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1 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: PROBLEMAS E ALTERNATIVAS NO SÉCULO XX 1 . Luciano José Gonçalves Moreira 2 RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de analisar alguns problemas que a Democracia Representativa enfrentou no século XX, como a crise na representação, regimes totalitários; ainda, tentar avaliar algumas alternativas para que ela possa se tornar cada vez mais um mecanismo eficiente de representação do povo. O estudo se apóia na pesquisa de Bernard Manin, tentando verificar as crises e as “metamorfoses” que o governo de representação passou, buscando uma forma de maior identificação do povo com o governo; também, Norberto Bobbio, fazendo observações sobre o “futuro da democracia” como forma de governo que contemple sempre mais pessoas, e mais, que permita sempre mais trânsito dos cidadãos na arena política; por fim, o estudo utiliza de Hannah Arendt para demonstrar o papel que as pessoas têm na “vida pública”, na arena política, e que é na esfera política que se pode esperar a liberdade. Democracia Representativa se tornou um dos grandes temas políticos do século XX, principalmente depois das guerras mundiais, tal fato desperta a curiosidade de entender como os governos lidam com seus cidadãos, permitindo ou perseguindo seus direitos e suas liberdades – pontos que serão melhores examinados no decorrer deste trabalho. Palavras-chave: Democracia; Representação. 1 Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito para a obtenção do título bacharel em Ciência Política, com a orientação do professor Dr. Raul Francisco Magalhães. 2 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (bacharelado em Ciência Política).

PROBLEMAS E ALTERNATIVAS NO SÉCULO XX - ufjf.br · sociedades passam a ser mais complexas e os canais de interação entre o demos e o Estado ... Se todas as parafernálias do mundo

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DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: PROBLEMAS E ALTERNATIVAS NO SÉCULO XX1.

Luciano José Gonçalves Moreira2

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de analisar alguns problemas que a

Democracia Representativa enfrentou no século XX, como a crise na representação,

regimes totalitários; ainda, tentar avaliar algumas alternativas para que ela possa se

tornar cada vez mais um mecanismo eficiente de representação do povo.

O estudo se apóia na pesquisa de Bernard Manin, tentando verificar as crises e as

“metamorfoses” que o governo de representação passou, buscando uma forma de maior

identificação do povo com o governo; também, Norberto Bobbio, fazendo observações

sobre o “futuro da democracia” como forma de governo que contemple sempre mais

pessoas, e mais, que permita sempre mais trânsito dos cidadãos na arena política; por

fim, o estudo utiliza de Hannah Arendt para demonstrar o papel que as pessoas têm na

“vida pública”, na arena política, e que é na esfera política que se pode esperar a

liberdade.

Democracia Representativa se tornou um dos grandes temas políticos do século

XX, principalmente depois das guerras mundiais, tal fato desperta a curiosidade de

entender como os governos lidam com seus cidadãos, permitindo ou perseguindo seus

direitos e suas liberdades – pontos que serão melhores examinados no decorrer deste

trabalho.

Palavras-chave: Democracia; Representação.

1 Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito para a obtenção do título bacharel em Ciência Política, com a orientação do professor Dr. Raul Francisco Magalhães. 2 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (bacharelado em Ciência Política).

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I – O PROBLEMA NA REPRESENTAÇÃO

O mundo moderno carrega consigo vários avanços nos mais diversos campos da

vida humana, tendo como consequência a especialização técnica da vida. Porém as

desigualdades socioeconômicas, culturais e políticas não foram extintas, fazendo com

que um número significativo de pessoas não possa pertencer a esse mundo avançado,

sendo marginalizadas ou excluídas dele.

O presente trabalho pretende fazer uma análise do panorama político que a

sociedade moderna tem enfrentado – especialmente do período das guerras mundiais até

hoje – e como tem tentado se manter coeso com os princípios que o regem. O foco

principal será a idéia de República, com particularidade na idéia de democracia

representativa, sem esquecer dos seus desdobramentos que podem resultar em outras

formas de governo.

Três grandes autores do século XX servirão de suporte para o trabalho, são eles:

Bernard Manin, “As Metamorfoses do Governo Representativo”, Norberto Bobbio, “O

Futuro da Democracia”, além de, Hannah Arendt “A Condição Humana” – porém esta

última nos emprestará também “As Origens do Totalitarismo” e “A Promessa da

Política”.

Cada um dos autores contribuirá para o crescimento do trabalho com um viés que

suporta suas teorias, o primeiro a ser citado é Bernard Manin, mostrando que os

governos atuais podem passar, e estão passando, por uma espécie de “metamorfose”,

pois não são mais fiéis à idéia de representação.

“É ainda mais extraordinário que a chamada crise de representação atual seja atribuída ao desaparecimento ou enfraquecimento daquelas mesmas características que distinguiam a democracia de partido do parlamentarismo e que pareciam aproximar a primeira de um governo do povo pelo povo. O que está atualmente em declínio são as relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da política pública por parte do eleitorado” (MANIN, 1995, p.3).

Manin será um dos responsáveis por mostrar que o governo representativo tem

validade e até mesmo funcionalidade, mas que, infelizmente, tem se “degenerado3”,

3 Terminologia encontrada na obra platônica que afirma que as formas de governo existentes são perversões, degenerações, da forma ideal – República.

3

provocando um colapso no sistema representativo, por estar afastando os governantes

dos governados, e estes do jogo político.

Norberto Bobbio, assim como o primeiro, também mostra as pelejas que a

democracia tem enfrentado para se manter como uma forma de governo que seja

satisfatória à maioria – que é o seu objetivo principal. Ele mostra que o governo tem se

colocado cada vez mais nas mãos de pessoas especializadas, haja vista que, no jogo

político, a democracia tem perdido terreno para a “Tecnocracia”.

“Tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos” (BOBBIO, 2000, p. 46).

Na democracia, o jogo político deve ser o mais igualitário possível, permitindo

que todo e qualquer cidadão consiga fazer parte ou intervir nele, bem oposto à vida

técnica que o mundo passa a viver – ou que o mundo moderno “enjaula” as pessoas –

que é o mundo das particularidades, onde cada um se especializa em um determinado

ramo da vida, e nele se aprofunda.

A especialização que o mundo vive chega com todas suas parafernálias na arena

política, causando, também, distanciamento entre eleitores e representantes; as

sociedades passam a ser mais complexas e os canais de interação entre o demos e o

Estado passam a ficar arcaicos.

Max Weber serve ao nosso propósito mostrando que a especialização que o

mundo passa acaba por prender as pessoas em “jaulas de ferro”, onde cada um sente o

peso da vida que se tem e acaba por se entregar ao “dever profissional”, ou seja, se

especializa sempre mais:

“Na opinião de Baxter, o cuidado com os bens exteriores devia pesar sobre os ombros de seu santo apenas ‘qual leve manto de que se pudesse despir a qualquer momento’. Quis o destino, porém, que o manto virasse uma rija crosta de aço {na célebre tradução de Parsons: iron cage = jaula de ferro}. No que a ascese se pôs a transformar o mundo e a produzir no mundo os seus efeitos, os bens exteriores deste mundo ganharam poder crescente e por fim irresistível sobre os seres humanos com nunca antes na história” (WEBER, 2004, p.165).

