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Vanderson Moreira Silva Alves
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGG/UFES
E-mail: [email protected]
PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA E NOVAS FORMAS ESPACIAIS NA REGIÃO LITORÂNEA DO MUNICÍPIO DE SERRA – ES.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo discutir a produção imobiliária e as
recentes transformações espaciais que decorram dessa atividade na região litorânea do
município de Serra- ES. Pretende-se, em paralelo, discutir os mecanismos dispostos no
Plano Diretor Municipal (PDM) de 2012, que favorecem a produção e a reprodução
capitalista da atividade imobiliária e que consequentemente criaram e criam novas
formas espaciais na cidade. Trata-se dos resultados finais da pesquisa de iniciação
cientifica que se converteram no texto deste trabalho.
O bairro Praia da Baleia foi o recorte escolhido para o estudo. Trata-se de um
bairro que foi instituído em 2009 1, mas que num curto espaço de tempo sofreu grandes
transformações pela atividade imobiliária que se estabeleceu no local. Os procedimentos
metodológicos da pesquisa foram a coleta de dados nos Censos Imobiliários do
SINDUSCON-ES de 2009 a 2012, assim como os projetos de condomínios residenciais
submetidos para aprovação na Secretaria de Desenvolvimento Urbano, da Prefeitura
Municipal de Serra (SEDUR/PMS). As análises da pesquisa seguiram pautadas pela
tríade estrutura, forma e função, conforme Henri Lefebvre (2008).
Recentemente, a produção imobiliária em Serra vem se localizando nas áreas
mais afastadas do subcentro metropolitano de Laranjeiras. A construção de condomínios
alcançou os bairros do litoral, sobretudo, nas bordas do perímetro urbano. Mas o que
1 Lei nº 3421, de 24 de julho de 2009. Regulamenta a organização do município em bairros e dá outras providências. PMS, 2009.
essas alterações configuram em termos de forma espacial? Qual o papel da terra no
meio disso tudo? Seria o PDM e suas alterações, um instrumento jurídico, muito mais
voltado para consolidar o direito à propriedade e fortalecer os interesses das classes
dominantes do que gerir a cidade em busca do bem estar coletivo?
Na tentativa de responder a estas questões, as análises sobre a produção do espaço
seguiram orientadas pela tríade estrutura, forma e função apresentada por Lefebvre.
Entende-se que a análise conjunta desses elementos é importante, pois permite
identificar e refletir criticamente sobre as transformações que ocorrem no período de
transição urbano-metropolitana. Dos três elementos, a forma terá um maior destaque na
discussão, isso não significa abrir mão dos outros dois, pelo contrário, a contribuição
trazida pelas análises sobre a estrutura e a função é que iluminarão a compreensão
acerca das transformações das formas espaciais.
NOTAS SOBRE A URBANIZAÇÃO E A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA NO
PERÍODO ATUAL.
O espaço tem sido estrategicamente cooptado pela lógica de mercado. Como
mercadoria, o espaço se tornou um dos elementos chaves para a reprodução capitalista.
Produzir cidade é também produzir espaço e isso se tornou uma atividade extremamente
lucrativa. Novos atores entraram em cena e passaram a requerer sua parte na
distribuição do valor gerado pela produção do espaço-mercadoria. É preciso desvendar e
compreender os mecanismos que mascaram e tentam neutralizar as contradições e os
conflitos que emergem dessa produção desigual e predatória da cidade. Essa tarefa se
faz importante, pois “o espaço produzido pode contribuir mais para ocultar do que
revelar. Isso porque, em geral, não desvela imediatamente o processo de sua produção
(tal qual a mercadoria)” (FERREIRA, 2007, s/p.). Compreender os mecanismos e as
estratégias empreendidas nesse processo é essencial, pois “é necessário que
investiguemos as inúmeras codificações sobre as quais se assenta o espaço produzido e
como os agentes produtores colaboram, simultaneamente, para ocultar sua
decodificação”.
Segundo David Harvey (2011), após a década de 1970, o processo de urbanização
se ampliou de forma considerável tornando-se um processo global. Atrelada ao processo
de urbanização está à construção. Se a urbanização se ampliou, da mesma forma se
ampliou a importância das atividades da construção, principalmente o ramo da produção
imobiliária. Em todo o mundo, projetos de urbanização foram novamente financiados
pela dívida externa e, conforme Harvey, em cada área urbana do mundo ocorreu um
boom na construção impulsionando as atividades imobiliárias.
