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PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE
DEMANDAS ERGONÔMICAS PARA A
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO:
ESTUDO DE CASO EM UMA
REPROGRAFIA EM UMA
UNIVERSIDADE
Leonardo Medeiros Vaz de Oliveira (UFRN)
Leandro de Medeiros Dantas (UFRN)
Larissa Praça de Oliveira (UFRN)
Maria Christine Werba Saldanha (UFRN)
Este artigo propõe apresentar a importância da Ergonomia,
especificamente relacionado à construção social e das demandas, para
a Engenheria de Produção, no que diz respeito à melhoria da
produtividade, das condições de trabalho e da qualidaade de vida
(saúde) dos funcionários, independente da realidade laboral atuante.
Com o intuito de exemplificar este processo, realizou-se um estudo de
caso em uma das filiais de uma reprografia presente em uma
Universidade, que aponta as multifunções atribuídas aos fotocopistas
como causas de uma série de demandas físicas, cognitivas e
organizacionais. Para tanto, foi utilizado uma metodologia baseada na
Análise Ergonômica do Trabalho (AET) (WISNER, 1987; VIDAL,
2008; GUÉRIN, 2001), proporcionando uma melhor compreensão de
determinada situação de trabalho e percepção de suas respectivas
demandas.
Palavras-chaves: Ergonomia; Demandas; Construção Social;
Condições de Trabalho; Qualidade de Vida.
XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.
São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.
2
1. Introdução
Os trabalhadores do setor de reprografia, popularmente conhecidos como fotocopistas, são
profissionais responsáveis pela reprodução de obras de outros autores, sejam pinturas,
desenhos ou livros (HOUAISS, 2001). Pesquisas demonstram que os operadores de máquinas
fotocopiadoras trabalham, freqüentemente, em ambientes insalubres que contribuem para o
desenvolvimento de agravos à saúde como alergias, irritações de pele e mucosas, lesões
oftálmicas, dentre outros (RAMALHO, 2004).
Em qualquer departamento de ensino, os setores de reprografia são de extrema importância,
uma vez que estes reproduzem componentes essenciais que ajudam, tanto os professores, no
referente ao material a ser lecionado, quanto os alunos, no que diz respeito às bibliografias
indicadas pelos docentes da instituição. Este setor possui claramente uma série de demandas
físicas, organizacionais e cognitivas que tem repercussões na qualidade do serviço prestado e
na saúde dos operadores.
Neste contexto, a presente pesquisa objetiva demonstrar a importância do processo de
construção de demandas, sustentadas por uma construção social, para a engenharia de
produção, tomando-se como base um estudo de caso em uma das filiais da reprografia
presente em uma Universidade. Para tanto, foi utilizado uma metodologia baseada na Análise
Ergonômica do Trabalho (AET) (WISNER, 1987; VIDAL, 2008; GUÉRIN, 2001),
proporcionando uma melhor compreensão da situação de trabalho e percepção de suas
respectivas demandas. Para a coleta dos dados, foram empregados métodos observacionais e
interacionais, como, ação conversacional, escuta ampliada, verbalizações, registros
fotográficos e gravações audiovisuais.
As ferramentas utilizadas na AET são vitais para diagnosticar erros ou adversidades em
qualquer ambiente de trabalho, isso porque as situações que são apresentadas ao grupo
externo nem sempre são as que realmente precisam ser consertadas para melhoria do ambiente
de trabalho. A análise global se faz essencial para que saibamos a origem do problema e
podermos relatá-lo da forma correta. A interdisciplinaridade é importante nesse fator, porque
o problema pode ser de outra área, e estando em contato com os profissionais de outras áreas,
pode-se trabalhar em conjunto para obter o melhor resultado.
