paulo

Nakatani[20] atribuyen a las "ganancias ficticias" la recuperación de la curva de la tasa de

ganancia durante los años 90. Un artículo de The Economist atestigua de la importancia de

las sumas provenientes de las especulaciones y las comisiones por la gestión de las

sociedades financieras así como de su inclusión (en los Estados Unidos) en las

contabilidades bajo la rúbrica "ganancias".[21] También son incluidos por las sociedades

cotizantes en Bolsa en sus ganancias operacionales (operating earnings) y además están

incluidas en las ganancias registradas en la contabilidad nacional. Las "ganancias" sacadas

de las colocaciones y las especulaciones financieras representan el 27% de las ganancias de

las 500 sociedades del índice Standard & Poors y una tercera parte del crecimiento de las

ganancias de las sociedades norteamericanas en la última década se debería a las sociedades

financieras (todas las cifras provienen del artículo de The Economist). Pero es imposible

acordar con Carcagnolo y Nakatani cuando escriben que estas ganancias fueron un "nuevo

factor poderoso que vino a contrarrestar la baja tendencia de la tasa de ganancia". Los

factores que contrarrestaron pasajeramente la baja de la tasa de ganancia deben ser

buscados en otra parte: sólo los factores que afecten la tasa de explotación o el precio de los

elementos constitutivos del capital constante pueden hacerlo. Las "ganancias ficticias" son

una emanación de la hipertrofia financiera y están condicionadas por su extrema

vulnerabilidad. Hoy los especialistas, incluido el autor del artículo del The Economist,

esperan que caigan fuertemente provocando impactos macroeconómicos coyunturales

posiblemente serios, y por lo tanto con rebote sobre la actividad de las empresas.

Los gastados medios de acción de los bancos centrales y la rivalidad de las monedas

Page 35: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

35

La política monetaria se ha convertido en el principal medio de política económica

anticíclica. Está conducida por los bancos centrales junto con los gobiernos en todas partes,

excepto en la zona del euro donde prevalece la sacrosanta independencia del Banco Central

Europeo. Esta política descansa esencialmente en dos instrumentos: la creación de liquidez

en beneficio de los bancos o de otras sociedades financieras en dificultad y la baja de las

tasas de interés directrices que fijan el precio de los préstamos a corto plazo. Pero lo que

estos dos medios de manejo de la crisis financiera tienden a mostrar, es que los bancos

centrales han quemado sus cartuchos o tienen en el mejor de los casos cartuchos mojados.

La Fed, el Banco de Inglaterra y el Banco Central Europeo pusieron a disposición de las

sociedades financieras en dificultades créditos importantes sin lograr con esto detener la

progresión de la crisis en el seno del sistema financiero. La Fed bajó sus tasas medio punto,

lo que es una baja importante, el 18 de septiembre. La Bolsa se regocijó, pero al día

siguiente los comentadores serios explicaban que eso no tendría ningún impacto sobre el

mercado hipotecario y como máximo frenaría el proceso de contagio hacia otros sectores de

la economía norteamericana.

Estos instrumentos están gastados por dos razones: su utilización reiterada, y el

desborde de los bancos centrales por mecanismos resultantes de la mundialización

financiera. Michel Aglietta es quien da la explicación más seria del primer aspecto: son las

exigencias y los efectos del régimen del valor accionarial que llevaron a su utilización

reiterada. Vale la pena citar a Aglietta extensamente, testimoniando de paso el abandono

implícito pero impactante de las tesis que defendía en 1997 con respecto a los

encadenamientos virtuosos del "capitalismo de mañana": para mantener una ganancia alta y

regular hace falta una demanda dinámica. La misma no puede provenir de los países

emergentes, porque están en situación estructural de balanza de pagos excedente. No puede

provenir de los ingresos salariales, cuyo crecimiento es débil. Proviene de los ingresos

distribuidos a los accionistas y a la elite dirigente, pero la masa global de estos ingresos es

insuficiente para sostener una demanda agregada y creciente rápida. El capitalismo

contemporáneo encuentra la demanda que permite realizar las exigencias del valor

accionarial en el crédito a los hogares. Este proceso alcanza su paroxismo en los Estados

Unidos. Alimenta los desequilibrios financieros globales que se acumulan siguiendo una

pendiente sin contratendencia. El lazo del crédito y el principio del valor accionarial es

Page 36: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

36

estrecho. Empujando al alza de los precios de los activos patrimoniales, el crédito

desconecta el consumo del ingreso disponible.[22]

El recurso a tal procedimiento necesariamente tiene un límite. Llega el momento en

que el precio de los activos patrimoniales, sobre todo los activos inmobiliarios, ya no puede

subir, comienza a estancarse y luego a bajar, a causa de los mecanismos endógenos de todo

ciclo, especialmente los que terminan en burbuja financiera. El consumo no puede tampoco

ser relanzado indefinidamente mediante el crédito, porque el endeudamiento ya es muy

alto. El banco central quiere socorrer a sociedades financieras proveyéndoles liquideces de

urgencia y bajando la tasa de interés sobre la que todavía se apoya: pero no es suficiente, y

el movimiento hacia la recesión continúa. Así se constata tras dos meses de intervención de

la Fed bajo la dirección de Ben Bernanke, el desdichado heredero de Alan Greenspan, que

fue quien utilizó los "instrumentos de banquero central" hasta gastarlos.

El agotamiento de la eficacia de medios demasiado utilizados se conjuga con la total

pérdida del control de los bancos centrales sobre variables que tradicionalmente debían

manejar si no controlar: la cantidad de las monedas de distinto tipo en circulación. La

integración de los mercados financieros nacionales en un espacio de circulación de capital

dinero ahora mundializado en el sentido fuerte de la palabra se lo impide. Para lograrlo,

deberían desarrollar entre ellos una cooperación muy estrecha. El aumento descontrolado

de la masa de divisas y de simples escrituras que se presentan como "monedas" tuvo en

particular dos causas. La primera es lo que se llama "carry trade". Sobre todo se acusa a

Japón. El banco central fue forzado a mantener sus tasas de intereses directrices en un nivel

muy bajo con la esperanza de relanzar la demanda interna. En otras partes, las tasas fueron

más altas, siempre superiores en tres o cuatro puntos y en el caso de países como Brasil, la

distancia fue mucho mayor aún. Cualquier sociedad financiera instalada en la plaza de

Tokio, fuese japonesa o filial extranjera, tuvo la posibilidad de jugar sobre el diferencial de

remuneración del dinero para comprar activos financieros donde les resultaban muy

baratos. Como dijimos, sólo una estrecha cooperación entre los bancos centrales para poder

nivelar las tasas directrices podría terminar con esa práctica. ¡Y sería necesario mucho más

todavía para controlar el monto de las liquideces mundiales! Y aquí llegamos a la segunda

causa: el aumento de la liquidez mundial. Son las reservas, sobre todo en dólares y un poco

en otras grandes monedas, resultantes de los excedentes comerciales de los nuevos países

Page 37: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

37

industriales de Asia, de los países beneficiarios de rentas energéticas "petróleo y gas"

(mientras duren) y de los países exportadores de productos mineros y agroindustriales

(Brasil, etcétera). Su monto justificaría una cooperación entre bancos centrales que

condujese a la esterilización de una fracción muy alta de las reservas. Pero estamos lejos de

esto. Los Estados Unidos no mostraron hasta el presente ningún interés, pues las reservas

extranjeras han financiado el déficit presupuestario norteamericano y fueron incluso

llevadas a los mercados de titulización de las deudas de los particulares. Michel Aglietta da

estas cifras: sobre los 850 mil millones de dólares de capitales extranjeros que requiere el

financiamiento de la economía norteamericana, solamente 170 mil provienen de otros

bancos centrales y 680 mil de los inversores privados, 600 mil millones de ellos como

billetes de Tesorería u obligaciones en promedio, al primer trimestre del año 2006. Estos

títulos están emitidos por empresas no financieras y financieras y surgen sobre todo de la

titulización de los créditos. Los no residentes aseguran el 50% del refinanciamiento de la

deuda de los hogares. Y subraya que "esta repartición del financiamiento externo de los

Estados Unidos entre los bancos centrales y los inversores privados extranjeros es

estructural".[23]

Lejos de sentar las bases de una cooperación sobre tasas de cambio y regulación de

la liquidez global en función de las necesidades de pagos internacionales, las autoridades

políticas y monetarias de los países o de las uniones económicas con monedas importantes

se encierran en atender cada uno sus intereses o en políticas que traducen impases

institucionales profundos. Vemos algunos pocos ejemplos. La Fed bajó su tasas de interés

respondiendo a presiones internas en los Estados Unidos, la medida no tenía prácticamente

ninguna posibilidad de lograr algo más que frenar el movimiento hacia la recesión, pero

tuvo en cambio un impacto inmediato en la tasa de cambio del dólar con las otras monedas.

El alza del euro así provocada, contribuirá de rebote a propagar la recesión hacia los países

miembros de la zona euro, con el inmediato aumento de las tensiones entre esos países, que

deben enfrentar a la mundialización desde economías sensiblemente diferente. El estallido

del euro, en caso de que el Banco Central Europeo siga conduciendo una política cuyo peso

solo Alemania puede soportar, está siendo discutido abiertamente por economistas con

responsabilidades en la esfera financiera. El principal escenario de riesgo sistémico

monetario y financiero es el que podría nacer de la baja del dólar más allá de cierto umbral

Page 38: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

38

(que nadie puede adivinar). La pérdida de confianza en el dólar en los mercados financieros

internacionales obligaría a los bancos centrales de Asia a dejar de sostener la moneda

norteamericana. La especulación contra el dólar se desencadenaría.

Las interdependencias de mercado harían entonces su trabajo: alza de las tasas de

interés norteamericanas; caída de los precios de los activos en el mundo; revelación de los

sobreendeudamientos de numerosos agentes económicos en muchos países; y por lo tanto

recesión mundial por deflación de balances.[24]

La posición estratégica de Asia en el desarrollo de la crisis financiera

A fin de octubre del 2007, parecía perfilarse una desaceleración de la producción y

el empleo en los Estados Unidos, pero también en Europa. En los Estados Unidos, lo

motoriza el cambio de signo del mercado inmobiliario. Más allá del desgaste de los medios

de intervención monetarios, los efectos de la burbuja en las actividades inmobiliarias son en

todo caso mucho más amplios y mucho menos fáciles de absorber que un crack bursátil. El

servicio de estudios económicos de Goldman Sachs titula "Sector inmobiliario de los

Estados Unidos, un círculo vicioso con raíces profundas " y calcula que sus efectos durarán

varios meses. El 16 de octubre, la publicación del índice de los indicadores de las

previsiones de los profesionales (las peores desde 1985) y sobre el número de quiebras

individuales (las más numerosas desde hace 20 años), fue continuado por las declaraciones

del presidente de la Fed y del Secretario de Estado del Tesoro sobre la gravedad de la crisis

del inmobiliario privado. The Economist plantea interrogantes sobre la situación en el

sector inmobiliario de oficinas. Los operadores en la Bolsa actúan de manera

completamente irracional. El Wall Street Journal del 1 de octubre 2007 ironiza tras la suba

de cotizaciones que siguió al anuncio de las pérdidas del tercer trimestre de los bancos

Citibank y UBS, "¿qué calamidad será necesaria para hacer que los inversores comprendan

la situación?". A fin de octubre The Economist constata que "la euforia de fines de

septiembre de los inversores financieros se evaporó". La tasa de crecimiento del tercer

trimestre fue superior a lo esperado, pero en los Estados Unidos se espera un cuarto

trimestre en el que se conjuguen el efecto de la crisis inmobiliaria y de la suba del precio

del petróleo. Por esto la Fed nuevamente bajó sus tasas un cuarto punto el 31 de octubre de

2007. Europa sufre ahora los efectos no sólo de las tasas de cambio muy elevadas del euro,

sino también los de la suba del barril de petróleo y los productos alimenticios. La coyuntura

Page 39: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

39

alemana muestra signos contradictorios. En septiembre el índice de confianza de los

empresarios alemanes publicado por el instituto privado de coyuntura IFO bajó por cuarta

vez consecutiva. El choque subjetivo del anuncio de que los bancos alemanes fueron

bañados por la especulación subprime fue seguido por la disminución del consumo interno

a consecuencia del fuerte alza de los precios alimenticios y el aumento del IVA. La

economía está motorizada por las exportaciones, es decir por Asia.

Asia y sobre todo China determinarán el rumbo de la crisis financiera. Esta parte de

la economía mundial es escudriñada por los economistas de los países industriales. Buscan

mecanismos estabilizadores capaces de contrarrestar los riesgos de crisis que operan en los

Estados Unidos y Europa. Buscan también datos que confirmen o desmientan los temores

de sobreacumulación. El "modelo de crecimiento" de China es del tipo llamado "arrastrado

por las exportaciones". Más del 40% del producto interno bruto chino depende de sus

exportaciones. Desde 2005 las exportaciones netas representan la tercera parte del

crecimiento chino. Los Estados Unidos son el principal mercado de China. Se estima que el

grupo de distribución Wal-Mart, que posee una red densa de tercerización en China,

asegura cerca del 10% de las ventas chinas en el exterior, la mayor parte a los Estados

Unidos. China buscará compensar la desaceleración de la demanda norteamericana

volviéndose hacia otros mercados, pero puede llegar el momento en el que, como ocurrió

con Corea en octubre de 1997, los efectos de la sobreacumulación se transformen en factor

inmediato de propagación internacional de la crisis. Las inversiones representan el 45% del

producto interno bruto y siguen aumentando a un ritmo del 25% anual.

China tiene mecanismos de sobreacumulación específicos, de los que habla Michel

Aglietta en el libro que escribió con Laurent Berrebi. La anarquía de la competencia

inherente al capitalismo, uno de cuyos efectos clásicos es la sobreacumulación, en China

está también alimentado por las rivalidades entre los aparatos políticos de las ciudades

grandes o muy grandes y de las provincias, así como por la corrupción. A pesar de las

medidas en principio estrictas prohibiendo nuevas inversiones,

el gobierno tiene dificultad para frenar los gastos en el sector inmobiliario, las

infraestructuras camineras y nuevas construcciones de fábricas. Esta situación se debe en

parte a las provincias y a los industriales locales. Los primeros buscan afirmar su

Page 40: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

40

autonomía frente al poder central y alientan indiscriminadamente la implantación de

industrias locales, los segundos buscan aprovechar la euforia general. [25]

Los bancos, que las autoridades controlan con mucha dificultad, alimentan las

inversiones con créditos y a pesar del anuncio de que el monto de las acreencias bancarias

dudosas disminuyó, una crisis del sistema bancario es posible en cualquier momento. Con

ganas de encontrar en China los mecanismos estabilizadores que necesita el capitalismo

mundial, The Economist se tranquiliza diciendo que las inmensas reservas cambiarias

permitirán que el gobierno evite el hundimiento del sistema bancario. Pero todos los

observadores acuerdan en que el único remedio para la superproducción sería una

reorientación de la actividad económica desde un crecimiento extravertido a un crecimiento

más autocentrado. Más allá de la nueva "clase media" beneficiada por las repercusiones de

la integración de China a la economía mundial, esto supondría cambios relativos a la

libertad de organización política, el derecho de los asalariados a construir sindicatos

independientes y defender sus reivindicaciones mediante huelgas. En un libro

específicamente referido a China escrito por Michel Aglietta con Yves Landry, se recuerda

que pasada la fase de recuperación cuantitativa donde bastaba invertir para generar

crecimiento, viene la fase cualitativa donde sólo el mejoramiento de la productividad y el

reforzamiento institucional sostienen el crecimiento y lo transforman en desarrollo durable.

En esta segunda etapa, los factores clave son la educación, la valorización de la iniciativa y

la creatividad, que permiten la emergencia de nuevos modos de organización y nuevas

estructuras. La libertad de debate y la presencia de contrapoderes son entonces elementos

esenciales que dan una flexibilidad indispensable a las estructuras.

Estos autores constatan sobriamente que "China todavía está lejos".[26] El tenor de

los debates en el Congreso del Partido Comunista chino acaba de confirmarlo

estrepitosamente.

En su dossier sobre China[27], The Economist da mucha importancia a las

exportaciones chinas hacia la Unión Europea, que han comenzado a crecer más que las

dirigidas hacia América del Norte. La Unión Europea está totalmente abierta a la economía

mundial y está paralizada políticamente. Ambas cosas son mucho menos ciertas en los

Estados Unidos. Sin duda se asistirá entonces a un ascenso de medidas proteccionistas que

los enfrentarán con China. Para completar la valoración del lugar de China en la red

Page 41: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

41

mundial de mecanismos potenciales de propagación de crisis se debería incluir sus

relaciones con los países vecinos de Asia, así como también con la parte de la economía

mundial que no hemos considerado en este texto y quedará para otro artículo. Los países

que proveen a China los productos de base y los productos alimenticios que requiere, sólo

serían afectados si entrara en recesión y crisis abierta de sobreacumulación. No ocurre lo

mismo con los países que producen el mismo tipo de productos, por ejemplo textiles. Ellos,

por ejemplo Túnez y Marruecos, sufren ya de lleno la competencia de China. Incluso una

contracción limitada la capacidad de los Estados Unidos y de la Unión Europea para recibir

las importaciones provenientes de China y otros países de Asia acentuará la presión de las

mercancías asiáticas sobre ellos y agravará sus dificultades.

La hipótesis sostenida en este artículo es que la economía mundial se dirige hacia

una crisis relativamente importante. Dado que toda crisis lleva la marca del momento en

que surge y de las contradicciones características del mismo, esto es lo que el artículo

procuró aclarar. Toda crisis de cierta amplitud nos recuerda el carácter y los límites

históricos del capitalismo: seguramente tendremos más oportunidades de referirnos a ello,

sabiendo de todos modos que eso no basta para asegurar su superación.

* Destacado marxista francés, autor de numerosos libros y trabajos referidos a la

mundialización del capital, el capital financiarizado y los nuevos requerimientos teórico-

estratégicos de la lucha emancipatoria. Es miembro del Consejo Asesor de Herramienta y

uno de los editores responsables de la nueva revista Carré rouge / La brèche en cuyo Nº 1

(diciembre 2007-enero-febrero 2008) se publicó este artículo, traducido al castellano para

Herramienta por Aldo Casas.

[1] Nota del economista jefe del 5 de septiembre de 2007, en www.oecd.org

[2] Marx, El Capital, libro I, FCE t. 1, pag. 95.

[3] Es la justa expresión utilizada por Michel Aglietta en el libro escrito con Lurent Berrei

Désordres dans le capitalismo mondial, Paris, Odile Jacob, 2007.

[4] El útil libro de Suzzane de Brunhoff La monnaie chez Marx tiene ya cuarenta años.

[5] Marx, El Capital, libro III, México, FCE 1973, t. 3, pag. 484.

[6] Idem, ob. cit., Libro I, t. 1, nota al pie en la pag. 95.

Page 42: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

42

[7] Alain Bihr, La préhistoire du capital. Le devenir-monde du capitalisme I, Lausana,

Page Deux, 2006, pag. 23.

[8] François Chesnais, "La preeminence de la finance au sein du ‘capital en general’, le

capital fictif et le mouvement contemporain de mondialization du capital", en Séminaire

d’Etudes Marxistes, La finance capitaliste, Paris, PUF, 2006. [Este libro será publicado

próximamente en castellano por Ediciones Herramienta.]

[9] Louis Gill, Fondements et limites du capitalisme, Montreal, Boréal, 1996, pag. 489-90.

[10] Pongamos "el punto sobre la i". Hemos subrayado el rol de las inversiones de grupos

industriales estadounidenses y, desde la entrada de China a la OMC, también de los grupos

industriales japoneses que la convirtieron en una de sus bases industriales externas. Sin

embargo, el lugar ocupado en la economía mundial por China y en mucho menor grado por

la India no puede reducirse solamente a la "exportación" de las relaciones de producción

capitalista desde los países de la Tríada. Está basado en un proceso autóctono de

acumulación impulsado por fuerzs sociales endógenas. Lo que distingue a tales "paises-

continentes" de otros "grandes países emergentes" a los que suele aproximárselos.

[11] C. Marx, "Introducción" en Elementos fundamentales para la crítica de la economía

política (borrador) 1857-1858, vol. 1, pag. 20. Buenos Aires, Siglo XXI, 1971.

[12] Aglietta y Berrebi entienden a "la globalización como un sistema de interdependencia

multilateral en donde las potencias emergentes (es decir China y en menor grado la India)

ejercen una influencia determinante sobre las economías desarrolladas", agregando que "a

partir del giro del siglo XXI el término ‘globalización’ devino adecuado a los fenómenos

que designa" (0b. cit., pag. 8).

[13] Idem, capítulo 3.

[14] The Economist 17 -11- 2007, pág. 73)

[15] Sobre la teoría del "capital ficticio" esbozada por Marx a la que ahora toca dar pleno

desarrollo, ver mi capítulo en Seminario Marxista La finance capitaliste, op. cit.

[16] C. Marx, El Capital, Libro III, t. 3, ob. cit., pag. 449.

[17] Idem, pag. 443.

[18] Bertrand Jacquillat, Les 100 mots de la finance, Paris, PUF, 2006, pag. 91.

[19] Idem.

Page 43: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

43

[20] "Capitalismo especulativo y alternativas para América Latina", en Herramienta nº 35,

junio 2007.

[21] The Economist, 15/9/2007, pag. 88.

[22] "Le capitalisme de demain" en Notes de la Fondation Saint-Simon nº 101, noviembre

1998.

[23] M. Aglietta y L. Berrebi, Désordres... op. cit., pag. 311.

[24] Idem, pag. 382.

[25] Ibíd., op. cit. pag. 267.

[26] M. Aglietta e Yves Landry, La Chine vers la superpuissance, Paris, Economica, 2007,

pag. 66.

[27] "How fit is the panda?", The Economist 29/11/2008.

Page 44: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

44

3)"La crisis va a desenvolverse de tal modo que las primeras y realmente brutales

manifestaciones de la crisis climática mundial que hemos visto van a combinarse con

la crisis del capital en cuanto tal"

François Chesnais* ** - In Herramienta, n° 39

La tesis que voy a presentar sostiene que el año pasado se produjo una verdadera

ruptura que deja atrás una larga fase de expansión de la economía capitalista mundial; y que

esa ruptura marcó el inició de un proceso de crisis con características que son comparables

con la crisis de 1929, aunque se desarrollará en un contexto muy distinto.

Lo primero que hay que recordar es que la crisis de 1929 se desarrolló como un

proceso: un proceso que tuvo comienzo en 1929, pero cuyo punto culminante se dio

bastante después, en 1933, y que luego abrió paso a una larga fase de recesión. Digo esto

para subrayar que, en mi opinión, estamos viviendo las primeras etapas, pero realmente las

primeras, primerísimas etapas, de un proceso de esa amplitud y esa temporalidad. Y que lo

que por estos días está ocurriendo y tiene como escenario los mercados financieros de

Nueva York, de Londres y de otros grandes centros bursátiles, es solamente un aspecto -y

tal vez no sea el aspecto mas importante- de un proceso que se debe interpretar como un

proceso histórico.

Estamos frente a uno de esos momentos en los que la crisis viene a expresar los

límites históricos del sistema capitalista. No se trata de alguna versión de la teoría de "la

crisis final" del capitalismo o algo por el estilo. De lo que sí se trata, en mi opinión, es de

entender que estamos enfrentados a una situación en la que se expresan estos límites

históricos de la producción capitalista. Y aunque no quisiera aparecer como un Pastor con

su Biblia marxista, quiero leerles un pasaje de El capital:

El verdadero límite de la producción capitalista es el mismo capital; es el hecho de

que, en ella, son el capital y su propia valorización lo que constituye el punto de partida y la

meta, el motivo y el fin de la producción; el hecho de que aquí la producción sólo es

producción para el capital y no, a la inversa, los medios de producción simples medios para

ampliar cada vez más la estructura del proceso de vida de la sociedad de los productores.

De aquí que los límites dentro de los cuales tiene que moverse la conservación y

valorización del valor-capital, la cual descansa en la expropiación y depauperación de las

Page 45: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

45

grandes masas de los productores, choquen constantemente con los métodos de producción

que el capital se ve obligado a emplear para conseguir sus fines y que tienden al aumento

ilimitado de la producción, a la producción por la producción misma, al desarrollo

incondicional de las fuerzas sociales productivas del trabajo. El medio empleado -desarrollo

incondicional de las fuerzas sociales productivas- choca constantemente con el fin

perseguido, que es un fin limitado: la valorización del capital existente. Por consiguiente, si

el régimen capitalista de producción constituye un medio histórico para desarrollar la

capacidad productiva material y crear el mercado mundial correspondiente, envuelve al

propio tiempo una contradicción constante entre esta misión histórica y las condiciones

sociales de producción propias de este régimen. [1]

Bueno, seguramente hay algunas palabras que hoy ya no utilizaríamos, como esas

de "misión histórica"... Pero creo que lo que iremos viendo en los años que vendrán, se dará

precisamente sobre la base de que ya se ha creado en toda su plenitud ese mercado mundial

intuido por Marx. Es decir, tenemos un mercado y una situación mundial diferentes a las de

1929, porque en ese entonces países como China y como India eran todavía semicoloniales,

en tanto que ahora ya no tienen ese carácter; son grandes países que, más allá de que tengan

un carácter combinado que requiere un cuidadoso análisis, son ahora partícipes de pleno

derecho dentro de una economía mundial única, una economía mundial unificada en un

grado desconocido hasta esta etapa de la historia. La cita puede ayudarnos a entender el

momento actual y la crisis que se ha iniciado precisamente en este marco de un sólo

mundo.

Un nuevo tipo de crisis

En mi opinión, en esta nueva etapa, la crisis va a desenvolverse de tal modo que las

primeras y realmente brutales manifestaciones de la crisis climática mundial que hemos

visto van a combinarse con la crisis del capital en cuanto tal. Entramos en una fase que

plantea realmente una crisis de la humanidad, dentro de complejas relaciones en las que

están también los acontecimientos bélicos, pero lo más importantes es que, incluso

excluyendo el estallido de una guerra de gran amplitud que en el presente solo podría ser

una guerra atómica, estamos enfrentados a un nuevo tipo de crisis, a una combinación de

esta crisis económica que se ha iniciado con una situación en la cual la naturaleza, tratada

sin la menor contemplación y golpeada por el hombre en el marco del capitalismo,

Page 46: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

46

reacciona ahora de forma brutal. Esto es algo casi excluido de nuestras discusiones, pero

que va a imponerse como un hecho central.

Por ejemplo, muy recientemente, leyendo el trabajo de un sociólogo francés, me

enteré de que los glaciares andinos de los que fluye el agua con que se abastecen La Paz y

El Alto, están agotados en más de un 80% y se estima que dentro de quince años La Paz y

El Alto ya no tendrán agua... y sin embargo, esto es algo que nunca se trató, nunca se

discutió un hecho de tal magnitud que puede hacer que la lucha de clases en Bolivia, tal

como la conocimos, se modifique sustancialmente, por ejemplo haciendo que el tan

controvertido traslado de la capital a Sucre se imponga como algo "natural", porque se

acabe el agua en La Paz.

Estamos entrando a un período de ese tipo y el problema es que casi no se habla de

eso, mientras que en los ambientes revolucionarios se sigue discutiendo de cosas que en

este momento resultan minucias, cuestiones completamente mezquinas en comparación con

los desafíos a los que estamos enfrentados.

Límites inmanentes del capitalismo

Para seguir con la cuestión de los límites del capitalismo, quiero llamar la atención

sobre una cita de Marx, inmediatamente anterior a la ya citada: "La producción capitalista

aspira constantemente a superar estos límites inmanentes a ella, pero solo puede superarlos

recurriendo a medios que vuelven a levantar ante ella estos mismos límites todavía con

mayor fuerza".[2] Esta indicación nos introduce al análisis y a la discusión de los medios a

los que se recurrió, durante los últimos treinta años, para superar los límites inmanentes del

capital.

Esos medios han sido, en primer lugar, todo el proceso de liberalización de las

finanzas, del comercio y de la inversión, todo el proceso de destrucción de las relaciones

políticas surgidas a raíz de la crisis del 29 y de los años treinta, después de la Segunda

Guerra Mundial y de las guerras de de liberación nacional... Todas esas relaciones, que

expresaban la dominación del capital pero representaban al mismo tiempo formas de

control parcial del mismo capital, fueron destrozadas y, por algún tiempo, al capital le

pareció que con esto se superaban los límites puestos a su actuación.

La segunda forma que se eligió para superar esos límites inmanentes del capital ha

sido recurrir, en una escala sin precedentes, a la creación de capital ficticio y de medios de

Page 47: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

47

crédito para ampliar una demanda insuficiente en el centro del sistema.

Y la tercera forma, la más importante históricamente para el capital, ha sido la

reincorporación, en cuanto elementos plenos del sistema capitalista mundial, de la Unión

Soviética y sus "satélites", y de China.

Sólo en el marco de las resultantes de estos tres procesos es posible captar la

amplitud y la novedad de la crisis que se inicia.

Liberalización, mercado mundial, competencia…

Comencemos por interrogarnos sobre qué ha significado la liberalización y la

desregulación llevadas a cabo a escala mundial, con la incorporación del antiguo "campo"

soviético y la incorporación y modificación de las relaciones de producción en China... El

proceso de liberalización y desreglamentación ha significado el desmantelamiento de los

pocos elementos regulatorios que se habían construido en el marco internacional al salir de

la Segunda Guerra Mundial, para entrar en un capitalismo totalmente desreglamentado. Y

no sólo desreglamentado, sino también un capitalismo que ha creado realmente el mercado

mundial en el pleno sentido del término, convirtiendo en realidad lo que era en Marx una

intuición o anticipación. Puede ser útil precisar el concepto de mercado mundial e ir tal vez

más allá de la palabra mercado. Se trata de la creación de un espacio libre de restricciones

para las operaciones del capital, para producir y realizar plusvalía tomando este espacio

como base y proceso de centralización de ganancias a escala verdaderamente internacional.