Os investimentos no setor imobiliário de maneira geral têm ganhado destaque
tanto em âmbito nacional, quanto em âmbito local. Dados recentes dão conta de que na
Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) entre os investimentos anunciados
para o período de 2012 a 2017, “a atividade de Construção de Edifícios participa com
27,5%, o maior percentual dos investimentos anunciados para a microrregião
Metropolitana” (IJSN, 2013, p. 32-33). Conforme os dados do Instituto Jones dos
Santos Neves – IJSN (2013) os investimentos previstos são da ordem de “R$ 8,3 bilhões
distribuídos em construções de hotéis, shopping centers, condomínios residenciais e
comerciais, além de conjuntos habitacionais” (IJSN, 2013, p. 32-33).
Mapa 1: Localização - Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV)
Para compreender teoricamente este impulso das atividades imobiliárias
recorremos às considerações de LEFEBVRE (2008). Compartilhamos o entendimento
do autor de que o espaço tem adquirido cada vez mais o sentido da troca e do valor de
troca, herança de um urbanismo ideológico, pautado na lógica da mercadoria e da livre-
empresa. Desta forma, o mundo da mercadoria não se limita somente aos conteúdos e
aos objetos no espaço. O próprio espaço, segundo Lefebvre, tem sido comprado e
vendido. Isso não se refere apenas a terra e ao solo, mas sim ao espaço social2, fruto da
produção da sociedade. Ocorre que, na atualidade, o espaço inteiro entrou na esfera da
produção como um produto e isso vêm ocorrendo através da compra, da venda e da
troca das partes do solo. Para Lefebvre, a produção do espaço em si mesma não seria
algo novo. O autor avança na discussão argumentando que o capitalismo “encontrou um
novo alento na conquista do espaço, em termos triviais, na especulação imobiliária, nas
grandes obras, na compra e na venda do espaço e isso à escala mundial.” 3
2 É importante frisar, conforme Lencioni (2011), que para Lefebvre espaço social é diferente de “espaço geográfico”. Para o autor, o espaço geográfico seria o espaço natural ou a primeira natureza. 3 LEFEBVRE, 2008, p. 140.
LEFEBVRE (2008) argumenta que o setor imobiliário se constitui em um
segundo setor, em um circuito paralelo ao da produção industrial. Nos momentos de
crise o imobiliário absorve os impactos e para ele afluem os capitais que logo alcançam
lucros extraordinários. O papel e a função desse setor não param de crescer. Na medida
em que o setor principal, o industrial, diminui seu impulso, os capitais logo passam a ser
investidos no setor imobiliário.
Se o espaço se tornou mercadoria, e se a posse da terra se tornou uma
oportunidade de se extrair ganho na forma de renda, torna-se necessário então, para a
lógica capitalista, criar instrumentos jurídicos que fortaleçam o direito à propriedade e
que garantam uma gestão racional e eficaz do território. Nesse jogo, Estado e empresa
são peças fundamentais e muitas vezes se entrelaçam na planificação dita adequada do
território. Discutiremos as transformações instituídas pelo PDM de 2012, do município
de Serra e como elas contribuíram para a valorização da terra em algumas áreas da
cidade abrindo margem para uma série de atividades, dentre as quais, a atividade
imobiliária se apresenta como uma das principais beneficiadas. A possibilidade de
ganho vislumbrada a partir da renda imobiliária se torna possível na medida em que
novas áreas do município são dotadas de investimentos, de urbanização e tornam-se
passíveis de receber os empreendimentos imobiliários. Desta forma, se ligam ao
mercado de terras e se tornam fonte de renda para seus proprietários.
A ATIVIDADE IMOBILIÁRIA E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO
LITORÂNEA DE SERRA- ES.
O espaço urbano de Serra cresceu pautado em dois principais elementos: o
processo de industrialização capixaba ocorrido a partir da segunda metade dos anos
1970 e o crescimento populacional devido ao fluxo migratório advindo do interior do
estado nos anos 1970 e 1980. Construíram-se a CST (atualmente Arcelor Mittal), a
CVRD (atualmente Vale) e também os portos de Tubarão e de Praia Mole. No que se
refere às ações do governo estadual, foram implantados na Serra o “Centro Industrial da
Grande Vitória – CIVIT I e II” (CAMPOS JÚNIOR; GONÇALVES, 2009).
