Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
11/01/2021
Número: 0807999-78.2017.8.20.5001
Classe: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Órgão julgador: 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal Última distribuição : 13/12/2017
Valor da causa: R$ 152.229,89
Assuntos: Abuso de Poder, Acumulação de Proventos
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
TJRNPJe - Processo Judicial Eletrônico
Partes Procurador/Terceiro vinculado
MPRN - 22ª Promotoria Natal (AUTOR)
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RN (AUTOR)
JESSICA MESQUITA DE ARAUJO (RÉU) FRANCISCO BARROS DIAS (ADVOGADO)
ANDERSON GURGEL DANTAS (ADVOGADO)
NOARA RENEA VIEIRA DE ALENCAR BARROS DIAS
(ADVOGADO)
RAUL ROCHA CHAVES (ADVOGADO)
RAYAN OLIVEIRA FERNANDES (ADVOGADO)
ANTONIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES (RÉU) FRANCISCO BARROS DIAS (ADVOGADO)
ANDERSON GURGEL DANTAS (ADVOGADO)
NOARA RENEA VIEIRA DE ALENCAR BARROS DIAS
(ADVOGADO)
RAUL ROCHA CHAVES (ADVOGADO)
RAYAN OLIVEIRA FERNANDES (ADVOGADO)
Estado do Rio Grande do Norte (TERCEIRO INTERESSADO)
Documentos
Id. Data daAssinatura
Documento Tipo
63727980
18/12/2020 08:16 Sentença Sentença
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE NATAL
SEXTA VARA DA FAZENDA PÚBLICA
AUTOS Nº 0807999-78.2017.8.20.5001
NATUREZA DO FEITO: AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA.
PARTE PROMOVENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE –
22ª Promotoria de Natal/RN.
PARTE PROMOVIDA: JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO e ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE
MEIRELLES.
. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. “IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
” DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DOSERVIDORA FANTASMA
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. OCUPAÇÃO DE “FUNÇÃO
”. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADESGRATIFICADA
INCOMPATÍVEIS COM O CUMPRIMENTO DA JORNADA DE
TRABALHO. PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA DE MOBILIDADE
ESTUDANTIL, EM OUTRO PAÍS, PELO PERÍODO DE CINCO MESES,
COM RECEBIMENTO DE REMUNERAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO
ART. 9º, CAPUT E INCISO XI, DA LEI Nº 8.429/92. ATO IMPROBO
CONFIGURADO. DEMANDADO QUE ATUAVA COMO AGENTE
PÚBLICO DE FATO. SUPERIOR HIERÁRQUICO DA PROMOVIDA.
CIÊNCIA DAS IRREGULARIDADES CONSTATADAS. ART. 10,
INCISO XII, DA LEI ESPECÍFICA. SANÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO
PÚBLICA AFASTADA. EXTINÇÃO DO FEITO, COM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS.
Vistos.
Num. 63727980 - Pág. 1
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em desfavor de
JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO e de ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES,
regularmente qualificados, requerendo a condenação dos demandados nas sanções previstas no art. 12,
incisos I e II, da Lei nº 8.429/92, respectivamente, e o afastamento, em definitivo, de ANTÔNIO
CARLOS DANTAS DE MEIRELLES das funções exercidas na Assembleia Legislativa.
Relata que: foi instaurado o Procedimento Investigatório Criminal nº(i)
116.2016.000309, cujo propósito inicial era investigar os contornos criminais da conduta de JÉSSICA
MESQUITA DE ARAÚJO, diante de relatos de que teria percebido remuneração correspondente a cargo
comissionado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte (ALERN), sem contudo,
desempenhar as atribuições que lhe eram inerentes, configurando hipótese de “ ”; servidora fantasma (ii)
foi apurado que a demandada foi servidora do órgão entre os meses de julho de 2011 e fevereiro de 2016,
e, durante o período, desempenhou inúmeras atividades incompatíveis com o efetivo exercício do seu
cargo/função; a promovida participou de programa de mobilidade estudantil internacional durante o(iii)
primeiro semestre do ano de 2012, em intercâmbio entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
e a Universidade do Aveiro, em Portugal, e, durante o período em que fixou residência no exterior,
permaneceu nos quadros da ALERN, recebendo a correspondente remuneração, e sem formalizar
requerimento de afastamento; ao retornar de Portugal, JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO teria(iv)
retomado suas atividades acadêmicas de ensino superior na UFRN, cursando disciplinas nos períodos da
noite e da manhã, quando deveria estar cumprindo expediente na ALERN; além disso, acumulou o(v)
curso de graduação em Administração na UFRN com um estágio remunerado não obrigatório na
Companhia Energética do Rio Grande do Norte (COSERN), no período de 15 de janeiro de 2013 a 06 de
janeiro de 2014, e com carga horária de 6h (seis horas) diárias; com o encerramento do seu vínculo de(vi)
estágio, ainda cursando a graduação na UFRN, a demandada foi contratada pela COSERN para exercer o
cargo de Agente Econômico Financeiro, com carga horária de 8 (oito) horas/dia, cujo contrato vigorou do
dia 07 de janeiro de 2014 a 02 de julho de 2014; pouco antes do encerramento do seu vínculo com a(vii)
UFRN e após o término do contrato com a COSERN, a demandada matriculou-se em curso especializado
na preparação para exames de ingresso em universidades, visando a provação no vestibular de medicina
da Universidade Potiguar (UnP); após quase um ano de preparação, frequentando as aulas do(viii)
supracitado curso, que, em sua maioria, eram ministradas no período da manhã, a demandada foi
aprovada no curso de graduação em Medicina na Universidade Potiguar; JÉSSICA MESQUITA DE(ix)
ARAÚJO teria ingressado na graduação em Medicina no dia 19 de junho de 2015, e cursou, naquele
semestre, o primeiro período do curso, sendo matriculada para segundo período no primeiro semestre
letivo de 2016; ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES, o qual é tio materno do Deputado(x)
Estadual Ricardo José Meirelles da Motta e exercia função de chefia em seu gabinete, de maneira
informal, indicou a demandada para o cargo/função exercido na ALERN.
