12
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS ERGONÔMICAS PARA A ENGENHARIA DE PRODUÇÃO: ESTUDO DE CASO EM UMA REPROGRAFIA EM UMA UNIVERSIDADE Leonardo Medeiros Vaz de Oliveira (UFRN) [email protected] Leandro de Medeiros Dantas (UFRN) [email protected] Larissa Praça de Oliveira (UFRN) [email protected] Maria Christine Werba Saldanha (UFRN) [email protected] Este artigo propõe apresentar a importância da Ergonomia, especificamente relacionado à construção social e das demandas, para a Engenheria de Produção, no que diz respeito à melhoria da produtividade, das condições de trabalho e da qualidaade de vida (saúde) dos funcionários, independente da realidade laboral atuante. Com o intuito de exemplificar este processo, realizou-se um estudo de caso em uma das filiais de uma reprografia presente em uma Universidade, que aponta as multifunções atribuídas aos fotocopistas como causas de uma série de demandas físicas, cognitivas e organizacionais. Para tanto, foi utilizado uma metodologia baseada na Análise Ergonômica do Trabalho (AET) (WISNER, 1987; VIDAL, 2008; GUÉRIN, 2001), proporcionando uma melhor compreensão de determinada situação de trabalho e percepção de suas respectivas demandas. Palavras-chaves: Ergonomia; Demandas; Construção Social; Condições de Trabalho; Qualidade de Vida. XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE

DEMANDAS ERGONÔMICAS PARA A

ENGENHARIA DE PRODUÇÃO:

ESTUDO DE CASO EM UMA

REPROGRAFIA EM UMA

UNIVERSIDADE

Leonardo Medeiros Vaz de Oliveira (UFRN)

[email protected]

Leandro de Medeiros Dantas (UFRN)

[email protected]

Larissa Praça de Oliveira (UFRN)

[email protected]

Maria Christine Werba Saldanha (UFRN)

[email protected]

Este artigo propõe apresentar a importância da Ergonomia,

especificamente relacionado à construção social e das demandas, para

a Engenheria de Produção, no que diz respeito à melhoria da

produtividade, das condições de trabalho e da qualidaade de vida

(saúde) dos funcionários, independente da realidade laboral atuante.

Com o intuito de exemplificar este processo, realizou-se um estudo de

caso em uma das filiais de uma reprografia presente em uma

Universidade, que aponta as multifunções atribuídas aos fotocopistas

como causas de uma série de demandas físicas, cognitivas e

organizacionais. Para tanto, foi utilizado uma metodologia baseada na

Análise Ergonômica do Trabalho (AET) (WISNER, 1987; VIDAL,

2008; GUÉRIN, 2001), proporcionando uma melhor compreensão de

determinada situação de trabalho e percepção de suas respectivas

demandas.

Palavras-chaves: Ergonomia; Demandas; Construção Social;

Condições de Trabalho; Qualidade de Vida.

XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.

São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

Page 2: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

2

1. Introdução

Os trabalhadores do setor de reprografia, popularmente conhecidos como fotocopistas, são

profissionais responsáveis pela reprodução de obras de outros autores, sejam pinturas,

desenhos ou livros (HOUAISS, 2001). Pesquisas demonstram que os operadores de máquinas

fotocopiadoras trabalham, freqüentemente, em ambientes insalubres que contribuem para o

desenvolvimento de agravos à saúde como alergias, irritações de pele e mucosas, lesões

oftálmicas, dentre outros (RAMALHO, 2004).

Em qualquer departamento de ensino, os setores de reprografia são de extrema importância,

uma vez que estes reproduzem componentes essenciais que ajudam, tanto os professores, no

referente ao material a ser lecionado, quanto os alunos, no que diz respeito às bibliografias

indicadas pelos docentes da instituição. Este setor possui claramente uma série de demandas

físicas, organizacionais e cognitivas que tem repercussões na qualidade do serviço prestado e

na saúde dos operadores.

