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ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 2 2. MANIPULAÇÃO CROMOSSÔMICA EM PEIXES............................................... 2 2.1 Triplóides Puros e Híbridos ........................................................................... 3 2.2 Haplóides e Tetraplóides ............................................................................... 8 2.3 Ginogenéticos................................................................................................ 9 2.4 Androgenéticos............................................................................................ 12 3. REVERSAO SEXUAL EM PEIXES ................................................................... 13 3.1 Linhagens Revertidas Monossexuais .......................................................... 13 3.2 Produção de Supermachos ......................................................................... 16 3.3 Produção de Superfêmeas .......................................................................... 17 4. MARCADORES MOLECULARES EM PROJETOS DE ICTIOGENÉTICA, ...... 18 5. ENGENHARIA GENÉTICA EM PEIXES ........................................................... 20 5.1 Produção de Transgênicos .......................................................................... 20 5.2 Contribuição dos Transgênicos em Projetos de Piscicultura ....................... 22 6. RISCOS BIOLOGICOS POTENCIAIS DE LINHAGENS DE PEIXES GENETICAMENTE MANIPULADOS .................................................................... 23 6.1 Riscos Potenciais de Linhagens Cromossomicamente Manipuladas .......... 23 6.2 Riscos Potenciais de Linhagens Sexualmente Revertidas .......................... 25 6.3 Riscos Potenciais dos Transgênicos ........................................................... 26 7. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS .................................................................. 27

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................2 2. MANIPULAÇÃO CROMOSSÔMICA EM PEIXES...............................................2

2.1 Triplóides Puros e Híbridos ...........................................................................3 2.2 Haplóides e Tetraplóides ...............................................................................8 2.3 Ginogenéticos................................................................................................9 2.4 Androgenéticos............................................................................................12

3. REVERSAO SEXUAL EM PEIXES...................................................................13 3.1 Linhagens Revertidas Monossexuais ..........................................................13 3.2 Produção de Supermachos .........................................................................16 3.3 Produção de Superfêmeas ..........................................................................17

4. MARCADORES MOLECULARES EM PROJETOS DE ICTIOGENÉTICA, ......18 5. ENGENHARIA GENÉTICA EM PEIXES...........................................................20

5.1 Produção de Transgênicos..........................................................................20 5.2 Contribuição dos Transgênicos em Projetos de Piscicultura .......................22

6. RISCOS BIOLOGICOS POTENCIAIS DE LINHAGENS DE PEIXES GENETICAMENTE MANIPULADOS ....................................................................23

6.1 Riscos Potenciais de Linhagens Cromossomicamente Manipuladas..........23 6.2 Riscos Potenciais de Linhagens Sexualmente Revertidas ..........................25 6.3 Riscos Potenciais dos Transgênicos ...........................................................26

7. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS..................................................................27

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1. INTRODUÇÃO No decorrer da última década, a contribuição da genética para a piscicultura

moderna tem abrangido o emprego das técnicas mais recentes usadas em biotecnologia e engenharia genética. Algumas dessas biotecnologias genéticas, como as que possibilitam a manipulação cromossômica, podem ser usadas também em plantas, porém não ainda em aves e mamíferos. Outras, como as que permitem a transferência de genes, vêm sendo aplicadas tanto em peixes e outros organismos, como em plantas.

No presente trabalho são apresentadas e comentadas as principais biotecnologias genéticas atualmente aplicadas à piscicultura. Inicialmente é discutida a produção de peixes triplóides, tetraplóides, haplóides, ginogenéticos e androgenéticos. A seguir, são resenhados vários procedimentos para a obtenção de linhagens de neomachos, neofêmeas, supermachos e superfêmeas. Os principais objetivos teóricos dos tópicos 2 e 3 deste trabalho são a produção de linhagens de peixes estéreis, monossexuais e com altos níveis de consangüinidade. Sob o aspecto prático, as linhagens manipuladas cromossômica e hormonalmente podem ser usadas para evitar maturação precoce, para possibilitar a produção de peixes maiores, para a obtenção de exemplares que apresentem somente o sexo de maior valor comercial e para permitir o uso de peixes exóticos artificialmente estéreis no cultivo ou para introdução na natureza. As biotecnologias de manipulação cromossômica e reversão sexual precisam ser bem conhecidas e compreendidas por todos os que trabalham atualmente em piscicultura porque vêm sendo gradativamente incorporadas às rotinas dos programas desenvolvidos em nível mundial e, há alguns anos, começaram a ser experimentadas também em nosso país, A seguir, no item 4, são apresentados os principais tipos de marcadores moleculares, em nível de DNA, que vêm sendo usados em projetos de ictiogenética aplicada à piscicultura. 0 tópico 5 diz respeito à aplicação da engenharia genética à piscicultura e trata da transferência de genes entre diferentes organismos e peixes. Como a engenharia genética apresenta alto grau de sofisticação técnica, dificilmente deverá ser usada rotineiramente a curto prazo na área ictiológica, devendo, por mais uma década, se restringir apenas a algumas instituições de pesquisa e a grandes empresas agrícolas. 0 último item do trabalho analisa os riscos bioecológicos potenciais de linhagens de peixes geneticamente manipuladas sobre populações selvagens e cultivadas.

0 presente trabalho é baseado em grande parte na experiência adquirida com os projetos que vêm sendo, ou que foram, desenvolvidos em conjunto pelo Laboratório de Genética de Peixes do IB/USP (São Paulo), Laboratório de Biologia e Genética de Peixes do IB/UNESP (Botucatu) e pelo Centro de Pesquisas e Treinamento em Aqüicultura, CEPTA/IBAMA (Pirassununga), Centrais Elétricas de Minas Gerais, CEMIG (Volta Grande), Companhia Energética de São Paulo, CESP (Paraibuna), Instituto de Pesca de São Paulo (Campos do Jordão) e Projeto Pacu (Terenos), e pretende ser de utilidade no planejamento de projetos de biotecnologia genética aplicados à piscicultura, que venham a ser desenvolvidos em nosso país. A maioria dos resultados obtidos, até o momento, já foi resenhada e publicada. 1,2,3,5,9,10,12,24,25,26,27,28,29,30

2. MANIPULAÇÃO CROMOSSÔMICA EM PEIXES

As técnicas de manipulação ou engenharia cromossômica podem ser aplicadas com

relativa facilidade aos peixes, porque esse grupo de animais geralmente apresenta fecundação externa, o que favorece em muito o manuseio de seus gametas. Numerosas técnicas têm sido descritas na literatura para a produção de peixes haplóides, triplóides, tetraplóides, ou mesmo os que tenham só cromossomos maternos (ginogenéticos) ou só paternos (androgenéticos) (Tabela 1)7,20,22,23

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As tecnologias usadas para alterar o número cromossômico dos peixes pertencem a duas categorias principais: choques de temperatura ou térmicos e choques de pressão ou hiperbáricos. Os choques de temperatura geralmente são aplicados aos ovos logo após a fertilização (cerca de 5 - 10 minutos) e, por isso, são chamados de precoces. Os choques de pressão são aplicados aos ovos decorridos tempos maiores após a fertilização (cerca de 60 - 90 minutos) e, por isso, são chamados de tardios. A finalidade do choque precoce é a de atuar na meiose, bloqueando a eliminação do segundo corpúsculo polar do ovócito e o choque tardio, de interferir no início da mitose, impedindo a primeira clivagem do zigoto quando este vai se tornar um embrião com duas células.

Na maioria das estações de piscicultura do mundo utilizase o choque térmico em vez do hiperbárico, porque a aparelhagem para manutenção de temperaturas constantes oferece maior segurança para os operadores e possibilita trabalhar com maiores volumes de ovos. Para os choques de pressão usam-se cilindros hidráulicos de aço inoxidável que são bastante caros, comportam volumes reduzidos de ovos, operam por vários minutos com altas pressões entre 7 e 10 mil psi (psi = libra por polegada quadrada), correndo, muitas vezes, riscos de rompimento, principalmente quando o ar dos cilindros não é devidamente removido, ou seja, quando não é feito um "sangramento" adequado. Embora se possa utilizar tanto choques térmicos quentes quanto frios, parece que os quentes produzem melhores resultados em espécies de peixes de águas frias e, ao contrário, os choques frios em espécies de águas quentes. Em geral, a temperatura que produz os melhores resultados é espécie-específica e se situa na proximidade de seu limiar letal. É bastante importante que no decorrer do tratamento térmico os ovos sejam mantidos numa temperatura uniforme sem flutuações; isso pode ser conseguido dispondo-se os ovos em poucas camadas em um recipiente de vidro que, por sua vez, é mergulhado num banho térmico com volume suficiente de água, de modo que a temperatura desejada seja mantida constante. Portanto, o tipo, a intensidade e a duração do tratamento térmico são peculiares para cada espécie.

Há várias técnicas que podem ser usadas para verificar o sucesso das manipulações cromossômicas, sendo que um dos métodos mais laboriosos é contar o número de cromossomos. Um segundo método é medir o tamanho dos núcleos dos eritrócitos; isto é feito corando-se esfregaços de sangue com Giemsa e medindo-se ao microscópio o eixo maior do núcleo dos eritrócitos. Um terceiro, é a medida do volume nuclear do eritrócito, rotineiramente realizado nas pisciculturas norteamericanas produtoras de carpas capim triplóides, com o auxílio do aparelho Coulter Counter Channelyzer, que é caro, porém bastante eficiente e rápido. Um quarto método consiste na determinação do conteúdo de DNA do núcleo dos eritrócitos por citofotometria de fluxo. Um quinto método utiliza a coloração pelo nitrato de prata de um esfregaço de sangue e contagem do número máximo de nucléolos existentes nos núcleos dos eritrócitos.' Uma sexta técnica é usar a eletroforese.

2.1 Triplóides Puros e Híbridos

A produção de triplóides é o tipo de manipulação cromossômica mais familiar na área

de piscicultura. 0 interesse que os triplóides despertam se deve a duas características que potencialmente eles podem apresentar: maior crescimento que os diplóides e esterilidade (Tabela 1).

Os dois tipos de triplóides mais usados em piscicultura são os puros e os híbridos. Os triplóides puros, também chamados de autotriplóides e triplóides intraespecíficos, são formados por três conjuntos haplóides de cromossomos provenientes de uma mesma espécie. Os triplóides híbridos, também designados como autotriplóides ou triplóides interespecíficos, são formados por dois lotes haplóides de cromossomos de uma determinada espécie e por um outro lote de outra espécie.

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Tabela 1 - Tipos de biotecnologias genéticas aplicadas à piscicultura 7.20,22,23

Tipo de Biotecnologia Produtos Obtidos Aplicações em Piscicultura

1. TRIPLOIDIA PURA Linhagens estéreis Controle da reprodução Linhagens com maior sobrevivência e crescimento

2. TRIPLOIDIA HÍBRIDA Linhagens híbridas estéreis

Controle da reprodução Linhagens com maior sobrevivência e crescimento e resistência a doenças.