Ese espacio abierto, no homogéneo pero con una reducción drástica de todos los obstáculos

a la movilidad del capital, esa posibilidad para el capital de organizar a escala universal el

ciclo de valorización, está acompañada por una situación que permite poner en competencia

entre sí a los trabajadores de todos los países. Es decir, se sustenta en el hecho que el

ejército industrial de reserva es realmente mundial y que es el capital como un todo el que

rige los flujos de integración o de repulsión, en las formas estudiadas por Marx.

Este es entonces el marco general de un proceso de "producción para la producción"

en condiciones en que la posibilidad para la humanidad y las masas del mundo de acceder a

esa producción es totalmente limitada... y por lo tanto, el cierre exitoso del ciclo de

valorización del capital, para el capital en su conjunto, y para cada capital en particular, se

hace cada vez más difícil. Y por eso se incrementan y se hacen más determinantes en el

mercado mundial "las leyes ciegas de la competencia". Los bancos centrales y los

Page 48: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

48

gobiernos pueden proclamar que acordarán entre sí y colaborarán para impedir la crisis,

pero no creo que se pueda introducir la cooperación en el espacio mundial convertido en

escenario de una tremenda competencia entre capitales. Y ahora, la competencia entre

capitales va mucho más allá de las relaciones entre los capitales de las partes más antiguas

y más desarrolladas del sistema mundial con los sectores menos desarrollados desde el

punto de vista capitalista. Porque bajo formas particulares e incluso muy parasitarias, en el

marco mundial se han dado procesos de centralización del capital por fuera del marco

tradicional de los centros imperialistas: en relación con ellos, pero en condiciones que

también introducen algo totalmente nuevo en el marco mundial.

Durante los últimos quince años, y en particular durante la última etapa, se han

desarrollado, en determinados puntos del sistema, grupos industriales capaces de integrarse

como socios de pleno derecho en los oligopolios mundiales. Tanto en la India como en

China se han conformado verdaderos y fuertes grupos económicos capitalistas. Y en el

plano financiero, como expresión del rentismo y del parasitismo puro, los llamados Fondos

Soberanos se han convertido en importantes puntos de centralización del capital bajo la

forma dinero, que no son meros satélites de los Estados Unidos, tienen estrategias y

dinámicas propias y modifican de muchas maneras las relaciones geopolíticas de los puntos

clave en que la vida del capital se hace y se hará.

Por eso, otro elemento a tener en cuenta es que esta crisis tiene como otra de sus

dimensiones la de marcar el fin de la etapa en que los Estados Unidos pudieron actuar como

potencia mundial sin parangón... En mi opinión, hemos salido del momento que analizara

István Mészáros en su libro Más allá del Capital, (2001), y los Estados Unidos serán

sometidos a prueba: en un plazo temporal muy corto, todas sus relaciones mundiales se han

modificado y deberá, en el mejor de los casos, renegociar y reordenar todas sus relaciones

en base al hecho de que deberán compartir el poder. Y esto, por supuesto, es algo que nunca

se produjo de forma pacífica en la historia del capital... Entonces, primer elemento: uno de

los métodos elegidos por el capital para superar sus límites se ha transformado en fuente de

nuevas tensiones, conflictos y contradicciones, indicando que una nueva etapa histórica se

abrirá paso a través de esta crisis.

Creación incontrolada de capital ficticio

El segundo medio utilizado para superar los limites para el capital de las economías

Page 49: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

49

centrales fue que todas ellas recurrieron a la creación de formas totalmente artificiales de

ampliación de la demanda efectiva, las que, sumándose a otras formas de creación de

capital ficticio, generaron las condiciones para la crisis financiera que se está desarrollando

hoy. En el artículo que los compañeros de Herramienta tuvieron la gentileza de traducir al

castellano y publicar,[3] abordé con cierto detenimiento esta cuestión del capital ficticio y

los nuevos procesos que se han dado dentro del proceso mismo de acumulación de capital

ficticio. Para Marx, el capital ficticio es la acumulación de títulos que son "sombra de

inversiones" ya hechas pero que, como títulos de bonos y de acciones aparecen con el

aspecto de capital a sus poseedores. No lo son para el sistema como un todo, para el

proceso de acumulación, pero sí lo son para sus poseedores y, en condiciones normales de

cierre de los procesos de valorización del capital, rinden a sus poseedores dividendos e

intereses. Pero su carácter ficticio se revela en situaciones de crisis. Cuando sobrevienen

crisis de sobreproducción, quiebra de empresas, etcétera, se advierte que ese capital no

existía... por eso también puede leerse a veces en los periódicos que tal o cual cantidad de

capital "desapareció" en algún sacudón bursátil: esas sumas nunca habían existido como

capital propiamente dicho, a pesar de que, para los poseedores de esas acciones,

representaban títulos que daban derecho a dividendos e intereses, a percibir ganancias…

Por supuesto, uno de los grandes problemas de hoy es que en muchísimos países los

sistemas de jubilación están basados en capital ficticio, con pretensiones de participación en

los resultados de una producción capitalista que puede desaparecer en momentos de crisis.

Toda la etapa de la liberalización y globalización financiera de las décadas de los ochenta y

los noventa estuvo basada en acumulación de capital ficticio, sobre todo en manos de

Fondos de inversión, Fondos de pensiones, Fondos financieros... Y la gran novedad desde

finales o mediados de los años 90 y a todo lo largo de la primera década del siglo XXI fue,

en los Estados Unidos y en Gran Bretaña en particular, el empuje extraordinario que se dio

a la creación de capital ficticio en la forma de crédito. De crédito a empresas, pero también

y sobre todo de créditos a los hogares, créditos al consumo y más que nada créditos

hipotecarios. Y eso hizo dar un salto en la masa de capital ficticio creado, originando

formas aún más agudas de vulnerabilidad y fragilidad, incluso frente a choques menores,

incluso frente a episodios absolutamente predecibles. Por ejemplo, en base a todo lo

estudiado anteriormente, se sabía que un boom inmobiliario se termina, que

Page 50: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

50

inexorablemente hay un momento en el que, por procesos internos muy bien estudiados, se

acaba; y si puede ser relativamente comprensible que en el mercado accionario existiera la

ilusión de que no había límites para la suba en el precio de las acciones, en base a toda la

historia previa se sabía que eso no podía ocurrir en el sector inmobiliario: cuando se trata de

edificios y casas es inevitable que llegue el momento en que el boom acaba. Pero se

colocaron en tal situación de dependencia que ese acontecimiento completamente normal y

previsible se transformó en una crisis tremenda. Porque a todo lo que ya dije, se añadió el

hecho de que durante los dos últimos años los préstamos se hacían a hogares que no tenían

la menor posibilidad de pagar. Y además, todo eso se combino con las nuevas "técnicas"

financieras que traté de explicar con un grado aceptable de vulgarización en mi artículo de

Herramienta, permitiéndose así que los bancos vendieran bonos en condiciones tales que

nadie podía saber exactamente qué estaba comprando… hasta el fuerte estallido de los

"subprime", en 2007.

Ahora están en el proceso de desmontaje de ese proceso. Pero dentro de ese

desmontaje hay procesos de concentración del capital financiero. Cuando el Bank of

America compra Merrill Lynch, estamos ante un proceso de concentración clásico. Y

vemos además estos procesos de estatización de las deudas, que implican la creación

inmediata de más capital ficticio. La Reserva Federal de los Estados Unidos crea más

capital ficticio para mantener la ilusión de un valor del capital que está a punto de

derrumbarse, con la perspectiva de tener en algún momento dado la posibilidad de

aumentar fuertemente la presión fiscal, pero en realidad no puede hacerlo porque eso

significaría el congelamiento del mercado interno y la aceleración de la crisis en tanto crisis

real. Asistimos, pues, a una fuga hacia adelante que no resuelve nada. Dentro de ese

proceso existe también el avance de los Fondos Soberanos que buscan modificar la

repartición intercapitalista de los flujos financieros a favor de los sectores rentistas que han

acumulado estos fondos. Y esto es un factor de perturbación aun mayor en el proceso.

Quiero recordar, para terminar con este punto, que ese déficit comercial de 5 puntos

del PBI es lo que ha conferido a los Estados Unidos la particularidad de ser un lugar clave

para la concreción del ciclo del capital en el momento de realización de la plusvalía, para el

proceso capitalista en su conjunto. Enfrentados ahora a una casi inevitable retracción

económica, se plantea como el gran interrogante si, en un corto lapso, la demanda interna

Page 51: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

51

China podrá pasar a ser el lugar que garantice ese momento de realización de la plusvalía

que se daba en los Estados Unidos. La amplitud de la intervención del Tesoro es muy fuerte

y logró que la contracción de la actividad en los Estados Unidos y la caída en las

importaciones haya sido hasta ahora muy limitada. El problema es saber cuánto tiempo se

podrá tener como único método de política económica crear más y más liquidez... ¿Será

posible que no haya límites a la creación de capital ficticio bajo la forma de liquidez para

mantener el valor del capital ficticio ya existente? Me parece una hipótesis demasiado

optimista, y entre los mismos economistas norteamericanos, muchos lo dudan.

¿Sobreacumulación en China?

Para terminar, llegamos a la tercer manera en la cual el capital superó sus limites

inmanentes, que es en definitiva la más importante de todas y plantea los interrogantes más

interesantes. Me refiero a la extensión, en particular a China, de todo el sistema de

relaciones sociales de producción del capitalismo. Algo que Marx mencionó en algún

momento como una posibilidad, pero que sólo se hizo realidad durante los últimos años. Y

se realizó en condiciones que multiplican los factores de crisis.

La acumulación del capital en China se hizo en base a procesos internos, pero

también en base a algo que está perfectamente documentado, pero poco comentado: el

traslado de una parte importantísima del Sector II de la economía, el sector de la

producción de medios de consumo, desde los Estados Unidos hacia China. Y esto tiene

mucho que ver con el grueso de los déficits norteamericanos (el déficit comercial y el

fiscal), que sólo podrían revertirse por medio de una "reindustrialización" de los EUA.

Esto significa que se establecieron nuevas relaciones entre los Estados Unidos y

China. No se trata ya de las relaciones de una potencia imperialista con un espacio

semicolonial. Los Estados Unidos crearon relaciones de un tipo nuevo, que ahora tiene

dificultades en reconocer y en asumir. En base al superávit comercial, China acumula

millones y millones de dólares, que luego presta a los Estados Unidos. Una ilustración de

las consecuencias que esto trae, lo tenemos con la nacionalización de esas dos entidades

llamadas Fannie Mae y Freddy Mac: parece ser que la banca de China tenía el 15% de los

fondos de estas entidades y le comunicó al gobierno americano que no aceptaría su

desvalorización. Son relaciones internacionales de un tipo totalmente nuevo.

Page 52: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

52

Pero ¿qué ocurre en el seno mismo de China? En mi artículo en Herramienta ya

citado, había una sola página sobre esto, y al final, pero de alguna manera es la cuestión

más decisiva para la próxima etapa de la crisis. En China se ha dado internamente un

proceso de competencia entre capitales, que se combinó con procesos de competencia entre

sectores del aparato político chino, y de competencia para atraer a empresas extranjeras,

todo lo cual ha resultado en un proceso de creación de inmensas capacidades de

producción, además de violentar a la naturaleza en una escala grandísima: en China se

concentra una sobreacumulación de capital que en un momento dado se tornará

insostenible. En Europa es evidente la tendencia a una aceleración de la destrucción de

capacidades productivas y de puestos de trabajo, para trasladarse al único paraíso del

mundo capitalista que hoy es China. Considero que este traslado de capitales a China ha

significado una reversión de procesos anteriores hacia un alza de la composición orgánica

del capital. La acumulación es intensiva en medios de producción y es intensiva y muy

dilapidadora de la otra parte del capital constante, es decir las materias primas. La masiva

creación de capacidades de producción en el Sector I estuvo acompañada por todos los

mecanismos y el empuje económico que caracteriza el crecimiento de China, pero el

mercado final para sostener toda esa producción es el mercado mundial, y una retracción de

éste pondrá en evidencia esa sobreacumulación de capital. Alguien como Aglietta, que ha

estudiado específicamente esto, afirma que realmente hay sobreacumulación, hay un

acelerado proceso de creación de capacidad productiva en China, un proceso que, en el

momento en que se termine -y tiene que terminar- la realización de toda esa producción va

a plantear problemas. Además, China es realmente un lugar decisivo, porque incluso

pequeñas variaciones en su economía determinan la coyuntura de otros muchos países en el

mundo. Fue suficiente que la demanda china de bienes de inversión cayera un poco para

que Alemania perdiera exportaciones y entrara en recesión. Las "pequeñas oscilaciones" en

China tienen repercusiones fuertísimas en otros lugares, como debería ser evidente para el

caso de la Argentina.

Para seguir pensando y discutiendo

Y vuelvo a lo que decía en el comienzo. Aunque sean comparables, las fases de esta

crisis van a ser distintas a las del 29, porque en aquel entonces la crisis de sobreproducción

de los Estados Unidos se verificó desde los primeros momentos. Después se profundizó,

Page 53: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

53

pero se supo enseguida que se estaba ante una crisis de sobreproducción. Ahora, en cambio,

con diversas políticas están aplazando ese momento, pero no podrán hacerlo mucho más.

Simultáneamente, y como ocurriera también con la crisis de 1929 y los años treinta, aunque

en condiciones y bajo formas distintas, la crisis se combinará con la necesidad, para el

capitalismo, de una reorganización total de la expresión de sus relaciones de fuerzas

económicas en el marco mundial, marcando el momento en el que los Estados Unidos

verán que su superioridad militar es solamente un elemento, y un elemento bastante

subordinado, para renegociar sus relaciones con China y otras partes del mundo. O llegará

el momento en el cual dará el salto a una aventura militar de imprevisibles consecuencias.

Por todo ello, concluyo que esto es mucho más que una crisis financiera, incluso si

estamos por ahora en esa fase, incluso si el artículo publicado por Herramienta debió

concentrarse en tratar de iluminar los enredos del capital ficticio y permitir entender por

qué es tan difícil el desmontaje de ese capital, pero estamos ante una crisis muchísimo más

amplia. Ahora bien, tengo la impresión, por el tenor de las distintas preguntas u

observaciones que se me hicieron, que muchos opinan que estoy pintando un escenario de

tipo catastrofista, de derrumbe del capitalismo... En realidad, creo que estamos ante el

riesgo de una catástrofe, pero no ya del capitalismo, sino de una catástrofe de la humanidad.

En cierta forma, si tomamos en cuenta la crisis climática, posiblemente ya existe algo de

eso... Yo opino (junto con Mészáros, por ejemplo, pero somos muy pocos los que damos

importancia a esto) que estamos ante un peligro inminente. Lo dramático es que, por el

momento, esto afecta directamente a poblaciones que no son tomadas en cuenta: lo que

pueda estar pasando en Haití pareciera que no tiene la menor importancia histórica; lo que

ocurre en Bangladesh no tiene peso más allá de la región afectada; tampoco lo ocurrido en

Birmania, porque el control de la Junta militar impide que trascienda. Y lo mismo en

China: se discuten los índices de crecimiento pero no sobre las catástrofes ambientales,

porque el aparato represivo controla las informaciones sobre las mismas.

Y lo peor es que esa "opinión", que está siendo constantemente construida por los

medios, está interiorizada muy profundamente, incluso en muchos intelectuales de

izquierda. Yo había comenzado a trabajar y a escribir sobre todo eso, pero con el comienzo

de la crisis de alguna manera debí volver a ocuparme de las finanzas, aunque no lo hago

con mucho gusto, porque lo esencial me parece que se juega en un plano distinto.

Page 54: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

54

Para terminar: el hecho de que todo esto ocurra después de esa tan larga fase, sin

paralelo en la historia del capitalismo, de 50 años de acumulación ininterrumpida (salvo

una pequeñísima ruptura en 1974/1975), así como también todo lo que los círculos

capitalistas dirigentes, y en particular los bancos centrales, aprendieron de la crisis del 29,

todo ello hace que la crisis avance de manera bastante lenta. Desde septiembre del año

pasado, el discurso de los círculos dominantes viene sosteniendo, una y otra vez, que "lo

peor ya pasó", cuando lo cierto es que, una y otra vez, "lo peor" estaba por venir. Por eso

insisto en el riego de minimizar la gravedad de la situación, y sugiero que en nuestros

análisis y forma de enfocar las cosas deberíamos incorporar la posibilidad, como mínimo la

posibilidad, de que inadvertidamente estemos también interiorizando ese discurso de que,

en definitiva "no pasa nada"...

* Exposición realizada en el encuentro organizado por Herramienta el 18 de septiembre de

2008. La desgrabación y preparación para su publicación es de Aldo Casas.

** Destacado marxista, es parte del Consejo científico de ATTAC-Francia, director de

Carré rouge, y miembro del Consejo asesor de Herramienta, con la que colabora

asiduamente. La finance capitaliste, último libro publicado bajo su dirección, está siendo

traducido para ser publicado por Ediciones Herramienta.

[1] Carlos Marx, El capital México, FCE, 1973, Vol. III, pág. 248.

[2] Idem.

[3] "El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera", en Herramienta Nº 37,

marzo 2008.

Page 55: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

55

Page 56: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

56

Page 57: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

57

1

Etats-Unis : la fin d’un modèle Michel Husson, La Brèche n°3, 2008 Cet article propose une analyse structurelle du modèle de croissance qui s’est mis en place aux Etats-Unis au début des années 1980, et de ses contradictions. Il cherche à montrer comment la crise des subprimes a déclenché une réaction en chaîne qui en sape les fondements. Une croissance tirée par la consommation des riches Sur les dix dernières années (du 1er trimestre de 1998 au 1er trimestre de 2008), le Pib des Etats-Unis a augmenté de 31 %, soit 2,7 % par an. L’élément moteur de cette croissance a été la consommation des ménages : elle a progressé en moyenne de 3,4 % par an. Sur cette période, la part de la consommation dans le Pib a donc augmenté, passant de 67,1 % à 71,6 %. Cette augmentation de 4,5 points sur 10 ans permet d’évaluer à un demipoint la contribution de la consommation à la croissance. Sans ce dynamisme de la consommation, la croissance des Etats-Unis n’aurait pas été plus rapide que celle de l’Union européenne. Cette proximité aurait encore été plus grande en raisonnant en Pib par tête, puisque la population augmente plus rapidement aux Etats-Unis. En sens inverse, la croissance européenne aurait été plus soutenue si la consommation des ménages avait pu y être aussi rapide qu’aux Etats-Unis. C’est donc bien là que se trouve un facteur essentiel du dynamisme économique des Etats-Unis. Quand une composante aussi importante de la demande croît plus vite que la moyenne, il y a, quelque part dans l’économie, des évolutions qui compensent cette déformation. Dans le cas des Etats-Unis, la plus importante est la baisse continue du taux d’épargne. Au début de 1998, les ménages américains consommaient 95,3 dollars sur 100 dollars de revenu disponible (après impôts) ; dix ans plus tard, ils en dépensaient 99,8 %. Sur les dix dernières années, le taux d’épargne des ménages est donc passé de 4,7 % à 0,2 % : on retrouve donc exactement les 4,5 points de différentiel de croissance entre la consommation et le Pib. C’est donc la baisse du taux d’épargne qui a stimulé la consommation et par suite la croissance du Pib. Cette corrélation existe d’ailleurs depuis plus longtemps, et s’est mise en place au début des années 1980 (graphique 1).

Page 58: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

58

ET

PANIQUE B

Page 59: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

59

ANCA

Page 60: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

60

IR

Page 61: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

61

Continua - Carré Rouge n° 3, março 2008

Page 62: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

62

Introduction à la discussion sur la crise par François Chesnais. (samedi 11 octobre 2008)

Notes prises lors de l’exposé

Nous sommes toujours dans la phase initiale d’une crise qui sera très longue. Du point

de vue capitaliste, la solution se trouve essentiellement en Asie. C’est le type de crise dont

Marx disait qu’elle marquait les limites historiques du capitalisme, où l’ensemble des

contradictions se conjuguent. Aujourd’hui, cette dimension de limites historiques va être

intimement liée à une crise de civilisation, puisque son déroulement long et ses soubresauts

vont se conjuguer avec l’accélération des impacts dans les différentes parties du monde de

la crise du réchauffement climatique. On entre dans une période où la crise de civilisation

va intégrer ces deux dimensions.

Pour les propriétaires des moyens de production, pour le capital, vont se poser des

questions aiguës et nouvelles de reproduction de la domination où cela peut être dans des

formes de concertation commune ou de rivalités inter-impérialistes aiguës. Et la Chine

faisant partie de la domination inter-impérialiste y jouera son rôle.

On a intérêt à ne surtout pas se limiter aux dimensions financières de la crise pour

prendre cette mesure plus large : la question « socialisme ou barbarie ? » se trouve

posée de manière immédiate. Ce moment coïncide avec l’épuisement complet de toutes

les formes d’organisation politiques et syndicales issues du combat de la classe ouvrière

depuis la fin du 19ème siècle

On est dans une situation où, comme jamais à un degré aussi fort, les exploités ne peuvent

compter que sur leurs propres moyens.

Nous avons affaire à une situation inédite et grave.

Page 63: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

63

Comment interpréter la forme que la crise a prise jusqu’à présent et comment pressentir les

formes ultérieures de son développement ?

La crise du système financier logée principalement dans le système bancaire est le résultat

d’un processus dont le début remonte à la fin des années 60, quand, après avoir été très

largement effacé par la crise des années 30, et ensuite mis, dans beaucoup de pays, dans les

mains des États capitalistes, le capital porteur d’intérêt (au début sous la forme de bons du

trésor, puis d’actions) a commencé à se reconstituer et a acquis des rythmes spécifiques

d’accumulation en tant que capital de placement1. Ce faisant, il est devenu l’élément

dominant au sein du capitalisme et a donné aux gouvernements directement à son service

des moyens d’action pour mettre en œuvre la révolution conservatrice.

L’origine lointaine de cette crise se trouve dans la reconstitution d’un capital argent de prêt

concentré. L’ensemble des développements qui ont eu lieu ensuite dans les politiques

impérialistes ont visé à donner à ce capital de plus en plus de pouvoir, mais aussi à lancer

un processus par lequel ce capital se nourrissait d’intérêt et de dividendes et restait

cantonné dans la sphère des marchés financiers, mais il manifestait pourtant des prétentions

à venir en partage du profit, à prendre une fraction croissante des budgets publics, et cette

prétention augmentait en même temps qu’augmentait son caractère fictif.

La crise est très difficile à lire si on rejette (comme beaucoup d’économistes le font) la

notion de capital fictif . Le capital fictif se présente deux fois : d une fois comme capital

qui a été réellement investi, et une fois comme son ombre qui prend la forme particulière

d’actifs monnayables qui s’échangent sur le marché en prétendant croître indépendamment

de l’économie. Les gens pensent avoir du capital, alors qu’ils n’ont que des titres.

1 Ce capital vient en partage du profit sous formes de dividendes et d’intérêts. Il vit de l’appropriation du surtravail et en aggrave l’intensité. Sa centralisation et sa concentration sont l’œuvre des sociétés financières, grandes banques, compagnies d’assurance, fonds de pension et de placements collectifs (les Mutual funds). Leur objectif est de valoriser cet argent (en obtenir des rendements) sans quitter la sphère des marchés financiers, en extériorité à la production. Ce capital nourrit l’illusion de valoriser l’argent à partir de l’argent sans passer par la production.(cf article F Chesnais in revue Savoir/Agir- juin 2008)

Page 64: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

64

Dans les années 80 à 90, on assiste au formidable développement de ce type de capital qui

doit se nourrir, au moins en partie, d’une plus-value réellement produite quelque part.

C’est là qu’interviennent la Chine et dans une moindre mesure l’Inde : c’est le prolétariat

chinois qui a apporté à Wall Street et à la City des flux de plus-values au travers des

opérations internationales.

Au début du 21ème siècle, en dépit de l’entrée de la Chine à l’OMC, l’écart s’est creusé

entre la quantité effective de plus-value centralisée et l’ampleur des besoins du système qui

vise à la satisfaction de ses prétentions à venir de façon rentière en partage de cette masse

de plus-value.. Tendanciellement, il n’y a pas eu assez de plus-value pour satisfaire les

prétentions du capital financier.

Un saut a été effectué en 2001-2002 dans le type d’opérations censées offrir des profits

financiers construits sur un double fondement : d’une part, une formidable poussée aux

États Unis et au Royaume Uni poussée aux Etats-Unis du crédit aux ménages, d’autre part

une chaîne de prise en compte par des banques et des fonds spéculatifs d’actifs porteurs

potentiels de profit (en fait des titres contenant des créances hypothécaires irrécouvrables),

purs facteurs d’insolvabilité.

Une explication de la crise qui semble voisine, celle de l’orthodoxie de l’extrême gauche

(donnée par exemple par Michel Husson) est la suivante: ce seraient les changements dans

la répartition de la valeur ajoutée (au profit du capital) qui auraient conduit au recours

massif au crédit. Mais cette explication ne prend pas en compte l’économie mondiale

comme un tout, et gomme complètement le fait que ce développement du crédit et le

changement même dans la répartition de la valeur ajoutée sont le résultat de cette longue

période d’accumulation d’un capital qui se valorise sur les marchés financiers et conduit à

l’amplification des capitaux fictifs.

La crise a éclaté et s’est développée dans ces secteurs par petits sauts qui sont autant de

paliers (refus des banques de se prêter, faillite de la banque Northern Rock en GB, puis

celle de Bear Stearns aux États Unis). Tout au long il y a eu injection d’argent, c’est-à-dire

Page 65: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

65

d’ouvertures de lignes de crédits par les banques centrales qui donnaient de plus grandes

facilités d’escompte à des taux d’intérêt inférieurs au taux d’inflation (c’est en particulier ce

que fait la Fed depuis septembre 2007).

En août-septembre 2008 : accélération du nombre des entreprises financières près de la

faillite (la présence de ces actifs pourris dans leur « bilan bis » est une source

d’insolvabilité majeure). Les autorités étasuniennes volent à leur secours en rachetant ces

actifs « toxiques ». Signalons au passage que ces actifs « toxiques » ne sont pas a priori

reconnaissables, ce qui est une partie du problème.

La crise s’aiguise entre le 15 et le 17 septembre quand le département du Trésor étasunien,

dirigé par un ancien de Goldman Sachs, prend la décision, soit par orthodoxie républicaine,

soit pour en finir avec une maison rivale, de ne pas soutenir l’entreprise Lehman Brothers,

(laquelle avait effectué des prêts 30 fois plus importants que ses fonds propres, rapport

pourtant préconisé par les spécialistes…). Cette décision a amené d’autres sociétés

financières, qui avaient caché leur véritable position financière à la révéler tout de suite (ex

AIG) et le Trésor américain a débloqué des milliards de $ (85 milliards le 17 septembre,

puis une rallonge de 38 milliards cette semaine pour la seule AIG qui avait refait ses

comptes entre temps !), puis le plan Paulson de 700 milliards de $ a été voté, le déblocage

d’une telle somme exigeant une loi puisqu’elle engage les contribuables.

Dans l’immédiat, ces 700 milliards sont des jeux d’écriture, du capital fictif désigné qui

vient au secours de capital fictif accumulé. Ensuite, si une partie de ces actifs peut être

vendue dans un ou deux ans, la note pour le contribuable sera un peu moins salée, mais il

s’agira d’une ponction par les impôts, sur le revenu courant du pays (comme ce fut le cas

pour la crise dans les années 80 des petites caisses d’épargne étasuniennes : coût 50

millions de$ pour les contribuables américains). A moyen terme, il y aura donc une

ponction sur le pouvoir d’achat.

De même, des mécanismes ont été appliqués sous le nom de « nationalisation » qui ne

recouvre que diverses formes d’ingérence de fonctionnaires des finances et autres

départements d’État dans la gestion des entreprises. C’est un mot abusif : il s’agit du

sauvetage par les États, gagé sur les budgets à venir, d’institutions financières qui vont

continuer à fonctionner de la même manière qu’avant dans un système inchangé.

Page 66: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

66

En France, après la seconde guerre mondiale, la nationalisation du système du crédit dans

son ensemble (banques et système financier), impliquait que l’État contrôle de bout en bout

l’allocation du crédit par l’intermédiaire du commissariat au plan qui décidait quels secteurs

de l’économie, quelles entreprises en bénéficieraient.: : on était alors dans le cadre des

rapports de production capitaliste et d’Etats qui contrôlaient totalement l’allocation du

crédit. On n’est pas dans cette configuration. Personne n’y songe. La presse spécialisée

prend d’ailleurs bien soin de le préciser, insistant sur le fait qu’il s’agit d’une aide

passagère aux banques accordée par les États mais que leur préoccupation commune est

qu’ils en sortent le plus vite possible, les mains plus libres que jamais. « De la re-

régulation, disait J-C Casanova ce midi même sur France Culture, mais pas trop ! » Des

représentants des banques centrales iront dans les murs des banques aidées par les Etats

mais ils ne vont pas les diriger.

La crise a commencé dans le système financier et affecte le système de crédit, mais

l’écrasante majorité des banques de détail avaient des filiales aux avoirs purement

spéculatifs. Il n’y a pas de cloison étanche entre les différents marchés et dans un système

totalement internationalisé, les intermédiaires étasuniens ont proposé aux banques du

monde entier des actifs toxiques. Dans le cadre de cette crise bancaire, un processus

spécifique de concentration/centralisation s’est mis en route (cf. le rachat de Fortis par la

BNP) qui va aller en s’accélérant. D’où l’inquiétude des Allemands, par exemple, devant

une concentration bancaire dont ils ne seraient pas bénéficiaires.

