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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITAR Série VII, n.º 3 (2012) Ficha Técnica Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes Freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 Fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2012 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: CENTRO DE AUDIOVISUAIS DO EXÉRCITO/SECÇÃO DE ARTES GRÁFICAS Tiragem: 700 A Revista Proelium está indexada à LATINDEX. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

Proelium III

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REVISTA CIENTÍfICA DA ACADEMIA MILITAR SérieVII, n.º 3 (2012)

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Editorial

REVISTA CIENTÍfICA DA ACADEMIA MILITARSérie VII, n.º 3 (2012)

Ficha Técnica

Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2012 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: Centro de AudiovisuAis do exérCito/seCção de Artes GráfiCAs Tiragem: 700

A Revista Proelium está indexada à LATINDEX.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

Órgãos da ProELIum

Director: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra Editor: Tenente-Coronel (Doutor) José Carlos Dias Rouco Co-Editor: Professora Doutora Maria Manuela Martins Saraiva Sarmento Coelho Conselho Editorial: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra, Academia Militar Professor Doutor Salvatore Messina, European University for Tourism (Albânia) Professor Doutor Carlos Alberto Silva Melo Santos, Universidade dos Açores Professor Doutor Neven Duic, Universidade de Zagreb (Croácia) Professor Doutor Pedro Telhado Pereira, Universidade da Madeira Professor Doutor Henrique Manuel Dinis Santos, Universidade do Minho Professor Doutor João Joanaz de Melo, Universidade Nova de Lisboa Professora Doutora Maria Manuela M. S. Sarmento Coelho, Academia Militar Professor Doutor Vítor Manuel S. da Silva ferreira, Universidade Técnica de Lisboa Tenente-Coronel (Doutor) Carlos Manuel Mendes Dias, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) José Carlos Dias Rouco, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) António Palma Esteves Rosinha, Academia Militar Major (Doutor) Pedro Luís R. R. ferreira da Silva, Academia Militar Major (Doutor) David Pascoal Rosado, Academia Militar

Conselho Consultivo Nacional: Major-General José António Henriques Dinis Professor Doutor Diamantino freitas Gomes Durão, Universidade Lusíada Professora Doutora Ana Bela Ribeiro da Costa Santos Bravo, Academia Militar Professor Doutor António José Barreiros Telo, Academia Militar Professor Doutor Mário Lino Barata Raposo, Universidade da Beira Interior Professor Doutor António fernando Boleto Rosado, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Carlos José Bernardo da Silva Barracho, Universidade Lusíada Professor Doutor João Torres de Quinhones Levy, Universidade Técnica de Lisboa Professora Doutora Lúcia Maria Portela Lima Rodrigues, Universidade do Minho Professor Doutor João Paulo de freitas Sousa, Academia Militar Professora Doutora Ana Maria Carapelho Romão, Academia Militar Professora Doutora Paula Manuela dos Santos L. R. figueiredo, Academia Militar Professor Doutor António Joaquim dos Santos Serralheiro, Academia Militar Professor Doutor fernando José Gautier Luso Soares, Academia Militar Professor Doutor César Rodrigo fernández, Academia Militar Professor Doutor Jorge da Silva Macaísta Malheiros, Universidade de Lisboa Professora Doutora Maria da Saudade Baltazar, Universidade de Évora Professora Doutora Sandra Maria Rodrigues Balão, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Thomas Peter Gasche, Academia Militar Coronel (Doutor) João Pedro da Cruz fernandes Thomaz, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) francisco Miguel Proença Garcia, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Paulo fernando Viegas Nunes, Academia Militar Professora Doutora Maria francisca Saraiva, Universidade Nova de Lisboa Tenente-Coronel (Mestre) Jorge Manuel Dias Sequeira, Academia Militar Tenente-Coronel (Mestre) Pedro Marcelino Marquês de Sousa, Academia Militar Dra. (Mestre) Sofia de Freitas e Menezes, Academia Militar Dra. (Mestre) Teresa Almeida, Academia Militar Conselho Consultivo Internacional: Professora Doutora María Jesús Hernández Ortiz, Universidade de Jaén (Espanha) Professor Doutor Sven Biscop, Egmont Institute (Bélgica) Professor Doutor Gary N. McLean, Texas University (EUA) Professor Doutor Hermano Perrelli de Moura, Universidade federal de Pernambuco (Brasil) Professor Doutor Michael f. Cassidy, Marymount Unversity (EUA) Professora Doutora Patrícia M. Salgado, Universidade Autónoma do Estado do México (México)

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Editorial

EDITORIAL ............................................................................................................................................... 5Major-General Dias Coimbra

A fORMAçãO SUPERIOR DOS OfICIAIS DO EXÉRCITO E DA GNR NUM NOVO QUADRO DAS RELAçõES CIVIL-MILITARES EM PORTUGAL ..................................................................................... 7Eduardo Marçal Grilo

MODELO DE GESTãO DE DESENVOLVIMENTO DE COMPETêNCIAS DE LIDERANçA EM CONTEXTO MILITAR ............................................................................................................................. 17Carlos Rouco e Manuela Sarmento

LA IMPLICACIóN EMOCIONAL EN EL CONTEXTO MILITAR: EL ROL DE LOS fACTORES INDIVIDUALES, LABORALES y ACTITUDINALES ................................................................................ 47Ana Lucia-Casademunt, José A. Ariza-Montes e Alfonso C. Morales-Gutiérrez

A MATEMáTICA, A ESTATÍSTICA E O ENSINO NOS ESTABELECIMENTOS DE fORMAçãO DE OfICIAIS DO EXÉRCITO PORTUGUêS NO PERÍODO 1837-1926: UMA CARACTERIZAçãO ...........75Filipe Papança

AUDITORIA INTERNA NO EXÉRCITO .................................................................................................. 87Joaquim Alves e Manuela Sarmento

ANáLISE DAS DETERMINANTES DA REMUNERAçãO NA fUNçãO PúBLICA PORTUGUESA – CARREIRAS ESPECIAISPaulo Quinta ...................................................................................................................................................................... 119

A EVOLUçãO DOS SISTEMAS DE ARMAS APóS O 11 DE SETEMBRO DE 2001 ....................... 161Rogério dos Santos, Élio dos Santos e Celso Braz

GUERRA PENINSULAR: OPERAçõES A PARTIR DE TRáS-OS-MONTES ....................................... 183Nuno Lemos Pires

fACTORES GEOGRáfICOS, UMA SISTEMATIZAçãO ..................................................................... 205Jorge Sequeira

fRAMEwORk DE GESTãO DE SEGURANçA DA INfORMAçãO PARA ORGANIZAçõES MILITARES ORIENTADA PELOS PRINCIPAIS VECTORES DE ATAQUE ............................................... 239José Martins, Henrique dos Santos, Paulo Nunes e Rui Silva

CONTRIBUIçãO DO GRUPO DE INTERVENçãO DE PROTECçãO E SOCORRO DA GNR NO SISTEMA NACIONAL DE PROTECçãO CIVIL ..................................................................................... 267Marco Pinheiro e Manuela Sarmento

RADIAçõES IONIZANTES ........................................................................................................................ 287Cristina Cordas e João Sousa

RADIAçõES óPTICAS .............................................................................................................................. 299João Sousa

NORMAS PARA PUBLICAçãO NA REVISTA CIENTÍfICA PROELIUM ............................................ 309Carlos Rouco

ToDoS oS TExToS São DA RESPoNSABiLiDADE ExCLuSivA DoS RESPECTivoS AuToRES

sumário

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Editorial

Dias Coimbra (*)

Major-General

Num contexto cada vez mais global, em que os ambientes internos e ex-ternos se apresentam marcadamente adversos, complexos e incertos, colocam-se vários desafios às organizações e sociedades para fazer face às mudanças e continuar a atingir as metas e as finalidades. Actualmente, um dos grandes objectivos das organizações é a valorização do capital humano, nomeadamente através do reforço das competências transversais, enquanto requisitos fundamen-tais para operar em qualquer situação e alinhar os comportamentos em relação aos objectivos estratégicos.

Por isso, o ensino superior deve assumir um papel fundamental, não apenas no desenvolvimento das competências funcionais dos seus alunos, mas também promovendo competências sociais, para que cada indivíduo adquira conhecimentos e desenvolva aptidões convertíveis em mais-valias, no estímulo à produtividade, na satisfação no local de trabalho e, de um modo mais geral, na capacidade de contribuir para o bem-estar colectivo.

Em ambientes multiculturais e globais, o desenvolvimento das competên-cias sociais deve permitir a um indivíduo integrar-se com sucesso num grande número de redes sociais e transformá-las em acções bem sucedidas e diferen-ciadoras. Algumas destas competências sociais são a comunicação, a resolução de problemas em equipa, a liderança, a criatividade, a motivação, o trabalho em equipa, a capacidade de aprender e sobretudo a capacidade de relacionamento.

As competências sociais ou interpessoais, em especial, têm um interesse particular para o exercício profissional, na medida em que facilitam a integração social em qualquer comunidade, especialmente a multicultural e a multilingue

(*) 2.º Comandante e Director de Ensino da Academia Militar.

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em diferentes ambientes. Um nível elevado de competências sociais promove em cada indivíduo a auto-estima, a motivação, a perseverança e a iniciativa, em que a cidadania deve despertar particular interesse.

O presente número da Revista Proelium apresenta contribuições relevan-tes para o que aqui foi enunciado. Em conformidade com o perfil da revista, também este número segue o espectro de “banda larga” nos “saberes”, que vão desde as ciências exactas às ciências sociais e com especial destaque para as áreas científicas da valorização do potencial humano. Mantendo-se assim a diversidade temática e disciplinar, reúnem-se os seguintes artigos: “A fORMA-çãO SUPERIOR DOS OfICIAIS DO EXÉRCITO E DA GNR NUM NOVO QUADRO DAS RELAçõES CIVIL-MILITARES EM PORTUGAL”; “MODELO DE GESTãO DE DESENVOLVIMENTO DE COMPETêNCIAS DE LIDE-RANçA EM CONTEXTO MILITAR”; “LA IMPLICACIóN EMOCIONAL EN EL CONTEXTO MILITAR: EL ROL DE LOS fACTORES INDIVIDUALES, LABORALES y ACTITUDINALES”; “MATEMáTICA, A ESTATÍSTICA E O ENSINO NOS ESTABELECIMENTOS DE fORMAçãO DE OfICIAIS DO EXÉRCITO PORTUGUêS NO PERÍODO 1837-1926: UMA CARACTE-RIZAçãO”; “AUDITORIA INTERNA NO EXÉRCITO”; “ANáLISE DAS DETERMINANTES DA REMUNERAçãO NA fUNçãO PúBLICA PORTU-GUESA – CARREIRAS ESPECIAIS”; “A EVOLUçãO DOS SISTEMAS DE ARMAS APóS O 11 DE SETEMBRO DE 2001”; “GUERRA PENINSULAR: OPERAçõES A PARTIR DE TRáS-OS-MONTES”; “fRAMEwORk DE GESTãO DE SEGURANçA DA INfORMAçãO PARA ORGANIZAçõES MILITARES ORIENTADA PELOS PRINCIPAIS VETORES DE ATAQUE”; “CONTRIBUIçãO DO GRUPO DE INTERVENçãO DE PROTECçãO E SOCORRO DA GNR NO SISTEMA NACIONAL DE PROTECçãO CIVIL”; “RADIAÇÕES IONIZANTES” e por fim “RADIAÇÕES ÓPTICAS”.

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Eduardo Marçal Grilo a,2

a Fundação Calouste Gulbenkian, Avenida de Berna 45A, 1067-001, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

This article is based on a communication made in the seminar “from Army School to Military Academy: Past, Present and future of Military Superior formation in Portugal”, which took place in the Military Academy, on 16th of May 2012, on the subject Superior formation of Army and GNR (Republican National Guard) officers in a new framework of civilian-military relations in Portugal”. A reflexion is made about the following areas: conceptual differences that have been happening concerning nature and the role of the system of mi-litary education; the threats that we have to face nowadays, the importance of military elites and the role that they may and should perform as elements that circulate between the military institution and institutions of civilian character; scientific formation; attitudes and behaviours; values; demands; articulation that must be encouraged among the several institutions of superior education including Universities, Polytechnic Institutes and Institutions of Military Su-perior Education namely the Military Academy, Navy School and Air force Academy. The author concludes that, owing to all the reasons associated to the several areas covered, the defence of superior education and its development and consolidation constitute a great national imperative.

Key-words: Military superior education; civilian-military relations; threats; values.

a formaÇÃo suPErior dos ofiCiais do EXÉrCito E da Gnr num novo Quadro das rElaÇoEs Civil-militarEs Em PortuGal 1

1 Intervenção proferida no âmbito do seminário: Da Escola do Exército à Academia Militar: Passado, Presente e futuro da formação Superior Militar em Portugal, Academia Militar, Lisboa, Maio 2012

2 Contactos: Email – [email protected]; Tel. – +351 217823000Recebido em 18 Maio 2012 / Aceite em 24 Maio 2012

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rESumo

Este artigo, tem por base uma comunicação efectuada no âmbito do seminário “Da Escola do Exército à Academia Militar: Passado, Presente e futuro da formação Superior Militar em Portugal”, que teve lugar na Academia Militar, no dia 16 de Maio de 2012, sobre o tema “Formação superior dos oficiais do Exército e da GNR num novo quadro das relações civil-militares em Portu-gal”. Reflecte sobre as seguintes áreas: diferenças conceptuais que têm vindo a ocorrer ao longo do tempo relativamente à natureza e ao papel do sistema de ensino militar; as ameaças que enfrentamos nos dias de hoje; importância das elites militares e do papel que estas podem e devem ter como elementos que circulam entre a instituição militar e as instituições de carácter civil; formação científica; atitudes e comportamentos; valores; exigência; articulação que deve ser incentivada entre as várias instituições de ensino superior onde inclui as Universidades, os Institutos Politécnicos e as Instituições de Ensino Superior Militar designadamente a Academia Militar, a Escola Naval e a Academia da força Aérea.O autor conclui que por todas as razões associadas às diversas áreas tratadas, a defesa do ensino superior e o seu desenvolvimento e consolidação constituem um grande imperativo nacional.

Palavras-chave: Ensino superior militar; relações civis-militares; ameaças; valores.