3. TETRAPLOIDIA Gametas diplóides Obtenção de linhagens triplóides interplóides

4. HAPLOIDIA Linhagens haplóides Produção de ginogenéticas e/ou androgenéticas haplóides

5. GINOGÊNESE Linhagens ginogenéticas

Produção de linhagens monossexuais de fêmeas para casos de determinação do sexo tipo XX/XY Produção de linhagens altamente endocruzadas Identificação de sistemas de determinação do sexo

6. ANDROGÊNESE Linhagens androgenéticas

Produção de supermachos Produção de linhagens altamente endocruzadas Criopreservação do germoplasma

7.REVERSÃO Linhagens de neomachos e neofêmeas

Produção de linhagens revertidas Produção de supermachos e superfêmeas; Identificação de sistemas de determinação do sexo

8.DNA RECOMBINANTE Linhagens transgênicas

Linhagens com características vantajosas codificadas pelo DNA transplantado

1) Produção de triplóides - Os triplóides são obtidos da seguinte maneira: logo

após a fertilização comum, os ovos são submetidos a choque térmico ou hiperbárico (Tabela 2). Lembremos que, por ocasião da desova, os peixes do sexo feminino eliminam o que comumente se costuma chamar de "ovas" ou "óvulos", mas que na realidade são ovócitos de segunda ordem. Doravante, por motivo de simplificação, designaremos de "óvulos" aos ovócitos de segunda ordem, Estes "óvulos" eliminam o segundo corpúsculo polar somente após terem sido fertilizados. Porém, se um "óvulo" recém-fertilizado for submetido a um choque térmico ou hiperbárico, o segundo corpúsculo polar não será eliminado. Como conseqüência, o ovo resultante irá conter três núcleos haplóides: um que é o núcleo feminino do "óvulo", outro que é o núcleo masculino proveniente do espermatozóide, e um outro que é o núcleo do segundo corpúsculo polar. Os três núcleos haplóides se fundem para formar um zigoto triplóide que, por sua vez, produzirá um peixe triplóide.

2) Como otimizara produção de triplóides- A maioria dos pesquisadores e piscicultores usa choques de temperatura ou de pressão. Os choques químicos são pouco usados, porque produzem um grande número de "mosaicos" (peixes que contêm células com vários graus de ploidia). Os choques térmicos são os mais usados em pisciculturas comerciais porque são os operacional mente mais fáceis de aplicação, mais baratos em termos de aparelhagem e produtos químicos usados e mais seguros. A temperatura exata e a duração do choque térmico que são necessários para a produção de triplóides devem ser estabelecidas inicialmente por tentativa e erro. As temperaturas quentes ou frias ótimas são aquelas situadas alguns graus acima ou abaixo das

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temperaturas letais inferiores ou superiores para uma determinada espécie. Logo, a primeira etapa para se otimizar a produção de triplóides seria a determinação dos limiares letais para as temperaturas quentes e frias. 0 tempo exato em que o choque deve começar e terminar depende do tempo após a fertilização, no decorrer do qual o segundo corpúsculo polar é eliminado. 0 choque deve começar antes do evento da eliminação e continuar por tempo suficiente ate que seja improvável a extrusão do segundo corpúsculo polar. Por exemplo, em ensaios realizados no Brasil para a produção de triplóides puros de carpa comum, cerca de 10 minutos após a fertilização, os ovos foram tratados a O°C ± 0,2 durante 30 minutos, resultando na produção de 94,7% de triplóides 12 . Estes valores usados para a produção de triplóides já foram otimizados para algumas espécies usadas na piscicultura brasileira (Tabela 2)3,12,23.

Tabela 2 -Valores otimizados para indução de triploidia por choques térmicos em

algumas espécies usadas na piscicultura brasileira

Espécie Início do choque

(minutos)

Temperatura do choque

(ºC)

Duração do choque

(minutos)

Freqüência de triplóides

(%)

Taxa de eclosão

(%) Bagre africano 4 5 40 8-100 9-40 Bagre do canal 5 5 60 100 79 Carpa capim 4 42 1 67 72 Carpa comum 10 0-0,2 30 95 52 Tambaqui 2 39 3 12 82 Tilápia do Nilo 7 9 30 100 86 Truta arco-iris 25 26 20 100 87

Certos especialistas acreditam que as espécies de peixes que historicamente

vivem em águas frias (por exemplo, truta arco-íris e outros salmonídeos) respondem melhor a choques térmicos quentes moderados (entre 26ºC e 29ºC), e, ao contrário, em espécies provenientes de águas quentes (tais como as carpas comum e chinesas, bagres do canal e africano e a maioria das espécies neotropicais), os choques frios fortes (abaixo de 4ºC) ou moderados (entre 5ºC e 15ºC) parecem ser mais efetivos na indução de triploidia. Este tipo de generalização não é aceito por outros especialistas, tendo em vista os excelentes desempenhos obtidos com choques quentes fortes (pouco acima de 40ºC) em espécies de águas quentes (tais como tilápias e carpas) e também o sucesso de choques frios bastante fortes (pouco abaixo de OºC) na indução de triploidia em salmonídeos.

3) Reconhecimento dos triplóides - Em relação à morfologia externa, os triplóides puros e os diplóides geralmente não apresentam diferenças significativas. Em nível celular é que se encontram as diferenças mais marcantes, pois o tamanho dos núcleos e das células dos triplóides é cerca de um terço maior do que os dos diplóides. A maneira mais fácil para identificar triplóides de peixes é através das medidas dos eixos maiores dos eritrócitos em esfregaços de sangue corados por Giemsa. Outro procedimento é a contagem do número máximo de nucléolos nos eritrócitos, evidenciados após coloração com nitrato de prata. 0 método mais direto para identificar os triplóides puros é o exame do número cromossômico. Por exemplo, em trabalho realizado no Brasil12 foi possível distinguir claramente carpas comuns triplóides (eixo maior dos eritrócitos = 8,23 ± 0,50 µm; número máximo de nucléolos = 3; número de cromossomos 3n = 150) das diplóides (4,76 ± 0,25 µm; número máximo de nucléolos = 2; número de cromossomos 2n = 100). Existem métodos mais sofisticados para a identificação de triplóides, tais como estimativas do conteúdo de DNA nuclear por citofotometria e volume celular dos eritrócitos por sistemas automatizados como o "Coulter Counter Channelyzer", que é bastante eficiente porém de custo elevado, como já mencionado.

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4) Esterilidade, crescimento e sobrevivência - 0 interesse que os triplóides têm despertado na piscicultura devese a dois tipos de expectativa: a de que apresentem maior crescimento em peso e comprimento e a de que sejam estéreis. Sob o aspecto teórico, espera-se que os triplóides sejam maiores do que os diplóides porque suas células contêm 33% mais informação genética para o crescimento; além disso, por serem estéreis, os triplóides não gastariam energia para a produção de gônadas e gametas, para a corte, reprodução e cuidados à prole.

Quanto ao crescimento, tem-se verificado, de u ma maneira geral, que diplóides e triplóides crescem igualmente até o início da idade da primeira maturação. Durante o período de maturação sexual os diplóides de ambos os sexos sofrem uma parada no crescimento, concentrando suas energias no desenvolvimento das gônadas; entretanto, as fêmeas triplóides, não formando gônadas normais, continuam crescendo em peso e comprimento e acabam por superar as fêmeas diplóides em 5% a 20% ao final do período de maturação. De fato, as fêmeas triplóides apresentam somente gônadas residuais e níveis de hormônios sexuais semelhantes aos das diplóides jovens. Os machos triplóides, entretanto, apresentam um considerável desenvolvimento gonadal, níveis de hormônios sexuais semelhantes ao dos diplóides adultos, mostram características sexuais secundárias e apresentam comportamentos de corte. Chegam também a produzir quantidade limitada de sêmen bastante fluido, com poucos espermatozóides móveis que, quando usados experimentalmente em fecundações artificiais, produzem abortos precoces, mostrando ser pouco provável que machos triplóides venham a produzir descendência normal e fértil.

Logo, as fêmeas triplóides não são maiores que as diplóides devido a seu grau de ploidia, mas porque apresentam esterilidade gonádica. Conseqüentemente, a produção de linhagens monossexuais de fêmeas triplóides parece ser a mais interessante em programas de piscicultura que tenham por objetivo a obtenção de peixes maiores, cujos tamanhos comerciais ultrapassem a fase de maturação sexual.

Os triplóides puros usualmente apresentam uma taxa de sobrevivência menor (entre 40% e 95%) do que a dos diplóides nas etapas iniciais do desenvolvimento7 . As informações até o momento disponíveis não permitem afirmar qual seria a principal causa do aumento da mortalidade dos triplóides. Admite-se que poderiam ser três as possíveis causas: a) efeito deletério dos choques térmicos sobre as proteínas fibrilares constituintes do fuso meiótico e eventualmente também sobre o citoesqueleto celular; b) a consangüinidade parcial, devida ao fato de os triplóides apresentarem em geral dois genomas femininos; c) o efeito da própria triploidia, em especial sobre o tamanho das células. Duas maneiras têm sido usadas com sucesso para atenuar o problema da mortalidade precoce dos triplóides puros. Um caminho, desenvolvido apenas experimentalmente, mas ainda não inserido na rotina das pisciculturas, consiste em se obter linhagens tetraplóides e cruzá-las com diplóides para se obter triplóides, que são chamados de triplóides interplóides22 ; estes interplóides apresentam taxas de sobrevivência e crescimento semelhantes às dos diplóides 7. Outra maneira que vem sendo usada em piscicultura e a produção de triplóides híbridos, cujas taxas de sobrevivência e resistência a doenças geralmente superam as dos diplóides híbridos.

5) Uso de triplóides em programas de piscicultura - A produção de triplóides constitui um excelente caminho para se utilizar peixes exóticos em programas de piscicultura, minimizando assim possíveis problemas adversos de impacto ambiental.

A carpa capim é uma espécie exótica na qual as possibilidades dos triplóides vêm sendo testadas há alguns anos. Esse peixe herbívoro, originário da China, foi introduzido nos EUA em 1963 e, desde então, vem sendo usado no controle biológico da vegetação aquática. Em muitos estados norte-americanos, foi banida a entrada da carpa capim, porque havia o receio de esta espécie escapar dos tanques de cultivo, reproduzir-se na natureza e prejudicar de algum modo as espécies nativas. A primeira possibilidade para

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se evitar a reprodução da carpa capim surgiu quando, em 1978, se verificou que a progênie híbrida F1 entre fêmeas de carpa capim e machos de carpa cabeça grande era formada por triplóides. Ensaios realizados em 1995 no CEPTA/IBAMA, Pirassununga-SP, com estoques brasileiros dessas duas espécies de carpa, possibilitaram também a obtenção de cerca de 100% de triplóides híbridos. Como os híbridos recebem dois lotes cromossômicos do genoma materno, essas linhagens apresentam a maioria das características de carpa capim e são mais vigorosas do que os diplóides híbridos. Em 1983 conseguiu-se a produção de triplóides puros de carpa capim, com eficiência de 98%. A vantagem apresentada por essas novas linhagens de triplóides puros é a de que consomem biomassa de vegetação aquática igual à dos diplóides normais e de 3 a 4 vezes maior do que os triplóides híbridos. Os triplóides puros, devido à sua maior capacidade de se alimentar de vegetação aquática e pelo fato de apresentarem tipo de esterilidade equivalente à dos triplóides híbridos, têm sido os preferidos ultimamente em projetos de piscicultura voltados para a área de controle da vegetação aquática em lagos e reservatórios.

Tabela 3 -Esquemas gerais dos protocolos para a produção de linhagens de peixe poliplóides, ginogenéticos e androgenéticos

1. Produção de Linhagens Poliplóides

CTP TRIPLÓIDES ESPERMATOZÓIDES + ÓVULOS OVOS CHT TETRAPLÓIDES

2. Produção de Linhagens Ginogenéticas e Androgenéticas CTP GINOGENÉTICOS MEIÓTICOS - Espermatozóides + Óvulos OVOS inativados por UV CHT GINOGENÉTICOS MITÓTICOS

- ESPERMATOZÓIDES + ÓVULOS OVOS inativados por Co CHT ANDROGENÉTICOS

CTP = choque térmico precoce; CHT = choque hiperbárico tardio; UV = fonte de ultravioleta; Co = fonte de cobalto

Os triplóides de carpa capim tratados hormonalmente para a indução das fases

finais da gametogênese mostraram que praticamente todo o esperma produzido é anormal; a probabilidade de que um macho triplóide possa produzir descendência fértil é tão remota que os triplóides de carpa capim podem ser considerados estéreis para propósitos operacionais de manejo em piscicultura.

