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Jornal Laboratório do 3º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Ano XIV - Dezembro 2013 PRIMEIRO TEXTO

Primeiro texto ed 2013

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Jornal laboratório realizado pelos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Santa Cecília.

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Jornal Laboratório do 3º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Ano XIV - Dezembro 2013PRIMEIRO TEXTO

COMUNITÁRIO MANGUE SECO E BUTANTÃ - SANTOS-SP

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Matheus José Maria

Visitar comunidades como a do Mangue Seco e Butantã é uma experiência que muda

qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade.

Pessoas vivendo sua vida à margem da sociedade e à mar-gem da maré. Apalavra pode soar para muitos como tendo uma co-notação que remeta simplesmen-te ao fluxo das águas que sobem e descem seguindo sua natureza, mas após essa visita, para muitos dos alunos o significado desta pa-lavra simplesmente mudou.

Maré passou a ter sentido de vida e de morte, de começo e fim, de rio ou de mar, de dia a dia para as pessoas que vivem ali. A maré passou a ser o ponto de encon-tro de histórias de vida como a de mães que tiveram seus filhos ali mesmo, em seus barracos, com histórias de morte onde mães perderam seus filhos pequenos e incautos para a maré.

Ali, em barracos que se susten-tam mais pela força de vontade

de seus moradores do que pela força dos já apodrecidos alicerces de madeira, uma série de vidas se cruzam.

Maicon, o pequeno acroba-ta de cinco anos que cativou a todos com seu jeito inocente e olhar forte e o caminhoneiro que convive com o seu traba-lho ao lado do arriscado vício das drogras até a casa mais decorada do bairro, com dese-nhos feitos pelo seu morador, um artista talentoso que fez sua história ali, como todos os outros, à beira da maré.

Essas histórias agora se cruzam com as histórias e as vidas dos alunos do 2º ano de

Jornalismo noturno da Univer-sidade Santa Cecília. Vidas que veem a praia pela janela de seus apartamentos locali-zados em gigantescas torres que ignoram o que se esconde às suas sombras. Vidas que se veem cercadas por prédios que de tão grandes, refletem a impossibilidade de alcançá-los e pela maré que os acolhe, os recebe. Um hiato social, es-condido, varrido para debaixo do tapete do descaso.

Vidas... sim, vidas como as nossas, exatamente iguais as nossas já que, afinal, somos todos humanos a despeito do que temos para vestir, comer

ou nos abrigar.Se eles são o que são por

causa da pobreza material que os cerca, com certeza somos o que somos porque somos pobres também, mas de riqueza moral, o tipo de riqueza que não nos ajuda-ria a comprar novos equi-pamentos eletrônicos, mas com certeza nos tornaria pessoas melhores.

No final das contas, somos todos seres humanos, com carências diversas. Somos to-dos pessoas vivendo em um mundo injusto onde alguns se julgam superiores aos outros.

Somos todos filhos da maré.

EDITORIAL

Filhos da maré

Wagner Tavares

Em cidades grandes há bairros ou comunidades onde boa parcela dos moradores desconhece

a existência. Geralmente, são locais de pouca estrutura, sem apelo turístico, com passagens estreitas, sujeira, mas com pes-soas e histórias.

Nós, alunos do segundo ano noturno de jornalismo da Uni-santa, recebemos a proposta de vasculhar essas histórias de uma região de Santos. De-pois de descartadas algumas opções, chegamos às comuni-dades Mangue Seco e Butantã, no bairro do Bom Retiro, Zona Noroeste, graças ao contato com o presidente da Associa-ção de Melhoramentos de am-bas as comunidades, André Luiz Ribeiro.

Receptivo e falador, Ribeiro veio à sala de aula para apre-

sentar sua região, relatando tanto os problemas quanto os aspectos positivos que os mo-radores de bairros mais ´ser-vidos´ acreditavam não existir por puro julgamento infundado.

Baseados na conversa que tivemos, pautas foram elabo-radas pelos professores. Agora restava o principal: conhecer a comunidade em loco, vasculhar as histórias, absorver a cultura daquele povo. E isso já foi di-vertido antes mesmo de chegar até lá. No dia marcado, quase 30 pessoas esperavam um ôni-bus no ponto. Quando o coletivo chegou e começamos a entrar, os outros passageiros olhavam descrentes naquela gentarada passando na catraca. E não foi rápido, não.

Depois de trocar de ônibus no terminal e mais alguns minutos até a Avenida Nossa Senhora de Fátima, finalmente o coletivo seguiu pela Avenida Jovino de

Melo. É no final dela que des-cemos – acho que o ônibus fi-cou mais leve – e encontramos Jane nos aguardando na única praça daquela comunidade. O nome completo da líder comu-nitária é Jane Maria Vieira e é o tipo de pessoa que conhece cada morador e comerciante local. Ela nos levou à sede da Associação, erguida com pla-cas de madeira, mas bem feita e com um espaço muito bom.

A sede se tornou nossa base, onde tirávamos dúvidas, discu-tíamos pautas, dávamos suges-tões a outros colegas e descan-sávamos também. Cada aluno tinha a própria missão: encon-trar personagens, histórias e depoimentos sobre o assunto que abordava. O estoque não era escasso, bastava se enfiar naquelas vielas, expressar um “bom dia”, fazer uma pergun-tinha, e declarações de vida eram, ao mesmo tempo, joga-

das para dentro dos gravado-res, na função de entrevistas, e reveladas aos alunos, com carga de ensinamentos e como transmissão de experiência.

Um nome ficou marcado nessas descobertas... Maicon, um garoto de cinco anos, que encantou a todos. Yonny Fu-rukawa, uma das alunas, não desgrudava dele. Ou seria o contrário? Não só marcado na mente, mas também retrata-do, e muito bem, pelas lentes de outro aluno, Matheus José Maria, eleito como o nosso fo-tógrafo oficial.

Reclamações? Também, mui-tas! Enquanto captávamos his-tórias, os moradores nos viam como mensageiros da informa-ção sobre os problemas que eles enfrentavam. Isto não dei-xa de ser verdade, afinal levare-mos um exemplar deste jornal para cada um dos 21 vereado-res de Santos, em visita oficial à Câmara Municipal.

Foi um dia no qual o aluna-do, possivelmente pela primeira vez, sentiu-se jornalista de ver-dade, fazendo matérias com ca-ráter social, escutando os sen-timentos, raivosos ou alegres, daquela parte da população.

E alguns alunos voltaram à comunidade. O dia das crianças.

Prática para futuros jornalistas, experiência como cidadãos

Maicon nos ombros de Yonny

MATHEUS JOSÉ MARIALUIZ NASCIMENTO

Estudantes pegam barco para registrar melhor o local

MATHEUS JOSÉ MARIA

Aluno registra entrevista em áudio

MATHEUS JOSÉ MARIA

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Guilherme Almeida

Cerca de 11,4 milhões de pessoas moram em favelas e palafitas em todo o País, se-

gundo o último censo do IBGE, de 2010. Nas comunidades do Mangue Seco e Butantã, em Santos, há cerca de 430 famí-lias nestas condições.

Os moradores da comuni-dade, carente, esquecida e isolada, vivem com o descaso e promessas há tempos, mas ainda mantém as esperanças de auxílio Poder Público.

E não é só a falta de inves-timentos em casas populares que incomoda os moradores. No local, não há creches, es-colas, posto de saúde. Ligação elétrica é recente.

“Todo ano falam que vão construir [novas moradias], mas isso nunca do sai do pa-pel”, desabafa a moradora Osana Aparecida.

Há um projeto de criação de um conjunto habitacional no terreno da Prainha, próximo à casa de Osana, mas, segundo ela, essa é uma promessa an-tiga. “Dizem que o projeto está quase pronto, mas isso já tem mais de três anos”.

A dona de casa revela que não se muda do local porque espera conseguir uma habi-tação do Governo, “mas, até agora, nada”. “Já tem uns 20 anos que estou esperando

essas casas. Não constroem mais nada. Não deram nenhu-ma perspectiva. Estamos na espera, como sempre”.

Mesmo com as dificuldades, ela ressalta ser feliz na casa de dois quartos onde mora com os dois filhos maiores de idade, a nora e um neto. “Para mim, não há qualquer dificuldade. Cada um se vira como pode”. Dona Osana diz ainda que a única causa em que pode confiar é a divina. “Quando Deus achar que eu mereço algo melhor, a gente sai”.

Juntando as economias - Rosineide de Lima Monteiro cansou de esperar por uma resposta. Moradora de comu-nidades há mais de 25 anos, a auxiliar de serviços gerais

revela que está juntando as economias para comprar uma casa fora da “maré”, como os moradores chamam a parte banhada pelo mar embaixo das palafitas.

Para ela, morar em palafi-ta não traz benefício algum. “Tudo é ruim. O cheiro, a lama, o lixo, tudo. Tem que ter muito cuidado ao andar porque tem rato e barata. Por mais que a casa seja bonitinha, arrumadi-nha, sempre tem alguns inse-tos. Enquanto 10 jogam lixo lá na lixeira, 30 jogam na maré”.

O desejo de sair da comuni-dade é grande, mas o dinheiro que ela juntou com o marido não é suficiente para dar en-trada em uma casa própria. “No caso, eu ia precisar ven-der essa casa para dar uma

entrada com o meu salário e o salário do meu marido. A gen-te não tem condições de morar em Santos, só Praia Grande ou no Jardim Rio Branco, em São Vicente”. Mas muitas pes-soas não pensam assim. “Tem gente que não tem condições de sair daqui e não quer. Eu morro de vontade de sair. Eu e meu marido queremos ir nem que seja para um aluguel, mas temos que vender aqui antes. Estou pedindo R$ 30 mil no meu barraco, mas tem gente por ai que vende por 35, 40 mil. E tem gente que paga”.

Rosineide diz que sair por conta própria é a única ma-neira de deixar a comuni-dade. “O presidente da CO-HAB disse que não importa se tem casa ou não. Minha saída daqui vai depender do Santos Novos Tempos. Se eles acharem que eu estou atrapalhando alguma coisa que vão fazer, me tiram. Se não, os que chegaram ago-ra saem primeiro que eu, in-dependentemente de ter ca-dastro ou não. Dizem que é pra manter o número de bar-racos, mas às vezes chega uma mãe de família, com fi-lho pequeno. Você vai deixar morar na rua? A gente é ser humano, nos sensibilizamos com a história”. Para ela, o controle feito apenas pelos moradores é ilusório, impos-sível e irreal.

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

Vida sobre a maréO drama das pessoas que moram nas palafitas

Para moradores, criação de casas populares não sai do papel

Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

Palafitas: cena comum na periferia

Água subindo é sinal de perigoO local também apresenta

perigos aos moradores. Vá-rias crianças caem na maré constantemente. Sem nenhum caso de falecimento registrado, as pessoas do bairro tratam o tema com naturalidade.

“Meu filho maior já caiu na maré várias vezes. Antes de construir esse barraco, ai era um ‘terrenão’. Ele já caiu com a cheia. A água ficou aqui [na barriga] dele. Aí, ele ficou gri-tando ‘socorro’, ‘socorro’ e a gente tirou ele com um toco. As crianças vivem caindo na maré, porque elas não param, não tem como você prendê-

-los”, conta a dona de casa Ja-naína Aparecida. O único caso fatal que conhece é o de uma comunidade próxima, onde uma criança morreu afogada.

