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Problemas de Saúde Mental em Crianças e Adolescentes Identificar, Avaliar e Intervir MARIA DO CARMO SANTOS Prefácio: Daniel Sampaio EDIÇÕES SÍLABO Problemas de Saúde Mental em Crianças e Adolescentes 2ª Edição Revista e corrigida

Problemas de Saúde Mental em Crianças e Adolescentes€¦ · em Saúde Juvenil porque, baseada na sua experiência clínica, sabe como uma intervenção precoce pode ser uma garantia

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Problemas de Saúde Mental

em Crianças e Adolescentes

Identificar, Avaliar e Intervir

M A R I A D O C A R M O S A N T O S

Prefácio:

Daniel Sampaio

E D I ÇÕE S S Í LA B O

Problemas de Saúde Mental

em Crianças e Adolescentes

Identificar, Avaliar e Intervir

De acordo com os estudos epidemiológicos, a prevalência de perturbações psiquiátricas

na população infanto-juvenil é cerca de 20%. Os problemas de saúde mental são de

menor gravidade, mas mais frequentes e também requerem intervenção.

• Como distinguir um problema de saúde mental em crianças ou jovens, de um quadro

psiquiátrico?

Como identificar quando uma criança é vítima de abuso emocional?

Como suspeitar de um abuso sexual?

O que significam as Perturbações do Espetro do Autismo?

Como ajudar uma criança com problemas de ansiedade?

Por que têm os problemas de comportamento frequentemente uma trajetória crónica?

Qual o papel dos pais na rivalidade entre irmãos?

Este manual, agora na 2ª edição, continua a ter por objetivo contribuir para melhorar as

competências dos profissionais de saúde, da educação e técnicos de saúde mental que

lidam com crianças e adolescentes, na identificação, avaliação e intervenção em

problemas de saúde mental. Baseado em conhecimentos científicos sólidos e na expe-

riência clínica da autora, esta obra dá respostas a estas e outras questões ligadas aos

problemas emocionais e do comportamento infanto-juvenis.

Maria do Carmo Santos é médica pedopsiquiatra, exerce atividade clínica há mais de vinte

anos e trabalha atualmente no Departamento de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar do

Porto.

Tem

formação em Psicodrama Moreniano, Terapia Familiar e fez um Curso de Pós-Graduação em

Psicoterapia com Crianças e Adolescentes da UCAE, Porto (Colégio Universitário de Altos

Estudos).

Na sua longa experiência profissional tem tratado crianças com quadros psiquiá-

tricos e crianças com problemas de saúde mental relacionados com doenças crónicas, no

Instituto Português de Oncologia-Porto e o extinto Hospital de Crianças Maria Pia.

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«Podemos dizer que a Dra. Maria do Carmo Santos tem uma perspetiva antecipatória dos cuidados

em Saúde Juvenil porque, baseada na sua experiência clínica, sabe como uma intervenção precoce

pode ser uma garantia de uma boa Saúde Mental no futuro. A chave da sua proposta parece ser:

avaliar, prevenir, intervir.

Por todas as razões referidas, considero que o livro Problemas de Saúde Mental em Crianças e

Adolescentes – Identificar, Avaliar e Intervir, da Dra. Maria do Carmo Santos, é uma obra imprescin-

dível para todos os técnicos de saúde que interagem com crianças e jovens, sendo também esti-

mulante para todos os que lutam por uma verdadeira cultura da infância.»

Professor Catedrático de Psiquiatria e Saúde Mental

da Faculdade de Medicina de Lisboa

Daniel Sampaio

2ª EdiçãoRevista e corrigida

459

789726 1879439

ISBN 978-972-618-794-3

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Problemas de Saúde Mental

em Crianças e Adolescentes

Identificar, Avaliar e Intervir

MARIA DO CARMO SANTOS

Com a colaboração de:

PEDRO MONTEIRO Psiquiatra da Infância e da Adolescência.

Terapeuta familiar

EDIÇÕES SÍLABO

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É expressamente proibido reproduzir, no todo ou em parte, sob qualquer

forma ou meio, NOMEADAMENTE FOTOCÓPIA, esta obra. As transgressões

serão passíveis das penalizações previstas na legislação em vigor.

Visite a Sílabo na rede

www.si labo.pt

Editor: Manuel Robalo

FICHA TÉCNICA:

Título: Problemas de Saúde Mental em Crianças e Adolescentes – Identificar, Avaliar e Intervir Autora: Maria do Carmo Santos © Edições Sílabo, Lda. Ilustrações: Andreia Maria Santos

1ª Edição – Lisboa, setembro de 2013 2ª Edição – Lisboa, setembro de 2015 Impressão e acabamentos: Europress, Lda. Depósito Legal: 388442/15 ISBN: 978-972-618-794-3

EDIÇÕES SÍLABO, LDA.