Neste contexto, a presente pesquisa objetiva demonstrar a importância do processo de

construção de demandas, sustentadas por uma construção social, para a engenharia de

produção, tomando-se como base um estudo de caso em uma das filiais da reprografia

presente em uma Universidade. Para tanto, foi utilizado uma metodologia baseada na Análise

Ergonômica do Trabalho (AET) (WISNER, 1987; VIDAL, 2008; GUÉRIN, 2001),

proporcionando uma melhor compreensão da situação de trabalho e percepção de suas

respectivas demandas. Para a coleta dos dados, foram empregados métodos observacionais e

interacionais, como, ação conversacional, escuta ampliada, verbalizações, registros

fotográficos e gravações audiovisuais.

As ferramentas utilizadas na AET são vitais para diagnosticar erros ou adversidades em

qualquer ambiente de trabalho, isso porque as situações que são apresentadas ao grupo

externo nem sempre são as que realmente precisam ser consertadas para melhoria do ambiente

de trabalho. A análise global se faz essencial para que saibamos a origem do problema e

podermos relatá-lo da forma correta. A interdisciplinaridade é importante nesse fator, porque

o problema pode ser de outra área, e estando em contato com os profissionais de outras áreas,

pode-se trabalhar em conjunto para obter o melhor resultado.

2. Ergonomia em Engenharia de Produção

Segundo a ABERGO (2000), a ergonomia “é uma disciplina que busca modificar os sistemas

de trabalho para adequar as atividades nele existentes às características, habilidades e

limitações das pessoas com vista a um desempenho eficiente, confortável e seguro”. Para

Vidal (2008), a ergonomia é uma tecnologia de transformação da realidade laboral

indispensável à concepção e implementação dos projetos que materializam esta

transformação, atingindo resultados efetivos, sem conseqüências colaterais e com relação

custo-benefício favorável. Entretanto, para alcançar projetos satisfatórios, faz-se necessário a

listagem organizada dos encargos obtida mediante a Análise Ergonômica do Trabalho (AET),

um procedimento científico de modelagem da atividade em seu contexto de realização numa

organização.

A ergonomia está preocupada com os aspectos humanos do trabalho em qualquer situação

onde este é realizado, e assim sendo, não podemos esquecer aqui das suas duas finalidades

básicas: o melhoramento e a conservação da saúde dos trabalhadores, e a concepção e o

Page 3: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

3

funcionamento satisfatório do sistema técnico do ponto de vista da produção e segurança

(WISNER, 1994, apud SANTANA, 1996). Seguindo este pensamento, a ergonomia não

apresenta como única função evitar aos trabalhadores os postos de trabalhos fatigantes e/ou

perigosos, mas procura colocá-los nas melhores condições de trabalho possíveis de forma a

melhorar o rendimento e evitar o acidente ou fadiga excessiva.

Deve-se entender que a ergonomia tem sua base centrada no ser humano, em que a sua

interação com os outros elementos de um sistema e a aplicação dos conhecimentos desta,

garantem uma melhoria na qualidade do trabalho, não apenas no tocante da produção e da

produtividade, mas, sobretudo, com relação à saúde do trabalhador.

Utilizando-se de uma visão restrita e equivocada de uma das funções incumbidas a um

Engenheiro de Produção, comumente espera-se que este garanta um aumento contínuo da

produtividade. Mais uma razão para um bom uso da Ergonomia no ambiente de trabalho, pois,

segundo Silva Filho (1995 apud SANTANA, 1996), a correspondência entre produtividade e

qualidade de vida é biunívoca e diretamente proporcional; isto é, qualidade de vida alta,

valores de produtividade também altos; baixa qualidade de vida provocará baixos índices de

produtividade. Desta maneira, quanto mais a organização se preocupar em garantir uma

melhoria da qualidade de vida no trabalho para com seus colaboradores, certamente poderão

se verificar resultados satisfatórios com relação à produtividade. Isto serve para mostrar,

principalmente aos donos de empresa, a importância de empregar as técnicas de ergonomia

em qualquer ambiente de trabalho, beneficiando tanto o capital humano, colaboradores,

quanto à garantia de um retorno financeiro.

3. Análise global da atividade dos copistas na reprografia em uma Universidade

A Reprografia analisada foi criada há mais de dez anos, e desde então atua no ramo de

fotocópias no estado. Devido ao prestígio conquistado com o passar do tempo e percebendo as

vantagens de atuar em uma universidade, instituição que possui uma constante e elevada

demanda por fotocópias, a empresa passou a trabalhar em uma Universidade. Atualmente, a

empresa, além de possuir várias filiais espalhadas pelo estado, constitui-se dentro da

Universidade com oito pontos estrategicamente alocados, a fim de garantir o serviço a

praticamente todas as instalações, e, conseqüentemente, detendo grande parte da clientela.