Janaína também presenciou um incêndio na frente da co-munidade. “É de lei: todo Na-tal, algum lugar tem que pegar fogo. Houve um incêndio aqui na frente. Não chegou a me afetar, mas eu tive que tirar as coisas de dentro de casa, por-que o fogo estava se alastran-do. Como aqui não entra car-ro, os bombeiros não tinham como entrar. Muita gente se jogou na maré pra poder tirar

a água de lá e tentar conter o fogo. Os bombeiros tiveram que emendar uma mangueira na outra até chegar aqui. Mas, eles conseguiram controlar o incêndio”.

A dona de casa afirma que não pode trabalhar porque não tem onde deixar os filhos de cin-co e nove anos. Sua única ren-da é o Bolsa Família que paga pelas crianças R$ 130, e uma ajuda irregular do pai deles.

“Quero sair daqui quando meus filhos trabalharem. Que-ro poder sair de cima da água. Eu não quero que eles passem o que eu passei”. (G.A)

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Carolina Yasuda

Saúde é um dos direitos que a população mais cobra de seus gover-nantes. Conforme o

artigo 196 da Constituição Fe-deral, “a saúde é direito de to-dos e dever do Estado, garan-tido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Três donas de casa divi-dem opiniões sobre as con-dições de saúde da região e contam as experiências com as quais convivem no seu cotidiano.

Maria Geralda de Freitas, 57 anos, mora com o mari-do e um dos quatro filhos em um barraco à beira do rio, e diz que a falta de saneamen-to básico e a sujeira do local não interferem na saúde da sua família. “Isso depende de como cada um cuida do seu lar. Eu não tenho problema com ratos, pois mantenho mi-nha casa sempre limpa”.

Andrea Cristina Santana, 39 anos, divide o lar com o esposo e dois filhos menores e atribui grande parte das do-enças à água. “O grande pro-blema daqui é a água. Minha filha, Geovanna, sete anos, já ficou com verminose duas vezes. Agora a gente só com-pra água mineral e também temos um filtro”.

Alessandra Luciana Neudl de Azevedo, 22 anos, tem um filho de três anos que estava com catapora e muitas feridas no corpo. Ela disse que não se preocupa em levá-lo ao médi-co ou passar remédios e pre-fere deixar o garoto continuar brincando. “Quanto mais você cuida, mais dá problema”.

Alessandra justifica a atitude por causa do mau atendimento no Pronto Socorro. “Não vou leva-lo ao PS, pois os médicos nem olham direito”.

O atendimento no PS divide opiniões. “Lá é péssimo. Nós temos que ir preparados para esperar o dia inteiro. Meu filho, Vitor, 17 anos, está com o pé inchado e a gente fica criando coragem para leva-lo”, recla-ma Andrea.

Maria Geralda prefere en-tender os problemas do PS. “Não gosto de reclamar do pronto socorro, tento enten-der os funcionários de lá e sei que não é culpa deles quan-do está muito cheio. A gente também tem que ter paciên-cia nesses dias”.

Bem próxima à comunidade, existe uma Unidade Básica de Saúde (UBS), popularmente conhecida como Policlínica do Bom Retiro, e as moradoras elogiaram a maioria dos servi-ços oferecidos.

“A policlínica é muito boa. Você marca e é atendido em pouco tempo. Os exames ge-ralmente ficam prontos em dez dias”, conta Maria Geralda.

Andrea elogia a organiza-

ção do local. “A policlínica é muito boa e organizada, conseguimos marcar o en-caminhamento para as espe-cialidades e os exames não demoram a ficar prontos”.

A reclamação ficou por conta de Alessandra. “Aque-la policlínica é ruim porque a gente tem que comprovar endereço, mas aqui na co-munidade é difícil de arrumar esse papel. Então, não con-sigo marcar algo lá”.

Em busca de mais saúde

Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

Filha de moradora teve diversas contaminações por causa da água

Policlínica Bom RetiroEndereço: R. João Fracarolli , S/N – Sta. MariaTelefone: (13) 3299-7669Atendimento: Segunda a sexta-feira, das 7h às 21hDocumentos: RG, comprovante de residência atualizado no nome do paciente e Cartão SUS.Agendamento: 8h às 12h.

Sonhos persistem onde tudo é mais díficil

O jovem Leornado (à esquerda) sonha em ser jogador de futebol

Jonathan da Silva Alves

OMangue Seco e Butantã pode não ser o paraíso, mas reúne relatos sobre

sonhos dos moradores mais jovens do local. Assim como na maioria das comunidades mais pobres, o esporte mais praticado é o futebol, a grande paixão brasileira. Devaneios de salários astronômicos e uma vida melhor fora do humilde local passam constantemente pela cabeça daqueles que desejam ser boleiros.

Esse é o caso de Leonardo dos Santos, 14 anos. “Tenho o sonho de me tornar um jogador profissional de futebol”, relata o jovem. Quando perguntado sobre o que faria com seu primeiro salário, afirmou, sem muita hesitação, que ajudaria sua família.

Leonardo é apenas um entre as centenas de aspirantes a jogadores de futebol do local. Porém, sempre há espaço para outros sonhos. E esse é

o caso de Jordan Ferreira, de 9 anos. “Quero ser advogado, quando crescer”, afirma ele. O jovem sonhador diz ter se inspirado no seu irmão, que hoje é formado em Direito e já trabalha na área. No entanto, ao ser perguntado sobre qual área de advocacia ele seguiria, Jordan apenas soltou um “vish...”, aos risos.

“É aquela coisa: quem cor-re atrás, consegue. Ser mora-dor de um local humilde como o nosso não impede ninguém de atingir seus objetivos”, acredita Sidney Ramos, um dos diretores da associação de moradores do local. Ele re-conhece que o lugar apresen-ta maiores obstáculos àque-les que desejam uma carreira profissional fora dali, mas tam-bém afirma que “com muito esforço, tudo é possível”. Por outro lado, antes de realizar algo desejado, as crianças e jovens da comunidade preci-sam acreditar que sonhar é possível, mesmo estando em uma situação mais díficil.

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Livia Lino

O planejamento fa-miliar da região do Bom Retiro é um dos desafios que os

agentes de saúde da Policlíni-ca precisam enfrentar. Atual-mente, 149 famílias recebem esse tipo de atendimento, que também conta com a ajuda da Universidade Federal do Esta-do de São Paulo (Unifesp).

“Nós somos psicólogos, te-rapeutas”, explica Vilma Apa-recida, agente de saúde da Policlínica há 13 anos. Ela, junto com outra agente, é res-ponsável pelas orientações das famílias.

Segundo Vilma, o método mais usado é o da camisinha e depois vêm as pílulas an-ticoncepcionais, mas, para isso, é necessário passar pelo ginecologista. “O médico exa-mina a mulher e vê qual tipo é melhor naquele caso, e então, com a receita, ela retira aqui na policlínica”, completa. Na Unidade, há tanto os anticon-cepcionais de comprimidos, como de injeção, assim como a pílula do dia seguinte.

Para casos mais comple-xos, como cirurgias ou co-locação do DIU (Dispositivo Intra-Uterino), a Policlínica en-caminha-os para o Instituto da Mulher, para serem estudados e analisados.

No caso da laqueadura, que é irreversível, a mulher passa por uma série de entrevistas, inclusive com psicólogos e as-sistentes sociais, até ir para a sala de operação. “Tem mu-lher que acaba desistindo, por medo da cirurgia e por ser de-finitiva”, explica Vilma.

Outro problema que compli-ca o processo de laqueadura é a lista de espera. Uma mulher aguarda, em média, de nove meses a um ano para ser ope-rada. É o caso de Luiza Cris-tina, que reclama da demora. “Eles estão vendo que a gente tem um monte de filhos, como eu, que tive quatro e depois engravidei. Por que eles não me operaram na hora que o ultimo nasceu?”, questiona.

Luiza tem 30 anos, é mãe solteira e vive apenas com o auxílio do Bolsa Família. “Co-loquei o pai dos meus filhos na justiça há quatro anos e, re-

centemente, teve a audiência. Por ele estar desempregado o juiz estabeleceu uma pensão de 250 reais para sustentar todos, mas ele só dá quando quer”, desabafa.

No momento, o que Luiza quer é fazer a laqueadura. “Não quero mais ter filhos, não tenho condições”. Mas não se mostra muito otimis-ta. “É difícil eles chamarem, o meu ultimo parto foi cesariana de emergência e eles não me operaram. Agora, vou ter que deixar os meus filhos para me internar de novo”.

Segundo Vilma, a Policlíni-

ca faz orientações de mês a mês, e durante as visitas os agentes de saúde levam pre-servativos. “Eles costumam pedir bastante, por isso sem-pre distribuímos”.

Além dos agentes de saú-de, a Policlínica do Bom Re-tiro tem a ajuda de 15 estu-dantes e cinco residentes, todos dos cursos de Nutri-ção, Fisioterapia e Farmácia da Unifesp. Os atendimentos não são apenas focados em planejamento familiar, mas também na saúde da popu-lação. Em casos especiais, é realizada visita domiciliar.

Policlínica atende 149 famílias que não querem mais ter filhos

Agentes de saúde da policlÍnica fazem visitas mensais à comunidade para mostrar métodos de prevenção

DIVULGAÇÃO

O método mais indicado pelos médicos e mais comum de se encontrar é a camisi-nha, por ser a mais eficaz e prevenir tanto a gravidez como todas as doenças se-xualmente transmissíveis (DSTs). Seu preço é acessí-vel, e há distribuição gratuita nas policlínicas.

Existem dois tipos de ca-misinhas: a masculina e fe-minina.

A masculinas é a mais co-mum de se encontrar, é fácil de se colocar e deve ser usa-da no momento da relação sexual. O Governo Federal distribui camisinhas masculi-nas por todo o país. Em poli-clínicas, é possível encontrar em dois tamanhos: para ado-lescentes e convencionais.

A feminina é menos popula-res, mas seu nível de eficácia também é bastante alto con-tra doenças ou gravidez inde-sejada. Diferente da mascu-lina, a camisinha feminina é mais difícil de se colocar, pois deve ser encaixada dentro do canal vaginal. Porém, di-ferentemente da masculina, pode ser colocada horas an-tes da relação sexual.

Já as pílulas anticoncep-cionais, devem ser tomadas todos os dias no mesmo ho-rário. No caso de não ingerir a pílula, em um intervalo me-nor de 12 horas, é indicado tomá-la assim que se lem-brar. Caso passe de 12 ho-ras, deve-se evitar relações sexuais por uma semana, ou usar a camisinha.

Outra vantagem é que o uso da pílula diminui os sintomas da TPM, evita o aparecimen-to de espinhas, endometriose e cólicas.

Outros tipos de anticoncep-cionais bastante usados são os de injeção. Existem dois tipos liberados pelo Governo Federal: o mensal, que deve ser tomado uma vez ao mês, e o trimestral.

Em casos de emergência, em que a relação foi realiza-da sem camisinha ou pílula anticoncepcional, existe a pílula do dia seguinte (PDS), que deve ser usada no máxi-mo 72 horas depois do sexo. Para maior garantia, deve-se tomar o quanto antes.

Existem também métodos caseiros de se evitar uma gravidez indesejada, mas não são indicados por médi-cos, porque costumam falhar

por vários motivos. Um método caseiro bas-

tante comum é a tabelinha, o método que se baseia no cál-culo dos dias do ciclo mens-trual da mulher. Porém, não é fácil descobrir os dias em que a mulher está no período fér-til. Geralmente, conta-se 15 dias depois do fim da mens-truação para a mulher entrar no período fértil.