2. Ergonomia em Engenharia de Produção
Segundo a ABERGO (2000), a ergonomia “é uma disciplina que busca modificar os sistemas
de trabalho para adequar as atividades nele existentes às características, habilidades e
limitações das pessoas com vista a um desempenho eficiente, confortável e seguro”. Para
Vidal (2008), a ergonomia é uma tecnologia de transformação da realidade laboral
indispensável à concepção e implementação dos projetos que materializam esta
transformação, atingindo resultados efetivos, sem conseqüências colaterais e com relação
custo-benefício favorável. Entretanto, para alcançar projetos satisfatórios, faz-se necessário a
listagem organizada dos encargos obtida mediante a Análise Ergonômica do Trabalho (AET),
um procedimento científico de modelagem da atividade em seu contexto de realização numa
organização.
A ergonomia está preocupada com os aspectos humanos do trabalho em qualquer situação
onde este é realizado, e assim sendo, não podemos esquecer aqui das suas duas finalidades
básicas: o melhoramento e a conservação da saúde dos trabalhadores, e a concepção e o
3
funcionamento satisfatório do sistema técnico do ponto de vista da produção e segurança
(WISNER, 1994, apud SANTANA, 1996). Seguindo este pensamento, a ergonomia não
apresenta como única função evitar aos trabalhadores os postos de trabalhos fatigantes e/ou
perigosos, mas procura colocá-los nas melhores condições de trabalho possíveis de forma a
melhorar o rendimento e evitar o acidente ou fadiga excessiva.
Deve-se entender que a ergonomia tem sua base centrada no ser humano, em que a sua
interação com os outros elementos de um sistema e a aplicação dos conhecimentos desta,
garantem uma melhoria na qualidade do trabalho, não apenas no tocante da produção e da
produtividade, mas, sobretudo, com relação à saúde do trabalhador.
Utilizando-se de uma visão restrita e equivocada de uma das funções incumbidas a um
Engenheiro de Produção, comumente espera-se que este garanta um aumento contínuo da
produtividade. Mais uma razão para um bom uso da Ergonomia no ambiente de trabalho, pois,
segundo Silva Filho (1995 apud SANTANA, 1996), a correspondência entre produtividade e
qualidade de vida é biunívoca e diretamente proporcional; isto é, qualidade de vida alta,
valores de produtividade também altos; baixa qualidade de vida provocará baixos índices de
produtividade. Desta maneira, quanto mais a organização se preocupar em garantir uma
melhoria da qualidade de vida no trabalho para com seus colaboradores, certamente poderão
se verificar resultados satisfatórios com relação à produtividade. Isto serve para mostrar,
principalmente aos donos de empresa, a importância de empregar as técnicas de ergonomia
em qualquer ambiente de trabalho, beneficiando tanto o capital humano, colaboradores,
quanto à garantia de um retorno financeiro.
3. Análise global da atividade dos copistas na reprografia em uma Universidade
A Reprografia analisada foi criada há mais de dez anos, e desde então atua no ramo de
fotocópias no estado. Devido ao prestígio conquistado com o passar do tempo e percebendo as
vantagens de atuar em uma universidade, instituição que possui uma constante e elevada
demanda por fotocópias, a empresa passou a trabalhar em uma Universidade. Atualmente, a
empresa, além de possuir várias filiais espalhadas pelo estado, constitui-se dentro da
Universidade com oito pontos estrategicamente alocados, a fim de garantir o serviço a
praticamente todas as instalações, e, conseqüentemente, detendo grande parte da clientela.
Para se ter uma dimensão do mercado na Universidade, a instituição, atualmente, apresenta 63
cursos ativos comportando uma quantidade aproximada de 30 mil alunos. Para tanto, a
empresa deve pagar uma licitação ao governo federal por cada filial situada dentro da
universidade.