Quero em primeiro lugar agradecer o convite para participar nesta sessão comemorativa dos 175 anos da Escola do Exército e dizer que, por diversas razões, considerei este convite como irrecusável.fui professor na Academia Militar durante alguns anos, onde cumpri uma parte significativa do meu serviço militar obrigatório. Fui depois, nesta mesma instituição, Conselheiro Científico–Pedagógico a convite do Senhor General Sanches da Gama, tendo depois trabalhado com alguns outros comandantes como o senhor General Pereira Pinto, o Senhor General Cabral Couto e ainda o Senhor General Almeida Bruno.Sinto portanto que mais que um convite, a carta do Senhor Tenente General Amaral Vieira era uma convocatória a que eu não podia deixar de correspon-der. Por isso aqui estou com muito gosto e com muita honra. Ligam-me a esta casa momentos inesquecíveis, uns de grande exaltação e relevância pessoal e profissional, outros não tanto, como um, permitam-me que o refira, vivido no dia 12 de Março de 1975 quando a instituição militar e as forças Armadas,

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no seu conjunto, viveram dias de grande turbulência que felizmente para todos nós foram ultrapassados de uma forma corajosa e inteligente, o que na altura parecia impossível de ser alcançado.Não vou ler um discurso, vou sim fazer algumas reflexões sobre um tema que me foi proposto e que eu tratarei, procurando lançar para o debate um conjunto de ideias que, em minha opinião, se inserem neste problema da formação su-perior dos oficiais do Exército (e da Guarda Nacional Republicana) no quadro das relações civil-militares no nosso país.Identifiquei algumas áreas de reflexão que pareceram relevantes para este se-minário em que se está a debater o passado, o presente e o futuro da formação Superior Militar;

1) A primeira tem a ver com as diferenças conceptuais que têm vindo a ocorrer ao longo do tempo relativamente à natureza e ao papel do sistema de ensino militar.Durante o período do Estado Novo, o governo do Doutor Salazar (cito agora o Doutor Medeiros ferreira num seu artigo publicado na revista Nação e Defesa) pretendeu instaurar um sistema de ensino militar que promovesse uma “casta” separada de oficiais do Quadro Permanente – Foi dito na al-tura- “o Governo julga essencial à existência e valor da força armada o meticuloso cuidado na preparação dos oficiais. Eis porque entende orientar desde a infância a escola que há-de constituir os futuros chefes do Exército, adaptando a esta finalidade o Colégio Militar e a Escola do Exército”.Algumas décadas depois de ser esta a posição do poder político, muita coisa mudou no contexto das exigências de formação dos oficiais do Exército.Mudou desde logo o país, bem como o contexto em que se insere o rela-cionamento das forças Armadas com a Sociedade e com o Estado em que se integram e que servem.O País vive hoje num regime democrático e num Estado de Direito, cuja implementação aliás se deve em grande medida às próprias forças Armadas, em que estas se encontram subordinadas ao poder Político instituído.As forças Armadas são, portanto, uma instituição da maior importância para o país, designadamente como garante da nossa soberania, mas não constituem um corpo separado do resto da sociedade. Pelo contrário, elas são hoje uma instituição que se rege por um ideário próprio, mas que se abre sobre a sociedade civil e que com esta interatua numa lógica de defesa perante as ameaças que o país enfrenta e na promoção

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dos grandes interesses de Portugal como país independente, que se insere no contexto internacional através das diversas organizações de carácter político ou militar a que pertencem como sejam a União Europeia, a CPLP, a NATO, as Nações Unidas ou o OSCE.O conceito de forças Armadas como instituição desinserida da sociedade, com uma lógica própria de funcionamento e com um corpo de oficiais do quadro permanente vivendo e atuando apenas dentro da instituição militar, é uma ideia do passado.

2) A segunda reflexão prende-se com as ameaças que enfrentamos nos dias de hoje e que são também bem diferentes daquelas que o país enfrentou num passado mais ou menos recente. Basta recordar o que foram as ameaças que pairaram sobre o país durante a década de 40 ou mais tarde durante a Guerra fria, para percebermos que a situação hoje em termos de ameaças tem outras características, sendo certo que as chamadas novas ameaças não se podem equacionar nem na mesma lógica nem com os mesmos instrumentos com que se enfrentavam as ameaças do passado.E tudo isto tem a ver com a formação dos oficiais e com o papel das ins-tituições de ensino superior militar.De acordo com alguns estudos elaborados designadamente no IDN existe (e passo a citar) “um consenso institucional no sentido de identificar como principais ameaças à segurança interna:

a) os movimentos contestatários de índole violenta ou subversiva.A globalização, associada à livre circulação de pessoas no espaço eu-ropeu, veio elevar consideravelmente as probabilidades de ocorrerem incidentes graves no domínio da ordem pública;

b) os fenómenos de violência política e extremista e movimentos radicais de intervenção.

Englobando-se nesta ameaça as intenções de alguns movimentos políticos extremistas e organizações de matriz anarco-libertária e antiglobalização, skinheads, neonazis e ultranacionalistas;

bem como, c) os fenómenos de violência urbana; d) os fenómenos de violência associada ao desporto; e) os fenómenos de paralisação de sectores essenciais decorrentes de vio-

lência social programada;

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f) As organizações transnacionais de criminalidade organizada;g) A criminalidade económica e financeira

O peso do sector financeiro na Economia dos Estados é extremamente significativo e as políticas de desregulação além de potenciarem práticas criminais poderão constituir uma vulnerabilidade para o Estado.

h) o terrorismo; i) os riscos inerentes às infraestruturas críticas; j) As ciber ameaças

As vulnerabilidades dos sistemas de informação e comunicação são evidentes sendo inúmeras as possibilidades de interferir, destruir, bloquear, aceder e uti-lizar indevidamente as atuais redes e sistemas de comunicação e computação.”

Este é, portanto, um quadro de referência que deve ser tido em conta quan-do se analisa a questão central da formação dos quadros militares de nível superior.

3) O terceiro tema que merece uma reflexão decorre da importância que eu atribuo às elites militares e ao papel que estas podem e devem ter como elementos que circulam entre a instituição militar e as instituições de carácter civil.Na lógica de reconhecimento das forças Armadas como instituição que se integra no todo nacional e que interage com a sociedade a que pertence, é essencial que as suas elites possam partilhar as suas carreiras entre a insti-tuição militar e todas as outras da órbita civil.E isto aplica-se não apenas aos corpos permanentes mas também aos “con-tratados” que chegam ao final dos seus contratos e têm que ingressar ou reingressar no mercado de trabalho.Neste particular as forças Armadas desempenham um papel da maior im-portância porque fornecendo uma educação e uma formação de qualidade, dão um contributo essencial para o desenvolvimento do país, sobretudo porque os recursos humanos são seguramente, talvez em paralelo com o mar, o Oceano Atlântico e a sua Zona Económica Exclusiva que é um dos poucos recursos naturais de que dispomos, um dos grandes vetores em que temos que investir para que o país cresça e se desenvolva como um país avançado que quer ser e que tem condições para ser.É neste sentido que eu gostaria de reforçar a importância de que se reveste em qualquer instituição do ensino superior, civil ou militar, uma formação

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de base de espectro largo e de grande qualidade científica como garantia de que os futuros diplomados têm a capacidade necessária para enfrentar os desafios que lhe vão surgindo ao longo das suas vidas profissionais.A esta resposta quero ainda sublinhar o que me parecem ser as componentes mais relevantes dessa formação de base:

1. Uma formação científica sólida nas matérias definidas como essenciais;2. A consolidação de um conjunto de atitudes e comportamentos cuja rele-

vância se situa no mesmo nível da formação científica;3. A adoção dos valores que podem ser considerados como universais no

quadro cultural em que nos situamos.

4) Formação Científica

Em qualquer curso de formação inicial – licenciatura, mestrado ou dou-toramento é importante que a componente científica e os conhecimentos adquiridos tenham uma profundidade e uma coerência que permitam ao futuro diplomado dispor de uma “bagagem” suficiente para enfrentar os problemas do mundo real. A perspetiva deve ser a de uma formação inicial de espectro mais largo (licenciatura) que é depois seguida de formações mais especializadas. O mestrado e/ou o doutoramento são períodos de formação em que se adquire primeiro método e capacidade para pesquisar e investigar e depois se procura contribuir para o progresso do conhecimento científico ou através da produção de conhecimentos em novas áreas ou aprofundando conhecimentos já adquiridos nos domínios científicos em que cada doutoran-do faz a sua investigação devidamente integrado em grupos já constituídos.É muito importante referir que a formação de base, em especial a partir de uma formação avançada, deve permitir que cada um tenha, por um lado a capacidade para produzir conhecimento e por outro, para integrar equipas multidisciplinares onde possa dar o seu contributo para a pesquisa e o aprofundamento dos conhecimentos em áreas e em problemas complexos.Sublinhe-se no entanto, que o trabalho de pesquisa a desenvolver em áreas pluridisciplinares e de maior complexidade exige que se continue a produzir investigação nas áreas científicas clássicas, pois sem este conhecimento por área científica dificilmente se poderá progredir na resolução de questões pluri-inter ou multidisciplinares.No caso das escolas de ensino superior militar não irei tecer nenhuma consideração sobre as matérias (ciências básicas, ciências militares) que

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devem integrar o curriculum dos cursos ministrados, mas não posso deixar de chamar a atenção para a importância que atribuo a uma formação de base a que chamarei “General Education” e que tem como objetivo abrir o leque de opções dos estudantes designadamente proporcionando a cada um a possibilidade de frequentarem disciplinas que aparentemente estão desligadas das matérias consideradas essenciais, mas que têm uma grande importância para a consolidação de uma cultura alargada tão necessária para equacionar os problemas que se enfrentam nos dias de hoje. Refiro-me concretamente a áreas como a filosofia, a psicologia, a história, o teatro, a história de arte ou a literatura.Em relação à literatura gostava de insistir no papel essencial que o livro e a leitura devem desempenhar na vida de qualquer cidadão responsável que queira estudar e refletir. E quando falo em livros quero referir-me a uma gama larga de qualificação de livros: dos de não ficção, à ficção passando pelo ensaio, pela poesia, pelos romances históricos ou os estudos temáticos.

5) Atitudes e Comportamentos

Se a formação e os conhecimentos de base científica são essenciais para que o desempenho de funções por parte dos diplomados, pelo ensino superior (civil e militar), não é menos verdade que para enfrentar os problemas que cada um vai encontrar ao longo da sua vida profissional e de cidadão que quer participar na vida coletiva, se torna necessário prestar atenção especial ao conjunto de atitudes e comportamentos que são hoje muitas vezes fatores determinantes no recrutamento e seleção de quadros qualificados tal como devem ser os diplomados pelas instituições de ensino superior.Num mundo que é caracterizado sobretudo pela grande imprevisibilidade quanto ao futuro, a iniciativa, o espírito de inovação, a liderança, a capacidade para mudar e para se adaptar à mudança, o sentido de responsabilidade, a reflexão, a liderança, a autonomia, a disciplina, a independência na tomada de posições, o saber trabalhar em equipa são, em muitas circunstâncias, características que fazem a diferença e que constituem mais-valias que são fortemente valorizadas neste mundo tão competitivo em que vivemos.Trabalhando por conta própria ou integrados numa qualquer organização, as atitudes e os comportamentos que cada um tem em relação ao modo como se encaram os problemas, por mais simples ou complexos que estes sejam, são fatores que distinguem quem faz de quem não faz ou quem está preparado de quem não está preparado para lidar com situações novas e imprevistas

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para as quais se não podem aplicar as soluções que eram válidas para as questões clássicas e de rotina.(Nesta matéria a Comissão Europeia através do European Schoolnet lançou um projeto para definição dos 21 skills” para o séc. XXI. Existe já uma série de documentos muito interessantes que podem ser consultados no Site deste projeto –www.atc21s.org).

6) Valores

Numa sociedade onde um conjunto de atuações e de situações vem eviden-ciando uma crescente crise de valores é natural que se apontem as escolas como instituições onde é desejável que se combata essa crise e se promovam os valores pelos quais se devem pautar os indivíduos e as organizações tendo em vista a coesão e a promoção do desenvolvimento social, político, económico e cultural das sociedades e dos países.De entre os valores citarei como mais relevantes:a) O respeito pelos outros;b) A tolerância;c) O sentido ético;d) O cumprimento dos deveres e dos compromissos;e) O respeito pela verdade; e f) A humildade

Uma sociedade em que o comportamento dos seus elementos é enquadrado por estes valores é necessariamente uma sociedade mais equilibrada, mais coesa, e mais respeitadora dos direitos da pessoa humana.

7) Uma nota ainda que gostava de deixar tem a ver com a “exigência”. Os portugueses tradicionalmente não são muito exigentes. Não o são com os outros como não são consigo próprios.Esta é seguramente uma característica a que temos que atribuir prioridade acrescida nas nossas escolas a todos os níveis. A exigência não se traduz apenas por mais exames ou por provas onde se coloca uma fasquia mais alta.A exigência começa em casa com os Pais a serem mais exigentes com o trabalho dos seus filhos e termina com cada um a ser mais exigente consigo próprio.As famílias e os jovens têm que ser mais exigentes com a escola e com os professores.

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Os professores têm que ser exigentes com os seus alunos. E os alunos têm que se assumir como mais exigentes perante si próprios, numa lógica de que é necessário fazer melhor no dia amanhã aquilo que acabámos de fazer no dia de hoje.

8) Uma última reflexão prende-se com a articulação, que deve ser incentivada, entre as várias instituições de ensino superior, onde incluo as Universidades, os Institutos Politécnicos e as Instituições de Ensino Militar designada-mente a Academia Militar, a Escola Naval e a Academia da força Aérea.Portugal nunca teve no seu passado mais recente ou mais longínquo um conjunto de recursos humanos altamente qualificados como o que existe neste início do Séc.XXI.O país dispõe hoje de milhares de doutorados espalhados por dezenas de instituições onde se produz conhecimento e se formam milhares de jovens nos mais diversos domínios científicos.Estes milhares de jovens vão ser confrontados com grandes desafios e dias muito difíceis, mas vão também ter pela frente oportunidades que não existiam há alguns anos atrás.O processo de globalização abre a todos aqueles que dispõem de for-mações avançadas oportunidades para se realizarem pessoalmente e para contribuírem para o desenvolvimento das sociedades onde estão inseridos ou onde se venham a inserir.Precisamos, no entanto de otimizar os recursos de formação e investigação de que dispomos.Nesta perspetiva o que proponho é que as instituições civis e militares de carácter universitário, politécnico ou de estudos avançados, trabalhem em conjunto para melhorarem a sua eficiência e para se tornarem ainda mais úteis e relevantes para o desenvolvimento do país, na certeza de que estas instituições têm muito a aprender mutuamente.Não será fácil a Portugal ultrapassar a situação difícil e delicada em que se encontra, mas será ainda mais difícil se as instituições de ensino superior não souberem ou não puderem desenvolver todas as suas potencialidades designadamente na relação íntima que devem ter com o mundo real da economia e da produção de riqueza.O conhecimento, a inovação, a criação de novos produtos e serviços são talvez os maiores instrumentos de que o país dispõe para poder criar ri-queza, criar emprego, caminhando para um país mais equilibrado do ponto

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de vista das contas públicas e com uma balança comercial mais favorável relativamente à nossa capacidade exportadora.É por todas estas razões que a defesa do ensino superior e do seu desen-volvimento e consolidação constitui um grande imperativo nacional.

Eduardo marçal Grilo

Doutorado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico. Do seu curriculum consta o exercício de várias funções, a destacar, consultor científico e pedagógico da Academia Militar, consultor do Banco Mundial, Presidente do Conselho Nacional de Educação e Ministro da Educação entre 1995 e 1999. Actualmente, é administrador da fundação Calouste Gulbenkian, membro de várias instituições e Coordenador de um Grupo de Trabalho do Ministério da Defesa Nacional relacionado com a reforma do Ensino Militar.