Conforme Campos Júnior e Gonçalves (2009) “em virtude dessa concentração
industrial e, principalmente, da elevada oferta de terra relativamente barata, o
município, a partir da década de 1970, conheceu uma verdadeira explosão demográfica”
(CAMPOS JÚNIOR; GONÇALVES, 2009, p.69). Consequentemente, o crescimento
demográfico gerou uma demanda por construção e, conforme os referidos autores, “as
formas de produção imobiliária se articulavam, sobretudo, à reprodução da população
com menos rendimentos, como os loteamentos populares e conjuntos habitacionais”.4
Todas as políticas de gestão e ordenamento do território que foram aplicadas em
Serra tinham por finalidade atender a uma estrutura produtiva baseada na indústria. Até
mesmo a localização das moradias foi definida pelo local de instalação das fábricas.
Esse processo de expansão configurou uma produção de moradias em espaços
espraiados pelo território. Por exemplo, “os distritos industriais CIVIT I e II definiram
no território da Serra o lugar das indústrias e influíram na localização das moradias dos
trabalhadores. No entorno desses distritos os conjuntos passaram a gravitar”
(SERRA/PMS, p.6, 2008). Os conjuntos promovidos pelo INOCOOP-ES localizaram-
se mais próximos da área dos CIVIT I e II, a citar: Laranjeiras, Valparaiso, Barcelona,
Porto Canoa, Serra Dourada I, II, III. Já os conjuntos promovidos pela COHAB-ES
localizaram-se nos bairros mais distantes dessa área, a saber: Serra I, Planalto Serrano,
José de Anchieta e André Carloni.
Na atualidade, a atividade imobiliária ganhou destaque no município. Foi a partir
de 2006 que Serra se tornou alvo das empresas locais e das incorporadoras vindas de
fora do Estado. Em 2011, o município concentrou 78.9% dos lançamentos de unidades
imobiliárias na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) 5. Conforme os dados
dos projetos aprovados na Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Serra, no período
entre 2009 e 2010 foram aprovados mais de 7,5 mil unidades imobiliárias. Entre os
investimentos previstos entre 2012 e 2017, “a atividade de Construção de Edifícios
participa com 27,5%, o maior percentual dos investimentos anunciados para a
4 CAMPOS JÚNIOR; GONÇALVES, 2009, p.69.
5 Dado referente ao “Censo Imobiliário de 2011” do SINDUSCON-ES (2011).
microrregião Metropolitana.” 6 Apesar de o documento não especificar a distribuição
desses investimentos entre os municípios da RMGV, pode-se concluir que Serra será
um dos que mais receberá investimentos, sobretudo, alavancados pelo “Programa
Minha Casa Minha Vida 2” do Governo Federal, conforme levantamentos preliminares.
Mapa 2. Serra - ES: Condomínios Residenciais (2005-2012)
A crescente participação da produção imobiliária em Serra não pode ser entendida
como sinal de que as demais atividades industriais estejam perdendo importância no
município, pelo contrário. O município preserva bastante sua estrutura industrial.
Preserva também as formas resultantes dessa estrutura, as fábricas instaladas nas
grandes áreas de seus dois “centros industriais” (CIVIT I e II). Porém, a atividade
imobiliária parece ter encontrado em Serra as condições necessárias para a sua
reprodução. Os condomínios industriais, por exemplo, são prova disso. A própria
indústria passou a ser vista como campo de atuação do mercado imobiliário. Para a
6 IJSN, 2013, p. 32.
incorporadora não interessa o tipo de produção fabril que será realizada, o que interessa
é a potencial renda imobiliária que será proporcionada para o proprietário com a
instalação da indústria em seu terreno.
A produção imobiliária em Serra tem sido marcada pela construção de
condomínios residências, em sua maioria, na forma condomínio-clube. Nesse sentido,
muitas são as estratégias empregadas para a valorização dos empreendimentos, os quais
têm sido localizados em áreas cada vez mais distantes da capital metropolitana e do
subcentro de Laranjeiras. Os empreendimentos apresentam diversos itens de lazer,
atribuem valor à proximidade com as principais vias de transporte, evocam o discurso
da vivência e do contato com a natureza e estrategicamente lançam centros comerciais
junto aos condomínios, etc.