A matriz oferece uma gama de serviços, tais como: impressão laser 3D; cópia de
transparência; banner e faixas; impressão de projetos em AUTOCAD; livro de missa;
encadernação (espiral, canalota, aro duplo e francesa); senhas e rifas; cartonagem; apostilas;
folders; cartões de visita; cartazes; convites; crachás; certificados e cópia xerográfica. As
filiais na Universidade oferecem alguns destes serviços, tais como: cópias xerográficas e,
encadernação. Porém, como não têm suporte, devido a uma limitação de espaço físico e
pessoal, quando solicitados outros serviços nas filiais, são encaminhados para a matriz
operacionalizar. Atualmente, as filiais possuem apenas a função de fotocopiar, imprimir e
encadernar com espiral, mas estão em processo de implementação gradual de alguns outros
serviços. Segundo o gerente administrativo da empresa, a produtividade das filiais é avaliada
de acordo com a quantidade de folhas utilizadas no mês.
A fim de facilitar o entendimento sobre a situação de trabalho e a obtenção das informações
necessárias para a realização do presente artigo, o Grupo de Ação Ergonômica focou-se na
4
filial que se localiza entre os setores III e IV, servindo de referência aos cursos de engenharia,
matemática e física somando um total de 13 cursos. O Grupo externo realizou três visitas
formais sistemáticas a filial e, devido à proximidade desta ao local de estudo dos autores deste
artigo, que também são clientes desta unidade, várias outras visitações informais podem ser
consideradas. Para coleta de dados foram utilizadas técnicas interacionais e observacionais.
As funções atribuídas pela matriz a esta unidade são desenvolvidas por 03 (três) funcionários,
cabendo a um deles (Copista-chefe) o controle, organização e integridade física do local de
trabalho, além de garantir a qualidade do serviço e a prestação de contas. De acordo com o
mesmo, a matriz elege o responsável de cada unidade baseado no tempo de serviço, na
experiência no ramo, na produtividade, no empenho para com a empresa e, na confiança da
gerência com este trabalhador. Segundo os demais (Copista 2 e 3), o copista responsável não é
visto como um superior, mas como um companheiro de trabalho que, além de desempenhar a
função principal de fotocopista, deve garantir que as funções determinadas pela empresa
sejam cumpridas. Serão apresentados na Tabela 1 as características da população do trabalho
desta unidade.
Tabela 1 – Característica geral da população de trabalho da reprografia universitária
Antes de serem encaminhados às filiais, os funcionários passam por um período
indeterminado de treinamento na matriz da empresa e, posteriormente, um período adaptativo
de 02 (duas) semanas na atividade. À medida que surge a necessidade, os novos funcionários
são alocados nas filiais. Foi destacado e confirmado – presença de um copista relativamente
novo na atividade (Copista 3) - pelos funcionários da unidade, que a principal dificuldade dos
novatos estava relacionado ao manuseio das pastas dos professores no local de trabalho. Cada
filial da empresa no campus universitário oferece um local dentro do seu ambiente de trabalho
destinado à alocação das pastas de cada disciplina de cada professor. Trata-se de um acordo
empresa-professor, que garante à filial uma exclusividade de prestar seus serviços aos alunos
dos professores que cedem seus materiais e, em contrapartida, os professores têm seus
materiais das referidas pastas fotocopiados sem nenhum custo. Entretanto, os copistas não
recebem nenhum tipo de treinamento quanto ao manejo das pastas devido à inexistência
destas na matriz, restando aos novatos aprender, ao desenvolver a atividade, com os
funcionários mais experientes.
A jornada de trabalho do copista 1, responsável pela unidade, é de 9 horas diárias distribuídas
da seguinte forma: das 8h às 12h e das 16h às 21h. Ou seja, ele é o responsável pela abertura
(8:00 h.) e fechamento (21:00 h.) da unidade. Os copistas 2 e 3 trabalham em uma jornada de
6 e 7 horas diárias contínuas, respectivamente, com um intervalo de 20 minutos, sendo que o
copista 2 trabalha das 8h às 14h e o copista 3 das 14h às 21h, durante os 5 dias úteis da
semana. A distribuição do horário dos respectivos copistas está configurada como mostra a
Tabela 2.