R. Cidade de Manchester, 2 1170-100 Lisboa Tel.: 218130345 Fax: 218166719 e-mail: [email protected] www.silabo.pt

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Índice

Nota à 2ª edição 11

Prefácio – Avaliar, Prevenir, Intervir 13

Resumo 15

Introdução – Por que escrever sobre problemas de saúde mental da infância e adolescência 17

Capítulo 1

Problemas de saúde mental e perturbações psiquiátricas 19

O que é uma perturbação psiquiátrica? 21 Identificar e avaliar problemas de saúde mental 22 Intervir 24 Referenciar para serviços de saúde mental e psiquiatria da infância e adolescência 25 Como referenciar 27 E depois de referenciar? 27 Potencialidades e limites da psiquiatria da infância e da adolescência 28 Resiliência e saúde mental 31

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Capítulo 2

Avaliação da criança 33

Conversar com a criança 36 A utilização do desenho 36 Avaliar o desenvolvimento 40 Questionários de rastreio 42

Capítulo 3

Abuso e negligência 43

Abuso e agressividade 48 O que fazer? 48 Prevenção 49 O abuso sexual 51 Como orientar 54

Capítulo 4

Problemas de desenvolvimento 57

Perturbações da linguagem 59 Incapacidade intelectual (perturbação do desenvolvimento intelectual ) 60

Avaliação do desenvolvimento e avaliação cognitiva 61 Intervenção e prognóstico 64

Perturbações específicas da aprendizagem 66 Perturbação da leitura e perturbação da escrita (dislexia/disortografia) 67 Perturbação do cálculo (discalculia) 67 Avaliação diagnóstica 68 O que fazer 70

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Capítulo 5

Perturbações do espetro do autismo (PEA) 75

Suspeitar de PEA 78 Orientação para diagnóstico 82 Etiologia 84 Intervenção e tratamento 86

Sintomas autísticos 86 Quadros em co-morbilidade e comportamentos problemáticos 87 Integração educativa e social 88 Apoio à família 89

Prognóstico 90

Capítulo 6

Perturbações do humor e perturbações de ansiedade 93

Ansiedade e quadros de ansiedade 95 O que fazer 98 Com a criança 99

Perturbação de stress pós-traumático 101 Perturbações do humor e depressão 102

O que fazer 104 Com a criança 104

Capítulo 7

Perturbações de comportamento 107

Perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA) 110 Intervenção 111

Perturbação de oposição-desafio 112 Perturbação da conduta 113

A transmissão intergeracional de problemas de comportamento 114 Intervenção 115 Prevenção dos comportamentos disruptivos 117

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Capítulo 8

Rivalidade entre irmãos 119

Intervenção 122

Capítulo 9

Lidar com adolescentes 127

Adolescente, família e grupo 130 A relação entre o médico e o adolescente 131 Consulta de adolescentes ao nível dos Cuidados de Saúde Primários 132 Intervenção nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) 134 Situações a referenciar à psiquiatria da infância e adolescência 137 Aconselhar para uma boa saúde mental nos adolescentes 138

Capítulo 10

Ajudar a família 141

Ouvir as duas partes 143 Estilos parentais 144 Estilos de comunicação 146 Competências parentais e controlo do comportamento 147 Rituais de prazer 149

Capítulo 11

Saúde mental materna, bebés e crianças pequenas 151

Relação precoce e vinculação 155 Os desígnios do bebé 157 Problemas comuns e perturbações psiquiátricas 159 Programas de intervenção precoce 160 Saúde mental materna perinatal 161 Papel dos Cuidados de Saúde Primários e materno-infantis 162

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Capítulo 12

Outros fatores de perturbação da saúde mental 165

Problemas de sono 167 Perturbações alimentares comuns em crianças pré-púberes 167

Apetite pobre (alimentação restritiva) 168 Seletividade alimentar 168

Queixas somáticas sem causa médica conhecida 169

Problemas de eliminação 170 Enurese 170 Encoprese 170

Tiques 171 Gaguez 171 Separação e divórcio 172

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Nota à 2ª edição

Esta pequena obra, que se pretende de rápida e fácil leitura e, simultaneamente,

esclarecedora de alguns aspetos da complexa vida mental das crianças e adoles-

centes, entra numa 2ª edição. A autora vê, assim, algum reconhecimento pelo

público, da sua utilidade.

Decorrido um ano sobre a sua publicação, foi necessário introduzir algumas alte-

rações, sobretudo nos quadros de desenvolvimento (incapacidade intelectual e per-

turbação do espetro do autismo), decorrentes da saída da nova edição do Manual de

Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), da Associação Ameri-

cana de Psiquiatria, alterações que provavelmente serão também implementadas

pela futura revisão da classificação da Organização Mundial de Saúde.

Terá cumprido o seu principal objetivo, ao ajudar os adultos a reconhecer e a

lidar com os sinais de sofrimento mental dos mais novos.

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Prefácio

Avaliar, Prevenir, Intervir

Embora a grande maioria das crianças e dos adolescentes viva a sua infância e

adolescência sem dificuldades significativas, cerca de 20% revelam perturbações

psiquiátricas. Muitas das doenças mentais da idade adulta revelaram sintomas ou

iniciaram-se na adolescência, sendo o diagnóstico precoce dessas afeções um

aspeto decisivo para uma boa evolução.

Muitas crianças e adolescentes mostram também dificuldades transitórias no seu

desenvolvimento, que podem corresponder a turbulências no percurso, sem que

estejam definidos os critérios para o diagnóstico de uma perturbação mental. No

entanto, pode ser importante intervir cedo, para que o processo de desenvolvimento

não seja afetado e a criança/adolescente em causa possa progredir.