A maioria dos estados norte-americanos somente permite a entrada de linhagens 100% triplóides em seus territórios. Devido a essa exigência, é necessário verificar o nível de ploidia de cada lote de carpa capim a ser usado. Portanto, o controle de qualidade é absolutamente necessário neste tipo de agroindústria, o que aumenta os custos de produção, mas diminui sensivelmente os riscos ecológicos. Por exemplo, para se ter certeza de que todos os exemplares de carpa capim são triplóides, o nível de ploidia de cada exemplar deve ser determinado antes de os mesmos serem legalmente estocados

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na natureza. Isso aumenta o custo da carpa capim triplóide em cerca de 400% em relação às linhagens diplóides.

Muitos pesquisadores gostariam de produzir triplóides de algumas espécies importantes para o cultivo, tal como as tilápias, para eliminar a reprodução precoce que ocorre ainda durante a fase de crescimento destas espécies de peixes. Um pré-requisito importante para que esse tipo de biotecnologia seja efetivo e prático numa escala comercial é que a desova possa ser facilmente induzida e que uma grande quantidade de "óvulos" possa ser facilmente obtida. Algumas espécies, tais como as tilápias, são pouco fecundas e se reproduzem de maneira continuada porém assincrônica. A combinação destes fatores resulta em que dezenas de milhares de animais reprodutores teriam que ser manuseados anualmente para a produção de "óvulos" suficientes para um sistema de larga escala. Portanto, seria impraticável basear a piscicultura comercial da tilápia, ou de espécies de peixes com características reprodutivas semelhantes, na produção continuada de triplóides.

A possibilidade de se utilizar triplóides no controle populacional de espécies de peixes "não desejáveis" em determinados ecossistemas abre perspectivas que precisam ser cuidadosamente pré-testadas em condições experimentais. Por exemplo, em princípio, existiria a possibilidade de serem usados machos triplóides do tucunaré no Pantanal Mato-grossense para se tentar o controle populacional desta espécie que é proveniente da Bacia Amazônica, caso ficasse documentado que esses machos triplóides se cruzam com fêmeas.diplóides normais e produzem descendência inviável. Esta proposta aqui apresentada, e por nós anteriormente Já mencionada e discutida em dois encontros técnico-científicos realizados em Pirassununga-SP e em Campo Grande-MS em 1995, deveria ser obrigatoriamente pré-testada em sistemas fechados de estações de piscicultura apropriadas. Em primeiro lugar, seria necessário produzir os triplóides de tucunaré, e a seguir testar o comportamento reprodutivo dos triplóides adultos. Deste modo seria possível responder a uma série de perguntas, tais como: os machos triplóides de tucunaré desenvolvem ou não gônadas maduras? Será que esses machos triplóides irão apresentar comportamento de corte e “espermiar" naturalmente? Caso os machos triplóides fertilizem os "óvulos" das fêmeas diplóides normais, serão ou não formados embriões? Estes embriões morrem ou não logo nos primeiros estádios de desenvolvimento? 0 tamanho populacional dos estoques de tucunarés diplóides normais diminui ou não nos tanques-teste, quando neles são introduzidos machos de tucunarés triplóides?

2.2 Haplóides e Tetraplóides

1) Haplóides - São organismos que apresentam somente um lote de

cromossomos. Como possuem um único conjunto cromossômico, qualquer gene com efeito detrimental irá se manifestar e, como tal, é pouco provável que a maioria dos haplóides sobreviva durante muito tempo. De fato, dados da literatura têm mostrado que haplóides, produzidos em cerca de sete espécies de peixes para propósitos experimentais, têm mostrado baixa sobrevivência 7.

Há dois caminhos para se produzirem haplóides e ambos envolvem a destruição do material genético de um dos parentais. Um dos modos consiste em fertilizar os "óvulos" com espermatozóides que tenham tido seu material genético destruído por raios X, raios gama, produtos químicos ou radiação UV. A radiação UV é provavelmente o melhor método para destruir o DNA dos espermatozóides, porque outras técnicas podem deixar fragmentos cromossômicos viáveis, que podem contribuir para a produção de indivíduos diplóides parciais ou que apresentem redução na taxa de sobrevivência. Além disso, a radiação UV é mais barata e mais segura que os demais tipos. Os espermatozóides tratados com UV ainda permanecem móveis e aptos para fertilizarem e

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ativarem os "óvulos". Uma vez ativados, os "óvulos" iniciam o desenvolvimento embrionário, mesmo que o espermatozóide fecundante não mais transporte genes funcionais. Como o espermatozóide inativado com UV não contribui com material genético, os alelos contidos no núcleo haplóide do "óvulo" serão os únicos a fazerem parte do núcleo do "zigoto". Os embriões assim produzidos são ginogenéticos haplóides, porque todo o material genético é de proveniência materna.

Um segundo modo de produzir haplóides é destruir o material genético dos "óvulos" com raios X ou raios gama e fertilizar esses "óvulos" com espermatozóides normais. Como o núcleo haplóide do espermatozóide será a única contribuição para o genoma do "zigoto", o embrião será haplóide. Nesse caso, o embrião será androgenético haplóide, porque o material genético será proveniente exclusivamente do parental paterno.

As linhagens de peixes haplóides são interessantes porque possibilitam aos pesquisadores estudar certos processos genéticos durante a embriogênese. Sob o ponto de vista prático, é bastante importante conhecer como produzir haplóides, porque constituem o primeiro passo para a produção de peixes ginogenéticos e androgenéticos diplóides.

2) Tetraplóides - Os tetraplóides apresentam quatro conjuntos haplóides de cromossomos em lugar dos dois lotes normais. Os tetraplóides podem ser produzidos geralmente por um choque hiperbárico tardio, que bloqueia a primeira divisão mitótica de um zigoto diplóide (Tabela 2). Desse modo, foram produzidos em 1984 salmonídeos tetraplóides de primeira geração, que mostraram taxas de eclosão variando entre 5% e 80%, e taxas de sobrevivência e crescimento bastante baixas7,23.

0 interesse potencial dos tetraplóides em projetos de piscicultura e que podem ser usados para a produção de triplóides interplóides estéreis; desse modo ficaria eliminada a necessidade de produzir triplóides pelos métodos convencionais de choques térmicos precoces. Assim, cruzando-se linhagens tetraplóides com diplóides, produz-se descendência chamada de triplóide interplóide. 0 tipo de cruzamento mais conveniente seria usar como parentais fêmeas tetraplóides e não machos tetraplóides, porque as micrópilas dos "óvulos" de fêmeas diplóides não apresentam diâmetro suficiente para receber os espermatozóides produzidos pelos machos tetraplóides, uma vez que esses espermatozóides serão diplóides. Uma vez produzidas, as linhagens tetraplóides podem ser autoperpetuadas via intercruzamentos, evitando-se assim terem de ser continuamente produzidas. Em 1986, uma primeira geração de tetraplóides foi intercruzada e obteve-se a segunda geração de tetraplóides, que apresentou taxas de sobrevivência e crescimento apenas satisfatórias7,23. Os machos tetraplóides também têm mostrado capacidade de fertilização reduzida, em relação aos machos diplóides, aparentemente porque seus espermatozóides maiores apresentam dificuldade de penetração nas micrópilas dos "óvulos" normais. Atualmente, a tecnologia de tetraploidia se encontra restrita apenas ao nível experimental, não tendo sido ainda incluída na rotina de projetos de piscicultura. Somente trabalhos futuros dirão sobre as reais possibilidades dos tetraplóides na área aplicada.

2.3 Ginogenéticos

As linhagens ginogenéticas apresentam os dois lotes haplóides de cromossomos

provenientes do parental materno. Em espécies de peixes nas quais a determinação do sexo é do tipo XX/XY e as fêmeas são homogaméticas (XX), todos os ginogenéticos serão fêmeas.

Os ginogenéticos têm duas grandes aplicações potenciais em piscicultura: a primeira é o controle da proporção sexual pela produção de linhagens monossexuais de fêmeas e a segunda, a rápida produção de linhagens altamente consangüíneas7,16,23

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1) Produção de ginogenéticos - Há três maneiras principais de produzir linhagens

ginogenéticas. A primeira é ativando os "óvulos" com espermatozóides que tenham tido seu material genético destruído por raios X, raios gama (em geral usando fonte de 60CO) ou radiação UV. A radiação gama tem a vantagem de possuir excelente poder de penetração, o que facilita o tratamento de grandes'quantidades de esperma. No entanto, fragmentos cromossômicos residuais são freqüentemente encontrados na descendência de ginogenéticos após a fertilização com espermatozóides irradiados com radiação gama; como tais fragmentos podem reduzir a sobrevivência dos ginogenéticos, dá-se preferência à inativação dos espermatozóides por UV.

0 procedimento para o tratamento dos espermatozóides por UV é relativamente simples: inicialmente, o esperma é diluído de modo a que possa ser espalhado numa camada bem fina em uma placa de vidro e exposto a uma fonte de UV de uma lâmpada germicida. Grande número de "óvulos" pode ser fertilizado quando colocados diretamente na placa de vidro na qual foi feita a inativação dos espermatozóides. Normalmente, com exposições apropriadas à radiação UV, nenhum fragmento cromossômico paterno permanece nos espermatozóides. É possível que alguns dos peixes produzidos durante o processo acima descrito sejam diplóides normais, visto que também espermatozóides não-inativados podem fertilizar os "óvulos". Para evitar esse tipo de ocorrência, alguns pesquisadores usam espermatozóides de outras espécies que sabe-se, produzem embriões híbridos não-viáveis. Um segundo modo para se confirmar a não-transmissão do genoma do parental paterno é usar esperma de doadores que sejam homozigotos para genes marcadores dominantes. Por exemplo, espermatozóides de truta arco-íris pigmentada homozigota podem ser usados para ativar "óvulos" de fêmeas albinas; nesse caso, toda a descendência Albina será ginogenética, enquanto a descendência normalmente pigmentada será diplóide normal. Logo após a ativação, os "óvulos" são submetidos a choques precoces para impedir a eliminação do segundo corpúsculo polar (Tabela 3). Os ovos assim produzidos conterão dois núcleos haplóides: o núcleo do "óvulo" e o núcleo do segundo corpúsculo polar; os dois núcleos se fundem para formar um núcleo diplóide contendo os dois conjuntos de cromossomos originários do parental materno.

Uma segunda técnica para produzir ginogenéticos começa do mesmo modo que a anterior: numa primeira etapa, os "óvulos" são ativados por espermatozóides que tiveram seu material genético destruído por radiação. Assim, serão produzidos ginogenéticos haplóides. Quando o zigoto haplóide inicia a primeira clivagem, é dado um choque tardio que bloqueia a primeira divisão mitótica. Desse modo, os dois núcleos haplóides se fundem e formam um zigoto diplóide, com dois lotes cromossômicos provenientes do parental materno.

Os ginogenéticos produzidos pela supressão da primeira clivagem (chamados de ginogenéticos mitóticos) são homozigotos para todos os seus locos e apresentam 100% de consangüinidade. A maioria desses tipos de ginogenéticos apresenta baixas taxas de sobrevivência (ao redor de 1,5%), devido à expressão dos genes detrimentais recessivos que podem existir em maior ou menor quantidade nessas linhagens. Os ginogenéticos produzidos pelo bloqueio da eliminação do segundo corpúsculo polar (chamados de ginogenéticos meióticos) são, por definição, altamente consangüíneos, porém apresentam certo nível de heterozigose devido à ocorrência de permuta durante a meiose. Na literatura não há uma concordância geral a respeito dos níveis exatos de consangüinidade apresentados pelos ginogenéticos meióticos; segundo certos autores os níveis de consangüinidade seriam ao redor de 45% e 65%, e segundo outros entre 33% e 100%.