Para se ter uma dimensão do mercado na Universidade, a instituição, atualmente, apresenta 63

cursos ativos comportando uma quantidade aproximada de 30 mil alunos. Para tanto, a

empresa deve pagar uma licitação ao governo federal por cada filial situada dentro da

universidade.

A matriz oferece uma gama de serviços, tais como: impressão laser 3D; cópia de

transparência; banner e faixas; impressão de projetos em AUTOCAD; livro de missa;

encadernação (espiral, canalota, aro duplo e francesa); senhas e rifas; cartonagem; apostilas;

folders; cartões de visita; cartazes; convites; crachás; certificados e cópia xerográfica. As

filiais na Universidade oferecem alguns destes serviços, tais como: cópias xerográficas e,

encadernação. Porém, como não têm suporte, devido a uma limitação de espaço físico e

pessoal, quando solicitados outros serviços nas filiais, são encaminhados para a matriz

operacionalizar. Atualmente, as filiais possuem apenas a função de fotocopiar, imprimir e

encadernar com espiral, mas estão em processo de implementação gradual de alguns outros

serviços. Segundo o gerente administrativo da empresa, a produtividade das filiais é avaliada

de acordo com a quantidade de folhas utilizadas no mês.

A fim de facilitar o entendimento sobre a situação de trabalho e a obtenção das informações

necessárias para a realização do presente artigo, o Grupo de Ação Ergonômica focou-se na

Page 4: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

4

filial que se localiza entre os setores III e IV, servindo de referência aos cursos de engenharia,

matemática e física somando um total de 13 cursos. O Grupo externo realizou três visitas

formais sistemáticas a filial e, devido à proximidade desta ao local de estudo dos autores deste

artigo, que também são clientes desta unidade, várias outras visitações informais podem ser

consideradas. Para coleta de dados foram utilizadas técnicas interacionais e observacionais.

As funções atribuídas pela matriz a esta unidade são desenvolvidas por 03 (três) funcionários,

cabendo a um deles (Copista-chefe) o controle, organização e integridade física do local de

trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o

mesmo, a matriz elege o responsável de cada unidade baseado no tempo de serviço, na

experiência no ramo, na produtividade, no empenho para com a empresa e, na confiança da

gerência com este trabalhador. Segundo os demais (Copista 2 e 3), o copista responsável não é

visto como um superior, mas como um companheiro de trabalho que, além de desempenhar a

função principal de fotocopista, deve garantir que as funções determinadas pela empresa

sejam cumpridas. Serão apresentados na Tabela 1 as características da população do trabalho

desta unidade.

Tabela 1 – Característica geral da população de trabalho da reprografia universitária

Antes de serem encaminhados às filiais, os funcionários passam por um período

indeterminado de treinamento na matriz da empresa e, posteriormente, um período adaptativo

de 02 (duas) semanas na atividade. À medida que surge a necessidade, os novos funcionários

são alocados nas filiais. Foi destacado e confirmado – presença de um copista relativamente

novo na atividade (Copista 3) - pelos funcionários da unidade, que a principal dificuldade dos

novatos estava relacionado ao manuseio das pastas dos professores no local de trabalho. Cada

filial da empresa no campus universitário oferece um local dentro do seu ambiente de trabalho

destinado à alocação das pastas de cada disciplina de cada professor. Trata-se de um acordo

empresa-professor, que garante à filial uma exclusividade de prestar seus serviços aos alunos

dos professores que cedem seus materiais e, em contrapartida, os professores têm seus

materiais das referidas pastas fotocopiados sem nenhum custo. Entretanto, os copistas não

recebem nenhum tipo de treinamento quanto ao manejo das pastas devido à inexistência

destas na matriz, restando aos novatos aprender, ao desenvolver a atividade, com os

funcionários mais experientes.