Operador
Identificação Idade
(anos) Sexo
Tempo
na
Empresa
(anos)
Experiência
Prévia na
atividade
Estado
Civil Escolaridade
Carga
Horária
Copista 1 26 M 7.5 Não Casado Ensino Médio
Incompleto 9h
Copista 2 24 M 5.5 Não Casado Ensino Médio
Incompleto 6h
Copista 3 22 M 1 Não Solteiro Ensino Médio
Incompleto 6h
5
8:00
9:00
9:00
10:00
11:00
12:00
12:00
13:00
13:00
14:00
14:00
15:00
15:00
16:00
16:00
17:00
17:00
18:00
18:00
19:00
19:00
20:00
20:00
21:00
Copista 1
Copista 2
Copista 3
Tabela 2 – Horários de trabalho dos copistas
Segundo os copistas entrevistados, a empresa exige a permanência de, no mínimo, dois
funcionários no local de trabalho, durante todo o expediente. Porém, ao analisarmos a tabela
acima, verificam-se momentos em que somente um operador localiza-se na unidade,
contrapondo-se ao determinado pela empresa. Conforme os copistas, isto se caracteriza como
uma regulação dos mesmos perante a redução da demanda neste horário, aproveitando para
almoçar.
A demanda das filiais situadas na Universidade apresenta dois tipos de sazonalidade bem
definidas: semestral e diária. A primeira se dá a cada início de semestre, no qual a demanda de
professores, em busca de colocar novos materiais nas suas respectivas pastas, e de alunos, em
busca dos materiais solicitados pelos professores, eleva-se. A segunda caracteriza-se pelo
intervalo entre os horários de aula, sendo estes os horários mais utilizados pelos alunos para
fotocopiar os materiais que necessitam.
O período de férias dos fotocopistas é fixo, pois corresponde exatamente à temporada de
recesso dos alunos da Universidade, principal. As férias dos fotocopistas tem uma duração de
1 (um) mês no meio de cada ano e 1 (um) mês ao final de cada ano, totalizando um período de
2 meses de férias para os copistas.
A atividade dos fotocopistas é passível de variabilidades, envolvendo uma gama de situações.
A principal, e mais comumente verificável, esta relacionada aos momentos de pico de
produção, representado pelos horários de intervalo entre as aulas, onde os alunos, principais
clientes, aproveitam para tirar fotocópias, especialmente àquelas solicitadas pelos professores.
Nesses horários é comum o aumento das filas, caracterizando um processo típico em que a
demanda supera a oferta. Para suprir a enorme procura por fotocópias nestes horários, os
funcionários aceleram o processo de atendimento de forma a atender o maior número de
alunos e professores neste curto espaço de tempo, através tanto da auto-aceleração como
eliminando micro-pausas e atendendo mais de um cliente de uma única vez. Estes
mecanismos de regulação são realizados de forma a evitar que o cliente se atrase para a
próxima aula esperando o atendimento ou, retorne para a aula sem ser atendido o que pode
gerar insatisfação e perda de clientes. Convém salientar que os professores tem prioridade de
atendimento, não precisando entrar na fila. Essa situação gera alguns tipos de conflito, pois os
operadores e alunos não conhecem todos os professores, e alguns, principalmente, os de
menor idade, podem ser confundidos com alunos.
Segundo os copistas, as maiores dificuldades nessa função, são apresentadas por funcionários
novatos no tocante à evolução das competências, requisitos e necessários ao desempenho
desta função, as quais envolvem: (a) trabalho em pé a maior parte do tempo, e constante
processo de movimentação; (b) o processo de memorização das pastas, devido à ineficiência
no procedimento de organização representada pela ausência de um esquema especificando as
características particulares de cada pasta, que deveria ser atualizado periodicamente (exemplo:
código, localização, etc.); (c) a dificuldade em calcular o troco, sendo um processo que, de
acordo com os copistas mais experientes, adquire-se com a prática.