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Carlos Rouco a,1, Manuela Sarmento a,2

a Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169 - 244, Lisboa, Portugal

rESumo

O presente artigo tem por objectivo definir um Modelo de Gestão de Desen-volvimento de Competências de Liderança em Contexto Militar – Exército Português, de modo a identificar as competências e o padrão de referência para avaliar lacunas de formação.A metodologia seguida baseia-se numa investigação empírica assente num inquérito que teve como público alvo uma amostra com 351 Oficiais do Exército português. O método estatístico utilizado para extrair as dimensões que suportam o modelo foi a análise de componentes principais. Concluiu-se que os Oficiais consideram como as mais importantes para obter de-sempenhos superiores, as seguintes dimensões: (1) orientação para a missão através do exemplo e ética; (2) tomada de decisão e planeamento; (3) visão; (4) coesão e trabalho de equipa; (5) gestão de conflitos; (6) liderança participativa e envolvimento.

Palavras-Chave: Formação, Competências, Liderança, Oficiais, Contexto Militar.

ABSTrACT

This paper aims at defining a Management Model of Developing Leadership Competences in Military Context - Portuguese Army, in order to identify the competences and reference standard to assess training gaps.The methodology is based on an empirical research through a survey that was implemented in a sample of 351 Portuguese Army Officers. The statistical

modElo dE GEstÃo dE dEsEnvolvimEnto dE ComPEtênCias dE lidEranÇa Em ContEXo militar

1 Contactos: Email – [email protected], Tel. – +3519136115002 Contactos: Email – [email protected]

Recebido em 06 fevereiro 2012 / Aceite em 20 Março 2012

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method applied is the principal component analysis, that allows extracting the dimensions that support the referred model.It was concluded that the officers consider the following dimensions, as the most important for superior performance: (1) guidance to the mission and ethics by example, (2) decision-making and planning, (3) vision, (4) cohesion and tea-mwork, (5) conflict management, (6) participatory leadership and involvement.

Key Words: Formation, Competences, Leadership, Officers, Military Context

1. INTroDuÇÃo

O desempenho colectivo e a sua eficácia dependem de muitos factores, assumin-do, contudo, a liderança um papel determinante na mobilização dos Recursos Humanos para o sucesso organizacional. Também em contexto organizacional militar, todos os que comandam sabem que a componente principal para cum-prir a missão é o factor humano e que a liderança é uma função essencial para estabelecer as relações interpessoais entre o comandante e o subordinado e, consequentemente garantir o cumprimento da missão.Ao analisar o exercício da função de liderança, desde o nível da equipa até ao estratégico, verifica-se que esta não influencia apenas directamente os seus membros, mas também influencia indirectamente os seus comportamentos e o seu desempenho, ao afectar o ambiente interno e externo da organização. Visto nesta perspectiva, os líderes afectam todos os aspectos de funcionamento de uma organização.face ao exposto e na área da gestão da formação, procura-se desenvolver no plano teórico e prático um Modelo de Gestão de Desenvolvimento de Compe-tências de Liderança de apoio ao desenvolvimento do capital humano, através de uma metodologia que permita identificar as competências associadas à liderança necessárias à Instituição para obter desempenhos superiores.Neste sentido, os objectivos deste estudo são: (a) identificar as competências associadas à liderança que os Oficiais do Exército Português consideram mais importantes para obter desempenhos superiores; (b) definir um modelo de li-derança em contexto militar que permita identificar o padrão de referência e, consequentemente verificar as lacunas e necessidades de formação.Tendo em conta estes pressupostos, nas próximas secções revêem-se os concei-tos de competências e as diferentes teorias da liderança, bem como os estudos

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que lhe estão associados para identificar os traços de personalidade, aptidões, atitudes e comportamentos que estão subjacentes à liderança e são preditores de desempenhos superiores.

2. CoNCEITo DE ComPETÊNCIA

A origem da palavra competência aparece do latim “competere” que significa ser apropriado. De acordo com a literatura, o conceito de competência não é um conceito recente. A aproximação das competências à gestão dos Recursos Humanos (RH) já era praticada pelos romanos para seleccionar o “bom solda-do” (Mayoral, Palacios, Gómez, & Crespo, 2007). Também, no império Chinês reconheciam a diferença entre as qualidades pessoais e a educação formal ao adaptar os exames aos requisitos do serviço civil nos empregos do império (Hoge, Tondora, & Marreli, 2005). Na época medieval, os aprendizes, através da imitação, procuravam aprender as habilidades específicas que precisavam para desempenhar uma tarefa específica, com o artesão-mestre (Mclagan, 1997).McClelland (1973) definiu as variáveis das competências que podiam ser usadas como preditores do desempenho de uma tarefa e que não eram baseados em indicadores como a etnia, o género ou factores socioeconómicos. As suas inves-tigações ajudaram a identificar capacidades no desempenho do trabalho em que não eram apenas consideradas as qualidades e os atributos dos colaboradores. O artigo de McClelland foi a chave para o desenvolvimento da abordagem às competências em alternativa aos testes de inteligência.O modelo de competências de McClelland pode ser resumido por dois factores:

• O uso de amostras de critérios (que comparam sistematicamente pessoas com execuções superiores relativamente a outras);

• Identificação de conhecimentos, aptidões, atitudes e comportamentos que estão causalmente relacionados com os resultados de sucesso.

Segundo diferentes autores, as competências são definidas como:

• Um conjunto de conhecimento, capacidades, atitudes, auto-conceito, valores e motivos que estão directamente relacionados com o desempenho no trabalho ou resultados importantes do dia-a-dia e, que mostram ser diferentes entre os desempenhos médios e superiores (McClelland, 1973).

• As características base individuais que estão casualmente relacionadas com critérios de referência eficazes ou desempenhos superiores no trabalho ou numa dada situação (Spencer & Spencer, 1993).

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• O desempenho eficaz dentro de uma ocupação, do qual podem variar os níveis básicos de proficiência aos níveis mais elevados de excelência (Cheetham & Chievers, 2005).

• O conhecimento, aptidões e atitudes que podem ser entendidas como o saber “em acção ou em uso”. Deste modo, não se trata de adicionar a um conjun-to de conhecimentos, aptidões e atitudes, mas promover o desenvolvimento integrado capacidades que viabilizam a utilização dos conhecimentos em situações diversas, mais familiares ou menos familiares ao aluno (Ministério da Educação, 2001, p. 9).

Ao analisar as diferentes definições das competências, verifica-se que quase tudo serve para a sua definição, i.e. a competência tem um largo espectro. Muitas definições ignoram a de McClelland em que as competências devem diferenciar entre o desempenho superior e médio (o que diferencia as competências) e que tem uma ligação empírica ao factor aceitável da palavra desempenho (as competências do ponto inicial).A segunda área de confusão coloca-se na incapacidade entre distinguir o que melhor pode ser denominado por áreas de competência versus competências pessoais relacionadas. As áreas de competência são as actividades em que cada pessoa é competente e as competências pessoais relacionadas são as qualidades e os atributos que permitem um determinado desempenho.

2.1 Componentes da Competência

Tradicionalmente, o acrónimo de kSA ou kSAO foi conectado como a este-nografia para os atributos ou qualidades do indivíduo relativos ao desempenho no trabalho. Originalmente, o acrónimo aparecia como KSA – que significava conhecimento, capacidade e atitudes. Ao longo dos anos e dependente das fontes, o acrónimo foi evoluindo para tomar outros significados: • O K (Knowledge) e S (skill) permanecem sempre como conhecimento e

capacidade, respectivamente;• O A (ability) e o (other) variaram. O A representa uma ou outra aptidão,

que por vezes são sinónimos de atributos ou atitudes. O o representa “outras características” e aparece frequentemente quando o A representa aptidões.

De acordo com Harvey (2008) os vários componentes de kSAO (Knowledge, Skill, Ability and other) representam os seguintes significados:• knowledge (conhecimento) é a informação necessária e específica para realizar

as tarefas de uma função;

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• skill (capacidade) é a proficiência no uso de instrumentos e equipamentos na função. Esta habilidade deve ser adquirida num ambiente educacional ou aprendido na função de forma informal;

• ability (aptidão) resulta de conceitos tais como a inteligência, orientação espacial e tempo de reacção, as capacidades são medidas frequentemente por testes que fornecem estimativas acerca da capacidade específica que uma pessoa tem para realizar uma tarefa;

• other (outras características) são as características adicionais necessárias para fazer bem um trabalho, como, por exemplo, a atitude e a personalidade.

A revisão quanto ao conceito de competências ajuda os gestores e os colabora-dores a fazer avaliações de forma continuada sobre os conhecimentos, aptidões e outras características necessárias para um desempenho eficaz. No entanto, as competências, apenas providenciam a fundação destes propósitos, sendo neces-sário construir grupos de competências e serem testadas numa grande variedade de combinações e circunstâncias para determinar as componentes necessárias numa função ou campo de perícia. Como ilustra a Figura 1, a definição de competência contem frequentemente, explícita ou implicitamente, elementos que pertencem ao kSAO. No entanto, as competências podem descrever melhor a representação em níveis de análise – que estejam acima do kSAO.

Figura 1: Modelo conceptual de desenvolvimento de competências.Fonte: Adaptado de Punnitamai (2002, p.119).

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Quando se confronta o conceito de competência com o KSAO verifica-se que são diferentes nas suas aplicações, mas não necessariamente diferentes no conteúdo ou significado. As competências diferem do KSAO na medida em que estas definem claramente o nível de análise a partir da função e estão associadas ao que as pessoas são capazes de executar.Esta mudança é extremamente importante nos modernos espaços de trabalho, onde o ambiente organizacional exige que a estrutura seja feita em torno dos projectos de trabalho, em vez de um trabalho claramente delineados e definido detalhadamente. As competências focalizaram a importância dos RH nas orga-nizações e o valor que estes trazem para o local de trabalho representando um factor fundamental para o sucesso organizacional.

2.2 Tipologia da Competência

Da revisão, verifica-se que os quadros sobre a competência estão a levar a estruturas multi-dimensionais e divergentes, mesmo após os esforços de convergência no âmbito da União Europeia. As competências funcionais e cognitivas nos Estados Unidos da América (EUA) estão a ser adicionadas às competências comportamentais, enquanto as competências cognitivas e comportamentais, no Reino Unido, estão a ser adicionadas ao modelo de competências funcionais ocupacional. Em frança, Alemanha e áustria, parece adoptar-se uma estrutura mais holística, considerando o conhecimento, as aptidões e as atitudes como uma dimensão da competência, como existe noutros países que adoptaram a formação baseada nas competências.A partir desta análise, verifica-se que uma tipologia holística é útil para com-preender a combinação do conhecimento, aptidões e atitudes que são necessárias para uma ocupação particular. As competências requeridas para uma ocupação incluem quatro dimensões da competência como ilustra a Figura 2.

Figura 2: Tipologia das competências.Fonte: Adaptado de Le Deist & winterton (2005, p.39).

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As primeiras três dimensões, competências cognitivas, funcionais e sociais, são aceites de uma forma geral e estão claramente consistentes com a aproximação francesa (saber, saber fazer, saber ser) tal como o kSA (conhecimento, capacidade e atitudes) no treino para a profissão. Assim, o conhecimento e a compreensão são associados às competências cognitivas, as capacidades com as competências funcionais e, os comportamentos e as atitudes com as competências sociais. A meta-competência representa a facilidade de aquisição das restantes dimensões.Actualmente, o desafio é desenvolver uma tipologia de competência consistente e coerente num contexto onde a divergência entre os vários países se possa aproximar. A abordagem tradicional dos EUA demonstrou a importância das características individuais e usa as competências comportamentais como um meio para desenvolver os desempenhos superiores. No Reino Unido ficou claro o valor ocupacional definido por padrões das competências funcionais e as suas aplicações no local de trabalho. A apro-ximação adoptada em frança e na Alemanha demonstraram o potencial das multi-dimensões e um conceito mais analítico da competência. De uma forma geral, verifica-se que existem sinais de convergência nas abor-dagens dos diferentes países, não apenas entre os países da Europa como os modelos dos EUA, em que estes sugerem que é no valor da aproximação das multi-dimensões que está o desenvolvimento para uma compreensão global do termo.

2.3 Desenvolvimento das Competências

Para Sinott, Madison e Pataki (2002) o desenvolvimento de competências pode ser observada como um “ciclo de vida” o qual aponta os realces contínuos. Os principais passos deste “ciclo de vida” podem ser identificados como a seguir se discrimina:

• A criação de um modelo de competência através da identificação dos requi-sitos do trabalho, papeis e competências relevantes;

• A avaliação das competências existentes; • A análise entre competências existentes;• As competências exigidas para um papel específico do trabalho ou tarefa; • A definição do programa de desenvolvimento de competência ou unidades de

programas para minimizar a identificação de discrepâncias; • A monitorização contínua do desempenho e a avaliação para confirmar a

melhoria.

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Um outro conceito que aparece muitas vezes associado à competência é a modelagem da competência e que é tipicamente caracterizada como a sua iden-tificação, definição e o nível do KSAO que é necessário para o desempenho de sucesso numa função (Bartram, 2004).Segundo este conceito, a criação de modelos de competência podem ser reali-zados através de várias aproximações, mas as mais comuns colocam-se ao nível da função ou organização (Mansfield, 2004). As duas aproximações anteriores como forma de identificar as características (i.e., KSAO), e necessárias para ter sucesso numa função particular, são, frequentemente referidas como um modelo que é formado de baixo para cima, e complementarmente similar à análise da função. A segunda aproximação toma em consideração os objectivos da organização, da visão, da estratégia e, tenta desenvolver um conjunto de competências que são aplicadas à organização como um todo, a uma área da organização ou a uma função dentro da organização (Lawler, 1994).Esta ampla definição é tipicamente separada por duas orientações de análise de funções: a orientação para o indivíduo, muitas vezes referida às especificidades e necessidades da função com o enquadramento do kSAO para a realização da função com sucesso e muito semelhante à natureza da definição da modelagem da competência conforme anteriormente referido; e a orientação para a tarefa (também chamada de orientação para o trabalho) onde se procuram identificar os comportamentos relevantes da função e como esta é conduzida (incluindo ferramentas, tecnologias, informação e pessoas com que habitualmente interage). Esta última orientação é, muitas vezes, referida como a análise de funções, através dos detalhes necessários para a realização da função com sucesso (Cascio & Aguinis, 2005).Uma das partes mais importante em qualquer modelo de competências ou aná-lise de funções envolve o esforço dos técnicos de RH, dos peritos, ou analistas de funções e os próprios colaboradores, para escalonar a importância de cada competência, do kSAO, das tarefas e dos comportamentos de referência. O volume de literatura sobre os modelos de competências e a análise de fun-ções é suficiente para esclarecer sobre qual a metodologia que é melhor entre os debates. Porém, a questão sobre qual a melhor metodologia não é talvez a melhor forma de se abordar o assunto. Em primeiro lugar, a escolha da metodologia depende das condições do ambiente/ função, das necessidades da organização e das finalidades do modelo de competências/ função, conforme se discrimina no Quadro 1.

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Também, uma organização tem que decidir o nível de especificidade que é de-sejado e a escala organizacional em que o esforço do modelo de competências/ análise de funções deve ser focalizado, conforme se discrimina no Quadro 2.

Quadro 1: Modelos de competências e análise de funções.

Fonte: Adaptado de Byham e Moyer (2005).

Quadro 2: Nível e especificidade nos modelos de competências/ análise de funções.

Fonte: Adaptado de Byham e Moyer (2005).