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Se todas as parafernálias do mundo moderno acabam por se tornarem pesos em

cima das pessoas, e isto, no que toca a política, acaba por afastá-las deixando o jogo

político desestabilizado. Então, Hannah Arendt mostra como o ser humano pode intervir

e tentar melhorar a política.

Como todas as interações sociais (e a política é uma delas) se dão entre pessoas,

Hannah Arendt dará o suporte para compreensão filosófica e humanista do que está se

passando com a política atual, e como se pode pensar em reverter tal estado. Ela nos

apresenta alguns tipos de homem, que, de alguma forma, representam todos os

integrantes de qualquer sociedade. O ser humano, por nem sempre ser alguém capaz de

“fabricar” algo, apenas de “trabalhar” em algo, se torna fraco para perceber a essência

de si mesmo, o que causa um enfraquecimento da humanidade, no sentido de que as

pessoas passam a se fechar em suas vidas “privadas” sem se colocar em “publico”, que

é onde o mundo, de fato, acontece, onde as pessoas se colocam em contato e “fazem” a

política.

Tal autora nos traz ainda, com sua obra, uma forma de interpretar as

“degenerações” que ocorrem no sistema político do período de guerras, e que mudou a

forma de se fazer política drasticamente, da metade do século XX em diante, pois, o

episódio de governos totalitários mostrou duas coisas: a fraqueza humana perante a

possibilidade de se ter poder nas mãos (tornando a democracia perigosa por entregar o

governo nas mãos e qualquer cidadão, às vezes despreparado e sem virtú suficiente para

não se corromper), e, (mesmo parecendo contradição), o quanto a democracia é uma

forma de governo de igualdade entre as pessoas, respeitando e protegendo cada um.

Voltando à Bobbio neste ponto da proteção que a democracia garante, ele

demonstra que algumas regras foram propostas pela democracia moderna e que dão ares

de segurança tanto aos governantes quanto, principalmente, aos governados, assim, ele

escreve que:

“[...] temos o ideal de não violência: jamais esqueci o ensinamento de Karl Popper segundo o qual o que distingue essencialmente um governo democrático de um não-democrático é que apenas no primeiro os cidadãos podem livrar-se de seus governantes sem derramamento de sangue. As tão frequentemente ridicularizadas regras formais da democracia introduziram pela primeira vez na história as técnicas de convivência, destinadas a resolver os conflitos sociais sem o recurso à violência. Apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo (que deve ser

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destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar nosso lugar” (BOBBIO, 2000, p.51).

Hannah Arendt, ainda, argumentará que as pessoas são as responsáveis por

permitir que a representação dê lugar a formas de governo como, por exemplo, o

nazismo. Os governados se sentem afastados dos representantes, além de terem medo da

morte violenta por parte de seus concidadãos e de seu próprio governo, o que é

totalmente contrário à democracia4.

Enfim, a conclusão tenta mostrar como a idéia de República, apoiada em seus

bons cidadãos pode se renovar a cada dia e ser uma forma de governo ideal e real,

podendo servir aos interesses de toda a sociedade em que ela estiver implantada, mesmo

que seja para mediar os conflitos. Tenta mostra ainda que a representatividade

democrática é válida e pode funcionar, desde que sua essência seja respeitada e

aproxime os representantes dos representados, ou melhor, que os governantes tenham

em suas atitudes as vontades dos governados.

II – BERNARD MANIN E O PROBLEMA NA REPRESENTAÇÃO

Em “As Metamorfoses do Governo Representativo”, Bernard Manin faz uma

avaliação do que tem ocorrido com a representatividade que os cidadãos delegam à

outras pessoas, no intuito de se fazerem presentes no jogo político. Manin salienta que a

arena esta sendo inundada por fatores técnicos que o povo não domina5, assim,

dificultando a participação de cada pessoa nos processos decisórios. Isso resulta em uma

crise de representação no Ocidente, provocando distanciamento entre candidatos e

eleitores – governantes e governados. Na opinião de Bernard Manin, a crise que a

sociedade vive quanto à diferença com seus representantes, pode ser um caminho para

novas formas de governo, que talvez não tenhamos presenciado, ou permitido, o

nascimento delas.

A falta de identificação do povo com os governantes, juntamente com a precária

preparação – tanto do eleitorado quanto dos candidatos – para a participação política,

provoca um desequilíbrio no ideal de funcionamento da política, pois, nem os

4 Em Hannah Arendt a violência se dá na sociedade e não no estado de natureza como na tradição liberal Hobbesiana. 5 Norberto Bobbio também observa que fatores técnicos estão afastando uma grande parcela dos eleitores, o que é prejudicial para a democracia, pois faz com que muitas pessoas não se sintam – ou até mesmo sejam – capazes de participar do governo do Estado. (BOBBIO, 2006, p.46).

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representantes seguem o que fora estipulado, menos ainda, os representados sabem

como funciona o jogo político, ficando assim descrentes.

O que Manin desenvolve em seu trabalho são observações, para que se possa

ensinar a todos, como se dá o desenvolvimento na arena política. A descrença se dá pelo

fato de sempre se verem as mesmas elites na representação, porém Manin lembra que

cabe ao eleitor decidir qual elite ele quer ver representá-lo – e talvez mais, tentar tirar as

elites do governo e colocar representantes fiéis ao povo (mesmo que tenha de se formar

uma nova elite).

“Como o governo representativo se fundamenta em eleições repetidas, o povo tem condições de exercer uma certa influência sobre as decisões do governo: pode, por exemplo, destituir os representantes cuja orientação não lhe agrade. Por outro lado, o governo representativo pode ser um governo de elites, mas cabe aos cidadãos comuns decidir que elite vai exercer o poder” (MANIN, 1995, p. 4)

Nunca se pode esquecer, mas quase sempre não é lembrado, que quem escolhe os

governantes são os governados, com isso, estes passam a ter um poder extraordinário de

decisão em suas mãos, que , quando usado da melhor forma, pode levar a grandes

transformações na sociedade. Segundo ponto que este autor salienta é sobre a relativa

independência que os representantes mantêm dos representados. Na representação os

eleitos não têm a obrigação de seguirem as preferências de seus eleitores, admitindo,

inclusive, agir de forma contrária àqueles que o elegeram (não sendo ideal que isso

aconteça, visto que a representação deve ser a vontade do eleitorado feita no governo).

A isenção de tomada de decisões que os representantes têm em relação à

sociedade, pode provocar um desequilíbrio político e um descontentamento da

sociedade, fato que desacredita o eleitorado, levando a apatia política da maioria dos

eleitores, enfraquecendo a democracia, e novamente, permitindo que outras formas de

governo ganhem força ou apareçam.

“O governo representativo nunca foi um sistema em que os eleitos têm a

obrigação de realizar a vontade dos eleitores” (MANIN, 1995, p.5), e a não realização

da vontade dos eleitores acaba por deixar a representação falha. Uma outra observação

de Manin é quanto ao controle do trabalho dos governantes por parte dos governados,

visto que muitas das deliberações são tidas em particular, sem que a população saiba o

7

que houve. Na opinião dele para que os governados se envolvam com assuntos da

política, eles devem saber o que se passa.