A dinâmica imobiliária no período atual tem sido marcada por uma fase de
desconcentração dos empreendimentos no entorno de Laranjeiras conforme Gonçalves
(2010) já apontava em seu trabalho. Foi a partir de 2011, que a região de Laranjeiras foi
superada pelas regiões de Jacaraípe, Jardim Limoeiro e Serra Sede, em termos de
lançamento de unidades imobiliárias. Os bairros litorâneos como Vista do Atlântico,
Costa Dourada, Castelândia e Praia da Baleia têm concentrado o maior número de
lançamentos, sobretudo, lançamento das unidades do “Programa Minha Casa Minha
Vida”.
Foram nesses bairros que ocorreram as principais mudanças no zoneamento
urbano. Marcados por uma ocupação dispersa, terrenos vazios e por uma abundante
presença da natureza (bosques, rios e lagoas), os bairros dessa região têm sido
intensamente transformados pela atuação do mercado imobiliário.
O CASO DO BAIRRO PRAIA DA BALEIA EM SERRA (ES).
O bairro Praia da Baleia, no município de Serra, foi o recorte escolhido para o
estudo. Trata-se de um bairro criado e instituído no ano de 2009, pela Lei nº
3421/20097. Antes disso, a área pertencia ao loteamento Estados Unidos, na região do
Sítio Irema, fazendo limite com o Oceano Atlântico e os bairros Feu Rosa e Portal de
Jacaraípe, Castelândia e Manguinhos.
Antes mesmo da criação do bairro, já havia um projeto para a construção de
empreendimentos imobiliários na região. Já no início do ano de 2009, a Rossi, em
parceria com a Gonfrena Empreendimentos Imobiliários, havia protocolado um projeto
de condomínio residencial de casas e apartamentos para aprovação na prefeitura, o
condomínio “Vila Itacaré”, que junto à “Vila Geribá”, iria compor a primeira etapa do
condomínio “Vilas do Mar”. O projeto do “Vila Itacaré” foi aprovado em 2010. Ainda
em 2010, a empresa submeteu mais dois projetos de condomínios para aprovação, o
“Vila Geribá” e o “Praças Sauipe”. No ano de 2011, a empresa submeteu o projeto do
“Praças Reservas”, que atualmente está em fase de conclusão. Em relação ao “Vilas do
Mar” (Vila Itacaré e Vila Geribá), o empreendimento ocupa uma área de mais de 95 mil
m2, o que corresponde a 7% da área total do bairro. Possui cerca de 40 torres de
apartamentos e 168 casas, totalizando mais de 1180 unidades.
7 Lei nº 3421, de 24 de julho de 2009. Regulamenta a organização do município em bairros e dá outras
providências. PMS, 2009.
Mapa 3: Bairro Praia da Baleira – Localização.
As transformações espaciais no bairro foram marcantes num curto espaço de
tempo. Como se observa na imagem acima, o bairro saiu de um cenário em 2003,
quando não havia praticamente nenhuma ocupação na área do “Loteamento Estados
Unidos” e chegou à 2013, abrigando em seus limites um dos maiores empreendimentos
imobiliários realizados em Serra. De um loteamento de um antigo sítio, com poucas
ocupações concentradas próximo ao bairro Portal de Jacaraípe e algumas casas
construídas próximas ao mar, o bairro passou a contar com uma boa infraestrutura de
vias de transporte e alguns equipamentos públicos.
Figura 1: Evolução da ocupação do bairro Praia da Baleia.
Fonte: adaptado de Google Earth.
Um fato importante para o desenvolvimento do bairro foi construção da “Avenida
Desembargador Antônio José Miguel Feu Rosa” conhecida também como “Contorno de
Jacaráipe”, que foi entregue à população no ano de 2008, através de uma parceria entre
o Governo do Espírito Santo e a Prefeitura Municipal da Serra. A avenida compunha
um conjunto de obras viárias realizadas pelo poder público dentro do “Projeto Transcol
III”. Foi o primeiro trecho realizado na Serra ligando Manguinhos ao Terminal de
Jacaraípe. Mais que uma abertura de via para as linhas de ônibus do Sistema Transcol, a
nova avenida proporcionou o acesso direto a região favorecendo também a abertura de
outras ruas pelo loteamento.