Em todos os países, os recursos atribuídos à Pedopsiquiatria e à Psiquiatria são

insuficientes para uma intervenção eficaz, sendo habitual que os mais jovens

estejam muito tempo sem uma ação de facto dirigida às suas dificuldades

psicológicas. Torna-se, por isso, importante dotar outros serviços e demais técnicos

de competências na área da prevenção, do diagnóstico e da terapêutica dos

problemas de Saúde Mental, com destaque para os pediatras e para os médicos de

família. No âmbito dos Cuidados de Saúde Primários, esta necessidade é imperiosa,

porque os médicos de família já têm particulares responsabilidades no âmbito da

Saúde Infantil.

O livro Problemas de Saúde Mental em Crianças e Adolescentes – Identificar,

Avaliar e Intervir, da Dra. Maria do Carmo Santos, é um manual muito útil para o

preenchimento das lacunas formativas de muitos técnicos no campo da

Pedopsiquiatria e Saúde Mental. Escrito em linguagem acessível sem nunca perder

o rigor científico, é um valioso contributo para o esclarecimento de muitas dúvidas do

quotidiano desses técnicos, porque está elaborado numa dupla perspetiva: a da

compreensão do desenvolvimento, por um lado; e a da identificação da patologia,

por outro.

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A obra inicia-se pela definição e identificação dos problemas de Saúde Mental

das crianças e adolescentes, centrando-se depois na avaliação da criança e na

descrição das principais perturbações psicopatológicas dessas etapas de vida. Em

todos os capítulos há a preocupação de fornecer uma perspetiva individual e

contextual, com relevo para a família e para a escola, única forma de conseguirmos

uma intervenção adequada. Para além da descrição dos quadros clínicos, o livro tem

capítulos muito úteis para quem lida com a população juvenil, como por exemplo

«Lidar com adolescentes», «Rivalidade entre irmãos» e «Ajudar a família».

Podemos dizer que a Dra. Maria do Carmo Santos tem uma perspetiva

antecipatória dos cuidados em Saúde Juvenil porque, baseada na sua experiência

clínica, sabe como uma intervenção precoce pode ser uma garantia de uma boa

Saúde Mental no futuro. A chave da sua proposta parece ser: avaliar, prevenir,

intervir.

Por todas as razões referidas, considero que o livro Problemas de Saúde Mental

em Crianças e Adolescentes – Identificar, Avaliar e Intervir, da Dra. Maria do Carmo

Santos, é uma obra imprescindível para todos os técnicos de saúde que interagem

com crianças e jovens, sendo também estimulante para todos os que lutam por uma

verdadeira cultura da infância.

Azenhas do Mar, junho de 2013

Daniel Sampaio

Professor Catedrático de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Lisboa

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Resumo

De acordo com os estudos epidemiológicos, a prevalência de perturbações psi-

quiátricas na população infanto-juvenil é cerca de 20%.a Se considerarmos os proble-

mas de saúde mental que, sendo de menor gravidade, também requerem tratamento

e intervenção, a prevalência é ainda maior. Os problemas emocionais e comporta-

mentais são já considerados a mais frequente das doenças crónicas nos cuidados

de saúde primários (CSP).b

Os recursos em técnicos de saúde mental são insuficientes, mesmo em países

desenvolvidos, pelo que é recomendada a formação na área da saúde mental de

profissionais nos cuidados de saúde primários, sobretudo na avaliação e tratamento.b

Este manual tem como objetivo contribuir para melhorar as competências dos

profissionais de saúde, da educação e técnicos de saúde mental que lidam com

crianças e adolescentes, na identificação, avaliação e intervenção em problemas de

saúde mental. O enfoque será sobretudo na intervenção, através da utilização de

estratégias psicoeducativas, aconselhamento parental, técnicas cognitivo-compor-

tamentais, bem como a utilização de psicofármacos. Simultaneamente, a correta

avaliação da gravidade dos problemas apoiá-los-á na decisão de referenciar para

serviços de saúde mental da infância e da adolescência. Este trabalho está orien-

tado para a prática clínica mas procura, através de uma linguagem compreensível,

divulgar alguns dos conhecimentos científicos mais relevantes para a sustentar.

Sempre que possível, ilustram-se situações e quadros psicopatológicos com exem-

plos dos utentes e famílias da experiência clínica da autora.

(a) Coordenação Nacional para a Saúde Mental. Administração Central do Sistema de Saúde. Rede de

Referenciação Hospitalar de Psiquiatria da Infância e da Adolescência. Lisboa: Coordenação Nacional

para a Saúde Mental, 2011:11. (b) Kelleher K. Prevention and intervention in Primary Care. In: Remschmidt H., Belfer M. L., Goodyer I., eds.

Facilitating Pathways: care, treatment and prevention in child and adolescent mental health. Berlin:

Springer, 2004: 313-325.

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O manual tem uma introdução ao tema e doze capítulos que incluem:

• A distinção entre problemas de saúde mental e perturbações psiquiátricas.

• A avaliação da criança.

• Os quadros mais prevalentes de perturbações emocionais e do comporta-

mento, incluindo períodos específicos do desenvolvimento:

1. Abuso e negligência.

2. Problemas de desenvolvimento (Problemas de linguagem, Perturbações do

desenvolvimento intelectual, Dificuldades específicas de aprendizagem).