“Para que os governados possam formar opinião sobre assuntos políticos, é necessário que tenham acesso à informação política, o que supõe tornar públicas as decisões governamentais. Quando os políticos tomam suas decisões em segredo, os governados dispõem de meios muito frágeis para elaborar opiniões em matéria de política” (MANIN, 1995, p.7).

No governo representativo, Manin mostra que esta situação é negativa, pois os

representados não tendo como saber o que seus representantes estão fazendo, acabam

por ficarem afastados do Estado, a sociedade passa a ser mera espectadora do jogo

político, e não o motivo, a razão e a essência da democracia representativa. No sistema

representativo os governantes não podem dizer com segurança “nós, o povo” pelo fato

de não estarem diretamente ligados àqueles que os elegeram, e ainda, se manterem

afastados ou esconderem suas decisões dos olhos da sociedade. O povo acaba por ser

mantido longe das tomadas de decisão, pois a maioria acaba por ficar de fora do

governo, sem saber o que esta acontecendo.

Ainda, também, “a liberdade de opinião pública mantém a permanente

possibilidade de que o povo fale por si mesmo” (MANIN, 1995, p.9), ou seja, quando o

público se mobiliza pode se organizar em movimentos que independem dos governantes

e, com isso, tentar se inserir de forma independente dos eleitos no jogo político. O

quarto ponto que Bernard Manin expõe é sobre as decisões políticas serem tomadas

após debate público. E estipula que “o princípio de governo representativo deve ser

formulado da seguinte maneira: nenhuma medida tem a validade de uma decisão

enquanto não obtiver o consentimento de uma maioria, ao final dos debates”. (MANIN,

1995, p.12).

Como a representação está ligada à noção de diversidade social, os debates servem

para que a maioria possa ser ouvida e levada em conta, com o intuito de que a vontade

do maior número de pessoas possível possa ser respeitado. Bernard Manin compreende

que existem três formatos de governo que se encaixariam no governo representativo:

Parlamentar; Democracia de Partido; Democracia de Público. Cada um destes tipos se

ocuparia de forma especial por determinados segmentos da sociedade.

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O primeiro formato é o “Governo Representativo de tipo Parlamentar”, onde as

eleições selecionam os notáveis, ou seja, uma elite se coloca no poder sendo esta tirada

entre os melhores. Os deputados são livres para votarem e escolherem de acordo com

suas preferências.

“Os deputados são livres para votar de acordo com sua consciência e seu julgamento pessoal. Não faz parte de seu papel transmitir uma vontade política já formulada do lado de fora do Parlamento. Os representantes não são porta-vozes dos eleitores, mas seus homens de confiança, seus trustees” (MANIN, 1995, p.13).

Neste tipo de representatividade, os cidadãos delegam a outros toda a sua forma de

escolha, e depois disso são afastados do jogo político, não sabendo o que está se

passando e nem conseguindo atuar na arena. O distanciamento entre governantes e

governados é enorme, provocando a falta de identificação entre ambas as partes da

organização política.

A segunda forma é a “Democracia de Partido”, aqui o que se visa é o partido, e

não a pessoa em que se vota, promovendo uma maior identificação e integração dos

eleitores com determinados grupos que elegem governantes, ou seja, as pessoas se

identificam com dadas ideologias e colocam pessoas no governo. Os partidos nascem

para mobilizar um maior número de pessoas, visto que o aumento do eleitorado dificulta

a relação com seus representantes, assim, o canal de expressão com o Estado se dá

através dos partidos e suas organizações filiadas, as pessoas se sentem ligadas a grupos

onde outros semelhantes se reconhecem e se encontram, provocando uma identificação

e, consequentemente, o voto naqueles partidos que mais se aproximam de suas formas

de vida, pois, “na democracia de partido as clivagens eleitorais refletem divisões de

classe” (MANIN, 1995, p.15).

A “Democracia de Público” é a última forma, onde as pessoas variam seu modo de

votar de uma eleição para outra, de acordo com a variação da personalidade dos

candidatos. Nem sempre o partido que aquele candidato pertence é o mesmo que foi

votado na eleição anterior, mas a personalidade que inspira confiança é que se elege.

Logo, os melhores “comunicadores” são aqueles que maiores chances tem de ganhar o

pleito, por tentarem se aproximar mais de uma assimilação com os eleitores. Os

problemas e questões colocados durante o processo eleitoral são os que mais mobilizam

9

e determinam no voto das pessoas neste tipo de governo, pois elas já são dividas por

fatores sociais, econômicos e culturais anteriores a escolha de candidatos, assim os

debates são consumados no meio do próprio povo, como forma de selecionar os que

melhor satisfarão àquelas parcelas da sociedade.

Bernard Manin coloca que cada uma destas formas de governo representativo traz

consigo algum beneficio para a política, mas carrega também alguns pontos negativos,

que acabam por macular o jogo político, pois, ou afastam o povo das tomadas de

decisão, ou não se fazem íntegros no governo. Nas próprias palavras de Bernard Manin:

“Boa parte da insistência na idéia de que existe uma crise na representação se deveu à percepção de que o governo representativo vem se afastando da fórmula do governo do povo pelo povo. [...] no momento em que os partidos de massa e as plataformas políticas passaram a desempenhar um papel essencial na representação, se consolidou a crença de que o governo representativo caminhava em direção à democracia. [...] Quando se reconhece a existência de uma diferença fundamental entre governo representativo e autogoverno do povo, o fenômeno atual deixa de ser visto como sinalizador de uma crise de representação e passa a ser interpretado como um deslocamento e um rearranjo da mesma combinação de elementos que sempre esteve presente desde o final do século XVIII” (MANIN, 1995, p.29).

A representação tem passado por metamorfoses que provoca uma espécie de

governo nunca antes visto – ou melhor, pretendido – com vários fatores sendo regra, e

não exceção na sua constituição, como corrupção, violência, deslealdade, falta de ética,

ruptura de acordos e pactos, enfim, vários deslizes estão sendo cometidos na política

que acabam por levar a democracia a níveis de perversão jamais imaginados. A

democracia representativa enfrenta uma crise que acaba por afastar seus cidadãos, o que

pode levar a um colapso do sistema, provocando formas de governo autoritárias.

III – NORBERTO BOBBIO E UM FUTURO PARA A DEMOCRACIA

Norberto Bobbio (1909 – 2004), em “O Futuro da Democracia”, faz algumas

considerações sobre o papel da democracia no mundo moderno. Para ele, errou quem

pensava que não havia espaço para a democracia na modernidade, e até mesmo o que

ocorreu foi o contrário, “a democracia converteu-se nestes anos no denominador comum

de todas as questões politicamente relevantes, teóricas e práticas” (BOBBIO, 2006, p.9).

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A democracia é colocada como transformação na obra de Bobbio, e mais, para que ela

possa ser instaurada é preciso que se tenha a “visibilidade ou transparência do poder”,

pois caso não haja isso, não é democracia.

Bobbio, porém, salienta pontos não tão animadores para um vislumbre

democrático, pois, mesmo as decisões que são tomadas para o grupo são feitas por

indivíduos, porque a totalidade dos cidadãos não consegue discutir e decidir, e para isso,

as democracias elegem um número extenso de membros do grupo para poderem decidir

em nome da maioria, a fim de ser representados no maior número possível, com isso

tem-se a regra fundamental da democracia: maioria.