Num. 63727980 - Pág. 2
Juntada de mídia digital (ID 6913924).
Notificados, os promovidos ofereceram defesa prévia (ID 10072246).
O feito foi redistribuído para este Juízo em 13 de dezembro de 2017, devido às
alterações promovidas pela Resolução nº 35/2017-TJRN, DJe 06.09.2017, e Portaria Conjunta nº 57, de
07 de dezembro de 2017/CGJ-TJRN.
Manifestação do promovente (ID 25203855).
Inicial recebida. Tutela de urgência indeferida (ID 25290319).
CITADOS, JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO e ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE
MEIRELLES ofertaram contestação (ID 27538695). Asseveram que: as atividades desempenhadas por(i)
JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO consistiam no assessoramento político, realizando tarefas em quase
sua totalidade de forma externa em diversas modalidades, como o transporte de assistidos por programas
governamentais, entregas de documentos, formulação de relações da população assistida,
acompanhamento das atividades públicas do Deputado, entre outros; quando convocada para a função(ii)
gratificada, pactuou-se a tratar de atividades de assessoria política, sem atribuição administrativa ou
expediente no interior da Assembleia Legislativa; as atividades desempenhadas pela demandada não(iii)
impediram que realizasse as funções de assessoria política, com ampla possibilidade de conciliação das
tarefas; sobre a participação em programa de mobilidade estudantil internacional, recebeu autorização(iv)
verbal do gabinete do parlamentar; a graduação no curso de Medicina não pode se caracterizar como(v)
atividade pública ou trabalhista incompatível com cargo público; quanto a ANTÔNIO CARLOS DE(vi)
MEIRELLES, sua conduta se limitou à mera sugestão, sem que tivesse poder de nomear ou exonerar a
demandada, inexistindo, ainda, dever de fiscalização, uma vez que não exercia cargo oficial ou recebia
remuneração para o desempenho daquelas responsabilidades.
IMPUGNAÇÃO (ID 32635745).
Notificado, o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE requereu ingresso no polo
ativo como assistente litisconsorcial (ID 41567719).
Num. 63727980 - Pág. 3
Após intimação, os demandados pediram a oitiva de testemunhas (ID 43075066).
Decisão de saneamento, na qual foram fixados os seguintes pontos controvertidos: “se:
(i) JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO de percebeu remuneração correspondente a cargo comissionado
na ALRN, sem desempenhar as atribuições que lhe eram inerentes, conforme marco temporal delimitado
na inicial; e (ii) ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES concorreu para a nomeação de JÉSSICA
MESQUITA DE ARAÚJO ao cargo de provimento em comissão na Assembleia Legislativa, com
cooperação para que referida pessoa percebesse remuneração sem desempenhar qualquer atividade em
contraprestação.” (ID 51895528).
Designada Audiência de Instrução e Julgamento (ID 54154571), a qual foi reaprazada,
em face da situação epidemiológica atual (ID 55490884).
AUDIÊNCIA ATERMADA (ID 59664101), com oitiva das testemunhas:
– FERNANDO ANTÔNIO BRANDÃO SUASSUNA;
– TÁLIA MAIA LOPES; e
– MARINA TEODORO DA TRINDADE.
Continuação da audiência atermada (ID 61095199), com inquirição das seguintes
testemunhas, arroladas pelo demandante:
– VITOR NEVES GOMES; e
– MARIA ELIANE PEREIRA NUNES.
Razões finais apresentadas pelas partes (IDs 62133573 e 62864531).
É o relatório.
Num. 63727980 - Pág. 4
D E C I D O :
Pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE a
condenação dos demandados nas sanções previstas no art. 12, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92,
respectivamente, sob o fundamento de que praticaram os atos de improbidade administrativa, requerendo,
inclusive, o afastamento, em definitivo, de ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES das funções
exercidas na Assembleia Legislativa.
O pedido é procedente, em parte, conforme fundamentação infra.
A caracterização do ato como improbo independe da existência de prejuízo ou lesão ao
erário, bastando a comprovação da culpa, nas hipóteses de lesão ao erário, e do dolo latu sensu ou
genérico, consistente na vontade de livre e consciente de praticar a conduta contrária ao ordenamento e,
nas hipóteses de ato que importe em enriquecimento ilícito ou violação aos princípios administrativos,
conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO
RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO
DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE DEMONSTRA A PRESENÇA DO
ELEMENTO SUBJETIVO. SÚMULA 7/STJ. DANO AO ERÁRIO. NÃO
CONSTITUIÇÃO DE PENA. CONSEQUÊNCIA NECESSÁRIA DO
PREJUÍZO CAUSADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O
entendimento do STJ é que, para que seja reconhecida a tipificação da
conduta do réu como incurso nas prescrições da Lei de Improbidade
Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo,
consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao
menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. 2. Na hipótese dos autos, o
Tribunal de origem expressamente afirmou a atuação dolosa do agravante,
porquanto "restou comprovada a má-fé do ex-prefeito e das empresas
licitantes e seus representantes, fraudando-se processo licitatório; ato de
improbidade previstos na Lei n° 8.429/92, mais precisamente em seus
artigos 10, VIII, o que ocasionou prejuízo ao erário, uma vez que a verba
pública não foi devidamente utilizada" (e-STJ fl. 1946). Rever tal premissa
esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 3. O ressarcimento não constitui sanção
propriamente dita, mas sim consequência necessária do prejuízo causado.