3. Perturbações do espetro do autismo.

4. Perturbações de ansiedade e Perturbações do humor.

5. Problemas de comportamento (Hiperatividade e défice de atenção, Oposição-

-desafio, Perturbação de conduta).

6. Rivalidade entre irmãos.

7. Lidar com adolescentes.

8. Saúde mental materna, bebés e crianças pequenas.

Um dos capítulos – «Ajudar a família» – procura abordar aspetos que podem

contribuir para o aparecimento de problemas de saúde mental em crianças e adoles-

centes, para a sua manutenção ou que impedem a sua resolução: os estilos paren-

tais, as formas de comunicação, as estratégias de controlo de comportamento, bem

como a capacidade da família para desenvolver os seus mecanismos de redução do

stress.

Por fim, e de uma forma mais breve, no capítulo com o título «Outros problemas

de saúde mental», incluem-se os problemas de sono e as perturbações alimentares

mais comuns, os problemas de eliminação, os tiques, a gaguez e os problemas

decorrentes da separação e do divórcio.

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Introdução

Por que escrever sobre problemas de saúde mental da infância e adolescência

Os problemas de saúde mental em crianças e adolescentes são frequentes,

podem afetar profundamente o desenvolvimento e a autonomia do futuro adulto, e

muitos deles tendem a ter uma evolução crónica, com repercussões negativas e

graves a nível familiar, educativo e social. A saúde mental de crianças e jovens está

intimamente interdependente do funcionamento familiar que, por sua vez, também

está dependente de dimensões mais vastas, como a ocorrência de acontecimentos

de crise a nível individual (uma doença física grave, uma depressão), relacional (a

separação, o divórcio) ou social (o desemprego, a recessão económica).

Existe alguma evidência de que os problemas de saúde mental em crianças e

adolescentes têm aumentado, os quais atualmente atingirão valores de 15-30% em

amostras pediátricas, constituindo uma verdadeira pandemia, e que muitos terão

uma continuidade na vida adulta.1,2

Existe também evidência científica de que a intervenção precoce nos problemas

da criança pequena, e particularmente, junto da mulher grávida, pode ter um valor

preventivo único e uma maior eficácia para a resolução dos problemas de saúde

mental.

É reconhecido que os recursos em técnicos e serviços de saúde mental são

insuficientes, mesmo em países desenvolvidos.1 Assim, parece fazer sentido a utili-

dade de uma obra que ajude os profissionais de saúde e outros técnicos que lidam

com crianças e adolescentes – médicos de medicina geral e familiar, pediatras,

enfermeiros, psicólogos, técnicos de reabilitação – a melhor atuar junto daqueles

que eventualmente estejam a sofrer de problemas de saúde mental ou mesmo de

perturbações psiquiátricas.

A Coordenação de Saúde Mental editou um guia3 útil para utilização nos CSP,

em que aborda de forma sintética a avaliação, triagem e referenciação em saúde

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18 P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S

mental infantil e juvenil, bem como a caracterização das patologias mais relevantes.

O propósito deste manual é a divulgação de conhecimentos sustentados na pes-

quisa científica e na sua experiência profissional, e também o de apoiar os técnicos

de saúde e de outras áreas na identificação e avaliação de problemas de saúde

mental de crianças e jovens, mas com um maior enfoque na intervenção, ou na

orientação para serviços de saúde mental e psiquiatria de infância e adolescência

das situações mais graves.

Bibliografia

1. Kelleher K. Prevention and intervention in Primary Care. In: Remschmidt H., Belfer M. L., Goodyer I., eds. Facilitating Pathways: care, treatment and prevention in child and adolescent mental health. Berlin: Springer, 2004: 313-325.

2. Integrating mental health into primary care: a global perspective. World Health Organization and World Organization of Family Doctors (Wonca). Singapore, 2008. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241563680_eng.pdf. Acesso em: 1/10/2012.

3. Saúde mental infantil e juvenil nos cuidados de saúde primários: recomendações para a prática clínica. Lisboa: Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2009.

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1 Problemas

de saúde mental e perturbações psiquiátricas

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Até uma noite acordei muito aflito e a gritar: Vou morrer, vou morrer.

— O que foi?, perguntou o meu pai, diz-me, eu sou o teu pai, eu mato aquilo de que tu tens medo.

Eu apontei na direção da janela e disse: Aquela coisa preta.

Enquanto a minha mãe, a minha avó e a minha tia se afadigavam de um lado para outro, o meu pai foi buscar a espingarda de cinco tiros, apareceu no quarto, muito calmo, e perguntou-me outra vez:

— O que é, diz-me o que é e onde?

Eu repeti:

— Aquela coisa preta.

Então o meu pai apontou na direção da janela e disparou cinco tiros seguidos. Voaram os vidros, choveram estilhaços, ficou tudo estarrecido, mas eu senti subitamente uma grande paz dentro de mim. Olhei para o meu pai e comecei a rir.

Ele abraçou-me e riu. Riu e chorou. Creio que foi uma das grandes alegrias da vida dele. E um dos momentos de absoluta cumplicidade entre nós. Um e outro, sem palavras, compreendemos imediata-mente: ele tinha acertado naquela coisa preta.