“No que diz respeito aos sujeitos chamados a tomar (ou a colaborar para a tomada de) decisões coletivas, um regime democrático caracteriza-se por atribuir este poder (que estando autorizado pela lei fundamental torna-se um direito) a um número muito elevado de membros do grupo” (BOBBIO, 2006, p.31).

Na sua visão, as democracias não devem ser medidas pelo aumento do número de

pessoas que têm direito ao voto, mas sim pelos espaços em que se podem exercer tais

direitos, visto que não adianta às pessoas escolherem quem serão os governantes, e

depois serem afastadas do governo. Uma forma de se manter sempre atuante no Estado

seria uma modalidade que Bobbio chama de “computadorcracia”, onde as pessoas

poderiam ser consultadas sempre que necessário, e não apenas nas eleições; mas que ele

vê como uma hipótese “pueril” 6, pois, supunha que seria difícil convencer os cidadãos a

participarem constantemente – quase que uma vez por dia – nas tomadas de decisões.

Stuart Mill, na leitura de Bobbio, salienta que há duas formas de cidadãos: os

“passivos”, que são preferidos pelos governantes por serem mais fáceis de serem

governados; e os “ativos”, que são os que a democracia precisa para se manter viva. Os

“ativos” seriam responsáveis por mobilizar a política, fazer com que ela fosse cada vez

mais próxima do jogo político ideal, com respeito aos cidadãos; pois, mesmo as

democracias mais afastadas do modelo, não podem ser comparadas ou confundidas com

sistemas autoritários, e menos ainda, totalitários.

6 Fato que, talvez, hoje, aqui no Brasil, já se pode ser pensado com o grande avanço tecnológico que presenciamos, onde muito facilmente qualquer pessoa – até mesmo nos mais distante lugarejos – têm acesso a um computador com internet; ainda assim, não se pode esquecer que a exclusão digital ainda atinge um número elevado de pessoas, além, do analfabetismo ainda existente na população brasileira.

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“Existem democracias mais sólidas e menos sólidas, mais invulneráveis e mais vulneráveis; existem diversos graus de aproximação com o modelo ideal, mas mesmo a democracia mais distante do modelo não pode ser de modo algum confundida com um Estado autocrático e menos ainda com um totalitário” (BOBBIO, 2006, p. 50).

Ainda usando de um outro autor, Karl Popper, Bobbio mostra que a diferença

entre um governo democrático e um não-democrático, é que o primeiro consegue se

livrar de seu governante sem derramamento de sangue, enquanto no segundo há

conflitos entre governo e sociedade, para poderem substituir aquele governante que não

satisfaz a população.

Para Norberto Bobbio, a democracia tem encarado alguns problemas resultantes

do fato dela não ter sido concebida para modelos de sociedades complexas como as que

temos hoje em dia, fazendo assim, com que a democracia esteja sempre alguns passos

atrás da sociedade em que ela se insere.

Um dos problemas que a democracia tem encontrado pela frente é a batalha contra

a “Tecnocracia”, pois, segundo Bobbio7, os processos políticos têm se tornado cada vez

mais técnicos, refinados, se afastando da massa da população, provocando que apenas

poucos consigam se inserir no processo, e que poucos entendam como podem atuar

junto ao governo. A “Tecnocracia” ainda é responsável por produzir os “políticos por

profissão” – como Weber já havia demonstrado8. Estes “profissionais” acabam por estar

ainda mais afastados da população, visto que, tiveram de se especializar e acabam por

utilizarem discursos e atitudes que os governados nem sempre compreendem; tratam a

política não como canal de serviços para a totalidade da população, mas como meio de

sobreviverem – eles “trabalham” na política, e não a “fabricam” 9.

Para que se consiga romper com a idéia de pessoas que não estejam integralmente

dispostas a se colocarem no jogo político, Bobbio trás a idéia de “Estado total” e

“cidadão total”, onde a esfera privada seria totalmente substituída pela esfera pública,

com a intenção de promover a política como algo que seja importante para a vida das

7 Manin também salientou este ponto, como visto no capítulo referente a ele neste trabalho. 8 Política como vocação. 9 Como se verificará no capítulo referente à obra de Hannah Arendt: aquele que “trabalha”, normalmente, está alienado do que se está fazendo, acaba por não ter união com o que se faz. Já aqueles que “fabricam” são responsáveis pela criação daquilo que se colocam em suas mãos, suas essências se misturam.

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pessoas, como se fosse algo comum no dia-a-dia, em que todos estivessem dispostos e

bem preparados a atuarem na ágora. Para o autor, o “cidadão” é aquele que se ocupa de

política, e uma sociedade ideal seria aquela onde todas as pessoas fossem cidadãs.

“O cidadão total e o Estado total são duas faces da mesma moeda; consideradas uma vez do ponto de vista do povo e outra vez do ponto de vista do príncipe, têm em comum o mesmo princípio: que tudo é política, ou seja, a redução de todos os interesses humanos aos interesses da pólis, a politização integral do homem, a resolução do homem no cidadão, a completa eliminação da esfera privada na esfera pública, e assim por diante” (BOBBIO, 2006, p.55).

Porém, a apatia de um determinado grupo de pessoas, crescente, do eleitorado

(visto que a assembléia dos cidadãos – democracia direta – só funciona em número

pequeno, em comunidades pequenas) e a dificuldade de se conhecer as regras do jogo

político, impede a participação direta das pessoas nas tomadas de decisão do Estado, ou

seja, de se inserirem na vida pública da sociedade.

O uso do “referendum” poderia amenizar a distância entre os eleitores e o

governo, contudo, Bobbio diz que é um instrumento utilizado, apenas, em condições

extraordinárias, para conhecer a opinião do povo em situações de cunho essencial para a

vida da maioria, pois, caso contrário, um Estado que fosse governado por uso de

consulta pública em todas as tomadas de governo, seriam necessárias convocações

diárias da população – novamente a “computadorcracia”.

Então, Norberto Bobbio também levanta a bandeira da Democracia

Representativa, que para ele acontece quanto “as deliberações que dizem respeito à

coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas

por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 2006, p.56). A representatividade,

delegada a um outro cidadão, é uma das regras para que se consiga fazer democracia em

sociedades muito numerosas. Os atos do representante nem sempre condizem com a

vontade de seus eleitores, podendo causar desconforto entre as partes, mas nem por isso

deixa de ser o sistema democrático – juntamente com outras normas.

Sistemas democráticos se diferenciam dos não-democráticos pelo conjunto de

regras que são utilizados no jogo político. O principal preceito que dita o funcionamento

da democracia é o consenso da maioria, que é verificado “periodicamente através de

eleições livres por sufrágio universal” (BOBIO, 2006, p.80). Ainda, a liberdade de

13

opinião e de associação devem ser garantias para um bom funcionamento da

democracia, haja vista que, a censura imposta aos cidadãos faz parte de outros sistemas

políticos, que não a democracia.

Os cidadãos têm o direito de se expressarem contra seus representantes, podendo

até os retirarem do cargo que estão exercendo no governo. A democracia carrega

consigo a idéia de “poder visível”, onde os atos do governo são feitos às claras para que

a população possa ter ciência do que esta acontecendo. E Bobbio diz mais, “a

visibilidade não depende apenas da apresentação em público de quem está investido do

poder, mas também da proximidade espacial entre o governante e o governado”

(BOBBIO, 2006, p.102).