Caracterizada a improbidade administrativa por dano ao Erário, a
Num. 63727980 - Pág. 5
devolução dos valores é imperiosa e deve vir acompanhada de pelo menos
uma das sanções legais previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992. A
propósito: REsp 1.302.405/RR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda
Turma, DJe 2/5/2017. 4. Agravo interno não provido. (In. AgInt no REsp
1616365/PE. Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, j.
23/10/2018) (grifos acrescidos).
Do mesmo modo, “O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido
de que para a configuração dos tipos ímprobos previstos na Lei 8.429/1992, especificamente os atos que
importem enriquecimento ilícito (art. 9º da LIA), causem prejuízo ao erário (art. 10 da LIA) e atentem
contra os princípios da administração pública (art. 11 da LIA), é indispensável a presença de elemento
subjetivo (em regra, conduta dolosa para todos os tipos e, excepcionalmente, culpa grave para ato lesivo
– ao erário art. 10 da LIA), não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de
” (Cf. REsp 1713044 / SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES,improbidade administrativa
Segunda Turma, STJ, j. 07.11.2019, DJe 21.09.2020).
Com efeito, a Lei da Improbidade Administrativa objetiva sancionar os praticantes de
atos dolosos ou de má-fé no trato da coisa pública, tipificando como ímprobas as condutas que importam
enriquecimento ilícito (art. 9º), que causam prejuízo ao erário (art. 10), decorrentes de concessão ou
aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A) e, ainda, que violem os princípios da
Administração Pública (art. 11).
Nesse sentido, a interpretação da Lei nº 8.429/1992 não pode levar à punição
indiscriminada de todos os atos ilegais praticados pelos agentes públicos como se fossem atos de
improbidade, alterando a própria essência normativa. O elemento culpabilidade, no âmago do ato de
improbidade, se apurará, em regra, a título de dolo, sendo que o art. 10, da Lei nº 8.429/92 alude à sua
ocorrência de forma culposa.
Conforme a jurisprudência do TJRN, "a improbidade é categoria de ilícito mais grave
que a ilegalidade. Apenas os atos que, além de ilegais, se mostrarem fruto da desonestidade ou má-fé do
agente público caracterizam a improbidade. Logo, apenas é possível a caracterização de um ato como de
improbidade administrativa quando há desonestidade por parte do administrador. A conduta ilegal só se
torna ímproba se revestida de má-fé do agente público." (In. AC 024537-7, Rel. Des. JOÃO
REBOUÇAS, j. 26/05/2015 e AC 2014.018679-8, Rel. Des. JOÃO REBOUÇAS, j. 12/05/2015).
Num. 63727980 - Pág. 6
Dessa maneira, a improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento
subjetivo da conduta do agente. A configuração de ato de improbidade administrativa, com a aplicação de
suas severas sanções, pressupõe que o agente atue com má-fé, dolo ou culpa grave, no intuito de realizar
malversação do patrimônio público. Atos ilegais não são automaticamente ímprobos, sendo preciso que se
analise a presença de elemento subjetivo por parte do agente.
No caso dos autos, é relatado que JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO foi servidora da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norteno período compreendido entrejulho de 2011 e
fevereiro de 2016, com desempenho deatividades incompatíveis com o efetivo exercício do seu
cargo/função. Além disso, ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES, o qual exercia, de maneira
informal, a função de chefia de gabinete, teria sido responsável pela indicação do nome da demandada
para o cargo.
I. JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO.
Conforme a documentação que instrui a inicial, JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO
teve designação realizada pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte,
para exercer a Função Gratificada da Assembleia Legislativa – FGAL1E, criada pela Resolução nº
020/2001, de 22 de novembro de 2001, consolidada pela Resolução nº 025/2008, a partir de 01 de julho
de 2011, nos termos da Portaria nº 467/2011-GPAL (ID 9489398 – p. 19).
A função gratificada ocupada pela demandada foi criada pela Resolução nº 020, de 22 de
dezembro de 2001, que dispõe organizacional da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Norte, e estabelece, em seu art. 111:
“Art. 111. Ficam criados os cargos de Secretário Geral da Presidência, a
Seção de Recepção da Presidência, a Chefia de Gabinete da Primeira
Secretaria, a Secretaria Executiva da Primeira Secretaria, a Chefia de
Gabinete do Procurador Geral, a Secretaria Executiva do Procurador
Geral, a Assessoria de Planejamento Estratégico, a Assessoria Técnica da
Presidência, a Assessoria de Cerimonial, a Assessoria de Relações Públicas,
a Chefia de Gabinete da Secretaria Administrativa, a Secretaria Executiva
do Gabinete do Secretaria Administrativa, a Chefio de Gabinete da
Num. 63727980 - Pág. 7
Secretaria Legislativa, a Secretaria Executiva do Gabinete da Secretaria
Legislativa, a Chefia de Gabinete da Secretaria de Informática. a Secretaria
Executiva do Gabinete da Secretaria de Infomática, Chefias de Gabinete de
Deputados, Motorista de Gabinete Parlamentar,Função Gratificada
FGAL-01. FGA L-02, FGAL-03, quantificados nesta Resolução.” (grifos
acrescidos)
Importante consignar que as funções de confiança (ou gratificadas) devem ser exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, por força do que dispõe o art. 37, inciso V, da
Constituição da República de 1988, o que não era o caso da promovida.