Através da análise da tarefa e da atividade do fotocopistas, foi possível constatar a existência
de múltiplas funções (Figura 1). Neste sentido, a empresa impõe ao trabalhador a realização
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de operações, das quais algumas não diretamente relacionadas à atividade de copiador.
Especificamente nas filiais localizadas na Universidade, as normas atribuem funções
excedentes aos copiadores, como de faxineiro (tarefas de manter o local de trabalho limpo),
mecânico (capacidade de realizar um conserto simples nas máquinas copiadoras), organizar
pastas e materiais e, operador de caixa.
Figura 1 – Multifunções do copista
A função de operador de caixa, desenvolvida por todos os copistas, em situações bastante
precárias, possui componentes cognitivos e psíquicos. No caso exclusivo do serviço de
fotocópia, o cálculo do valor é em função do número de folhas reproduzidas. Para isso, os
operadores utilizam uma “cola”, folha fixada na parede que contem uma tabela com o valor
do serviço para cada quantidade de cópias. Porém, para os demais serviços, como impressões
e encadernações, o cálculo é efetuado mentalmente ou com o auxílio de uma única
calculadora, o mesmo constatado no cálculo do troco. Os copistas procuram evitar erros de
cálculos, que podem gerar conflitos com os usuários, perdas financeiras, evitando diferenças
no fechamento do caixa, e perda de tempo no retrabalho
O fechamento do caixa é um momento de ansiedade, visto que, de acordo com as normas do
trabalho, se houver diferenças negativas no caixa, considerada um “furo de caixa”, os copistas
serão punidos, tendo que arcar com a quantia necessária relativa para completar a diferença.
Porém, como o caixa é operado por todos os copistas, torna-se difícil saber qual operador
provocou o “furo de caixa”. Constatou-se que para a empresa não importa qual o responsável
por tal equívoco, contanto que a quantia seja ressarcida. Como regulação, os copistas desta
específica filial entraram em acordo sobre a divisão igualitária sempre que verificada a
diferença.
Observou-se também que a (des)organização do ambiente de trabalho exige que os operadores
desenvolvam estratégias para localizar as pastas dos professores com rapidez, dentre as quais
a memorização daquelas utilizadas com maior freqüência. Esta questão é apontada pelos
operadores como a que provoca maior interferência na realização das atividades, causando
perda de tempo com conseqüências na produtividade e na satisfação do cliente. O espaço
reservado para execução das tarefas não é amplo, mas os copistas conseguem realizar o seu
trabalho improvisando espaços para o armazenamento dos materiais e deslocamento (Figura
2).
7
Figura 2 - Planta e layout do local de trabalho
Figura 3 – Falta de espaço para armazenamento das pastas
Constatou-se que a temperatura do local é variável de acordo com o número de clientes:
quanto maior a clientela, mais elevada fica a temperatura, e com as estações do ano. Os
condicionadores de ar não funcionam em perfeitas condições, tentando suprir essa
insuficiência com uso auxiliar de um ventilador, o que não garante uma temperatura
confortável. Além disso, verifica-se o constante ruído característico das máquinas
fotocopiadoras, que, conjuntamente com o barulho proveniente dos condicionadores,
ventilador e clientes, podendo interferir significativamente na concentração dos operadores.
Conseqüentemente, se faz necessário de elevar o tom da voz para estabelecer comunicação.
Com relação à iluminação, percebe-se que na área interna esta se mostra adequada à
atividade. Porém, externamente, é bem precária. Este ponto negativo não infere
significativamente na manutenção da clientela, em especial os alunos, que em função da
proximidade e do preço acessível utilizam com freqüência os serviços desta unidade.
Segundo as normas da empresa, a limpeza do local deve ser feita pelos próprios operadores,
que a realizam de forma superficial, evitando a presença de lixo ao redor das máquinas. É
notável, no local, a presença de areia na entrada e na área destinada aos clientes, visto que no
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acesso próximo não existe calçamento e o terreno é arenoso. Também pode ser observada
poeira, principalmente na área destinada ao acondicionamento das pastas.