Le resserrement du crédit aux particuliers et aux entreprises a lieu sur la base d’une

économie américaine ordonnée autour du secteur de l’immobiliser et de la finance. Une

récession mondiale est en cours. Beaucoup d’éléments nous sont inconnus (personne ne

sait !) : l’effondrement du système financier va-t-il être évité ? A quel rythme la récession

mondiale va-t-elle se propager ? Y aura-t-il saut qualitatif ? En Asie, la Corée qui avait été

au cœur de la crise asiatique dans sa phase finale, s’est reconstitué un appareil de

production très dépendant du marché mondial. Sera-t-elle en surcapacité ? Quels en seront

les effets ? baisse Et l’Argentine qui, après 2002, s’est récupérée sur la base de ses

Page 67: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

67

exportations de matières premières vers la Chine, va-t-elle être touchée ? . En Allemagne,

du fait de la baisse des commandes chinoises de biens d’équipements, la récession apparaît.

Nous avons devant nous un moment nécessaire : le processus de propagation de la

récession se transformera en crise de surproduction brutale ( aux États Unis, « la

guerre des prix » pour les jouets d’enfants, qui représentent 80% des exportations chinoises

a commencé, préfigurant ce processus).

En ce qui concerne la Chine, un des leitmotivs des revues spécialisées est le raisonnement

suivant : les Chinois ont la possibilité de compenser sur leur marché intérieur ce qu’ils ne

peuvent plus écouler à l’étranger, ils ont assez de réserves de change pour stimuler leur

consommation interne. Tout le monde attend d’eux qu’ils le fassent. Mais, et c’est là que la

politique et l’économie sont en interconnexion, beaucoup pensent qu’il n’est pas certain

que les dirigeants chinois soient capables de faire ça étant donnés les rapports antagoniques

entre la population et ces dirigeants. Ceux-ci ont peur que tout signe donné dans ce sens

soit interprété comme un signe de faiblesse et soit le signal de multiples revendications et

contestations qui les dépasseraient. Or, ce sont là les seules mesures stabilisatrices possibles

du capitalisme mondial : que la plus-value produite en Chine se réalise sur le marché

chinois et non sur le marché mondial. La lutte des classes en Chine sera un des éléments

déterminants dans l’avenir.

Là est la pierre de touche de la situation actuelle : l’évolution et la gravité de la crise

renvoient à la lutte des classes.

Page 68: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

68

Page 69: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

69

Page 70: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

70

Page 71: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

71

Page 72: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

72

Page 73: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

73

Page 74: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

74

Page 75: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

75

Page 76: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

76

Page 77: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

77

Page 78: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

78

Page 79: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

79

Page 80: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

80

Page 81: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

81

O pesadelo das finanças sem freiosO pesadelo das finanças sem freiosO pesadelo das finanças sem freiosO pesadelo das finanças sem freios ---- Frédéric Lordon - LMD

Os mercados pressionaram os Estados por anos, para se tornarem cada vez mais "livres" de limites e regulamentações. Embriagados por seu próprio poder e riqueza, criaram a pirâmide de dívidas que agora ameaça desabar. Mas há alternativas para um sistema de crédito sustentável e socialmente útil

Quando notícias normalmente tidas como boas passam a ser interpretadas como

péssimas, a gravidade da crise fica clara. O FED (Federal Reserve, banco central norte-

americano) reduz cada vez mais a taxa de juros? Nunca é o bastante. Anuncia, em 12 de

dezembro último, de comum acordo com outros grandes bancos centrais, uma ampliação

espantosa de seus procedimentos de refinanciamento [1]? É porque a situação tornou-se

bem mais grave que se imaginava. Seu presidente, Ben Bernanke, numa atitude sem

precedentes, defende, em 17 de janeiro, a ampliação dos incentivos orçamentários? Só pode

ser porque, tendo esgotado suas margens de manobra, não vê outro recurso senão pedir ao

Estado para tomar iniciativas. Como isso era apenas o primeiro ato de uma comédia mal-

encenada, eis que George W. Bush anuncia, logo no dia seguinte, um pacote de incentivos

quase perfeitamente ajustado às “sugestões” do banqueiro central. Se os dois chegaram ao

ponto de coordenar tal esquete burlesco, é porque as coisas realmente são graves...

Tamanha ineficácia das medidas clássicas constitui o sinal mais espetacular, e mais

preocupante, de como é profunda a confusão em que se encontra o mundo das finanças, que

já não responde às orientações da política monetária, a não ser de maneira errática.

A crônica cotidiana das movimentações nos mercados financeiros, que de outra

forma estaria fadada a permanecer incompreensível, ou dissolvida no caos das notícias

despejadas pelas agências de informação, só passa a fazer sentido quando inserida em uma

perspectiva de médio prazo, que confere à crise seu perfil característico e sua real extensão

temporal. Os amigos do sistema, que se apressaram em garantir a inocuidade de uma crise

tida como desprezível, e anunciaram a iminência do retorno à ordem, sem dúvida vão ficar

decepcionados: os seus escritos permanecem… mas as turbulências também.

Há boas razões para a crise persistir e se ampliar. Para imaginar que o episódio seria

solucionado com facilidade, como se fosse uma insignificante anomalia de mercado,

teríamos que esquecer a gravidade do fato que o gerou: o aliciamento delirante de

multidões de famílias inadimplentes para contraírem a mais pesada de todas as formas de

dívida, o empréstimo hipotecário. Por efeito de uma reviravolta, que parece ter sido gerada

Page 82: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

82

por uma justiça imanente, a cláusula do reset [2], que serviu para atrair maciçamente os

clientes (e provocou uma disparada dos preços do setor imobiliário, que alcançaram valores

recordes, da mesma forma que os ganhos especulativos obtidos com os derivativos),

tornou-se uma maldição no mundo das finanças. Este, que tanto gosta de viver na

instantaneidade, está agora obrigado a lidar com um “atrasado” de famílias endividadas, do

qual é impossível se livrar. O pico dos resets, ou seja, dos reajustes de taxas de juros que

jogam as famílias na inadimplência, deverá chegar em março-abril de 2008.

Supondo — hipótese favorável — que a sedução dos candidatos ao crédito tenha

sido suspensa no início de 2007, será preciso esperar até o início de 2009 para que termine

a emergência dos falidos potenciais, cuja situação não apresentaria absolutamente nenhum

interesse para o mundo das finanças se suas derrocadas vulgares não fossem a origem do

desmoronamento dos produtos especulativos derivados de seus créditos imobiliários

(definitivamente, os pobres não sabem estar à altura da criatividade dos ricos...). O mundo

das finanças, que gosta acima de tudo da liquidez dos fluxos de dinheiro, está

redescobrindo a inércia dos estoques: todas as pessoas que ele tratou como “carne para

canhão” hipotecária nada mais são agora do que obstáculos incômodos.

A esta altura, a saída da crise está cada vez menos na ordem do dia. A

dinâmica do desmoronamento financeiro começou a espalhar seus efeitos mais tóxicos

Enquanto isso, a quebradeira geral vai se ampliando. Ela atinge uma categoria de

protagonistas da qual ninguém havia ouvido falar até então: as monolines, instituições

especializadas que seguram os detentores de carteiras de obrigações (em geral, fundos de

investimentos ou bancos). A princípio, dedicavam-se, sossegadamente, a cobrir os riscos

simples das obrigações municipais nos Estados Unidos — por meio das quais, os governos

locais têm a possibilidade de financiar suas atividades, emitindo títulos nos mercados. Mas,

assim como aconteceu com todos, estas instituições foram tomadas pela febre e viram-se

tentadas a segurar produtos mais atraentes, cujo volume, em plena expansão, garantia um

faturamento polpudo, e que todo mundo gostava de considerar como pouco arriscados: os

derivados de subprimes, obviamente!

Quem se surpreenderá com o que aconteceu em seguida? As duas monolines mais

importantes, a MBIA e a Ambac, estão em quase-falência. Bancos e fundos são instados a

recapitalizá-las em regime de emergência. O caso está longe de ser apenas anedótico, uma

Page 83: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

83

vez que os bancos haviam colocado no seguro seus colossais volumes de produtos

derivados, e a degradação da contabilidade das seguradoras monoline obriga a revisão da

contabilidade de todos os títulos que elas seguravam, cujo valor, tal como está estipulado

nos balanços de seus clientes, deverá ser revisto para baixo.

A esta altura, a saída da crise está cada vez menos na ordem do dia, pois a dinâmica

do desmoronamento financeiro começou a difundir seus efeitos mais tóxicos. A

deterioração dos balanços dos bancos, em conseqüência das perdas com os derivados de

subprime, e as tensões que persistem sobre a liquidez interbancária, em razão da extrema

incerteza que motiva todos eles a se enxergarem uns aos outros como contaminados

potenciais, resultam fatalmente numa contração do crédito, da qual a economia produtiva,

por mais distante que esteja das peripécias especulativas, acabará padecendo. Por causa de

sua resistência em reconhecer os fatos, comparável apenas à dos intelectuais orgânicos do

liberalismo, as instituições financeiras demoraram mais de seis meses até se renderem à

idéia de uma iminente redução do ritmo do crescimento, e possivelmente de uma recessão.

Ora, o crescimento da idéia da recessão vem alterar muitas coisas, principalmente

no que diz respeito à ampliação do campo financeiro, ameaçado pela desestabilização. Os

abalos mais violentos dos mercados de ações, no começo de 2008, constituem uma prova

disso. Não que eles estivessem em uma forma olímpica, nestes últimos oito meses. Mas as

reduções de lucros estiveram limitadas, primeiro, aos valores bancários das hipotecas —

ainda que de primeira linha. Depois, a partir de setembro, tornaram-se sensivelmente mais

fortes, nos períodos em que a seca do mercado monetário e a impossibilidade de nele

levantar fundos obrigaram bom número de instituições a efetuar vendas emergenciais de

parte de suas carteiras de ações, de modo a obter rápida liquidez. No momento em que a

perspectiva do desaquecimento fica mais nítida, toma corpo uma interrogação geral sobre a

atividade e a rentabilidade de todos os setores.

Os bancos vêm chegar o momento em que suas dívidas ativas de private-equity

também irão desmoronar, relegadas à categoria dos “maus créditos”

O ingresso provável dos mercados de ações em um ciclo de baixa promete rudes

efeitos colaterais. Em particular, no setor tão discreto quanto sensível da private-equity —

esta forma brutal de capitalismo, na qual as empresas consideradas promissoras são

compradas, retiradas da Bolsa e reestruturadas, com o objetivo de, em um prazo de dois ou

Page 84: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

84

três anos, serem revendidas a peso de ouro, na maioria dos casos por meio da reintrodução

na Bolsa [3]. Se esta última se mostrar desanimada, será preciso abrir mão dos lançamentos

de novas ações, promovidos com grande estardalhaço e cotações fulgurantes. Com isso, a

“descostura” de um bom número de operações de private-equity é particularmente delicada

— seja porque as sobrevalorizações não correspondem às expectativas, seja pelo fato de os

compradores se verem obrigados a adiar a sua “saída” e a carregar a dívida por muito mais

tempo do que haviam previsto. Essas operações foram financiadas por meio de créditos

fantasmáticos, alocados em certos casos dentro de condições tão escabrosas quanto as das

subprimes. Enquanto isso, os bancos estão vendo se aproximar o momento em que gordas

fatias de suas dívidas ativas de private-equity também irão desmoronar, sendo relegadas à

categoria dos “maus créditos” – com todas as depreciações que podem decorrer de tal

situação.

Entre estas, incluem-se a redução direta do valor de suas carteiras de ações, a queda

do ritmo de suas atividades de geração [4] e de fusão-aquisição, a ameaça sobre os créditos

de private-equity (que também recai sobre muitos outros, tais como os cartões de crédito, o

financiamento de veículos etc.) e a redução dos lucros de trading (operações especulativas)

nos mercados, marcados por uma tendência à queda: tudo, no desaquecimento econômico,

concorre para comprometer a situação financeira dos bancos e para diminuir sua inclinação

a emprestar. No mundo maravilhoso das finanças, a crise alimenta a crise…

Nada disso foi fruto da ira divina. Contra todos aqueles que, a exemplo do

presidente do banco francês Société Générale, Daniel Bouton, pensam poder se eximir de

sua responsabilidade, valendo-se da tese do “deplorável acidente de percurso”, é preciso

lembrar o quanto estes eventos são expressão das lógicas puras das finanças de mercado.

Quem se espantaria ao ver que os agentes financeiros correm atrás de todas as

oportunidades para saciar sua gula? Ou que, em caso de necessidade, acabam inventando

essas oportunidades, por meio de “inovações” que os levam a acreditar, por um tempo, que

estão livres do risco? Ou que se precipitam sobre toda dinâmica altista e que a transformam

imediatamente em bolha? E, finalmente, que são capazes de apenas vigiar o seu risco

individual e considerar que o risco global não lhes diz respeito?

Quem ficaria espantado ao tudo isso acabar em catástrofe? Quem poderia se

surpreender, quando o próprio objetivo da desregulamentação financeira é abolir todo

Page 85: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

85

entrave à ação dos investidores e devolver-lhes, sem a menor restrição, a mais viciadora das

formas do lucro e o mais forte dos poderes: a rentabilidade financeira?

Presidente do banco francês Société Génerale, particularmente afetado pela crise,

Daniel Bouton está numa posição especialmente embaraçosa para permitir-se alegar que

enfrentou “um acidente fora de norma e absolutamente lamentável” [5]. O banco dirigido

por ele desliza regularmente, há 25 anos, rumo ao delírio. O Société Générale,

tradicionalmente um banco de varejo de um classicismo cinzento, com suas agências, seus

balcões e seus executivos medianos, uma instituição bastante fraca no que diz respeito a

atividades como banco de investimento, foi mordido tardiamente pela tarântula da

globalização. Sonha com sofisticação e telões cintilantes. Gostaria de ser o Goldman Sachs.

Aprende inglês, instala seus golden boys em Londres e respira o ar revigorante dos

mercados de capitais — algo muito diferente de renovar o crédito do moleiro que mora em

uma remota aldeia da província. Por isso, quando Bouton afirma, em entrevista a Le

Figaro, que “o modelo do Société Générale de maneira alguma foi atingido ou

contestado” [6], é preciso entender exatamente o contrário: tal modelo acaba de sofrer um

grande tombo. O fascínio pelos mercados, que já lhe rendeu bastante dinheiro, poderá agora

custar muito caro. O Société Générale ilustra com perfeição esta fantástica distorção do

universo bancário, em sua abertura para os mercados, movido pela atração magnética da

desregulamentação.

No leque das alternativas, o Tributo Tobin, impostos sobre os ganhos

especulativos com ações, taxas de juros diferenciadas para empreendimentos

produtivos...

Nem todas as negações do mundo impedirão que a crise atual apareça tal como é:

uma experiência real, que demonstra a nocividade intrínseca de mercados e operadores de

mercado livres de qualquer controle. Mas esta experiência não é a primeira do tipo. Quem

não se lembra das cenas grandiloqüentes de indelicadeza e fraude proporcionadas pelo

krach das empresas de alta tecnologia, em 2000? Do apelo solene das autoridades

financeiras à regulação, à transparência, à reintegração das transações que as empresas

excluíam de seus balanços? “Nunca mais”, juram toda vez os atores do mundo das finanças,

antes de partirem para uma nova rodada. Mas os seus juramentos de bêbados; a idéia de que

eles enriquecem de maneira solitária e fabulosa durante a bonança e põem a economia

Page 86: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

86

inteira em perigo quando suas imperícias vêm à tona, obrigando os poderes públicos a

salvá-los da difícil situação na qual qualquer falido ordinário seria abandonado à sua

própria sorte; tudo isso dá vontade de "virar a mesa”, o que parece ser a única solução para

que esta seja verdadeiramente a “última rodada”.

Um balanço um pouco mais analítico das “realizações” das finanças

desregulamentadas, nas quais os danos causados superam de maneira tão evidente os

serviços prestados, deveria ao menos convencer da urgência de se quebrar algumas de suas

engrenagens. Ao contrário do que dizem, não faltam idéias em relação a esta questão. A

Taxa Tobin é uma delas. Sugerida em 1972 pelo Nobel de Economia James Tobin, consiste

em uma taxação das transações monetárias internacionais de modo a desencorajar a

especulação. Mas caiu prematuramente no esquecimento. Já o SLAM, um projeto para

limitar a rentabilidade acionária máxima, e suprimir com isso os estímulos à exploração

cada vez mais intensa dos assalariados, é outra dessas idéias [7]. Uma política monetária

desmembrada, que financie por meio de taxas de juros diferenciadas a economia produtiva

e a economia especulativa, é uma terceira proposta. A exemplo do que foi feito nos Estados

Unidos pelo Glass Steagall Act [8], a lei adotada em decorrência do desmoronamento dos

anos 1930, por que não considerar a possibilidade de se estabelecer uma separação

hermética entre os bancos comerciais e os bancos de investimento? O princípio da

separação estanque tem como propriedade atenuar sensivelmente a transmissão dos

desastres financeiros para a economia real, que se dá por intermédio do canal do crédito.

À medida que exerce uma pressão permanente e sempre crescente sobre os preços

— portanto, sobre os custos, e, finalmente, sobre o custo salarial, a concorrência instaura

um regime de “preços-salários”, no qual toda discussão sobre o poder aquisitivo remete

imediatamente à questão dos preços. Quando o assalariado reivindica aumentos, a resposta

acaba sendo dirigida ao consumidor. Mas a redução dos preços que é oferecida a este

último tem por efeito imediato reduzir o salário do primeiro! Os assalariados colocados no

olho da rua por um plano de terceirização, por exemplo, não têm outro recurso senão fazer

suas compras nas grandes lojas de preços baixos — que constituem a extremidade mais

feroz da corrente concorrencial. Mas ao fazê-lo, ativam novamente todos os mecanismos

que acabaram de causar o seu infortúnio. Contra a vontade, os assalariados dão deste modo

“razão” à rede de relações que os castiga. Na falta de qualquer outra solução, contribuem

Page 87: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

87

para assegurar a continuidade dos ataques a seus direitos [9]. Deste processo notavelmente

perverso resulta um regime de baixa pressão permanente do poder aquisitivo, que deprime

em conseqüência o consumo e a demanda global.

Mas o modelo neoliberal se gaba de oferecer, ele mesmo, as soluções para os

problemas que gera. Assim, a resposta ao menor consumo, uma característica inerente do

regime de “preços-salários” concorrencial, é o endividamento! Se o poder aquisitivo das

famílias tende a ficar estagnado ou regredir, enquanto o capital reclama um mercado mais

dinâmico, haverá algo mais lógico do que ampliar, por meio do crédito, a capacidade de os

assalariados gastarem além da conta? Ninguém há de se surpreender ao verificar que nos

Estados Unidos e no Reino Unido, que já têm uma boa “dianteira” em relação à França

nesta descida íngreme, a taxa de endividamento das famílias em relação à sua renda

disponível é respectivamente de 120% e 140%. Isso explica por que as economias anglo-

saxãs tendem a sofrer mais do que as outras: nelas, o crédito para o consumo constitui uma

válvula indispensável, que está prestes a ser brutalmente fechada.

Na França, o presidente Nicolas Sarkozy comemora o fato de a situação ser muito

diferente. Mas todos os seus atos conduzem o país ainda mais rapidamente na direção dos

EUA e Reino Unido. Na França, a taxa de endividamente das famílias, que era de 68% em

2006, vem explodindo literalmente nos últimos dez anos.

A falência das instituições financeiras não chega a arrancar lágrimas… até o

momento em que nos perguntamos qual é a origem dos fundos perdidos por elas

É no envolvimento financeiro maciço dos assalariados que a coerência liberal torna-

se mais refinada. Vertente simétrica da alienação pela dívida, chegou a vez da poupança ser

o protagonista. A falência das instituições financeiras não chega exatamente a arrancar

lágrimas… até o momento em que nos perguntamos qual é a origem dos fundos perdidos

por elas. Ora, é mesmo em parte com a poupança dos assalariados que essas instituições

jogam e perdem.

A situação da França, também neste caso, continua sendo uma exceção relativa,

uma vez que a maioria dos assalariados não tem dinheiro suficiente para ir além da

caderneta de poupança e apenas os mais ricos têm acesso ao mercado de investimentos.

Mais uma vez, o exemplo é indicado pelas economias anglo-saxãs, que tiveram a

interessante idéia de acabar de vez com os sistemas de aposentadoria por repartição, de

Page 88: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

88

modo a captarem enormes massas de poupança salarial, injetadas nos mercados por

intermédio dos sistemas de aposentadoria privada.

No que vem a ser um charme particular da “universalidade financeira”, são todos os

assalariados que pagam o pato quando os mercados afundam. O fato de encontrar um

substituto ao salário direto — cujo aumento todos entenderam agora que não está mais na

ordem do dia — já caracteriza por si só uma manobra fraudulenta. Mas efetuá-la expondo

diretamente os assalariados às instabilidades do mercado financeiro, e ainda por cima

tentando torná-los solidários daquilo que os escraviza, é algo muito sério.

Presos dentro da armadilha da concorrência, que só promove a redução dos preços

com a condição de que os salários sejam diminuídos, e capturados pela servidão do

endividamento, que se tornou tão indispensável quanto a renda para viver, os assalariados

desfrutam, ainda por cima, da “sorte” de serem tiranizados às suas próprias custas, uma vez

que a poupança que abastece as finanças acionárias, aquela mesma que exige rendimentos

que não acabam mais, é justamente a deles! E a perversidade confina com a estética

quando, de um lado, todos os acidentes do mercado financeiro estão fadados a recaír sobre

eles, já que eles pagarão pelas perdas de crescimento; e, de outro, no que vem a ser o

desfecho supremo, passa a ser proibido mexer em qualquer coisa que seja das estruturas

financeiras, pelo motivo (razoável, eis o pior!) de que isso equivaleria a atentar contra as

suas aposentadorias. Afinal, dentro desta armadilha perfeita, o fato de investir contra a

rentabilidade financeira não equivale a investir contra a renda dos idosos?

Sejamos justos: não existem, do lado do liberalismo, apenas macacos amestrados

que passam os dias entoando incansavelmente os mantras do evangelho dos mercados. Na

maioria dos casos, os seus apoiadores mais eficientes não são necessariamente os mais

visíveis. Estes deixam ao entusiasmo um pouco tolo dos economistas de plantão a tarefa de

transfigurar em “ciência natural dos mercados” (reputada por lidar apenas com “ofertas” e

“demandas”, e, portanto, supostamente livre de toda ideologia e toda política) um processo

de transformação do capitalismo que é só ideologia e só política! Este cinismo lúcido e

atuante (que faz política intensamente, enquanto o economicismo teima na negação e vive

repetindo que os mercados dizem respeito apenas à neutra “administração das coisas”)

compreendeu muito bem que existe efetivamente uma economia política da

“financeirização”. A meta de envolver os assalariados no mercado financeiro representa a

Page 89: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

89

sua estratégia — e ela é muito perigosa. Como melhor consagrar os mercados de capitais do

que tornando os assalariados solidários? Afinal, reconstruir seus interesses por meio das

finanças não equivale a reconstruir o salariato como apoio objetivo da “financiarização”?

É evidente que essa “solidariedade” não passa de uma fraude: algumas migalhas de

participação financeira contra uma servidão adquirida para a eternidade. Além disso, a

servidão procede de mecanismos abstratos, remotos, e que sabem se fazer esquecer, ao

passo que as migalhas, mesmo sendo migalhas, exercem um peso concreto que pode ser

suficiente para deixar acreditar que “mexer com as finanças” equivale a “mexer com os

interesses dos assalariados”.

[1] Por meio dos quais, a instituição abastece os bancos, aumentando sua liquidez.

[2] No qual uma taxa inicial vantajosa é concedida durante os primeiros dois anos, até ser

reajustada para a taxa “plena”, que passa a vigorar durante os 28 anos seguintes.

[3] Ler “Comment la finance a tué Moulinex”, Le Monde Diplomatique, março de 2004.

[4] Emissões de títulos (ações, obrigações etc.) por conta des seus clientes.

[5] “Mensagem aos nossos clientes”, anúncio publicitário do banco Société Générale,

publicado em Les Echos no dia 4 de fevereiro de 2008.

[6] Le Figaro, 25 de janeiro de 2008.

[7] Ler “Enfin une mesure contre la démesure de la finance: Le SLAM”, em Le Monde

Diplomatique, edição francesa, fevereiro de 2007.

[8] Posta em vigor em 1933, essa lei foi abolida por Bill Clinton em 1998.

[9] Ler Serge Halimi, “O preço dos preços baixos”, Le Monde Diplomatique Brasil, janeiro

de 2006.

Page 90: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

90

O mundo reO mundo reO mundo reO mundo refém das finançasfém das finançasfém das finançasfém das finanças ---- Frédéric Lordon LMD

Por que o estouro da bolha imobiliária dos EUA é uma ameaça à economia internacional. Quais as novas formas de especulação nos mercados financeiros, e de que modo elas podem propagar a crise. Como os grandes bancos e fundos de investimento transferem a conta de sua irresponsabilidade para os Estados e sociedades

Há dois séculos, Hegel deplorava a incapacidade crônica dos Estados de aprender

com as experiências da história. Os governos não são os únicos poderes incapazes de

aprender. O capital – notadamente o financeiro – também parece condenado à perseverança

no erro, à aberração recorrente e ao eterno retorno da crise financeira. Apesar de envolver

novos “produtos”, a atual crise dos mercados de crédito permite entrever, uma vez mais, os

ingredientes quimicamente puros do desastre. Também oferece, a quem quiser enxergar,

uma oportunidade a mais para refletir sobre as “vantagens” da liberalização dos mercados

de capitais.

É que a crença financeira não se dissipa com facilidade. Logo ela, que se vangloria

de ser a encarnação do princípio de realidade, que submete as empresas à “validação dos

fatos”, segundo os critérios do “reporting” (prestação de contas trimestral) e do “track

record” (histórico de desempenho), mantém-se ignorante do que a história recente — sua

própria história — lhe entrega de bandeja. É que o “track record” da liberalização

financeira não tem boa reputação. Desde que ela se impôs, tem sido difícil passar mais de

três anos seguidos sem um incidente de envergadura. Quase todos poderiam figurar nos

livros de história econômica: 1987, quebra dos mercados de ações; 1990, quebra dos “junk

bonds” (“títulos podres”) e crise das “savings and loans” (instituições financeiras de

poupança e empréstimos) norte-americanas; 1994, crise de debêntures norte-americanos;

1997, primeira fase da crise financeira internacional (Tailândia, Coréia, Hong Kong); 1998,

segunda fase (Rússia, Brasil); 2001-2003, estouro da bolha da Internet.

E aqui estamos nós, em 2007. Leitura dos devotos: “A globalização é auspiciosa,

mas dolorosa” [1]. No Le Monde, Pierre-Antoine Delhommais deleita-se com a resistência

da besta diante de tantos choques de vulto — que parecem prestes a matá-la, apenas para

vê-la reerguer-se caminhar com ânimo renovado. Omite-se quanto custou, aos assalariados,

pagar a conta da embriaguez financeira em cada ocasião. Invariavelmente, o solavando dos

Page 91: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

91

mercados atinge os bancos, e portanto o crédito; em seguida, os investimentos, o

crescimento e o emprego.

Seria necessário quem sabe, que o jornal fosse adquirido por um fundo de

investimentos um pouco impiedoso para que, ao viver a experiência concreta do

“downsizing” (“enxugamento”), o jornalista se visse mais impelido a calcular o número de

empregos destruídos em função das práticas do mundo financeiro e de suas crises.

A crise dos mercados de crédito que castiga a economia norte-americana oferece

uma visão quase ideal das relações fatais da especulação desenfreada. Como em uma

parada, desfilam novamente as toxinas gerais do mundo financeiro, sempre as mesmas e

numa ordem absolutamente idêntica: 1. as tendências “Ponzi” da especulação; 2. a lassidão

das avaliações de riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3. a vulnerabilidade estrutural a

uma pequena mudança de ambiente e o efeito catalizador de um enfraquecimento pontual

do sistema, que precipita a reviravolta; 4. a revisão instantânea das estimativas; 5. o

contágio de outros setores do mercado; 6. o choque dos bancos excessivamente expostos; 7.

a ameaça de um acidente sistêmico, ou seja, de um colapso global, seguido de uma recessão

generalizada por estrangulamento do crédito e um pedido de socorro aos bancos centrais

feito por todos os fanáticos da livre iniciativa privada.

1. AS TENDÊNCIAS “PONZI” DOS MERCADOS

Como "pirâmides da felicidade", as bolhas especulativas apóiam-se numa

hipótese impossível: a de que novos investidores sempre entrarão na ciranda, para

sustentar os ganhos dos que chegaram antes

Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky evidenciou os

encadeamentos da economia de mercado, resumidos por ele na eloqüente expressão

“cegueira ao desastre” [2]. Minsky dedicou particular atenção aos distúrbios provocados

por Charles Ponzi, especulador dos anos 20, que iludiou pessoas ingênuas, seduzidas por

promessas de rendimentos extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir

os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado

pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção

infinita do fluxo de novos clientes.

Próximas à fraude, todas as bolhas especulativas baseiam-se num mecanismo

bastante semelhante. Elas requerem uma entrada constante de investimentos, para manter o

Page 92: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

92

mercado em alta e a ilusão de que, assim, todo mundo ganha. O segredo da bolha é a

adesão especulativa. Investimentos de alta rentabilidade atraem aplicadores cada vez mais

comuns — portanto, cada vez menos esclarecidos, porém mais numerosos.

Para que o crescimento do mercado imobiliário norte-americano se prolongasse, se

possível ad aeternum, era necessário que grupos cada vez mais significativos de famílias

fossem levados a procurar o mercado de empréstimos hipotecários. Com a ajuda do sonho

norte-americano de ser proprietário, não foi difícil convencê-los no início. Escaldados pela

queda das ações no estouro da bolha da internet, eles estavam à procura de outras formas de

investimento. Mas o contingente de tomadores de empréstimo “saudáveis” esgotou-se

rapidamente. Como o mercado precisava imperativamente ser sustentado, as instituições

financeiras foram à procura de novos clientes. Os rios de dinheiro emprestados levaram os

preços dos imóveis às alturas.