Além disso, os elementos constantes nos autos demonstram que JÉSSICA MESQUITA
DE ARAÚJO exercia atividades incompatíveis com a sua jornada de trabalho na Assembleia Legislativa
do Rio Grande do Norte, por meio de: a) graduação em Administração, pela UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN, com, inclusive, participação em programa de
mobilidade estudantil internacional; b) contrato de estágio e de trabalho com a COSERN; c) curso
preparatório para o vestibular de Medicina; e d) graduação no curso de Medicina, na Universidade
Potiguar - UnP.
A documentação que instrui a inicial indica que a demandada cursava Bacharelado em
Administração, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, quando ingressou nos
quadros da ALERN. Consta nos autos histórico escolar referente ao curso de “Administração –
Bacharelado – Presencial – Noturno”, no qual ingressou no primeiro semestre letivo do ano de 2009
(2009.1), com colação de grau em 11 de agosto de 2014 (ID 9489125 – ps. 19/21), o qual aponta que “foi
autorizado a mobilidade estudantil do tipo EXTERNA, INTERNACIONAL, na Instituição de Ensino
Superior Universidade de Aveiro, localizada em Portugal, na Cidade de Aveiro, durante o(s) período(s)
letivo(s) de 2012.1.
No mesmo sentido, dados do Sistema de Tráfego Internacional (STI), da Polícia
Federal, confirmam que JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO saiu do Brasilem 04 de fevereiro de 2012,
retornando em 19 de julho do mesmo ano (ID 9489125 – p. 27), o que corresponde ao período em que
esteve participando do programa de mobilidade estudantil (semestre letivo 2012.1).
Os relatórios de frequência encaminhados pela UFRN permitem concluir que a
demandada cursou a maior parte das disciplinas do curso de Administração no período noturno, contudo,
Num. 63727980 - Pág. 8
há registro das disciplinas de “Gestão da Tecnologia da Informação”, no semestre letivo 2012.2,
lecionada no horário “35M34” (terça e quintas-feiras pela manhã, terceiro e quarto horários), na qual
foram registradas 14 (quatorze) faltas da demandada (ID 9489276 – p. 13/15); no mesmo semestre letivo,
a promovida cursou, também, a disciplina “Legislação Social e Trabalhista”, às segundas e quartas-feiras
pela manhã, nos terceiro e quarto horários (24M34), com aprovação sem registro de faltas (ID 989301 –
p. 10/12).
Consta nos autos, ainda, que a demandada cursou a disciplina de “Administração
”, no semestre letivo 2012.3 (turma de férias), no período de 11 a 31 de julho, de segunda aFinanceira II
sexta-feira pela manhã, do terceiro ao sexto horário (23456M3456), com um total de 17 (dezessete) faltas
(ID 9489301 – ps. 13/15).
Sobre os seus vínculos de estágio e trabalho nos anos de 2013 e 2014, em resposta a
ofício enviado pelo Ministério Público Estadual, a COSERN informou que JÉSSICA MESQUITA DE
ARAÚJO exerceu as seguintes funçõesnaquela empresa:
“a) ESTÁGIO com carga horária de 6 horas/dia, turno matutino, no período
entre 15/01/2013 à 06/01/2014, matrícula 983874. Cópia do Termo de
Compromisso de Estágio em anexo.
b) AGENTE ECONÔMICO FINANCEIRO, com carga horária de 8
horas/dia, no período entre 0701/2014 a 02/07/2014, matrícula 957005.
.” (ID 9489142 – p. 05).Cópia de Contrato de Trabalho em anexo
Com efeito, os documentos que instruem o procedimento instaurado no âmbito do
Ministério Público Estadual comprovam vínculo de trabalho com a COSERN, no período de 07 de janeiro
de 2014 a 01 de julho do mesmo ano, conforme informação do Ministério do Trabalho e Emprego (ID
9489125 – p. 07).
No curso da instrução processual, VITOR NEVES GOMES, testemunha arrolada pela
parte demandante, relatou que JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO foi estagiária da COSERN no ano de
2013, e contratada como funcionária no ano seguinte, até junho ou julho de 2015; que o estágio era de
06h/dia, com início às 8h00; após ser efetivada como funcionária, o horário de trabalho era de 08h00 às
Num. 63727980 - Pág. 9
17h30min; era assídua, não faltava, e realizava todas as atividades solicitadas, motivo pelo qual foi
contratada como empregada; não tinha ciência de que a demandada tinha outra atividade, na mesma
época; e que JÉSSICA MESQUITA saiu da COSERN para se dedicar aos estudos em Medicina.
Por seu turno, a testemunha MARIA ELIANE PEREIRA NUNES, que trabalhava no
setor de gestão de pessoas da COSERN,afirmou que não se recorda de JÉSSICA MESQUITA DE
ARAÚJO. Porém, que a COSERN exige o trabalho de 08h/dia, de forma presencial, durante o dia (manhã
e tarde), não sendo possível a conciliação com outro trabalho no mesmo horário.
No que se refere ao curso preparatório para o vestibular de Medicina, de acordo com os
registros do Lógico Cursos Aliados, JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO frequentou a instituição, em
dias úteis e em horário diurno, nos seguintes períodos/horários/disciplinas: (i) 30.09.2014 a 04.11.2014,
nas terças-feiras, das 07h45min às 12h00, na turma de Física; (ii)de 25.09.2014 a 06.11.2014, nas
quintas-feiras, das 07h30min às 11h30min, na turma de Matemática; (iii)de 01.10.2014 a 22.10.2014, nas
quartas-feiras, das 0h30min às 12h30min, na turma de História/Geografia, com registro de falta nos dois
primeiros dias; (iv)de 05.08.2014 a 20.10.2014, nas segundas-feiras, das 08h00 às 12h00, na turma de
Português, com registro de falta em 06 (seis) dias;(v) de 26.09.2014 a 24.10.2014, nas quintas-feiras, na
turma de Química, no horário de 08h00 às 12h15min (ID 9489406).