O bairro que antes era caracterizado por grandes porções de terrenos vazios e por
construções promovidas, na maioria das vezes, pelos próprios moradores passou a
contar com extensos condomínios residenciais, cercados de altos muros e com diversas
torres de apartamentos alterando significativamente o modo de ocupação e a forma
espacial precedente. O pequeno comércio de bairro existente na região, agora compete
com o pomposo centro comercial construído ao lado do empreendimento. Trata-se de
um complexo de lojas e serviços para atender ao consumo dos moradores tanto dos
condomínios quanto do restante do bairro.
Mapa 4: Praia da Baleia: Zoneamento em 2010.
No zoneamento urbano instituído pelo Plano Diretor Urbano8 (PDU) de 1998 e
atualizado em 2010 (MAPA 2, acima), a região da Praia da Baleia era constituída por
duas zonas: Zona Natural, destinada à proteção ambiental e pela Zona Residencial 04,
destinada ao uso residencial unifamiliar e multifamiliar, ao comércio e serviço local, ao
comércio e serviço de bairro, ao uso misto, a hotéis e pousadas e a pequena indústria.
No que se refere ao uso multifamiliar, categoria que mais contemplava os condomínios
fechados, o gabarito permitido era de até 05 pavimentos para os prédios. Com a
instituição do novo PDM em 2012, o zoneamento de praticamente todo o município da
Serra sofreu alterações.
Praia da Baleia foi dividido em seis zonas: uma Zona de Proteção Ambiental –
ZPA, destinada à preservação do meio ambiente; duas Zonas de Expansão Urbana –
ZEU (01 e 03), que são áreas localizadas dentro da porção urbana, com localização
8 Lei n.º 2100, de 03 de julho de 1998. Dispõe sobre o planejamento urbano do município da serra,
institui o plano diretor urbano e dá outras providências. PMS, 1998.
adequada para a expansão urbana em função da proximidade com eixos viários
consolidados; uma Zona de Ocupação Controlada - ZOP (01), que são áreas com uso
predominantemente residencial, que apresentam ocupação esparsa em áreas com algum
tipo de deficiência na infraestrutura, próximas às zonas ambientalmente frágeis ou áreas
de risco e, por fim, dois Eixos de Dinamização - ED (01 e 04), que é uma zona linear
dentro da área urbana que correspondem às áreas formadas por vias localizadas
estrategicamente, ligando bairros ou sendo a via principal deles concentrando,
principalmente, atividades de comércio e serviços de atendimento local e municipal.
Um dos pontos que mais chamou a atenção nessas modificações foi a
reformulação quanto ao uso e quanto o gabarito de construção dos prédios, ou seja, o
limite máximo de altura das construções, definido em número de pavimentos.
Mapa 5: Praia da Baleia: Zoneamento em 2012.
No PDM de 2012, as modificações mais expressivas no aumento do potencial
construtivo foram realizadas na região litorânea do município, principalmente a partir de
Jacaraípe até Nova Almeida. O novo zoneamento alterou significativamente o potencial
de construção com a elevação do gabarito dos prédios e com a criação de um Eixo
Dinamizador – ED que dava exclusividade a forma condomínio em detrimento às outras
formas de construção de moradias. O novo zoneamento proporcionou o aumento do
gabarito de 05 para 16 pavimentos nas áreas de ED. Isso sinaliza muito mais que uma
simples alteração na paisagem pela possibilidade de se construir prédios mais altos.
Significa, sobretudo, uma possibilidade de se extrair renda a através do monopólio da
propriedade privada do terreno a partir do tipo de atividade que se deseje estabelecer na
terra. Dentre os diversos usos que o proprietário do terreno poderá realizar, ele
certamente escolherá aquele que mais lhe trará benefícios, e numa sociedade capitalista
estamos falando de lucro.