Uma terceira biotecnologia que pode ser usada para produzir ginogenéticos consiste em fertilizar "óvulos" de fêmeas tetraplóides com espermatozóides cujo DNA tenha sido inativado por radiação. Como as fêmeas tetraplóides produzem "óvulos"

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diplóides, não há necessidade de os "óvulos" serem submetidos a choques precoces para a produção de complemento cromossômico diplóide. Em 1988, linhagens ginogenéticas de truta arco-íris foram produzidas por meio dessa técnica. Embora esses tipos de ginogenéticos sejam consangüíneos por definição, devem apresentar níveis consideravelmente maiores de heterozigose do que os ginogenéticos produzidos a partir de parentais maternos diplóides. De fato, tem-se verificado na literatura que esse tipo de ginogenético apresenta pouca redução nos níveis de heterozigose.

2) Controle da proporção sexual- Um dos interesses da ginogênese em piscicultura é a possibilidade de produção de linhagens monossexuais de fêmeas. A produção de linhagens ginogenéticas poderia constituir potencialmente um caminho para o controle da reprodução. Entretanto, a ginogênese apresenta várias desvantagens quando proposta em projetos de piscicultura visando ao controle da reprodução. Um dos problemas é que os ginogenéticos são altamente consangüíneos. Se, por um lado, é uma grande vantagem dispor de diferentes linhagens consangüíneas para serem intercruzadas, seguindo-se o mesmo padrão de procedimento genético usado para a obtenção do milho híbrido, por outro lado é desvantajoso no caso em que os peixes ginogenéticos tenham que ser soltos na natureza, pois apresentam taxas de sobrevivência substancialmente menores do que as dos peixes normais. Um segundo problema relativo ao uso da ginogênese para finalidades de controle populacional é que, embora a descendência dos ginogenéticos possa ser unissexual, ainda permanece fértil. Portanto, a introdução acidental ou produção ocasional de machos em um projeto de ginogênese para controle populacional pode levar ao estabelecimento de uma população não desejável. Logo, em projetos para o controle da reprodução, parece ser preferível a utilização da esterilidade por triploidia induzida ou por tratamentos hormonais do que a monossexagem por ginogênese. No entanto, a ginogênese pode ser bastante útil na produção indireta de linhagens monossexuais de fêmeas. Nesses tipos de programas, uma linhagem ginogenética constituída somente por fêmeas pode ser tratada hormonalmente e revertida sexualmente em machos funcionais. Como os peixes resultantes serão geneticamente fêmeas e funcionalmente machos, quando cruzados com fêmeas normais irão produzir descendência constituída somente por fêmeas. Este tópico será retomado em detalhe no item 3- Reversão Sexual em Peixes do presente trabalho.

3) Linhagens consangüíneas - Na área de pesquisa ictiogenética, verifica-se que a aplicação da ginogênese para a produção de linhagens consangüíneas torna-se cada vez mais importante; porém, as possibilidades de aplicação prática da ginogênese no manejo genético em projetos de piscicultura são ainda muito incertas, embora bastante promissoras.

Em certas espécies de peixes, tais como a truta arco-íris, os estoques cultivados apresentam uma grande similaridade genética, como sugerem os estudos efetuados com auxílio dos marcadores genético-bioquímicos. Nessas condições é pouco provável que cruzamentos entre estoques muito pouco diferentes sob o aspecto genético dêem lugar a fenômenos de heterose ou vigor híbrido, em que o desempenho das progênies seja superior ao melhor estoque parental. Para casos como estes, uma das idéias dos geneticistas tem sido criar linhagens biologicamente bastante distintas. Um dos caminhos clássicos é o da consangüinidade, que possibilitaria, teoricamente, obterem-se as chamadas linhagens "puras", nas quais os indivíduos seriam, em princípio, geneticamente muito semelhantes entre si. Sob esse aspecto, o ponto mais interessante a se considerar é o de que duas linhagens consangüíneas seriam, em média, bastante mais diversificadas geneticamente do que duas outras não-consangüíneas. Portanto, cruzando-se duas linhagens consangüíneas diferentes, poder-se-ia esperar o aparecimento do fenômeno da heterose. Por este método, obteve-se o milho híbrido, que mais do que triplicou a produção deste cereal nos EUA após 1960.

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Para se obterem linhagens altamente consangüíneas nos animais, o procedimento clássico consiste em cruzamentos entre irmãs e irmãos inteiros, que são repetidos ao longo de gerações sucessivas. Esta forma de consangüinidade programada tem se mostrado muito eficiente na produção de linhagens "puras" de camundongos usados em laboratório. Ocorre, porém, que o intervalo entre duas gerações sucessivas, sendo bastante maior nos peixes cultivados do que nos camundongos, demandaria um mínimo de vinte anos de trabalho. A saída para tornar este método mais promissor tem sido a obtenção mais rápida de peixes altamente consangüíneos via ginogênese. Na prática, há vários obstáculos para se usar rotineiramente a ginogênese em programas de piscicultura. Um dos principais problemas é que as tecnologias de ginogênese são mais complicadas que os esquemas clássicos de cruzamentos entre irmãos; outro problema sério é que a ginogênese mitótica maximiza tanto os níveis de consangüinidade em 100% em uma única geração, como também maximiza as taxas de mortalidade e de anomalias. Um caminho alternativo que vem sendo adotado é um aumento gradual da consangüinidade das linhagens: para isso usa-se a ginogênese por retenção do segundo corpúsculo polar, que resulta em aproximadamente 45% a 65% de consangüinidade por geração, alternada com cruzamentos entre irmãos, que produz 25% de consangüinidade por geração7,6,20. Usando-se este esquema alternativo, a produção de linhagens ginogenéticas já começa a fazer parte da rotina de algumas pisciculturas européias, sendo o caso mais conhecido dos brasileiros o das chamadas carpas húngaras 17 .

4) Identificação de sistemas de determinação do sexo -A produção de linhagens ginogenéticas auxilia na caracterização e distinção de sistemas de determinação do sexo em espécies de peixes em que a fêmea seja homogamética ou heterogamética. Quando a fêmea for homogamética, a ginogênese irá produzir somente fêmeas; quando a fêmea for heterogamética a ginogênese irá produzir números iguais de machos e fêmeas. Estes tipos de resultados não provam em definitivo qual seria o sistema de determinação do sexo na espécie testada; mas, devido ao fato de os sistemas XX/XY (igual ao de mamíferos) e ZZ/ZW (igual ao de aves) serem os mais comuns dentre os nove mecanismos de determinação do sexo existentes em peixes, a ocorrência de ginogenéticos constituídos somente por fêmeas sugere que a espécie em questão apresente o sistema XX/XY, enquanto que a ocorrência de 50% de machos e 50% de fêmeas sugere que a espécie em teste apresente o sistema ZZ/ZW.

2.4 Androgenéticos

Os androgenéticos são linhagens de peixes que apresentam unicamente o

genoma paterno. 1) Produção de androgenéticos - As linhagens androgenéticas podem ser

produzidas por dois métodos; o mais comumente usado consiste em fecundar um "óvulo", cujo material genético tenha sido destruído por raios X ou raios gama, com um espermatozóide normal. Deste processo resulta um androgenético haplóide. Quando o zigoto androgenético haplóide vai sofrer a primeira clivagem mitótica, é dado um choque hiperbárico tardio para impedir a divisão celular, e os dois núcleos haplóides se fundem para formar um núcleo diplóide (Tabela 3). Todos os cromossomos do peixe androgenético provêm do parental paterno, e os animais assim produzidos são altamente consangüíneos. Como o complemento cromossômico diplóide provém de um único lote que se autoduplicou, os níveis de homozigose e de consangüinidade são ambos da ordem de 100%. Essas linhagens androgenéticas apresentam taxas de sobrevivência ao redor de 5%, devido à expressão dos alelos recessivos detrimentais7.

Uma segunda técnica, que pode ser usada para a produção de androgenéticos, consta em fertilizar os "óvulos", cujo material genético tenha sido destruído por radiação, com espermatozóides de machos tetraplóides. Como se sabe, os machos tetraplóides

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produzem espermatozóides diplóides e, assim,os zigotos resultantes seriam diplóides. Desse modo, em 1990 foram produzidas nos EUA trutas arco-íris androgenéticas23.

2) Androgenéticos e supermachos - Nos casos em que os androgenéticos sobrevivem até o período de primeira maturação sexual, é possível usá-los para a produção de supermachos (YY), nas espécies cujos sistemas de determinação do sexo sejam do tipo XX/XY. Nestes casos os machos são heterogaméticos, de modo que metade dos androgenéticos produzidos será de supermachos.

3) Androgênese e conservação genética - Os androgenéticos apresentam uma aplicação potencial bastante interessante na área de manutenção do germoplasma e conservação de espécies de peixes em perigo de extinção. Através da androgênese, pode-se recuperar o material genético de espécies cujas amostras de esperma tenham sido criopreservadas em bancos de germoplasma. Como atualmente a tecnologia para preservação de "óvulos" de peixes ainda não é satisfatória, a única via prática para a estocagem e recuperação genética na área ictiológica é fertilizar "óvulos" recém-obtidos com esperma criopreservado. Usando-se a androgênese, o genoma de espermatozóides criopreservados pode ser recuperado, mesmo que a espécie venha a se extinguir. Este tipo de abordagem não é geneticamente completo, porque o DNA mitocondrial, que é herdado por via materna, não poderá ser recuperado por androgênese 3,6.

3. REVERSAO SEXUAL EM PEIXES

A manipulação de gametas, ovos e embriões podem ser realizados com maior

facilidade em peixes do que em outros animais, porque esse grupo geralmente apresenta fecundação e desenvolvimento externos. Valendo-se do desenvolvimento externo dos peixes, os geneticistas e piscicultores conseguem controlar o sexo fisiológico desse grupo de animais através da adição de hormônios esteróides anabolizantes no seu alimento ou na água em que vivem. A razão pela qual é possível controlar o sexo fisiológico dos peixes é que, enquanto o sexo genético é determinado por ocasião da fecundação, o sexo fisiológico não é. Durante o início da embriogênese, um embrião de peixe não é nem macho nem fêmea, porque não possui ovários, testículos ou outras características associadas aos sistemas reprodutores. Ao contrário, um embrião de peixe possui precursores embriológicos de ovários e testículos (células germinativas primordiais) e, nesse estádio, um embrião é "totipotente" porque pode se desenvolver em um macho ou em uma fêmea. Em um determinado momento específico durante o desenvolvimento embriológico (momento que é diferente para cada espécie), um sinal químico originado de um gene ou de um conjunto de genes “informa" ao tecido totipotente em que direção se desenvolver. Uma vez que isso ocorra e o tecido pré-gonadal complete seu desenvolvimento, o peixe se torna fisiologicamente macho ou fêmea. Após essa etapa, não é mais possível alterar o sexo fisiológico, exceto por técnicas radicais, tais como a cirurgia gonadal, que têm mostrado pouco sucesso.

Há um pequeno espaço de tempo, que varia de espécie para espécie, durante o qual o sexo fisiológico pode ser alterado. Se um peixe ingere ou absorve esteróides anabolizantes durante esse período, o esteróide pode interferir diretamente no desenvolvimento das células totipotentes. Esta tecnologia tem sido bastante pesquisada nos últimos vinte anos e vem sendo rotineiramente aplicada em programas de piscicultura envolvendo, por exemplo, tilápias, salmonídeos e ciprinídeos.

3.1 Linhagens Revertidas Monossexuais

1) Produção de linhagens monossexuais em uma etapa - Para se alterar em uma

única etapa o sexo fisiológico de peixes, as larvas e alevinos devem ser, ou alimentados com ração contendo andrógenos (hormônios masculinos) ou estrógenos (hormônios

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femininos), ou mantidos por certo tempo em água contendo concentrações diluídas desses mesmos hormônios. As dosagens exatas de hormônios e os tempos durante os quais 'devem ser administrados são fatores importantes no sucesso dos programas de reversão sexual em peixes 20,31.