A jornada de trabalho do copista 1, responsável pela unidade, é de 9 horas diárias distribuídas

da seguinte forma: das 8h às 12h e das 16h às 21h. Ou seja, ele é o responsável pela abertura

(8:00 h.) e fechamento (21:00 h.) da unidade. Os copistas 2 e 3 trabalham em uma jornada de

6 e 7 horas diárias contínuas, respectivamente, com um intervalo de 20 minutos, sendo que o

copista 2 trabalha das 8h às 14h e o copista 3 das 14h às 21h, durante os 5 dias úteis da

semana. A distribuição do horário dos respectivos copistas está configurada como mostra a

Tabela 2.

Operador

Identificação Idade

(anos) Sexo

Tempo

na

Empresa

(anos)

Experiência

Prévia na

atividade

Estado

Civil Escolaridade

Carga

Horária

Copista 1 26 M 7.5 Não Casado Ensino Médio

Incompleto 9h

Copista 2 24 M 5.5 Não Casado Ensino Médio

Incompleto 6h

Copista 3 22 M 1 Não Solteiro Ensino Médio

Incompleto 6h

Page 5: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

5

8:00

9:00

9:00

10:00

11:00

12:00

12:00

13:00

13:00

14:00

14:00

15:00

15:00

16:00

16:00

17:00

17:00

18:00

18:00

19:00

19:00

20:00

20:00

21:00

Copista 1

Copista 2

Copista 3

Tabela 2 – Horários de trabalho dos copistas

Segundo os copistas entrevistados, a empresa exige a permanência de, no mínimo, dois

funcionários no local de trabalho, durante todo o expediente. Porém, ao analisarmos a tabela

acima, verificam-se momentos em que somente um operador localiza-se na unidade,

contrapondo-se ao determinado pela empresa. Conforme os copistas, isto se caracteriza como

uma regulação dos mesmos perante a redução da demanda neste horário, aproveitando para

almoçar.

A demanda das filiais situadas na Universidade apresenta dois tipos de sazonalidade bem

definidas: semestral e diária. A primeira se dá a cada início de semestre, no qual a demanda de

professores, em busca de colocar novos materiais nas suas respectivas pastas, e de alunos, em

busca dos materiais solicitados pelos professores, eleva-se. A segunda caracteriza-se pelo

intervalo entre os horários de aula, sendo estes os horários mais utilizados pelos alunos para

fotocopiar os materiais que necessitam.

O período de férias dos fotocopistas é fixo, pois corresponde exatamente à temporada de

recesso dos alunos da Universidade, principal. As férias dos fotocopistas tem uma duração de

1 (um) mês no meio de cada ano e 1 (um) mês ao final de cada ano, totalizando um período de

2 meses de férias para os copistas.

A atividade dos fotocopistas é passível de variabilidades, envolvendo uma gama de situações.

A principal, e mais comumente verificável, esta relacionada aos momentos de pico de

produção, representado pelos horários de intervalo entre as aulas, onde os alunos, principais

clientes, aproveitam para tirar fotocópias, especialmente àquelas solicitadas pelos professores.

Nesses horários é comum o aumento das filas, caracterizando um processo típico em que a

demanda supera a oferta. Para suprir a enorme procura por fotocópias nestes horários, os

funcionários aceleram o processo de atendimento de forma a atender o maior número de

alunos e professores neste curto espaço de tempo, através tanto da auto-aceleração como

eliminando micro-pausas e atendendo mais de um cliente de uma única vez. Estes

mecanismos de regulação são realizados de forma a evitar que o cliente se atrase para a

próxima aula esperando o atendimento ou, retorne para a aula sem ser atendido o que pode

gerar insatisfação e perda de clientes. Convém salientar que os professores tem prioridade de

atendimento, não precisando entrar na fila. Essa situação gera alguns tipos de conflito, pois os

operadores e alunos não conhecem todos os professores, e alguns, principalmente, os de

menor idade, podem ser confundidos com alunos.

Segundo os copistas, as maiores dificuldades nessa função, são apresentadas por funcionários

novatos no tocante à evolução das competências, requisitos e necessários ao desempenho

desta função, as quais envolvem: (a) trabalho em pé a maior parte do tempo, e constante

processo de movimentação; (b) o processo de memorização das pastas, devido à ineficiência

no procedimento de organização representada pela ausência de um esquema especificando as

características particulares de cada pasta, que deveria ser atualizado periodicamente (exemplo:

código, localização, etc.); (c) a dificuldade em calcular o troco, sendo um processo que, de

acordo com os copistas mais experientes, adquire-se com a prática.