Mesmo que não seja possível manter o pagamento da dívida, famílias e

emprestadores julgam que o imóvel poderá ser vendido com valorização para uns e

comissão para outros. A crença no crescimento incessante do mercado leva a aprovar

qualquer empréstimo. As torneiras do crédito são abertas por completo, e a alta

especulativa parece dar razão a todos. Surge a categoria das hipotecas de segunda linha

(subprime mortgages) — cujos beneficiários têm capacidade de pagamento mais que

duvidosa. Como a euforia está no auge, todos os limites podem ser ultrapassados. Criam-se

figuras como os empréstimos “Ninja”: “No Income, No Job or Asset”, ou seja concedidos a

clientes, “sem renda, sem emprego ou sem ativo (a ser dado como garantia)” — e o

champanhe de brinde, talvez.

2. LASSIDÃO NAS AVALIAÇÕES DE RISCOS

Fantástico milagre da securitização: em teoria, qualquer empréstimo pode ser

fatiado em infinitos pedaços, para que os riscos de inadimplência sejam pulverizados

até se tornarem irrisórios

Mas o mercado financeiro, que costuma se dizer especialista em controle de riscos

tem alternativas. Ele não peca jamais por falta de criatividade. A grande mágica? Os

“produtos derivados”. O problema de um crédito, ainda mais quando de risco, é que ele

continua nos livros contábeis de quem o concedeu até sua liquidação — seja ela boa ou

ruim. O grande achado, que remonta ao início dos anos 90, consiste em “fundir” um certo

Page 93: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

93

número de créditos para, com lastro neles, emitir títulos negociáveis. A grande vantagem

dessa operação, adequadamente chamada de “securitização”, é o fato de que os títulos

assim “fabricados” podem ser vendidos nos mercados em pequenos lotes a múltiplos

investidores (institucionais). E eis que, então, os créditos duvidosos saem do balanço do

banco. Compreende-se agora que ele os conceda com tanta facilidade: pode livrar-se deles

assim que forem securitizados!

Por que os investidores querem comprar aquilo de que o banco quer se livrar? Para

começar, porque adquirem os títulos em pequenas quantidades e, sobretudo, porque esses

papéis são negociáveis, ou seja, podem ser novamente vendidos. Além disso, a linha de

títulos derivada do grupo inicial de créditos é recortada em diferentes fatias de risco

homogêneas. Conforme seu próprio perfil, cada investidor institucional garimpará na fatia

que lhe convém, sabendo que sempre encontrará algo — especialmente os “hedge

funds” [3]. Mesmo as fatias de alto risco são atraentes, por oferecerem maior retorno...

enquanto tudo vai bem.

Evidentemente, a instituição que fez o empréstimo inicial transfere todos os direitos

(juros e amortizações) e riscos (de inadimplência) aos portadores desses títulos, chamados

de RMBS (“Residential Mortgage Backed Securities”, ou seja, títulos amparados em

créditos imobiliários). Porém, esses portadores são tantos — e mudam tanto — que daí

decorre uma extraordinária dispersão do risco global. Antes, o banco enfrentava sozinho a

inadimplência relativa a um de seus empréstimos. Agora não somente está totalmente

desembaraçado como também as conseqüências do não-pagamento estão pulverizadas entre

uma miríade de investidores. Cada um assume uma parte mínima do risco, diluída no

conjunto de sua própria carteira.

Riscos diluídos… ou subestimados?

Mas então, por que o alarme se, com o milagre da securitização, o mercado

financeiro resolveu a quadratura do círculo? Ocorre que as piores fatias de uma dívida

recebem um tratamento especial, para serem mais facilmente escoadas. Alguns investidores

re-fatiarão os próprios RMBS que adquiriram. Emitirão um novo tipo de títulos

negociáveis, os CDO (Collateralised Debt Obligations). Títulos derivados de títulos, os

CDOs podem ser de três tipos, correspondentes ao risco de inadimplência da fatia da dívida

a que se referem. A fatia superior, chamada de “investment grade”, torna seus portadores

Page 94: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

94

imunes aos primeiros 20% ou 30% de inadimplência sobre os créditos imobiliários iniciais.

Segue-se uma fatia intermediária, chamada de “mezzanino”, e finalmente uma mais baixa,

que sofrerá o choque das primeiras insolvências.

Dá-se o nome pudico de “equity” a essa fatia, mas a linguagem dos mercados diz as

coisas mais na lata: “toxic waste”, ou seja, “resíduos tóxicos”. Esses produtos elevam o

risco ao quadrado, pois representam a fatia de maior risco dos CDOs, derivada da fatia mais

arriscada dos RMBSs, retirados da carteira inicial de créditos. Mas, enquanto o mercado

imobiliário seguir em alta e as famílias continuarem pagando as dívidas, sempre haverá

quem compre os papéis. Como a toxicidade ainda não está materializada, o que aparece são

as remunerações espetaculares.

Um dos segredos do desempenho dos “hedge funds” é levantar fundos a taxas mais

baixas e investir em títulos de alto risco, que remuneram proporcionalmente — ou seja,

muito. As margens são enormes, os “resíduos tóxicos” são vistos como minas de ouro e os

golden boys fazem a festa. Os lucros faraônicos mascaram os riscos objetivos, que ninguém

quer enxergar para que a ciranda gire o maior tempo possível.

3. DA VULNERABILIDADE ESTRUTURAL À INSOLVÊNCIA

A construção cresce como um enorme castelo de cartas. Em certo ponto,

qualquer pequeno incidente é capaz de ameaçar todo o edifício

A dispersão dos riscos por meio das operações de securitização em cadeia acabou

levando a crer que eles não mais existiam. É uma ilusão. Ainda mais porque essa doce

embriaguez logicamente induziu a comportamentos cada vez mais aventureiros. Já que

estou me desfazendo dos meus créditos, mesmo dos piores, diz a si mesmo o financiador

imobiliário, então o negócio é ir cada vez mais fundo nos empréstimos. E já que o mercado

está com liquidez, diz a si mesmo, na outra ponta, o “hedge fund”, por que não comprar os

CDO mais podres, que são os mais lucrativos? Os riscos certamente foram diluídos, mas a

própria diluição engendrou um crescimento totalmente descontrolado de seu volume global

e a situação caminha suavemente para as zonas críticas.

A fragilidade estrutural do edifício agora é tal que ele se torna vulnerável a

modificações do ambiente a priori insignificantes. A elevação de 0,25% na taxa de juros

pelo banco central dos EUA (o Federal Reserve, FED) aparentemente não é nada. Exceto

pelo fato de que, na outra ponta da curva de riscos, o crédito imobiliário de Mrs. Brimmage

Page 95: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

95

passou dos 6,3%, em 2005, para 11,25%, e suas parcelas mensais subiram de 414 para 691

dólares [4]. Razão mais que suficiente para ela deixar de pagar. Como ela, 14% dos

tomadores de empréstimo subprime entraram em inadimplência no primeiro trimestre de

2007.

Falando em termos modestos, as altas da taxa de juros do FED têm um duplo efeito

de corte. De um lado, há menos gente entrando no mercado imobiliário e os preços

começam a baixar. De outro, aqueles que estão nele vêem as parcelas de suas dívidas se

tornarem insuportáveis. A própria possibilidade de "sair" do sistema fica comprometida. A

eventual venda da propriedade, para tentar saldar a dívida, se fará por um preço inferior ao

previsto. E a multiplicação das vendas acentua a pressão de baixa generalizada dos preços

dos imóveis.

Como sempre ocorre nas crises financeiras, uma instituição financeira tem uma

grande perda e o abalo provocado por seu colapso dá o sinal da grande virada. Nesse caso,

duas falências — nas duas pontas da corrente — vieram colocar um ponto final na

embriaguez dos mercados. Primeiro, foi o banco de investimentos Bear Stearns, que teve de

fechar dois de seus fundos "dinâmicos", ou muito lucrativos. Mas também o American

Home Mortgage (AHM), agente imobiliário, teve de se colocar claramente sob a proteção

do capítulo 11 da lei de falências norte-americana [5]. Esse fato é mais inquietante que o

anterior. O AHM não está especialmente comprometido no compartimento dos

empréstimos “subprime”. Será sinal de que as inadimplências estão se generalizando?

Haverá outras instituições em dificuldades?

4. A REVISÃO IMEDIATA DAS AVALIAÇÕES DE RISCOS

A crise está provavelmente no começo. A queda do preço dos imóveis

provocará uma onda de inadimplência que pode atingir os poderosos "hedge funds"

Desta vez, houve uma leve brisa de pânico. Os “toxic wastes” já cheiram bem mal e

as pessoas começam a dizer que os CDOs antes tidos como mais seguros talvez estejam

bastante contaminados. Mas como se pôde chegar a erros de avaliação tão monumentais?

Com certeza, a complexidade objetiva da avaliação dos produtos derivados não tem nada a

ver com isso. Com certeza, as agências de avaliação de risco (rating) avaliam essas fatias

de CDO e RMBS às centenas. Entretanto, elas são, num certo sentido, impotentes. Seu

próprio faturamento provém das instituições financeiras, que emitiram incessantemente

Page 96: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

96

títulos a serem avaliados — 40% do rendimento de 2006 da Moody’s foi conseguido com

avaliações de produtos estruturados. Para que haja novos produtos a analisar, sem dúvida é

preferível que os antigos sejam declarados saudáveis.

As agências de rating nunca souberam ser independentes dos entusiasmos do

mercado que deveriam moderar. Na maior parte do tempo, lhe serviram de coro. Quem está

próximo ao meio financeiro e vive às suas custas, tem dificuldade se mostrar independente,

num momento em que todo mundo está enchendo os bolsos. Catastroficamente pró-cíclicas

quando deveriam ser contra-cíclicas, as agências mantêm-se alheias durante a alta. Quando

a reviravolta acontece, lançam-se, apavoradas, a fazer à revisão das avaliações anteriores,

contribuindo para transformar o sobressalto em colapso.

E a crise provavelmente está apenas no começo. As falências imobiliárias que estão

por vir caminham lado a lado com as teasing rates, as taxas muito atraentes que os

corretores usam para seduzir os clientes. Nos últimos anos, uma das modalidades mais

praticadas ficou conhecida como “2 + 28”. Nos dois primeiros anos, uma taxa de juros

simpática. Nos 28 seguintes, a taxa plena, que causa problemas. Portanto, ainda não

irrompeu a inadimplência relativa às vendas em 2006, e quase nada da de 2005 — as mais

fortes da bolha imobiliária. Sem dúvida serão notáveis. Trarão grandes prejuízos aos

“hedge funds”, empanturrados de seus produtos derivados.

E com a globalização das finanças e a estupidez financeira, nada disso se detém nas

fronteiras norte-americanas. É nos EUA que o mercado hipotecário delira, mas a

securitização daí derivada se oferece a todos os fundos especulativos do planeta. Os

alemães, durante muito tempo considerados mornos e tediosos, agarrados a seus

melancólicos bancos de varejo, decidiram, na virada do século, tornar-se “modernos” e se

voltar mais decididamente para as atividades de mercado. Resultado: depois do grande

susto de 1998 (risco russo) e das surras da bolha de internet (2001), eis que um banco, o

IKB, encontra-se à beira da falência por causa da superexposição aos papéis subprime…

5. SUSPEITAS POR CONTÁGIO

Num dominó típico das crises financeiras, a descoberta de riscos num setor da

economia desperta dúvidas sobre outros. Ninguém confia na solidez de atividades

contaminadas pela especulação

Page 97: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

97

Agora, tudo se encadeia de um canto a outro do globo e dos mercados. O frágil

equilíbrio dos produtos derivados resistia enquanto ninguém o provocava — ou seja,

enquanto todos fingiam acreditar que o mercado tinha liquidez. Mas assim que um dos

atores sofre perdas exageradas e considera a hipótese de sair do sistema, vendendo seus

CDO, o medo latente se cristaliza e todos os compradores desaparecem. Com a liquidez

evaporada, os papéis, formalmente negociáveis, praticamente deixam de sê-lo. Torna-se

quase impossível avaliá-los, já que seu preço pode virtualmente cair a zero.

Engraçado — até a hora em que se começa a chorar —, o comunicado do BNP-

Paribas, que, em 9 de agosto, fechou três de seus fundos (também eles “dinâmicos”): “O

desaparecimento em certos segmentos do mercado da securitização nos Estados Unidos

conduz a uma ausência de preço de referência e a uma falta de liquidez quase total dos

ativos dos fundos, não importa qual seja a sua qualidade ou classificação” [6]. Tudo isso

não havia impedido que Baudoin Prot, controlador do banco, afirmasse categoricamente,

uma semana antes, que a liquidez dos três fundos estava assegurada. Significa, sobretudo,

que a inquietação ultrapassa amplamente o perímetro dos produtos de maior risco e

contamina as fatias consideradas mais seguras.

Nesse seara tão fértil, o contágio não vai parar. Além de atingir todas as classes de

risco dos RMBS e seus derivados, ele também se estende a outras partes do mercado que

nada têm a ver com crédito imobiliário — exceto o fato de terem também caído na orgia

dos créditos indiscriminados. É exatamente o caso do setor de private equity, esses fundos

de investimento, vedetes das finanças nos últimos anos, que recompram integralmente

empresas tidas como promissoras, fazem-nas sair da bolsa, reestruturam-nas no tranco para

revendê-las, dois a quatro anos mais tarde, com forte valorização.

Tais fundos comprometem muito pouco dos seus capitais próprios. Mergulham

fundo em dívidas, cujo serviço, aliás, transferem à empresa recomprada. A rentabilidade

que resulta é excepcional. Atingiu tais níveis que os bancos literalmente se precipitaram

para financiar tais operações. Num estado de quase mistificação, e persuadidos de que se

ganha de todos os lados, concederam a esses fundos condições de empréstimo

surpreendentes. É o caso dos chamados empréstimos covenant-lite, ou seja, livres de todas

as cláusulas relativas a coeficientes financeiros elementares a que são normalmente

Page 98: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

98

submetidos os tomadores de empréstimo — “aconteça o que acontecer, nós estamos do seu

lado".

Melhor ainda são os chamados empréstimos PIK (Payment In Kind – pagamento em

espécie) ou ainda IOU (I Owe You), cujos juros e principal são reembolsados não em

dinheiro, mas em adicional de dívida acrescentado à dívida inicial. Os encargos de crédito

orientados para os fundos de private equity atingiram volumes astronômicos. Ora, as

operações desse tipo são particularmente vulneráveis no momento de desatá-las, já que se

trata de revender ativos notoriamente sem liquidez: não blocos de ações, mas empresas

inteiras. Ao primeiro acidente que ocorra em meio a essa operação — revenda impossível,

adiada ou com desvalorização — será a vez de todo o setor viver seu momento dramático.

As recentes operações para captação de recursos financeiros acontecem de forma

bastante trabalhosa, se comparadas com a facilidade exuberante dos meses anteriores. É que

os bancos, antes cúmplices lassivos, tornam-se subitamente reticentes. Por um efeito de

amálgama, típico das crises financeiras, a súbita revelação dos riscos em um setor suscita

questionamentos paralelos em outros, onde a euforia quase produziu o mesmo estrago. Em

1994, os insucessos do México induziram a dúvida em relação à Tailândia, por um puro

efeito de amálgama, com base na categoria “mercados emergentes”. Da mesma forma, hoje,

o mercado imobiliário produz efeitos sobre a private equity.

6. CHOQUE NOS BANCOS

Expulso pela porta, o risco implícito nos empréstimos retornou pela janela.

Para reequilibrar as contas, será preciso fechar as torneiras do crédito, atingindo

trabalhadores e empresas não-financeirizadas

Ainda que tenham conseguido se desfazer de suas carteiras de créditos imobiliários

por meio da securitização, os bancos suportam o giro da manivela, por múltiplas vias. Para

começar, deixaram seus fundos de gestão se encarregar dos produtos derivados, e o risco

hipotecário expulso pela porta voltou pela janela. Mas é, também, o contágio lateral que os

ameaça, marcadamente por meio da private equity, onde estão diretamente expostos.

Ora, a regulação prudente do setor bancário não brinca: os bancos são forçados a

manter cuidadosos coeficientes de solvência entre seus capitais próprios e compromissos.

Se houver desvalorizações de patrimônio — e elas se anunciam com muito mais força,

levando as agências de rating a despertar e rever todas as avaliações para baixo —, os

Page 99: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

99

bancos devem contabilizar as provisões correspondentes. Para manter seus coeficientes,

terão de reduzir o denominador (os créditos concedidos) proporcionalmente à contração do

numerador (os capitais próprios onerados pelas provisões).

Em conseqüência, e como sempre, serão os agentes da economia real —

assalariados e empresas não-financeirizadas, distantes de todas as piruetas da especulação

— que encontrarão as torneiras de crédito fechadas, sem nem mesmo compreender o que

fizeram para merecer isso. Porque, para recompor os balanços dos bancos, a contração do

crédito será geral, e todos os tomadores de empréstimos serão atingidos.

7. O PEDIDO DE SOCORRO AOS BANCOS CENTRAIS

Quando a crise bate à porta, as finanças engolem o discurso privatista e

aconchegam-se nas tetas do Estado. O prejuízo imposto às sociedades é idêntico ao

resgate que se cobra de um seqüestrado

Bela figura fazem agora os heróis do mundo das finanças. Modernos e arrogantes

quando os mercados estavam em alta, ei-los pendurados nas tetas do Estado, que tanto

desprezam, quando a fortuna os estimula ao discuro ideológico privatista. Os bancos

centrais, chamados a livrá-los da ruína cortando as taxas de juros para restaurar a liquidez

geral, não são o próprio Estado — mas integram o setor público, o fora-do-mercado,

detestado quando os lucros correm soltos, requisitado quando fecha o tempo.

Jim Cramer, que tem um programa de aconselhamento financeiro na rede norte-

americana de negócios CNBC, teve um ataque de nervos em 3 de agosto. Aos berros e

vestindo camisa de mangas curtas, com um fundo musical de hard rock saturado, de

buzzers e bulls [7] sobrepostos, insultou [8] Ben Bernanke, presidente do FED, aos gritos

de “cut! cut!” — "corta! corta!” (as taxas de juros). E como Bernanke parece dispor de

tempo, Cramer premia-o com o insulto supremo: ele não entende nada, não passa de um

“intelectual” (acadêmico) [9].

Bem vestidos e não tão vulgares, os outros gestores de fundos consultados no

mesmo canal estão totalmente de acordo. Ah, que saudade de Alan Greenspan, que

“cortava” as taxas de juros sem reclamar. Um verdadeiro clínico, não se deixava atrapalhar

por estudos inúteis. Bastava-lhe simplesmente tatear o lombo da besta, para saber que era

preciso afrouxar o nó.

Page 100: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

100

Os menos idiotas começam, porém, a dizer que essa longa tolerância monetária com

os excessos das finanças tem algo a ver com o surgimento e multiplicação dos riscos que

irromperam agora. Bernanke tendeu, de início, a deixar os operadores mais imprudentes

suportarem as conseqüências de sua inconseqüência. Mas não devemos nos enganar. Essa

posição do banqueiro central só pode ser mantida se os problemas continuarem localizados.

Quando eles se concentram e precipitam um “risco sistêmico” — ou seja, uma quebra

generalizada, por efeito-dominó —, não há outra escolha a não ser intervir, e maciçamente.

Aliás, é esse o aspecto mais insuportável dos danos causados pelo mundo das

finanças. Sempre encorajado a ir longe demais, ele avança muito além do limite a partir do

qual o Estado é obrigado a entrar de cabeça — e a atingir a sociedade — para lhe salvar o

pescoço. Nada mais parecido com um seqüestro de reféns.

[1] Delhommais, Pierre-Antoine, Le Monde, 9 ago. 2007. [2] Minsky, Hyman P. Stabilizing an Unstable Economy. Yale University Press, 1986. [3] Fundos de investimentos aplicados em diversos mercados visando diminuir riscos e reduzir eventuais prejuízos ao mesmo tempo (Nota da Edição brasileira [4] Mortgage Maze May Increase Forclosures, The New York Times, 6 ago. 2007. [5] Entre outros aspectos, este capítulo libera o empregador de suas obrigações trabalhistas e permite renegociar os acordos salariais. [6] Comunicado do BNP-Paribas, 9/8/2007 [7] O touro – bull – é o animal que representa a alta da Bolsa. [8] CNBC, 3 ago. 2007. Veja no YouTube [9] Ben Bernanke tem um longo passado de economista acadêmico.

Page 101: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

101

Page 102: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

102

Page 103: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

103

Page 104: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

104

Page 105: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

105

Page 106: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

106

Page 107: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

107

Page 108: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

108

Page 109: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

109

Page 110: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

110

Page 111: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

111

Page 112: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

112

Page 113: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

113

Page 114: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

114

Page 115: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

115

Page 116: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

116

Page 117: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

117

Page 118: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

118

: Reinaldo A. Carcanholo* y Mauricio de S. Sabadini**

¿Qué características presenta la nueva etapa del capitalismo mundial iniciada a fines de los años 70 y principios de los 80? ¿Cuáles son las perspectivas para su continuidad y para su superación? Esas son preguntas sumamente relevantes en la actualidad, y la respuesta adecuada, como hemos señalado en trabajos anteriores, pasa por el concepto marxista de capital ficticio.[1]

Ese concepto, descrito por Marx en el tercer libro de El Capital, no es de fácil aceptación por parte de aquellos que tienen deudas con las concepciones positivistas y metafísicas, sean de perfil keynesiano o no. Algunos tienden incluso a aceptarlo, dada la intensidad de su existencia y de su predominio en los días actuales, pero lo hacen "a regañadientes" y, en verdad, no son capaces de entenderlo con propiedad desde el punto de vista dialéctico, perspectiva esa sin la cual el concepto tiende a perder mucho de su capacidad explicativa. El hecho de que el capital ficticio sea, al mismo tiempo, ficticio y real debe parecerles simplemente una contradicción en los términos. Y es justamente en esa dialéctica real/imaginaria que el concepto gana toda su pertinencia.

Si por un lado el concepto de capital ficticio no es de fácil asimilación, el de ganancias ficticias no encuentra prácticamente a nadie que lo considere aceptable desde el punto de vista teórico, incluso entre aquéllos que se presentan como pertenecientes al campo marxista.

En primer lugar, no se trata de un concepto que haya sido desarrollado por Marx y eso puede ser definitivo para muchos. Por supuesto que en la época de ese autor, en la que la idea de un capital ficticio dominante sobre el capital sustantivo[2] estaba lejos de ser posible, pensar que una parte de las ganancias no fuera derivada de la plusvalía y ni siquiera del excedente-valor de formas de producción no salariales constituía un contrasentido.

En nuestra época, sin embargo, en la que el capital ficticio efectivamente se ha transformado en dominante, a punto tal que hemos necesitado darle otro nombre (capital especulativo parasitario), la idea de ganancias ficticias surgió para nosotros como algo poco menos que automático, totalmente inspirada en los análisis que Marx hace en los diversos capítulos del tomo III de El Capital.

Hagamos, en primer lugar, un esfuerzo para, por lo menos en forma resumida, esclarecer los conceptos de capital ficticio y de capital especulativo parasitario[3] para después explicar en qué consisten las ganancias ficticias.

Del capital ilusorio al capital especulativo parasitario

En primer lugar, debemos aclarar que capital a interés, que financia la producción o la circulación, y capital ficticio son cosas totalmente diversas, aunque el segundo nace como consecuencia de la existencia del primero[4].

Lo primero que hay que considerar es el hecho de que el capital a interés, por si mismo, produce una ilusión social y es precisamente a partir de ella que aparece el capital ficticio. En el capitalismo, la existencia generalizada del capital a interés, cuyo significado aparente es el hecho de que toda suma considerable de dinero genera una remuneración, produce la ilusión contraria, es decir, la de que toda remuneración regular debe tener como origen la existencia de un capital. Dicho capital en sí no tiene mayor significación para el funcionamiento del sistema económico y puede ser llamado de capital ilusorio (valor presente de un rendimiento regular).

Sin embargo, cuando el derecho a tal remuneración está representando por un título que puede ser comercializado, vendido a terceros, se convierte en el capital ficticio. El título comercializable es la representación legal de esa forma de capital. El ejemplo tal vez más simple de la existencia de capital ficticio está constituido por una concesión pública, a particulares, del derecho de utilización comercial de una frecuencia de radio o televisión, cuando dicha concesión, realizada a cambio de favores políticos o de cualquier otro tipo, puede ser vendida a terceros.

Así, el capital ficticio nace como consecuencia de la existencia generalizada del capital a interés, pero es el resultado de una ilusión social.[5] Y ¿por qué debemos llamarlo capital ficticio? La razón está en el hecho de que, por detrás de él no existe ninguna sustancia real y porque no contribuye en nada para la producción o la circulación de la riqueza,

Page 119: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

119

por lo menos en el sentido de que no financia ni el capital productivo, ni el comercial.

En el capital a interés, el capital aparece como si fuera una fuente autónoma de valorización. Y dicha fuente se presenta, según Marx, de forma mistificadora, una vez que el interés es apropiado sin trabajo y su existencia aparece al mundo capitalista separada de toda conexión con el excedente producto del trabajo.

Al desarrollarse el sistema de crédito, con el objetivo primordial de financiar la producción, el capital a interés adquiere gran importancia y dimensión en el sistema capitalista, al estar directamente subordinado a la lógica del capital industrial. Al mismo tiempo que se apropia de una parte de la plusvalía generada en el sector productivo, el capital a interés aumenta la eficiencia de la producción del excedente, así como la velocidad de reproducción del ciclo del capital.

Marx destacó el carácter dependiente y complementario de ese capital a interés al capital productivo en pasajes como el siguiente:

...una vez que la producción capitalista se encuentra totalmente desarrollada y una vez que se constituye en forma dominante de producción, el capital a interés pasa a ser dominado por el capital industrial y el capital comercial, no es más que un aspecto de éste, derivado del proceso de circulación. Aunque formas autónomas, se encuentran subordinados al capital industrial. (Marx, 1976, p. 554.)[6]

Afirmaciones como ésta nos aseguran que la autonomización de las formas funcionales del capital, representadas en este momento por el capital a interés, interfiere de manera positiva en el sistema capitalista al proporcionar su crecimiento.

De ese modo, si bajo la forma de capital a interés el capital adquiere una forma mistificadora, bajo la forma de capital ficticio, asume un aspecto aún más complejo y más desmaterializado. Aparentemente, se desarrolla de manera independiente de la dinámica de la producción:

Al desarrollarse el capital a interés y el sistema de crédito, parece duplicarse y a veces triplicarse todo el capital por el diverso modo como el mismo capital o simplemente el mismo título de deuda aparece en distintas manos bajo diversas formas. La mayor parte de este "capital-dinero" es puramente ficticio. (Marx, 1968, tomo III, p. 443)

Así, el capital ficticio disimula aún más las conexiones con el proceso real de valorización del capital, al consolidar la imagen de un capital que se valoriza por sí mismo, particularmente en el mercado de compra y venta especulativa:

De este modo se borra hasta el último rastro del verdadero proceso de valorización del capital y se refuerza la idea del capital como un autómata que se valoriza a sí mismo y por su propia virtud. (Marx, 1968, tomo III, p. 439)

Comprendido el surgimiento teórico del capital ficticio, Marx pasa a referirse a algunas formas de su existencia. Entre otras formas, se refiere al valor de las acciones correspondientes al real patrimonio de empresas. Para facilitar el razonamiento, en ese particular, pensemos exclusivamente en empresas productivas.

¿Qué razón lo lleva a clasificar las acciones, aunque en monto total correspondiente al real patrimonio de una empresa productiva, como capital ficticio? La primera de ellas es que las acciones permiten obtener un rendimiento anual y, además, pueden ser vendidas en el mercado. Pero, aun así, debemos descartar que no tengan sustancia por detrás; en verdad, representan el patrimonio de la empresa.

En verdad, las acciones constituyen capital ficticio por el hecho de que representan una riqueza contada dos veces: una, el valor del patrimonio de la empresa; otra, el valor de ellas mismas. La prueba de que eso es verdad es que pueden ambos valores servir de garantías, por ejemplo, para créditos bancarios. Pueden ser contadas dos veces, o tres, o más, gracias a la existencia de empresas holdings.

Eso significa que el capital ficticio no surge solamente como resultado de la ilusión mencionada anteriormente, cuando se convierte en título negociable. Es también resultado algo más directo del capital a interés, del sistema de crédito, cuando éste duplica aparentemente la riqueza real, como es el caso de las acciones[7] de una empresa. Ese tipo de capital ficticio constituido por acciones con valor igual al del patrimonio real de empresas productivas, lo

Page 120: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

120

vamos a llamar capital ficticio de tipo 1.

Sin embargo, hay una segunda razón para que las acciones deban ser consideradas como capital ficticio: es el hecho de que su valor se mueve muchas veces con independencia del valor del patrimonio de las empresas. Así, una valorización especulativa de las acciones constituye un incremento del volumen total del capital ficticio existente en la economía. Pero ese incremento posee una característica distinta del valor original: no constituye una duplicación aparente de un valor real. En realidad, detrás de él no hay ninguna sustancia real. Por eso, a ese incremento lo vamos a llamar capital ficticio de tipo 2. Así, el capital ficticio también aparece como resultado de la especulación, cuando esta eleva el valor de mercado de cualquier tipo de activo (sea real o fiduciario). Obviamente, si tenemos una reducción especulativa del valor de activos, nos encontramos con una destrucción de capital ficticio.

Así, y por extensión, podemos clasificar a toda valorización especulativa de activos reales o mobiliarios como capital ficticio de tipo 2.

Marx también destaca que los títulos de la deuda pública constituyen capital ficticio. Pero también aquí debemos distinguir entre los tipos 1 y 2. Cuando los títulos públicos son emitidos para financiar inversiones reales, tales como carreteras, puertos, puentes, túneles, ferrocarriles, edificios, se trata de capital ficticio de tipo 1. Al contrario, cuando el incremento de la deuda pública ocurre en razón de gastos improductivos[8] o gastos corrientes o aún de transferencias[9], estamos frente a la creación de un nuevo capital ficticio de tipo 2, una vez que no sobrevive nada sustancial por detrás de ese incremento de la deuda.