Para mulheres com mens-truação desregulada, torna--se mais complicado saber quando ocorre esse perío-do. E há mulheres que po-dem engravidar fora do pe-ríodo fértil.

Em todos os casos, com exceção das camisinhas masculinas e femininas, exis-tem riscos de contrair DSTs.

Para mais informações, procure a policlínica mais próxima de sua casa.

Métodos de Prevenção:

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Thalyta Bueno

Com o intuito de trans-formar vidas, os Guerreiros sem Ar-mas se instalaram

nas comunidades Butantã e Mangue Seco, onde ficaram por 30 dias no ano de 2011. O Instituto Elos uniu 15 pessoas do mundo inteiro para mudar vidas, repassar seus princípios e renovar sonhos. Para ser um dos Guerreiros, o candidato participa de um processo sele-tivo, e logo depois faz um trei-namento de um mês, aplican-do isso em uma comunidade.

Moradora e uma das pes-soas que lidera a associação da comunidade, Jane Maria Vieira relata que os volun-tários pintaram vários dese-nhos na praça do bairro. O principal aprendizado dela foi sobre a união dos mora-dores. “Depois que eles vie-ram, tivemos mais união”, diz.

Jane foi uma das pesso-as que ajudou na chegada e hospedagem e também cozi-nhou para os Guerreiros. Eles ficaram hospedados em um dos morros de Santos e se espalharam pelos bairros ca-rentes. Segundo ela, os mo-radores não conseguiam ficar tristes perto deles, pois eles

sempre incentivavam a feli-cidade. Eles nunca deixaram de dar força, sempre ajuda-ram a pedir muitas doações.

O voluntário do projeto, Ro-naldo Pereira, conhece o pro-grama desde 2009, quando os Guerreiros estiveram no bair-ro onde vive, Alemoa, em San-tos. Em 2010 realizou o pro-cesso seletivo e pegou para si o propósito de mudar vidas. Segundo ele, o programa tra-balha com sete passos: “Olhar, afeto, sonho, cuidado, mila-gre, celebração e reevolução”.

Além de mudanças físi-cas como as pinturas na praça e a modificação rea-lizada na mesma, os Guer-reiros passaram e mudaram a vida de muitas pessoas, deixando como mensagens aos moradores da comuni-dade amor, carinho e união.

Jovens de muitos países se mobilizam e vão atrás de um único objetivo: mudar o mundo. Eles passaram por comunidades de Santos ape-nas uma vez, deixando o lado bom de ajudar. O próxi-mo processo seletivo para o programa acontecerá em ja-neiro de 2014, pelo Instituto Elos Brasil. Os interessados deverão entrar em contato no site http://institutoelos.org/.

Guerreiros em busca de mudanças

MATHEUS JOSÉ MARIA

Vitor Anjos

A falta de emprego é sempre um dos pontos críticos ci-tados na maioria

das comunidades caren-tes do Brasil. Porém, para os moradores do Mangue Seco e Butantã, as oportu-nidades de trabalho apare-cem, basta procurar.

Pelo menos é o que acre-dita o comercian-te Edvaldo Silva. “Nunca faltou tra-balho aqui. Quem quer arrumar um emprego, conse-gue”. O morador da comunidade, de 34 anos, acre-dita que não é só porque a pessoa mora em um lo-cal carente, que as oportunidades não vão aparecer.

“Moro no Man-gue desde 1997 e sempre trabalhei, mesmo não ten-do um estudo bom. Quem quer ter um emprego, sem-pre dá um jeito. Hoje em dia eu estou com um comércio alugado, mas sempre tra-balhando”, completou Ed-valdo.

Para o vice-presidente da Associação dos Moradores do Mangue Seco e Butan-tã, Sidney Ramos, morar na comunidade não influencia nas chances de se conse-guir um trabalho em Santos.

“Emprego tem, só de-pende da qualificação in-

dividual de cada candi-dato. Acho que morar na comunidade não faz muita diferença nessa questão. E isso não vale só para o Mangue Seco. Pois o cara pode morar em um bairro bom, mas não ter capaci-dade para trabalhar”, com-para Sidney.

Além de a questão do em-prego ser individual, Sidney também conta que as pre-

ocupações da c o m u n i d a d e são outras.

“ E m p r e g o é difícil, sim. Mas, está difí-cil para todos, não é só aqui. As nossas pre-ocupações no Mangue Seco são outras, como melho-rias na comu-nidade, saú-de, transporte,

etc”, defende o vice-presi-dente da comunidade.

Além das oportunidades já existentes, o Mangue Seco e Butantã poderá oferecer várias chances de emprego, por conta das reformas que acontecem no local.

“Algumas portas serão abertas para os moradores daqui e da Zona Noroeste em geral. Duas empresas que estão trabalhando com a retirada do lixo da região e na construção de um sistema de drenagem estão oferecendo oportunidades de emprego”, anunciou Sidney.

Para moradores, oportunidades de emprego não faltam. Basta procurar

Para Edvaldo Silva, é preciso procurar oportunidades

“Emprego é difícil, sim. Mas, está

para todos, não é só

aqui.” Sidney Ramos,

vice-presidente da Associação

Pintura feita pelos Guerreiros sem Armas em 2011

REPRODUÇÃO

Quer saber mais das comunidades Mangue Seco e Butantã ?Acesse nosso blog, com matérias em áudio e vídeo

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Deixando o mangue mais limpoLucas Ferreira

Quinhentos e sessenta e quatro quilos. Essa foi a quantidade de lixo retirada do estuá-

rio pelos voluntários do Institu-to EcoFaxina na 38ª ação rea-lizada no dia 1 de setembro na comunidade do Mangue Seco e Butantã, localizada no bairro Bom Retiro, da Zona Noroeste, em Santos.

O diretor-presidente do Ins-tituto, William Rodriguez Sche-pis, explica que as ações volun-tárias realizadas por eles não têm um caráter apenas de lim-peza. “A gente limpa, mas sabe que no dia seguinte a maré vai subir e aquilo vai retornar. Por dia é muito lixo que se joga no estuário. Então a gente vai mais com o intuito de ter uma oportu-nidade para conversar com os moradores sobre a importância do mangue e sobre hábitos que eles podem adquirir no dia-a--dia em relação ao descarte dos resíduos. Passar um pouco de informação”.

Ele conta que, geralmen-te, as ações em comunidades como a do Mangue Seco e Butantã são vistas com des-crença. “Existem adultos cons-cientes nessas comunidades. Principalmente aqueles que, um dia, trabalharam com pes-ca e com extração de frutos do mar do manguezal. Mas existem outros que olham com descrença. Eles veem a gente indo até lá e falam que aquilo não tem solução, que ele pode não jogar lixo no estuário, mas o vizinho joga. É muito difícil trabalhar essa parte de cons-ciência ambiental com as pes-soas, principalmente pelo fato dos adultos terem prioridades que estão à frente do meio am-biente, da sustentabilidade”.

Já as crianças são mais re-ceptivas e procuram ajudar os voluntários. “A gente costuma conversar bastante com elas,

que se identificam com a ação. Pedem que a gente dê uma luva, uma bota, porque querem participar com a gente. Tenta-mos fazer com que entendam o seu papel para que seja re-vertida aquela situação, que não é interessante para elas”, explica William.

Schepis diz que várias es-pécies de animais já não são mais encontradas no estuário de Santos, que é considerado um berçário da vida marinha. “Por exemplo, o golfinho nariz--de-garrafa seria um mamífe-ro comum de a gente ver aqui no estuário, assim como há em Cananeia e Itanhaém. Mas são animais que têm um nível de raciocínio maior. Então eles percebem que o ambiente está muito alterado e tem esse dis-cernimento de ir para outros locais. Agora, existem organis-mos como a tartaruga marinha,

por exemplo, que agem muito sob instinto. Para elas, tudo que está na água é comida. Fora os peixes, pois muitos se afastam repelidos pela poluição”.

William diz que ainda dá tem-po de se recuperar a área do estuário de Santos. Para isso, seria necessária vontade políti-ca dos governantes. “Se a Pre-feitura conseguir retirar essas famílias de lá, dando habitação a elas, e fazendo realmente um trabalho de recuperação am-biental. Não como foi feito, por exemplo, no lado esquerdo da margem do rio do Bugre, em São Vicente, onde foram reti-radas as famílias, mas em vez de recompor a margem, eles aterraram e foi feita uma pista próxima à ela, sem recuperar a mata nativa de mangue”.

Além das ações voluntárias, o Instituto EcoFaxina atua en-viando propostas ao Ministério Público e instâncias munici-pais, para chamar atenção aos problemas ambientais e cria projetos que ajudem a comba-tê-los. Desde 2009 há um pro-jeto para que seja criada uma frente de trabalho com jovens de comunidades de palafi-ta. William explica que muitos desses jovens já coletam plás-tico na maré e vendem para

complementar a renda. “Precisamos que a Prefeitura

tenha uma contrapartida nes-se projeto, cedendo um espaço para a gente, próximo à margem estuarina, para que esses jovens possam reunir o material que eles coletam e a gente dar um pouco mais de infraestrutura para eles, como material de proteção, lu-vas, botas, embarcações para que eles adentrem em certas áreas compactadas, enquanto o trabalho de recuperação é feito”.

Conforme ele, esses jovens se tornariam multiplicadores dessa consciência ambiental dentro das suas próprias co-munidades. “Eles fariam não só a coleta no ambiente natu-ral, mas também a coleta den-tro da comunidade, que para eles seria melhor e mais fácil do que esperar chegar ao man-gue para coletar. E isso vai au-mentando a renda deles.”

O EcoFaxina faz ações em diversos tipos de ecossiste-mas, como ilhas, costões ro-chosos e praias. William conta que ao fazer ações em luga-res como a Ilha Porchat, em São Vicente, traz mais visibi-lidade ao assunto. “Quando fazemos ações em mangue é muito difícil de a imprensa co-brir e dar visibilidade para isso. É bom para gente ter contato com as comunidades, onde é a raiz do problema. Só que em uma ação na Ilha Porchat, por exemplo, a gente conse-gue dar uma visibilidade bem maior, tanto na questão da mí-dia quanto na participação de voluntários também”.

Até agora, o Instituto EcoFa-xina já retirou 25,1 toneladas de resíduos sólidos de áreas naturais da Baixada Santista e no começo do ano de 2013 re-cebeu o título de Entidade de Utilidade Pública pela Prefeitu-ra de Santos.

Lixo jogado no estuário afasta espécies marinhas e prejudica a qualidade de vida dos habitantes

quilos foi a quantidade de lixo reciclável

retirado do mangue

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Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

Espécies podem desaparecer do estuário em razão do lixo largado

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Raphael Matos

A s crianças do Man-gue Seco tiveram motivos em dobro para festejar. Elas

não tiveram apenas uma, mas, sim, duas comemorações re-cheadas com doces, gincanas e brinquedos.

A primeira festa ocorreu no dia 6 de outubro, uma sema-na antes do Dia das Crianças. O evento foi organizado pela Igreja Universal do Reino de Deus e fazia parte do projeto “A gente da Comunidade” e, além de diversão, o evento contou com trabalho social.