No que toca a “visibilidade” do governo, encontramos alguns problemas, pois

“quem vigia o vigilante?”. Essa é uma questão que os cidadãos comuns não conseguem

resolver, muitas vezes por não conhecerem a fundo as regras do jogo, e serem

trapaceados por seus representantes. Isso causa descrença e marasmo na população,

podendo levar a uma democracia fraca – principalmente por não entenderem que são os

vigilantes do vigia:

“A questão é tão importante que as diversas doutrinas políticas podem ser classificadas com base na resposta que deram a ela: Deus, o herói fundador de Estados (Hegel), o mais forte, o partido revolucionário que conquistou o poder, o povo entendido como inteira coletividade que se exprime através do voto” (BOBBIO, 2006, p.113).

Por ser muitas vezes “invisível” o poder do Estado, ele passa a ser violento com

seus representados, causando ondas de medo, Bobbio se utiliza de Mill para dizer que

“o único objetivo pelo qual se pode legitimamente exercer um poder sobre qualquer

membro de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, é o de evitar danos – aos

demais” (BOBBIO, 2006, p.125). A democracia não trabalha com o medo ou a força,

mas sim com identificação do governo com a sociedade, não é o povo que teme o

governo, mas o contrário.

O contrato, que é firmado entre representantes e representados, mostra que o

soberano é o responsável por fazer leis, tais que possam servir a contento para toda a

população que o elegeu. Estas leis também servem para poder balizar o poder do

governante, que, para Bobbio, é quem tem o direito de premiar ou punir – de forma

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justa. Dentro deste tema encontra-se um grande problema, pois a “invisibilidade” que

muitas vezes os governantes conseguem instaurar nos seus mandatos, juntamente com a

possibilidade de que na democracia representativa, o povo não escolha os “melhores”

provoca “metamorfoses” no sistema político.

Necessariamente, os distúrbios que se encontram no jogo político não levam a

uma mudança para um sistema não-democrático, porém se afasta do ideal de

democracia que se persegue, como forma de se colocarem em uma “vida pública”, sem

receios de não serem contados como cidadãos. Bobbio demonstra, não oferecendo como

solução, mas como alternativas, modelos de regras para governo que se baseariam em

dois primados, o dos Homens e o das Leis, assim:

“Na realidade, porém, ambas pressupõem uma condição que acaba por torná-las, com a mudança da condição, intercambiáveis. O primado da lei se baseia no pressuposto de que os governantes sejam maus, no sentido de que tendem a usar o poder em beneficio próprio. Vice-versa, o primado do homem se baseia no pressuposto do bom governante, cujo tipo ideal era o grande legislador” (BOBBIO, 2006, p.168).

Com isso ele tenta mostrar que, caso haja governantes que sejam “melhores” não

será necessário uma lei para ditar os seus mandos, porém caso se encontre um panorama

no qual aquele que detém o poder do Estado se perverta, ai sim, as leis controlariam

seus “apetites” e a população estaria a salvo de qualquer ameaça. Lembra ainda,

Bobbio, que a tirania está muito mais próxima da democracia que da monarquia, visto

que na democracia podem-se encontrar pessoas muito menos virtuosas politicamente,

levando a apatia da população, o que serve bem aos interesses do tirano. A dificuldade

de se encontrar cidadãos com grande virtú interessados em serem representantes,

estimula que “profissionais” se aventurem na arte do governo. Bobbio prefere o governo

das leis, onde a “democracia é por excelência” seu campo.

Ao final de “O Futuro da Democracia”, ainda há espaço para se pensar na

democracia no sistema internacional onde Bobbio diz que entende-se “por estado

democrático aquele estado que está baseado num pacto de não-agressão entre diferentes

grupos políticos e na estipulação de um conjunto de regras que permitam a solução

pacífica dos conflitos que poderão surgir entre eles” (BOBBIO, 2006, p.202), assim, a

democracia não condiz com a violência, pode estar ligada sim ao dissenso e ao debate,

15

mas como meios de se alcançar o bem maior para a sociedade e seus cidadãos, que são o

motivo primeiro da democracia.

A democracia se encontra em conflito – para não dizer em declínio –, pois, muitas

de suas regras foram quebradas em prol de uma minoria que passou a assumir o

governo. No período posterior a Segunda Guerra, uma onda de “democracia” assumiu

todo o mundo, nos mais vastos campos: política, artes, economia, social, etc. Como já

bem salientou Bobbio, não é a quantidade de pessoas votando que se mede a

democracia, mas os espaços que ela permite com que seus cidadãos consigam transitar,

pois, muitas “democracias” usadas como máscaras podem ser vistas, porém pouco se

faz para conseguir superá-las e transformá-las em um sistema que de fato representa a

população.

A democracia começa a enfrentar um enfraquecimento em suas bases de

sustentação, devido ao material humano que a coloca para funcionar e dela passa a

sobreviver e fazer parte. Muitas pessoas se tornam fundamentais na estrutura das

democracias, causando uma humanização das teorias que muitas vezes parecem ser

“divinas”, maculando de dentro para fora a teoria e a prática de uma forma de governo

que deveria ser formada por todos, com todos, para todos. A “degeneração” que a

democracia sofre10, devido a “degeneração” que os humanos que a sustentam passam,

leva a uma descrença e apatia por parte dos governados, pois estes passam a interpretar

que o Estado é corrupto e deturpado como aqueles que ocupam lugares de governança.

IV – HANNAH ARENDT: A CONDIÇÃO HUMANA E A AÇÃO

Hannah Arendt (1906 – 1975) em “A Condição Humana” faz uma análise de

como o Homem tem se comportado durante a sua existência, a forma que as pessoas

têm se inserido no mundo, entre seus iguais e em suas vidas particulares, e como cada

geração tem vivido as várias mudanças ocorridas durante a história, ou contribuído para

que elas ocorressem.

Várias observações sobre a forma de viver da antiguidade são colocadas em

destaque, porém somente a grega clássica interessa ao trabalho, visto que a vida pública

10 Platão em “A República” inicia uma tradição da filosofia política que mostra que as formas de governo se degeneram, se deturpam e se corrompem de acordo com o declínio da virtú de cada ser humano, visto que as formas mais superiores de governo se ligam aos mais virtuosos, mais sábios, para governar; e as mais pervertidas são aquelas ligadas a pessoas menos virtuosas, que são movidas por puro apetite.

16

enquanto organização política tem seu inicio lá. Ainda, Arendt mostra como o Homem

encara a vida moderna e como nela se organiza e estrutura sua vida.

“Politicamente, o mundo moderno em que vivemos hoje nasceu com as primeiras

explosões atômicas” (ARENDT, 2010, p.7), com isso fica evidente que a vida das

pessoas passa a ser pautada pelo horror, medo de que algo de violento possa vir a

acontecer consigo em qualquer momento, e mais, que a forma de se fazer política passa

a ser vinculada ao temor de que os governantes comecem a agir de forma contrária,

agressiva com seus governados.