Se uma organização está interessada em analisar uma função em particular num determinado momento, deve conduzir uma análise de funções. Adicionalmente, se a organização quiser examinar vários níveis de funções ou toda a organização, deve-se examinar as competências organizacionais (Byham & Moyer, 2005). Tal como podemos verificar, a questão sobre o melhor e único caminho para a aproximação ao modelo de competências ou à análise de funções não tem uma resposta directa, e depende de vários factores. No entanto, uma compreensão sólida sobre os fundamentos irá ajudar a maximizar e a ajustar as aproximações entre a análise de funções e o modelo de competências a tomar e, bem como dos resultados para cada processo.

Segundo Goldstein e Ford (2002, p. 271-2) “…ao contrário da análise de funções tra-dicional, o foco em identificar um modelo de competências não está nas exigências técnicas, no conhecimento, ou nas habilidades específicas para executar uma função em particular…. Espera-se das competências mais globais não somente que prevejam o com-portamento através de uma grande variedade de tarefas, mas que igualmente forneçam à organização um conjunto de características que as distingam das outras organizações nos termos de como operam…”.

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Para Goldstein e ford (2002) o modelo de competências corresponde aos objectivos deste estudo, que se deve focalizar em líderes versáteis e soldados que desempenhem multifunções. A análise de função tradicional pode produzir a informação útil e necessária, mas tem uma vida curta para as condições das mudanças organizacionais actuais. Assim, o Exército deve desejar líderes com requisitos que sejam portáteis ao longo da sua carreira e que caracterizam o desempenho do Oficial na área do comando em diferentes níveis organizacio-nais. Por outro lado, neste modelo de competências de liderança a identificar, a cultura, visão e a missão do Exército devem ser factores influenciadores.O modelo de competências é tipicamente visto como um mecanismo para re-lacionar o desenvolvimento dos RH com as estratégias da organização: “ uma ferramenta descritiva que identifica as aptidões, o conhecimento, as caracterís-ticas pessoais, e os comportamentos necessários para desempenhar um papel eficaz na organização” (Lúcia & Lepsinger, 1999, p.5). Gangani, McLean e Braden (2004, p.1111) também referiram que “a prática destas competências nucleares alinham os objectivos estratégicos de uma organização como uma chave do processo dos Recursos Humanos”.

2.4 Das Competências ao Desempenho Superior

White (1959), McClelland (1973) e Spencer e Spencer (1993) definiram as vari-áveis das competências como preditores de desempenhos superiores e alta moti-vação. Assim, para estes autores o “critério de referência” de uma competência é um factor crítico, em que os mais usados são o desempenho superior e eficaz. A palavra eficácia deriva do termo “efeito” e é usada no contexto das relações causa-efeito, assim cada nível de eficácia pode ser visto como uma variável causada por outras variáveis (Gibson Ivancevich, Donnelly, & konopaske, 2006).Como se apresenta na Figura 3 ao nível individual – a eficácia está relaciona-da com as competências e ao nível colectivo – a liderança é um dos factores

Figura 3: Causas de eficácia.Fonte: Adaptado de Gibson, Ivancevich, Donnelly e konopaske (2006, p.16).

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causais da eficácia organizacional. Também Mintzberg (1973) considera que a liderança é um dos papéis desenvolvidos pelos gestores, nomeadamente durante as actividades onde exija comportamentos interpessoais.De acordo com a Figura 4, para alcançar um desempenho eficaz nos diferentes níveis, é necessário um trabalho de gestão, que inclui coordenar o trabalho dos indivíduos, grupos e organizações, através de quatro funções, a saber: planea-mento, organização, direcção e controlo (Gibson et al, 2006).

Figura 4: Contribuição da gestão para a eficácia.Fonte: Gibson et al. (2006, p.17).

Donnelly et al (2000) advertem para a possibilidade de inclusão de outras funções, tal como a tomada de decisão a formação a coordenação a implemen-tação e a execução. Ainda, para os autores a liderança e a influência são áreas de responsabilidade dos gestores e que procuram envolver os colaboradores a “terem comportamentos de trabalho que possam conduzir aos resultados” (p.8).Se as funções planeamento e organização determinam o “quê”, “como” e “quem”, é nas funções direcção e controlo que o gestor desenvolve os comportamentos de liderança de modo a direccionar os RH para um desempenho eficaz de acordo com as expectativas individuais e organizacionais. Colocando-se assim nas funções de direcção e controlo a ênfase dos comportamentos de liderança que o gestor deve exercer sobre os seus colaboradores.Considerando as diferentes posições, pode-se afirmar que as competências associadas à liderança a identificar no estudo devem ter critérios de referência para determinar qual o grau de realização e, consequentemente, o grau de eficácia que deve situar-se em níveis superiores de desempenho. Por outro lado, as competências associadas à liderança são enquadradas nas funções de direcção e controlo ou na função liderança onde os gestores têm que interagir com os colaboradores, em que a motivação, os valores, a coesão e a satisfação se assumem como factores determinantes para desempenhos eficazes ou levar os colaboradores a esforços extraordinários.

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3. A ESSÊNCIA DA LIDErANÇA Em CoNTEXTo mILITAr

Sendo a liderança uma das componentes fundamentais no exercício de comando, importa apresentar segundo a perspectiva da doutrina militar nacional e inter-nacional a sua essência, num ambiente com características e especificidades muito próprias.Assim e segundo o FM 6-22 (2006) a liderança é a capacidade para influenciar as pessoas, para fornecer finalidades, direcção e motivação durante as operações para cumprir a missão e melhorar a organização. Segundo o AC 71819 (2005) a liderança militar, também, se caracteriza pela projecção da personalidade e carácter do líder para levar os seguidores a fazer o que é requerido.Para o CFLI (2005a) a liderança eficaz é definida como o processo de dirigir, motivar, e permitir aos outros a possibilidade de realizar ética e profissional-mente a missão, ao desenvolver ou melhorar as suas capacidades para que possam contribuir para o sucesso da missão. Neste contexto, os líderes eficazes realizam as tarefas, ocupam os seus seguidores, pensam e actuam sempre em prol da sua equipa, antecipando e adaptando-se à mudança, e exemplificando o ethos militares em tudo que fazem (ME7-007, 1998; CfLI, 2005a).O líder tem a capacidade para influenciar os seguidores para garantir o funcio-namento operacional e o melhoramento organizacional. Mas a influência não está apenas nas ordens, mas também no poder das palavras, no exemplo e, nas acções do líder durante o desempenho de uma função ou mesmo fora dela (ME7-007, 1998; Vieira, 2002; fM 6-22, 2006; CfLI, 2005a). Por outro lado, as finalidades dão aos seguidores uma razão para fazer as coisas. Isto não significa que um líder tenha que explicar todas as suas decisões para satisfazer os seus seguidores, contudo é necessário ganhar a sua confiança. O líder deve saber as reais capacidades dos seus seguidores e não exigir tarefas que os coloquem numa situação de perigo para além do que é estritamente necessário para cumprir a missão (ME7-007, 1998; Vieira, 2002; fM 6-22, 2005; CfLI, 2005a).Ao dar uma direcção, o líder comunica a forma como quer que a missão seja realizada. O líder dá prioridade às tarefas, atribui responsabilidade (delegação de autoridade quando necessário), e certifica-se que os seus seguidores vão de encontro aos padrões da organização. Em resumo, o líder planeia a forma como o trabalho deve ser realizado e envolve os seus seguidores, faz gestão de tempo e alocação de outros recursos (ME7-007, 1998; Vieira, 2002; fM 6-22, 2005; CfLI, 2005a).A motivação dá aos seguidores a vontade para cumprir uma missão e promove a iniciativa necessária para fazer o que deve ser feito. Para motivar os seguidores,

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os líderes devem dar missões desafiantes e o espaço a cada um onde melhor possa contribuir para a sua realização. O líder também deve dar responsabili-dade aos seguidores e elogiá-los nas suas execuções, procurando motivá-los e nunca deve menosprezar a importância das suas acções nos momentos em que são exigidas (ME7-007, 1998; fM 6-22, 2005; CfLI, 2005a).A liderança deve ser a inspiração para todas as actividades militares, tanto na guerra, como em qualquer outra operação, ou seja, em todos os níveis, a responsabilidade da liderança do comandante abrange o dia-a-dia dos seus su-bordinados. Uma liderança eficaz inspira todos os soldados, transforma equipas, une diferentes contingentes multinacionais e, transforma os conceitos em acção (ME7-007, 1998; AC 71819, 2005).Uma liderança eficaz, representa um aspecto crítico para o comando. É carac-terizada por uma projecção da personalidade, um propósito de influenciar os seus subordinados e pela capacidade para prevalecer nas circunstâncias mais exigentes. O exercício da liderança está relacionado com o indivíduo, a dinâ-mica de grupo e o contexto em que a missão é inserida, assim como a forma como as tarefas são executadas.O desempenho colectivo é caracterizado por níveis elevados de coesão, confian-ça e proficiência entre as unidades e as formações que com sucesso treinaram ou operam em conjunto. O desempenho colectivo deve ser concentrado na liderança, e os comandantes devem ser treinados e escolhidos de acordo com o tipo de operação e o tamanho da força, concentrando-se em primeiro lugar nas exigências do combate.

4. PErSPECTIVA INTEGrATIVA DA LIDErANÇA

4.1 Liderança Carismática

Weber foi o autor original do conceito “carisma”, definido como uma ocorrência verdadeiramente extraordinária e rara que foi dada a alguém como um presente do “divino”. Beyer (1999) define o carisma de uma forma que o torna dispo-nível a qualquer um. Tal redefinição, suporta uma larga preocupação ocidental com o romantismo individual “o líder herói”. O conceito básico da perspectiva carismática é que a liderança deve ser visio-nária e, aqueles que a têm, devem dar-lhe um sentido para novas finalidades, tornando-a mais forte, com significado e, como um processo de acção colectiva (Roberts, 1985). A liderança não está apenas num indivíduo, mas igualmente, em todos os que partilham esta visão. Neste sentido, a liderança transforma-se num estado de consciência, um pouco mais do que um conjunto de traços de personalidade ou habilidades (Adams, 1984).

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A teoria carismática sugere que os líderes carismáticos transformem as necessi-dades, os valores e as aspirações de seus seguidores. O carisma é um atributo que os seguidores dão aos seus líderes baseados nos comportamentos observados. Os comportamentos que suportam a liderança carismática incluem a articula-ção de uma visão estratégica, a sensibilidade às necessidades dos seguidores, a sensibilidade ao ambiente, a coragem para tomar riscos e, a disponibilidade para fazer auto-sacrifícios na materialização da visão da organização (Conger & kanungo, 1987; yulk, 2002).

Bass e Riggio (2006) em recentes estudos sobre a liderança carismática sugerem que “a influência ideológica e a motivação inspiradora são geralmente um único factor da liderança carismático-inspiradora. o factor carismático-inspirador é similar aos com-portamentos descritos na teoria da liderança carismática” (P. 6).

A figura 5 e, segundo Choi (2006), ilustra a relação entre o líder carismático e as componentes nucleares que maior influência exercem nos seguidores.

Figura 5: Componentes nucleares da liderança carismática.Fonte: Adaptado de Choi (2006).

Figura 6: características e competências associadas à liderança carismática.

Num esforço para organizar as características e as competências associadas à liderança carismática discutida na literatura, verifica-se que estas se agrupam como se discrimina na figura 6.

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A teoria da liderança mais recente e que, inclui o carisma, é a denominada liderança transformacional. Esta confia no carisma pessoal, incluindo os traços de personalidade e as aptidões específicas do líder, e identifica-se com a vi-são moral acompanhada das sensibilidades para os diferentes contextos (Bass, 1985, 1999).

4.2 Liderança Transaccional e Transformacional

A abordagem transformacional surgiu com Antonakis e House na teoria “Full-range Leadership” e originou o movimento neo-carismático que se apresentava como promissor na medida em que retirava muitos aspectos das perspectivas precedentes.De acordo com Burns (1978), a liderança é um processo e não um conjunto de actos, descrita como “um fluxo de relações interpessoais em que os líderes apelam constantemente às motivações dos seguidores e alteram comportamen-tos” (p. 440). A liderança transformacional pode ser descrita como um processo entre os indivíduos e o poder de mobilização para mudar os sistemas sociais e as reformas Institucionais. Por outro lado, liderança transformacional envol-ve a partilha, a expressividade, a mediação de conflitos entre os grupos e as motivações individuais.Bass (1985) define a liderança transformacional em termos do impacto do lí-der sobre os seguidores. Os seguidores confiam, admiram e respeitam o líder e estão, por vezes, mais motivados para “fazer as coisas” do que as suas ex-pectativas iniciais. De acordo com Bass (1985) um líder pode transformar os seguidores através dos seguintes comportamentos: (a) torná-los mais cientes da importância e do valor dos resultados da tarefa; (b) induzi-los a transcender os seus próprios interesses pessoais em prol da equipa; (c) activar as necessidades de ordem elevada.A Figura 7 ilustra as construções e respectivas competências que estão asso-ciadas ao líder transformacional.As teorias carismáticas e as transformacionais têm muitas semelhanças. O ca-risma é também um elemento da teoria transformacional, inserido na influência idealizada e na motivação inspiradora (Bass & Riggio, 2006). A liderança trans-formacional estende-se também à teoria carismática incluindo a consideração individualizada e o estímulo intelectual (Lowe & Gardner, 2000). Muitos dos teóricos argumentam que as duas teorias se confundem ou fundem prevendo--se, assim, um novo paradigma da liderança (Avolio & Bass, 2004; Lowe & Gardner, 2000).

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Figura 7: Construções e competências associadas ao líder transformacional.Fonte: Adaptado de Antonakis e House (2002), Avolio (1999), Avolio e Bass (2004), Bass e Avolio (1990, 1997).

Para Burns (1978) a liderança transformacional contrasta com a liderança tran-saccional. O líder transaccional motiva os seguidores apelando aos seus próprios interesses. O líder transaccional paga para a realização da mudança e por um esforço no trabalho. A liderança transaccional também envolve valores, mas são relevantes para mudar um processo, tais como a honestidade, a responsa-bilidade e a reciprocidade. A influência na liderança transaccional é baseada na autoridade burocrática ou formal. As organizações burocráticas enfatizam o poder legitimo e o respeito pelas regras e tradições. Em contrapartida a lide-rança transformacional baseia-se na mudança e na inspiração.

Para Avolio e Bass (2004, p.21) “os líderes transformacionais podem ser transaccionais quando apropriado, mas muitas vezes a liderança transaccional está associada a níveis baixos de desempenho ou a mudanças pouco significativas”.

A liderança transformacional esclarece os desempenhos alcançados acima dos expectáveis pela liderança transaccional activa (Avolio & Bass, 2004). Na figura 8, Bass (1985) propôs um modelo para relacionar a liderança transformacional e a transaccional, tendo sugerido que a liderança transformacional aumenta a liderança transaccional nomeadamente na satisfação e outros resultados.