Alma

Manuel Alegre

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P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E P E R T U R B A Ç Õ E S P S I Q U I Á T R I C A S 21

O que é uma perturbação psiquiátrica?

As crianças e jovens podem sofrer, como qualquer adulto, de uma perturbação

psiquiátrica. Para além da associação com a «loucura», em que há perda da lucidez,

o que felizmente não acontece na maioria dos quadros, existe também um descon-

forto com a sua nosologia. A psiquiatria é muitas vezes acusada de colocar «rótulos»

à pessoa, que por assim dizer perde uma parte da sua identidade para o rótulo.

Mas esse rótulo pode ser útil e necessário? Sim, para sabermos do que estamos

a falar. Assim como as doenças em geral – a diabetes, a hipertensão – têm critérios

clínicos para o diagnóstico, também as perturbações psiquiátricas têm critérios para

que a linguagem possa ser compreensível entre todos, e a partir daí poder-se estu-

dar as formas de intervenção e tratamento mais eficazes. Importa, isso sim, e como

em todas as doenças em geral, não esquecermos a pessoa por detrás da doença.

Em psiquiatria, fala-se de perturbações, por se desconhecerem as anomalias

anatómicas ou fisiológicas estruturais próprias das doenças. Mas identificar essas

perturbações nas crianças e adolescentes, é uma primeira condição para sabermos

que tipo de problema temos e o que vamos fazer – e não parece que, se tal for feito

com perícia e eficácia, os possa prejudicar. Se a perturbação não for crónica, a

pessoa pode ficar livre do rótulo, já que este não tem outra utilidade senão estar ao

serviço da pessoa.

Os critérios de diagnóstico das perturbações mentais estão descritos nos princi-

pais manuais de classificação de uso internacional – a Classificação Internacional

das Doenças, 10ª Edição (CID-10)1 da Organização Mundial de Saúde e o Manual

de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 5ª Edição (DSM-5),2 da

Associação Americana de Psiquiatria.

Para falarmos em «perturbação», existem duas dimensões em que a pessoa é

afetada – no sofrimento e no funcionamento. E cada uma destas dimensões tem que

estar afetada de forma clinicamente significativa, isto é, pela frequência, gravidade e

invasão da vida da pessoa.3 Isto ajuda-nos a distinguir dos problemas que surgem

por períodos breves, ou de intensidade ligeira, ou que não perturbam o funciona-

mento de modo significativo; por exemplo, se o sintoma for ansiedade, teremos «um

problema de saúde mental» se essa ansiedade for pouco intensa, transitória e limi-

tada a alguns contextos; será uma «perturbação psiquiátrica» se for uma ansiedade

persistente, intensa e que incapacita a pessoa de funcionar e/ou que causa sofri-

mento importante.

Claro está que o sofrimento e a incapacidade são variáveis de dimensão contí-

nua, e por isso as classificações tentam introduzir critérios de número de sintomas,

tempo de duração e «prejuízo clinicamente significativo» para se poder «medir» o

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22 P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S

que se está a avaliar. Por outro lado, entre o normal e o patológico, existe todo um

gradiente de situações e, frequentemente, teremos crianças com problemas de

saúde mental, para os quais há também necessidade de ajuda técnica, sem que

haja um verdadeiro «distúrbio psiquiátrico». Se a prevalência destes na população é

de 20%, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde, referida no docu-

mento da Rede de Referenciação Hospitalar de Psiquiatria da Infância e da Adoles-

cência,4 aqueles serão em maior número. Assim, a psiquiatria e os seus manuais de

classificação procuram distinguir um subgrupo de pessoas, incluindo crianças e

adolescentes, que estarão clinicamente perturbadas, ou pela intensidade do sofrimento

ou pela incapacidade, de outras que no decurso da sua vida experimentam proble-

mas e dificuldades, e que podem ser normais, como por exemplo, uma reação de

luto, ou um período de perturbação emocional e comportamental na criança que se

segue à separação dos pais.

Há crianças que parecem funcionar muito bem, sem que os adultos notem o seu

sofrimento, assim como há outras que têm um comportamento problemático, sem

que aparentemente isso as perturbe. No entanto, e citando Brian Lask,3 pode ser

difícil definir um quadro psiquiátrico, assim como «pode ser difícil definir um elefante,

mas o que importa é sabermos reconhecê-lo quando vemos um».

A grande prevalência de perturbações psiquiátricas, e a ainda maior prevalência

de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes, para os quais necessi-

tam de intervenção, fazem com que os recursos em técnicos de saúde mental sejam

insuficientes para as necessidades. Assim, é reconhecida a necessidade de forma-

ção nesta área para a identificação, avaliação e intervenção dos profissionais de

saúde que lidam com crianças. A intervenção pode ser dirigida para as perturbações

psiquiátricas menos graves e para os problemas de saúde mental presentes nas

crianças e adolescentes. A correta identificação e avaliação dos problemas pode

habilitá-los a uma triagem mais eficiente e à referenciação dos quadros mais graves

para serviços especializados de saúde mental.