Lefebvre (2008) faz uma crítica contundente em relação aos mecanismos de
gestão do espaço por parte do estado. Conforme Lefebvre, “aos planificadores, aos
planejadores, no capitalismo de organização a atividade produtiva escapa quase
completamente” (LEFEBVRE, 2008, p.139). O autor afirma que “eles não percebem,
em primeiro lugar que todo espaço é produto, e, em seguida que esse produto não
resulta do pensamento conceitual, o qual não é, imediatamente, força produtiva.”9 Para
Lefebvre “o espaço considerado como produto, resulta das relações de produção a cargo
de um grupo atuante”.10
A questão levantada por Lefebvre se esclarece quando observamos que na
composição do “Conselho da Cidade” de Serra estão presentes os principais atores
envolvidos e beneficiados na produção do espaço. Constitui esse conselho os
representantes do setor de habitação, indicados pelo Sindicato das Empresas de
Construção Civil do Espírito Santo – SINDUSCON e os representantes da Associação
de Empresas do Mercado Imobiliário - ADEMI/ES, por exemplo. É interessante notar
que os grupos diretamente interessados nas definições legais sobre a terra urbana são os
mesmos que participam da elaboração dos dispositivos públicos de regulação. São ainda
os responsáveis por fiscalizar e fazer valer tudo aquilo que se institui no documento.
9 LEFEBVRE, 2008, p.139 10 Idem, p.139.
Desta forma, fica claro que a sequência de eventos que contribuíram para a
formação do bairro Praia da Baleia não ocorreu de maneira espontânea e desinteressada,
muito pelo contrário, foram estrategicamente orquestradas pelo “privado” e pelos
poderes, conforme se viu em Lefebvre. E não podia ser diferente, pois conforme o
próprio PDM, “o Plano Diretor é o instrumento de organização do espaço territorial do
Município da Serra, urbano e rural, a ser aplicado visando alcançar o desenvolvimento
sustentável, a função social da cidade e da propriedade” (SERRA/PMS, 2012, s/p. o
grifo é nosso).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Então, nossas cidades são projetadas para as pessoas ou para os lucros?” É essa a
questão que Harvey lança para o debate e é sobre ela que buscamos refletir nesse
trabalho. Conforme o próprio Harvey (2011, p.148), “a realização de novas geografias
[do capitalismo] implica mudanças na terra e sobre ela.” Para o autor, “os proprietários
de terra têm tudo a ganhar com essas mudanças. Eles podem se beneficiar enormemente
com o aumento dos valores dos terrenos, as rendas das terras crescentes e os recursos
‘naturais’ que possuem” (HARVEY, 2011, p.148). No processo histórico de
urbanização da Grande Vitória, a cidade de Vitória e, posteriormente a porção litorânea
de Vila Velha, se constituíram no lócus privilegiado para a produção imobiliária.
O intenso processo de metropolização do espaço nas décadas recentes tomou o
setor imobiliário como um vetor de expansão urbana para as outras áreas da região
metropolitana, até então preteridas pelo mercado.
A atividade imobiliária alcançou o município da Serra, onde parece ter encontrado
um novo fôlego para sua reprodução. A terra urbana tem se valorizado e sua
propriedade tem se apresentado, cada vez mais, como fonte de extração de renda. A
produção imobiliária em Serra abriu portas para o ganho sobre o espaço construído, a
renda imobiliária. Mas para que isso se concretize e se realize até as ultimas proporções
da logica rentista, Harvey (2011) afirma que “as rendas e os valores das propriedades
crescentes dependem tanto de investimentos no lugar quanto de investimentos que
mudam as relações de espaço de tal forma a agregar valor a terra, melhorando a
acessibilidade” 11. Seguindo esse raciocínio, entende-se que em Praia da Baleia a
sequencia de fatos apresentados neste trabalho, desde a abertura de uma avenida até a
implantação de um novo zoneamento para o bairro, o que se fez foi estabelecer
mecanismos para a valorização da terra em Praia da Baleia. Harvey faz uma importante
consideração sobre a condição dos proprietários fundiários na atualidade, para ele
“longe de ser uma ‘classe residual’ de aristocratas fundiários e senhores feudais, o
interesse desse desenvolvedor da terra assume um papel ativo no fazer e no refazer da
geografia do capitalismo como meio para aumentar sua renda e seu poder” 12.
Se nossas cidades estão sendo produzidas sob um modelo rentista que toma o
espaço por mercadoria e impõem a ele uma racionalidade e uma planificação dos
moldes da indústria, torna-se necessário uma crítica radical a tudo isso que é imposto.
Nas palavras de Lefebvre (2008, p.160) é preciso “romper as barreiras e bloqueios que
obstruem o caminho”, ou seja, uma crítica radical ao urbanismo, tal como ele se
apresenta, enquanto um sistema que se julga dotado da técnica, da ciência, e da arte do
urbano.
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11 HARVEY, 2011, p. 148. 12 Idem, p. 148
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