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Burns (1978) e Bass (1985) vêem a liderança transaccional como uma mudança de recompensas face aos resultados. Bass (1985) define a liderança transaccional em sentido mais alargado que Burns. Para Bass, a liderança transaccional não inclui apenas o uso de incentivos e recompensas contingênciais para influenciar a motivação, mas também o esclarecimento dos requisitos do trabalho para obter as recompensas. Bass (1985) vê a liderança transformacional e transaccional como distintas mas não como processos exclusivos e reconhece que o mesmo líder pode usar estes dois tipos de liderança em situações diferentes.Spencer e Spencer (1993) identificaram várias competências em mais de 200 profissões com diferentes níveis, sendo que os mais elevados estão relacionados com desempenhos superiores, conforme ilustra a figura 9.

Figura 8: Modelo de superação da liderança transaccional e transformacional.Fonte: Adaptado de Avolio e Bass (2004, p. 21).

Figura 9: Relação das competências com a liderança.

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5. mEToDoLoGIA

Da revisão de literatura identificaram-se 113 competências que estão positiva e fortemente correlacionadas com a liderança. Após validação por uma co-missão composta por três especialistas foram consideradas para o estudo 53 competências. A partir da descrição de diferentes autores e manuais técnicos das áreas das Ciências Sociais e Doutrina Militar, é elaborado um referencial, para o contexto militar, com as 53 competências e respectivas discrições. Este projecto foi adaptado por especialistas militares e discutido com Oficiais com larga experiência em vários Teatros de Operações.Ao referencial foram associados 204 itens a partir da revisão de literatura e da descrição de cada competência. Estes itens incluem traços de personalidade, conhecimento, aptidões, atitudes e comportamentos e servem para medir cada competência. O referencial e os respectivos itens foram submetidos a uma co-missão de validação constituída por oito especialistas em liderança e recursos humanos, que a partir do método de Lawshe (1975) se obtiveram 68 itens.foi elaborado um inquérito, em que a versão preliminar foi submetida a uma comissão de validação constituída por três membros e realizado um pré-teste a 35 indivíduos. O inquérito na sua versão final foi constituído por uma primeira parte com os dados sóciodemográficos, que contém 16 questões sobre dados pessoais e experiência do inquirido, que permitem caracterizar, do ponto de vista estatístico e demográfico, a população em estudo. A segunda parte do inquérito é constituído por 68 perguntas fechadas, que pretendem medir o de-sempenho ideal – padrão de referência no exercício das funções de Comando, Direcção e Chefia.A população escolhida para o estudo foi o universo do Exército Português. Com base no resultado da amostra (n=351), procedeu-se à estratificação da mesma pelos postos hierárquicos dentro de cada Arma e Serviço a fim de obter o peso percentual (Oficiais Subalternos e Capitães = 171) (Oficiais Superiores = 150) (Oficiais Generais = 30). O tratamento estatístico utilizado foi a análise factorial, método das componen-tes principais. As dimensões extraídas são caracterizadas através da estatística descritiva, quanto às médias, dispersão, coeficiente de assimetria, coeficiente de achatamento e coeficiente de correlação de Pearson.

6. rESuLTADoS

Para estimar o número de factores a partir das variáveis inter-relacionadas co-muns às categorias de Oficiais, o processo tem várias etapas. O resultado destas

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etapas é a constituição de uma base de dados final com 48 variáveis originais comuns às três categorias de Oficiais, como ilustra a Figura 10.

Figura 10: Etapas para obtenção do modelo.

Seguindo os procedimentos estatísticos adequados para a aplicação da análise factorial, verificou-se que valor do KMO é de 0,97 cuja recomendação é exce-lente (Maroco, 2003, p. 268). O teste de esfericidade de Bartlett apresenta um ρ-value < 0,001 e portanto rejeitamos a H0 concluindo que as variáveis estão correlacionadas significativamente.Para a extracção de cada factor, aplicou-se o método de “componentes princi-pais” com valores próprios superiores a 1. O Quadro 3 apresenta os resultados dos factores extraídos.

Quadro 3: factores para o padrão de referência

Legenda: F – Factor latente; α – “Alpha de Cronbach”

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foram retidos seis factores que explicam 63% da variabilidade total. Para au-mentar a variabilidade total utilizou-se, o mesmo procedimento estatístico, para a extracção de sete factores, mas verificou-se que o primeiro factor é constituído por 15 variáveis e o sétimo com duas, pelo que se abandonou este resultado.Para garantir que os factores extraídos são fidedignos, nomeadamente os que tem valores próprios próximos de 1, utilizou-se o “Alpha de Cronbach” como medida de fidelidade. No Quadro 4 verificou-se que os valores de alpha se encontram entre 0,83 e 0,93, pelo que devem ser considerados bons (entre 0,8 e 0,9) e excelentes (superiores 0,9) (Hill & Hill, p. 149).Após terem sido extraídos os seis factores e as respectivas variáveis, procurou-se encontrar uma dimensão (factor latente) capaz de explicar as correlações encontradas e que corresponderá à nossa interpretação da componente criada pela análise. Neste processo de interpretação, para a análise dos conteúdos de cada variável tem-se em consideração as seguintes regras: (a) as que apresentavam valores de correlação mais elevados em cada factor, ou seja superiores a 0,70, pois serão estas que melhor podem caracterizar cada componente (Moreira, 2004, p. 461); (b) as variáveis com valores de correlação entre 0,50 e 0,70; (c) as variáveis com valores de correlação inferiores a 0,50; (d) a relação entre cada variável e a sua origem aquando da revisão de literatura; (e) a validação dos conteúdos de cada variável efectuada pela comissão de validação.O Quadro 4 apresenta as dimensões e as respectivas descrições.

Quadro 4: Dimensões e descrição do modelo de competências.

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O Quadro 5 regista os resultados das dimensões que constituem o modelo, quanto às médias, dispersão, coeficiente de assimetria, coeficiente de achata-mento e coeficiente de correlação de Pearson.

Do Quadro 5, verifica-se que os valores da média amostral das dimensões se encontram entre 8,12 a 8,88, e que o desvio-padrão entre 0,67 e 0,97, onde se conclui que as diferenças entre os valores são pouco acentuados. O valor da média amostral mais elevado verifica-se na dimensão orientação para a missão pelo exemplo e ética (OME) com 8,88, de seguida na dimensão gestão de con-flitos (GCO) com 8,61, na dimensão coesão e trabalho de equipa (CTE) com 8,57, na dimensão liderança participativa e envolvimento (LPE) com 8,55, na dimensão tomada de decisão e planeamento (TDP) com 8,42, e na dimensão visão (8,12) com 8,12.De uma forma geral, o resultado do índice de simetria revela que os valores estão próximos do intervalo ]-0,5;0,5[ da distribuição normal e afastados do tipo não normal (assimétrica à esquerda) porque os valores em absoluto são inferiores a 1. O resultado do índice de achatamento indica que a distribuição é mesocúrtica, com algumas variáveis a terem valores cuja distribuição é lep-tocúrtica. As dimensões visão (VIS) e liderança participativa e envolvimento (LPE) são as que apresentam valores mais próximos da assimetria à esquerda (-0,91 e -0,84 respectivamente) e leptocúrtica (2,40 e 1,61 respectivamente). Verifica-se ainda que existe uma correlação significativa para p < 0,01 em todas as dimensões em estudo.

7. moDELo FINAL

Nas últimas décadas, a investigação tem-se concentrado no estudo dos estilos de liderança e na caracterização dos líderes como factores exclusivos para o

Quadro 5: Estatística descritiva e matriz de correlações.

Legenda: OME – Orientação para a missão pelo exemplo e ética; TDP – Tomada de decisão e planea-mento; VIS – Visão; CTE – Coesão e trabalho de equipa; GCO – Gestão de conflitos; LPE – Liderança participativa e envolvimento; Xm– Média amostral; Ѕ – Desvio-padrão; g1 – Coeficiente de assimetria (Skewness); g2 – Coeficiente de achatamento (Kurtosis); (**) Correlações significativas para 0,01.

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desenvolvimento de líderes. Esta perspectiva tem, de alguma forma, dificultado a escolas de formação na área da liderança, nomeadamente na definição dos seus programas e respectivos conteúdos quando se trata de saber exactamente o que leva alguns indivíduos a obter desempenhos superiores numa determinada organização.Neste sentido, este estudo pretende abordar a liderança e os líderes segundo uma perspectiva diferente, onde se apresenta um modelo de Gestão de Desen-volvimento de Competências para identificar e associar um conjunto nuclear de competências necessárias para o desempenho superior no Exército, e que representa uma mais valia para o potencial humano tendo em conta que cria valor acrescentado para a Instituição Militar. Este modelo define, ainda, o padrão de referência (critério de referência) para a obtenção de desempenhos superiores através do qual cada indivíduo ou grupo pode detectar as suas necessidades de formação de acordo com o modelo de competências específicas da organização.De acordo com o enquadramento conceptual, acredita-se que qualquer indivíduo pode desempenhar de forma consciente e alternada o papel de gestor e de líder para obter desempenhos superiores em cada momento da vida organizacional, como ilustra a figura 11.

Figura 11: Ciclo do gestor e líder nas organizações.

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Na forma de ciclos de gestão e liderança, a liderança transaccional e a trans-formacional complementam-se na medida em que primeira ajusta as expectativas sobre o desempenho e estabelece um nível de confiança mínimo, e a segunda representa a extremidade máximo eficaz de uma escala de comportamentos de liderança (padrão de referência) e auxilia a liderança transaccional para conseguir os objectivos do grupo. Ou seja, a liderança transformacional e transaccional são distintas mas não como processos exclusivos e o mesmo indivíduo pode usar estes dois tipos de liderança em situações diferentes.A partir do referencial de competências adaptadas à Instituição Militar – Exército Português e conforme ilustra a Figura 12 são identificadas as seis dimensões com o respectivo padrão de referência, que um militar deve praticar no papel de líder para obter desempenhos de superiores.

Figura 12: Dimensões para obter desempenhos superiores em contexto militar.

A liderança transformacional está associada à relação com as pessoas e re-compensas intrínsecas, em que nos momentos de crise e turbulentos (situação não desejada) é exigido a um indivíduo que desempenhe o papel de líder transformacional, por forma a motivar os seguidores para aceitar os desafios e terem desempenhos acima das realizações previstas (esforço extraordinário) para alcançar os estados desejados e com níveis de desempenho mais elevados.Tomando como referência o directório, às dimensões identificadas estão asso-ciadas as seguintes competências, conforme ilustra o Tabela 1.

Tabela 1: Modelo de competências.

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A figura 13 ilustra o modelo de gestão de desenvolvimento de competências de liderança em contexto militar. Este modelo procura ser um instrumento dinâmico que permite a sua actualização permanente face às tecnologias edu-cativas, às exigências e mudanças da Instituição Militar – Exército Português, à investigação produzida nesta área do conhecimento e à verificação de falta de resultados após as formações.

Figura 13: Modelo de gestão de desenvolvimento de competências de liderança.

O modelo assenta nas seguintes etapas:

• Etapa 1: construção de um referencial de competências associadas à liderança que resulta da revisão de literatura sobre a investigação mais actual e a intro-dução de melhoria face às falhas detectadas após a formação. O referencial deve ainda estar sempre actualizado de acordo com a cultura, visão, missão do Exército Português e politicas de gestão de Recursos Humanos.

• Etapa 2: com base no referencial, e através das metodologias mais adequadas (relação a) identificar e (relação b) elaborar um modelo de competências com os respectivos padrões de referência para o desempenho superior. A partir do modelo de competências construir um inquérito para (relação c) identificar as necessidades formação ao nível individual e colectivo.A identificação de necessidades de formação pode ser realizadas através da percepção de cada indivíduo ou da percepção de terceiros, em que o reco-mendado é os dados serem cruzados.

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• Etapa 3: após a aplicação de inquérito e recolha de dados (desempenho), devem ser comparados com os padrões de referência (desempenho superior) para cada dimensão, e assim identificar as lacunas de formação.

• Etapa 4: com base nas necessidades de formação devem ser elaborados os (relação d) planos de formação a introduzir nos respectivos cursos ou dar maior ênfase ao conteúdos formativos onde haja mais necessidades de formação.

• Etapa 5: no final de cada curso de formação ou de preferência já no exer-cício das funções de comando, direcção ou chefia, o inquérito deve voltar a ser aplicado para (relação e) validação do plano de formação e verificação dos níveis de aprendizagem.

• Etapa 6: o modelo deve permitir que as falhas detectadas sejam (relação f) eliminadas do referencial de competência e introduzidas as melhorias necessárias.

8. CoNCLuSÕES

Com o trabalho de campo e o tratamento estatístico obteve-se um modelo com seis dimensões e 48 itens para estabelecer o padrão de referência para o Exército Português na área dos comportamentos associados à liderança com vista à obtenção de desempenhos superiores.Os Oficiais do Exército Português percepcionam a “orientação para a missão através do exemplo e ética”, a “tomada de decisões e planeamento”, a “visão”, a “coesão e trabalho de equipa”, a gestão de conflitos” e a “liderança parti-cipativa e envolvimento” como as dimensões mais importantes para obterem desempenhos superiores, através das seguintes capacidades:

• Influenciar e motivar os subordinados através da integridade e exemplo, optimismo e entusiasmo, determinação e perseverança, auto-controlo e auto-confiança, aptidão técnica, capacidade de resolução de problemas, para obter com eficiência e eficácia desempenhos para cumprir a missão e, dando-lhes reconhecimento pelas suas prestações.

• Tomar decisões com coragem e confiança em qualquer situação, implemen-tar com eficácia as soluções para cumprir os objectivos dentro dos prazos estabelecidos mesmo com a hostilidade dos outros e comunicá-las de forma assertiva aos seus subordinados.

• Avaliar o ambiente interno e externo à organização e adequar os recursos disponíveis para cumprir os objectivos a longo prazo, assim como actualizar as capacidades e adaptar os seus comportamentos para ser eficaz nas dife-rentes situações.

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• Desenvolver nos subordinados um sentimento de união e espírito de corpo através de uma comunicação aberta, promovendo o trabalho conjunto baseado na confiança e experiência, e desenvolvendo as capacidade de cada subordinado procurando ser um elemento de referência e estabilidade para ser obterem os desempenhos de acordo com os padrões organizacionais respeitando as crenças, valores e tradições culturais dos outros.

• Resolver os conflitos sempre que há diferentes interesses através da trans-parência e apoiar os outros no cumprimento dos objectivos num clima de confiança e respeito.

• Envolver os subordinados e ter consideração pelas suas sugestões na tomada de decisão, assim como procurar alinhar os seus interesses com os da orga-nização e responsabilizando-os pela execução das tarefas.

Sempre que a situação exija uma mudança organizacional ou um esforço ex-traordinário, é necessário que o comandante desempenhe o papel de líder e mobilize os subordinados através de uma visão inspiradora, valores e ética, promoção da motivação e da coesão para realizar esforços extraordinários.A liderança exercida pelos líderes é como um incremento influente e superior à conformidade das linhas orientadoras da organização. Em muitas situações, o líder exerce a sua influência “nos limites” para compensar o que falta no processo e na estrutura específica organizacional.

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Carlos rouco

Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português. Professor Regente da Unidade Curricular - Ética e Liderança (Academia Militar Portuguesa), Docente (Convénio) da Unidade curricular de Competência Transversal I (Instituto Su-perior Técnico - Lisboa) e do Seminário Avançado: Liderança Organizacional (faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova - Lisboa). Direc-tor do 3º Ano Escolar “Armas Exército”, do Mestrado em Liderança: Pessoas e Organizações, e dos Cursos de Liderança na Academia Militar. Editor da Revista Proelium. Secretário da Assembleia Geral e membro do CINAMIL. Doutorado em Gestão.