De esa manera, el capital ficticio tiene como origen tres fuentes: a) la transformación en títulos negociables del capital ilusorio, b) duplicación aparente del valor del capital a interés (en el caso de las acciones y de los títulos públicos) y c) valorización especulativa de los diferentes activos. Ese capital ficticio de tres diferentes orígenes tiene en común el hecho de que, al mismo tiempo que es ficticio, es real. Es real desde el punto de vista del acto individual y aislado, en el día-a-día del mercado, es decir, desde el punto de vista de la apariencia; es la dialéctica ficticio/real, que quedará más clara posteriormente.

Pero hay otra cosa que aclarar. ¿Si la deuda pública constituye, en manos de sus acreedores, capital ficticio, por qué no pasa lo mismo con la deuda privada, cuando esta se refiere a créditos para el capital industrial? Sobre todo, ¿por qué no pasa eso si, incluso, la deuda privada puede estar representada por un título transferible a terceros, en el mercado? Eso significaría que también los créditos a particulares para financiar la inversión productiva o comercial deberían ser considerados, en las manos de los prestadores, capital ficticio.

De hecho, cuando el crédito es destinado al sector privado y se formaliza por medio de un título negociable en el mercado, también debe ser considerado capital ficticio. Debe ser considerado así porque aparentemente el valor se ha duplicado. Por detrás de él hay una sustancia y por eso se trata de capital ficticio del tipo 1.

Es, en verdad, el mismo caso de las acciones de una empresa privada, con una diferencia. El préstamo a una empresa tiene como contrapartida una deuda de ésta, lo que no es el caso de las acciones. A pesar de que haya la contrapartida de la deuda, y la suma de ella con el crédito es igual a cero, en realidad hay una duplicación aparente de la riqueza: el título de crédito en manos del prestatario y los bienes reales comprados por el prestamista.

Sin embargo, es indispensable destacar que en el caso señalado del crédito, estamos frente a dos cosas complemente diferentes: el capital a interés no puede ser confundido con el capital ficticio que genera. Aquél corresponde a una riqueza real que fue producida bajo la forma de excedente[10]; este es puramente ficticio desde el punto de vista global. El capital ficticio generado en esas condiciones es como el reflejo en un espejo del capital a interés. Son dos capitales diferentes: uno real y el otro sometido a la dialéctica real/ficticia. Tal vez, más adelante en este texto, el asunto pueda quedar más claro, pero el hecho es que el monto del capital a interés destinado, por ejemplo, a inversiones del capital sustantivo no puede jamás ser mayor que el excedente económico producido después de todas las deducciones relativas al consumo.

Corazza tiene alguna razón cuando apunta que, en la práctica, el capital a interés tiende a confundirse con el ficticio.

Así, en la complejidad de las finazas capitalistas actuales, parece difícil saber cuando el capital es real, cuando es sólo financiero y cuando es puramente ficticio, toda vez que sus movimientos están de tal forma entrecruzados que el capital productivo presupone el capital financiero y éste puede financiar la acumulación real. (Corazza, 1999)

Page 121: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

121

Ahora, hay algo en que Corazza no tiene razón ninguna: cuando afirma que el capital ficticio puede financiar la acumulación real[11]. Como vimos, una cosa es el capital ficticio, otra el capital a interés.

Por otra parte, aunque haya sido uno de los autores marxistas pioneros en la discusión sobre el capital ficticio[12] y haya hecho una descripción de dicha categoría con rigor científico, Harvey también sugiere la existencia de aplicación del capital ficticio en la esfera real de la producción, cuando afirma:

Dicho capital (ficticio) es definido como capital que posee valor monetario nominal y existencia como papel, pero que, en un momento dado del tiempo, no posee peso en términos de actividad productiva real o de activos físicos. El capital ficticio se convierte en capital real en la medida en que son realizadas inversiones que lleven a un incremento adecuado en activos útiles (por ejemplo, instalaciones y equipos que puedan tener empleo rentable) o mercancías útiles (bienes y servicios que puedan ser vendidos con ganancia). Harvey (1996, pp. 171-172)

Con perspectiva algo similar, Paula et alli (2001) afirman, apoyados en las ideas de Hilferding, que el capital ficticio se dirige al capital industrial a partir de diferentes maneras: cuando el capital dinero es destinado a la bolsa de valores que lo transforma en capital ficticio en la forma de acciones y, en el movimiento inverso, cuando la bolsa lo transfiere a las manos de las sociedades industriales; y gracias a la multiplicación de las instituciones financieras (fondos de pensión, por ejemplo), cuando ellas pongan los recursos a la disposición de nuevas inversiones productivas. Si consideramos tales palabras en sí mismas, tienen razón en esas ideas, pero puede quedar la impresión de que exista una cierta indiferenciación entre el capital ficticio y el capital a interés.

Es verdad que un determinado titular de capital ficticio puede convertir fácilmente su capital para financiar la producción. Pero si lo hace, el capital ficticio simplemente cambia de manos, de manera que el valor total, en la economía como un todo, de uno u de otro, no se altera.[13]

Decíamos anteriormente que el capital ilusorio no tiene mayor significación para el funcionamiento del sistema económico, pero no se puede decir lo mismo del capital ficticio, aunque uno derive del otro. Eso es verdad especialmente cuando, en ciertas circunstancias históricas, el volumen de este último tipo de capital alcanza magnitud significativa, como es el caso en la actual etapa capitalista. En ella, el capital ficticio ha alcanzado predominio sobre el capital sustantivo[14] y ésa es la marca propia de la mencionada etapa. Ha cambiado de carácter al transformarse de polo dominado en dominante y por esa razón pasamos a llamarlo capital especulativo parasitario y llamamos capitalismo especulativo a la fase actual del sistema.

La existencia y la magnitud del capital especulativo parasitario han hecho que la contradicción principal de la actual fase del capitalismo sea la que existe entre la apropiación y la producción del excedente-valor producido socialmente.[15]

Sobre las ganancias ficticias

¿Qué es y cómo se demuestra la existencia de las ganancias ficticias y por qué no es de fácil aceptación una categoría de ese tipo?

Demostrar la existencia de las ganancias ficticias no es una tarea fácil, o mejor, en cierto sentido no es posible. En primer lugar, entender su existencia presupone a nuestro juicio, además de la ya mencionada perspectiva dialéctica de las cosas, una adecuada interpretación de la teoría del valor de Marx, algo poco frecuente. En segundo lugar, pensar en una demostración empírica de su existencia es algo completamente fuera de la lógica científica; dentro de la perspectiva dialéctica no tiene sentido. Tal vez, lo máximo posible sea describirla y sugerir sus formas de existencia, al mismo tiempo que esclarecer su dimensión teórica y su relación con las demás categorías de la teoría del valor.

Comencemos con la forma tal vez más simple de explicarla: la valorización especulativa de activos físicos. Vamos, para ser muy didácticos, a describir el surgimiento de ganancia ficticia en lo que se refiere a algo muy trivial, que sería la valorización especulativa de un inmueble:

1) Supongamos que, en condiciones económicas normales, compro un terreno por $ 100 y construyo una casa, a través de una empresa constructora, y que, al final, ella me exija como pago exactamente el valor de la construcción, ni más ni menos. Eso significa que estoy suponiendo que el precio corresponde exactamente al valor, en ese caso.

Page 122: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

122

Supongamos que haya pagado a la constructora $ 300.

2) Por supuesto que no quedo más pobre ni más rico. Era propietario de $ 400 en dinero y continúo con la misma magnitud de riqueza, sólo que ahora en la forma de un inmueble, una casa con su respectivo terreno.

3) Obviamente que en la construcción de la casa hubo producción de plusvalía, pero ella fue apropiada por la empresa constructora o por empresas que le suministraron insumos o le prestaron dinero. Pero eso no importa lo más mínimo.

4) Mi riqueza en valor no se ha alterado, pero la riqueza global de la sociedad se ha incrementado en un valor correspondiente a $ 300 (menos el valor correspondiente al capital constante consumido, allí contenido).

5) Supongamos ahora que, por razones especiales, ocurra en la sociedad una valorización especulativa de todos los inmuebles y que ahora yo pueda vender mi casa por $ 1.000 y que de hecho lo haga.

6) Supongamos que los precios medios de la economía no se hayan alterado, o lo que es la misma cosa, que los $ 1.000 sean valores reales y no nominales.

7) ¿Puedo considerarme más rico que antes? Por supuesto que sí: antes mi patrimonio era de $ 400, ahora es de $ 1.000, en dinero constante y sonante. El comprador de mi casa, con razón, no podrá considerarse más pobre que antes de su compra, pues invirtió $ 1.000 en dinero y ahora posee una casa cuyo precio es $ 1.000 y puede venderla en el momento que desee (mientras no cambien las condiciones del mercado).

8) Hagamos ahora cuentas de la riqueza de la sociedad como un todo, simplemente sumando la de cada uno de sus miembros. La especulación hizo que la sociedad sea ahora poseedora de una riqueza más elevada. Yo poseía 400, ahora poseo 1.000. El comprador de mi casa poseía 1.000 y sigue con los 1.000, sólo que bajo una forma distinta.

9) No sé exactamente cómo considerar el aumento de mi patrimonio. ¿Como ganancia? Tal vez; pero eso no es lo que importa. Sin embargo, supongamos ahora que el poseedor de la casa, cuando valía 400, fuera una empresa comercial cuyo objetivo fuese vender inmuebles y que efectivamente la lograra vender por 1.000. ¿No debería considerar los 600 como legítima ganancia suya? Por supuesto que sí. Y de hecho es una ganancia.

10) A ese tipo de ganancias es al que damos el nombre de ganancias ficticias.

Sin embargo, hay una objeción a ese razonamiento que necesita ser superada.[16] Esa objeción consiste en recordar algo indiscutible: que si una mercancía cualquiera es vendida por un precio superior al correspondiente a su valor, lo que ocurre es simplemente una transferencia de valor desde el comprador hacia el vendedor. Así, la ganancia obtenida por el vendedor en la operación mercantil corresponde a una pérdida del comprador de la misma magnitud, de manera que la riqueza total no se ha alterado. En ese caso se observa una pura transferencia de valor.

Eso es completamente cierto, pero lo es para una mercancía que inmediatamente o en breve será destinada al consumo y que, por medio de él, será destruida. Si compro una mercancía por precio superior al correspondiente a su valor, mientras no la consuma y si su precio no se altera, puedo seguir pensando que no he perdido valor en la compra, pero eso es una pura ilusión. Al consumir la mercancía, he consumido su valor de uso y he disfrutado de una mercancía cuyo valor, cuya riqueza social representada por ella, es en verdad menor de lo que imaginaba.

Sin embargo, algo diferente ocurre cuando se trata de una mercancía que no voy a destinar al consumo, sino que vaya a agregarse a mi patrimonio; cuando se trata de activos reales o incluso activos financieros. Activos de ese tipo hacen parte de mi patrimonio y si durante la posesión que mantengo sobre ellos hay valorización especulativa de sus precios, paso a sentirme más rico que antes y puedo contabilizar eso como una ganancia obtenida por mí. Si vendo uno de esos activos mientras su precio siga sobrevalorizado, mi ganancia se efectiviza ahora en dinero. El comprador de ese activo, desde que no haya reducción del precio, se va a sentir propietario de la misma riqueza que antes de la compra, sólo que ahora con la riqueza bajo una forma diferente. Es verdad que, desde el punto de vista global, si el precio del activo llegara a bajar, lo que antes aparecía como ganancia, desaparecería como resultado de un prejuicio para el poseedor en aquel momento. Eso significa que la ganancia ficticia existe mientras se mantenga la valorización especulativa de un activo cualquier y desaparece si, eventualmente, desaparece dicha valorización.

¿Qué características presentan las ganancias ficticias? Hay una característica básica: ellas constituyen ganancias

Page 123: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

123

verdaderas, reales, tan reales como cualesquiera otras, desde el punto de vista del acto individual y aislado. Y eso queda muy claro si tenemos en cuenta que, con la cantidad de dinero correspondiente a esas ganancias, puedo obviamente comprar cualquier cosa. El punto de vista del mercado, el que permite observar un individuo aislado o un acto mercantil aislado, es fundamental en ese aspecto: en esas condiciones, las ganancias ficticias son reales y no se distinguen de cualquier otro tipo de ganancia.

Ahora bien, abandonemos nuestras limitaciones positivistas y hagamos un esfuerzo para pensar dialécticamente. Abandonemos el punto de vista del acto individual y aislado, que es el que permite ver poco más que la simple apariencia, y veamos el fenómeno de un punto de vista distinto. Desde el punto de vista de la totalidad, de la sociedad como un todo, ¿esas ganancias son reales? ¿tienen sustancia derivada de la acción productiva del trabajo? ¿tienen detrás suyo la plusvalía (o excedente-valor producido por trabajadores no salariales) que le confiera realidad sustantiva?

La respuesta es negativa; esas ganancias son puro humo. De la misma manera que aparecieron como por arte de magia, de la noche a la mañana, pueden desaparecer a cualquier momento, en razón de oscilaciones especulativas de los valores de los activos.

Hilferding, analizando la ganancia especulativa, había destacado que la compra y venta de títulos es un fenómeno que no presenta ninguna influencia en la producción u obtención de la magnitud total de las ganancias del capital:

Las ganancias o pérdidas de la especulación surgen, por lo tanto, solamente de las diferencias de valorización de los títulos de interés. No son ganancias reales, ni participación en la plusvalía, pero nacen a partir de la capitalización de apropiación diferenciada de plusvalía que sale de la empresa y que cabe a los propietarios de las acciones (…) Constituyen puras ganancias diferenciales. Mientras la clase capitalista se apropia, sin compensación, de una parte del trabajo del proletariado, obteniendo de esa manera sus ganancias, los especuladores ganan solamente unos de los otros. La pérdida de unos es lo que ganan los otros. Les affaires, c’est l’argent des autres. (1985, p.139).

De hecho, el análisis de Hilferding sobre las "ganancias diferenciales" destaca el movimiento especulativo de los precios de los activos y su independencia en relación con la producción de plusvalía. En ese sentido, se aproxima de lo que aquí hemos llamado ganancias ficticias. Sin embargo, existe por lo menos una diferencia importante: la ganancia diferencial de unos, para ese autor, es pérdida especulativa de otros, siendo el resultado de las transacciones una suma igual a cero. Para nosotros, al contrario, eso no es necesariamente correcto. La valorización especulativa de los activos, mientras se mantenga, constituye una ganancia que no corresponde a pérdida para nadie. Además, los intereses de la deuda pública recibidos por el capital, desde que no es financiada con superávits primarios, sino pagados con el incremento de la propia deuda, constituyen ganancia para los propietarios del capital, sin que constituya pérdida para ningún otro particular, aunque no provenga de la explotación de los trabajadores.

Es verdad que, en los movimientos especulativos, por ejemplo en el caso de la bolsa de valores, algunos players (sic) ganan y otros pierden. Aquéllos que compran en la baja y venden en el alza obviamente que ganan. Pero eso es totalmente otra cuestión; ahí se trata de una cuestión de distribución entre los especuladores del patrimonio ficticio (del capital ficticio) existente. Lo que nos interesa en el análisis, en este momento, es el punto de vista de la totalidad: así, el alza especulativa de la bolsa resulta en un incremento del total del capital ficticio del tipo 2 y, por tanto, del surgimiento de ganancia ficticia.[17] La quiebra de la bolsa va a significar una reducción del volumen del capital ficticio y, de esa manera, el surgimiento de una pérdida que puede representar simple destrucción de ganancias ficticias anteriores. Estas son puro humo.

Cuando las ganancias ficticias son "producidas" por la especulación, elevan el volumen total del capital ficticio existente en el conjunto de la economía; cuando el mercado presenta una reversión de su trayectoria, destruye capital ficticio y esa destrucción va a aparecer como si fuera una destrucción de riqueza real y, de hecho lo es, sólo que exclusivamente desde el punto de vista del acto individual y aislado.[18]

Debemos recordar que, conforme se deduce de los capítulos XXI y XXII del primer libro de El Capital, el punto de vista del acto individual y aislado corresponde a la apariencia y el punto de vista de la reproducción y de la totalidad corresponde a la esencia. Además, es indispensable reafirmar que la apariencia es una de las dos dimensiones de la realidad no es falsa, que no se trata de un engaño del observador; ella es tan real como la esencia.

Volvamos a nuestro inmueble sobrevalorizado. Con las ganancias ficticias obtenidas con su venta puedo, en verdad, comprar cualquier cosa, y supongamos que compro bienes de lujo o hago una inversión en capital fijo. ¿En ese caso, el producto que compro no fue producido como excedente económico? ¿Esos bienes que compro, no son parte del

Page 124: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

124

excedente material producido en la sociedad o, en otras palabras, el excedente producido bajo la forma de plusvalía no tiene como componente suyo ese tipo de bienes (de lujo y de inversión)? ¿No se trata de riqueza real, desde todo punto de vista? Y más, es real y material al mismo tiempo. Si es así, ¿mis ganancias llamadas ficticias no corresponden a una plusvalía que ha sido producida en algún momento? En ese caso no serían ganancias ficticias; en verdad, parecen no ficticias. Veamos la cosa más de cerca.[19]

Plusvalía, excedente económico capitalista y ganancias ficticias

Comencemos por aclarar algunas cuestiones sobre el concepto marxista de la plusvalía, en particular sobre las posibilidades de su destino. El destino de la plusvalía está condicionado por la forma material que asume el excedente-valor producido de forma capitalista. Tal vez fuera mejor decir, al contrario, que la decisión sobre el destino de la plusvalía, derecho de aquéllos que la reciben sea bajo la forma de ganancia u otra cualquiera (salarios improductivos, alquileres, interés, impuestos, etcétera), condiciona la forma bajo la cual debería poseer el excedente capitalista al final de un determinado período productivo. Si recordamos los esquemas marxistas de la reproducción, descritos por Marx en el tomo II de El Capital, fácilmente nos damos cuenta de ese hecho: la plusvalía necesita presentar un contenido material específico, sin lo cual no habrá reproducción adecuada de la economía. En cierto sentido, es lo que dice Marx:

En una palabra, la plusvalía sólo es susceptible de transformarse en capital, porque el producto excedente cuyo valor representa, encierra ya los elementos materiales de un nuevo capital" (1968, Tomo I, p. 489)

En pocas palabras podemos afirmar que a la magnitud total de la plusvalía, corresponde un excedente físico, sustantivo. Decir que ese excedente debe ser material sería una impropiedad, pues una parte de él, con seguridad, está formada por mercancías-servicio, tan mercancías cuanto cualquier mercancía material.

Así, la plusvalía, después de transformada en ganancia, puede convertirse en capital fijo, por la acumulación, porque el excedente sustantivo contiene anticipadamente los elementos materiales correspondientes; puede transformarse en capital constante circulante, porque las materias primas y auxiliares necesarias fueron producidas y componen el excedente sustantivo; puede convertirse en salarios adicionales, pues los bienes de consumo de los trabajadores han sido producidos como excedente; puede convertirse en bienes de lujo, materiales de guerra, etcétera, pues una parte del excedente que corresponde a la plusvalía producida está constituida por esos bienes, esas mercancías. Si vamos destinar una parte de la plusvalía a la adquisición de nuevos inmuebles, tendrán que ser producidos esos inmuebles y así determinada parte del excedente producido tendrá esa forma...

Lo anterior significa que no es posible efectuar una inversión real si los elementos materiales necesarios para ella no están físicamente contemplados en la plusvalía. El trabajo, por ejemplo, en la construcción de una planta productiva es integralmente trabajo excedente, plusvalía en proceso de producción, desde el punto de vista global. Por eso, cualquier crédito (capital a interés) para esa inversión está limitado por el volumen susceptible de ser producido en el sistema como excedente. Cualquier crédito adicional a la producción y a la inversión, resultaría en inflación, reduciendo, por ejemplo, el salario de los trabajadores y ampliando de manera forzosa el excedente.

Por otra parte, cuando se trata de ampliación del capital ficticio, la situación es distinta. Este puede crecer por encima de los límites permitidos por la producción de riqueza y de excedente, por medio de las ganancias ficticias. Mientras el capital a interés está limitado por el volumen disponible del excedente, el capital ficticio no tiene ese límite.

De esa manera, contestando a la pregunta planteada anteriormente, de hecho mis ganancias ficticias que compraron bienes suntuarios o capital fijo, corresponden en verdad a una plusvalía producida en algún momento anterior. Y eso es indiscutible. Sin embargo, veamos ahora el otro lado.

Volvamos al ejemplo de la compra del inmueble. Vamos a suponer que el comprador del mencionado inmueble haya efectivamente obtenido el dinero correspondiente a partir de ganancias directamente derivadas de la producción material industrial y, por lo tanto, de ganancias reales (plusvalía, simple y llanamente). ¿Cuál fue el destino que ha dado a su ganancia? Compró un inmueble sobrevalorizado especulativamente. El destino de sus ganancias fue en parte valor real ($ 400) y en parte pura riqueza ficticia, capital ficticio ($ 600). En resumidas cuentas las ganancias reales estaban en manos de A y pasaron a las manos de B con la compra; y las ganancias ficticias quedaron en las manos de A, bajo la forma de sobrevaloración especulativa de un activo real, el inmueble.

Así, es verdad que el vendedor, que fue beneficiado por la valorización especulativa del inmueble, se apropió inicialmente de ganancias ficticias. Al comprar bienes de lujo o medios de producción, transformó su propiedad ficticia

Page 125: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

125

en riqueza real. Pero eso sólo fue posible por que el comprador hizo justamente lo contrario. Transformó parcialmente su plusvalía bajo la forma de ganancia en dinero en la forma ficticia de sobrevaloración del inmueble. Y entonces, si hacemos una vez más un esfuerzo dialéctico de mirar las cosas del punto de vista de la totalidad, nuestra respuesta a la cuestión anterior es que las ganancias ficticias no tienen nada de plusvalía, no tienen nada de valor-excedente mercantil.

Todo eso nos lleva a concluir que, en resumidas cuentas, las ganancias ficticias, generadas por la especulación, van simplemente a incrementar el valor total de la riqueza ficticia o del capital ficticio. Podríamos incluso invertir la afirmación y sería rigurosamente correcta, aunque tal vez solo comprensible más adelante: el incremento del capital ficticio (nos referimos aquí exclusivamente al capital ficticio del tipo 2) de un año para otro, en una economía, es exactamente igual al monto generado de ganancias ficticias.

Por otra parte, la afirmación de que la plusvalía apropiada, la ganancia real, pueda ser destinada a la acumulación ficticia sólo tiene sentido desde el punto de vista individual. Así, si el individuo B obtuvo su ganancia real y compró capital ficticio, sea un inmueble sobrevalorizado, sea un título público, de hecho transformó su ganancia real en ganancia ficticia, por lo menos en parte. Pero eso sólo es la contrafaz del fenómeno inverso. Alguien en la economía, que obtuvo ganancia ficticia la convirtió en excedente real, sustantivo, y en la misma magnitud. Por lo tanto, desde el punto de vista global, la plusvalía apropiada como ganancia y no consumida, incrementa el capital real; las ganancias ficticias apropiadas, no reducidas por una eventual desvalorización de activos, incrementan en la misma magnitud el capital ficticio. El consumo suntuario total y la acumulación real sólo pueden tener como origen a la plusvalía, fruto real de la explotación del trabajo productivo. El capital ficticio del tipo 2 crece como resultado de las ganancias ficticias.

Con otras palabras, todo lo anterior significa que desde el punto de vista global, la plusvalía producida sólo puede ser consumida individualmente ("consumo individual" en el sentido que Marx le da), acumulada como capital productivo o comercial, destruida o desperdiciada. Por lo tanto, la expresión "acumulación financiera de la plusvalía" sólo puede llevar a engaño; es una afirmación que implica una contradicción en los términos.[20]

Veamos una cuestión paralela. ¿Qué lo que ocurre con el crecimiento del patrimonio de los fondos de pensión de asalariados? ¿Se trata de crecimiento del capital ficticio, del capital especulativo parasitario?

Una respuesta positiva podría ser objetada, por lo menos en lo que se refiere al crecimiento resultado de las aplicaciones en los fondos de parte de los salarios de los trabajadores que piensan en su jubilación. De hecho, por detrás del valor de esas aplicaciones está una sustancia real que puede ser considerada o como parte del excedente-valor producido socialmente o, al contrario, como parte del valor de la fuerza de trabajo. En cualquier de los casos no podría ser considerado como incremento del capital ficticio.

Sin embargo, ¿y si el destino de ese incremento de los fondos es la compra de títulos públicos? ¿No se trata de crecimiento del capital ficticio? Por supuesto que sí. Lo que hay que entender en ese caso es que el capital especulativo parasitario global no se ha incrementado, pero que una parte correspondiente de lo que era capital ficticio anterior, de propiedad de otros titulares, puede convertirse y se convierte de ficticio en capital a interés o directamente en inversión productiva o comercial. Desde el punto de vista global el capital ficticio no ha crecido por esa razón, pero la distribución entre riqueza real y la ficticia se ha alterado, ha cambiado parcialmente de manos.

La deuda pública y los mercados de derivados

Por supuesto que los nuevos títulos de la deuda pública, emitidos por un gobierno cualquiera, y destinados a financiar sea una inversión física en infraestructura de transportes, por ejemplo, o cualquier otra inversión, poseen un correspondiente real (la inversión) y son la contraparte de esa riqueza real. Marx considera esos títulos (así como las acciones de cualquier empresa), aunque no se presenten sobrevaloradas especulativamente, como capital ficticio. Pero es un capital ficticio que algo posee de correspondiente al mundo de la riqueza real. Por eso, como hemos señalado, llamamos a ese capital de capital ficticio de tipo 1.

Lo mismo ocurre con el crecimiento de la deuda si ella va a financiar gastos en educación o salud, en la medida en que agregan valor a la fuerza de trabajo. Ese incremento de los títulos públicos en circulación tiene correspondencia con una riqueza real producida. Constituyen capital ficticio de tipo 1.

Diferente es el caso de los títulos de la deuda pública, cuando la emisión se debe a una insuficiencia de fondos derivados de superávits primarios, para el pago de intereses de la deuda pública anterior.[21] Esa emisión crea

Page 126: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

126

ganancias ficticias e incrementa el capital ficticio global.

Algo que podría oscurecer la naturaleza ficticia del capital constituido por títulos públicos es la afirmación de Marx de que la deuda pública es un poderoso mecanismo de la acumulación originaria.[22] Esa afirmación la hace en el capítulo referente a esa acumulación, en el libro I de El Capital:

La deuda pública se convierte en una de las más poderosas palancas de la acumulación originaria. Es como una varita mágica que infunde virtud procreadora al dinero improductivo y lo convierte en capital sin exponerlo a los riesgos ni al esfuerzo que siempre lleva consigo la inversión industrial e incluso la usuraria. En realidad, los acreedores del estado no entregan nada, pues la suma prestada se convierte en títulos de la deuda pública, fácilmente negociables, que siguen desempeñando en sus manos el mismísimo papel del dinero. (Marx, 1968, tomo I, p. 641)

El Banco de Inglaterra comenzó prestando su dinero al gobierno a un 8 por 100 de interés; al mismo tiempo, quedaba autorizado por el parlamento para acuñar dinero del mismo capital, volviendo a prestarlo al público en forma de billetes de banco. Con estos billetes podía descontar letras, abrir créditos sobre mercancías y comprar metales preciosos. No transcurrió mucho tiempo antes de que este mismo dinero fiduciario fabricado por él le sirviese de moneda para saldar los empréstitos hechos al estado y para pagar por cuenta de éste, los intereses de la deuda pública. No contento con dar con una mano para recibir con la otra más de lo que daba, seguía siendo, a pesar de lo que se embolsaba, acreedor perpetuo de la nación hasta el último céntimo entregado. (Marx, 1968, tomo I, p. 642)

Con la deuda pública, surgió un sistema internacional de crédito, detrás del cual se esconde con frecuencia, en tal o cual pueblo, una de las fuentes de la acumulación originaria. (Marx, 1968, tomo I, p. 642)

Hay que observar, sin embargo, que para Marx la deuda pública puede cumplir el papel de impulsar la acumulación originaria por el hecho de que los poseedores de los títulos públicos, además de recibir sin riesgos los intereses debidos a un dinero que de otra manera sería improductivo, pueden utilizarlos, si es el caso, para financiar el capital industrial, obteniendo remuneración adicional. Por otro lado, observa el autor que la deuda pública permitió al Banco de Inglaterra, con su derecho de banco emisor de dinero fiduciario, "dar con una mano para recibir con la otra más de lo que daba".

Utilizar los títulos públicos para financiar la producción, por ejemplo, sólo significa convertir capital ficticio en capital a interés, como debe haber quedado claro anteriormente, desde el punto de vista del individuo poseedor de esos títulos. El financiamiento de la producción presupone la existencia de excedente-valor producido. Esa conversión para el poseedor de los títulos, significa, como contraparte, que otro agente convirtió su capital real en capital ficticio. Es la dialéctica apariencia/esencia, acto individual/totalidad.

El hecho de que el capital ficticio presente dicho efecto sobre la acumulación originaria o sobre la acumulación regular no es más que el resultado de su naturaleza dialéctica real/ficticia, difícil de comprender. Y así, la dificultad se duplica: dialéctica real/ficticia, dialéctica esencia/apariencia.