O projeto, que é custeado pelos membros da Igreja, é o braço social da Universal e, por meio dele, são realiza-dos trabalhos dentro de di-versas comunidades carentes de todo o Brasil. O objetivo é prestar assistência a bairros periféricos.

Para a voluntária Cassia-na Costa, funciona como um alicerce psicológico. Ela, que frequenta a Igreja há cerca de nove anos e participa de proje-tos de voluntariado há oito, de-clara: “Não deixamos somente brinquedos. Realizamos di-versas atividades”. Quando questionada se o projeto seria

uma forma de introdução reli-giosa às crianças, ela afirma que “nosso trabalho é mui-to mais que isso. Há também conscientização social. Muitas crianças sofrem em casa, com pais viciados e brigas dentro do lar. Além disso, após a visita inicial, há um contato perma-nente com um grupo de ora-ção, que faz visitas regulares às comunidades”.

A assistência e a continui-dade do trabalho social são fundamentais, conforme Cas-siana. “De nada adianta en-tregarmos apenas uma cesta básica, pois dependendo de quantas pessoas tiver a famí-lia, esta só durará de uma a duas semanas, no máximo. Mas, nossa prioridade é mos-trar que a gente está aqui hoje, num domingo à tarde, com este sol, por Jesus, que mu-dou nossas vidas, e mostrar também que existe alguém que olha por elas e que quer mudar suas vidas”.

A comemoração contou com brindes como bicicleta, TV e fogão, doados por fiéis. Além disso, foram disponibi-lizadas equipes de cabelei-reiros, enfermeiros e nutri-cionistas. Ao final do evento, foi realizada uma oração de agradecimento.

Dia das Criançassolidariedade e carinho

Pintura feita na oficina de artes

União faz a força

Brinquedos foram doados pelos comerciantes da região e alegraram muitas crianças da comunidade, que tiveram um dia diferente

Fotos: MATHEUS JOSÉ MARIA

A festa do dia 12 de outubro foi marcada pela solidariedade e união. O segundo evento con-tou com a participação dos pró-prios moradores.

A equipe da Universal ce-deu os brinquedos infláveis e a cama elástica, que foram utili-zados na semana anterior, e a Regional de Santos forneceu as cadeiras e os brinquedos, doados por comerciantes da re-gião. No total, foram distribuídos

1150 brinquedos. No Mangue Seco

e Butantã vivem cerca de 800 crian-ças, mas o vice-pre-sidente da Associa-ção de Moradores do núcleo, Sidney Ramos, garante que “não vão sobrar brinquedos. Quando crianças de comu-nidades próximas, como Vila Telma, Ilhéu Alto e Ilhéu Bai-xo ficam sabendo da distribuição, também participam do even-to. Mesmo elas não sendo moradoras do bairro, não se faz

distinção, pois, são todas crian-ças. Apenas organizamos uma fila e distribuímos os presentes. Às vezes, os únicos brinquedos que as crianças possuem são os que foram doados”.

Mas para que tudo desse cer-to, Sidney conta que a arreca-dação começou com meses de antecedência, e comenta: “Não paramos por aqui. Já estamos correndo atrás dos preparativos da festa de final de ano”.

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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L éverson da Silva, 7 anos, gosta de brin-car com seus irmãos, e estava com eles

quando foi perguntado qual era seu sonho. Ele ainda não tem uma profissão definida, mas sabe exatamente o que quer para seu futuro. “Que-ro ser trabalhador para ga-nhar dinheiro e ajudar minha mãe”, disse, bem decidido. A mãe de Léverson, Luíza Cris-tina, de 34 anos, tem outros quatro filhos que sustenta sozinha, entre eles um bebê de quatro meses. Sua única renda é o Bolsa Família, do Governo Federal, no valor de R$ 240,00. Lívia, de 10 anos quer ser cabeleireira. Laví-nia, nove, quer ser atriz.Gus-tavo, quatro anos, quer ser mágico.

Juan Luiz Oliveira, mora-dor de uma das tantas palafi-tas do local, tem 9 anos e as-sim como tantos garotos de sua idade, sonha m ser um famoso jogador de futebol. Torcedor do Flamengo, Juan já deu início ao seu sonho. Ele é levado pela mãe, para jogar no Clube Portuários toda semana. Aos sábados, Juan sempre está no campo da comunidade fazendo o que mais gosta até sua mãe o chamar para almoçar e ir ao clube.

Assim como Juan, Matheus Eliédson, nove, e Guilherme Costa, oito, também sonham em ser jogadores de futebol. Amigos inseparáveis, os torcedores do Santos estão sempre brincando entre os becos e palafitas do Mangue Seco.

Já José Henrique Silva Barbosa, de 12 anos, gosta de jogar taco e quer ser poli-cial. “Quero proteger as pes-soas, ter essa ação”, disse o morador do número 57, ami-go de Gabriel Santos Souza, que diz querer ser adminis-trador de empresas.

Entre tantos futuros joga-dores, administradores, cabe-leireiros, atores e policiais, o que eles realmente querem é serem ouvidos e não esqueci-dos pelo resto da cidade, ape-nas por morar em uma par-

te mais pobre. Sonham com um futuro melhor para eles e

suas famílias. Como disse a mãe de Juan, Viviane Luíza,

o que eles precisam é apenas de uma chance.

Dannielly Costa

As crianças do Mangue Seco e Butantã têm sonhos como todas as outras. Mas, diferente daquelas que crescem dentro de apartamentos ou casas com muros altos, elas brincam nas ruas. Meninos e meninas se juntam no campinho de terra da comunidade para jogar futebol ou se encontram nos becos para brincar de taco, esconde-esconde ou pega-pega.

Os amigos Matheus, Guilherme e Juan sonham em se tornar famosos jogadores de futebol

Lavínia quer ser atrizLívia, futura cabeleireira, tem dez anos e gosta de brincar de boneca

Entre brincadeiras, sonhos por um futuro melhor

Léverson tem apenas 7 anos, mas já sabe o que quer para seu futuro

Fotos: DANIELLY COSTA / LUCAS FERREIRA

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Guilherme Lúcio

O futebol é o espor-te mais querido do país e porta de en-trada em um mundo

melhor para diversas crian-ças e adolescentes da pe-riferia. E nas comunidades Mangue Seco e Butantã não é diferente.

Por conta de reformas do “Projeto” da Prefeitura de San-tos, o campo utilizados pelas crianças foi reduzido por mais da metade, o que atrapalha os professores e as crianças. A escolinha de futebol da comu-nidade está em recesso há dois meses por conta das obras.

Leonardo, 14 anos, a reforma atrapalhou sua diversão. “Ainda dá para brincar, mas é pouco espaço. Antes, o campo tinha medidas oficiais, hoje é quase do tamanho de uma quadra de

futsal”, afirma o jovem, que so-nha ser jogador de futebol.

Mesmo com as dificuldades, as crianças arrumam alternati-vas. Na rua ao lado do campo, outras brincadeiras como bola

de gude e taco, são corriquei-ras. Com poucos espaços cul-turais e esportivos cedidos ou criados pelo Estado, a rua aca-ba se tornando um centro es-portivo a céu aberto.

José Henrique, 9 anos, afirma que prefere jogar taco ao invés de futebol. “Quando não chove e não tenho lição de casa, eu sempre jogo aqui na rua. Como nosso campo está pela meta-de, fica ruim jogar lá”.

Sidnei Ramos, 40 anos, um dos representantes da Socie-dade de Melhoramentos do Mangue Seco e Butantã, pro-cura alternativas para ajudar as crianças. “Estou procurando um lugar razoável para as crianças treinarem, como o Pagão (Es-tádio Municipal, localizado no Horto, próximo à comunidade).

Melhorias. Os moradores aguardam as melhorias prome-tidas, que incluem uma nova área de lazer no local. O espa-ço ganhará um novo campo, uma quadra de futebol de salão e a nova sede da Associação, agora de alvenaria.

Luana Ferreira

Jane Maria Viera , 47 anos, há 25 mora na comunidade, e é con-siderada exemplo para

todos. Ela é mãe, avó e tia de cerca de 800 crianças. O local onde vive grita por mu-danças. Os barracos são pa-lafitas e a briga é constante contra a grande população de ratos que habita em meio aos moradores. “Nunca dei-xamos as crianças na mão e fazemos de tudo para que elas tenham o que fazer”, conta Jane.

Ela cresceu no morro e foi criada no mato. No dia em que levou um tapa de um policial descobriu que podia ser tão forte quanto o homem que lhe agrediu.Ele insistiu em dizer que Jane era um homem, pois tinha cabelos curtos e era de madrugada que sempre voltava do servi-ço. Foi, então, que Jane fez o curso de segurança, pro-fissão que exerce até hoje. E leva sua experiência para todas as mulheres na comu-nidade, que enfrentam inú-meros problemas.

As brigas entre casais são constantes. Falta de dinhei-ro, ciúmes e pouca infor-mação que se transformam em agressões físicas e ver-bais. Jane tem como proje-to implantar na comunidade reuniões para as mulheres. Sejam elas casadas ou não. O intuito é orientar e acon-selhar sobre os relaciona-mentos. Dar dicas de como apimentar a relação, conver-

sando e usando a criativida-de. “Se o homem tem uma grande mulher em casa, ele não vai procurar outra na rua. As mulheres, muitas ve-zes têm vergonha de que-brar a rotina com o marido.Eu explico como elas devem agir”, revela. Ela já fez expe-riência com algumas mulhe-res e teve ótimos resultados. Porém, falta local adequa-do para que esses encon-tros tenham continuidade. Pronta para tudo

“Entro na maré com a água batendo no pescoço, corro risco de pegar tuberculose, mas ajudo as pessoas da co-munidade. Levanto barraco, às vezes sem ganhar nada em troca, mas não deixo de ajudar quem precisa”, res-salta a moradora Kelly Cris-tina da Silva. Quem precisar de um carrinho de constru-ção, uma viga, martelo para arrumar isso ou consertar

aquilo pede para Kelly. Ela é a quem faz de tudo sem ter estudado nada.

Kelly perdeu o pai com 17 anos o que desestabilizou sua vida. Ela começou a usar drogas e roubar. Resultado: 11 anos de condenação por roubo à mão armada, dois anos presa em regime fecha-do e um ano e oito meses no semi- aberto (“saidinha”). Ela sofre as conseqüências até hoje. “Isso não é vida para ninguém, minha mãe sofreu muito comigo. Eu já fui vá-rias vezes procurar serviço e dou com a cara na porta. As pessoas têm preconceito por causa do meu artigo (n°157, do Código Penal Brasileiro) e não me contratam. Se eu fos-se mente fraca, teria voltado para o mundo do crime, mas prefiro ajudar a comunidade”, desabafa.

Kelly conta sua história de vida como exemplo para as pessoas na comunidade que

estão no mundo do crime. Para esse tipo de escolha, existem somente dois caminhos: pri-são ou a morte e quem so-fre junto é a família.”Pretendo sair daqui um dia, mas an-tes quero muito ajudar as pessoas”, diz, emocionada.

De porta em porta Ela tinha uma boa vida,

com direito a empregada e demais regalias. Hoje, a au-xiliar de limpeza Dyennifer Aparecida da Silva é mora-dora e diretora de eventos do Mangue Seco/Butantã.