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manuela Sarmento Professora Associada com Agregação da Academia Militar Portuguesa. Regente da Unidade Curricular – Gestão de Recursos Humanos. Coordenadora científica do Mestrado em Liderança: Pessoas e Organizações. Co-editora da Revista Proelium. Membro do CINAMIL.

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Ana Lucia-Casademunt a1, José Antonio Ariza- Montes a, Alfonso C. Morales -Gutiérrez a

a facultad de Ciencias Económicas y Empresariales - ETEA, Universidad Loyola Andalucía Córdoba, España

ABSTrACT

The current organizational panorama which is in a constantly economic, social and technological changes, demand a renewal of human resources management, a new style where the humanization and enrichment of the workplace acquire an authentic strategic significance to achieve sustainable results through the human resource development. No organization regardless of their idiosyncrasy falls outside of this assertion. Many studies assess the link between emotions and feelings, and different organizational variables, and to agree that the generation of positive attitudes –such as job satisfaction, job involvement and among others-, in the employee has a positive impact on productivity levels, because such attitudes re-present the result of the individuals´ integration with their immediate environment. The current investigation draws attention to one of these attitudes by identifying the profile of members of Armed Forces who are emotionally involved with their labor activity, from a set of individuals, job related and attitudinal factors. for this purpose we have defined the theoretical framework of reference and, later an empirical multidimensional study is developed by applying a logistic regres-sion model to a sample with nearly 200 members of Armed forces from the 4th European working Conditions Survey. The results obtained indicate which are the main variables that human resources executives should act on if they desire to increase this group’ emotional involvement.

Key Words: Emotions, involvement, working conditions, binary logistic regression.

la imPliCaCión EmoCional En El ContEXto militar:El rol dE los faCtorEs individualEs, laboralEs y aCtitudinalEs.

1 Contacto el primer autor – Tel.: 957222167 Email: [email protected] (Ana Lucia-Casademunt); [email protected] (José Ariza-Montes); [email protected] (Alfonso Morales-Gutiérrez);

Recebido em 26 fevereiro 2012 / Aceite em 27 Março 2012

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rESumEN

El panorama organizativo actual en permanente transformación social, económica y tecnológica exige una renovación de las prácticas de recursos humanos, un nuevo estilo donde la humanización y el enriquecimiento del puesto de trabajo adquieran un auténtico significado estratégico para alcanzar resultados sostenibles a través del desarrollo de las personas. Ninguna organización, sea cual sea su idiosincrasia, queda al margen de este aserto. Son numerosos los estudios que recogen la vinculación de las emociones y los sentimientos con diferentes varia-bles organizacionales, coincidiendo en que la generación de actitudes positivas en los empleados tales como satisfacción, implicación laboral u otras–, incide positivamente en los niveles de productividad, ya que representan el resultado de la integración del individuo con su entorno laboral más inmediato. La presente investigación centra la atención en una de estas actitudes identificando el perfil de miembros de las fuerzas armadas implicados emocionalmente con su actividad laboral a partir de un conjunto de factores individuales, laborales y actitudinales. Para ello se define el marco teórico de referencia y, posteriormente, se desarrolla un estudio empírico multidimensional aplicando un modelo de regresión logística a una muestra de casi doscientos militares obtenida de la cuarta Encuesta Euro-pea de Condiciones de Trabajo. Los resultados obtenidos revelan cuáles son las principales variables sobre las que actuar para mejorar el nivel de implicación emocional de este colectivo.

PALABrAS CLAVES: Emociones, implicación, condiciones laborales, regresión logística binaria.

1. GESTIÓN DE LAS EmoCIoNES E ImPLICACIÓN LABorAL

La gestión de las emociones en el contexto laboral ha dejado de ser un elemento periférico para convertirse en un parámetro de gestión de importancia estratégica, dada su capacidad para reorientar a las organizaciones hacia el cumplimiento de su misión. Armstrong (2005) afirma que toda organización es un lugar emocional porque es una invención humana, que sirve a objetivos humanos y depende de seres humanos para funcionar, animales emocionales sujetos a enfado, miedo, felicidad, alegria, etc. Hoy día se ha demostrado que gestionar las emociones organizativas contribuye a la generación y mantenimiento en el tiempo de óp-timos resultados. En esta línea, una adecuada gestión de las emociones permite a los gestores conocer “qué” y “cómo” se sienten los individuos en su lugar de trabajo, contribuyendo en general y de manera efectiva a la consecución de los

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objetivos de la organización y, en particular, sobre la implicación con el puesto como medio para lograr el supuesto “paraíso de la armonía organizacional” (Gor-roño, 2008). Esta reflexión adquiere aún más importancia en el contexto militar ya que al esfuerzo físico propio de la profesión se une en muchas ocasiones el conflicto entre las emociones individuales y las normas de la institucción que puede generar en agotamiento emocional (Chen & Huang, 2010). Según estos autores el agotamiento emocional del individuo podría traducirse en decremento de implicación laboral en el desarrollo de sus funciones.El modelo de organización clásico como máquina irracional, carente de emociones y sentimientos, donde el trabajador es un elemento más de la cadena de produc-ción, ha quedado eclipsado durante los últimos años por las nuevas tendencias de investigación acerca de la integración de los sentimientos en el funcionamiento diario de la vida organizacional. Estas recientes aportaciones persiguen el diseño estructual de organizaciones sólidas en el tiempo, integradas por personas emo-cionalmente sanas que intervengan y participen con mejores actitudes, aptitudes y competencias en el desarrollo de sus funciones, es decir, por empleados que pongan a disposición de la organización todas sus potencialidades. El fin último es instaurar un círculo vicioso donde se ajusten de forma equilibrada expectativas, necesidades e intereses, tanto del individuo como de la organización. La implicación laboral constituye un referente práctico de primer orden en la determinación de resultados positivos sostenibles de desempeño 2 y una herramien-ta moduladora de fenómenos tan relevantes como el absentismo (Blau & Boal, 1987; Harrison & Martocchio, 1998; wegge, Schimdt, Parkes, & Dick, 2007), la rotación laboral (Cohen, 2010; Huselid & Day, 1991; Sallan et al., 2010; Sümer & van de Ven, 2007 3), el síndrome de burnout (Chauhan, 2009; López-Araújo, Osca & Peiró, 2007; López-Araújo, Osca, & Rodríguez, 2008;), la resolución de conflictos (Colvin, 2004), o el compromiso organizacional en su dimensión afectiva (Carmeli, 2005; Chughtai, 2008; knoop, 1995; khan, Jam, Akbar, khan, & Hijazi, 2011), o la percepción de las conductas de los líderes y confianza del empleado (Jones, James, & Bruni, 1975) entre otros.La pregunta clave a la que pretende dar respuesta la presente investigación es si los miembros de las fuerzas armadas presentan un perfil de implicación con su profesión parecido o distinto al del resto de asalariados de otros sectores de actividad. Para ello, durante el desarrollo de la investigación se identifican las principales variables que determinan el grado de implicación emocional con el

2 Un estudio que analiza la implicación laboral en el contexto de la India muestra que la implicación laboral explica el 39% del total de varianza del desempeño individual (Al-Otaibi, 2000).

3 Estos autores diseñan un modelo teórico acerca de la rotación laboral entre los miembros de las fuerzas Armadas. Este modelo es utilizado por la Organización del Tratado del Atlántico Norte en los procesos de reclutamiento y retención de sus militares.

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trabajo de una muestra de militares a nivel europeo, un colectivo especial de asalariados por cuenta ajena dado que, a priori, las motivaciones, deseos y va-lores que sustentan su implicación con la actividad laboral pueden diferir de las del resto de empleados civiles. El desarrollo del artículo se estructura del modo siguiente. Tras esta breve introducción, en el apartado 2 se concreta qué debe entenderse por la dimensión emocional de la implicación laboral. En el apartado 3 se realiza una revisión bibliográfica de las investigaciones que han tratado el fenómeno de la implicación. A lo largo del apartado 4 se desarrolla el estudio empírico, aplicando un modelo de regresión logística. La investigación finaliza con la presentación de las conclusiones más relevantes.

2. mArCo TEÓrICo DEL CoNSTruCTo ImPLICACIÓN LABorAL

Los orígenes del fenómeno de la implicación laboral como objeto de investigación se hallan en las aportaciones (Lodahl & Kejner, 1965). Estos autores definen el concepto de implicación laboral como el grado en que una persona se identifica psicológicamente con su trabajo o la importancia de éste para la identidad del individuo 4. Lawler & Hall (1970) lo asimilan al grado de absorción del individuo con su trabajo. Unos años después, Saleh & Hosek (1976) puntualizan cuatro acep-ciones diferentes, matizando que una persona estará implicada si el trabajo resulta de interés central para su vida; participa activamente en él; percibe el desempeño como un aspecto crítico de su autoestima; o bien de su identidad o autoimagen. Más recientemente, González & De Elena (1999) identifican sólo dos de las cua-tro dimensiones señaladas por Saleh & Hosek (1976). Por un lado la dimensión contingencias-desempeño-autoestima, definida por Brown (1996) a partir de los trabajos de Vroom (1962), Gurin, Veroff & feld (1960) o Allport (1947). Esta dimensión, que en la presente investigación denominaremos implicación emocional para ganar claridad en la exposición, supone un proceso donde elementos objetivos y subjetivos como el trabajo, los sentimientos y el desempeño individual interac-túan entre sí generando mayor o menor implicación en el sujeto, ya que afecta en última instancia al bienestar psicológico y a la autoestima personal. En palabras de González & De Elena (1999) el intento del individuo por satisfacer sus necesidades de autoestima por medio del trabajo trae como resultado la implicación del mismo.Por otro lado, a partir de las contribuciones realizadas por Dubin (1961), Gon-zález & De Elena (1999) se puede considerar que la segunda dimensión de la

4 El estado opuesto a la implicación laboral ha sido definido por Kanungo (1982, 1979) como alienación laboral, un estado cognitivo de separación psicológica del empleado con su trabajo, en la medida en que el individuo percibe que este no es capaz de satisfacer sus necesidades y expectativas.

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implicación consiste en la plena identificación psicológica del individuo con su trabajo, el cual adquiere un gran peso en su vida en general transformándose en un factor determinante de su propia identidad. Desde esta perspectiva, el rol pro-fesional es el que desempeña un papel más relevante para la vida del individuo. La presente investigación centra su interés en la dimensión contingencias-desempeño-autoestima de la implicación laboral, a la que se denominará implicación emocional del individuo, un elemento estratégico en la dirección de los recursos humanos de las organizaciones e instituciones militares del siglo XXI. La implicación emocional supone una reacción afectiva –y en consecuencia actitudinal– en el proceso de adap-tación permanente del individuo a una situación de trabajo concreta. De esta manera, los sentimientos del individuo se ven afectados por las experiencias vividas en el lugar de trabajo, produciéndose así una conexión entre las emociones individuales con el contexto laboral. En esta línea de investigación, numerosos estudios revelan que experimentar emociones positivas en el puesto de trabajo produce efectos beneficiosos para la organización como, por ejemplo, un menor grado de absentismo (Thoresen, kaplan, Barsky, warren, & Chermont, 2003) o la expansión de la conducta prosocial (Brief & Motowidlo, 1986), es decir, el desarrollo de comportamientos de ayuda, apoyo y cooperación hacia los compañeros y superiores (Salovey, Mayer, & Rosenhan, 1991). El resultado final de este proceso de adaptación entraña la convergencia de la conducta actitudinal que la implicación laboral supone con el estado emocional del sujeto, afectando directamente al nivel de desempeño individual y organizativo.El análisis de la dimensión emocional de la implicación laboral del individuo se halla en línea con la aportación de feldman & Blanco (2006). Estos autores ponen de relieve la importancia que adquiere una eficaz gestión de las emo-ciones en las organizaciones al apuntar que, más allá del plano individual, las emociones desempeñan una función social, impactando de modos muy diversos en el contexto laboral. De esta forma, presentando evidencias empíricas sobre cuáles son los factores que determinan la implicación emocional en el lugar de trabajo, se contribuye a devolver a las experiencias afectivas su legítimo estatus de interés científico en la explicación de la conducta organizacional (Gamero, 2007). La gestión de las emociones implica actuaciones de diversa índole: la modificación o eliminación de fuentes de emociones negativas que caracterizan algunos ambientes laborales, el desarrollo de autoconciencia y/o habilidades o la mejora en determinadas destrezas a nivel individual y/ grupal. En esta línea, según García-Cabrera, álamo-Vera & Hernández (2010) cuando el trabajador siente que es importante en su organización intentará comprometerse en activi-dades valiosas para la misma, de modo que demuestre su competencia individual y, de esta forma, refuerce su autoestima en el trabajo.

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3. FACTorES CoNEXoS CoN LA ImPLICACIÓN LABorAL

Rabinowitz & Hall (1977) consideran que existen tres tipos de elementos re-lacionados con la aparición de actitudes de implicación: factores individuales, laborales-organizativos y de resultado. En un primer lugar, el enfoque indivi-dual analiza cómo el empleado posee ciertas características individuales que le predisponen a una mayor o menor implicación con su puesto de trabajo. En segundo lugar, el enfoque situacional apunta que existen una serie de variables organizativas y laborales –tipo de vinculación contractual, retribución, ritmo de trabajo, monotonía, tipo de organización o sector, entre otras–, ante las que el empleado reacciona modificando su nivel de implicación. El tercer enfoque analiza la implicación laboral a partir de variables de resultado como son la satisfacción, el desempeño o el compromiso organizacional.En una primera aproximación se debe indicar que algunos estudios encuentran mayor poder de predicción en las características individuales que en las laborales u organizativas (Hollenbeck, Connolly, & Rabinowitz, 1987). Otros resuelven que las variables individuales tienen el mismo peso que las situacionales (Elloy, Everett & flynn, 1991), incluso sin señalar la importancia de cada grupo de variables concluyen que ambos tipos son importantes predictores de la implicación (Car-meli, 2005) o que interactúan entre ambas (Brown, 1996; Lawler & Hall, 1970; Probst, 2000; Steel & Rentsch, 1997). Un último grupo de autores concluyen que la implicación laboral se predice mucho mejor con variables laborales y de contexto organizativo (Baldev & Anupama, 2010; Elloy, Everett, & flynn, 1995; Rabinowitz & Hall, 1977; Rabinowitz, Hall, & Goodale, 1977).Adoptando el esquema de trabajo de Rabinowitz & Hall (1977), en los próximos apartados se realiza una revisión bibliográfica de las principales investigaciones relacionadas con el fenómeno de la implicación laboral.

3.1. Factores individuales

Las características individuales que se relacionan con la implicación laboral se refieren tanto a factores demográficos (edad, género, educación, estado civil…), como a ras-gos de la personalidad: locus de control interno o externo, autoestima, sentido de la responsabilidad, etc. (Brown 5, 1996; Bowling, Beehr, & Lepisto, 2006; Dubin, 1956; Newton & keenan, 1991; Rabinowitz & Hall, 1977; Shuler, 1975;). Los individuos están afectados por un importante rango de variables antecedentes las cuales podrían impactar en su identificación con el trabajo y sus actitudes para con el mismo.