No ano seguinte (2015),a demandada cursou as seguintes disciplinas, no mesmo curso
preparatório: (i)de 23.01.2015 a 04.09.2015, a disciplina de Física, nas sextas-feiras, das 07h30min às
11h45min, com 07 (sete_ registros de falta, sendo 05 (cinco) a partir do mês de agosto; (ii)de 28.01.2015
a 08.07.2015, nas quartas-feiras, das 12h31min às 13h30min, na turma de Inglês, com 04 (quatro)
registros de faltas; (iii)de 27.01.2015 a 19.08.2015, na turma de Matemática, nas terças-feiras, das
07h30min às 11h30min, com 05 (cinco) registros de faltas, sendo 04 (quatro) a partir do mês de julho; (iv)
de 21.01.2015 a 22.07.2015, nas quartas-feiras, de 07h30min às 12h30min, na turma de
História/Geografia, com 05 (cinco) registros de faltas; (v) de 29.01.2015 a 16.07.2015, na turma de
Português, às quintas-feiras, no horário de 08h00 às 12h00, com 04 (quatro) registros de faltas; e (vi)no
período de 19.01.2015 a 13.07.2015, na turma de Química, às quintas-feiras, das 07h30min às 12h00, com
01 (um) registro de falta; (IDs9489406 e 9489425).
Por fim, conforme declaração do Secretário-Geral da Universidade Potiguar - UnP,
JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO ingressou no curso de Medicina (Bacharelado), em tempo integral
(manhã e tarde), em 19 de junho de 2015, por meio de processo seletivo vestibular, com matrícula inicial
no primeiro período no segundo semestre letivo de 2015, tendo renovado sua matrícula para o semestre
letivo de 2016.1 e, na época, estava cursando as disciplinas referentes ao segundo período do curso.
Num. 63727980 - Pág. 10
AtestemunhaFERNANDO ANTÔNIO BRANDÃO SUASSUNA, coordenador do
curso de Medicina na UnP de 2009 a 2019, asseverou que as atividades da graduação são desenvolvidas
nos períodos da manhã e tarde, havendo, ainda, muitas aulas no turno da noite. Relatou, ainda,que pela
manhã, as atividades têm início por volta das 07h30min e vão até às 12h45min, e a tarde das 13h30min às
18h10min. Finalizou seu depoimento afirmando que não há como compatibilizar as atividades do curso,
durante o dia, com atividades profissionais.
Por sua vez, TÁLIA MAIA LOPES, arrolada pela parte promovida, aduziu que tem
conhecimento que a demandada foi nomeada para trabalhar no gabinete do Deputado Estadual Ricardo
Motta, trabalhando fora das dependências da Assembleia, nas bases políticas do Deputado; que é comum,
nas Assessorias dos Parlamentares, o trabalho externo, em bases políticas no interior, o que foi
regulamentado por lei; que JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO é pessoa de boa índole, e rigorosa ao
extremo em tudo o que faz e que não sabe informar se a demandada prestou serviços à Assembleia
Legislativa no período em que esteve em Portugal e não tinha conhecimento quanto aos vínculos com a
COSERN.
MARINA TEODORO DA TRINDADE, testemunha arrolada pela parte promovida,
afirmou que tem conhecimento de que JÉSSICA MESQUITA prestava serviços de Assessoria
Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, mas não sabe informar o
horário de trabalho ou “ ”; alegou não saber afirmar o horário emse tinha que ir para algum canto certo
que a promovida frequentou o curso de Administração; que a demandada sempre foi muito responsável e
não era satisfeita com o cargo político, por isso buscou outros trabalhos; que tem conhecimento de que os
ocupantes de cargo de Assessoria Parlamentar exercem muitas tarefas externas.
Em sua defesa, JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO aduz que as suas atividades na
Assembleia Legislativa consistiam no assessoramento político, realizando tarefas em quase sua totalidade
de forma externa em diversas modalidades, como o transporte de assistidos por programas
governamentais, entregas de documentos, formulação de relações da população assistida,
acompanhamento das atividades públicas do Deputado, entre outros; que quando convocada para a função
gratificada, pactuou-se a tratar de atividades de assessoria política, sem atribuição administrativa ou
expediente no interior da Assembleia Legislativa, pelo que seriam compatíveis com as demais tarefas que
exercia (graduação em Administração, vínculos com a COSERN, curso preparatório para vestibular de
Medicina e graduação em Medicina).
Num. 63727980 - Pág. 11
A Lei nº 9.485/2011, que dispunhasobre a estrutura organizacional das unidades
administrativas da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, na época dos fatos
relatados, estabelece que os gabinetes dos Deputados constituem-se como unidades administrativas
autônomas, sendo organizados e dirigidos sob a responsabilidade direta e exclusiva do Deputado
respectivo, indicando quem deva ser nomeado para assessorá-lo (art. 1º, caput e parágrafo único).
Conforme relatado, a promovida foi designada para exercer função gratificada
(FGAL-03), criada pela Resolução nº 020/2001, não se enquadrando em nenhum dos cargos de cada
gabinete trazidos pela Lei nº 9.485/2011, quais sejam: Agente Administrativo Parlamentar; Assessor
Chefe de Gabinete, Assessor Técnico de Gabinete; Assessor Especial Parlamentar; Assessor Técnico
Parlamentar; Assistente Político; Auxiliar Parlamentar; Assistente Técnico de Comunicação; Secretário
de Gabinete Parlamentar; Motorista de Gabinete Parlamentar; Técnico de Processamento de Dados
Parlamentar.