0 procedimento de reversão sexual em uma única etapa tem sido bastante usado na piscicultura das tilápias (Tabela 4). Uma das principais metas no cultivo de tilápias tem sido produzir linhagens monossexuais de machos com a finalidade de impedir a reprodução precoce e descartar as fêmeas que crescem mais devagar que do os machos. Para essa finalidade, as larvas de tilápia do Nilo por exemplo, são alimentadas com ração contendo 40 mg de 117-alfa-metiltestosterona/ kg de dieta durante um período de 60 dias. Essa dosagem usualmente reverte 100% das fêmeas em machos.

Tabela 4 -Esquema geral do protocolo para a produção direta de linhagens revertidas

de machos ou fêmeas em peixes com determinação do sexo tipo XX/XY

ETAPA ÚNICA: Produção direta de linhagens revertidas FASE DE VIDA Larvas Indiferenciadas ⊥ TIPO DE ESTERÓIDE ANDRÓGENOS ESTRÓGENOS ↓ ↓ SEXO FISIOLÓGICO MACHOS FÊMEAS SEXO GENÉTICO MACHOS REVERTIDOS FÊMEAS REVERTIDAS ou NEOMACHOS (XX) ou NEOFÊMEAS (XY) MACHOS NORMAIS (XY) FÊMEAS NORMAIS (XX)

Nas pisciculturas de truta arco-íris, onde uma das finalidades seria produzir

populações monossexuais de fêmeas, as larvas indiferenciadas são alimentadas com ração contendo 20 mg de 17-beta-estradiol/kg de dieta durante um período de 40 dias, obtendo-se normalmente 100% de fêmeas revertidas.

0 consumo de peixes revertidos sexualmente por administração de esteróides anabólicos pode levantar uma série de questões na área de saúde pública, conforme deverá ser discutido mais detalhadamente no item 6 - Riscos Potenciais de Linhagens de Peixes Geneticamente Manipulados, do presente trabalho. Este tipo de problema pode ser contornado, em parte, pela incorporação do processo de reversão sexual em programas de piscicultura que possibilitem a produção de linhagens monossexuais de fêmeas para espécies com sistema de determinação do sexo tipo XX/XY e de linhagens monossexuais de machos, para espécies com sistema de determinação do sexo tipo ZZ/ZW.

2) Produção de linhagens monossexuais de fêmeas em duas etapas - É relativamente fácil obter matrizes que sejam capazes de produzir linhagens constituídas somente de fêmeas em espécies de peixes que possuem o sistema de determinação do sexo tipo XX/XY. Nesse caso, são usados andrógenos para produzir neornachos XX (Tabela 5).

Numa primeira etapa, as larvas sexualmente indiferenciadas são alimentadas com ração contendo andrógenos ou mantidas em banho de água, também contendo hormônios. Os peixes são criados até que possam ser sexados e, então, são separados em duas categorias: fêmeas, que são descartadas e machos, que são guardados.

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Tabela 5 - Esquema geral do protocolo para a produção de linhagens monossexuais de fêmeas em espécies de peixes com sistema de determinação do sexo tipo XX/XY

1. Etapa: Produção de linhagens de machos revertidos (XX)

- Larvas indiferenciadas → Andrógenos → Machos revertidos (XX) e Machos normais (XY)

2. Etapa de Progênie para identificação dos machos revertidos (XX) - Fêmeas normais (XX) x Machos revertidos (XX) → 100% de Fêmeas normais (XX) - Fêmeas normais (XX) x Machos normais (XY) → 50% de Machos normais (XY) + + 50% de Fêmeas normais (XX)

Guardar Linhagens de Machos Revertidos (XX)

É impossível separar os neomachos ou machos revertidos tipo XX dos machos

normais XY pelo simples exame de características sexuais externas. Assim, numa 29 etapa é necessário realizar um teste de progênie para identificar os machos revertidos, dos normais. Para esta finalidade, são feitos cruzamentos entre casais de fêmeas normais e machos tratados hormonalmente e cada família é criada separadamente até que a descendência possa ser sexada. Caso a descendência se mostre constituída por 50% de fêmeas e 50% de machos, o macho parental é do tipo XY e deve ser descartado. Se, por outro lado, a descendência for constituída somente de fêmeas, então o macho parental testado é um neomacho tipo XX e deve ser mantido, porque são estes tipos de matrizes que servirão para a produção de linhagens monossexuais de fêmeas.

Vários programas em piscicultura têm sido desenvolvidos para a produção de linhagens monossexuais de fêmeas como, por exemplo, em carpa capim, truta arco-íris e salmão do Atlântico. No caso da carpa comum, foram produzidos ginogenéticos revertidos (ginogenéticos em carpa comum são todos fêmeas XX) e criada uma linhagem que produzia somente filhas. Tanto na truta arco-íris como no salmão do Atlântico, não é necessário realizar o teste de progênie, porque os machos revertidos ou neomachos XX apresentam dutos espermáticos incompletos, o que significa que o esperma não pode ser normalmente liberado desses machos, mesmo por compressão abdominal. Devido a isso, o esperma de machos revertidos XX de trutas arco-íris somente pode ser obtido através do sacrifício dos animais. Portanto, os machos de truta arco-íris e de salmão do Atlântico podem ser caracterizados como neomachos (XX) ou como machos normais (XY) pelo exame dos dutos espermáticos.

3) Produção de linhagens monossexuais de machos em duas etapas - Para se obterem matrizes que sejam capazes de produzir linhagens monossexuais de machos em espécies com sistema de determinação do sexo tipo ZZ/ZW, as larvas devem ser revertidas sexualmente com estrógenos. Assim são produzidas linhagens de neofêmeas ZZ. 0 único modo de diferenciar as neofêmeas ZZ de fêmeas normais ZW é através do teste de progênie das fêmeas. As fêmeas normais ZW produzem descendência constituída de 50% de machos e 50% de fêmeas, e devem ser descartadas. Por outro lado, neofêmeas ZZ irão produzir 100% de descendentes machos e serão estas as matrizes que deverão ser guardadas porque são capazes de produzir linhagens monossexuais de machos. Em certos casos, como verificado em tilápias da espécie áurea, algumas fêmeas produzem famílias somente de machos e outras famílias constituídas por machos e hermafroditas. As razoes para o insucesso parcial de programas com esta espécie de tilápia não são completamente conhecidas, mas podem

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ser devidas à contaminação com cromossomos sexuais de outras espécies, em decorrência de hibridação ou introgressão,ou devidas a genes modificadores do sexo.

3.2 Produção de Supermachos

A maioria das espécies utilizadas em piscicultura apresenta sistema de

determinação do sexo tipo XX/XY Nesses casos, a obtenção de linhagens monossexuais de machos pode ser feita através da produção de matrizes de supermachos (machos que são YY em vez de XY). A Tabela 6 apresenta um esquema do roteiro em três etapas, necessário para a produção de supermachos. A primeira etapa deste programa consta de se alimentarem larvas sexualmente indiferenciadas com ração contendo estrógenos, com a finalidade de produzir neofêmeas ou fêmeas revertidas (fêmeas que geneticamente são machos XY, mas que fenotipicamente e fisiologicamente são fêmeas). Quando são sexados, verifica-se que os peixes tratados por hormônios se enquadram em três categorias: machos normais XX, neofêmeas revertidas XY e fêmeas normais XX. Os machos normais XY devem ser descartados porque não serão usados neste tipo de programa. As fêmeas normais XX também não são usadas neste tipo de programa de piscicultura, mas e impossível separá-las das neofêmeas XY examinando-se apenas as características sexuais externas. Portanto, a segunda etapa do programa consta da realização do teste de progênie para identificar as fêmeas revertidas XY e se poder descartar as fêmeas normais XX. Isto é feito pelo cruzamento de cada fêmea com um macho normal e, então, pelo cultivo de cada família em tanques individuais, até que a descendência possa ser sexada. As fêmeas que produzirem descendência constituída por 50% de fêmeas e 50% de machos, são geneticamente XX e devem ser descartadas. Por outro lado, as fêmeas que produzirem 75% de descendentes machos, são neofêmeas XY e devem ser mantidas. No entretanto, neste ponto, as neofêmeas XY são menos importantes do que os 25% de seus descendentes que são supermachos YY, como indicado na Tabela 5 22,31.

Tabela 6 - Esquema geral do protocolo para a produção de supermachos em espécies

de peixes com sistema de determinação do sexo tipo XX/XY

1. Etapa: Produção de linhagens de fêmeas revertidas - Larvas indiferenciadas → Estrógenos → Fêmeas Normais XX + Fêmeas revertidas XY

2. Etapa: Teste de progênie para identificar fêmeas revertidas - Fêmeas revertidas XY x Machos normais XY → 25% Fêmeas normais XX + - +50% Machos normais XY -

3. Etapa: Teste de Progênie para identificar os supermachos - Fêmeas normais XX x Supermachos YY → 100% Machos - Fêmeas normais XX x Machos normais XY → 50% Machos normais XY - + 50% Fêmeas normais XX

Guardar as Linhagens de Supermachos YY Os supermachos são o objeto principal deste tipo de programa de reversão

sexual, porque são as matrizes capazes de produzir descendência constituída somente de machos. Infelizmente é impossível separar machos normais XY e supermachos YY pelo exame das características sexuais externas, de modo que é necessário, numa

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terceira etapa, realizar um teste de progênie para identificar os supermachos, guardar essas linhagens, e descartar as linhagens de Machos normais. As linhagens de machos que produzirem descendência constituída por 50% de fêmeas e 50% de machos devem ser descartadas e aquelas que produzirem 100% de machos devem ser guardadas, porque são constituídas por supermachos, ou seja, são matrizes capazes de produzir descendência formada por 100% de machos, quando cruzadas com fêmeas normais, sem o uso de hormônios anabolizantes.

Programas para a produção de supermachos têm sido levados a efeito, por exemplo, com truta arco-íris, bagre do canal e tilápia do Nilo. As matrizes de supermachos podem ser produzidas também pela combinação das biotecnologias de reversão sexual e ginogênese, conforme esquematizado na Tabela 7 para espécies com sistema de determinação do sexo do tipo XX/XY. Esse procedimento se mostrou bastante satisfatório na produção de linhagens monossexuais de machos de tilápia do Nilo20,22,31.

Tabela 7 - Esquema geral do protocolo para a produção de supermachos combinando

reversão sexual e ginogênese em peixes com o sistema de determinação do sexo tipo XX/XY

1. Etapa: produção de linhagens de fêmeas revertidas XY

- Larvas indiferenciadas → Estrógenos → Fêmeas normais XX + Fêmeas revertidas XY

2. Etapa: produção de supermachos ginogenéticos Fêmeas revertidas XY x Machos normais XY com espermatozóides inativados por UV → Ovos → Choque Térmico Precoce para restaurar a diploidia → 50% Fêmeas ginogenéticas XX + 50% Supermachos ginogenéticos YY Fêmeas normais XX x Machos normais XY com espermatozóides inativados por UV → ovos → Choque Térmico Precoce para restaurar a diploidia → 100% Fêmeas ginogenéticas

Guardar as Linhagens de Supermachos Ginogenéticos YY Um pré-requisito, absolutamente necessário para o sucesso dos programas

produção de supermachos com tilápias, é começar sempre com espécies "puras", porque linhagens resultantes de hibridação ou introgressão, por exemplo, entre tilápia do Nilo (com sistema de determinação do sexo do tipo XX/XY) e tilápia da espécie homorum (com sistema de determinação do sexo do tipo ZZ/ZW), irão apresentar uma mistura de sistemas de determinação do sexo, o que tornará bastante difícil, senão impossível na prática, levar avante qualquer programa bem sucedido de produção de supermachos com tilápias.