5 Brown (1996) en su meta-análisis señala que la autoestima explica el 11,5% de la varianza de la impli-cación laboral.

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Atendiendo exclusivamente a las variables demográficas, Brown (1996) señala en su meta-análisis la pobre capacidad predictora de variables como la edad, el género, el estado civil o la antigüedad respecto a la implicación laboral y concluye que una persona implicada no puede ser identificada exclusivamente por factores demográficos. En la misma línea, Al-Otaibi (2000) apunta que las variables de-mográficas no tienen ningún efecto sobre el constructo objeto de estudio. Por el contrario, Carmeli (2005) argumenta justo lo contrario investigando a una muestra de 265 altos ejecutivos, contrastando que tanto las variables personales como las demográficas tienen una gran capacidad de predicción de la implicación laboral. A continuación se presentan algunas conclusiones obtenidas en estudios previos acerca de las tres variables demográficas que son consideradas en la parte empírica de la presente investigación: edad, género, estado civil y formación.•  Género  –  Los estudios pioneros sobre el fenómeno objeto de la presente inves-

tigación ponen de manifiesto un mayor grado de implicación entre los hombres en comparación con las mujeres (Agassi, 1982; Andrisani, 1978; Mannheim, 1993). La explicación que da estos autores se fundamenta en los diferentes procesos de socialización de roles que se manifiestan en ambos colectivos: mientras que tradicionalmente los hombres han mantenido económicamente a la unidad familiar y han desempeñado puestos de trabajo remunerados de mayor responsabilidad las mujeres se han visto obligadas a compaginar los roles familiares con los profesionales 6. Sin embargo, Lorence (1987) atribuye esas divergencias a inequidades laborales que soportan las mujeres en comparación con los hombres, en concreto la ocupación de puestos de trabajo de escasa autonomía y pobre clima de trabajo constituyen la causa fundamental de tales diferencias de género en cuanto a la implicación laboral. En la misma línea, Rabinowitz & Hall (1977) atribuyen esa divergencia entre géneros a factores laborales como la antigüedad o el tipo de ocupación, hasta tal punto que a igualdad de condiciones laborales las diferencias de implicación entre hombres y mujeres desaparecen. En sentido opuesto, son numerosas las investigaciones que no han encontrado ninguna diferencia de implicación laboral entre el género masculino y femenino (Elloy & Everett, 1991; Elloy, Everett & flynn, 1995; knoop, 1986). Chen & Chiu (2009) no hallaron relación entre el género y la implicación laboral en una muestra de 323 empleados tailandeses en trabajos del sector de la investigación y desarrollo, la industria y la administración.

6 Dandeker & Segal (1996) subrayan los avances en materia de políticas de integración de las mujeres en las fuerzas Armadas en el Reino Unido, por ejemplo, el incremento de las oportunidades de ocupación y su mayor representación desde principio de los 80. No debe olvidarse que la presencia del género femenino en estas institucciones ha estado colmada de dificultades, debido entre otros aspectos a su anclaje en la mentalidad patriarcal (Espuny i Tomas, 2010).

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•  Edad  –  La literatura ofrece una extensa evidencia de la relación directa entre la edad y la implicación laboral 7. A nivel empírico, el estudio pionero de Lodahl & Kejner (1965) pone de manifiesto la vinculación positiva y significativa de la edad del individuo con su grado de implicación laboral 8. Igualmente, la investigación transcultural realizada por Sekeran & Mowday (1981) revela que la variable edad se relaciona más fuertemente con la implicación laboral que el resto de variables personales como la formación, la antigüedad o el género. Conclusiones parecidas se obtienen de los estudios de regresión múltiple de Elloy & Everett (1991) y Elloy, Everett & flynn (1995) donde se apunta que la edad es la única variable demográfica relacionada positivamente con el desarrollo de la implicación laboral, aunque explicando tan solo el 3% de su varianza. O por ejemplo, unos años más tarde Rasheed (1993) concluye que la variable demográfica edad junto con la an-tigüedad están relacionadas con la implicación, explicando un 20% de su varianza. Utilizando una muestra de 882 trabajadores, Lorence & Mortirmer (1985) que investigan las interrelaciones entre la implicación laboral y diferentes grupos de edad que se corresponden con distintas fases de la carrera profesional 9 en base a la “hipótesis de la estabilidad del envejecimiento”, es decir, las actitudes y valores de una persona se vuelven más estables con la edad, debido a su mayor resistencia a las presiones de cambio de su entorno laboral más inmediato 10. Sin embargo, Elfering, Semmer, Tschan, kälin & Buscher (2007) argumentan que los jóvenes en sus primeros cinco años de experiencia laboral desarrollan actitudes positivas en el trabajo como, por ejemplo, la asunción de mayor número de responsabilidades o la rápida adaptación y respuesta a las dificultades que se puedan ir encontrando. A partir de la primera fase, una vez consolidada la carrera profesional, general-mente en el intervalo de 31 a 44 años (Super, 1957), el nivel de implicación del empleado se estabiliza. En la misma línea, Sharma & Sharma (1978) encuentran que la implicación laboral es significativamente (p < 0,01) mayor para aquellos individuos que tienen “más de 30 años” que aquellos cuya edad está por debajo de los 30. Es decir, por encima de esta edad la implicación laboral es mayor a medida que se cumplen más años. Por otra parte, Lorence (1987) también halla

7 El reciente estudio del instituto Valenciano de investigaciones económicas (2007) halla mayores niveles de implicación laboral entre aquellos jóvenes con mayor edad. Con todo, existen otras investigaciones que encuentran evidencias empíricas en sentido contrario: Chadha & kaur (1987), Happali & Mallappa (1988); khan, Jam, Akbar, khan & Hijazi (2011), knoop (1986), Pathak (1982), Patel (1995), en el sector bancario, en el sector público o en el sector sanitario.

8 Otros autores que encuentran evidencias en este sentido son Baldev & Anupama (2010); Huang (1993); Lorence (1987); Pathak & Phatak (1987); Shore, Thornton & Shore (1990); Tang (2000), Zeng, Zhou & Han (2009);

9 Estos autores argumentan que, en la fase inicial de incorporación a la empresa, la presión social que existe por alcanzar elevadas metas profesionales provoca elevados niveles de implicación entre los empleados más jóvenes.

10 La hipótesis de estabilidad del envejecimiento junto con el modelo de fases de la carrera profesional (Hall, 1976; 1971) constituyen un referente para el estudio de las actitudes en la vida laboral de los empleados.

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una relación positiva y significativa de la edad con el grado de implicación en el trabajo. Según este autor, esta relación no se manifiesta de igual modo entre hombres y mujeres, cambia en función del tipo de ocupación desempeñada y está condicionada por el proceso de socialización de roles. El meta-análisis realizado por Ng & feldman (2010) concluye que la edad está relacionada positivamente con la implicación laboral. Otro aspecto relevante es el posible efecto modulador de la variable “tareas complejas” en la relación directa entre implicación laboral y edad. Según kanfer & Ackerman (2004) los empleados de mayor edad que desempeñan tareas complejas podrían comenzar a estar menos implicados que aquellos que desempeñan tareas de menor complejidad, según los autores una posible explicación podría ser que el trabajar en tareas de elevada complejidad se traduce en experiencias laborales más dificultosas por la disminución de la capacidad cognitiva que se produce con la edad. Similar resultado obtienen Zeng, Zhou & Han (2009) cuando señalan que los gestores seniors con educación superior del sector hotelero, tienen menores niveles de implicación laboral.

•  Formación  –  De nuevo, en la literatura científica se encuentran resultados contradictorios acerca de la relación formación-implicación laboral. Algunas investigaciones no hallan ningún tipo de vínculo entre ambas variables (Al-Otaibi, 2000; Jones, James & Bruni, 1975; Pathak, 1982). Otras encuentran que la implicación se reduce al aumentar el nivel formativo del sujeto (Carmeli, 2005; Lodahl & kejner, 1965; Rabinowitz & Hall, 1977; Shore, Thornton & Shore, 1990; Sekeran & Mowday, 1981;). Un tercer grupo de estudios han localizado relaciones significativas y positivas entre la implicación en el tra-bajo y la preparación académica, argumentando que disponer de mayor nivel formativo propicia mayores oportunidades laborales –por ejemplo, de estatus, de privilegios o de participación en la toma de decisiones–, lo que se traduce en mayor implicación con la actividad laboral (Chadha & kaur, 1987; knoop, 1986; Martínez-Lugo, 1990; Pathak & Pathak, 1987; Zeng, Zhou & Han, 2009)

Como se ha comprobado en este apartado, la relación entre las características demo-gráficas y la implicación laboral no es clara, presentando múltiples aristas y resulta-dos en muchos casos contradictorios. Precisamente, en la presente investigación nos proponemos arrojar algo de luz a este asunto analizando el efecto de estas variables sobre la implicación laboral, en conjunto con las variables laborales y actitudinales.

3.2. Factores Situacionales: Naturaleza Y Condiciones De La Actividad Laboral

Aunque algunos autores consideran que la implicación laboral depende direc-tamente de las características demográficas del sujeto, otros apuntan que este

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fenómeno surge como respuesta a las condiciones laborales que la organización ofrece (Dangwal, 1995; Lawler & Hall, 1970; Lodahl & kejner, 1964) 11.Históricamente, la bibliografía empírica acerca de la implicación –como respuesta adaptativa del individuo a las condiciones laborales– ha centrado su interés en las cinco dimensiones básicas del modelo de Hackman & Oldham (1975) sobre las características del puesto de trabajo 12: autonomía, variedad, significado, identidad y retroalimentación sobre el desempeño 13 (Brown, 1996; Chen & Chiu, 2009 14; Elloy & Everett, 1991; Elloy, et al. 1995; Hackman & Oldham, 1975; Igbaria, Pa-rasunaman & Badawy, 1994, Lambert, 1991; Mathieu & farr, 1991; Martínez-Lugo, 1990; Rabinowitz, Hall, & Goodale, 1977; Saal, 1978; Shore, Thornton, & Shore, 1990; Sekeran & Mowday, 1981; Steel & Rentsch, 1997). Estas investigaciones concluyen que la coherencia entre las características del puesto de trabajo y las expectativas individuales se traduce en una reacción afectiva del empleado que aumentará su grado de implicación laboral. Otros estudios ultiman que se puede actuar sobre el grado de implicación de los empleados a través de la modificación del diseño del puesto de trabajo (Lawler, 1992; Pfeffer, 1994). En 1996, Brown actualiza el perfil del individuo implicado con su actividad laboral definido ante-riormente en los trabajos pioneros de Lodahl & kejner (1965) y Rabinowitz & Hall (1997). Utilizando la técnica del meta-análisis, este autor describe que una persona implicada laboralmente es aquella que considera su trabajo altamente significativo y desafiante, que desempeña tareas complejas que requieren una gran variedad de habilidades y que, además, ven reflejado en el producto o servicio final el resultado de su trabajo diario (identidad de tareas). El sujeto implicado colabora activamente en la fijación de los indicadores de evaluación de su desempeño y mantiene una relación positiva con superior inmediato, quien le corresponde facilitándole un amplio feedback. Brown (1996) concluye que los efectos de estas características

11 Un reciente estudio de Blanch & Aluja (2010) analiza el desarrollo de la implicación laboral a través de los cam-bios situacionales que un individuo se encuentra en su vida profesional, una perspectiva de análisis que contrasta con la noción tradicional que considera que la implicación laboral se mantiene estable a lo largo del tiempo.

12 Estos autores concluyen que tales características inciden sobre la implicación laboral afectando a la moti-vación interna del individuo, por ejemplo, mediante el desempeño de puestos de trabajo donde se asumen responsabilidades, se desarrollan experiencias laborales significativas o bien se dispone de retroalimentación acerca del desempeño individual. En la misma línea de pensamiento se pronuncian Salanova, Agur & Peiró (2005) al indicar que aquellos empleados que disfruten de apropiadas condiciones laborales estarán más dispuestos a dedicar energía y recursos personales en los roles adoptados en su trabajo.

13 La autonomía supone el grado de independencia, libertad y poder discrecional que el empleado tiene sobre la planificación y desarrollo de sus tareas. La variedad de tareas alude a la medida en que el trabajador puede utilizar diferentes habilidades en el desarrollo de su trabajo. El significado de la actividad hace referencia a la importancia que el desempeño de la tarea de un empleado tiene para la vida de los demás. La identidad se refiere al peso que el trabajo de un empleado tiene sobre el resultado final. Por último, el feedback indica cuánto el grado de conocimiento del individuo sobre su nivel de desempeño laboral.

14 Estos autores analizan una muestra de 323 trabajadores de siete compañías tailandesas, obteniendo que las cinco dimensiones del modelo de Hackman & Oldham (1975) se relacionan significativamente con la implicación laboral (p < 0,01).

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situacionales sobre la implicación laboral son más intensos en aquellos individuos que necesitan obtener una constante satisfacción en su trabajo.Recientemente Nahrgang, Morgeson & Humphrey (2011) destacan el carácter motivacional del modelo de características del puesto de Hackman & Oldham (1975), agrupando las cinco dimensiones del mismo en una única categoría que denominan motivacional 15 que, junto con otras dos –una de naturaleza social y otra contextual– definen el grado de implicación del sujeto con su actividad diaria.Teniendo en consideración los párrafos previos, a continuación se analizan las condiciones laborales como antecedentes de la implicación en el puesto, es decir, como respuesta actitudinal del sujeto a su entorno de trabajo inmediato. Para ello, se agrupan las variables laborales objeto de análisis en tres bloques: a) variable tiempo, que comprende la antigüedad en la empresa y las expectativas de desarrollo profesional del individuo, b) el diseño estructural del puesto de trabajo: ocupación, monotonía de la actividad, complejidad de la tarea, tiempo de dedicación al trabajo, demanda emocional e intelectual, flexibilidad…y c) el apoyo social de compañeros y/o superiores.

3.2.1. Antigüedad y Expectativas de Carrera Profesional

La revisión bibliográfica sobre esta variable muestra resultados heterogéneos. De este modo, algunos estudios no han hallado ningún tipo de relación entre la antigüedad y la implicación laboral (Baldev & Anupama, 2010; Brown, 1996; Chadha & kaur, 1987; Happali & Mallappa, 1988; knoop, 1986; Pathak, 1982; Patel, 1995; Venakatachalam & Reddy, 1996), mientras otras investigaciones sí encuentra correlación entre ambas variables (Anantharaman & kaliappa, 1982; Jones, James, & Bruni, 1975; Rabinowitz, Hall & Goodale, 1977; Rasheed, 1993). En este sentido, la investigación de Zeng, Zhou & Han (2009) analiza esta re-lación en una muestra de 402 trabajadores de empleados del sector hotelero en China, concluyendo que a medida que transcurren los años de permanencia en la organización aumenta la implicación de los empleados con su puesto de trabajo.Por otro lado, el papel de la carrera profesional en el desarrollo de la impli-cación laboral es un asunto que diferentes autores han tratado desde un punto de vista teórico 16. Así, Lazear & Rosen (1981) indican que las expectativas de desarrollo profesional que la empresa ofrece a sus trabajadores constituyen un mecanismo de recompensa para estos, ayudando a sincronizar los objetivos

15 Sobre este pensamiento inciden Macey & Schneider (2008) al argumentar que ciertos aspectos del trabajo son intrínsecamente motivacionales y que, por consiguiente, afectan al deseo del individuo de invertir energías personales en sus tareas.