No caso da requerida, não existia vínculo por cargo efetivo nem por cargo em comissão,
mas pela função gratificada “FGAL-03”.
Ademais, ainda que fosse reconhecida a legalidade do vínculo, a prestação dos serviços
de “transporte de assistidos por programas governamentais, entregas de documentos, formulação de
relações da população assistida, acompanhamento das atividades públicas do Deputado” não se mostra
passível de realização nos horários comprometidos com as atividades diversas comprovadamente
desempenhadas por JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO, como, por exemplo, cumprir jornada de
trabalho das 08h00 às 17h30min, na COSERN; frequentar aulas no curso de Medicina, das 07h30min às
18h10e, em maior gravidade e contrassenso, residir em outro país durante 05 (cinco) meses, recebendo a
contraprestação pelo seu vínculo com a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.
Assim, a baixíssima (senão inexistente)carga horária desempenhada por JÉSSICA
MESQUITA DE ARAÚJO, diante do comprovado exercício de diversas atividades incompatíveis com a
função desempenhada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, uma vez que
percebeu a remuneração no período de julho de 2011 a fevereiro de 2016, sem a devida contraprestação,
constitui elemento suficiente para enquadrar a conduta no art. 9º, capute inciso XI, da Lei de Improbidade
Administrativa:
Num. 63727980 - Pág. 12
"Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou
atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
(...)
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1° desta lei."
Portanto, ao agir desta forma, a conduta da demandada configura o tipo descrito pelo art.
9º, e inciso XI, da Lei nº 8.429/92, na medida em que auferiu vantagem indevida, com acréscimo aocaput
seu patrimônio, às expensas do erário estadual.
Além disso, a conduta da promovida pode também ser enquadrada no art. 11, caput, da
Lei nº 8.429/92:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
(…)”
Quanto ao elemento subjetivo, o dolo verifica-se na hipótese na medida em que há
vontade livre e consciente de praticar a conduta ofensiva fora dos ditames legais, recebendo por função
gratificada – registre-se, sem cargo público correlato – sem contraprestação da carga horária. Aliás, a
testemunha MARINA TEODORO DA TRINDADE destacou que a promovida queixava-se de
insatisfação com o cargo político, buscando, por isso, outras atividades.
Num. 63727980 - Pág. 13
Outrossim, a demonstração de dolo genérico mostra-se suficiente para os atos de
improbidade previstos no art. 11, da Lei nº 8.429/92, não sendo necessário o dolo específico (Cf. AgRg no
AREsp 778907 / MT, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, j. 05.05.2016, DJe 25.05.2016)
No que se refere à condenação por ato de improbidade administrativa por servidores que
percebem a regular remuneração, sem a necessária contrapartida (jornada de trabalho), há precedente do
Superior Tribunal de Justiça - STJ:
“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. "FUNCIONÁRIO FANTASMA".
PERCEPÇÃO DE VENCIMENTOS SEM A CORRESPONDENTE
CONTRAPRESTAÇÃO LABORAL. AUTONOMIA DE CONDUTA.
DESNECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO
COM OUTRO AGENTE PÚBLICO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DOLO
CONFIGURADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, CAPUT, DA LEI Nº
8.429/92. SANÇÕES APLICADAS DE FORMA PROPORCIONAL E
RAZOÁVEL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Ressai claro dos
autos que havia um vínculo jurídico-funcional entre a Administração e a
ré, que, na condição de Secretária Parlamentar da Câmara dos
Deputados, percebeu remuneração por quase dez anos, sem a necessária
contrapartida laboral. 2. A pessoa vinculada à Administração que,
confessadamente, aufere remuneração dos cofres públicos sem haver
trabalhado pratica ato de improbidade autônomo, que não reclama a
simultânea responsabilização de eventual partícipe. Patenteada sua
condição de agente pública, está a recorrente legitimada para figurar no
polo passivo da ação de improbidade, de per se, sem a necessidade de
formação de litisconsórcio passivo com outro também agente público. 3.
Acrescente-se que, ante o arcabouço fático delineado no acórdão, restou
claramente evidenciado o dolo na conduta da recorrente, ensejadora de
inegável enriquecimento ilícito. Tal comportamento, sem dúvida, revela-se
suficiente para caracterizar o ato de improbidade capitulado no art. 9º,
caput, da Lei nº 8.429/92. 4. Tendo em mira a diretriz dosimétrica
estampada no parágrafo único do art. 12 da LIA ("[...] o juiz levará em
conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial
obtido pelo agente"), as razões do recurso especial não lograram
demonstrar que, na espécie, as sanções aplicadas devessem ser decotadas à
conta de suposta falta de proporcionalidade ou razoabilidade. 5. Recurso
Num. 63727980 - Pág. 14
especial desprovido.” (In.REsp 1434985/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira
Turma, j. 06/05/2014, DJe 28/08/2014) (grifos acrescidos).
Assim, considerando a extensão do dano, a promovida deve suportar as sanções previstas
no art. 12, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa.
II. ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES.
Ao demandado ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES é imputada a
indicação de JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO para a assunção da função gratificada na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.
Conforme a inicial, ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES era funcionário
voluntário no gabinete do parlamentar do seu sobrinho RICARDO MOTTA, então Deputado Estadual, e,
apesar de exercer, de maneira informal, a função de chefia de gabinete, por mais de 15 (quinze) anos,
jamais teve sua situação funcional formalizada pela instituição.