Identificar e avaliar problemas de saúde mental

Os problemas de saúde mental podem ser apercebidos pelo próprio de modo

subjetivo como ansiedade, medos, fobias, irritabilidade, tristeza ou queixas somáti-

cas, ou então manifestarem-se através do comportamento como heteroagressivi-

dade, impulsividade, problemas de atenção ou problemas de conduta antissocial.

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P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E P E R T U R B A Ç Õ E S P S I Q U I Á T R I C A S 23

Perante um problema ou uma preocupação acerca da criança, é importante

determinar em primeiro lugar de quem parte, já que habitualmente provém de um

adulto e não da própria criança. Parte de um ou ambos os pais, de um outro familiar,

de uma educadora ou professora, ou de um psicólogo escolar? Neste caso, é útil

obter um relatório em que o técnico descreva esses problemas ou dificuldades,

ouvindo a perspetiva que a família

tem acerca dos mesmos.

É também fundamental ouvir a

opinião que a criança tem – esses

problemas também a preocupam?

Causam-lhe mal-estar? Como tem

procurado resolvê-los ou enfrentá-

-los? Este diálogo pode ser mais

informativo e esclarecedor se a

criança for ouvida a sós, depen-

dendo da confiança estabelecida e

à-vontade do profissional de saúde

para falar com crianças.

Estes problemas causam mal-

-estar significativo, isto é, provocam

sofrimento, e prejudicam o seu fun-

cionamento – são portanto, persis-

tentes, graves e invasivos?

Se a queixa parte do progenitor, o problema descrito traduz uma dificuldade ao

nível do desenvolvimento ou um sintoma psicopatológico? Pela forma como os pro-

blemas são relatados, parece ser o estado mental do cuidador o alvo de cuidados,

como é o caso de um estado de ansiedade importante ou um quadro depressivo que

dão o «colorido» doentio aos problemas da criança? Ou ainda, estão presentes

ambas as situações, isto é, criança e cuidador estão a precisar de ajuda?

Um progenitor deprimido pode avaliar negativamente ou de modo catastrófico

uma dificuldade normativa, desafios com que qualquer criança se confronta, e que

são percecionados como um problema (a provocação que uma criança recebe no

recreio, ou uma rotura amorosa de um adolescente).

Um cuidador ansioso pode antecipar ou sobrevalorizar reações ou atitudes na

criança: a que recusa ir para a cama alegando medo, e cujo choro preocupa ou

angustia os pais; a criança que tendo que passar o fim de semana com o progenitor

com quem não vive, expressa alguma deceção e insatisfação com o convívio, e que

não quer ir na próxima visita. O cuidador pode estar a sofrer uma experiência de

• A criança está com problemas normativos, isto é, fazem parte do desenvolvimento, são transitórios, ligeiros e reativos a um aconteci-mento do quotidiano?

• A criança está com problemas psiquiátricos, isto é, os problemas causam sofrimento e prejudicam o seu funcionamento de modo inva-sivo, frequente e intenso?

• Os problemas descritos são um reflexo do estado mental do cuida-dor, de conflitos entre os progenito-res ou outros adultos?

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24 P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S

grande stress (problemas laborais, desemprego ou problemas conjugais) e tornar-se

menos tolerante com a criança, queixando-se do seu comportamento que encara

como anormal, ou com um significado agressivo que lhe é dirigido. O problema

resulta de uma má articulação cuidador-professora, de um conflito mãe-avó ou outro

familiar significativo? Ou os problemas relatados podem advir de um conjunto de

vários fatores conforme descritos?

Estas são interrogações que o técnico pode fazer mentalmente e ajudá-lo como

um guia quando está a escutar e a observar cuidador e criança.

Intervir

Pelas informações que obteve, pelo que escutou e pelo que observou, pode

tomar uma de três atitudes:

1. Tranquilizar: os problemas parecem ser ligeiros, recentes e não interferem

muito com o seu quotidiano; não parece existir sofrimento importante na

criança, que funciona relativamente bem na família, na escola e em outras

atividades sociais.

2. Acompanhar: os problemas parecem causar perturbação na criança e/ou pais,

mas os problemas são recentes e reativos a um acontecimento marcante; ou

então, os sintomas têm uma maior duração e têm uma intensidade moderada;

pode aconselhar ou fazer uma intervenção e aguardar pela sua evolução (por

ex., um processo de luto).

3. Referenciar: os problemas são importantes, persistentes, causam angústia ou

perturbação intensa na criança ou cuidadores, ou existe uma evidente deterio-

ração no seu funcionamento (na criança ou na vida familiar).

Para além destas decisões que dizem respeito à criança pode, de modo com-

plementar, tomar outras resoluções:

• Orientar/tratar o cuidador que parece acometido de problemas de saúde men-

tal – estados depressivos ou ansiosos, ser vítima de uma relação abusiva.

• Obter mais informação de outros intervenientes (falar com o outro progenitor,

obter um relatório escolar).

• O médico pode pedir alguns exames analíticos para melhor esclarecimento de

queixas físicas.

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P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E P E R T U R B A Ç Õ E S P S I Q U I Á T R I C A S 25

• Organizar uma intervenção familiar breve para resolver conflitos ou posições

educativas divergentes (ouvir as diferentes posições, incentivar a pensar em

soluções, ajudar a negociar ou a escolher a solução mais adequada para os

problemas). Se as posições são inconciliáveis: propor que se experimente

cada uma das soluções, de modo alternado, para depois avaliarem os resulta-

dos.