Ela ajudou a própria famí-lia, abrindo mão do barraco que morava. Mas sua postu-ra é de ajudar toda a comu-nidade. “A gente acorda com o não, mas eu saio pedindo de porta em porta um pouco de óleo, comida, qualquer coisa para ajudar as pesso-as. As famílias chegam em mim e dizem não ter nada para comer. E é aqui mesmo, com um pouco de cada que a gente consegue o almoço de um ou a janta de outro”, conta.

Dyennifer diz que eles tem que ser vistos pela população,pois, quando se fala em Mangue Seco e Bu-tantã, ninguém sabe onde fica. Nos últimos quatro anos, por conta da associação dos moradores é que algumas melhorias têm acontecido. ”Nós vamos parar a avenida Jovino de Melo no horário de trânsito. Eles têm que olhar para a gente. Nós temos mui-tas crianças aqui precisando de ajuda”, avisa a moradora.

Como anjos sem asasElas protegem, ajudam e são companheiras nas lutas por melhorias na comunidade

Kelly Cristina da Silva levanta barracos, às vezes, sem ganhar nada

Crianças brincam entre obras e contêineres no núcleo

MATHEUS JOSÉ MARIA

Obras do Projeto Novos Tempos reduzemespaço para lazer no Mangue Seco

MATHEUS JOSÉ MARIA

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Vinícius Kepe

O colorido que cobre a estrutura de madei-ra de uma das casas do Butantã, comu-

nidade do bairro Bom Retiro, chama atenção ao se desta-car das demais. Dentro dela reside um jovem artista que – representando uma peque-na parcela - ainda deseja fa-zer uma faculdade. A vontade nasce da meta de aprimorar o que melhor ele sabe fazer: de-senhar. “Essa casa é ponto de referência para quem vem en-tregar coisas da Casas Bahia, gás... Eles falam: ‘óh, fala que é depois da casa dos dese-nhos’. O pessoal já até sabe onde é”.

Foi com apenas cinco anos que Eduardo dos Santos Pi-nheiro, agora com 26, teve contato com a arte de pintar. Ao ser questionado sobre a frase que estampa as boas--vindas do seu lar, o rapaz ex-plica que, quando desenhou, estava pensando que ali eles sempre foram muito felizes e que nunca tiveram problemas, pois todos eles eram resolvi-dos em conjunto. “A minha mãe é super alto astral, então eu fiz isso inspirado nela”, co-menta, ao mesmo tempo in-dicando com o dedo a frase Aqui mora a felicidade, pinta-da acima do batente da porta de sua sala. “É aqui mesmo que deve morar a felicidade. A gente não pode abaixar a ca-beça para nada”.

Inspirado no irmão mais velho, Paulo José dos San-tos, desenhista nos anos 90, Eduardo esboçou os primeiros traços e técnicas, tendo como base os desenhos do irmão que ainda guarda com apreço. Classificando o material como “relíquia”, ele esclarece que aprendeu a desenhar olhos, boca, nariz, enfim, modelos vi-vos, por meio da observação. “Com o tempo eu fui me apri-morando e me destacando na época do colégio. Isso era nas aulas de Educação Artística... quando tinha”.

O irmão agora é químico em uma empresa, mas Eduardo tomou o gosto pela antiga ati-vidade de Paulo e transformou o desejo e talento em traba-lho. Depois de um favor feito a um amigo, o rapaz recebeu o pagamento e ficou com o ma-terial que sobrou do serviço. Tudo o que ele tinha nas mãos para começar era um pincel e latas de tinta. Três anos foi o tempo que ficou fazendo pin-turas de pincel. Depois disso, conheceu a técnica da ae-rografia. “É uma importante técnica que aprendi. Graças a Deus e aos meus amigos pintores eu consegui progre-dir, só não domino totalmente, mas continuarei aprendendo todos os dias.”

Ao começar a divulgar seus

desenhos pela comunidade e internet, o artista foi contrata-do para fazer trabalhos par-ticulares em murais. “Agora estou trabalhando mais com buffets. Antigamente, era só uma coisa simples, o trabalho surgia de mês em mês, um aqui, outro ali, e eu fui divul-gando, até que foi crescendo. Eu espero que cresça ainda mais”, comenta entusiasmado o desenhista, mostrando dois painéis em forma dos perso-nagens Chaves e Chiquinha, da série mexicana Chaves.

Para fazer os trabalhos é necessário investimento. Os pincéis custam, em média, R$20 reais. Pistolas e os ae-rógrafos são mais caros, cus-tando na faixa de 200 ou 400 reais. Serras podem somar uns 200 reais. As telas variam entre 80 e 150 reais, que de-pendem do estilo e formato do desenho.

Ele costuma cobrar R$90 reais pelos painéis. Este é o valor de cada personagem que fabrica. Pintura no tecido eu cobra R$100 (os desenhos podem chegar a dois metros de altura). Arte para parede depende do formato, alguns clientes variam os pedidos entre texturas e formas. As exigências podem custar até R$500. “Tudo isso é fruto dos trabalhos que fiz, então sem-pre consigo continuar fazendo meus desenhos e repondo as minhas ferramentas.”

Inspirações - Como refe-rências profissionais do cená-rio artístico, o grafiteiro elogia os trabalhos do amigo paulis-tano Fernando Pow, “Ele não é ótimo, mas perfeito em téc-nicas de aerografia”. Também elogia Eduardo Cobra, que tem trabalhos fora do Brasil. “Os desenhos são espetacu-lares, com sua arte não existe comparação”. O pernambuca-no Romero Britto é outro que o jovem cita na sua lista refe-rencial, e diz que já consegue desenhar as artes dele.

Das telas para os gibis, Alex Ross é o nome que mexe com o desenhista da casa colorida. Para ele, todo mundo deve conhecer os trabalhos do qua-drinista norte-americano, es-pecializado em pinturas de fo-tografia realista. Há artistas na cidade que, mesmo sem nun-ca ter encontrado para con-versar pessoalmente, Edu-ardo demonstra admiração. “Vejo os trabalhos deles por aí, no comércio e também em murais. Eu gosto muito”. Os grafiteiros que Eduardo cita são Aru Graffiti e Daniel Artes, ambos da Baixada Santista. “É difícil eu ver alguma expo-sição, não tenho tempo. Mas eu acompanho muito pela in-ternet, eu vivo muito ‘logado’. Vejo as coisas da região e do mundo. Existem bastantes de-senhistas daqui que atuam na mesma área que a minha.”

Eduardo participou de um curso gratuito de Design de Interiores, oferecido por uma instituição especializada em educação técnica para jovens com baixa renda mensal. Nele, aproveitou para melhorar suas técnicas e começou também a desenhar plantas residenciais. “Eles forneceram todo o mate-rial para fazer o curso. Eu pa-rei por falta de tempo, porque criar plantas e fazer outras coi-sas. Foi uma beleza”. Mexer com decoração de residência não foi o forte dele, mas foi a partir disso que a Arquitetura tornou-se o sonho profissional do desenhista.

Perto de se casar, um dos fatores que afasta o sonho de Eduardo é o investimento no casamento e na nova casa onde vai morar com a noiva Caroline Menezes, 22 anos. “Organizar casamento não é

fácil. Eu ainda não moro com ela. Na verdade, a minha so-gra ofereceu a parte de cima de sua casa para gente morar, por enquanto, até a gente ar-rumar o nosso ‘canto’”.

O retorno financeiro com a pintura é sazonal. “Em um mês eu posso ganhar R$400 com os pedidos, mas também posso passar os dois meses seguintes sem ganhar nada”. Hoje este trabalho é classificado como complemento de renda, já que o artista é registrado em outro tipo de serviço.

O emprego como tradutor de documentos matrimoniais no centro de Santos apareceu quando Eduardo ainda era jo-vem. A dedicação e a educação o colocaram num cargo de con-fiança. “Minha chefe perdeu o marido recentemente e, para não abandoná-la, resolvi continuar. Ela precisa de mim.” Seu salário mensal é de R$1000,00, mais extras. “Hoje, com o meu salário, eu consigo viver para mim, mas sem família para sustentar, por isso eu criei essa empresa de pintura e personalização.”

Com tudo pronto, o casório está marcado para o final deste ano. Sobre a nova casa, Eduar-do não omite a decisão de re-petir o talento nas paredes do local. “Vou levar tudo comigo e continuarei o meu trabalho. Vou dar a mesma vida que dei na mi-nha antiga casa. O meu lema é de passar por cada lugar e dei-xar a minha marca, uma pintu-ra. Com isso, todas as pessoas que passarem por aquele local vão poder dizer ‘o Duda passou por aqui, Deus também passou por aqui’, pois se não fosse ele, nada disso seria possível. As pessoas podem ter certeza. São desenhos abençoados e feitos com muito amor.”

Aqui mora a cor da felicidade

Os desenhos ilustram a entrada principal da casa de Eduardo

O meu lema é passar por cada lugar e

deixar a minha marca, uma pintura. Com isso, todas as pessoas que passarem por

aquele local vão poder dizer ‘o

Duda passou por aqui’ ”

Eduardo dos Santos grafiteiro

MATHEUS JOSÉ MARIA

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Carol Pascally

Neta de ex-escravos, fi-lha de empregada do-méstica e um pescador, Jane Maria Vinagre, 47

anos, é uma líder comunitária. Apesar de sua feição rígida

e firme, armazena em sua me-mória grandes acontecimentos que marcaram sua trajetória. As dificuldades começaram desde do início de sua vida, pois, seus avós, depois de alforriados, de-cidiram construir a nova vida no pico do Morro do Ilhéu. A mora-dia não era composta por madei-ras, tijolos e concreto, mas, era uma caverna que seu avô, Zé do Ilhéu, adaptou para abrigar e proteger a família. Transformou--a em uma casa.

“Eu nasci em uma caverna, chão duro e, na época, tínhamos poucos recursos. Minha mãe era empregada doméstica e morá-vamos com meus avós e meus oito irmãos”, recorda Jane.

A infância dela foi de trabalho e muito sacrifício. Desde cedo, a menina que mais parecia menino (por não ter condições de comprar vestidos como as outras),estava acostumada com a responsabilidade. Tra-balhava para ajudar a comple-tar a renda familiar.

“Não gostava de trabalhar. Eu era criança e deveria apenas es-tudar e brincar, mas dentro de mim eu já tinha aquela vontade de fazer algo pra ajudar e melho-rar a situação. Então, eu e o meu pai trabalhávamos em épocas festivas. Ele cobrava para pescar com o ricos, e eu também servia como uma espécie de aposta de natação com os filhos dos ‘grã--finos’. Quem ganhasse a corrida no mar levava o dinheiro , e eu, claro, sempre vencia”, conta

E quando ela ainda era me-nina, com apenas nove anos, os pais se separaram. Ela con-tinuou a morar na caverna com sua mãe, irmãos e avós, e seu pai foi morar na comunidade Mangue Seco.

“Depois que meu pai saiu de casa, as coisas ficaram ainda mais difíceis. E nossos alimen-tos de cada dia eram cabeça de peixe e banana com a casca também. Às vezes, um senhor de uma padaria pertinho deixa-va um saco enorme de pão em casa. Isso era motivo de festa

para nós”, desabafa Jane.A líder comunitária perdeu os

avós e teve que desocupar a caverna. Desceu para o asfalto para morar com a mãe e os ir-mãos em outra comunidade. Fi-cou no Dique (Santos) por vários anos. Foi aí que ela começou a conhecer o mundo e mais obstá-culos para enfrentar.