3.3 Produção de Superfêmeas

As matrizes de superfêmeas (WW) possibilitam a produção de linhagens

monossexuais de fêmeas em espécies de peixes que apresentam o sistema de determinação do sexo tipo ZZ/ZW.

A primeira etapa'para a produção de superfêmeas consiste na alimentação de larvas sexualmente indiferenciadas com dietas contendo andrógenos, com a finalidade de produzir machos revertidos ZW. Quando os peixes puderem ser sexados, são separados em duas categorias: fêmeas normais ZW, que são descartadas e machos, que são mantidos. Há dois tipos de machos, os neornachos ZW e os machos normais ZZ, os quais são impossíveis de serem separados pelo exame das características sexuais externas.

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Para identificar os machos revertidos ZW, é necessário, numa segunda etapa, realizar o teste de progênie. Os machos que produzem descendência constituída por 50% de fêmeas e 50% de machos são geneticamente ZZ e devem ser descartados e, os que produzem 75% de fêmeas são machos revertidos ZW e devem ser mantidos. Cerca de 25% das fêmeas produzidas por machos revertidos ZW, serão constituídas por superfêmeas WW, que devem ser mantidas, e por cerca de 50% de fêmeas normais ZW, que podem ser descartadas. As matrizes de superfêmeas WW produzem descendência constituída por 100% de fêmeas normais ZW, quando cruzadas com machos normais ZZ. 0 único meio para se diferenciar as superfêmeas das fêmeas normais é realizar numa terceira etapa, um outro teste de progênie. Caso a proporção sexual da descendência desse teste for constituída por 50% de fêmeas e 50% de machos, sabe-se que a parental fêmea é geneticamente normal ZW e deve ser descartada; por outro lado, se toda a descendência do teste for constituída somente por fêmeas, então a parental materna será a matriz superfêmea WW que está sendo procurada e deve ser mantida porque, quando cruzada com machos normais ZZ, produzirá somente uma descendência de fêmeas ZW 23,31.

Poucas espécies importantes para a piscicultura apresentam sistema de determinação do sexo tipo ZZ/ZW, como por exemplo, o bagre africano, a tilápia homorum e a enguia japonesa, porém é pouco provável o interesse na produção comercial de linhagens monossexuais de fêmeas, por exemplo, no caso das tilápias, uma vez que, neste grupo são os machos que apresentam maior interesse econômico, pois crescem mais que as fêmeas.

Os programas de reversão sexual em piscicultura desenvolveram-se tanto que, sob o ponto de vista comercial, são atualmente os grandes responsáveis pela *produção de peixes em larga escala em vários países. Por exemplo, cerca de 50% da truta arco-íris produzida no Reino Unido e 40% do salmão "chinook” produzido no Canadá, são provenientes de linhagens monossexuais de fêmeas produzidas por matrizes sexualmente revertidas, conforme procedimento sumarizado na Tabela 5.

4. MARCADORES MOLECULARES EM PROJETOS DE ICTIOGENÉTICA,

Nos últimos anos, tem havido um crescente aumento no uso de marcadores

moleculares ao nível do DNA, em projetos de ictiogenética aplicados à piscicultura 4. Na Tabela 8, encontram-se resumidas informações gerais sobre os principais

marcadores moleculares mais usados na área de ictiogenética e sobre o grau de contribuição de cada tipo de marcador para estudos genético-evolutivos.

1) mtDNA - o DNA mitocondrial (mtDNA) é de natureza haplóide, apresenta molécula circular, não é recombinante, é transmitido via materna e contém cerca de 16 a 20 mil pares de bases. Quando o mt DNA é digerido por enzimas de restrição (enzimas que clivam a molécula de DNA em locais específicos) e submetido a eletroforese, originam-se até cerca de 10 fragmentos por indivíduo, que são chamados RFLP (“restriction fragment length polymorphism"). Esses fragmentos podem variar ou por substituições de bases que causam ganho ou perda de sítios ou pela inserção/deleção de mutações que mudam o comprimento dos fragmentos. Diferentes enzimas de restrição reconhecem e clivam seqüências de 4, 5 ou 6 bases; por exemplo, a Xba 1, derivada da bactéria Xanthomonas badrii, atua sobre seqüências T^ CTAGA (^ = ponto de clivagem). 0 mt DNA tem sido o marcador molecular mais usado em vários projetos na área ictiogenéticas,10,14,15.

2) scn DNA - é um tipo de DNA nuclear de cópia única ("single-copy"), presente somente uma vez no genoma haplóide, sendo por isso também designado não-repetitivo. Engloba cerca de 70% do genoma dos mamíferos e geralmente é visualizado pela análise dos RFLP.

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3) DNA repetitivo interdisperso - é uma categoria de DNA nuclear constituída por

elementos repetitivos longos (LINE) e curtos (SINE), que ocorrem múltiplas vezes, cerca de centenas de milhares, no genoma. Normalmente é visualizado também pela análise dos RFLP.

4) DNA satélite - é um tipo de DNA nuclear, repetitivo, que contêm seqüências curtas que se repetem em tandem.

Um dos tipos mais conhecidos de DNA satélite é o minissatélite multilocos, que dá origem ao chamado "DNA fingerprinting". 0 minissatélite multilocus é constituído por duas a várias centenas de cópias de seqüências curtas de DNA com 9 a 100 bases, muitas vezes concentradas nas regiões teloméricas. Quando esse tipo de DNA é cortado por enzimas de restrição, produz padrões bastante complexos que se parecem com um padrão de código de barras, que é característico para cada indivíduo, sendo por isso chamado de "DNA fingerprint". Até o momento existem na literatura boas e más notícias a respeito do "DNA fingerprint. Primeiro as boas. o desempenho e a aplicação desta técnica nos últimos anos tem sido cada vez mais promissores. Agora as más. É ainda uma técnica cara, com custos de U$ 50 a 100 por animal.

Um outro tipo de DNA satélite é o chamado minissatélite loco-único também designado por VNTR (“variable number of tandem repeats"), cujo polimorfismo se deve a variação no comprimento dos alelos. Há alguns anos foi possível confirmar a presença e o potencial do VNTR no salmão do Atlântico 4.

Tabela 8 - Principais tipos de marcadores moleculares ao nível de diferentes classes de

DNA e o grau de desempenho em estudos genético-evolutivos

Tipos de Marcadores e contribuição

mt DNA scn DNA Repetições interdispersas

VNTR Micros-satélites

RAPD

Análise de Genealogias

NA B NA E S B

Genética de Populações

B B NA B E S

Detecção de Zonas Híbridas

B/E S B NA NA NA

Filogenias

E B E NA NA NA

E - excelente; B - boa; S - satisfatória; NA - não adequada Outro tipo ainda de DNA satélite é o microssatélite formado por seqüências

simples de 1 a 6 bases repetidas de 5 a 100 vezes em cada loco e, usualmente, espalhadas ao longo do genoma. Por exemplo, a unidade CA pode ser encontrada repe-tida 50 vezes em tandem. 0 número de repetições pode ser altamente variável, dando origem a um amplo Polimorfismo, que pode ser detectado via eletroforese. Os microssatélites exibem atributos que os tornam favoráveis como marcadores genéticos em vários projetos de piscicultura. São abundantes, apresentam altos níveis de variação alélica, e são bastantes úteis em várias situações: por exemplo, em espécies que apresentam baixo nível de variação com marcadores genético-bioquímicos (isozimas) ou moleculares (mt DNA) como por exemplo o salmão do Atlântico, espécie na qual vários microssatélites exibem mais do que 25 alelos e níveis de heterozigose que excedem 90%. Se, por um lado, o uso de microssatélites é bastante favorável porque seus alelos se comportam como marcadores mendelianos codominantes, por outro lado apresentam menores informações sob o aspecto filogenético4.

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5) RAPD("random amplífied polymorphic DNA")- consiste de regiões arbitrárias do DNA, mas de seqüências conhecidas, constituídas por 10 a 20 bases do genoma, que são amplificadas pela técnica chamada PCR ("polymerase chain reaction") e cujos produtos podem ser detectados por eletroforese. 0 RAPD foi usado com sucesso, por exemplo, na distinção de tilápias, evidenciando sua utilidade em investigações aos níveis taxonômicos de subespécies e espécies4.

5. ENGENHARIA GENÉTICA EM PEIXES

A engenharia genética é um tipo de biotecnologia molecular pela qual um ou mais

genes são transferidos ou transplantados de organismos de uma espécie chamada doadora, para organismos de outra espécie chamada receptora, que será constituída pelos indivíduos transgênicos.

Os programas com peixes transgênicos, a nível mundial, estão ainda em fase

experimental e acredita-se que comecem a ser incorporados na rotina da piscicultura até o final da década de noventa 6,11,18,19. 0 tipo de tecnologia usada pela engenharia genética é de tal ordem sofisticado, que praticamente nenhum pesquisador ou piscicultor independente terá condições de desenvolver sozinho tal tipo de programa. Além disso, em muitos países já há uma série de leis federais, estaduais e até municipais regulando e disciplinando sobre pesquisas na área de engenharia genética. Há também o receio de que o escape de animais transgênicos para a natureza possa apresentar riscos de impactos ambientais ainda não totalmente conhecidos. Esses fatos, somados ao tipo de legislação, problemas éticos, morais e filosóficos sobre a produção de transgênicos, acrescidos ainda aos problemas de financiamento de projetos nessa área, leva a crer que a engenharia genética de peixes permanecerá durante vários anos ainda no âmbito de certas instituições de pesquisa e de algumas grandes empresas agroindustriais6,19.

5.1 Produção de Transgênicos

As etapas básicas para a produção de peixes transgênicos são: a) clonagem

gênica, ou seja, a escolha e a obtenção de um determinado gene que, por exemplo, codifique a produção de hormônio do crescimento; b) microinjeção do gene escolhido nos ovos da espécie receptora; c) incorporação ou inserção do gene transferido no cromossomo da espécie receptora; d) expressão do gene inserido; e) transmissão do gene transplantado.

1) Clonagem gênica - Para a obtenção de um determinado gene de um doador,

existem três caminhos principais. 0 primeiro é recorrer às chamadas "bibliotecas gênicas", ou seja, há estoques de genes anteriormente já clonados e guardados em muitos laboratórios em várias partes do mundo. 0 segundo, é clonar os genes de maneira direta, ou seja, removendo o gene dos cromossomos da espécie doadora por digestão do DNA nuclear com auxílio de enzimas de restrição. Após a obtenção dos fragmentos e a identificação dos seus conteúdos gênicos, o gene a ser transplantado é inserido em plasmídios bacterianos (pequenos anéis de DNA localizados no citoplasma das bactérias), cortando-se esses plasmídios com enzimas de restrição, ligando-se o gene escolhido ao plasmídio, e então fechando-se os plasmídios com ligases (enzimas de reparo do DNA). 0 complexo gene-plasmídio é, então, transferido para uma bactéria, com auxílio de um choque térmico e, então, as bactérias são cultivadas e multiplicadas. As bactérias replicam os seus plasmídios ao se dividirem e, deste modo, são produzidas milhões de cópias do plasmídio e do gene a ele ligado. As bactérias são cultivadas até que haja material suficiente e depois são mortas e rompidas para a liberação dos

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complexos plasmídios-genes a serem transplantados. Os plasmídios são então isolados e purificados e o gene que interessa é isolado e removido. Um terceiro caminho é o método de clonagem indireta que começa com a extração do RNA do tecido, sua purificação e seu uso como modelo para sintetizar o DNA complementar (c DNA). A vantagem em se usar o material nuclear é que este material engloba as diferentes partes do gene, tais como o promotor e o espaçador que, normalmente, não são obtidos durante a transcrição. No entretanto, o c DNA contém apenas aquelas seqüências do nucleotídio que codificam para o trecho específico do RNA ativo na transcrição da molécula de proteína; por essa razão é necessário usar outros promotores para possibilitar a ativação do gene c DNA. Esses promotores não são específicos e podem ser usados para uma variedade de genes codificadores. Por exemplo, o plasmídio usado no caso do famoso gene para o hormônio do crescimento de rato que foi transplantado para camundongo em 1982, também incluía um promotor. Este mesmo plasmídio também foi usado em truta arco-íris. A maioria dos trabalhos com peixes tem usado DNA clonados para outros organismos, porém vários programas vêm sendo desenvolvidos visando a clonagem gênica em peixes; nesse sentido, já foram clonados os genes para o hormônio do crescimento do salmão "chum" em 1985, da truta arco-íris em 1988 e do salmão do Atlântico em 198919.