Dejando de lado ahora la deuda pública, observemos el mercado de derivados. Las ganancias obtenidas en ese tipo de mercados, por constituir un importante rendimiento del capital especulativo parasitario, pueden llegar a ser consideradas como ganancias ficticias. Sin embargo, en realidad esto no es adecuado. Esas ganancias, cuando constituyen rendimientos derivados de pérdidas de la misma magnitud sufridas por otros agentes que operan en esos mercado, no pueden ser consideradas como ficticias y ni aún como ganancias. Son, en verdad, puras transferencias de valor. Por otro lado, tal vez la mayor parte de las veces constituyen pérdidas de pequeños inversionistas (especuladores sí, pero algunas o muchas veces no capitalistas en el sentido riguroso del término). En esa medida, van a contribuir al incremento de la rentabilidad del gran capital especulativo y, de esa manera, de la misma forma que las ganancias ficticias, deben ser consideradas como factor contrarrestante de la tendencia a la caída de la tasa de ganancia del capital, o por lo menos, del gran capital. Ahorros de los asalariados, clase media o no, y de pequeños empresarios, aplicados como inversión especulativa en mercados de derivados o en mercados secundarios de títulos o acciones, pueden, por transferencia, aumentar las ganancias del capital especulativo parasitario, sin constituir, en verdad, ganancias ficticias.

Algo más sobre el capital ficticio

Así, y en resumen, podemos decir que las ganancias ficticias están formadas anualmente por el aumento de la deuda pública destinada a financiar los gastos improductivos y el pago de intereses, además de la valorización especulativa de los activos, sean reales (como inmuebles) o fiduciarios, mobiliarios (títulos privados de diferentes tipos, incluso

Page 127: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

127

acciones). Esas ganancias tienen el exacto volumen del crecimiento del capital ficticio del tipo 2.[23]

Existe un argumento que nos parece definitivo para que la categoría de ganancia ficticia sea aceptada y, además, para mostrar que está en la lógica de lo que nos presentó Marx cuando analizó el capital ficticio. Podría ser presentado de la siguiente manera: si no es por la existencia de las ganancias ficticias, ¿cómo es posible que surja nuevo capital ficticio?, ¿cómo es posible que el valor global del capital ficticio, por lo menos el del tipo 2, se incremente tanto? Por supuesto que la plusvalía o el excedente-valor producido, en el caso de ser acumulado, amplía el valor del capital industrial y jamás el del ficticio. Así, la única respuesta posible es que el incremento del capital ficticio del tipo 2 sólo puede tener como origen las ganancias ficticias.

Algunas veces el capital ficticio es visto como simple acumulación de derechos de apropiación de plusvalía en el futuro. Por lo anterior, esperamos que sea comprensible que tal visión es equivocada. El capital ficticio es mucho más que eso. Es, en el presente, tan real como cualquier otro capital, desde el punto de vista del acto individual y aislado. Además, como cualquier otro, exige remuneración hoy y en el futuro y tal vez sea de su misma naturaleza una voracidad aún mayor que la presentada por todas la demás formas del capital, en lo que se refiere por lo menos al corto plazo... Verlo como una forma de capital que se preserva para usufructuar de plusvalía futura, tal vez exprese una perspectiva limitada por la visión keynesiana, incapaz de se dar cuenta de la dialéctica que lo determina y explica.

El crecimiento de las ganancias ficticias y del capital ficticio es, sin duda, esencial para entender por qué la etapa especulativa del capitalismo sobrevive hasta hoy, a pesar de haberse iniciado hace más de dos décadas. Sin embargo, esa supervivencia no seria posible si, al mismo tiempo, no se hubiera producido un enorme incremento de la explotación de los trabajadores asalariados, tanto de los países centrales[24] como de los periféricos, así como de los no asalariados de todo el mundo, sin olvidarse de aquellas regiones más miserables de la tierra.

La lógica capitalista seria totalmente absurda si estuviera simplemente sostenida, y por tanto tiempo, por el simple crecimiento de las ganancias ficticias. Aunque se hayan constituido en un curioso y poderoso mecanismo para contrarrestar la tendencia a la caída de la tasa de ganancia, no pueden constituirse en sostén de la continuidad del capitalismo. El mencionado incremento de la explotación tuvo como origen el aumento de la plusvalía relativa (gracias al desarrollo tecnológico del periodo), a la plusvalía absoluta (expansión e intensificación de las jornadas de trabajo), el incremento de la superexplotación (reducción de los salarios reales directos e indirectos) y el incremento de la miseria de los trabajadores no asalariados.

Dos cosas son importantes de señalar en este momento. En primer lugar, la continuidad de la etapa actual del capitalismo especulativo sólo podrá mantenerse por el incremento adicional de la explotación del trabajo en todo el mundo y por la intensificación de las transferencias de valor de la periferia a los países centrales. Por otra parte, la eventual superación de esa etapa especulativa por una nueva etapa, en la cual el dominio del capital especulativo parasitario sea destruido, o por lo menos reducido significativamente, sólo sería posible por medio de un proceso que significara ulterior incremento sustancial de la explotación del trabajo, aunque ella ya haya alcanzado niveles sorprendentes.

Nuestra concepción de que el futuro de la sociedad, mientras sobreviva como capitalista, implica elevación del grado de explotación de los trabajadores y de crecimiento absoluto de la miseria en amplias camadas de la población, deriva directamente de la teoría marxista del valor, entendida adecuadamente. Para ella, la riqueza capitalista y, en particular, la ganancia capitalista tienen origen, y sigue (como no podría dejar de ser) teniendo origen en la etapa actual, en el trabajo humano. El avance tecnológico tiene papel importante, pero como mecanismo de transferencia de plusvalía (por medio de las ganancias extraordinarias y de las rentas de monopolio) y no como productor de la misma (salvo por el mecanismo de la plusvalía relativa, mecanismo este más que contrarrestado, en lo que se refiere a la tasa de ganancia, por la elevación de la composición orgánica del capital).

Así, la ley de la tendencia a la caída de la tasa general de ganancia es consecuencia necesaria de esa teoría.[25] Las críticas a la ley, expresadas en diversas oportunidades y de diferentes maneras, no son más que críticas "autoritarias" que parten de supuestos extraños a la propia teoría de Marx y que, por eso y por el hecho de que no pueden ser comprobadas empíricamente, son absolutamente irrelevantes.[26]

Dentro de esa perspectiva, las ganancias ficticias surgen como otro factor contrarrestante de la tendencia; curiosamente se trata de algo que no tiene origen en la plusvalía, que no proviene de la explotación. Así, el capital se acercó a su ideal: ganar e incrementarse sin necesidad de ensuciar sus manos con la explotación. Pero eso, ¿a qué

Page 128: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

128

precio?

Bibliografía

Alves Pinto, Nelson Prado. O capitalismo financiero. In: Revista Crítica Marxista, v. 1, tomo 5. São Paulo, Xamã, 1997. pp. 9 - 26.

Carcanholo, R. A. Resenha do livro Uma nova fase do capitalismo? de François Chesnais, Gérad Duménil, Dominique Lévy e Immanuel Wallerstein. In: Revista Crítica Marxista, v. 19, p. 146-151. São Paulo, Editora Revan, 2004.

_____________ y Nakatani, P. Capital especulativo parasitario versus capital financiero. In: Revista Problemas del Desarrollo (Revista Latinoamericana de Economia), vol 32, nº 124. México, D.F., janeiro-março de 2001. pp. 09-31. (versión anterior, in: Arriola, J. y Guerrero, D. (Eds). La Nueva Economía Política de la Globalización. Bilbao, Servicio Editorial - Universidad del Pais Vasco, 2000. pp. 151 a 170)

Coletti, Lucio. El Marxismo y el ‘Derrumbe’ del Capitalismo. México, D.F., Siglo XXI, 1978.

Foster, John Bellamy. Monopoly-Finance Capital. In: Monthly Review. New York, volume 58, number 7, december 2006.

Harvey, David. The Limits to Capital. England, Basil Blackwell Publisher Limited, 1982.

______________ Condição Pós-Moderna : uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Edições Loyola, 6a edição, 1996.

Hilferding, Rudolf. O Capital Financiero. São Paulo, Nova Cultural, 1985.

Katz, Claudio. Enigmas contemporáneos de las finanzas y la moneda. (fevereirto de 2002). In:

www.socialismo-o-Barbarie.org/teoria_de_la_revolucion/040606_enigmascontemporaneos.htm. Obtenido el 26/03/2007

Lénine, Vladimir I. L’impérialisme, stade suprême du capitalisme. In: Oeuvres choisies. Moscou, Éditions en Langues Étrangers, tome I, deuxième partie, pp.433-572, 1954.

Marx, K. El Capital. Crítica de la Economía Política. México, D. F., FCE, 1968.

_________ Théories sur la plus-value. Paris, Éditions Sociales, tome III, 1976.

Paula, João Antonio de. & Cerqueira, Hugo Eduardo A. da G. & Albuquerque, Eduardo da M. Finance and industrial evolution: introductory notes on a key relationship for the capitalist accumulation. In: Revista Econômica. Niterói (RJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), v. 3, no 1, pp. 05-53, junio de 2001. O entonces: http://www.uff.br/cpgeconomia/v3n1/2-eduardo-hugo-jantonionota18.pdf

Sraffa, Piero. Producción de Mercancías por Medio de Mercancías. Barcelona, Oikos-Tau, 1966.

Trindade, José Raimundo Barreto. Dívida Pública e teoria do crédito em Marx. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paraná (PR). 2006.

* Profesor del "Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais" y del Departamento de Economia de la Universidad Federal do Espírito Santo (UFES) -E-mail: [email protected] - Página WEB: http://sites.uol.com.br/carcanholo

Page 129: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

129

** Profesor del Departamento de Economia de la UFES - Brasil. E-mail: [email protected]

[1] Desde luego conviene decir que nuestra interpretación difiere de la de Katz (2002), aunque compartimos muchas de sus críticas a lo que el llama de teóricos del "capital rentista" y compartimos también varias de sus conclusiones sobre la etapa actual del capitalismo, en particular en lo que se refiere al incremento del grado de explotación de la fuerza de trabajo y a la importancia de la tendencia a la caída de la tasa de ganancia.

[2] Por capital sustantivo entendemos el capital productivo más el capital comercial o mercantil.

[3] En trabajos anteriores se ha tratado un poco más ampliamente ese asunto (cf. Carcanholo y Nakatani, 2001).

[4] Varios autores tienen interpretación distinta. Véase, por ejemplo, Trindade (2006): "El capital ficticio es, por lo tanto, una forma específica del capital monetario de empréstito y cumple funciones específicas, pero en nombre del capital monetario de empréstito".

[5] Ilusión esa que, sin embargo, tiene una realidad económica muy precisa.

[6] En presente trabajo, cuando la edición citada está en otra lengua, la traducción es nuestra.

[7] Para Marx, las acciones constituyen un instrumento de crédito. Su remuneración, llamada dividendos, es en realidad fundamentalmente interés.

[8] Por ejemplo, gastos militares. Es interesante notar, en ese aspecto, que los gastos militares sólo difieren de los gastos suntuarios de la burguesía porque unos se destinan a garantizar el disfrute de la burguesía, y los otros para garantizar su poder, desde que son financiados por ingresos tributarios. Ambos constituyen el destino de una parte del excedente-valor producido socialmente, que no puede ser usada para otro fin. Sin embargo, difieren mucho más cuando aquéllos son financiados por deuda pública, toda vez que su valor aparecerá como incremento del capital ficticio en manos de la burguesía.

[9] Por ejemplo, pago de intereses de la deuda existente por encima de lo que queda disponible en razón de un superávit primario.

[10] Una vez que la empresa destina el crédito recibido a algún tipo de inversión.

[11] Katz (2002) también parece sugerir lo mismo, aunque eso no sea tan claro: "La frontera entre el capital ficticio y otras modalidades del capital-dinero es bastante borrosa, ya que en la acumulación su papel no es ilusorio" (p. 6).

[12] Destacamos principalmente su obra The limits to capital. England, Basil Blackwell Publisher Limited, 1982.

[13] Lo cierto es que el titular de una determinada masa de capital ficticio puede cambiar, en el mercado, su capital por cualquier otra forma, sea productiva (comprando una fábrica, por ejemplo) o comercial (adquiriendo una empresa comercial). Sin embargo, el volumen total del capital ficticio no cambia; lo que pasa es que su masa cambia de manos.

[14] En la unidad contradictoria llamada "capital", el capital ficticio pasa a ser dominante sobre el capital sustantivo.

[15] Utilizamos la expresión excedente-valor pues, además de la plusvalía, está constituido por el excedente producido bajo relaciones no salariales existentes en el capitalismo contemporáneo.

[16] Agradezco a Claus Germer (UFPR) haberme presentado esa objeción en nuestras discusiones.

[17] Quien se apropia de ella o de la mayor parte de ella es otro problema. Obviamente que casi siempre ganan los grandes especuladores.

[18] Es necesario destacar que las condiciones del mercado que producen destrucción de capital ficticio, determinan

Page 130: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

130

también, en grado mayor o menor, destrucción de capital sustantivo.

[19] Esa es, rigurosamente, una frase usada por Marx en el capítulo sobre la mercancía de El Capital.

[20] Cabe destacar, sin embargo, que si por acumulación financiera también se entiende el incremento del capital a interés de la economía, en tal caso la expresión es correcta. En paralelo con el volumen adicional de capital a interés, que se destine a financiar, por ejemplo, el incremento de la producción, ocurre la existencia de un excedente material bajo la forma de medios de producción, producido como excedente y bajo la forma de plusvalía.

[21] En el caso brasileño, por ejemplo, los intereses pagados por el sector público durante 2006 alcanzaron la suma de 160 mil millones de reales (7,7% del PBI), mientras que el superávit primario fue de 90 mil millones (4,3% del PBI), según el Banco Central de Brasil. Así, en un año, el Estado brasileño creó algo como 70 mil millones de reales como ganancia ficticia para el capital rentista, aumentando el capital ficticio que opera en el país, por tanto, en cerca de unos 32.000 millones de dólares.

[22] Agradecemos a Julio Gambina, de la Universidad de Buenos Aires, haber presentado esa cuestión que aparentemente podría contradecir nuestra interpretación sobre el capital ficticio.

[23] Ese capital puede crecer adicionalmente, pero en volumen poco significativo, por decisión del Estado, al conceder pensión regular a particulares o derecho de exploración, por ejemplo, de frecuencias de radio, etcétera.

[24] Es lo que destaca Foster (2006) sobre el incremento de la explotación de los trabajadores de los Estados Unidos de América: "…los salarios reales para la gran mayoría de ellos están contenidos; el desempleo y el subempleo se incrementan; la creación de empleos es frágil; los servicios sociales gubernamentales para la población (incluyendo la educación) están en regresión; y los impuestos pagados por los trabajadores se incrementan".

[25] La relación entre teoría del valor, la ley de la tendencia a la caída de la tasa de ganancia y el capital ficticio es central en la interpretación de las crisis capitalistas financieras, formando, por sí mismas, categorías marxistas que explican perfectamente el carácter de esas crisis.

[26] Cf. Coletti (1978, pp. 58 a 91). Cuando aún se consideraba marxista, produjo textos significativos.

Page 131: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

131

A crise como essência da nova ordem

Rosa Maria Marques1

Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drumond de Andrade

Nos anos 1980, quando os Estados Unidos e a Inglaterra capitanearam a

desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados

financeiros nacionais e a desintermediação bancária, os defensores do livre mercado

entenderam que, finalmente, depois de décadas, a economia teria liberdade para

desenvolver todo seu potencial. E de fato a liberdade se impôs. Mas não aquela que

permitiria aos homens trilhar caminhos para uma vida melhor, e sim aquela do capital.

Dessa forma, depois de mais de trinta anos, o capital portador de juros (também

chamado de financeiro por alguns) retornou soberano e se colocou no centro das relações

sociais e econômicas do mundo contemporâneo. É ele que, enquanto porta-estandarte do

capital, abriu as portas ao capital em geral em todos os cantos do planeta. É ele que,

somado à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), colocou os

trabalhadores, pela primeira vez, em concorrência internacional. Vale lembrar que o

retorno do capital portador de juros somente foi possível porque, tanto nos EUA como na

Inglaterra, os trabalhadores sofreram derrotas memoráveis, tal como a infringida aos

aeroviários e aos mineiros.

O retorno do capital portador de juros, dado em bases muito mais profundas e

complexas do que no passado (final do século XIX até 1929), foi acompanhado pela

construção de uma nova relação entre os diferentes componentes do capital (portador de

juros, industrial e comercial) e por uma nova correlação de forças entre o capital e o

trabalho, desfavorável a este último.

1 Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP.

Page 132: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

132

Essa nova relação se expressa no domínio relativo do capital financeiro (portador de

juros) sobre o capital produtivo, o que se evidencia não só pelo aumento de sua exigência

na participação da mais valia, como nas inúmeras formas de fazer valer sua lógica de

rentabilidade de curto prazo nas empresas, incorporando como seus aliados, os altos

executivos. Em outras palavras, isso impede que as empresas invistam (dado que o tempo

de maturação é de médio a longo prazo) e que os departamentos ou filiais sejam tratados

não como partes de um todo, mas como se fosssem a empresa “em si”. A consequência

disso é a exigiência que todos – departamentos e filiais – produzam pelo menos 15% de

rentabilidade (PLIHON, 2005).

Contudo, para as 500 maiores empresas, isso não chegou a ser um problema. Depois

que um período de baixa, recompuseram seu nível de lucratividade fazendo um mix entre o

lucro da empresa e a rentabilidade das aplicações junto ao sistema financeiro dos lucros não

reinvestidos. Além disso, a liberdade de ir e vir alcançada pelo capital financeiro permitiu

que os outros capitais (industrial e comercial) também ganhassem mobilidade, fazendo do

mundo objeto de sua ação e intervenção, o que exacerbou a concorrência capitalista e

colocou, como nunca antes visto, os trabalhadores em concorrência no plano mundial. A

concorrência estabelecida entre os trabalhadores implicou o aumento brutal da taxa de

exploração, isto é, da mais valia, a outra base sob a qual as grandes empresas

recompusseram seus lucros. Para as demais empresas é a forma preferencial assumida para

se defenderem do aumento da punção do capital portador de juros sobre seus lucros.

Essa nova configuração resulta em um baixo padrão de acumulação (enquanto

norma), na manutenção de elevadas taxas de desemprego, na redução dos salários, na

precarização das relações de trabalho (aumento da intensidade do trabalho, contrato por

prazo determinado, ausência de direitos trabalhistas e sociais, trabalho noturno, trabalho em

fim de semana, entre outros), ma transferência de plantas para os países da Europa do

Leste, anteriormente sob a influência da antiga URSS, e mesmo para a China e outros

países onde o custo da força de trabalho é irrisório. Dessa forma, o capitalismo hoje se

apresenta como um regime de baixa acumulação (daí decorre o pouco investimento que lhe

caracteriza e as baixas taxas de crescimento) e elevado nível de lucro (Husson, 2006).

Page 133: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

133

Nessa situação, tanto o capital financeiro quanto o produtivo não têm nenhum

interesse em algo parecido com o pleno emprego: a manutenção de desemprego elevado

(exército industrial de reserva, para Marx) é condição para a continuidade da nova situação

criada a partir dos anos 1980: recuperação dos níveis anteriores da taxa de lucro, baixo

crescimento, e aumento colossal do volume do capital financeiro aplicado em títulos de

todos os tipos e em ações, praticamente no mercado secundário. Isso significa que não há,

no marco do processo de acumulação atual, a possibilidade de crescimento econômico

expressivo e duradouro.

Se a China parece negar essa afirmação é porque as condições de seu crescimento

são similares às da acumulação primitiva, onde as condições de trabalho e a remuneração

dos trabalhadores não têm termos de comparação com as existentes nos outros países.

Apenas para citar um exemplo, o custo médio da hora do trabalhador industrial é de U$

0,60 na China, enquanto que na Alemanha é de U$ 24 e na França U$ 17 (Choen; Richard,

2005). Para isso foi fundamental a transferência para a China de grande parte das indústrias

norte-americanas e de parte de suas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, as quais

aproveitaram-se do fato de os custos serem bem mais reduzidos nesse país.

A rigor, a força assumida pelo capital portador de juros, cujos atores são as Bolsas,

as instituições financeiras, os fundos de pensão, entre outros, deriva da própria lógica do

capital. O capital portador de juros, como expressão máxima do fetiche no capitalismo -

dinheiro que gera dinheiro, sem passar pela produção - é a forma mais acabada do capital

(MARX, 1980). Se durante os “30 anos gloriosos” ele estava contido, e a dominância era a

do capital produtivo (industrial), isso foi resultado de uma determinada configuração que

passou pela específica correlação de forças entre o capital e o trabalho existente no período

pós-guerra, particularmente devido à vitória da União Soviética na 2ª Guerra Mundial; aos

interesses americanos em rapidamente fazer a Europa retomar seus fluxos comerciais e

financeiros; ao reconhecimento de que a crise dos anos 1930 devia-se à liberdade do capital

financeiro (JUDT, 2008), entre outros fatores.

Dessa forma, expressiva parte do capital portador de juros é fictícia, referindo-se à

negociação de títulos públicos ou privados que não guardam mais nenhuma relação com

sua origem, sendo negociados várias vezes no mercado secundário.

Page 134: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

134

No momento atual, quanto o aprofundamento da crise financeira nos Estados

Unidos ameaça o mercado mundial, mais um vez se escancara a verdadeira natureza do

capital hoje dominante. Trata-se de um capital que garante altas taxas de rentabilidade e

garantias, até que suas bases, assentadas em material podre, começam a desmantelar a

intrincada relação de cobertura criada nessas últimas décadas.

Apesar de um pouco longa, vale à pena citar o que Krugman (2008) diz sobre a crise

norte-americana provocada pelo subprime:

“Acreditava-se que o novo sistema trabalharia melhor, diluindo e reduzindo os riscos. Mas, com a crise da habitação e a consequente crise do crédito hipotecário, ficou evidente que o risco não chegou a ser reduzido, mas ocultado: os invesidores, em sua maior parte, não tinham idéia do grau de exposição em que se encontravam.

E, como as incógnitas desconhecidas se tornaram incógnitas conhecidas, o sistema presencia corridas pós-modernas aos bancos. Ão as mesmas que se viam na versão antiga: com poucas exceções, não estamos falando de multidões de poupadores desesperados batendo futiosos nas portas fechadas dos bancos. Falamos de telefonemas frenéticos e mouses clicando, enquanto os operadores do mercado financeiros conseguem arrrancar linhas de crédito e tentam reduzir o risco dos parceiros. Mas os efeitos econômicos – congelametnto de créditos, queda abrupta do valor dos ativos – são os mesmos das grandes corridas aos bancos da década de 30”

É preciso dizer, contudo, que o capital portador de juros não constitui um vilão, ao

lado do qual coexistiriam o capital industrial e o comercial como expressão da face “boa”

do capitalismo. Ao contrário, as últimas décadas demonstraram que os diferentes

segmentos do capital atuam de forma imbricada e coesa, mantendo alta rentabilidade a

despeito do nível elevado de desemprego e do aumento da exploração dos trabalhadores.

Bibliografia

COHEN, Philippe; RICHARD, Luc. La Chine será t-elle notre cauchemar? Paris, Mille et Une Nuits, 2005.

JUDT, Tony. Pós-Guerra – Uma história da Europa desde 1945. São Paulo, Objetiva, 2008.

KRUGMAN, Paul.Roleta-russa financeira. OESP, 16 de setembro de 2008.

HUSSON, Michel. Finança, hiper-concorrência e reprodução do capital. In A finança capitalista. Paris, PUF, 2006.

Page 135: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

135

MARX. K. O Capital. Livro III, volume IV. São Paulo, Civilização Brasileira, 1980

PLIHON, D. As grandes empresas fragilizadas pela finança. In CHESNAIS, F. (org.) A finança mundializada, raízes sociais e políticas, configuração, conseqüências. Boitempo,

São Paulo, 2005.

Page 136: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

136

O papel da finança no capitalismo contemporâneo

Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani2

Resumo:

Este artigo trata da evolução dos estudos de François Chesnais realizados em busca da compreensão do capitalismo contemporâneo, dominado atualmente pela esfera financeira. Nele procuramos mostrar que desde A mundialização do capital até o artigo mais recente, no livro La finance capitaliste, a visão de Chesnais sai da esfera produtiva e avança gradativamente para a dominância da esfera financeira. Para tanto, nesse último trabalho, ele volta aos estudos do livro III d´O Capital, no qual Marx analisa o papel do capital dinheiro e o sistema de crédito, desde o “capital de comércio de dinheiro”, passando pela forma de capital portador de juros até a de capital fictício, e procura apreender essas categorias como elementos fundamentais para a compreensão do capitalismo contemporâneo globalizado e liberalizado.

Palavras-chave: capitalismo contemporâneo, globalização, capital fictício, capital financeiro, finança.

JEL : B51; F37.

Apresentação

Alguns economistas franceses, entre eles François Chesnais, Gérald Duménil, Dominique Lévy, Michel Husson e outros, têm dedicado seu tempo para pesquisar os traços gerais do capitalismo contemporâneo. Essa linha de pesquisa já abrange mais de uma década e encontra eco em alguns centros de pesquisa no mundo, especialmente no Brasil, onde a maioria de suas contribuições foi traduzida e publicada, recebendo excelente recepção pelo público especializado.

Este artigo busca mostrar quais foram os caminhos percorridos por François Chesnais, evidenciando, de nosso ponto de vista, quais foram as principais conclusões a que chegou ao longo de sua pesquisa. Embora o estudo seja centrado nesse autor, utiliza-se também, quando pertinente, as contribuições de Gerald Duménil e Dominique Lévy e Michel Husson. O principal material utilizado são os livros Mundialização do Capital (Xamã, 1996), A Mundialização Financeira (Xamã 1998), A Finança Mundializada (Boitempo, 2006) e La Finance Capitaliste (PUF, 2006). Também foram objeto de análise artigos isolados dos autores. Ao final, a título de conclusão, são discutidos os avanços que os estudos de François Chesnais aportam para a compreensão tanto do capitalismo contemporâneo quanto da inserção do Brasil nessa fase do capital.

1 – A evolução do pensamento de François Chesnais sobre o capitalismo contemporâneo.

O livro A mundialização do capital, publicado no Brasil pela primeira vez em 1996a, pela editora Xamã, é em parte resultado da pesquisa desenvolvida por Chesnais e equipe quando este ainda estava na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa pesquisa deu origem à publicação, em 1992, de La technologie et l’économie: les relations déterminantes, dentro do programa Tecnologia e Economia da OCDE. Talvez por isso, Chesnais,

2 Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP, líder do Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento Humano e professor de economia e de política social na Universidade Federal do Espírito Santo.

Page 137: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

137

nesse livro, tenha explorado a mundialização do capital como mais uma etapa no processo de internacionalização do capital produtivo, com ênfase nos aspectos organizacionais e operacionais das multinacionais. Dito de outra forma, a interpretação do movimento do conjunto do capitalismo mundial tinha como base as operações do capital industrial, embora não estivesse ausente de sua análise o papel exercido pelas elevadas taxas internacionais de juros (provocadas pelo Federal Reserve - Fed) na determinação da orientação dos investimentos e mesmo na financeirização das empresas. Esse último aspecto, contudo, era acessório em sua interpretação e não por acaso somente é abordado nos dois últimos capítulos desse livro, quando anuncia que o capital-dinheiro, concentrado nos bancos e nos fundos de pensão, estava ganhando força no capitalismo contemporâneo. Essa observação, contudo, não anunciava, ainda, o entendimento que teria sobre a dinâmica do capitalismo contemporâneo.

Em Notes en vue d’une caractérisation du capitalisme (CHESNAIS, 1996b), novamente o autor dedica boa parte do artigo em expor de que forma o processo de internacionalização das empresas estava ocorrendo: principalmente entre países desenvolvidos (ou adiantados) e mediante fusões e aquisições, acentuando, agora no plano mundial, a centralização e a concentração da produção e da comercialização. Isso só foi possível porque:

.... estamos num contexto novo de liberdade quase total do capital para se desenvolver e se valorizar sem ter que continuar a se submeter a entraves e limitações que ele havia sido constrangido a aceitar, especialmente na Europa, depois de 1945. Esse capitalismo liberado [...] não é de nenhuma maneira um capitalismo renovado. Ele reencontrou simplesmente a capacidade de exprimir brutalmente os interesses de classe sobre os quais está fundado (CHESNAIS, 1996b, p.16).

Os entraves a que Chesnais se refere, embora não explore nesse artigo, assim como as condições que permitiram que o capital retomasse sua liberdade, é objeto de outro artigo O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos, publicado em A finança mundializada, pela Boitempo, em 2006. Os entraves foram resultado das condições políticas e sociais do imediato pós Segunda Guerra mundial, quando os trabalhadores estavam na iniciativa da luta de classes e por isso puderam impor condições de remuneração, de emprego e de proteção social, mas também, dos controles que passaram a existir sobre o capital financeiro, este entendido por muitos, inclusive por representantes da classe dominante, como o responsável pela crise que se instala a partir de 19293.

Em relação às mudanças ocorridas nas últimas décadas, que viabilizaram a liberdade assumida pelo capital, um pouco mais adiante diz Chesnais:

É nos domínios da moeda e da finança, de uma parte, e do emprego e das condições contratuais de trabalho, de outro, que as políticas de liberalização, de desregulamentação foram levadas mais longe e de maneira mais homogênea de um país capitalista a outro. É claro que as prioridades ditadas pelo capital são as engajadas na extração da mais valia na produção de mercadorias e de serviços, mas, depois de quinze anos, são, sobretudo, de maneira sempre mais importante, as de um capital extremamente centralizado que conserva a forma dinheiro e que pretende se frutificar como tal no interior da própria esfera financeira. [...] as operações do capital-dinheiro incluem um componente sempre mais importante de capital fictício.[...] (Op. cit, 16).

No artigo de 2006, acima citado, o autor faz uma longa descrição das condições que permitiram a desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados

3 Além do autor, ver Dúmenil e Lévy (2006).

Page 138: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

138

financeiros nacionais e a desintermediação, salientando o papel exercido pelos principais estados nacionais (Estados Unidos e Inglaterra), as medidas adotadas e as pressões que já se gestavam no interior do padrão de acumulação anterior, dominado pelo capital produtivo, para que os controles sobre o capital financeiro fossem abolidos. Isto é, embora não desconsidere a chamada flexibilização do mercado de trabalho, dá principalidade às alterações ocorridas no campo monetário e financeiro.