No tocante a saúde, os funcionários estão expostos a distúrbios ósteo musculares devido à
elevação dos braços além da altura do ombro para pegar as pastas requeridas pelos alunos e a
constante elevação das tampas das máquinas para colocar o material a ser copiado,
caracterizando uma freqüente utilização dos membros superiores, em especial, no momento
de pico de produção.
Para melhor entendimento de como ocorre o atendimento (atividade do copista), observar o
fluxograma de atendimento ao cliente no esquema da Figura 4.
Figura 4 – Fluxograma simplificado da atividade do copista da reprografia localizada em uma univerisidade
Apesar de a gerência ter conhecimento sobre a (des)organização das pastas nas unidades
universitárias, os funcionários não recebem nenhuma instrução como proceder quanto ao
cadastro, organização e disposição das pastas no local de trabalho. A tarefa repassada a eles
pela gerência, no que diz respeito às pastas, consiste apenas em colocar-las nas prateleiras
quando chegam pela primeira vez em suas mãos e em devolvê-las ao local após o uso. Com a
finalidade de facilitar e otimizar o atendimento, além de reduzir a carga cognitiva sobre si, os
copistas procuram determinar o modo de armazenamento e de identificação que seja mais
cômodo e que facilite o processo. Deste modo, o copista novato, ao entrar em contato com
esta situação, aprende com os funcionários mais antigos, que já possuem experiência e
habilidades no manuseio das pastas.
Nesta filial especificamente, os funcionários mais experientes definiram que todas as pastas
devem ser numeradas e alocadas de forma ordenada, garantindo este um controle eficaz e
evitando confusão durante a localização da mesma. Conforme explicação dos próprios
funcionários, a numeração das pastas é realizada da seguinte maneira: (1) verifica-se se
alguma pasta foi retirada, pelo respectivo professor, do acervo desde o último processo de
numeração; (2) caso afirmativo, as pastas recém introduzidas ao acervo recebem a numeração
das antigas removidas do local de trabalho (verificar a inexistência da pasta número 50 na
Figura 5); (3) caso negativo, recebem a numeração imediatamente subseqüente referente ao
último algarismo, ou seja, o número mais alto. Vale salientar que além da numeração, as
pastas contem o nome do professor e da respectiva disciplina (Figura 5). Entretanto, segundo
os copistas, a atribuição de número ocorre somente no intervalo entre os semestres, pois é o
período em que possuem tempo para se dedicar a numeração e re-organização do setor. Desta
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maneira, nenhuma pasta recebe numeração durante o período letivo. Conseqüentemente,
aquelas que chegam ao estabelecimento durante o semestre, devido à ausência de tempo dos
copistas, aguardam até o final do semestre sem numeração.
Figura 5 – Detalhe do setor de armazenamento de pastas
Entretanto, a numeração, atualmente, contribui somente para o controle e organização, através
da qual se determina a quantidade total de pastas dispostas no acervo, não facilitando o
trabalho dos funcionários em relação à localização. A numeração é desconhecida pelos
clientes, incluindo os docentes, que as solicitam pelo nome do professor e disciplina,
constatando que, como estratégia regulatória a esta variabilidade, os funcionários recorrem ao
processo de memorização para localizá-las. Contudo, vale ressaltar que a elevada quantidade
de pastas (730 no momento) constitui um agravante para a memorização, principalmente
verificável quando a freqüência de solicitação é baixa, pois quanto mais solicitada é a pasta, a
tendência é um menor tempo para sua localização. Somado a isto, para dificultar, como nem
todas as disciplinas são oferecidas todos os semestres, a freqüência de solicitação de algumas
pastas segue uma sazonalidade.