Ilusões. “Quando vim morar no asfalto, eu ficava deslumbra-da com tanta novidade. Em casa, eu não tinha amor e afeto, o que fez eu procurar encher esse va-zio na rua. Fiz amizades que me prejudicaram, esqueci minha fa-mília para estar na rua, balada e fazendo coisas que me arrepen-do até hoje”

O envolvimento de Jane com as amizades a fez estar no lugar errado e na hora errada. Seus amigos, que eram usuários de drogas, foram pegos pela polícia e ela estava junto. Mesmo não usando e nem portando entorpecen-tes, Jane foi presa e pas-sou quase dois meses na cadeia fe-minina.

E foi nesse período lon-go e sofrido, em regime fechado, que ela refletiu sobre a vida e o que iria fazer quando saísse de lá. Na cadeia, foi torturada por outras presidi-árias, teve que aprender a lidar com as circunstâncias dentro da cela.

“Foi lá a grande lição de vida que eu tive, aprendi muito. Per-cebi que não podíamos nos deixar levar pelas amizades e muito menos confiar em todo mundo. Eu deixei minha filha de lado para estar com esses ‘ amigos’ e acabei presa sem fa-zer nada. E o pior não foi estar na cela, mas, sim, as agressões e o preconceito “

Ao sair da cadeia, Jane mu-dou seus pensamentos e ama-dureceu ainda jovem, mas tinha que aprender a jogar com a vida. Não terminou o Ensino Médio, o que dificultou na hora de procu-rar emprego. Com pouco estudo

e ex- presidiária, ela encontrou muitas portas fechadas. Vivia de bicos e da pesca, ensinamento que seu pai deixou.

“Hoje, ainda é muito triste lembrar tudo que eu passei,

do sofrimento que é estar confi-nada em um quadrado e, mais triste, é saber que meu amigos me viraram as costas quando eu mais precisei. Muitos pisaram em mim”, compartilha, emocionada.

O tempo passou, o pai de Jane ficou doente e ela teve que sair do Dique para morar no Mangue Seco e cuidar dele, que faleceu.

Mas, deixou para ela um legado, uma missão.

MissãoJane esta-

va destinada a cuidar dos moradores do bairro, lutar por eles e fa-zer qualquer coisa para mudar a situa-ção daqueles que mais pre-

cisavam. E apesar da expressão de brava e forte, ela se emocio-na ao falar da sua relação com o Mangue Seco.

O mangue é tudo para mim. Eu posso tirar alimento da mi-nha casa e dar para outra famí-lia, como já fiz muitas vezes. Vou atrás do que for pela melhoria do povo, é meu sonho ver as crianças brincando, sem violên-cia, com moradia digna e estudo bom. Hoje, eu dedico a minha vida aqui e tento sempre ajudar nos projetos e na implantação de novidades também”, ressalta

Como líder social, Jane está sempre junto nas decisões do líder André Luiz. Ela auxilia, fala das necessidades do povo e vai à luta.

“Deixo de viver a minha vida só pra ver o sorriso de alguém, de uma criança, pra isso não

meço esforços”, saliente Jane”. Ela está há mais de três

anos na luta para as melhorias da comunidade e define que “o perfil do líder é estar preocupa-do com o bem estar daqueles que dependem ou necessitam de ajuda. E não ter vergonha.”

Na comunidade, Jane é res-peitada por todos e admirada por suas ações, o que faz com que se sinta aliviada ao lem-brar do passado. Para os mo-radores, como Maria Lúcia, 68 anos, aposentada, ela é sinô-nimo de bondade.

Jane parece um anjo ! Quando você menos espera, ela aparece para estender a mão. Seja o que for, ela dá um jeitinho e consegue”. Assim como Maria Lúcia, para o por-ta voz da comunidade, André Luiz, 36 anos, servidor públi-co, Jane é especial. “Por mais que eu tenha que tomar as de-cisões pela comunidade, ela sempre está junto. Desde que cheguei aqui ela sempre me dá forças. Classifico-a como diretora social”.

Atualmente, Jane trabalha apenas na comunidade e en-contra forças em uma músi-ca gospel que fez questão de cantar, emocionada.

“Minha música é aquela da Bruna Karla, Advogado Fiel. Toda vez que escuto sinto minhas forças sendo reno-vadas por Deus. Sem fé não somos nada”

Jane têm três filhos, todos casados. Casou-se, também, e já é avó. E a maior felicida-de dela é saber que hoje en-controu o verdadeiro sentido do amor, tanto com os filhos quanto para o próximo.

“A maior alegria é sentir esse amor de mãe e de avó, e ter a certeza de que, enquanto houver forças em mim, lutarei até o fim por essa comunida-de. Acredito que tenho uma missão aqui.Deus ainda não quer me levar”, acredita Jane.

Líder comunitária, Jane ajuda nas melhorias do Mangue Seco

Da caverna ao Mangue Seco,

Jane faz a diferença para os moradores

LUIZ NASCIMENTO

“ A maior alegria é sentir esse amor de mãe, de avó e

ter a certeza de que enquanto houver forças em mim,

lutarei até o fim por essa comunidade”

Jane, líder comunitária

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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no Mangue Seco-Butantã não é mesmo barato. É difícil susten-tar a palafita porque a madeira é cara, e para fazer a traves-sia de “barquinho” para o outro lado, é preciso pagar R$ 2,25.

O estudante Lucas Carmo, 18 anos, morador de uma pa-lafita visivelmente torta, conta que quase morreu quando era pequeno, porque sua “casa” caiu de madrugada, devido à lama do fundo do mangue.

Mas, ele e a mãe foram salvos por um vizinho, que os acor-dou antes da queda baten-do na porta com um pedaço de madeira. Lucas disse que hoje, seu barraco está com uma parte menor que a outra, mas já comprou nova madei-ra e a casa está em processo de arrumação, devido à soli-dariedade que existe entre os vizinhos, os quais ajudaram a reforçá-la em baixo.

Diego Corumba

A comunidade Mangue Seco-Butantã pode ter de esperar para conseguir moradias

em conjuntos habitacionais, segundo as previsões da Com-panhia de Habitação de Baixa-da Santista (COHAB-ST). “A prioridade é para quem mora em palafitas, áreas de prote-ção ambiental ou favela. Não é porque estão perto que sig-nifique que irão primeiro. Es-tamos avaliando comunidades de Santos em geral”, explica o diretor presidente da COHAB--ST, Helio Vieira.

De acordo com ele, a tran-sição do Projeto de Acelera-ção ao Crescimento 1 (PAC-1), que trata da habitação, para o programa “Minha casa, minha vida”, adiou a construção das moradias. Em 2008, quando iniciou a mudança, foram refei-tos todos os cálculos de enge-nharia para a adequação dos locais às normas do Governo para não haver perda de tem-po. Em 2013 a equipe da Co-hab está em estágio fundiário, recolhendo todos os títulos que pertencem às propriedades privadas e da União para dar início ao Projeto Prainha, para benefício do núcleo. “Atualmen-te, somente começamos o tra-balho de drenagem e estamos cuidando da parte que se refere aos títulos”, esclarece Vieira.

Ele afirma que também há outros entraves no projeto, cuja solução está sendo pla-nejada, como o custo dos ter-renos onde serão construídos os conjuntos e a venda de propriedades adquiridas. Sem

resolver isso, torna-se inviável qualquer construção popular.

Os residentes do Mangue Seco-Butantã reclamam da atual situação de moradia onde vivem, ansiando mudar de si-tuação o mais rápido possível. “Não dormimos quando venta por medo do barraco cair. Sem-pre que chove, há ratos entran-do em nossas casas, e eles in-clusive perderam o medo dos humanos. Temos que trocar sempre as vigas e já aconteceu de tirar uma senhora de sua casa às pressas por causa do barraco que estava desabando. A gente se ajuda, mas essas coisas são terríveis para nós e para nossas crianças, quere-mos todos ter uma vida melhor”, desabafa um dos moradores, que não quis se identificar.

O diretor da COHAB-ST re-velou que há um cadastro do Conselho Municipal de Habi-tação, que reúne nomes trazi-dos de movimentos populares, associações de bairros, entre outros, num total de seis mil nomes. Já na própria COHAB--ST foram cadastrados oito mil nomes, o que se aproximou do levantamento do Instituto Bra-sileiro de Geografia Estatística (IBGE), que previa 10.000 pes-soas vivendo em situação irre-gular. “O projeto engloba 720 moradias populares, equiva-lente a 2.800 pessoas locadas. O correto seria planejar mil uni-dades por ano, mas, na Baixa-da Santista, não conseguimos trabalhar assim. Não há espa-ço disponível para construções nesse ritmo. É um problema

que será estendido até a pró-xima geração. Não é da noite para o dia”, esclarece.

Ao contrário do Projeto Prai-nha, os conjuntos da Canelei-ra e Tancredo estão mais pró-ximos de serem viabilizados, mas também estão em fase de estudo. Para Helio Vieira, a construção desses conjuntos se faz necessária, tanto para os moradores quanto para o crescimento da cidade. “Com os trabalhos de drenagem do Santos Novos Tempos, pode-mos estender um canal, por exemplo, na área do Mangue Seco, ou criar novos empre-endimentos ali, desapropriar e realocar o pessoal que vive no lugar para as moradias popu-lares. Isso ajudaria na constru-ção da cidade. Seria o ideal”.

Núcleo ainda não é prioridade em moradias do projeto Prainha

Comunidade sonha em se mudar para habitações populares e mudar o cenário do local

MATHEUS JOSÉ MARIA

Vizinhos são fundamentais para se viver no Mangue Seco

Colaboração entre vizinhosé essencial na comunidadeGustavo Prado

A maioria das mora-dias da comunida-de são formadas por palafitas, casas

construídas sobre estacas de madeira que ficam aci-ma da água. E morar nelas é muito perigoso. Além disso, o custo não é tão baixo e ainda podem acontecer incêndios ou até desabamentos. Por isso, a cooperação entre os vizinhos é fundamental.

A moradora de uma pala-fita, Michelle Maris dos San-

tos, conta que a vizinhança ajuda bastante. Ela falou que incêndios são comuns, devi-do às casas não serem re-gularizadas e o fornecimen-to de energia improvisado,o chamado “ gato”.

Michelle disse que sua casa é regular, então apresenta menos risco de facilitar o fogo, mas ainda assim não está livre de uma tragédia. E que em um dos incêndios, que ocorreu às 5h, o auxílio dos vizinhos foi fundamental para ajudar-lhe a apagar o fogo e salvar móveis. Ela também falou que morar

MATHEUS JOSÉ MARIA

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Lívia Lino

Há cinco anos, nascia graças a ideia de Fa-biano Cavalcante da Silva, conhecido como

Fagundes, o Canela Seca Fu-tebol Clube. “É legal interagir com as crianças porque eu não só ensino eles, eu também aprendo muitas coisas”, diz Fa-gundes, que também é o técni-co do time e diretor de esportes do Mangue Seco - Butantã.

O projeto do Canela Seca foi criado para ocupar as crianças com o futebol, ao in-vés de ficarem sozinhas nas ruas. “Ensino as crianças a jogarem futebol, cidadania, como respeitar o outro, o es-paço de cada um e o direito de ir e vir”, conta.

Fagundes afirma que o Canela Seca é um projeto social. E ele não dá moleza para as crianças do time. “Eu pego no pé deles com escola

e com outros projetos sociais porque é sempre importante estar envolvidos com os pro-jetos”.