2) Microinjeção de DNA nos ovos -Cerca de um milhão de cópias do DNA purificado devem ser injetadas em cada ovo. Os ovos de peixes são bastante favoráveis para esse tipo de procedimento, porque são grandes (geralmente têm mais de 1 mm de diâmetro), a fertilização é externa e pode ser controlada, as injeções não exigem micromanipuladores especiais e os ovos são fáceis de incubar. Existem"duas dificuldades principais relativas à manipulação dos ovos de peixes. Uma delas se deve à presença do córion, que é uma membrana externa envoltória do ovo. Em algumas espécies, como no caso do peixe dourado japonês, há necessidade de usar produtos químicos ou enzimas proteolíticas para remover o córion. Os ovos dos salmonídeos resistem à retirada do córion, que deve ser puncionado previamente com uma agulha sólida, antes da introdução da agulha para microinjeção do DNA. Sabe-se que a microinjeção do DNA no núcleo dos zigotos parece produzir melhores resultados do que injeções no citoplasma. Uma outra desvantagem dos ovos de peixes é que os núcleos são pequenos e não são visíveis, como ocorre com os núcleos dos zigotos de mamíferos; isto faz com que as injeções do DNA a ser transferido atinjam geralmente o citoplasma mais ou menos próximo do núcleo do zigoto. Centenas de milhares de cópias precisam ser injetadas em cada ovo, porque um grande número será destruído pelas enzimas celulares.

3) Incorporação do gene transferido - As primeiras indicações do sucesso do transgenismo, ou seja, de que o DNA transferido foi incorporado ao genoma hospedeiro, irão surgir durante o período de intensa replicação do DNA, que acompanha os rápidos estádios de divisão celular do embrião jovem. A replicação conjunta do DNA introduzido e do DNA receptor pode ser detectada após a extração e detecção por sondas que hibridam especificamente com o DNA introduzido.

Mesmo que o DNA transferido seja incorporado ao genoma do hospedeiro, os genes podem estar "danificados", de modo que pode ocorrer que somente uma parte do genoma venha a ser incorporada, os genes podem vir a ser incorretamente incorporados, ou incorporados no lugar errado. Mesmo que ocorra incorporação correta, a mensagem codificada pode não ser apropriadamente transcrita em RNA mensageiro, bloqueando assim a produção do produto gênico.

4) Expressão do gene inserido - Tendo sido produzidos peixes transgênicos, a questão que se segue é saber se o novo gene transplantado está ou não transcrevendo em RNA e se o RNA está sendo traduzido em proteína. A expressão do gene inserido pode ser monitorada testando-se o RNA mensageiro dos tecidos transgênicos por testes imunológicos apropriados. A transferência bem-sucedida de um determinado gene não é garantia de sucesso. Os genes contêm reguladores e promotores que os ligam ou

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desligam em situações determinadas e, também, estes tipos de genes precisam ser transplantados junto com os genes estruturais. Logo, os complexos formados pelos genes estruturais e reguladores devem ser também injetados, pois suas presenças são essenciais para o funcionamento gênico. Por exemplo, as trutas arco-íris transgênicas produzidas em 1988 não apresentaram expressão gênica quanto ao hormônio do crescimento, porque foi usado na época um promotor de camundongo. 8,19,20

5) Transmissão dos genes transplantados - A transmissão do DNA transplantado é um dos aspectos cruciais dos programas de engenharia genética, porque a finalidade desses programas é produzir linhagens de peixes com características vantajosas que possam ser transmitidas para a descendência. Em um peixe transgênico, espera-se que não só todas as células somáticas, como as germinativas, contenham o gene transplantado. Caso o peixe seja um heterozigoto transgênico, com a integração do gene transplantado em apenas um loco, então 50% de todos os espermatozóides ou "óvulos" produzidos transportarão a nova seqüência e, em cruzamentos com peixes não-transgênicos, 50% de toda a descendência será transgênica heterozigota. Caso os peixes transgênicos apresentem mais de uma cópia integrada em seu genoma, como, por exemplo, em diferentes locais dos cromossomos e em vários cromossomos, a descendência será constituída por mais de 50% de transgênicos. Caso, a partir de ovos de fêmeas transgênicas heterozigotas, sejam produzidos ginogenéticos mitóticos, cerca de 50% da progênie será formada por fêmeas transgênicas homozigotas.

Evidências de transmissão de características transgênicas têm sido mostradas em programas de engenharia genética desenvolvidos na França com trutas arco-íris, nos Estados Unidos com a carpa comum, com o peixinho zebra danio e na China com o peixinho dourado 113,19,20,23

5.2 Contribuição dos Transgênicos em Projetos de Piscicultura

Atualmente começam a ser testadas em condições de piscicultura nos EUA,

carpas comuns transgênicas para o gene do hormônio do crescimento. Pesquisas equivalentes, conduzidas na China em condições de laboratório, mostraram que o peixe dourado transgênico também para o gene do hormônio do crescimento, apresenta desempenho quatro vezes superior aos dos normais19.

Nos EUA e Canadá já foi clonado o gene que codifica proteínas anticongelamento existentes no sangue de alguns linguados do Ártico, que permitem a sobrevivência destes animais em temperaturas inferiores a O°C. Os salmões do Atlântico não possuem as proteínas anticongelamento e morrem nos tanques-rede na região da Escandinávia quando as temperaturas caem a -0,7°C. A transferência dos genes para proteínas anticongelamento certamente seria muito útil se fosse feita tanto para salmões do Atlântico como para espécies de regiões tropicais, candidatas ao cultivo em regiões temperadas19.

Outra possibilidade de aplicação da engenharia genética em piscicultura seria a utilização dos genes para a metalotioneína, que é uma proteína que se liga a metais pesados nas células, particularmente o cádmio, cobre, zinco e mercúrio18,19. Os genes para a metalotioneína estão presentes em muitas espécies de vertebrados, inclusive nos peixes, e têm uma dupla função: uma, que parece ser a principal, é de suplementar com zinco as enzimas zinco-dependentes. Outra seria uma função de desintoxicação, um processo que envolve sua ligação com metais pesados e sua excreção pelos rins. Em teoria pelo menos, os genes da metalotioneína poderiam ser introduzidos em espécies que habitassem áreas poluídas por metais pesados. Infelizmente, a metalotioneína não se liga ao alumínio e não oferece proteção para peixes que vivem em águas acidificadas.

Logo, prevê-se que a aplicação da tecnologia de engenharia genética em piscicultura demore ainda pelo menos mais uma década. Durante este período, a

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pesquisa em engenharia genética deve ficar mais restrita a instituições de pesquisa e a companhias agroindustriais. Além disso, os dados atualmente disponíveis não fornecem garantia total de que os peixes transgênicos sejam capazes de transferir para a descendência os genes transplantados e, mesmo que isto seja possível, não há garantia plena de que a inserção do gene para o hormônio do crescimento ou outras características desejáveis apresentem resultados positivos. 0 manejo sanitário de peixes assim como a produção de vacinas contra doenças bacterianas e virais na área ictiológica são áreas que provavelmente serão bastante beneficiadas nos próximos dez anos pela engenharia genética aplicada à piscicultura19.

6. RISCOS BIOLOGICOS POTENCIAIS DE LINHAGENS DE PEIXES GENETICAMENTE MANIPULADOS

Na área de biotecnologia aplicada à piscicultura é também importante avaliar os

riscos biológicos potenciais das linhagens geneticamente manipuladas, tanto para o desenvolvimento satisfatório de projetos neste setor, como para propósitos de conservação genética de estoques selvagens e cultivados de peixes6.

As linhagens de peixes geneticamente modificadas podem ser intencional ou acidentalmente introduzidas em ambientes naturais onde possam sobreviver, dispersar-se ou reproduzir-se. Diferentes tipos de modificações genéticas podem ocasionar impactos ecológicos. Por exemplo, a reprodução de peixes transgênicos pode levar à introgressão de transgenes em populações selvagens de peixes, enquanto a introdução de linhagens de triplóides transgênicos pode envolver certa percentagem de não-triplóides férteis. A possibilidade de impacto ecológico destes eventos ainda não pode ser adequadamente avaliada face aos dados atualmente disponíveis. Na verdade, os riscos potenciais de peixes transgênicos em ecossistemas naturais se baseiam, até o momento, apenas em evidências de natureza teórica.

6.1 Riscos Potenciais de Linhagens Cromossomicamente Manipuladas

As linhagens de peixes cromossomicamente manipuladas apresentam riscos de

impactos bioecológicos que podem ser considerados previsíveis. Estes riscos potenciais dizem respeito a dois aspectos principais: efeitos dos graus de ploidia sobre o sucesso reprodutivo de populações naturais coespecíficas e das conseqüências dos novos níveis de variabilidade genética pós-manipulação cromossômica sobre a coadaptação populacional6.

1) Problemas com os triplóides - Sabemos que grande parte da utilidade das linhagens triplóides de peixes se deve a sua esterilidade. No entanto, o uso de triplóides em piscicultura pode apresentar três tipos básicos de problemas potenciais. Um deles é a obrigatoriedade de verificação dos níveis de ploidia dos indivíduos pertencentes às linhagens a serem introduzidas na natureza. A necessidade deste procedimento se deve ao fato de a percentagem de triplóides induzidos artificialmente variar de maneira considerável, de acordo com os diferentes protocolos seguidos e as várias espécies de peixes usadas. Caso não se adote este tipo de encaminhamento, corre-se o risco de planejar projetos para o emprego de triplóides e, na realidade, acabar realizando, na prática, trabalhos com grande número de diplóides. Outro problema é o de que os triplóides apresentam desenvolvimento sexual anormal e são estéreis. A despeito de apresentarem desenvolvimento sexual anormal, os triplóides machos de truta arco-íris, por exemplo exibem diferenciação sexual, níveis de testosterona, comportamento de corte e "espermiação" comparáveis aos normais. Além disso, podem se cruzar com fêmeas normais diplóides, porém sem sucesso reprodutivo, porque a progênie não sobrevive possivelmente pelo fato de os embriões serem aneuplóides. Portanto, nos casos em que

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ocorrem cruzamentos entre fêmeas diplóides e machos triplóides, haverá uma perda total da descendência, o que poderia reduzir o potencial reprodutivo da população. Em populações selvagens, os fatos acima mencionados podem aumentar dois tipos de riscos genéticos: com a perda da variabilidade genética e o declínio demográfico, pode até haver risco de extinção populacional. Em certos lagos dos EUA, onde foram introduzidos estoques de peixes triplóides híbridos entre a truta " Yellowstone cutthroat" e a truta arco-íris para se obterem exemplares mais vigorosos destinados à pesca esportiva, está ocorrendo uma sensível diminuição do tamanho populacional das trutas nativas diplóides. Este tipo de impacto genético de uma linhagem cromossomicamente manipulada sobre outra cromossomicamente normal poderia ter sido atenuado, caso tivessem sido utilizadas somente linhagens de fêmeas triplóides que, como sabemos, não apresentam maturidade sexual, comportamento de corte, etc.