O que a autora nos mostra é uma observação de três formas de seres humanos,

que, de alguma forma, são responsáveis por resumirem todos os demais, devido ao

modo que entram em contato com o mundo e o modificam: “trabalho”, “obra”, “ação”;

onde cada uma destas atitudes permite fazer uma leitura de pessoas que se colocam em

convívio com os demais.

O “trabalho” é tratado por Hannah Arendt como algo que só se presta a conseguir

aquilo que é vital à vida, ou seja, o sustento do corpo, assim, o homem se “aliena11” do

restante do mundo, do convívio com os outros homens, pois o que ele busca é apenas

algo que possa mantê-lo vivo. O “trabalho”, por mais que seja praticado na vida

“pública”, não insere nela aquele que o faz, ao contrário, ele o afasta, provocando que

os trabalhadores se reservem, cada vez, mais a uma vida “privada”.

A “obra” esta ligada a um processo de produção de um mundo “artificial”, pois ela

só cabe aos artistas, que necessitam da “mundanidade” para que possam concretizá-la,

precisam do mundo para dele, e nele, fazerem modificações. Os artistas se ligam

essencialmente com suas obras, assim a, tudo aquilo que eles produzem, as obras

tornam-se parte dos artistas. As mudanças provocadas pelas “obras” acabam por

modificar – algumas vezes muito – a forma do mundo, podendo até alterar a forma de se

viver de alguns. A vida “pública” (o mercado) se coloca como meio corrente, já que se

11 Termo marxista que mostra a distância que se instaura entre o que é feito e quem está fazendo. E ainda, que o que é feito não é algo essencialmente ligado àquele que o faz, tendo sua ligação perdida no término do processo de fabricação. O homem que trabalha não é mentor daquilo que é fabricado, é apenas “ferramenta” de tudo o que se fabrica. Bobbio, em sue dicionário de Política diz: “O uso corrente do termo designa, frequentemente em forma genérica, uma situação psicossociológica de perda da própria identidade individual ou coletiva, relacionada com uma situação negativa de dependência e de falta de autonomia. [...] Alienação dos trabalhadores enquanto são integrados, através de tarefas puramente executivas e despersonalizadas, na estrutura técnico-heiráriquica da empresa individual, sem ter nenhum poder nas decisões fundamentais.” (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília : São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p.20).

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precisa de contato com os outros para poder vender as obras feitas e conseguir matéria

prima.

“Ação corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e

não o Homem, vivem na terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2010, p.8), a “ação” se

entende como aquelas atividades que todos realizam e que modificam a estrutura de

vida com os demais e com meio em que se vive. O fato de cada um ser diferente do

outro, implica que várias vontades se coloquem em contato com outras, fazendo com

que alguns humanos tenham de agir para que se possam realizar as suas vontades, as

dos outros e a de todos, sem que ninguém precise temer ou ser prejudicado para que isso

ocorra.

A “ação” é a atitude que cada homem toma para ser no mundo, e mais, é a

esperança que aparece com cada novo nascimento, podendo – ou melhor, devendo –

modificar o mundo para melhor, tentando promover um mundo mais igualitário

(democrático) em que todos possam viver bem.

Ainda, no que toca a pluralidade, Arendt salienta que trata-se de uma condição

para que haja vida política, dentro da vida “pública”, pois é onde se dão as interações

humanas. A pluralidade pode servir a propósitos bons ou ruins, dependendo de que tem

ou toma as “ações”.

A discussão que se trava entre vida “privada” e “pública” tem origem na Grécia

antiga, onde os cidadãos eram aqueles que se colocavam na pólis e que eram livres12

para poderem agir da forma que lhe fossem convenientes, desde que respeitado os

outros cidadãos. A vida doméstica era a vida “privada” onde o senhor da casa era o

governante supremo, onde a vontade dele não precisava ser subjugada a nenhum outro

cidadão, pois, dentro de seu lar, ele era a autoridade maior.

“A distinção entre as esferas privada e pública da vida corresponde aos domínios

da família e da política” (ARENDT, 2010, p.33) tudo o que se refere à forma familiar de

vida seria de assunto privado, onde as decisões podem ser obscuras, obedecendo às

vontades do senhor da casa. Já a vida “pública”, passa a ser a política, onde cada

cidadão é dotado de direitos, e deveres, perante os demais, não podendo se sobrepor-se

aos outros, e tendo que respeitar as decisões do conjunto.

12 Somente os cidadãos eram livres para poderem fazer suas próprias escolhas e viverem como senhores de si, o restante da população estava sob os comandos e vontades de seus senhores, ou seja, mulheres e escravos, assim como os mais jovens, vivam de acordo com as necessidades e vontades do esposo, pai ou dono da casa a que pertenciam.

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Na pólis a ação e o discurso se separam, visto que é através deste último que cada

indivíduo leva os outros a deliberarem algo, e não é através da ação, prática, que ele

força os outros a obedecerem-no. O jogo político utiliza das palavras e discursos para

tomadas de decisão nesse contexto, não há espaço para a violência e força.

Hannah Arendt mostra-nos que na era moderna a linha que divide o “privado” do

“público” é apagada com o advento da vida social, onde a vida privada e a pública se

misturam formando cada ser humano, confundindo ambas e abafando o cerne da vida

“pública”:

“Embora nos tenhamos tornado excelentes na atividade do trabalho que realizamos em público, a nossa capacidade de ação e de discurso perdeu muito de seu antigo caráter desde que a ascendência do domínio social baniu estes últimos para a esfera do íntimo e do privado” (ARENDT, 2010, p.60).

Hannah Arendt demonstra que a vida social causou uma falta de atitude, de

“ação”, que marca a vida moderna, onde cada pessoa se preocupa em alcançar seu bem

estar, mobiliza todas as suas forças para se afundar na sua vida privada, levando para lá

a vida pública. O homem privado é como se não existisse, alheio a vida do restante da

sociedade – apático em relação à tomadas de decisão que podem modificar a sua vida e

a dos demais.

Resgatando, porém, a distinção clássica de “público” e “privado” que deve pautar

a vida dos homens, a autora mostra-nos que é a mesma distinção que deve ser seguida

quando se toca no que deve ser exibido, e mostrado a todos os demais concidadãos, ou

governados. Distintamente do que deve ser ocultado e mantido longe dos olhos dos

outros, assim, distinguindo a vida que os homens podem ter quando estão em suas casas

e quando estão entre os diferentes que o cercam.

Com vistas nisso, Arendt mantêm o ensinamento de Maquiavel13, dizendo que a

violência, os atos criminosos devem ser evitados aos olhos e ouvidos dos outros, mas

aqui a uma divergência, pois no pensamento dela, a bondade também tem de ser

13 Em “O Príncipe”, onde Maquiavel ensina como um governante deve agir para conseguir respeito de seus governados: causando-lhes medo e aparente sentimento de satisfação; fazendo todas as vilanias de uma vez e presenteando com bondades aos poucos, dando a falsa ilusão de que recebem mais coisas boas do que são mal-tratados. “As injúrias devem ser cometidas todas ao mesmo tempo, de modo que, sendo sentidas por menos tempo, ofendam menos. Os benefícios, por sua vez, devem ser concedidos gradualmente, de forma que sejam melhor apreciados” (MAQUIAVEL, Nicolau. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005, p.69).