Pouco depois do nascimen-to do Canela Seca Futebol Clube, Fagundes abriu um salão de beleza dentro de um container abandonado. “Vi-nham muitos usuários de dro-gas usar o container que tava abandonado e eu decidi usá--lo até para ficar mais perto das crianças da comunidade”.

O Salão Fagundes é fre-quentado principalmente pelas crianças da comunidade. É um salão masculino onde é possí-vel fazer o pé, cortar o cabelo, a barba e a sobrancelha.Curta no Face. Além da repercussão do Canela Seca pela comunidade, o projeto social também ganhou um curta-metragem, contando a sua história e como ele inter-fere de forma positiva na vida das crianças.

No documentário produzido em 2013, o Canela Seca con-ta com 40 jogadores de várias idades. Dois jogadores agora fazem parte do Jabaquara Futebol Clube, nas categorias sub-14 e sub-15.

Tanto para as crianças como para os apoiadores do projeto, mais importante do que o futebol é o comprome-timento delas. “Se algum de-les estiver com nota baixa, a gente senta para conversar e até fica sem jogar ou joga pouco”, explica Fagundes.

Além disso, as crianças de-vem sempre mostrar seus bo-letins e não deixar de fazer as lições de casa.

O símbolo do Canela Seca Futebol Clube, que são três crianças de mãos dadas, sig-nifica a união que o time e as crianças devem sempre ter, como explica Fagundes em seu curta-metragem.

O documentário contando a história do time pode ser as-sistido na página do facebook Associação de Moradores do Mangue Seco e Butantã

Canela Seca Futebol Clube tira as crianças das ruas

Além de ter seu salão, Fagundes também é o técnico do Canela Seca

MATHEUS JOSÉ MARIA

Elaine Farias

A Associação de Mo-radores do Mangue Seco e Butantã ob-teve sua sede no

ano de 2009, mesmo já exis-tindo há 17 anos. O local é simples, com estrutura feita em madeira compensada e um conteiner bastante enfer-rujado como extensão. É divi-dido em duas salas pequenas e uma maior, onde se encon-tram um aparelho de som, um de DVD, uma TV e duas cai-xas de som potentes. Ao lado delas, um grande mural na parede, onde ficam expostas as fotos dos eventos realiza-dos no lugar.

Esse é o cenário da sede simples, mas que se torna acolhedora para as pessoas da comunidade que a usam todas às terças-feiras à noite para realizar o culto da Igre-ja Universal. Eles se reúnem também para falar do assunto que mais as interessa: suas novas moradias. Afinal, há um projeto de conjunto habi-tacional para o núcleo.

Quando foi fundada, em 1996, a associação não ti-nha sede própria e as reu-niões eram feitas no bar de

Raimundo Bitencourt, um dos moradores mais antigos da comunidade. Nessa época, o local ainda era feito de ma-deira e a água fornecida pela Sabesp só ia até lá, obrigan-do os moradores a dividir o custo, já que todos a usavam. ´Seu` Bitencourt conta que para que os moradores tives-sem suas residências abas-tecidas, cavaram uma vala de 400 metros, pois foi essa a exigência feita pela compa-nhia de saneamento básico.

Passado certo tempo, a co-munidade cresceu e neces-sitava de uma sede de alve-naria, que ainda é um projeto estudado pela Prefeitura. An-dré Luiz Ribeiro, presidente da associação, e seu vice- presidente, Sidney Ramos Oliveira, dedicam seu tempo em prol da comunidade e, junto com ela, sonham com o dia em que terão um espaço maior e com espaço suficien-te, onde poderão fazer festas e cursos profissionalizantes,

como os de pedreiro, corte e costura, panificação, cabelei-reiro e outros.

Fabiano Cavalcante da Sil-va, cabeleireiro e responsável por dar aulas de futebol para os meninos da comunidade, enfatiza que esses projetos darão oportunidade de uma renda melhor às famílias. Os adolescentes podem apren-der uma profissão e praticar um esporte, além de frequen-tar a escola, ficando longe do risco das drogas.

Associação sonha com casa nova

Sede levantada em 2009, feita de madeira, não comporta mais os projetos atuais, cursos e reuniões da comunidade

LUIZ NASCIMENTO

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Náthaly Azevedo

Não é fácil viver sobre palafitas, tendo que conviver com entu-lhos, área de man-guezal suprimida,

poluição por esgoto, insetos e animais como ratos, por exem-plo.

”Em dias de chuva, o nível de água sobe e com isso o mau cheiro aumenta ficando quase insuportável”, conta a dona--de-casa, Jaqueline Conceição Pereira da Silva, moradora há quatro anos na comunidade.

Como maior sonho, ela al-meja mudar-se para os prédios que a prefeitura está para cons-truir, porém isto nunca aconte-

ce. “Sair daqui e ir morar em um prédio onde tivesse esca-das, não passar por um beco cheio de água e quando eu tropeçasse seria em um gato, não em um rato”.

“É só começar a chover e as fiações de energia começam a ‘pipocar’, sair faíscas, é hor-rível! No verão, o calor é mui-to intenso. Meu esposo já até colocou alguns objetos para tentar amenizar a situação em casa, mas não foram sufi-cientes. Durante o inverno, a mesma coisa. O frio é bastante árduo”, declara Jaqueline. Ela tem cinco filhos, uma delas, com síndrome de Turner. A deficiência atrapalha o cresci-mento de mamas e estatura. A dona-de-casa cuida de oito crianças todos os dias.

Necessidade básica de ser

realizada para algumas mu-lheres residentes na cidade, como energia elétrica, pois há planejamento em áreas urba-nizadas. Para outras morado-ras na comunidade é quase impossível. “Meu maior sonho são consertos, manutenção e implantação de postes na co-munidade”, informa Jane Ma-ria Vinagre, uma das líderes do Mangue Seco – Butantã.

Como fonte extra de ren-da, Mauricé Luiza Pereira, 60 anos, diz fazer crochês, almo-fadas, mas segundo ela não é sempre que pode. Em entrevis-ta, se emocionou ao contar que é seu genro quem a sustenta financeiramente e para ela a religião influencia e tem poder para melhorar a vida, entre ou-tros aspectos.

Mauricé tem hipertensão, possui oito filhos, mas nem to-dos convivem com ela. “Moro aqui há dez anos, mas penso em sair daqui. Os ‘predinhos’ que nunca saem iriam nos ajudar muito”.

A catadora de recicláveis, Ana Cristina Pereira dos San-tos, trabalha há 13 anos nesse serviço próximo à comunida-de e conta também com a aju-da de vizinhos que colaboram

doando recicláveis. Como so-nho, gostaria de ter um salário fixo e outro tipo de profissão.

Jéssica Pereira dos Santos

reside no Mangue Seco há 22 anos, desde que nasceu. Segundo ela, não há higiene no local. Fezes e urina, por exemplo, são jogados direta-mente no rio. “Eu tenho dois filhos, um deles é de colo e complica cuidar deles nessas más condições”.

A moradora Maria Geraldo

de Freitas gosta de morar na comunidade. Para ela, nada a desagrada na convivência da região. Há 34 anos reside na Zona Noroeste.

“Tenho quatro filhos, mas apenas meu caçula de 4 anos mora comigo. Os outros já ca-saram e foram morar fora. Um deles, por exemplo, mora no canal 2 com a esposa.”

Segundo Maria Geraldo, o lugar é sossegado e ela nunca teve problemas.

Conforme ela muita coisa mu-dou no Mangue Seco - Butantã desde que começou a morar no local, há 13 anos. “Antigamen-te, a comunidade não era ater-rada e era tudo fechado. Nós abrimos a comunidade”.

Anteriormente, Maria era residente no Caminho São Sebastião.“Muita gente tem vontade de sair daqui, mas eu não tenho. A comunidade é tranquila!”.

“Assim que sair os futuros prédios no Mangue Seco, pre-tendo ir morar lá. Afinal moro aqui há tempos.”

Sonhos por uma vida melhor

Jaqueline Conceição tem dois filhos e reclama da higiene da comunidade para cuidar dos filhos

“É só começar a chover e

as fiações de energia começam a

‘pipocar’, sair faíscas, é horrível!”

Jaqueline, dona-de-casa“Moro aqui

há dez anos, mas penso

em sair daqui. Os ‘predinhos

que nunca saem iriam nos ajudar muito” Mauricé, 60 anos

Fotos: LUIZ NASCIMENTO

Mauricé é hipertensa e faz crochês para ganhar uma renda extraJane gostaria que o núcleo fosse contemplado com melhorias na iluminação

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Yonny Furukawa

Funcionário da Prefeitura de Santos e atuando na Defesa Civil, André Luiz Ribeiro, de 36 anos,

é casado e pai de uma filha. Um dos fundadores e atual presidente da Associação de Moradores das comunidades Mangue Seco e Butantã, tem como principal preocupação a necessidade de ajudar o pró-ximo. Isso é freqüente desde o seu emprego e na sua vida pessoal e comunitária. Mais conhecido como Andrezinho, ele trabalha firme para não de-sapontar os moradores. Com projetos já realizados e muitos outros em planejamento, ele já está à frente da entidade desde 2005 e pretende conti-nuar. Para o presidente, não existe nada mais gratificante do que o sorriso no rosto de uma criança. E essa é a moti-vação para continuar o sonho para melhorar a vida de 430 famílias do núcleo.

PT - Como você chegou à co-munidade e à presidência da associação de bairros?André - Cheguei à comunidade da Zona Noroeste em 2005 e ainda não existia uma associa-ção. Era apenas um grupo de pessoas, líderes, mas nada for-malizado. Eu vim para somar. E para montar uma associação nada melhor do que os próprios moradores que nasceram e cres-ceram aqui. Tivemos uma ideia em 2006 de reivindicar algumas coisas, mas não tínhamos força porque não éramos jurídicos. Em 2009, convidei algumas pessoas e a partir daí fundamos a asso-ciação com um grupo de cerca

de 80 pessoas. Alguns parla-mentares e empresários da re-gião vieram apoiar esse projeto, a nossa associação.

PT– Como surgiu a ideia da criação associação?André - A ideia veio da força das pessoas. Para que elas possam reivindicar seus problemas e os seus direitos como cidadãos. Quero melhorar a comunidade. São 430 famílias ao todo e eu te-nho vontade de ajudar cada uma, graças a parcerias que consegui em meus outros trabalhos, como os Guerreiros sem Armas, a Uni-fesp – Universidade Federal de São Paulo, e outras entidades e ONGs, que oferecem total apoio. É importante dizer também que não temos vínculos políticos e re-ligiosos.

PT- Hoje, você só trabalha com isso ou tem alguma fonte de renda?André – Trabalho na Defesa Civil há 3 anos, sou técnico de redes. Antes disso, já trabalhei na regional da Zona Noroeste e também na regional dos Morros. Fui militar no Exército e trabalhei nas áreas de vendas e marke-ting. Também já trabalhei cinco anos na AmBev e outras empre-sas multinacionais.

PT- Como é conciliar o empre-go, a associação e a família?André- Confesso que é corrido, não tanto agora, mas quando comecei eu era presidente, vice, diretor de eventos e diretor de esportes. Fazia tudo. Hoje, na nova gestão, desde o dia 25 de abril quando eu fui reeleito, eu nomeei algumas pessoas na di-retoria. Mas o mais gratificante é o sorriso no rosto de uma crian-

ça, quando eu dou um brinque-do, ovo de Páscoa, faço festas de Natal e dia das crianças.