Através da análise da tarefa e da atividade do fotocopistas, foi possível constatar a existência

de múltiplas funções (Figura 1). Neste sentido, a empresa impõe ao trabalhador a realização

Page 6: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

6

de operações, das quais algumas não diretamente relacionadas à atividade de copiador.

Especificamente nas filiais localizadas na Universidade, as normas atribuem funções

excedentes aos copiadores, como de faxineiro (tarefas de manter o local de trabalho limpo),

mecânico (capacidade de realizar um conserto simples nas máquinas copiadoras), organizar

pastas e materiais e, operador de caixa.

Figura 1 – Multifunções do copista

A função de operador de caixa, desenvolvida por todos os copistas, em situações bastante

precárias, possui componentes cognitivos e psíquicos. No caso exclusivo do serviço de

fotocópia, o cálculo do valor é em função do número de folhas reproduzidas. Para isso, os

operadores utilizam uma “cola”, folha fixada na parede que contem uma tabela com o valor

do serviço para cada quantidade de cópias. Porém, para os demais serviços, como impressões

e encadernações, o cálculo é efetuado mentalmente ou com o auxílio de uma única

calculadora, o mesmo constatado no cálculo do troco. Os copistas procuram evitar erros de

cálculos, que podem gerar conflitos com os usuários, perdas financeiras, evitando diferenças

no fechamento do caixa, e perda de tempo no retrabalho

O fechamento do caixa é um momento de ansiedade, visto que, de acordo com as normas do

trabalho, se houver diferenças negativas no caixa, considerada um “furo de caixa”, os copistas

serão punidos, tendo que arcar com a quantia necessária relativa para completar a diferença.

Porém, como o caixa é operado por todos os copistas, torna-se difícil saber qual operador

provocou o “furo de caixa”. Constatou-se que para a empresa não importa qual o responsável

por tal equívoco, contanto que a quantia seja ressarcida. Como regulação, os copistas desta

específica filial entraram em acordo sobre a divisão igualitária sempre que verificada a

diferença.

Observou-se também que a (des)organização do ambiente de trabalho exige que os operadores

desenvolvam estratégias para localizar as pastas dos professores com rapidez, dentre as quais

a memorização daquelas utilizadas com maior freqüência. Esta questão é apontada pelos

operadores como a que provoca maior interferência na realização das atividades, causando

perda de tempo com conseqüências na produtividade e na satisfação do cliente. O espaço

reservado para execução das tarefas não é amplo, mas os copistas conseguem realizar o seu

trabalho improvisando espaços para o armazenamento dos materiais e deslocamento (Figura

2).

Page 7: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

7

Figura 2 - Planta e layout do local de trabalho

Figura 3 – Falta de espaço para armazenamento das pastas

Constatou-se que a temperatura do local é variável de acordo com o número de clientes:

quanto maior a clientela, mais elevada fica a temperatura, e com as estações do ano. Os

condicionadores de ar não funcionam em perfeitas condições, tentando suprir essa

insuficiência com uso auxiliar de um ventilador, o que não garante uma temperatura

confortável. Além disso, verifica-se o constante ruído característico das máquinas

fotocopiadoras, que, conjuntamente com o barulho proveniente dos condicionadores,

ventilador e clientes, podendo interferir significativamente na concentração dos operadores.

Conseqüentemente, se faz necessário de elevar o tom da voz para estabelecer comunicação.

Com relação à iluminação, percebe-se que na área interna esta se mostra adequada à

atividade. Porém, externamente, é bem precária. Este ponto negativo não infere

significativamente na manutenção da clientela, em especial os alunos, que em função da

proximidade e do preço acessível utilizam com freqüência os serviços desta unidade.

Segundo as normas da empresa, a limpeza do local deve ser feita pelos próprios operadores,

que a realizam de forma superficial, evitando a presença de lixo ao redor das máquinas. É

notável, no local, a presença de areia na entrada e na área destinada aos clientes, visto que no

Page 8: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

8

acesso próximo não existe calçamento e o terreno é arenoso. Também pode ser observada

poeira, principalmente na área destinada ao acondicionamento das pastas.