Por outro lado, caso se desejasse propor um programa visando ao controle populacional de uma espécie exótica, poderia ser experimentado o uso de linhagens de machos triplóides; é evidente que tentativas iniciais deveriam ser realizadas, por exemplo, em tanques experimentais e não diretamente na natureza. Admitamos, por exemplo, que se pretendesse tentar reduzir o tamanho populacional do tucunaré que, há alguns anos foi introduzido na bacia superior do rio Paraguai, usando linhagens triplóides de machos do próprio tucunaré, como já mencionado no item 2 - Manipulação Cromossômica em Peixes, deste trabalho. Neste caso, seria necessário começar com a produção e identificação de linhagens triplóides de tucunaré e, a seguir, com ensaios em tanques experimentais para a análise do comportamento reprodutivo dos machos triplóides estocados junto com machos e fêmeas diplóides normais. Desse modo, seria possível determinar se os machos triplóides de tucunaré teriam ou não acesso sexual às fêmeas diplóides, se interfeririam ou não no comportamento de desova dessas fêmeas, e se poderiam interferir na biologia populacional dos diplóides férteis.

Um outro problema biológico dos triplóides é o fato de poderem apresentar maior sobrevivência que os diplóides. Há indicações de que salmões estéreis maiores e mais velhos consomem 40% mais alimento do que os exemplares férteis maduros. Os estéreis também competem com os férteis quanto aos itens alimentares, durante todo o seu cicio de vida, o que pode limitar a taxa de crescimento populacional.

2) Problemas com os tetraplóides- 0 maior interesse prático dos tetraplóides é o de servir de matrizes para a produção de linhagens triplóides quando são cruzados com estoques de diplóides. 0 escape de tetraplóides para a natureza pode apresentar riscos potenciais. Um dos problemas que podem surgir é o cruzamento entre fêmeas tetraplóides e machos diplóides, levando à produção de grande quantidade de triplóides estéreis, ocasionando uma diminuição dos diplóides normais. Bem mais problemático parece ser o cruzamento reciproco entre fêmeas diplóides e machos tetraplóides, porque o esperma diplóide apresenta baixa capacidade de fertilização, possivelmente devido a dificuldades de penetração através da micrópila de um "óvulo" normal haplóide, como já.mencionado.

0 escape continuado de tetraplóides confinados em direção a ecossistemas naturais poderia, em princípio, levar a uma redução do sucesso reprodutivo das populações naturais6.

3) Problemas com os ginogenéticos e androgenéticos -A ginogênese e a androgênese são biotecnologias genéticas que levam à produção de linhagens com diferentes graus de consangüinidade. Em condições de cultivo, as linhagens consangüíneas podem constituir matrizes vantajosas para o desenvolvimento de programas envolvendo hibridações entre diferentes estoques de peixes. 0 risco potencial que essas linhagens consangüíneas apresentam é o de serem. introduzidas na natureza e virem a se cruzar com estoques selvagens, resultando em descendência com variabilidade genética reduzida. Como se sabe, a uniformidade genética geralmente

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perturba a coadaptação biológica historicamente estabelecida nas populações selvagens e leva ao decréscimo do tamanho populacional. Portanto, seria bastante importante que as linhagens ginogenéticas e androgenéticas fossem cultivadas em locais bastante seguros e, sempre que possível, que também fossem biologicamente estéreis.

6.2 Riscos Potenciais de Linhagens Sexualmente Revertidas

0 uso de anabolizantes para a produção de peixes revertidos sexualmente é um

assunto ainda acompanhado mundialmente, de muita polêmica6. Os anabolizantes têm a capacidade de aumentar, por exemplo, em cerca de 20% a produtividade da truta arco-íris21. Um dos principais pontos de discussão é se os anabolizantes fazem ou não mal para a saúde do ser humano, No Brasil, o uso de anabolizantes na área de pecuária de corte, por exemplo, está suspenso há vários anos e muito se tem discutido a favor ou contra sua liberação. Em peixes, há vários trabalhos na literatura mostrando que, desde que corretamente usados para a reversão sexual, os hormônios não ofereceriam riscos para a saúde dos consumidores humanos6. Um dos principais argumentos favoráveis ao uso de hormônios em peixes é que a quantidade de anabolizantes ingerida por animal, para a produção de linhagens monossexuais ou revertidas de fêmeas ou machos, é muito pequena, sendo inferior a 5 mg por animal. Outro argumento favorável ao uso, é o de que a maior parte do hormônio ingerido é rapidamente eliminado. Por exemplo, no decorrer do período de 24 horas a truta arco-íris excreta cerca de 67% da 17-alfa-metiltestosterona ingerida; e, em juvenis de tilápia da espécie áurea, permanece apenas 0,9% da 17-alfa-metiltestosterona, após esta ter sido suspensa há 21 dias da dieta. Outro argumento a favor é que, desde que sejam utilizados ,segundo os protocolos indicados na literatura, os anabolizantes são detectados somente ao nível de partes por bilhão nos peixes revertidos com tamanho comercial, o que, em princípio, não ofereceria problemas para a saúde dos seres humanos.

Os argumentos contrários ao consumo de peixes revertidos para a alimentação humana, em especial, dizem respeito aos riscos potenciais decorrentes do uso incorreto de anabolizantes sem controle de qualidade ou aplicados em dosagens aleatórias e elevadas, resultando na produção de resíduos acima dos limites biologicamente aceitáveis6,13.

Em vários países europeus, para se evitarem riscos potenciais, não são usados para consumo alimentar peixes revertidos diretamente em uma etapa13 como indicado na Tabela 4. Pelo contrário, as linhagens revertidas são usadas como matrizes para a produção indireta, em duas etapas, de linhagens monossexuais de fêmeas ou de machos (Tabela 5), ou de linhagens de superfêmeas ou supermachos (Tabelas 6 e 7).

Sugerimos que os projetos brasileiros de piscicultura destinados à produção de peixes revertidos adotem preferencialmente os protocolos de produção indireta, em duas etapas, de linhagens monossexuais como resenhado nas Tabelas 5 e 6. No entanto, caso venham a ser usados os protocolos para produção direta de linhagens revertidas como indicado na Tabela 4, há necessidade e obrigação por parte dos produtores, de prestarem os esclarecimentos necessários e cabíveis contidos nos códigos nacionais e federais e/ou estaduais de proteção aos consumidores, e de se orientarem previamente junto aos serviços veterinários oficiais responsáveis pelos controles sanitário e alimentar existentes a nível estadual e/ou federal, sobre o uso de anabolizantes em piscicultura.

Os programas de piscicultura para a produção de linhagens monossexuais de peixes pelo uso de esteróides anabolizantes sofrem, a nível mundial, uma pressão continuada de grupos de consumidores para que seja proibido o uso desses hormônios que, na opinião de várias entidades poderiam aumentar a incidência, por exemplo, de câncer da mama. De fato, recentemente, alguns pesquisadores têm proposto hipóteses sugerindo que os xenoestrógenos (substâncias provenientes do ambiente, que mimetizam

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ou alteram a ação dos estrógenos produzidos pelo ser humano) poderiam ser responsáveis por cerca de três quartos dos casos mundiais de câncer das glândulas mamárias8. Os principais xenoestrógenos têm sido englobados em quatro categorias, a saber: compostos organoclorados usados como inseticidas, tais como o DDT, "endosulfan" e "metoxiclor", ou como exterminadores de cupins e formigas como o "clordane" e "kepone"; compostos plásticos que contém "bisfenol A" e "nonilfenol"; produtos farmacêuticos, tais como os estrógenos sintéticos, dentre os quais o dietilestilbestrol cujo uso foi banido em 1971. Os próprios anabolizantes usados na produção de peixes revertidos poderiam se espalhar pelo ambiente através das águas dos tanques e aquários onde são administrados aos animais por via alimentar, e virem também a atuar secundariamente como xenoesteróides.

6.3 Riscos Potenciais dos Transgênicos

Nos últimos anos tem havido um amplo debate, a nível mundial, sobre os riscos

potenciais de organismos transgênicos caso venham a ser introduzidos em ecossistemas naturais ou estejam disponíveis para o consumo alimentar humano. Existem dois tipos de riscos potenciais de natureza genético-ecológica; são os que decorrem das possibilidades de proliferação descontrolada de transgênicos na natureza e da capacidade de esses organismos transferirem características genéticas não desejáveis para espécies domésticas ou selvagens. Outro problema potencial, na área de saúde pública, diz respeito à futura comercialização de peixes transgênicos e seu consumo humano ou em rações para animais6.

Parece ser consenso na área genético-ictiológica, que peixes transgênicos devem ser criados em confinamento total, acompanhados de todas as medidas cabíveis para que sejam evitados escapes acidentais ou intencionais. Neste sentido, em 1991, foi iniciada, pela primeira vez, na Auburn University, Alabama, EUA, a criação fora do laboratório de carpas transgênicas para o gene do hormônio do crescimento, adotando-se uma série de medidas de segurança aconselhadas pelo Departamento de Agricultura dos EUA 18,19.

Atualmente existem cerca de vinte laboratórios em várias partes do mundo, tais como EUA, Canadá, e alguns países da Europa e Ásia tentando desenvolver peixes transgênicos. Além das medidas de confinamento dos transgênicos, os pesquisadores têm proposto outros cuidados adicionais com os transgênicos; um deles seria usar marcadores genético-bioquímicos diagnósticos de linhagens transgênicas; outro, seria esterilizar biologicamente os transgênicos via triploidia induzida; outro cuidado ainda, seria trabalhar com espécies incapazes de hibridação ou introgressão com estoques selvagens ou, ainda, que não fossem capazes de colonização de ambientes naturais.

Alguns pesquisadores têm produzido, a nível mundial, peixes transgênicos com genes para o hormônio de crescimento humano, bovino e de outros peixes. Estima-se que dentro de 10 anos, quando essas linhagens transgênicas começarem a ser comercializadas, haverá forte pressão por parte dos consumidores no sentido de que seja proibido o consumo dessas linhagens geneticamente modificadas. Por enquanto, sob o ponto de vista da legislação brasileira na área de transgênicos, existe a lei 8.974 de 05/01/95 que disciplina e regulamenta as atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico e também a produção de organismos geneticamente modificados (OGM). A referida lei criou também uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), regulamentada pelo decreto 1.752 de 20/12/95. A CTNBio, além de outras atribuições, emitirá Certificados de Qualidade em Biossegurança.

Em conclusão, de tudo o que foi resenhado na presente publicação, pode-se ter uma idéia da contribuição da biotecnologia genética à piscicultura moderna desenvolvida a nível mundial, e que também começa a ser realizada em nosso país. Os fatos de a poliploidia e a monossexagem terem sido rapidamente repassadas para a prática do

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cultivo, mostram a relativa simplicidade e eficácia dessas biotecnologias nas mãos dos piscicultores; um animal é ou não estéril, um plantel pode conter somente um ou ambos os sexos. 0 grande interesse que a aplicação da genética em piscicultura despertou a nível mundial foi a fundação, há alguns anos da Associação Internacional de Genética em Aqüicultura (IAGA), que já realizou até o presente, quatro congressos sendo o primeiro em 1982 na Irlanda (Galway)31, o segundo em 1985 nos EUA(Davis)13 , o terceiro em 1988 na Noruega (Trondheim)15, e o quarto em 1991 na China (Wuhan)14 . A nível nacional, o IX Encontro Brasileiro de Ictiologia realizado em 1992 em Maringá, patrocinou pela primeira vez no Brasil uma mesa-redonda sobre Conservação Genética de Peixes27 , e o 102 Congresso Latino-Americano de Genética em 1992 no Rio de Janeiro, organizou o primeiro simpósio no país sobre Genética de Peixes24.

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