Segundo Chesnais, para uma análise da economia mundial, é necessário se apropriar do conceito de capital, o qual deve ser pensado como uma unidade diferenciada e hierarquizada. Das diferenças entre as três formas de capital (industrial, comercial e financeiro) podem surgir contradições, mas essas, por mais profundas que sejam, não podem fugir ao fato de que o capital é fundado na propriedade privada e que hoje, mesmo o capital produtivo, é marcado por um “timbre rentista”. Mas na página 18 desse mesmo artigo afirma que, no capitalismo contemporâneo:

O caráter de fetiche das relações capitalistas foi multiplicado por dez com o ressurgimento, numa escala sem precedente histórico, das operações do capital que conserva a forma dinheiro e se valoriza por punções nas rendas formadas na produção de valor e de mais-valia, mas sem sair da esfera financeira. [...] No momento em que Marx escrevia [...] as operações do capital dinheiro eram ainda de um montante muito pequeno. Elas eram, sobretudo, subordinadas ao movimento do capital industrial e não pretendiam reger a atividade social, de parte à parte, como hoje.

Mais adiante se pergunta quanto tempo um “regime de acumulação rentista” pode ser suportado? Isso porque, segundo ele, o capital que conserva a forma dinheiro se valoriza no interior da esfera financeira, mas se alimenta de punções sobre as rendas criadas ao longo da produção e de mais-valia. Ainda nesse artigo, Chesnais lembra que Marx, no Livro II do Capital, explica que as condições gerais de acumulação incluem a capacidade do capital industrial ou capital produtivo estabelecer sua hegemonia sobre o capital comercial e sobre o capital dinheiro e subordinar suas operações às suas. Contudo, no capitalismo contemporâneo, o capital comercial, sob suas formas as mais concentradas, reencontrou uma capacidade considerável, seja de se colocar como rival direto do capital industrial efetuando certas operações (dando ordens para a produção de bens de consumo final) que eram tradicionalmente de competência dele, seja de lhe impor punções sobre a mais-valia, mediante um controle eficaz da cadeia de valor, isto é, do acesso ao mercado. No caso do capital dinheiro, trata-se de a emergência de uma situação onde é o movimento próprio desta forma do capital que tende a imprimir sua marca sobre o conjunto das operações do capital, onde há então a afirmação pelo capital dinheiro de uma autonomia frente ao capital industrial como jamais vista antes: “autonomia” na qual os limites estão fixados, contudo, pela viabilidade de médio ou curto prazo de um regime de acumulação rentista.

O artigo Contribution au débat sur le cours du capitalisme à la fin du XXe siècle (CHESNAIS, 1996c) constrói uma versão ampliada e modificada do texto anterior. Mas nele Chesnais dá contornos diferentes, enfatizando no início de sua exposição, o papel do capital dinheiro. Diz ele já na sua introdução:

“Às vésperas do XXe século, a humanidade vive, com efeito, sob a palmatória de um capitalismo rentista e parasitário, cujo funcionamento e modo de reprodução são comandados cada dia mais claramente pelas prioridades do capital-dinheiro concentrado. Esse capital-dinheiro, ou capital financeiro vive de rendas que derivam da partilha da mais-valia, isto é, em dedução do lucro bruto de exploração do capital industrial. As figuras ou as modalidades de valorização cada vez mais variadas que o capital dinheiro imaginou derivam todas daquela do capital portador de juros, do qual Marx diz que ela é “a forma mais reificada, a mais fetichizada da relação capitalista” (Op. cit. p. 64).

Page 139: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

139

No corpo do texto, contudo, Chesnais retoma a discussão que recebeu parte importante de sua atenção em A mundialização do capital, isto é, a controvérsia globalização versus mundialização. Para ele, na nova fase da internacionalização do capital produtivo, a centralização, no lugar de implicar a continuidade da expansão das sociedades transacionais observada já no período anterior, consiste no predomínio de estratégias propriamente globais e de formas de organização de grupos de ‘firmas-redes’. Ao mesmo tempo, a fase atual seria caracterizada por relações novas tanto entre o capital e o Estado, quanto entre o capital em suas diferentes determinações ou componentes, especialmente o capital produtivo e o capital-dinheiro. Dessa forma, o conteúdo efetivo da

globalização é dado não pela mundialização das trocas, mas das operações do capital, sob a tripla forma do capital industrial, do capital concentrado engajado no negócio e na grande distribuição e, sobretudo, cada dia de maneira mais evidente, sob aquele do capital-dinheiro concentrado que se valoriza no seio da esfera financeira, mas que se nutre de punções sobre a esfera produtiva onde se formam o valor, a mais-valia e outras variedades de sobre-produto. (Idem, Ibidem. p. 67).

Tal como no artigo anterior, o autor chama atenção para o fato de o capital constituir uma unidade diferenciada e hierarquizada, e que dessa diferenciação podem surgir contradições profundas, mas que elas estão limitadas pelo fato de o sistema ser fundado na propriedade privada. No plano mundial, o caráter diferenciado e hierarquizado impõe relações de rivalidade, de dominação e de dependência política entre os Estados. Daí que os Estados Unidos impõem aos outros países exatamente as regras do jogo que lhe convém e que são fundadas sobre as necessidades do capital financeiro de caráter rentista, que eles são o epicentro. Ao final desse artigo, Chesnais aparentemente faz a mesma pergunta que no anterior. Contudo, nele ele precisa a estagnação provocada pelo peso crescente do capital-dinheiro ao dizer: “Quanto tempo pode durar o processo acumulativo que gera estagnação?” (Idem, Ibidem, p. 85).

De nosso ponto de vista, trata-se de uma interpretação que vê a expansão do capital-dinheiro como obstáculo à expansão capitalista, pois as crescentes punções exigidas pelo capital-dinheiro impediriam o desenvolvimento do capital produtivo na medida em que, no limite, o tamanho da punção é definido pelo lucro do capital industrial.

Mas, ao mesmo tempo, Chesnais chama atenção para o fato de a mundialização permitir, pelo menos em parte, o restabelecimento da rentabilidade do investimento mediante redução dos salários e dos preços de muitas matérias primas. Ao mesmo tempo, como já foi mencionado anteriormente, houve uma forte mudança no comportamento do investimento, que prioriza as aquisições e fusões, bem como a reestruturação produtiva, a racionalização e a seletividade na definição dos locais para implantação de novas plantas. Embora Chesnais não explicite neste artigo, essas ações do capital produtivo seriam resultado da ação defensiva do capital, particularmente do industrial, à queda da taxa de lucro evidenciada nos Estados Unidos ao final da década de 1960 e, na Europa, a partir de meados dos anos 19704. Essa postura do capital produtivo teria como objetivo muito mais a redução de custos do que ganhos de produtividade, muito embora, tecnicamente, o aumento da produtividade resulte necessariamente em redução de custo. Dito de outra forma, o aumento de produtividade decorrente da reestruturação do processo de trabalho e da organização da produção não foi utilizado, em geral, com vista ao aumento da quantidade produzida5.

Paralelamente a isso se somava, como diz Chesnais nesse artigo, o

efeito de atração poderoso sobre os capitais potencialmente disponíveis para o

4 Aglietta (1979) e Mistral e Boyer (1983). 5 Entre outros ver Coriat (1985).

Page 140: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

140

investimento de operações e aplicações financeiras, que oferecem rendimentos superiores e [...] mais fáceis que o investimento na produção. O resultado líquido é um investimento de dinamismo médio ou fraco, altamente seletivo no plano espacial, que parece pouco realista de se esperar que jogue um papel de locomotiva de uma retomada cíclica mundial sustentada (Idem. Ibidem. p. 84).

Até esse momento, então, apesar de no início desse artigo Chesnais dizer que a “humanidade vive, com efeito, sob a palmatória de capitalismo rentista e parasitário”, seu enfoque centra-se no capital produtivo, isto é, sob os obstáculos que a ele se interpõem e sobre as medidas que este, principalmente o industrial, assume para fazer frente às punções do capital-dinheiro.

Em 1998, foi publicada, pela editora Xamã, o livro coordenado por François Chesnais intitulado A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. Nesse livro Chesnais, além do prefácio à edição brasileira, é responsável pela Introdução Geral e pelo último capítulo, chamado de Mundialização financeira e vulnerabilidade sistêmica. Corroborando com nossa interpretação acima, diz Chesnais no prefácio desse livro:

O livro anterior havia sido escrito [A mundialização do capital] partindo da idéia de que a mundialização do capital constituía uma etapa a mais no processo de internacionalização e nas operações contemporâneas das multinacionais. Destacava-se o fato de que a mundialização do capital era mais impulsionada na esfera financeira que em qualquer outro domínio. Mas, apesar, de tratar-se do papel desempenhado pelas taxas de juros reais positivas sobre o nível e a orientação da acumulação, como da financeirização dos grupos industriais, a interpretação do movimento de conjunto do capitalismo partia, ainda, das operações do capital industrial. A partir dos dados e das análises reunidos neste novo livro, um deslocamento qualitativo se impõe. É da esfera financeira que é necessário partir se desejarmos compreender o movimento em seu conjunto. (Op. cit. p. 7).

Dessa maneira, somente em A mundialização financeira Chesnais assume claramente que as tendências essenciais do capitalismo mundial contemporâneo “são comandadas pelas operações e opções de um capital financeiro mais concentrado e centralizado que em nenhum outro período precedente do capitalismo” (Idem, Ibidem, p. 7). Apesar disso, sua contribuição (tanto no Prefácio, como na Introdução e no capítulo A mundialização financeira e vulnerabilidade sistêmica) caracteriza-se por: a) evidenciar o crescimento das transações financeiras na década de 1980 e nos primeiros anos da de 1990, comparando-o ao da formação bruta de capital fixo para os países da OCDE; b) descrever a gênese da mundialização financeira; c) evidenciar as etapas da liberalização e da mundialização financeira; d) salientar o papel assumido pelos fundos de pensão em relação a outros atores institucionais (tais como bancos, companhias de seguro, entre outras); e) analisar as crises financeiras ocorridas entre 1970 e 1997, apontando, para o descolamento entre “os abalos financeiros e a economia real”, referindo-se à expressão utilizado por Robert Guttman (1994, p. 234) e o surgimento de riscos sistêmicos específicos de um regime de acumulação predominantemente financeiro.

Vale salientar de que forma Chesnais enfatiza as condições do nascimento da mundialização financeira:

O contexto geral é o fim dos ‘anos dourados’. Ou seja, embora ela tenha começado a se manifestar em fins da década de 60, a mundialização financeira não pode ser compreendida fora do que os regulacionistas chamam de ‘crise do modo de produção fordista’ (BOYER, 1986) e que os marxistas descrevem como ressurgimento, num contexto determinado, de contradições clássicas do modo de produção capitalista mundial, que haviam sido abafadas entre 1950 e

Page 141: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

141

a recessão de 1974. A gradativa reconstituição de uma massa de capitais procurando valorizar-se de forma financeira, como capital de empréstimo, só pode ser compreendida levando em conta as crescentes dificuldades de valorização do capital investido na produção. Com esses lucros não repatriados, mas também não investidos na produção e depositados pelas transnacionais norte-americanas em Londres, no setor off-shore, o mercado de eurodólares deu sua arrancada, a partir de meados da década de 60, bem antes do ‘choque do petróleo’ e da recessão de 1974-75. (Idem, Ibidem. p. 17)

Em relação ao crescimento da esfera financeira, é interessante verificar sua preocupação em dizer que:

Os termos ‘autonomia’, ‘autonomização’, etc., devem ser utilizados com cautela. É verdade que uma parcela extremamente elevada das transações financeiras tem lugar no campo fechado formado pelas relações entre instituições especializadas, e não tem nenhuma contrapartida a nível de intercâmbio de mercadorias e serviços nem do investimento. [...] Mas isso não significa que não existam vínculos fortes, e sobre tudo de grande alcance econômico e social, entre a esfera da produção e comércio internacional e a das finanças. A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de certa força de trabalho de múltiplas qualificações. Os capitais que os operadores financeiros põem para valorizar, através de suas aplicações financeiras e das arbitragens entre diversos tipos de ativos, nasceram invariavelmente no setor produtivo e começaram por assumir a forma de rendimentos que se constituíram na produção e intercâmbio de bens e serviços. Uma parcela desses rendimentos – hoje em dia uma parcela elevada - é captada ou canalizada em benefício da esfera financeira, e transferida para esta. Só depois dessa transferência é que podem se dar, dentro do campo fechado da esfera financeira, vários processos de valorização, em boa parte fictícios, os quais fazem inchar ainda mais o montante nominal dos ativos financeiros. (Idem, Ibidem. p. 15).

Em outras palavras, nessa passagem Chesnais tem claramente a preocupação em indicar que o crescimento exagerado ou hipertrofiado do capital financeiro tem origem primeira na produção de valor e de mais valia, isto é, constituem parte do lucro realizado pelo capital produtivo, mas que, ao não serem reutilizados como capital de empréstimo, ganham vida própria no mercado secundário de ativos. Mesmo assim, a chamada autonomia não é nesta obra explorada, nem seus efeitos sobre as demais formas do capital.

Será em A finança mundializada, publicada pela Boitempo em 2005, que François Chesnais, em seu artigo O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos, irá finalmente dizer que o “mundo contemporâneo apresenta uma configuração específica do capitalismo, na qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações econômicas e sociais” (Op. cit. p. 36). Um pouco mais adiante afirma, pela primeira vez, que as instituições bancárias, mas, sobretudo, as não bancárias, são constituídas “de um capital com traços específicos, que busca fazer dinheiro sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros pagamentos recebidos a título de posse de ações e, enfim, de lucros nascidos de especulação bem-sucedida”. Note-se que na contribuição imediatamente acima citada, já mencionava as bases do aumento do capital-dinheiro, tendo utilizado, inclusive, o termo “fictícios”. Contudo, é dado aqui peso à palavra especulação e o capital portador de juros é colocado no centro das relações econômicas e sociais do mundo capitalista. Isso significa que, para o autor, não há como entender a dinâmica atual do capitalismo sem que se analise de que maneira esse capital se relaciona com as demais formas do capital e com a classe trabalhadora em geral.

Page 142: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

142

Nesse capítulo, Chesnais retoma, de maneira sucinta, aspectos desenvolvidos em contribuições anteriores, tais como descrever as etapas e os mecanismos que levaram ao ressurgimento da finança. Aliás, é nesse texto que o autor insiste em utilizar o termo retorno e / ou reaparecimento do capital financeiro, enfatizando que no passado, embora de forma diferente, o capital financeiro já havia reinado de forma relativamente soberana6. Depois de descrever os elementos - presentes no período chamado de trinta anos gloriosos ou de compromisso keynesiano, a depender da filiação teórica e ideológica do analista - que irão pressionar para que os controles sobre o capital financeiro sejam retirados a partir do final dos anos 1970, e depois de descrever as medidas tomadas pelos Estados Unidos e pela Inglaterra nessa direção, dedica-se a caracterizar o que vem chamar de “um regime específico de propriedade do capital”. Em suas palavras, “A tese aqui defendida sustenta que os detentores das ações e de volumes importantes de títulos da dívida pública devem ser definidos como proprietários situados em posição de exterioridade à produção, e não como ‘credores’” (Idem, Ibidem. p. 48). Mais adiante afirma que “A instituição central da finança é o mercado secundário de títulos, o qual negocia somente ativos já emitidos, cujos resultados do financiamento, se existiram, pertencem ao passado” (Idem, Ibidem. p. 49).

É essa caracterização, de proprietário e não credor, que lhe permite anunciar as conseqüências das normas de rentabilidade vigentes dos fundos (os famosos 15%) nas estratégias das empresas, que é tema de pesquisa de Dominique Plihon (2005). É dessa forma que os grandes grupos industriais e comerciais são movidos pela lógica de curto prazo do capital financeiro, sendo regulados pela cotação das ações de suas empresas na Bolsa. Essa lógica - que contradiz o prazo de maturação de certos investimentos - também leva a que cada departamento e cada filial sejam tratados como um ente à parte, cada um deles devendo reproduzir a rentabilidade mínima exigida pelos acionistas. Diz Chesnais: “Os grupos são dirigidos por pessoas para as quais a tendência da Bolsa é mais importante do que qualquer coisa” (Idem, Ibidem. p. 54).

Essa afirmação, que poderia ser entendida como exagerada por alguns, é objeto de estudo de Gérard Duménil e Dominique Lévy, em La finance capitaliste: rapports de production et rapports de classe7. Neste artigo, entre outros aspectos, esses pesquisadores dedicam-se a comparar a ação dos altos funcionários das empresas no período chamado de compromisso keynesiano com o atual. Defendem que, se no primeiro havia uma autonomia dos administradores em relação aos proprietários, de forma que as taxas de juros eram baixas, eram distribuídos poucos dividendos e os lucros eram largamente retidos nas empresas e serviam para investir; no segundo, a nova hegemonia financeira repousa sobre uma reversão dessa relação, sendo os administradores disciplinados em favor dos proprietários, isto é, dos acionistas. É, então, estabelecida uma ligação estreita entre a propriedade e a alta gestão. Segundo esses autores, esta relação entre proprietários capitalistas e as frações superiores dos assalariados é estendida até englobar a totalidade do decil 90-99 na escala das rendas (no caso americano). Esse fenômeno, segundo eles, os leva a falar de um compromisso neoliberal, opondo-se ao que se convencionou chamar de compromisso keynesiano, onde haveria uma ligação de interesses entre os administradores e as classes populares, interessadas em uma política de quase pleno emprego e de salários reais crescentes (Op. cit. p. 149 e 159).

Dessa forma, além da centralização do capital provocada pela finança, “... que resulta das fusões e aquisições orquestradas pelos investidores financeiros e seus conselhos [...], a finança conseguiu alojar a ‘exterioridade da produção’ no próprio cerne dos grupos industriais” (CHESNAIS, 2005, p. 54).

Como seria de esperar, o resultado da transposição da lógica de curto prazo para o interior

6 Destaque-se que na Introdução geral de A Mundialização Financeira, Chesnais considera que o período anterior de mundialização financeira se encerrou em 1914. Já Duménil e Levy (2005), consideram que essa fase, a que chamam de hegemonia financeira, termina em 1929. 7 Este artigo está em La finance capitaliste, 2006.

Page 143: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

143

das empresas é o estabelecimento de um crescimento mundial a taxas muito baixas, com exceção do que ocorre na China e sobre a qual se tratará mais adiante. Sobre o baixo crescimento mundial, vale mencionar a interpretação de Michel Husson (2006). Para esse autor, a financeirização do capitalismo conduziu a uma situação onde os lucros foram retomados ao nível anterior à crise do chamado regime fordista sem que, contudo, a acumulação do capital tenha voltado a dinamizar a economia. Em outras palavras, a retomada do lucro ocorreria mediante aumento descomunal da exploração da força de trabalho, sendo que a distribuição de dividendos e os lucros não reinvestidos alimentariam a crescente expansão do capital financeiro junto ao mercado secundário de ações e títulos. Além disso, na medida em que a economia passa a ter como parâmetro normas internacionais, desde os famosos 15% de rentabilidade para os fundos até o custo da força de trabalho (já que a entrada da China na Organização Mundial do Comércio - OMC opôs os trabalhadores no plano mundial, pressionando os salários para baixo), altera-se o processo de equalização da taxa de lucro. Como diz Husson:

Dizer que o espaço de valorização se estende ao conjunto da economia mundial implica que as normas de exploração tendem também a se universalizar, por um tipo de determinação inversa. Esse resultado pode parecer evidente: a busca da taxa de lucro máximo implica a de uma taxa de exploração a mais elevada possível. O que mudou é a escala do espaço, no interior do qual, se exercem esses mecanismos. A financeirização se traduz por uma equalização mais estreita, tanto intra quanto intersetorialmente. No interior de um setor, assiste-se à formação de um preço mundial de referência do qual é mais difícil de se distanciar e que tende a se alinhar (para baixo) ao preço mínimo e não ao preço médio definido por cada zona econômica. (Op. cit. p. 233).

Contudo, antes de ser uma solução – “uma situação de equilíbrio de sub-acumulação” - a “gigantesca negação da produção em escala mundial: vale mais não produzir do que produzir abaixo da norma de lucro” indica que a

diferença crescente entre os lucros excedentes e de ocasiões raras de investimentos rentáveis expressa a contradição irredutível entre a satisfação das necessidades sociais e a busca do lucro máximo. A finança é, ao mesmo tempo, um meio de preencher (parcialmente) esta diferença, e um dos principais instrumentos que permitiram estabelecer esta nova configuração de conjunto. Ela não é, então, uma doença que viria ‘gangrenar’ um corpo sadio, mas o sintoma de uma crise que toca aos princípios essenciais do capitalismo. (Idem, Ibidem. p. 246).

Com suas diferenças em relação a esse autor, Chesnais (2006), em seu último artigo intitulado La preeminence de la finance au sein du ‘capital em general’, le capital fictif et le mouvement contemporain de mondialisation du capital, vai ao centro da questão sobre o capitalismo contemporâneo. Antes, porém, destaca que finalmente, com a entrada da China na OMC, a tendência de o capitalismo formar um mercado mundial constitui uma realidade e que seu traço característico é o volume extraordinariamente grande de títulos (ações e obrigações) que se apresentam aos olhos dos que os detém como um capital que lhes auferem o direito permanente de receber rendas regulares (Op. cit. p. 66).

Para discutir essa realidade Chesnais faz uma acurada releitura de Karl Marx (O Capital, Grundrisse) e de Rudolf Hilferding (O capital financeiro). Entre todas suas contribuições, essa é, sem dúvida, a mais teórica, onde a maior parte do artigo é dedicada à retomada e a discussão das categorias marxistas presentes nos treze capítulos da quinta seção do Livro III dO Capital, bem como uma “releitura inicial de Hilferding”. Após isso, na terceira parte deste seu longo artigo, retoma, a partir das categorias analisadas, a reconstituição em larga escala do capital que se valoriza

Page 144: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

144

nos mercados financeiros, isto é, o processo em curso que tem início a partir dos anos 1980.

No escopo deste artigo, seria impraticável resumir todos os passos trilhados por Chesnais ao revisitar Marx e Hilferding. Por isso nos contentamos em fazer apenas um resumo de sua leitura de Marx, deixando, para uma outra oportunidade, a de Hilferding. Mesmo assim, esperamos estar auxiliando na compreensão de seu desenvolvimento teórico sobre o capitalismo contemporâneo. Para isso nos utilizamos tanto do denvolvimento de sua pesquisa, como do esforço de síntese, feito pelo próprio Chesnais, quando inicia sua apreciação sobre a contribuição de Hilferding em relação a Marx.

Antes de apresentar esse resumo, destacamos, tal como faz o autor, que duas categorias se fazem essenciais para a compreensão do capitalismo contemporâneo: a de capital em geral e a de capital fictício. Isso porque, de acordo com Chesnais:

a importância assumida pela centralização e valorização de uma poupança ou de somas de dinheiro que devem simultaneamente vir com a partilha do valor e da mais-valia, permanecer “líquida” e servir de forma fictícia de “capital”, significa que a teoria atualizada do “capital portador de juros” não pode mais ser excluída da análise do movimento contemporâneo da acumulação e da reprodução do capital. (Op. cit. p. 68).

2 – A teoria marxista do capital portador de juros e o capital fictício segundo

Chesnais8

2.1 A acumulação do dinheiro e sua conversão em capital de empréstimo, portador de juros.

O campo da teoria da finança em Marx é o da conversão do dinheiro em capital. Esta conversão aparece pela primeira vez no capítulo IV do Livro I de O Capital sob a forma da transformação do possuidor do dinheiro individual em capitalista industrial. Na parte quinta do Livro III, o possuidor do dinheiro pode operar a conversão do dinheiro em capital como prestamista e assumir, assim, o status de “capitalista passivo” frente ao “capitalista ativo”. Dessa forma, o dinheiro assume outro valor de uso, aquele de produzir lucro, quando transformado em capital. Por isso constitui uma mercadoria sui generis, pois seu valor de uso (a capacidade de transformar-se em capital) é cedido apenas por um tempo determinado. Na sua formulação mais geral, a teoria é aquela do “capital prestamista enquanto massa de dinheiro que se conserva e que cresce, que volta a seu ponto de partida e pode sempre recomeçar o mesmo processo”. Chesnais, utilizando uma terminologia contemporânea, diz que essa seria, então, a teoria de um capital de empréstimo, ou mais amplamente de aplicação financeira. A formação desse capital resulta de formas específicas de centralização que Marx chama “acumulação de capital-dinheiro propriamente dita”. Ela conduz em seguida a uma “acumulação” de “capital fictício”, que ele designa também em certas passagens como uma “acumulação financeira”.

De acordo com Chesnais, a análise do crédito é, senão apoiada na teoria do “capital de empréstimo enquanto massa de dinheiro”, ao menos ligada a ela de maneira indissolúvel. No plano da centralização das somas suscetíveis de serem valorizadas pelo empréstimo, a atividade dos banqueiros é aquela das instituições financeiras, exercendo a atividade dos “investidores” atuais. A “geração do capital portador de juros”, que Marx diz que é “o outro aspecto do sistema de crédito” é uma das funções dos banqueiros. Por seu lado, a valorização das “massas de dinheiro” assim centralizadas em empréstimos e em aplicações, abre a via ao que Marx chama de “a acumulação de capital-dinheiro propriamente dito” pela oposição à “acumulação verdadeira do capital”. Essa conhece um rápido crescimento qualitativo assim que os bancos, depois de ter operado esta

8 Esta parte constitui um resumo do entendimento de Chesnais sobre a finança em Marx.

Page 145: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

145

centralização, ampliam o sistema de crédito.

2.2 - O “capital em geral” e o lugar respectivo do capital industrial e do capital-dinheiro.

De acordo com Chesnais, este aparecimento do dinheiro “vadio” (ou ocioso), sob uma forma maciça, pronto a, ou desejoso de, se valorizar sob a forma de empréstimo ou de aplicação em ações, vê o nascimento de uma tensão interna no movimento do capital que Marx pressentiu sem imaginar a amplitude que ela atingiria no século XX e hoje no século XXI. Destaca Chesnais, que Marx, em uma passagem pouco comentada, escreve que “o capital industrial é o único modo de existência do capital onde sua função não consiste somente em apropriação, mas igualmente em criação de mais-valia [...] de sobre-produto” de modo que é necessário que “as outras variedades de capital [...] se subordinem a ele”, fazendo a constatação seguinte alguns parágrafos adiante:

[O] aspecto dinheiro do valor é sua forma independente e tangível, a forma de circulação D – D’, cujo ponto de partida e o ponto de chegada são o dinheiro real, exprime da maneira mais tangível a idéia “fazer dinheiro”, princípio motor da produção capitalista. O processo de produção aparece somente como um intermediário inevitável, um mal necessário para fazer dinheiro. (citado por Chesnais, Idem, Ibidem, na página 72)

Diz Chesnais,

com o recuo da história, se vê que o reforço das instituições, que encarnam um segmento de classes possuidoras e uma fração do capital, dispostas a abraçar esta ‘idéia’, era inerente às relações sociais de produção enquanto relações de distribuição e que o processo devia necessariamente ser alimentado também pelos refluxos em direção à valorização financeira de capitais que não encontrassem uma taxa de lucro satisfatória para investir na produção, devido aos limites internos à acumulação (Idem, Ibidem. p. 92).

Dessa forma, quanto mais se amplia a centralização do capital-dinheiro, centralizado nos bancos e em instituições não bancárias, mais seu possuidor entende que o único motivo de suas operações é a apropriação crescente da riqueza abstrata, tal como “pensa” o capital em geral. Quanto mais a forma D – D’ (dinheiro que faz dinheiro) torna-se predominante, mais o fetichismo, as representações fantasmagóricas das fontes da riqueza se apossam da sociedade.

O capital aumentado, isto é, o D’, pode ser utilizado para uma outra operação de empréstimo, ou para uma operação industrial ou comercial. Assim é anunciada a exigência de liquidez que somente pode ser assegurada pelos mercados secundários de títulos. Segundo Chesnais, Hilferding será o primeiro teórico marxista a desenvolver esse aspecto.

2.3 A partilha quantitativa do lucro entre juros e lucro da empresa.

Em relação ao juro, Chesnais retoma que o que está muito claro em Marx, que o mesmo é parte do lucro e não participa da formação do lucro médio. Dessa forma, o juro deriva da partilha do lucro e depende, então, da produção e da realização bem sucedida de uma massa de mais-valia. Contudo, tanto para o capital função, como para o capital propriedade, a aparência das coisas é exatamente inversa. Isso porque, enquanto a taxa de lucro médio não é perceptível aos capitalistas individuais, que conhecem somente sua própria taxa de lucro, a todo momento existe somente uma taxa de juros fixada pelo mercado para cada categoria dada de empréstimo, dada a relação de forças entre quem empresta e quem toma emprestado. Segue-se daí, diz Chesnais, que o juro parece vir em primeiro lugar e o lucro da empresa é somente o que resta, cujo nível é imposto pelo prestamista (Idem, Ibidem. p. 76),

2.4 O movimento D – D’ e o fetichismo do capital portador de juros.

Page 146: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

146

O dinheiro tornado capital de empréstimo, portador de juros, descreve o movimento D – D’, melhor conhecido sob o nome de “ciclo abreviado do capital”. Esse movimento expressa ao mesmo tempo a essência do dinheiro que se faz capital de aplicação depois de ser tornado “forma independente e tangível do valor” e a quinta-essência do fetichismo que açoita o modo de produção capitalista. A forma D – D’ expressa “a idéia ‘fazer dinheiro’, [que é o ] principal motor da produção capitalista”. Por conseqüência: “No capital portador de juros, a relação capitalista atinge a forma mais reificada, mais fetichista. Temos nessa forma D - D’, dinheiro que gera dinheiro, valor que se valoriza a si mesmo sem o processo intermediário que liga os dois extremos”. (MARX, 1981, Livro III, volume V, p. 450).