No tocante a saúde, os funcionários estão expostos a distúrbios ósteo musculares devido à

elevação dos braços além da altura do ombro para pegar as pastas requeridas pelos alunos e a

constante elevação das tampas das máquinas para colocar o material a ser copiado,

caracterizando uma freqüente utilização dos membros superiores, em especial, no momento

de pico de produção.

Para melhor entendimento de como ocorre o atendimento (atividade do copista), observar o

fluxograma de atendimento ao cliente no esquema da Figura 4.

Figura 4 – Fluxograma simplificado da atividade do copista da reprografia localizada em uma univerisidade

Apesar de a gerência ter conhecimento sobre a (des)organização das pastas nas unidades

universitárias, os funcionários não recebem nenhuma instrução como proceder quanto ao

cadastro, organização e disposição das pastas no local de trabalho. A tarefa repassada a eles

pela gerência, no que diz respeito às pastas, consiste apenas em colocar-las nas prateleiras

quando chegam pela primeira vez em suas mãos e em devolvê-las ao local após o uso. Com a

finalidade de facilitar e otimizar o atendimento, além de reduzir a carga cognitiva sobre si, os

copistas procuram determinar o modo de armazenamento e de identificação que seja mais

cômodo e que facilite o processo. Deste modo, o copista novato, ao entrar em contato com

esta situação, aprende com os funcionários mais antigos, que já possuem experiência e

habilidades no manuseio das pastas.

Nesta filial especificamente, os funcionários mais experientes definiram que todas as pastas

devem ser numeradas e alocadas de forma ordenada, garantindo este um controle eficaz e

evitando confusão durante a localização da mesma. Conforme explicação dos próprios

funcionários, a numeração das pastas é realizada da seguinte maneira: (1) verifica-se se

alguma pasta foi retirada, pelo respectivo professor, do acervo desde o último processo de

numeração; (2) caso afirmativo, as pastas recém introduzidas ao acervo recebem a numeração

das antigas removidas do local de trabalho (verificar a inexistência da pasta número 50 na

Figura 5); (3) caso negativo, recebem a numeração imediatamente subseqüente referente ao

último algarismo, ou seja, o número mais alto. Vale salientar que além da numeração, as

pastas contem o nome do professor e da respectiva disciplina (Figura 5). Entretanto, segundo

os copistas, a atribuição de número ocorre somente no intervalo entre os semestres, pois é o

período em que possuem tempo para se dedicar a numeração e re-organização do setor. Desta

Page 9: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

9

maneira, nenhuma pasta recebe numeração durante o período letivo. Conseqüentemente,

aquelas que chegam ao estabelecimento durante o semestre, devido à ausência de tempo dos

copistas, aguardam até o final do semestre sem numeração.

Figura 5 – Detalhe do setor de armazenamento de pastas

Entretanto, a numeração, atualmente, contribui somente para o controle e organização, através

da qual se determina a quantidade total de pastas dispostas no acervo, não facilitando o

trabalho dos funcionários em relação à localização. A numeração é desconhecida pelos

clientes, incluindo os docentes, que as solicitam pelo nome do professor e disciplina,

constatando que, como estratégia regulatória a esta variabilidade, os funcionários recorrem ao

processo de memorização para localizá-las. Contudo, vale ressaltar que a elevada quantidade

de pastas (730 no momento) constitui um agravante para a memorização, principalmente

verificável quando a freqüência de solicitação é baixa, pois quanto mais solicitada é a pasta, a

tendência é um menor tempo para sua localização. Somado a isto, para dificultar, como nem

todas as disciplinas são oferecidas todos os semestres, a freqüência de solicitação de algumas

pastas segue uma sazonalidade.

Constata-se ainda, insuficiência de espaço para comportar todas as pastas nas prateleiras. Isto

ocorre porque, a cada semestre, novas pastas são adicionadas e, praticamente, nenhuma é

retirada por desuso. Através de cálculos estimativos gerados pelo GAE, verifica-se que há

espaço suficiente para comportar aproximadamente 628 pastas sendo que, conforme

levantamento de dados, há 730 pastas no local. Para contornar a superlotação das prateleiras,

os funcionários utilizam cadeiras, mesas e até o próprio chão para comportar as 102 pastas

sobressalentes.