Registre-se que independem de prova, nos termos art. 374, inciso II, do Código de
Processo Civil: (i)o fato de o demandado ter indicado JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO para o
exercício da função gratificada; e (ii)o fato de ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES
desempenhar, de maneira informal, a função de chefia no gabinete do então Deputado Estadual
RICARDO MOTTA, porquanto confessados pela parte demandada em contestação e em alegações finais:
“ (…) O Demandado, movido por espírito público de prestar serviços à
sociedade, e de acompanhar os trabalhos desempenhados pelo Gabinete do
Deputado Estadual Ricardo Motta, atuava voluntariamente e sem qualquer
remuneração na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, não
obtendo nenhum benefício ou vantagem ilícita como reflexo dessa atividade,
isto é, sem qualquer irregularidade que apresentasse prejuízo ao patrimônio
público.
Num. 63727980 - Pág. 15
No caso em análise, o agir do Demandado se limitou a mera sugestão, visto
não ser dotado de qualquer poder para nomeação ou exoneração, nem
mesmo dever de fiscalização, justamente por não exercer qualquer cargo
oficial ou receber qualquer remuneração pública para o desempenho desta
(…)” (ID 27538695 – p. 07/08).responsabilidade.
Sendo assim, considerando que ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES foi
responsável pela indicação de JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO à função pública, cumpre perquirir
acerca da possibilidade de sua condenação por ato de improbidade administrativa sob dois aspectos: a)
enquanto agente sem situação funcional regularizada; e b) se a mera indicação da promovida ao cargo, é
suficiente a configurar ato de improbidade administrativa, uma vez que a nomeação da servidora foi ato
de responsabilidade do Presidente daquele órgão.
A situação de ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES enquadra-se no que a
doutrina denomina de “agente de fato”. Sobre o assunto, leciona CARVALHO FILHO:
“A doutrina refere-se a um grupo de agentes que, mesmo sem ter uma
investidura normal e regular, executam uma função pública em nome do
Estado. São os denominados agentes de fato, nomenclatura empregada para
distingui-los dos agentes de direito. O ponto marcante dos agentes de fato é
que o desempenho da função pública deriva de situação excepcional, sem
prévio enquadramento legal, mas suscetível de ocorrência no âmbito da
Administração, dada a grande variedade de casos que se originam da
dinâmica social.” (In. Manual de Direito Administrativo, 2018, p. 711/712).
Os agentes de fato podem ser enquadrados em duas categorias, sendo (i) agentes
necessários, quando praticam atos e executam atividades excepcionalmente, em colaboração com o Poder
Público, como, por exemplo, em situações emergenciais; e (ii) agentes putativos, que desempenham uma
atividade pública com presunção de legitimidade, embora sem investidura conforme os ditames legais.
Na hipótese vertente, há de se concluir que ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE
MEIRELLES atuava como agente putativo, uma vez que figurou na Assembleia Legislativa por mais de
15 (quinze) anos, de forma que não se vislumbra situação emergencial no caso concreto.
Num. 63727980 - Pág. 16
Para os efeitos da Lei de Improbidade Administrativa, reputa-se agente público “todo
aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades mencionadas no artigo anterior” (art. 2º). Além disso, o art. 3º, do mesmo diploma legal,
estabelece que “as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo
agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob
”.qualquer forma direta ou indireta
Neste sentido, tanto os agentes públicos de direito quanto os agentes públicos de fato
podem ser sujeitos ativos da improbidade. Destacam DANIEL AMORIM e RAFAEL CARVALHO:
“Ao utilizar a expressão agente público, o art. 2.º da Lei 8.429/1992
pretendeu abarcar toda e qualquer espécie de agente. Além dos agentes
públicos de direito, que possuem vínculos formais com a Administração, a
norma abrange, também, os denominados agentes de fato, que desempenham
” ( Manual deatividades públicas sem vínculo formal com o Estado. In.
Improbidade Administrativa, 2018, p. 68).
Entendimento diverso implicaria, inclusive, em acobertar a prática de atos ímprobos por
agente público de fato, uma vez que não seria sancionado como aqueles regularmente investidos na
função pública.
Desse modo, concluída a análise quanto à possibilidade de ANTÔNIO CARLOS
DANTAS MEIRELLES, na condição de agente público de fato, ser sujeito ativo de ato de improbidade
administrativa, passa-se à análise da conduta que lhe foi imputada.
Conforme destacado, o demandado afirma ter sido o responsável pela indicação do
nome de JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO para a função gratificada assumida, bem como sua
manutenção no cargo sem o devido cumprimento da jornada de trabalho.
Num. 63727980 - Pág. 17
Como tese de defesa, o demandado afirma que sua conduta limitou-se à mera indicação
do nome da promovida, de forma que não foi responsável pela sua nomeação, a qual, competiu ao
Presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, o que se verifica, de fato, nos termos da
Portaria nº 467/2011-GPAL (ID 9489398 – p. 19).
Nesse contexto, não se infere conduta dolosa, ainda que genérica, na indicação do nome
da demandada para ocupar a função pública, porquanto inexistem, nos autos, elementos que indiquem
interesse de ANTÔNIO CARLOS DANTAS MEIRELLES em beneficiá-la.
Além disso, não é possível afirmar que o demandado tinha prévia ciência do
comportamento a ser adotado por JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO enquanto integrante no quadro de
pessoal do órgão, tendo em vista, ainda, que a demandada sempre se mostrou pessoa responsável e de boa
índole, conforme depoimentos testemunhais de TÁLIA MAIA LOPES e de MARINA TEODORO DA
TRINDADE.