Constata-se ainda, insuficiência de espaço para comportar todas as pastas nas prateleiras. Isto
ocorre porque, a cada semestre, novas pastas são adicionadas e, praticamente, nenhuma é
retirada por desuso. Através de cálculos estimativos gerados pelo GAE, verifica-se que há
espaço suficiente para comportar aproximadamente 628 pastas sendo que, conforme
levantamento de dados, há 730 pastas no local. Para contornar a superlotação das prateleiras,
os funcionários utilizam cadeiras, mesas e até o próprio chão para comportar as 102 pastas
sobressalentes.
4. Construção social
A Construção Social consiste numa estrutura de ação participativa, técnica e gerencial.
Segundo Saldanha (2004), esta é iniciada com o intuito de realizar uma intervenção para a
construção da demanda. Através da construção social é possível formar grupos de pessoas que
estarão envolvidas em determinada situação de trabalho, participando do levantamento de
dados e permitindo a aquisição de conhecimentos sobre a atividade em questão.
Nesta pesquisa, a construção social foi iniciada a partir de visitas no local de estudo e
estabelecimentos relacionados à atividade de fotocópias com intuito de identificar os
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interlocutores e participantes constituintes dos grupos que permitirão a compreensão da
atividade dos fotocopistas, possibilitando melhorias no local de trabalho (Figura 6 e Tabela 4).
Figura 6 – Esquema da Construção social (VIDAL, 2008) adaptado a atividade de reprografia
Grupos Características
Grupo de Ação
Ergonômica
(GAE)
Composto por pessoas que detêm conhecimento conceitos, métodos e técnicas de aplicação
da ergonomia e das práticas da atividade do fotocopista. No presente artigo este grupo é
formado por estudantes da graduação de Engenharia de Produção e o copista chefe.
Grupo de Suporte
(GS)
Composto pela pessoa que detêm o poder de decisão na situação de trabalho, ou seja,
copista-chefe.
Grupo de
Acompanhamento
(GA)
Composto pela pessoa que tem autoridade técnica sobre a filial em estudo, ou seja, o
copista-chefe, bem como pessoas que orientam a pesquisa, representadas na figura da
professora do curso de Engenharia de Produção e de uma mestranda em engenharia de
Produção.
Grupos de Foco
(GF)
Composto pelas pessoas que contribuíram para o levantamento das informações necessárias
ao conecimento da atividade, neste caso, os copistas atuantes na filial, os usuários e
funcionários de estabelecimentos relacionados a atividade de fotocópias.
Tabela 3 – Dispositivo da construção social na atividade dos fotocopistas
3.3. Construção da demanda
Para o levantamento das demandas utilizou-se a metodologia fundamentada na Análise
Ergonômica do Trabalho - AET (WISNER, 1987; GUÉRIN, 2001; VIDAL, 2008). A partir da
realização do estudo teórico e da análise da situação de referência, em outras reprografias
dentro e fora do ambiente universitário, os autores deste artigo obtiveram o conhecimento
prévio básico e imprescindível quanto à situação de trabalho em uma reprografia e as funções
dos fotocopiadores para a realização do mesmo. Com os dados coletados nas pesquisas
teóricas e complementares (observação de situação de referência), teve-se a base necessária
para a formulação das hipóteses da demanda.
Partindo do conceito de demanda provocada, processo no qual os pesquisadores se propõem a
desenvolver um estudo que identifica os problemas que possam se transformar em demandas
reais, advindas e/ou autorizadas pela organização (SALDANHA, 2004; CARVALHO, 2005),
visitas programadas foram realizadas tanto na matriz, a fim de obter informações sobre a
11
empresa, como na filial universitária analisada. Seguindo a metodologia de análise global,
sustentada por uma construção social, tornou-se possível a formulação das demandas perante
a atividade dos fotocopistas (Tabela 4).