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efetivada à surdina, pois caso contrário ela se perde – ela não se realiza, pois acaba por

buscar reconhecimento, o que não é a essência da ação de bondade, pois aquele que a

realiza e expõe isso, ele o deixa de ser bom.

Porém, a “ação” como um meio de existir no mundo é essencial saber a quem ela

pertence, para que ela possa ser vivida, “uma vida sem discurso e sem ação é

literalmente morta para o mundo; deixa de ser uma vida humana, uma vez que já não é

vivida entre os homens” (ARENDT, 2010, p.221), se as atitudes tomadas não são

ligadas a ninguém, a dignidade humana é roubada, visto que todos nascem para ser seres

de “ação” no mundo. Neste ponto se coloca a profundeza da obra de Hannah Arendt,

pois o que ela mostra é que a cada nascimento vem ao mundo algo novo, pois cada ser

que nasce é um número infinito de possibilidades de “ação” no mundo, que podem

transformar toda a vida da humanidade, já que a “pluralidade humana é a paradoxal

pluralidade de seres únicos” (ARENDT, 2010, p.220).

Se a política faz uma promessa de manter um mundo seguro para que cada ser

humano seja essencialmente livre para pensar e agir de acordo com suas concepções, já

que “o significado da política é a liberdade” (ARENDT, 2008, p.161), a “ação” é que

constitui o mundo político, onde se ditará as regras do jogo e se instaurará que cada um

é livre, sem ferir a liberdade de ação do próximo, pois o homem se coloca como

possibilidade de realização de mundos:

“O novo sempre acontece em oposição à esmagadora possibilidade das leis estatísticas e à sua probabilidade que, para todos os fins práticos e cotidianos, equivale à certeza; assim, o novo sempre aparece na forma de um milagre. O fato de o homem ser capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isso, mais uma vez, só é possível porque cada homem é único, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo” (ARENDT, 2010, p. 222-223).

Hannah Arendt analisa, também, a essência do poder, não aquele poder que é

brutal e oprime os governados, mas sim o poder que é respeitado e formado por todos os

cidadãos, onde, a palavra e os atos não se separam, onde o discurso e a “ação” são

vinculados e se colocam em prol da boa vida de todos. Hannah Arendt coloca como

limitação do poder a existência de outros seres humanos, ou seja, não se pode realizar

na vida “pública” todas as vontades e sanar todos os apetites da vida “privada”, já que

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se todos decidirem usar de seus poderes particulares na pólis, um cenário de barbárie e

brutalidade se instaurará.

Quando algum governante consegue alcançar a oportunidade de usar seu poder

“privado” na ágora, há um desvio no governo, pois este impõe suas vontades aos

cidadãos, e Hannah Arendt alerta que “todas as tiranias têm em comum o banimento dos

cidadãos do domínio público e a insistência em que devem dedicar-se aos seus assuntos

privados, enquanto só ‘o governante deve cuidar dos assuntos públicos’” (ARENDT,

2010, p.276).

Ao final da obra o que parece é que a autora pinta um quadro trágico ao afirmar

que na era moderna a sociedade teve um aumento significativo de importância, o que

causou o declínio do “público” e do “privado”, levando os seres humanos a uma

condição de total falta de vontade – apatia – de mudança do panorama mundial, onde

cada cidadão se isola dos demais, e ai, se perde. Porém, o que Hannah Arendt nos

ensina é que “embora tenham de morrer, os homens não nascem para morrer, mas para

começar – assim não tendo de arrastar todas as coisas humanas para a ruína e

destruição” (ARENDT, 2010, p.307), e que “o que salva o mundo, é o nascimento de

novos seres humanos e o novo começo, a ação de que são capazes em virtude de terem

nascidos” (ARENDT, 2010, p.308), é a disposição de se colocarem em “público” que

pode salvar a humanidade de um final “atômico”14.

V – CONCLUSÃO

Observado os pontos mais relevantes de cada autor para com o tema da res

publica (coisa pública), algumas conclusões já podem ser vislumbradas, visto que, se

colocada à idéia de que na democracia o governo serve ao povo, então o Estado não

pertence a ninguém, ou melhor, ele é de todo mundo, do público em geral, assim, não

devendo privilegiar nenhum cidadão mais que a outros. O governo não deve se

“metamorfosear” visando beneficiar determinada classe ou grupo, mas sim, servir a

todos os cidadãos de forma honesta e igualitária.

A Democracia Representativa se torna a forma de governo que melhor encarna a

participação do demos nas tomadas de decisão do Estado, pois, a sua característica

14 Alusão a citação onde Hannah Arendt diz que a era moderna começa nas explosões, e também ao fato de as explosões atômicas que puseram fim a Segunda guerra Mundial terem acabado com milhares de vidas. Além, é claro, do grande número de bombas atômicas existentes, capazes de acabar com a raça humana.

21

principal é fazer com que cada parcela da sociedade seja representada na administração

política. A representação se torna tema central na ciência política do século XX em

diante, mobilizando forças para que possa se tornar cada vez mais forte esta

configuração, e, também, para que possa se alastrar por todo o globo; Bobbio lembra

que a democracia cresceu não pelo número de pessoas que votam, mas pelos espaços

que a população passou a ter na governança e pela liberdade de circulação das pessoas

nas mais variadas esferas sociais.

“[...] quando se deseja saber se houve um desenvolvimento da democracia num dado país, o certo é procurar perceber se aumentou não o número dos que têm direito de participar nas decisões que lhes dizem respeito, mas os espaços nos quais podem exercer este direito.” (BOBBIO, 2006, p.40).

Não adiantaria ter um número gigantesco de pessoas com direito de voto se elas

não pudessem transitar pelos espaços do governo para saber o que se passa. A

visibilidade do que acontece no Estado é uma das características da democracia, pois

permite aos cidadãos terem controle dos seus governantes e segurança de estabilidade

política, pois pode acompanhar tudo o que acontece no governo.

Manin, porém, ressalta que a representação “nunca foi uma forma de soberania

popular” (MANIN, 1995, p.5), principalmente por se encontrar em declínio a

identificação que os governantes têm com os governados e vice-versa. A

representatividade acaba por se enfraquecer e afastar a população das tomadas de

decisão. Os governos passam por “metamorfoses” e resultam em experiências não-

democráticas, o povo fica ainda mais descrente da política e se afasta cada vez mais. Ele

reforça a evidência que “as eleições não eliminam a diferença de status e função entre o

povo e o governo” (MANIN, 1995, p.3).

Tanto Bobbio quanto Manin destacam que a democracia moderna se aparelhou de

tantas técnicas que o povo acabou por ficar perdido, assim, causando apatia política e

dificuldades para entenderem o que se passa no jogo político e na arena política.

“[...] a arena política vem sendo progressivamente dominada por fatores técnicos que os cidadãos não dominam. Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos

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seus eleitores. O abismo entre o governo e a sociedade, entre representantes e representados, parece estar aumentando.” (MANIN, 1995, p.1). “Tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos.” (BOBBIO, 2006, p.46).

Quem lê estas observações pode ser levado a pensar que a democracia

representativa é ruim para o povo, mas o que a história tem mostrado é que ela é a

forma de governo que mais se abre a presença do povo, permitindo que um grande

número de pessoas possa escolher seus representantes, que o titulo de cidadãos possa

ser compartilhado com mais pessoas, que o demos consiga vigiar de forma eficaz os

governantes e, ainda, que caso este não esteja sendo satisfatório, ele pode ser destituído

do poder sem derramamento de sangue (BOBBIO, 2000, p.51).