Em quadros psiquiátricos ligeiros/moderados e no vasto leque de problemas de

saúde mental que, embora não tendo critérios para perturbação psiquiátrica, reque-

rem intervenção e ajuda, que intervenções estão ao alcance dos profissionais que

lidam com crianças?

Uma das mais importantes, poderá ser designada de Informação e Apoio (ou

psicoeducação), e que corresponde à educação que pode ser dada às crianças e

suas famílias para compreenderem os problemas; de seguida, há que as ajudar a

encontrar soluções ou modos alternativos de enfrentar os problemas, que podem

então ser planeados e postos em prática. Intervenções comportamentais e de natu-

reza cognitivo-comportamental que serão descritas em cada capítulo, poderão também

ser utilizadas. Por último, os psicofármacos têm também a sua utilidade e poderão

ser usados pelos médicos com grandes benefícios para as crianças e adolescentes,

quando corretamente utilizados.

Referenciar para serviços de saúde mental e psiquiatria da infância e adolescência

De um modo geral, devem ser referenciadas as crianças e jovens que manifes-

tem problemas ou sintomas persistentes e intensos, que afetam o seu bem-estar ou

lhes causam incapacidade de funcionamento – na aprendizagem, nas atividades

sociais ou no ambiente familiar, e que não melhoram apesar das estratégias utiliza-

das.

Devem também ser valorizadas as que despertem sérias preocupações ou stress

importante nos cuidadores ou outro adulto que as conheça bem (pais, avós, educa-

dor, professor). Os problemas descritos podem não revelar um significado psicopa-

tológico, mas a angústia dos cuidadores e a sua impotência para os enfrentar,

podem exigir uma intervenção estruturada.

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26 P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S

Entre outros, podem constituir motivos para referenciar para serviços/técnicos de

saúde mental:

• Problemas de atenção e/ou hiperatividade.

• Problemas de oposição ou conduta.

• Problemas de desenvolvimento (linguagem, coordenação motora, cognição).

• Problemas de aprendizagem.

• Perturbações do humor.

• Problemas de ansiedade (pânico, timidez excessiva, queixas somáticas, ansie-

dade de separação).

• Problemas de interação social (isolamento, agressividade, desinibição).

Estes problemas não são da área exclusiva da pedopsiquiatria – a psicologia clí-

nica por exemplo, pode constituir um recurso mais facilmente acessível e suficiente

para resolver problemas de saúde mental. A neuropediatria e a pediatria do desen-

volvimento também dão resposta nesta área, e podem ser mais aceitáveis para

famílias que lidam mal com o possível estigma da especialidade. Mas esta pode ser

insubstituível em patologias ou situações clínicas mais complexas, em que a utiliza-

ção de psicofármacos seja necessária ou a intervenção tenha que ser feita a vários

níveis – individual, familiar e/ou institucional.

Situações em que pode ser vantajoso referenciar à psiquiatria da infância e ado-

lescência:

• Sintomas graves ou que não melhoram com a intervenção.

• Quando se suspeita que os psicofármacos estão indicados como 1ª linha

(psicoses, quadros de ansiedade ou de depressão graves).

• Quando há necessidade de recursos só obtidos em serviços/equipas de saúde

mental (psicoterapias, consultas específicas como perturbações do comporta-

mento alimentar).

• Treino ou experiência insuficiente de outros técnicos.

Por vezes, os motivos de envio à consulta são a ponta de um iceberg, revelado-

res de dinâmicas familiares muito pouco saudáveis e insuspeitadas (ver caixa).

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P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E P E R T U R B A Ç Õ E S P S I Q U I Á T R I C A S 27

«Ela desmaia!»

B. tinha 12 anos quando foi orientada para a consulta, por apresen-tar várias queixas somáticas, inespecíficas, incluindo episódios de lipotímias. Vinha acompanhada pela avó, que revelava grande preo-cupação com o seu estado. A sós, B. conta como amiúde é acor-dada pelo pai, alcoolizado; entre outros transtornos, é obrigada a meio da noite a recorrer à loja de conveniência da área de serviço de venda de combustível que fica próxima do bairro onde habita, para lhe comprar cigarros. B. não está a aguentar o clima de pres-são familiar, que não dispõe de recursos para se reorganizar.

Como referenciar

Nesta referenciação será útil juntar qualquer relatório recebido de um técnico que

esteja envolvido com a criança, bem como uma descrição sucinta do que observa na

criança ou no jovem e das características da família. Nomeadamente, interessa

saber quais são os problemas principais, a sua evolução no tempo e a repercussão

na criança e/ou família. É importante dar conhecimento de qualquer fator relevante

que tenha atingido a família – uma separação, uma doença grave – sobretudo se for

recente. Frequentemente, são as próprias palavras e expressões empregues, as

mais relevantes para compreender o que se possa estar a passar, como ouvir por

exemplo: «Desde que a minha filha veio para casa, ela inferniza-nos a vida!».

E depois de referenciar?