4. Construção social

A Construção Social consiste numa estrutura de ação participativa, técnica e gerencial.

Segundo Saldanha (2004), esta é iniciada com o intuito de realizar uma intervenção para a

construção da demanda. Através da construção social é possível formar grupos de pessoas que

estarão envolvidas em determinada situação de trabalho, participando do levantamento de

dados e permitindo a aquisição de conhecimentos sobre a atividade em questão.

Nesta pesquisa, a construção social foi iniciada a partir de visitas no local de estudo e

estabelecimentos relacionados à atividade de fotocópias com intuito de identificar os

Page 10: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

10

interlocutores e participantes constituintes dos grupos que permitirão a compreensão da

atividade dos fotocopistas, possibilitando melhorias no local de trabalho (Figura 6 e Tabela 4).

Figura 6 – Esquema da Construção social (VIDAL, 2008) adaptado a atividade de reprografia

Grupos Características

Grupo de Ação

Ergonômica

(GAE)

Composto por pessoas que detêm conhecimento conceitos, métodos e técnicas de aplicação

da ergonomia e das práticas da atividade do fotocopista. No presente artigo este grupo é

formado por estudantes da graduação de Engenharia de Produção e o copista chefe.

Grupo de Suporte

(GS)

Composto pela pessoa que detêm o poder de decisão na situação de trabalho, ou seja,

copista-chefe.

Grupo de

Acompanhamento

(GA)

Composto pela pessoa que tem autoridade técnica sobre a filial em estudo, ou seja, o

copista-chefe, bem como pessoas que orientam a pesquisa, representadas na figura da

professora do curso de Engenharia de Produção e de uma mestranda em engenharia de

Produção.

Grupos de Foco

(GF)

Composto pelas pessoas que contribuíram para o levantamento das informações necessárias

ao conecimento da atividade, neste caso, os copistas atuantes na filial, os usuários e

funcionários de estabelecimentos relacionados a atividade de fotocópias.

Tabela 3 – Dispositivo da construção social na atividade dos fotocopistas

3.3. Construção da demanda

Para o levantamento das demandas utilizou-se a metodologia fundamentada na Análise

Ergonômica do Trabalho - AET (WISNER, 1987; GUÉRIN, 2001; VIDAL, 2008). A partir da

realização do estudo teórico e da análise da situação de referência, em outras reprografias

dentro e fora do ambiente universitário, os autores deste artigo obtiveram o conhecimento

prévio básico e imprescindível quanto à situação de trabalho em uma reprografia e as funções

dos fotocopiadores para a realização do mesmo. Com os dados coletados nas pesquisas

teóricas e complementares (observação de situação de referência), teve-se a base necessária

para a formulação das hipóteses da demanda.

Partindo do conceito de demanda provocada, processo no qual os pesquisadores se propõem a

desenvolver um estudo que identifica os problemas que possam se transformar em demandas

reais, advindas e/ou autorizadas pela organização (SALDANHA, 2004; CARVALHO, 2005),

visitas programadas foram realizadas tanto na matriz, a fim de obter informações sobre a

Page 11: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

11

empresa, como na filial universitária analisada. Seguindo a metodologia de análise global,

sustentada por uma construção social, tornou-se possível a formulação das demandas perante

a atividade dos fotocopistas (Tabela 4).

Figura 7 – Construção da demanda - Adaptado de Vidal, Carvalho e Saldanha (2001). Fonte: Saldanha (2004);

Carvalho (2005)

DEMANDAS Hipóteses Situadas

Usuários Fotocopistas

Desgaste físico; X X

Desgaste psíquico; X X

Problemas visuais; X X

Alergias respiratórias e irritação de pele e mucosas; X X

Pouco tempo para pausa; X X

Temperatura elevada; X X

Ruídos excessivos; X X

Organização do ambiente de trabalho; X X

Desorganização das pastas; X

Movimentos repetitivos; X X

Filas; X X

Tabela 4 – Demandas da Atividade Fotocopista: hipóteses da demanda provocada, demandas latentes e

situadas (usuários e fotocopistas)