Hannah Arendt deixa claro em sua obra que a política promete ao povo ser um

lugar de igualdade – qualifica com base na isonomia como igualdade de falar, expor

pensamentos –, onde regimes totalitários não tenham espaço; promete ainda formar

cidadãos com capacidades reflexivas a ponto de escolher de modo melhor seus

governantes, visto que a proposta da representação é esta: escolher alguém que possa o

representar de forma a fazer valer as vontades dos que o elegem, afinal para Arendt “o

significado da política é a liberdade” (ARENDT, 2008, p.161). A política para Hannah

Arendt é o campo onde homens diferentes se associam e coexistem, pois é o espaço da

“vida pública” onde, mesmo havendo diferenças entre eles, se colocam em contato,

necessitando de um governo que seja capaz de coordenar esta vida de múltiplas faces,

sem que haja uma grande confusão e os indivíduos se agridam.

“Se estamos, pois, à espera de milagres devido ao impasse em que se encontra o nosso mundo, tal expectativa de forma alguma nos expulsa da esfera política em seu sentido original. Se o significado da política é a liberdade, isso quer dizer que nessa esfera – e em nenhuma outra – nós temos efetivamente o direito de esperar milagres” (ARENDT, 2008, p.168).

Assim, independente das dificuldades que Bobbio e Manin colocam para a

democracia representativa na política moderna, Hannah Arendt expõe que é nela que

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devemos esperar a mudança do mundo. Os milagres que podem ocorrer com base no

Estado, podem alcançar todo o povo, provocando panoramas mais justos e éticos que

em qualquer outro lugar, tendo como finalidade “salvaguardar a vida em seu sentido

mais amplo” (ARENDT, 2008, p.169).

Como alternativa aos episódios totalitários do século XX, a democracia

representativa acaba por se erguer como grande protagonista, pois ela carrega em si

dinamismo, haja vista que, “para um regime democrático, o estar em transformação é

seu estado natural: a democracia é dinâmica, o despotismo é estático e sempre igual a si

mesmo.” (BOBBIO, 2000, p.19). Ainda, relembrando Hannah Arendt que coloca o ser

humano como um ser de “ação”, alguém responsável por transformar o mundo, e o

campo que mais permite isso, ou que mais dá espaço para tais transformações é a

política – democracia.

Manin nos mostra que o pensamento político moderno acaba com o sorteio como

forma democrática e coloca a eleição, assim, de fato, toda a população (guardada as

dimensões de quem pode votar, pois menores de 18 anos, no Brasil, por exemplo, não

podem votar) poderia escolher as pessoas que ocupariam o governo.

“A eleição reflete o principio fundamental do pensamento político moderno, de que nenhum título de origem sobrenatural ou superioridade natural dá a uma pessoa o direito de impor sua vontade a outras. A eleição é um método de escolha dos que devem governar e de legitimação de seu poder” (MANIN, 1995, p.3).

Acaba-se com a idéia de que haveria pessoas predestinadas a serem os líderes da

sociedade, a política moderna mostra que, para se tornar um governante tem que

conquistar a confiança e o voto de uma parcela significativa dos governados; isso se

torna um grande ganho para a sociedade, visto que, possibilita a escolha de pessoas que

melhor representem e defendam interesses de determinados grupos, já que para Manin,

“na democracia de partido as clivagens eleitorais refletem as divisões de classe.”

(MANIN, 1995, p.15).

Um mundo que sofreu a barbárie das bombas atômicas parece ter se alertado para

o que governos políticos baseados em organizações pequenas e fechadas, voltadas para

a minoria do povo, não faz bem a sociedade, pelo contrário, estes governos de fato

matam aqueles que são colocados como seus “inimigos”, Norberto Bobbio deixa um

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alerta para as gerações mais recentes que não viveram os regimes autoritários para que

não se contentem com o “mal menor” (BOBBIO, 2000, p.87), que busquem a

democracia sempre e que ela seja cada vez mais honesta com os cidadãos, para que não

se extinga, novamente, a liberdade; Manin também coloca a liberdade no foco da

representação, dizendo “[...] a liberdade de opinião não tem uma relação direta com o

caráter representativo do governo. A representação diz respeito ao modo de participação

dos cidadãos no governo e garante ‘liberdade positiva’” (MANIN, 1995, p.7).

A democracia representativa se tornou, então, o modelo que acaba por promover a

maior inserção do povo nos meios de tomada de decisão, haja vista que é o modelo de

governo que permite nas regras de seu jogo que debates possam ser levados em conta

com a finalidade de convencerem os eleitores a votarem na idéia que melhor serve aos

interesses de cada um, assim, fazendo com que cada indivíduo possa ser representado

no Estado; mais, os governantes passam a ter cuidado com seus atos e a governarem

voltados para a população, pois “[...] o debate se processa no meio do próprio povo”

(MANIN, 1995, p.29), e sendo assim, é no meio do povo que tem de estar à satisfação

no governo.

Hoje quem vive em qualquer democracia do planeta, e que já tem apagado da

memória tudo o que se passou no mundo, pode até ser iludido de que a democracia tem

muitos equívocos e problemas referentes à sociedade, porém duas últimas questões

servem para alertar às sociedades, principalmente os governados: o primeiro é deixado

por Hannah Arendt, que lembra que não podemos nos esquecer da nossa história, da

História Mundial; o segundo por Norberto Bobbio, onde ele faz uma afirmação quanto à

democracia ser uma forma de governo melhor para a humanidade.

“As guerras e revoluções, não o funcionamento dos governos parlamentares e dos aparatos partidários da democracia, moldaram as experiências políticas básicas do século XX. Ignora-las equivale a não viver no mundo no qual vivemos de fato.” (ARENDT, 2008, p.255). “Existem democracias mais sólidas e menos sólidas, mais invulneráveis e mais vulneráveis; existem diversos graus de aproximação com o modelo ideal, mas mesmo a democracia mais distante do modelo não pode ser de modo algum confundida com um Estado autocrático e menos ainda com um totalitário.” (BOBBIO, 2000, p.50).

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Com toda esta observação podemos concluir que a política ainda tem muito que

avançar, buscar seu melhor molde que encaixe e agrade o maior número possível de

pessoas, mas, também, é possível observar que a democracia representativa já

conquistou grandes feitos, se expandindo em quantidade – muitos países já a assumiram

como forma de governo – e em qualidade – visto que os espaços públicos têm se

tornado propriedade do povo, onde podem se expressar e fazer valer seus direito, como

“vigiar” o governante. Todos os três autores que deram suporte a este trabalho

demonstram que a democracia representativa, onde os cidadãos são respeitados,

desponta como um lugar promissor à vida em comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. A Condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. ARENDT, Hannah. A Promessa da política. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. BOBBIO, Norberto. O Futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de

política. Brasília: Editora Universidade de Brasília : São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.

MANIN, Bernard. As Metamorfoses do governo representativo. 1995. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Editora Marin Claret. 2005. WEBER, Max. A Ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo:

Companhia das Letras, 2004.