PT- O que você realiza na as-sociação?André – Eu consegui trazer a rede comunitária para os mo-radores. Faço festas em todas as datas festivas e além da parte social com as parcerias. Até passagem para moradores ir para a terra natal eu conse-gui graças aos contatos. Sei que há muito a se fazer ainda na comunidade. Mas fico feliz pelo Mangue Seco e Butan-tã terem saído do anonimato. Ele está sendo lembrado. Foi um trabalho bem feito e eu me orgulho disso.

PT – Qual a principal carência dessas comunidades?André – Sem dúvida a habitação é a minha maior luta. Estou atrás de parcerias para que eu possa ajudar e oferecer um lugar digno para essas 430 famílias caren-tes, que hoje correm o risco de morar em palafitas.

PT- Qual sua característica mais forte?André – Humildade. Ser humilde é tudo.

PT- E uma característica nega-tiva?André - Querer abraçar o mun-do. Muitas vezes eu não deixo as pessoas fazerem nada, e quanto a isso eu sou muito cobrado.

Lutando pela coletividade

Desde 2005, André atua em melhorias para a comunidade

MATHEUS JOSÉ MARIA

Pouco espaço para o lazer, masmuita vontade para se divertirAline Tavares

Os locais de entrete-nimento dos mora-dores da comunida-de Mangue Seco e

Butantã são restritos, porém a Associação de Moradores do bairro tenta sempre organizar uma forma de conseguir obter algumas opções para que haja festa e alegria na comunidade.

A reforma na Praça José La-macchia em 2012, por exem-plo, que estava em estado deplorável, criou um novo es-paço aos moradores. Segundo o vice- presidente da Associa-ção, Sidney Ramos, depois de ouvir todos os moradores a respeito de como seria o novo “rosto” da praça, deixaram- a limpa e sem brinquedos, ape-nas com bancos e mesas, de acordo com o gosto de toda a comunidade.

Sidney fri-sa também a ampliação que preten-dem fazer com a qua-dra ao lado da sede da associação, pois não ti-nham espa-ço para con-tinuar com as aulas de esportes e dança que p o s s u í a m dentro da comunidade, mas que agora, com a melhoria da quadra, será possível a volta desses ensinamentos.

Outra forma de lazer que acontece no Mangue Seco e Butantã é a Banda Concentra mais não sai que acontece nos carnavais desde 2011. Segun-

do Ivaldo Luciano dos Santos, integrante da banda e cantor de Carnaval há 14 anos parti-cipando das escolas de sam-ba Sangue Jovem, X9 e União Imperial, a banda foi criada para haver maior comodida-de para as crianças e famílias dançarem e se divertirem em um lugar fixo.

Em 2014, Ivaldo comenta que a banda provavelmente será na Praça José Lamac-chia devido aos seus patroci-nadores: Bar do Mineiro e Bar do Corredor.

Além de participar da banda, ele criou os Amigos da Pesca, para os moradores da comuni-dade aprenderem a pescar.

Entre carcaças de contêineres, crianças brincam na única área de lazer do núcleo

MATHEUS JOSÉ MARIA

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Josimar Frazão

A comunidade um transtorno em relação à unidade do Centro de Referência de As-

sistência Social da Prefeitura (CRAS), que faz o atendimen-to no bairro. Faz mais de um ano que a sede do serviço foi transferida para outro local e isso está dificultando o acesso dos moradores.

As pessoas passam por muitas dificuldades com essa mudança. Alguns moradores têm a chance de ser atendi-dos pelo serviço e outros não, e isso causa conflito de opini-ões. Amazilde Carla dos San-tos Silva, conhecida como Kika por todos do bairro, mora no Mangue Seco há oito anos e disse que o atendimento sem-pre apoiou-a nas suas neces-sidades. “Eu recebo ajuda do CRAS com o bolsa família e atenção das assistentes so-ciais. Só achei errado a Prefei-tura mudar o endereço para tão longe da comunidade”, ponde-rou Kika. Antes, o CRAS fica-va mais próximos dos núcleos e todos que quisessem algum tipo de ajuda tinham acesso fá-cil ao local.

Outra situação que os mo-

radores não entendem são os dias de agendamentos para consultarem as assistentes so-ciais. Isso ocorre uma vez na semana, toda a segunda-feira.

Para a moradora Maria da Soledade Medeiros, mora na comunidade há 22 anos e tem seis filhos. Ela explicou so-bre como a prefeitura cortou o apoio que dava a dois filhos seus. “Eles me ajudavam na questão de remédios, mas de uns dois anos para cá eles cortaram a ajuda e não deram nenhum tipo de explicação”, contou Maria.

A comunidade aguarda alguma providência sobre essas queixas, já que muitos dos moradores esperam ainda contar com esse serviço no bairro.

Até o fechamento desta edi-ção a Prefeitura de Santos não se pronunciou sobre a situação do CRAS nas comunidades do Mangue Seco/Butantã.

Resposta. A Prefeitura de Santos alega que não existe mudança de local do CRAS no bairro do Bom Retiro. Em nota, informa que aconteceu uma

troca de lugar há mais de um ano e isso ocorreu por conta do prédio, que recebia os serviços do centro, ter sido interditado pela Defesa Civil por motivos de segurança.

A comunidade não foi con-sultada, pois a mudança teve que acontecer rapida-mente para a segurança de todos. Esse novo endereço ficou distante da comunida-de do Mangue Seco, mas agora está próximo de outra, e mesmo por conta disso, o atendimento da unidade se manteve regular.

Moradores do Mangue Seco / Butantãreclamam sobre mudança do CRAS

MATHEUS JOSÉ MARIA

Hoje, a antiga sede do CRAS no Mangue Seco abriga um trabalho com grupo de alcoólicos anônimos

Wagner Tavares

Os alunos foram à comunidade para produzir todas as matérias que foram

expostas aqui neste jornal. Ir ao local é outra sensação, principalmente quando não estamos acostumados com aquele ambiente específico.

Mas houve uma aluna, Lu-ana Ferreira, que se sensibi-lizou mais que os outros. Ela não quis apenas entrevistar, redigir um texto e tirar fotos. Luana conseguiu motivar os próprios colegas de faculda-de, professores e amigos para ajudar e fazer doações. Ao todo, foram arrecadados 130 quilos de produtos e R$900, que ajudaram a comprar mais alimentos. Tudo isso foi sufi-ciente para atender 50 famí-lias. Confira a entrevista.

PT. Ao entrar na comunida-de, algo lhe surpreendeu, ca-tivou ou sensiblizou?Luana. Quando eu entrei na comunidade, o que cha-mou a minha atenção, ime-diatamente, foi a sujeira e o cheiro que o lugar tem. Mas quando comecei a andar pe-los becos, eu me perguntava: “Como essas pessoas con-

seguem viver aqui?”. Quan-do estava conversando com a Jane, líder comunitária, Dyennifer, uma moradora da comunidade, aproximou-se e começou a falar que não tinha com o que alimentar a famí-lia. Perguntei como que ela fazia para sobreviver. Res-pondeu que ia de porta em porta, pedindo um pouco de feijão, de arroz, e assim ga-rantia o almoço. Aquilo ficou entalado em mim, e senti que precisava fazer algo. Só precisaria de um pouco

de tempo e de dedicação.Cheguei em casa com um nó na garganta. Não achei que fosse me sensibilizar tanto com aquelas pessoas.

PT. Você logo correu atrás de doações. Como foi?Luana. As doações come-çaram a ser coletadas numa festa organizada por outro aluno, o Guilherme Aquino. Na entrada, os clientes doa-vam alimentos.

O evento aconteceu até às 5h. Outra aluna, a Aline

Tavares, ajudou. Mesmo as-sim, foi muito cansativo. Nós duas, sozinhas, carregamos mais de 100 quilos de produ-tos até o carro e depois des-carregamos na casa dela.

Ainda consegui mais R$ 900,00 de doações de pro-fessores, alunos e colegas do meu trabalho. Soman-do tudo, deu para formar 50 cestas básicas.

PT. Qual o prazer que veio disso?Luana. O prazer disso tudo é deixar as chamadas “se-mentinhas boas na vida das pessoas”. Eu sei que 50 ou até 100 cestas não vão re-solver o problema. As pes-soas se alimentam todos os dias, logo essas doações acabam. E o problema vai além da alimentação. Mo-radia, saneamento básico, etc. Só este trabalho de fa-culdade, o jornal inteiro so-bre uma comunidade, já é muito bom, mas eu não ia ficar sossegada em somen-te escrever sobre alguns personagens, talvez ficasse com culpa de não ter feito algo além disso. Agora fico com a sensação de “missão cumprida”. E eu queria po-der ajudar mais e mais.

Luana Cristina, aluna e cidadã

Luana, à esquerda, entrega a primeira cesta básica a uma moradora

MATHEUS JOSÉ MARIA

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Mangue-vidaFotos: Matheus José Maria

Do sorriso de uma criança aos sonhos por dias melhores dos adultos: Assim é o Mangue Seco / Butantã, comunidades que aguardam por melhorias.

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Edição Especial: COMUNIDADES MANGUE SECO E BUTANTÃ

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Nossa equipe

PRIMEIRO TEXTO COMUNITÁRIO é o Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Santa Cecília

(UNISANTA).Redação, edição e diagramação dos alunos do 2º ano de

Jornalismo do período noturno.

Diretor da FaAC: Humberto Iafullo Challoub.

Coordenador de Jornalismo:Robson Bastos.

Professores Responsáveis:(2) Fernando De Maria - Textos(18) Luiz Carlos Bezerra - Textos(20) Fernando Claudio Peel - Diagramação(28) Luiz Carlos Teixeira Nascimento - Fotografia

Editor:(23) Wagner Tavares

Sub-editor:(14) Guilherme Almeida

Reportagens / editores gráficos(1) Carol Pascally Página 12(3) Elaine Farias Página 14 (2ª matéria)(4) Raphael Matos Página 8(5) Luana Ferreira Página 10 (1ª matéria)(7) Guilherme Lúcio Página 10 (2ª matéria)(9) Diego Corumba Página 13 (1ª matéria)(10) Jonathan da Silva Alves Página 4 (2ª matéria)(11) Dannielly Costa Página 9(12) Josimar Frazão Página 17 (1ª matéria)(13) Aline Tavares Página 16 (2ª matéria)(14) Guilherme Almeida Páginas 3 e 19(15) Náthaly Azevedo Página 15(16) Gustavo Prado Página 13 (2ª matéria)(17) Thalyta Bueno Página 6 (1ª matéria)(19) Yonny Furukawa Página 16 (1ª matéria)(21) Lucas Ferreira Página 7(22) Livia Lino Páginas 5 e 14 (1ª matéria)(23) Wagner Tavares Capa, páginas 2, 17 (2ª mat.) e 18(24) Vítor Anjos Página 6 (2ª matéria)(26) Carolina Yasuda Página 4 (1ª matéria)(27) Vinícius Kepe Página 11

Fotografias(8) Matheus José Maria Ensaio da página 18(28) Professor Luiz Carlos T. Nascimento

Colaboração(6) Haila Esteves(25) Jéssica Alves

O teor das matérias e artigos são de responsabilidade de seus autores, não representando, portanto, a opinião da instituição