Figura 7 – Construção da demanda - Adaptado de Vidal, Carvalho e Saldanha (2001). Fonte: Saldanha (2004);
Carvalho (2005)
DEMANDAS Hipóteses Situadas
Usuários Fotocopistas
Desgaste físico; X X
Desgaste psíquico; X X
Problemas visuais; X X
Alergias respiratórias e irritação de pele e mucosas; X X
Pouco tempo para pausa; X X
Temperatura elevada; X X
Ruídos excessivos; X X
Organização do ambiente de trabalho; X X
Desorganização das pastas; X
Movimentos repetitivos; X X
Filas; X X
Tabela 4 – Demandas da Atividade Fotocopista: hipóteses da demanda provocada, demandas latentes e
situadas (usuários e fotocopistas)
4. Considerações Finais
Normalmente, a função dos fotocopistas é discriminada e considerada simples, mas, de acordo
com o apresentado no presente artigo, constatou-se que isto é mera ilusão. Seguindo a
metodologia apresentada neste estudo, foi possível a determinação de inúmeras demandas em
tal realidade laboral. A eliminação desses agravantes garante, não somente, uma melhor
qualidade de trabalho aos fotocopistas, principal função da Ergonomia, como também um
significativo avanço da qualidade do serviço prestado à comunidade. Além disso, serve como
meio de proteção frente à ameaça a este tipo de serviço, representado pela crescente busca por
sistemas de informação e disponibilização de textos e materiais didáticos por meio virtual,
como recentemente verifica-se na Universidade estudada através do Sistema Integrado de
Gestão de Atividades Acadêmicas. Este sistema vem mostrando-se eficaz, no que diz respeito
12
à comodidade na aquisição de informações, em que os alunos e professores podem ter acesso
de suas próprias residências, evitando gastos adicionais com as fotocópias.
A Construção Social demonstra como o GAE deve se articular com vários grupos, que detêm
informações essenciais sobre a atividade, de natureza e composição distintas para referenciar-
se ao longo da intervenção. Está ferramenta importante serve como direcionamento ao grupo
externo, no que concerne a quem se dirigir com o planejamento das ações e decisões a serem
tomadas, e para qual grupo foco não se devem medir esforços para realizar o estudo
ergonômico.
As visitas programadas, permite a observação da demanda provocada e análise das demandas
locais apontadas. Esta análise permite enaltecer a divergência entre as informações passadas
pela gerência e pelos funcionários que lidam diretamente com a situação de trabalho. A
apreciação detalhada de ambas as visões permite que o Engenheiro de Produção promova
melhorias que integre e conforte tanto o contratante como o contratado.
Desta maneira, tornou-se possível demonstrar a importância do processo de construção de
demandas, utilizando os conceitos da construção social, para a engenharia de produção,
tomando-se como base um estudo de caso em uma das filiais da reprografia presente em uma
Universidade. Por meio dessas diretrizes, percebe-se que a Ergonomia aplica-se a diversas
situações de trabalho, contanto que haja um planejamento, garantindo que tal disciplina
desenvolva a sua função fundamental: buscar melhores condições de trabalho para os
trabalhadores, de forma a melhorar o rendimento e evitar acidentes e/ou fadiga excessiva.
Assim, o Engenheiro de Produção pode participar ativamente desse processo. A partir dos
conhecimentos da Construção Social e Construção de Demandas, baseadas na Análise
Ergonômica do Trabalho, que, segundo Guérin (2001), permite “compreender o trabalho para
transformá-lo” bem como a utilização dos conhecimentos das demais áreas e disciplinas do
curso, o Engenheiro de Produção pode auxiliar no desenvolvimento de soluções, que possam
interferir positivamente na saúde dos trabalhadores, contribuindo para melhorias da qualidade
e produtividade.
Referências
FERREIRA, M. C.; FREIRE, O. N. Carga de Trabalho e Rotatividade na Função de Frentista. Disponível
em: http://www.unb.br/ip/labergo/sitenovo/mariocesar/artigos2/CargadeTrabalho.PDF. Acesso em 20 out. 2008.
GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: A prática de ergonomia. São Paulo: Edgard
Blucher LTDA, 2001
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