Diz Chesnais: “A forma D – D’ leva ao paroxismo um fetichismo profundo que não é somente inerente ao dinheiro que se valoriza em massa, mas ao capitalismo enquanto tal, como modo de produção e como sistema de dominação social” (Idem, Ibidem. p. 80). O fundamento do fetichismo se encontra na troca no mercado e no valor enquanto valor de troca, cujo efeito é dar a “uma relação social determinada entre os homens [...] a forma fantástica de uma relação de coisas entre eles” (MARX,1981, Livro I, Volume I, p. 81). Mas a partir dessa base, o fetiche estará presente em todas as relações econômicas e sociais capitalistas, na qual o capital-dinheiro é sua expressão máxima.

2.5 O capital fictício

De acordo com Chesnais, em sua leitura sobre Marx, o capital fictício concretiza a análise do fetichismo inerente ao capital portador de juro ou de aplicação financeira mais geral. O que parece, aos olhos do portador de títulos ser para ele “capital”, “seu capital”, deve ser analisado como sendo uma pura ficção do ponto de vista do movimento do capital entendido como reprodução do capital produtivo.

No curso de suas operações, os bancos criam formas determinadas de capital fictício, especialmente com o crédito para fins de investimento. Paralelamente, o capital próprio dos bancos é amplamente composto de títulos sobre uma produção futura que são, no melhor dos casos, duplicatas fictícias de um capital real. No Livro III, os bancos são estudados ao mesmo tempo como instituições financeiras que centralizam “o dinheiro em massa” e como fornecedores de crédito. Mesmo se os dois papéis tornam-se hoje mais estreitamente imbricados, é importante respeitar essa distinção.

Para fazer essa distinção Chesnais se apoia em Robert Guttman, que fez uma leitura atenta de Marx a ponto de dizer que, de um lado, ele destaca sem ambigüidade que “a criação de crédito ex nihilo é em si uma fonte de capital fictício e a razão pela qual a moeda de crédito não tem valor intrínseco”. De outro, ele procede a uma análise da “dominação do capital fictício” onde se refere à configuração específica do capitalismo que resulta do pleno ressurgimento de instituições que abraçam títulos aos quais ele deu anteriormente o nome de capital fictício9. Nas palavras de Gutrmann, citadas por Chesnais:

A integração da finança e da indústria por via do crédito portador de juro dá nascimento ao “capital financeiro”, enquanto que “as transações das instituições financeiras engendram sua forma específica própria de capital [...] Marx explicou que essas atividades servem de fundamento ao que ele chama de capital fictício. O conceito designa todos os ativos financeiros cujo valor repousa sobre a capitalização de um fluxo de rendas futuros, que não têm nenhuma contrapartida no capital industrial efetivo. Partindo desta definição, Marx identificou várias formas de capital “fictício”, que tornaram-se todas bases da economia de portfólio contemporânea (Idem Ibidem. 41).

9 Guttmann. R. Op cit. P. 85..

Page 147: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

147

2.6 – As formas do capital fictício.

Em sua leitura do capital e apoiado nos autores acima referidos, Chesnais destaca as três principais formas de capital fictício, que encontramos em Marx e que são as mais comentadas pelos autores marxistas: o capital bancário, a dívida pública e o capital acionário nas bolsas de valores. Mas, Chesnais desenvolve seu estudo avançando para a nova configuração dos bancos e suas mudanças com a criação de novos ativos financeiros, com as novas formas de atuação dos bancos na expansão da dívida dos países do Terceiro Mundo, e a ascenção dos fundos de pensão e fundos de investimentos, que assumem um papel preponderante no capitalismo contemporâneo.

O traço novo, o mais saliente, de conseqüências decisivas, da reconstituição de um capital de aplicação altamente concentrado, foi a perda de proeminência dos bancos – que eram praticamente um monopólio em certos países – em benefício dos fundos de pensão e dos Mutual Funds, na centralização e na valorização de dinheiro em busca de aplicação. (CHESNAIS, 2006. p. 100)

Antes disso, porém, ocorreu uma primeira fase de expansão financeira ainda dominada pelo sistema bancário com uma enorme criação de capital fictício em escala internacional. A recuperação da economia européia no pós-Segunda Guerra, a abertura do mercado interbancário na City, em Londres, e a internacionalização bancária foram os fundamentos para a criação dos eurodólares, na década de 60, e dos petrodólares na década seguinte, após as guerras no Oriente Médio, com a consequente crise do petróleo.

Tendo como base os as reservas acumuladas pelos Bancos Centrais e a massa de depósitos efetuados pelos países produtores de petróleo, os bancos internacionalizados procederam à criação secundária de dólares através de empréstimos, ou seja, de capital fictício, principalmente aos países do Terceiro Mundo. A mudança na política monetária do FED, a partir de 1979, na tentativa de superar a própria crise que abatia a economia Norte-Americana, lançou os países endividados em uma crise sem precedentes que durou mais de uma década, desestruturou a maior parte das economias lançando várias delas na hiperinflação. Por um lado, essa crise permitiu submeter ainda mais fortemente os países do Terceiro Mundo através de uma gigantesca punção sobre a riqueza produzida, através dos pagamentos de juros e amortizações da dívida externa. Por outro, colocou as bases para uma nova forma do capital fictício, na qual, as renegociações efetuadas conduziram à securitização das dívidas, transformando dívidas contratuais em dívidas mobiliárias, negociáveis nos principais mercados financeiros internacionais. Enfim, permitiu a emergência e a consolidação dos novos atores da finança globalizada, os fundos mútuos, os fundos de pensão e os fundos de aplicação financeira.

A primazia desses dois tipos de investidores institucionais, aos quais se somam as grandes companhias de seguro, abre um novo período na história do capitalismo mundial. Os fundos de pensão foram os beneficiários imediatos do golpe financeiro de 1979, no qual um dos componentes centrais foi a criação de mercados liberalizados de obrigações públicas. A “securitização” dos títulos da dívida pública dos países capitalistas avançados permitiu aos governos diminuir a tributação sobre o capital e a renda das classes superiores e médias. Em proporções variáveis segundo os países, a aplicação dos bônus do Tesouro e outros títulos da dívida nos mercados financeiros permitiu a explosão dos déficits orçamentários. O objetivo da liberalização dos movimentos de capitais, da securitização e da alta das taxas de juro era de quebrar a inflação criando condições de “segurança financeira” para as aplicações e de baixa relativa dos salários (a deflação salarial). (Idem, Ibidem, p. 103)

Page 148: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

148

Os fundos de pensão Norte-Americanos haviam acumulado enormes volumes de pequenas poupanças, cujas aplicações eram muito restritas e controladas. A liberalização das aplicações desses fundos, junto com a expansão, em outros países, desde os anos 70, de sistemas privados de aposentadoria criados por sociedades seguradoras carreou para os mercados financeiros uma massa de capital dinheiro em busca de valorização. Ela encontrou, nesses mercados, a dívida pública securitizada, e com altas taxas de juros, como uma primeira via para suas aplicações. Essa expansão do capital fictício, na forma da dívida pública trouxe como consequência os enormes déficits orçamentários, através dos quais parte da mais valia arrecadada pelo Estado transforma-se em pagamento de juros. A parte dos juros que não é paga, transforma-se normalmente em nova dívida, expandindo essa forma de capital fictício sem nenhum fundamento na economia real.

Os fundos de pensão e aposentadoria, juntamente com os novos fundos de investimento e aplicação financeira – que também aplicam seus recursos no capital fictício da dívida pública – dirigem-se igualmente para o capital fictício das bolsas de valores. Essas novas instituções adquirem uma predominância na finança mundializada, mas não suprimem os bancos que não só continuam a manter suas atividades fundamentais como criam novas formas de participação através das inovações financeiras e novos produtos. Essas instituições reúnem, então, massas enormes de recursos, seja de assalariados, pequenos poupadores e dos grandes capitalistas. “Os assalariados aposentados cessam de ser simples “poupadores” e tornam-se, geralmente sem que eles tenham uma clara consciência, partes constitutivas de mecanismos que comportam a apropriação de rendas fundadas sobre a exploração dos assalariados no trabalho, tanto nos países onde o sistema de pensão por capitalização foi criado quanto naqueles onde as aplicações e as especulações serão realizadas”. (Idem, Ibidem, p. 105). Chesnais, seguindo a Marx, enfatiza mais os primeiros e não faz referências importantes sobre a reconcentração da riqueza ocorrida após os anos 80, tanto nos Estados Unidos, como mostram Duménil e Lévy, quanto em todo o resto do mundo.

Essas instituições, conhecidas hoje como investidores institucionais, modificaram tanto a natureza das relações entre o capitalista proprietário e o administrador do capital, quanto a própria natureza dos “novos investimentos”, do chamado “investimento estrangeiro direto” e das relações entre o capital produtivo e o capital financeiro.

A bolsa de valores tornou-se o centro das aplicações financeiras e a distribuição de dividendos o mecanismo principal de apropriação de mais-valia.

Esse poder aparece quando da vaga de OPAs hostis dos anos 1980 e da emergência da Bolsa como “mercado para o controle das empresas”. Os fundos de pensão e os Mutual Funds aí jogaram um papel ativo, se colocando como compradores de títulos de recompra de empresas alavancando ou participando das operações de fusões-aquisições e de OPAs hostis de maneira direta. Eles consolidaram a afirmação de uma concepção puramente financeira da empresa, que faz dela uma coleção de ativos divisíveis e líquidos, suscetíves de serem vendidos ou comprados conforme as ocasiões de rendimento financeiro. Elas, enfim e sobretudo, introduziram os procedimentos altamente padronizados da “governança corporativa” que codificam as formas contemporânas da relação entre a finança e a indústria. (Idem, Ibidem, p.106).

Assim, o capital produtivo passou a ser comandado pela finança, através dos preceitos da governança corporativa, e os administradores pressionados a obterem sempre mais resultados. Principalmente porque o aumento na distribuição de dividendos eleva os preços das ações, portanto, os ganhos de capital, expandindo o capital fictício acionário. Nesse mecanismo, os administradores recebem as stock options como meio através do qual procuram sempre obter o aumento máximo no valor acionário. Esse mecanismo, levado ao extremo gerou as falcatruas que levaram a falência a Enron, WorldCom, Tyco, etc.

Page 149: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

149

As relações entre a finança e o capital produtivo também modifica as relações entre os proprietários, os gestores de fundos e os administradores das empresas, incluindo aí uma terceira categoria, os “analistas financeiros e os bancos de investimentos”. Nessas relações, os administradores devem estabelecer uma acirrada concorrência entre eles, fonte de uma forte instabilidade, buscando sempre atingir as metas que são determinadas de forma “impessoal”, pelos mercados financeiros.

As consequências da predominância da finança no capitalismo contemporâneo, e a disputa pela mais valia a ser produzida no futuro, é o acirramento das contradições próprias do capitalismo, com a intensificação da exploração da força de trabalho e a destruição cada vez mais acelerada dos recursos naturais e da própria natureza.

Notas Finas

Dentre as novas formas de capital fictício, Chesnais deixou de incluir as gigantescas operações nos mercados de câmbio e de derivativos como opções, futuros e swaps. No fim de 2006, de acordo com a Associação Internacional de Swaps e Derivativos, o valor de swaps de juros, swaps cambiais e opções de juros no mercado tinham atingido US$ 286,0 trilhões, aproximadamente seis vezes o Produto Mundial Bruto (...), em comparação com meros US$ 3,45 trilhões em 1990.” (WOLF, 2007). Apesar desse mercado não afetar diretamente a punção sobre a mais valia gerada na esfera produtiva enquanto operavam mais especulativamente, pois os ganhos e perdas ocorriam, em sua maior parte, entre os próprios capitalistas e especuladores, atualmente, ele se constitui em uma poderosa fonte de tensão e instabilidade dos mercados financeiros que podem afetar o próprio capital produtivo.

Além disso, essas operações com derivativos podem afetar gravemente as novas instituições que operam com esses hedges e derivativos, e que atuam ao mesmo tempo como gestores de carteira e como fundos privados de investimentos em participações, devido ao seu crescimento alucinante. “Estima-se que o número de fundos de hedge tenha crescido de apenas 610, em 1990, para 9.575 no primeiro trimestre de 2007, com um montante de aproximadamente US$ 1,6 trilhão sob sua administração”. (WOLF, 2007). Segundo o mesmo artigo de Wolf, o volume de negócios “explodiu”, passou de 109% da produção mundial, em 1980, para 316%, em 2005. No mesmo ano, o estoque mundial de ativos financeiros atingiu US$ 140 trilhões.

Esse gigantesco volume de negócios, cujos rendimentos vão além do que pode ser extraído da mais valia produzida pelo capital industrial, deve ser continuamente alimentado por mais capital fictício. Enquanto os mercados conseguirem transferir para o futuro uma parte importante desses ganhos ou perdas e os Estados, através de seus Bancos Centrais, principalmente o Fed, conseguirem administrar a instabilidade financeira gerada pela especulação, as crises financeiras, que já assolaram o capitalismo na década passada serão ainda adiadas.

A causa primordial dessas crises se encontra na diferença entre o montante, sempre mais elevado, dos créditos sobre a produção em curso e futura e a capacidade efetiva do capital engajado na produção os honrar, mesmo com a ajuda de políticas macro-econômicas dos Estados, mesmo com crescimento sem cessar das taxas de exploração da força de trabalho. Na raíz das crises financeiras se encontra, então, a propensão do capital regido pelo movimento D – D’ demandar à economia “mais do que ela pode”. Vista assim, as crises são uma manifestação da exterioridade da finança em relação à produção. Os mercados financeiros aumentam a probabilidade. (CHESNAIS, 2006, p. 115).

Page 150: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

150

Os estudos de Chesnais permitem, então, mostrar que o aguçamento das contradições fundamentais do capitalismo contemporâneo apontam seriamente para mais uma crise, que terá origem provavelmente na esfera das finanças globais. O volume global de capital fictício acumulado na esfera financeira, gerida em parte através da reprodução e acumulação das dívidas estatais, e pela ação dos Bancos Centrais apresentam certos limites. Da mesma forma, a massa de capital fictício acumulada nas bolsas de valores e de mercadorias e futuros, além dos mercados de câmbio, presssionam continuamente ao desencadeamento da crise. Segundo Martin Wolf, em oposição aos argumento dos otimistas que não crêem em outra grande crise financeira, “Os pessimistas podem argumentar que as condições monetárias têm sido tão benignas há tanto tempo, que enormes riscos estão sendo acumulados, não identificados e não controlados, no interior do sistema”.

Da leitura dos trabalhos de Chesnais e dos demais pesquisadores franceses, apreende-se, então que, é a partir dos 1980, quando da desregulamentação monetária e financeira, da descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e da desintermediação bancária, promovidas pelos Estados nacionais, particularmente pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, que se verifica o retorno do capital financeiro, isto é, do capital portador de juros, tal como definiu Marx. Esse retorno, dado em bases muito mais profundas do que no passado (final do século XIX até 1929), foi acompanhado da construção de uma nova relação entre o capital produtivo, o capital comercial e o capital financeiro e por uma nova correlação de forças entre o capital e o trabalho, desfavorável a este último.

A condição principal, mas não a única para a instalação dessa nova realidade, foi a derrota infringida pelo capital aos trabalhadores. Entre os vários momentos desse processo, destaca-se a vitória de Tatcher sobre a greve dos mineiros.

Essa nova relação se expressa no domínio relativo do capital financeiro (portador de juros) sobre o capital produtivo, o que se evidencia não só pelo aumento de sua exigência na participação da mais valia, como nas inúmeras formas de fazer valer sua lógica de rentabilidade de curto prazo nas empresas, incorporando como seus aliados, os altos executivos. Além disso, a liberdade de ir e vir alcançada pelo capital financeiro permitiu que os outros capitais (industrial e comercial) também ganhassem mobilidade, fazendo do mundo objeto de sua ação e intervenção, o que exacerbou a concorrência capitalista e colocou, como nunca antes visto, os trabalhadores em concorrência no plano mundial.

Nos últimos anos, particularmente o capital produtivo recuperou o nível da taxa de lucro, não só devido às aplicações financeiras quando é o caso das grandes empresas, mas principalmente porque promoveram um aumento brutal da taxa de exploração, isto é, da mais valia.

É esse o resultado da manutenção de elevada taxa de desemprego, da redução dos salários, da precarização das relações de trabalho (aumento da intensidade do trabalho, contrato por prazo determinado, ausência de direitos trabalhistas e sociais, trabalho noturno, trabalho em fim de semana, entre outros), da transferência de plantas para os países da Europa do Leste, anteriormente sob a influência da antiga URSS, e mesmo para a China e outros países onde o custo da força de trabalho é irrisório. Dessa forma, o capitalismo hoje se apresenta como um regime de baixa acumulação (daí decorre o pouco investimento que lhe caracteriza e as baixas taxas de crescimento) e elevado nível de lucro.

Nessa situação, tanto o capital financeiro quanto o produtivo não têm nenhum interesse em algo parecido com o pleno emprego: a manutenção de desemprego elevado (exército industrial de reserva, para Marx), é condição para a continuidade da nova situação criada a partir dos anos 1980: recuperação dos níveis anteriores da taxa de lucro, baixo crescimento, e aumento colossal do volume do capital financeiro aplicado em títulos de todos os tipos e em ações, praticamente no mercado secundário. Isso significa que não há, no marco do processo de acumulação atual, a

Page 151: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

151

possibilidade de crescimento econômico expressivo e duradouro, mesmo para os países do chamado Terceiro Mundo.

Se a China parece negar essa afirmação é porque as condições de seu crescimento são similares às da acumulação primitiva, onde as condições de trabalho e a remuneração dos trabalhadores não têm termos de comparação com as existentes nos outros países. Para isso foi fundamental a transferência para a China de grande parte das indústrias norte-americanas e de parte de suas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, as quais aproveitaram-se do fato de os custos serem bem mais reduzidos nesse país.

A rigor, a força assumida pelo capital portador de juros, cujos atores são as Bolsas, as instituições financeiras, os fundos de pensão, entre outros, deriva da própria lógica do capital. O capital portador de juros, como expressão máxima do fetiche no capitalismo - dinheiro que gera dinheiro, sem passar pela produção - é a forma mais acabada do capital. Se durante os “30 anos gloriosos” ele estava contido, e a dominância era a do capital produtivo (industrial), isso foi função de uma determinada correlação de forças entre o capital e o trabalho, particularmente devido à vitória da União Soviética na 2ª Guerra Mundial.

Além disso, é absolutamente necessário enfatizar que expressiva parte do capital financeiro é fictícia, que se refere à negociação de títulos públicos ou privados que não guardam mais nenhuma relação com sua origem, sendo negociados várias vezes no mercado secundário, ou que simplesmente foram emitidos para a realização da compra de empresas pré-existentes.

Nesse contexto maior, o imperialismo americano ganhou força, apesar da criação do euro, assumindo de uma forma mais explícita sua posição primeira na hierarquia entre os países capitalistas. Seu lado militarista, mais evidente para as grandes massas, constitui o outro lado da equação da situação atual: a nação mais poderosa do mundo, posto que sua moeda continua sendo a moeda preferencial nas transações internacionais, trabalha por ter o controle das fontes de energia (petróleo e gás), de água e das vias marítimas. Não é por outro motivo que, finda a chamada Guerra Fria com a dissolução da União Soviética, o número de bases americanas aumentou em todo o mundo, principalmente na Europa do Leste.

A resistência dos povos iraquianos e afegãos, bem como as manifestações ocorridas no mundo inteiro contra à invasão do Iraque, não muda essa realidade. Faz parte integrante da lógica do imperialismo americano: a guerra contínua e sem limites, e os demais países imperialistas têm interesse de mantê-la, apesar de seus discursos as vezes inflamados contra a ação militar dos Estados Unidos. Contudo, é necessário dizer que essa força dos Estados Unidos é apenas relativa, pois do ponto de vista econômico, sua economia está fortemente estruturada na acumulação de capital fictício, na maximização do valor das ações e no crescimento exorbitante do consumo, o que a fragiliza e reforça a necessidade de sua ação militar no mundo. Abstract This article deals with the evolution of the studies of François Chesnais carried through in search of the understanding of the capitalism contemporary, dominated currently for the financial sphere. In it we look for to show that since the globalisation of the capital until the article most recent, in the book La finance capitaliste, the vision of Chesnais leaves the productive sphere and advances gradual for the financial sphere. Toward in such a way, in this last work, it's comes back to the studies of Capital book III, in which Marx analyzes the paper of the capital money and the system of credit, since the “capital of money commerce”, passing for the form of carrying capital of interests until the one of fictitious capital, and looks for to apprehend these categories as basic elements for the understanding of the global capitalis and liberalized contemporary.

Key words: "finance" , "fiction capital"

Page 152: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

152

Bibliografia AGLIETTA, M. Regulación y Crisis del Capitalismo. México, Siglo Ventiuno Editores, 1979.

BOYER, R. La théorie de la régulation : une analyse critique. La Decouverte, « Agalma », Paris, 1987. Na citação de Chesnais, à página 6 deste artigo, é mencionado o ano de 1986.

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996a.

____________. Notes en vue d’une caractérisation du capitalisme – à la fin du XX siècle. Paris, Carré Rouge, n° 1, 1996b.

____________. Contribuition au débat sur le cours du capitalisme à la fin du XXe siècle. In Actualiser l’économie de Marx, actuel Marx confrontation. Paris, Presse Universitaire de France, 1996c.

____________. Prefácio à edição brasileira; Introdução geral; Mundialização financeira e vulnerabilidade sistêmica e Posfácio. In CHENAIS, F. (org). A Mundialização Financeira: gênese, custos e riscos. São Paulo, Xamã, 1998.

____________. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In CHESNAIS, F. (Org). A finança mundializada. São Paulo, Boitempo, 2005.

____________. La preeminence de la finance au sein du ‘capital em general’, le capital fictif et le mouvement contemporain de mondialisation du capital. In La finance capitaliste. Paris, Presse Universitaire de France, 2006.

CORIAT, B. Crise e automação eletrônica da produção - robotização da fábrica e modelo

fordiano da acumulação de capital.In Pesquisa e Debate. São Paulo, PUCSP, no 1, 29-59, 1985.

DUMÉNIL, Gerard e LÉVY, D. O neoliberalismo sob a hegemonia norte-americana. In CHESNAIS, F. (Org). A finança mundializada. São Paulo, Boitempo, 2005.

__________________________. A finança capitalista: relações de produção e relações de classe. In La finance capitaliste. Paris, Presse Universitaire de France, 2006.

GUTTMANN, R. How credit money shapes the economy. The United States in A Global system. M. E. Sharpe, Armank, New York, 1994. Citado por CHESNAIS, F (1998).

HUSSON, M. Finance, hyper-concurrence et reproduction du capital. In La finance capitaliste. Paris, Presse Universitaire de France, 2006.

MARX, K. O Capital, Livro I, volume I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981.

________. O Capital, Livro III, volume V. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981..

MISTRAL, J. e BOYER, R. Politiques économiques et sortir de crise - Du carré infernal a un nouveau New Deal? Futuribles, Futuribles Sarl, Paris, 37-66, octobre, 1983.

ORGANISATION DE COOPÉRATION ET DE DÉVELOPPEMENT ÉCONOMIQUES (OCDE). La technologie et l’économie : les relations détermiantes. Paris, OCDE, 1992.

WOLF, Martin. O novo capitalismo financeiro provoca revolução global. Valor Econômico, 28.06.2007.

Page 153: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

153

Page 154: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

154

Page 155: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

155

Page 156: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

156

Page 157: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

157

Page 158: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

158

Page 159: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

159

Page 160: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

160

Page 161: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

161

Page 162: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

162

Page 163: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

163

Page 164: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

164

Page 165: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

165

Page 166: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

166

Page 167: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

167

Page 168: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

168

Page 169: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

169

Page 170: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

170

Page 171: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

171

Page 172: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

172

Page 173: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

173

Page 174: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

174

Declaración de la Sociedad de Economía Política y Pensamiento Crítico Latinoamericano ante la crisis económica mundial.

Salvar a los pueblos, no a los bancos.

Vivimos una crisis estructural del sistema capitalista. No es hora de creer en su salvataje, pero sí de trabajar para su transformación. Los pueblos latinoamericanos se han visto obligados, más de una vez, a socorrer a los banqueros a costa de sus sufrimientos. Es hora de cambiar la historia y no repetir el rescate de los financistas. Nuestra prioridad son las necesidades populares .

La crisis económica que se deriva de la financiera y que está en curso en estos días puede prolongarse por mucho tiempo. No es posible establecer, seriamente, el tiempo en que ella se mantendrá y la forma de su desarrollo, pero lo que se puede decir es que es la más grave y más profunda desde 1929/30, que se propaga a una velocidad mucho mayor que aquella por poseer un carácter totalmente global.

Hay que decir, además, que la crisis económico-financiera actual ocurre dentro de un contexto de múltiples otras crisis, como la de los alimentos, de las materia primas, de la energía, del ambiente y, también, de una crisis militar donde no se descarta el uso de armas de destrucción masiva.

La economía norteamericana, en razón de sus tres deudas (privada, pública y con el exterior) se encuentra en riesgo de fuerte inestabilidad. Su hegemonía económica está debilitada y cuestionada. Su hegemonía geoestratégica sobrevive, aunque ya ha sufrido reveses significativos. Por las mismas razones, el momento actual es particularmente peligroso para toda la humanidad ya que EEUU no renuncia a la hegemonía y dominio unipolar en los diferentes campos. Ese país intenta incluso mantener su hegemonía ideológica y cultural, que sin duda se ve afectada por las contradicciones que surgen de la misma crisis a nivel interno y con sus aliados.

A partir de la crisis, se agudizará la contradicción antagónica con el capitalismo a escala global. Se abre un extenso periodo de convulsiones cuyos resultados están abiertos. Las clases dominantes intentaran reconstituir el si stema con mayores niveles de explotación de los trabajadores , quienes deberán fortalecer sus organizaciones para enfrentar esa agresión. América Latina ha sido el subcontinente que mayor resistencia opuso al neoliberalismo escenario también de grandes rebeliones populares. La experiencia social y política acumulada en algunos de nuestros países puede marcar un camino en la articulación de esa necesaria respuesta.

Los gobiernos neoliberales y social liberales de nuestra región, aun los llamados "progresistas", mantendrán su creencia en la lógica del capital y su intervención buscara preservar el funcionamiento del mercado capitalista y el dominio de las empresas transnacionales que ocupan nuestros territorios. Permitirán la quiebra de una u otra gran empresa especulativa o productiva, pero intervendrán inmediatamente en aquellas que puedan poner en riesgo la lógica del capital en el ámbito de su país. Eso significa que

Page 175: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

175

seguirán permitiendo y aun promoviendo la voracidad de la ganancia exigida por los mencionados capitales. La crisis fiscal de Estado se profundizará reduciendo la inversión pública, el gasto social y los subsidios.

Dichas políticas incrementarán aun más el desempleo, la precariedad del trabajo, la reducción de salarios y pensiones, con lo que au mentarán la pobreza, la miseria y la exclusión social .

Hay, sin embargo, en América Latina gobiernos que, sin necesariamente plantear una ruptura completa con el sistema del capital, intentan encontrar una política capaz de enfrentar de manera distinta las inevitables consecuencias de la crisis mundial en sus países.

En cualquiera de estas circunstancias los trabajadores y los movimientos sociales deben conquistar y preservar su independencia frente a los Estados y luchar decididamente contra las políticas antipopulares que pretenden trasladar los costos de la crisis del capital al trabajo y de los países centrales a los periféricos.

Por eso necesitamos definir una pauta de política económico-social dentro de una estrategia de sobrevivencia y resistencia de los sectores populares, en particular de los trabajadores, para el difícil periodo que se avecina, acompañada de una ofensiva ideológica contra el sistema capitalista que muestra con esta crisis su absoluta incapacidad para atender las necesidades de nuestros pueblos. Proponemos entonces este conjunto de medidas de pol ítica económica:

1.. Es urgente e indispensable la custodia de la banca privada que, dependiendo de cada país, puede ser por control, intervención o nacionalización sin indemnización, siguiendo el principio de no estatizar deudas privadas ni volver a transferir esos activos a manos privadas.

2.. Control y bloqueo de la salida de capitales, evitando su fuga.

3.. Centralización y control cambiario con política de cambios múltiples y diferenciados.

4.. Moratoria e inmediata auditoria de la deuda pública , liberando recursos para atender las necesidades sociales .

5.. Control de precios de los productos básicos.

6.. Mantenimiento y recuperación de los salarios reales de los trabajadores , asociado a una política de tributación progresiva que afecte al capital y sobre todo a la especulación.

7.. Políticas de protección e incentivo al mercado interno y a las a ctividades económicas con alta generación de empleo . Para ese fin la inversión pública juega un papel fundamental.

Page 176: PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE … · 1 PRIMEIRO DOSSIÊ DE TEXTOS MARXISTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL Organização: Grupo de Pesquisa Políticas para o Desenvolvimento

176

8.. Seguro de desempleo y políticas de protección social a los trabajadores desempleados e informales.

9.. Re-estatización de las empresas estratégicas . Nacionalización de las grandes empresas privadas en proceso de quiebra. Recuperación del control nacional de los recursos naturales.

10. Promover una integración regional al servicio de los pueblos y no del capital.

Tales medidas inmediatas constituyen una respuesta al drama social que impone la crisis e iniciarán transformaciones que, para realizarse plenamente, requieren avanzar hacia un horizonte socialista.

Salvar a los pueblos, no a los bancos , este es el objetivo de la Sociedad Latinoamericana de Economía Política y Pensamiento Critico frente a la crisis y sus consecuencias sociales.

Dada en Buenos Aires, a los 23 días de octubre de 2008.

Junta Directiva de la SEPLA