4. Considerações Finais

Normalmente, a função dos fotocopistas é discriminada e considerada simples, mas, de acordo

com o apresentado no presente artigo, constatou-se que isto é mera ilusão. Seguindo a

metodologia apresentada neste estudo, foi possível a determinação de inúmeras demandas em

tal realidade laboral. A eliminação desses agravantes garante, não somente, uma melhor

qualidade de trabalho aos fotocopistas, principal função da Ergonomia, como também um

significativo avanço da qualidade do serviço prestado à comunidade. Além disso, serve como

meio de proteção frente à ameaça a este tipo de serviço, representado pela crescente busca por

sistemas de informação e disponibilização de textos e materiais didáticos por meio virtual,

como recentemente verifica-se na Universidade estudada através do Sistema Integrado de

Gestão de Atividades Acadêmicas. Este sistema vem mostrando-se eficaz, no que diz respeito

Page 12: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE DEMANDAS … · trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o De acordo com o mesmo, a matriz elege o

12

à comodidade na aquisição de informações, em que os alunos e professores podem ter acesso

de suas próprias residências, evitando gastos adicionais com as fotocópias.

A Construção Social demonstra como o GAE deve se articular com vários grupos, que detêm

informações essenciais sobre a atividade, de natureza e composição distintas para referenciar-

se ao longo da intervenção. Está ferramenta importante serve como direcionamento ao grupo

externo, no que concerne a quem se dirigir com o planejamento das ações e decisões a serem

tomadas, e para qual grupo foco não se devem medir esforços para realizar o estudo

ergonômico.

As visitas programadas, permite a observação da demanda provocada e análise das demandas

locais apontadas. Esta análise permite enaltecer a divergência entre as informações passadas

pela gerência e pelos funcionários que lidam diretamente com a situação de trabalho. A

apreciação detalhada de ambas as visões permite que o Engenheiro de Produção promova

melhorias que integre e conforte tanto o contratante como o contratado.

Desta maneira, tornou-se possível demonstrar a importância do processo de construção de

demandas, utilizando os conceitos da construção social, para a engenharia de produção,

tomando-se como base um estudo de caso em uma das filiais da reprografia presente em uma

Universidade. Por meio dessas diretrizes, percebe-se que a Ergonomia aplica-se a diversas

situações de trabalho, contanto que haja um planejamento, garantindo que tal disciplina

desenvolva a sua função fundamental: buscar melhores condições de trabalho para os

trabalhadores, de forma a melhorar o rendimento e evitar acidentes e/ou fadiga excessiva.

Assim, o Engenheiro de Produção pode participar ativamente desse processo. A partir dos

conhecimentos da Construção Social e Construção de Demandas, baseadas na Análise

Ergonômica do Trabalho, que, segundo Guérin (2001), permite “compreender o trabalho para

transformá-lo” bem como a utilização dos conhecimentos das demais áreas e disciplinas do

curso, o Engenheiro de Produção pode auxiliar no desenvolvimento de soluções, que possam

interferir positivamente na saúde dos trabalhadores, contribuindo para melhorias da qualidade

e produtividade.

Referências

FERREIRA, M. C.; FREIRE, O. N. Carga de Trabalho e Rotatividade na Função de Frentista. Disponível

em: http://www.unb.br/ip/labergo/sitenovo/mariocesar/artigos2/CargadeTrabalho.PDF. Acesso em 20 out. 2008.

GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: A prática de ergonomia. São Paulo: Edgard

Blucher LTDA, 2001

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

RAMALHO, F. R. A. Insalubridade para fotocopistas: negro de fumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 316,

19 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5256>. Acesso em: 11 abr. 2009.

SALDANHA, M. C. W. et al. A Ergonomia na concepção de uma plataforma LOFT – Line Oriented Flight

Training – em uma Companhia aérea brasileira. Porto Alegre: 2005.

SANTANA, Â. M. C. A abordagem ergonômica como proposta para melhoria do trabalho e produtividade em

serviços de alimentação. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Faculdade Federal de Santa

Catarina. Santa Catarina, 1996. Disponível em: <http://www.eps.ufsc.br/disserta97/santana/index.html>. Acesso

em: 25 jul. 2009.

VIDAL, M. C. Guia para Analise Ergonômica do Trabalho (AET) na Empresa. EVC: Rio de Janeiro. 2008

WISNER, A. Por dentro do trabalho: ergonomia método e técnica. São Paulo: FTD/ Oboré, 1987