É fundamental que o médico ou outro profissional não se coloque numa posição

passiva ou desligada: há papéis que pode continuar a desempenhar e que poderão

ter um impacto sinérgico ou ainda poderem oferecer algum alívio, dada a relação

prévia de confiança que se possa ter estabelecido com a família:

• Dar apoio emocional numa situação aguda de stress – como a simples escuta

compreensiva, quando houve uma perda.

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28 P R O B L E M A S D E S A Ú D E M E N T A L E M C R I A N Ç A S E A D O L E S C E N T E S

• Ajudar a família nas suas tentativas para lidar com o problema, incentivando-a

a ser competente.

• Fazendo esforços para identificar qualquer fator que possa ter precipitado ou

esteja a manter os problemas – eventual situação de violência, conflito conjugal.

• Procurando manter-se informado sobre o acompanhamento e evolução, even-

tualmente partilhando informação adicional de que disponha.

• Continuando alerta: muitos problemas recidivam e obrigam a nova intervenção;

é também uma demonstração de interesse pela criança e família.

Potencialidades e limites da psiquiatria da infância e da adolescência

Podem-se esperar claros benefícios das intervenções psiquiátricas, sobretudo se

elas forem escolhidas e aplicadas em função dos melhores conhecimentos da arte e

dos quadros clínicos a que se destinam.

As intervenções em psicoterapia5,6 (cognitivo-comportamental, familiar, psicodi-

nâmica) podem ser eficazes, terem bons resultados que se mantêm a longo prazo, e

serem uma boa indicação de forma isolada ou em complemento a um tratamento

farmacológico, por exemplo (ver caixa).

Em consulta, o médico utiliza também técnicas psicológicas que podem ter um

papel de avaliação, diagnóstico e/ou intervenção – a escuta, as perguntas reflexivas,

o estabelecimento de uma relação empática e de ajuda, a psicoeducação e o ensino

de estratégias de confronto.

Exemplos de intervenções consideradas eficazes

• Treino parental – perturbação de oposição, perturbação da conduta.

• Terapias cognitivo-comportamentais: ansiedade genera-lizada, perturbação de pânico, ansiedade social, depres-são, bulimia nervosa.

• Terapia interpessoal: depressão.

• Terapia comportamental: fobias simples.

• Terapia familiar: anorexia nervosa.

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Problemas de Saúde Mental

em Crianças e Adolescentes

Identificar, Avaliar e Intervir

M A R I A D O C A R M O S A N T O S

Prefácio:

Daniel Sampaio

EDIÇÕES S ÍLABO

Problemas de Saúde Mental

em Crianças e Adolescentes

Identificar, Avaliar e Intervir

De acordo com os estudos epidemiológicos, a prevalência de perturbações psiquiátricas

na população infanto-juvenil é cerca de 20%. Os problemas de saúde mental são de

menor gravidade, mas mais frequentes e também requerem intervenção.

• Como distinguir um problema de saúde mental em crianças ou jovens, de um quadro

psiquiátrico?

Como identificar quando uma criança é vítima de abuso emocional?

Como suspeitar de um abuso sexual?

O que significam as Perturbações do Espetro do Autismo?

Como ajudar uma criança com problemas de ansiedade?

Por que têm os problemas de comportamento frequentemente uma trajetória crónica?

Qual o papel dos pais na rivalidade entre irmãos?

Este manual, agora na 2ª edição, continua a ter por objetivo contribuir para melhorar as

competências dos profissionais de saúde, da educação e técnicos de saúde mental que

lidam com crianças e adolescentes, na identificação, avaliação e intervenção em

problemas de saúde mental. Baseado em conhecimentos científicos sólidos e na expe-

riência clínica da autora, esta obra dá respostas a estas e outras questões ligadas aos

problemas emocionais e do comportamento infanto-juvenis.

Maria do Carmo Santos é médica pedopsiquiatra, exerce atividade clínica há mais de vinte

anos e trabalha atualmente no Departamento de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar do

Porto.

Tem

formação em Psicodrama Moreniano, Terapia Familiar e fez um Curso de Pós-Graduação em

Psicoterapia com Crianças e Adolescentes da UCAE, Porto (Colégio Universitário de Altos

Estudos).

Na sua longa experiência profissional tem tratado crianças com quadros psiquiá-

tricos e crianças com problemas de saúde mental relacionados com doenças crónicas, no

Instituto Português de Oncologia-Porto e o extinto Hospital de Crianças Maria Pia.

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«Podemos dizer que a Dra. Maria do Carmo Santos tem uma perspetiva antecipatória dos cuidados

em Saúde Juvenil porque, baseada na sua experiência clínica, sabe como uma intervenção precoce

pode ser uma garantia de uma boa Saúde Mental no futuro. A chave da sua proposta parece ser:

avaliar, prevenir, intervir.

Por todas as razões referidas, considero que o livro Problemas de Saúde Mental em Crianças e

Adolescentes – Identificar, Avaliar e Intervir, da Dra. Maria do Carmo Santos, é uma obra imprescin-

dível para todos os técnicos de saúde que interagem com crianças e jovens, sendo também esti-

mulante para todos os que lutam por uma verdadeira cultura da infância.»

Professor Catedrático de Psiquiatria e Saúde Mental

da Faculdade de Medicina de Lisboa

Daniel Sampaio

2ª EdiçãoRevista e corrigida

459

789726 1879439

ISBN 978-972-618-794-3