No entanto, é imperioso reconhecer que o ANTÔNIO CARLOS DANTAS
MEIRELLES tinha ciência da ausência de cumprimento da carga horária, de forma integral, por JÉSSICA
MESQUITA DE ARAÚJO, uma vez que, na prática, era o seu superior hierárquico, conforme revela o
depoimento da demandada no curso do Procedimento Investigatório Criminal nº 116.2016.000309.
Aliás, em contestação, a demandada afirma que a participação em programa de
mobilidade estudantil foi devidamente comunicada ao gabinete do parlamentar, tendo recebido
autorização verbal para cumprir o programa. Outrossim, em depoimento prestado pelo demandado no
curso da investigação criminal, o próprio ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES confirmou
ter ciência do afastamento da promovida para a participação em intercâmbio e que naquele período não
foi realizada nenhuma atividade.
Desse modo, ao permitir que a promovida deixasse de cumprir a jornada de trabalho
para a qual era remunerada, o promovido incorreu na figura de improbidade administrativa prevista no art.
10, inciso XII, da Lei nº 8.429/92:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
Num. 63727980 - Pág. 18
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(…)
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;”
Consigne-seque o art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa, sanciona também a
conduta culposa, na modalidade de "culpa grave". Considerando o contexto fático, é possível apontar ao
menos culpa grave do promovido - senão dolo genérico ou específico - ao permitir a manutenção da
servidora “fantasma” no órgão, sem adoção das providências administrativas cabíveis.
Assim, considerando a extensão do dano, o demandado também deve suportar as sanções
previstas no art. 12, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa.
III. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DE ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE
MEIRELLES.
Na exordial, o promovente requereu, expressamente, o afastamento de ANTÔNIO
CARLOS DANTAS DE MEIRELLES dos quadros da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande
do Norte.
O art. 12, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa prevê a perda da função
pública como uma das sanções passíveis de aplicação nas hipóteses previstas no art. 10, do mesmo
diploma legal.
Importante salientar que “a sanção da perda do cargo público prevista entre aquelas do
art. 12 da Lei n. 8.429/1992 não está relacionada ao cargo ocupado pelo agente ímprobo ao tempo do
trânsito em julgado da sentença condenatória, mas sim àquele (cargo) que serviu de instrumento para a
" (Cf. AgRg no AREsp 369.518/SP, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, Primeiraprática da conduta ilícita
Turma, DJe 28/03/2017 – grifos acrescidos).
Num. 63727980 - Pág. 19
Neste sentido, ao tempo da conduta ilícita, ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES exercia a função de chefia, de maneira informal, no gabinete do então Deputado Estadual RICARDO MOTTA, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.
Ademais, é fato público e notório (art. 374, inciso I, do CPC) que RICARDO JOSÉ MEIRELLES DA MOTTA foi Deputado Estadual do Rio Grande do Norte no período de 01 de fevereiro de 1990 a 31 de janeiro de 2019, não mais integrando, portanto, os quadros da Assembleia Legislativa deste Estado.
É de se reconhecer, em razão disso, a ocorrência de fato extraprocessual que traz como consequência o inequívoco desinteresse no processamento desse pedido, impondo-se, outrossim, a conclusão pela perda superveniente do objeto.
Dessa maneira, conclui-se que a função pública anteriormente ocupada por ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES não mais subsiste, devendo ser afastada, portanto, a aplicação da sanção de perda da função pública.
IV - D I S P O S I T I V O
POSTO ISSO, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO por sentença, para que
produza seus jurídicos e legais efeitos, PARCIALMENTE PROCEDENTE, os pedidos formulados na
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIZAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA nº 0807999-78.2017.8.20.5001, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em face de JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO e de
ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES, regularmente qualificados, para:
(a) CONDENAR os promovidos, de forma solidária, JÉSSICA MESQUITA DE
ARAÚJO e de ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES ao ressarcimento ao
erário no valor de R$ 152.229,89 (cento e cinquenta e dois mil, duzentos e vinte e nove
reais e oitenta e nove centavos), equivalente ao prejuízo suportado pelo erário estadual
em decorrência do pagamento da remuneração da promovida, sem a correspondente
contraprestação;
DETERMINAR a suspensão dos direitos políticos de JÉSSICA MESQUITA DE(b)
ARAÚJO e de ANTÔNIO CARLOS DANTAS DE MEIRELLES, pelos prazos de 08
(oito) anos e 05 (cinco) anos, respectivamente; e
(c) DETERMINAR a proibição de JÉSSICA MESQUITA DE ARAÚJO e ANTÔNIO
CARLOS DANTAS DE MEIRELLES contratarem com o Poder Público ou receberem
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelos prazos de 10 (dez)
anos e 05 (cinco) anos, respectivamente.
Num. 63727980 - Pág. 20
O valor da condenação deverá ser atualizado pelo INPC e acrescido de juros de mora,
no mesmo percentual que remunera a caderneta da poupança, ambos incidentes desde a data do efetivo
prejuízo.
Extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de
Processo Civil.
Os promovidos arcarão com o pagamento das custas processuais.
Sem condenação em honorários advocatícios.
Na hipótese de interposição de recurso, intime-se a parte recorrida para apresentar
contrarrazões no prazo legal e, em seguida, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.010, §
3 , do Código de Processo Civil), remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.o
Oficie-se ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte,
com cópia desta decisão.
Após o trânsito em julgado, nos termos da Resolução nº 44/2007, do CNJ, incluam-se os
dados da condenação no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Natal/RN, data registrada no sistema.
Num. 63727980 - Pág. 21
FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA COUTINHO
Juiz de Direito
(documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
Num. 63727980 - Pág. 22