16 Un claro ejemplo de empresa comprometida con el desarrollo profesional de sus empleados se puede consultar en Olmo (2011) en relación con el plan de carreras profesionales de la multinacional kellogg en España.

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organizacionales con los objetivos personales. Además según Shields & ward (2001) los empleados que no disponen de expectativas de promoción muestran mayor probabilidad de cambiar de organización, lo que se traduce en menor implicación durante el periodo de transición 17. La expectativa de promoción profesional de un trabajador se caracteriza por su elevada subjetividad, ya que depende en gran medida del autoconcepto que cada uno tenga acerca de sus potencialidades y limitaciones, evaluación que el sujeto realiza en función de sus habilidades, competencias, necesidades y expectativas.El estudio longitudinal de Lorence & Mortirmer (1985) muestra que la implicación laboral obedece más en gran medida al momento de la carrera profesional en la que se encuentre el individuo, ya que sus necesidades vitales y expectativas cam-bian con el tiempo. En los inicios de la carrera profesional las preocupaciones de los trabajadores, generalmente jóvenes, se concentran en el desafío que supone la adaptación al trabajo, lo que no se traduce necesariamente en mayor implicación laboral. Con paso del tiempo y el incremento de responsabilidades familiares, la preocupación se reconduce a cubrir otras necesidades vitales –como, por ejemplo, consolidar un cierto nivel retributivo que permita atender dichas inquietudes–, lo que se traducirá en un aumento de la implicación con el puesto de trabajo. En los últimos años de la vida laboral la implicación experimenta un descenso ya que las preocupaciones de los empleados se desplazan hacia temas personales más que hacia los asuntos relacionados con el trabajo y sus condiciones.Baldev & Anupama (2010) señalan que las expectativas de la carrera profesional junto con la variable salario explican el 91% de la varianza de la implicación laboral. Según estos autores, estas dos variables son críticas en la determinación de implicación con el puesto y representan dos dimensiones del clima organiza-cional que constituye parte fundamental del escenario donde el empleado opera.

3.2.2. Diseño Estructural Del Puesto De Trabajo

El diseño estructural del puesto de trabajo –tanto en su dimensión horizontal como vertical, y en línea con el modelo sobre las características del trabajo de Hackman &

17 Un aspecto de diseño organizativo que en los últimos años ha afectado al conjunto de expectativas profe-sionales es la tendencia a aplanar la estructura organizativa, reduciendo el número de niveles jerárquicos mediante la ampliación del span de control. En este contexto, las expectativas de carrera profesional se reducen como consecuencia de la transformación de estructuras piramidales en otras formas más flexi-bles como son las estructuras en red o aquella que funcionan sobre la base de equipos multidisciplinares (fernández, 2002). Este mismo autor señala que el desarrollo profesional constituye una variable estra-tégica para el desarrollo de la implicación laboral que genera importantes ventajas competitivas para la organización, como por ejemplo, que los propios trabajadores faciliten la entrada en nuevos mercados.

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Oldham (1975)– influye de manera determinante en las necesidades y expectativas de las personas que lo ocupan, afectando por tanto al grado de implicación individual. De este modo, el tipo de ocupación desempeñado en la organización puede cons-tituir una variable crítica para el desarrollo de sentimientos de implicación hacia la actividad laboral, un aserto de especial relevancia entre el colectivo objeto de la presente investigación. La profesión de militar es agotadora debido a la cantidad de situaciones estresantes a las que se está expuesto (Ellison & Genz, 1978). Pero este trabajo conlleva además de los riesgos físicos, otros como estar en estado de alerta durante largos períodos de tiempo o no poder quejarse o pre-sentar debilidad cuando las condiciones son duras e insoportables (Daley, 1979).Bajo este prisma, la investigación de Lodahl & kejner (1965) concluye que la posición del individuo en la jerarquía organizativa se relaciona positivamente con su implicación laboral. En la misma línea, Morrow, McElroy & Blum (1988) hallan que los supervisores presentan mayores niveles de implicación con el pues-to en comparación con el personal operativo. Ello se debe a que los directivos asumen tareas más estimulantes y desafiantes, que conllevan mayores oportuni-dades para que germine la implicación. Resultados similares se encuentran en las investigaciones de Zeng, Zhou & Han (2009), Ahmad & Ansari (2002) 18 y Tang (2000) En sentido contrario, el meta-análisis de Brown (1996) no obtiene relación significativa entre estas variables. Venakatachalam & Reddy (1996) en una muestra de trabajadores del sector bancario, educativo y público ultiman que el tipo de ocupación no impacta significativamente en la implicación laboral. En otro sentido, algunos estudios ponen de manifiesto que las variables relacionadas con el enriquecimiento del puesto de trabajo afectan positivamente a determinadas actitudes laborales, entre la que se encuentra la implicación laboral. Así, la investiga-ción de Sekeran y Mowday (1981), utilizando dos muestras de trabajadores de Asia y América del Norte, concluye que el feedback, así como la variedad y significado de la tarea 19 se relacionan con la implicación laboral a un nivel de confianza del 99%. Por su parte, Brown (1996) observa una correlación positiva de la implicaci-ón laboral con la complejidad de la tarea (r=0,327), con la ausencia de monotonía (r=0,365) y con el feedback (r=0,279) a un nivel de significación del 1%. En una muestra de empleados de una fábrica textil, Naaz (1999) percibe que la variedad de tareas se relaciona positivamente con la implicación laboral, y más recientemente, una investigación desarrollada en el contexto asiático por Chen & Chiu (2009) obtiene resultados estadísticamente significativos (p<0,01; p< 0,5) con coeficientes de corre-

18 Estos autores analizan una muestra de artesanos de industrias de pequeña escala, y hallan el efecto positivo de la interacción entre el salario y al tipo de ocupación sobre la implicación laboral.

19 Esta variable sólo resulto significativa en la relación bivariante con la implicación laboral sin el efecto del resto de condiciones laborales.

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lación comprendidos entre 0,18 y 0,40 del fenómeno investigado y las características del puesto relativas a la variedad e identidad de tareas, feedback, y autonomía.Otra importante variable relacionada con la implicación laboral es la flexibilidad que tenga el sujeto en la realización de sus tareas cotidiana. De este modo, Lo-rence & Mortimer (1985) encuentran que la autonomía ejerce un notable efecto en la implicación a lo largo de toda la vida laboral del individuo, especialmente entre los empleados más jóvenes. La investigación de Brown (1996) también presenta una correlación moderada entre ambas variables (r=0,225). Por otra parte, encuestando a una muestra de enfermeras del departamento de salud mental de un hospital, Tummers et al. (2002) hallan que la implicación laboral se encuen-tra afectada sobre todo por la autonomía que el empleado tenga en su trabajo. Asimismo, un informe realizado por la fundación Europea para la mejora de las condiciones de vida y de trabajo (2007) muestra que la autonomía laboral correlaciona positivamente con la implicación de los empleados, argumentando que la libertad de acción en el puesto constituye un elemento fundamental de la identidad persona, desarrollando mayores niveles de implicación y satisfacción. Por su parte, el reciente estudio Cuyper et al. (2010) encuentra evidencias simi-lares, revelando un efecto moderador del tipo de contrato (indefinido o temporal) sobre dicha relación, de tal manera que la implicación es más intensa cuando el trabajador mantiene un vínculo contractual indefinido con su empresa.

3.2.3. Apoyo Social de Compañeros y Superiores

Las relaciones interpersonales en el entorno de trabajo constituyen una variable fundamental en relación con la implicación laboral. En este sentido, el apoyo social que recibe un empleado por parte de sus compañeros y superiores puede constituir un acicate importante para el desarrollo de la implicación con la actividad labo-ral 20. La carencia de apoyo social, tanto de compañeros como de superiores, se considera un riesgo psicosocial en el ámbito laboral (Gil-Monte & Peiró, 1999). ya en las primeras conceptualizaciones de la implicación laboral aparecían las re-laciones interpersonales en el trabajo como variable causal del fenómeno (Ruh et

20 El apoyo social comprende todas aquellas relaciones sociales que complementan los recursos personales para paliar el malestar en momentos de necesidad del trabajador, por ello puede ser considerado fuente de actitudes y conductas como la implicación. Recientemente, Christian, Garza & Slaughter (2001) lo definen como el grado en que un trabajo permite el asesoramiento y asistencia por parte de superiores y compañeros. Un estudio del Centro Nacional de Condiciones de trabajo recoge una de las múltiples definiciones que los investigadores han dado al concepto de apoyo social: “Definido por la presencia o ausencia relativa de recursos de apoyo psicológico provenientes de otras personas significativas” y señalan cuatro tipos: el informativo, el evaluativo, instrumental y emocional. Por su parte, el informe de la cuarta encuesta Europea sobre las condiciones laborales lo define como otro mecanismo formal de comunicación en el entorno de trabajo. La IV EwCS muestra resultados muy positivos en los asalariados europeos, nueve de cada diez empleados en la mayoría de los sectores y ocupaciones perciben que pueden obtener apoyo de compañeros y ocho de cada diez de sus superiores en el caso de necesitarlo.

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al. 1975), existiendo investigaciones empíricas que obtienen resultados positivos y significativos entre ambas variables 21. El análisis de regresión múltiple de Mishra & Shyam (2005), realizado con una muestra de 200 funcionarios de prisiones concluye una relación positiva y significativa entre el apoyo social y la implicación laboral (r=0,49; p< 0,01). Más recientemente, Chen & Chiu (2009) señalan una relación positiva (r=0,35; p< 0,05) entre el apoyo del líder y el fenómeno que nos ocupa. Otro elemento crítico para el desarrollo de la implicación laboral lo constituye la posibilidad de participación del empleado en la toma de decisiones (Chhokar, 1995 22; Rabinowitz & Hall, 1977; Schuler, 1975). Según argumenta Brown (1996), escuchar la opinión de los trabajadores (por ejemplo, en el establecimiento de los criterios de evaluación de su propio desempeño) estimula la implicación laboral 23. Sin embargo, Singh & Penstonjee (1990) no encuentran interacción alguna entre la implicación laboral y la participación en la toma de decisiones.

3.3 variables Actitudinales

Numerosos estudios han analizado la relación entre implicación laboral y satisfacción laboral. En su mayoría muestran relaciones positivas y significativas en pocos casos ausencia de correlación (knoop, 1995 24; Mathieu & farr, 1991; Patel, 1995). Las divergencias se hallan en el rol que adopta la implicación laboral en esa relación, si es causa o consecuencia. La relación causal de la implicación laboral con la satis-facción en el trabajo ha sido analizada en varios estudios (Lambert, 2004 25; Lodahl & kejner, 1965; Rabinowitz & Hall, 1977; Saal, 1978; Vroom, 1962; wyk, Boshoff & Cilliers, 2003 26). Sin embargo, Brown (1996) 27 considera que a la satisfacción de

21 Martínez-Lugo (1990) analiza una muestra de 174 trabajadores de ambos sexos obteniendo, en todos los casos y con independencia del tipo de organización a la que pertenecen, correlaciones positivas y significativas entre la implicación laboral y las variables dependientes: cohesión entre compañeros de trabajo y apoyo de superio-res (con coeficientes de correlación superiores a 0,53 en todos los casos y un nivel de significación del 1%).

22 En una muestra de trabajadores del sector bancario, detectan un efecto moderado de la participación en la toma de decisiones sobre la implicación de los mismos con su puesto.

23 De todas las variables investigadas en su meta-análisis, Brown (1996) señala a la participación como la variable laboral que correlaciona con mayor intensidad con la implicación laboral (r=0,555; p<0,01).

24 Este autor concluye que ni la implicación laboral ni la alienación están estadísticamente relacionadas con la satisfacción laboral (r=0,19; N=171). Otro aspecto relevante que realiza knoop (1995) es la diferenciación de dos facetas de la satisfacción laboral como variables determinantes de la implicación laboral, satisfacción con las oportunidades de promoción y satisfacción con el salario concluyendo que tan sólo el 13% de la implicación laboral es explicado entre ambas facetas de la satisfacción.

25 Lambert (2004) concluye en un análisis multivariante, que independientemente de las variables edad, género, antigüedad, formación, la implicación laboral correlaciona significativa y positivamente con la satisfacción laboral.

26 Estos autores exploran la relación entre la implicación laboral y varios antecedentes (variables demográficas, rasgos de la personalidad o la satisfacción laboral en una muestra de 200 farmacéuticos/as y 175 contables, los resultados indican que solo una pequeña proporción de la varianza de la implicación laboral es explicada por tales variables (r=0,23).

27 Mediante la técnica del meta-ánalisis señala una correlación positiva de la implicación laboral con la satisfac-ción en el trabajo (r=0,45).

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necesidades reales en el trabajo le precede una valoración cognitiva sobre las posi-bilidades de satisfacción de esas potenciales necesidades, lo cual requiere de cierta identificación con el trabajo y estimación de cuán importante es éste para la vida de individuo. Es decir, la satisfacción laboral es una consecuencia de la implicación laboral (González & de Elena, 1999 28; Lawler, 1992; Pleffer, 1994; Sharma & Sharma, 1978). Esta idea se encuentra en línea con el argumento de wegge, Schmidt, Parkes & Dick (2007) 29 quienes señalan que aquellos trabajadores con mayores niveles de implicación laboral en general son más críticos y reparan en más ocasiones en cómo se sienten en sus trabajos, lo que les permite valorar su satisfacción con el trabajo. Un reciente estudio del instituto Valenciano de investigaciones económicas señala a la implicación laboral como actitud que afecta positivamente la satisfacción laboral de una muestra de jóvenes con experiencia laboral.

4. ESTuDIo EmPÍrICo

4.1. Metodología de la investigación

La metodología utilizada para el cumplimiento de los objetivos de este trabajo se fundamenta en el modelo de regresión logística binaria, un caso particular de los denominados modelos de regresión con respuesta dicotómica. Esta técnica estadística permite desarrollar un modelo logit para estudiar la probabilidad de ocurrencia del suceso investigado –estar implicado emocionalmente con el puesto de trabajo– fren-te a la probabilidad de ocurrencia del suceso contrario –la no implicación con el trabajo o alienación laboral–, atendiendo a un conjunto de variables que la revisión bibliográfica ha identificado como relacionadas con el fenómeno de la implicación: características individuales, laborales actitudinales y de contexto organizativo.

4.2. La Muestra

Los datos utilizados para el desarrollo de la presente investigación se han obtenido de la IV Encuesta Europea de Condiciones de Trabajo, elaborada por la fundación Europea para la Mejora de las Condiciones de Vida y de Trabajo (2005). Esta encuesta, que analiza las condiciones de trabajo en los 27 países de la Unión Europea, proporciona una valiosa cantidad de información sobre diferentes aspectos de las condiciones de trabajo que rigen en Europa y, en concreto, sobre actitudes, percepciones y conductas

28 En 1999, estos autores encuentran una correlación positiva y significativa entre ambas actitudes laborales (r=0,57, p=0,0001, N=83) en una organización de la administración pública.

29 Estos autores hallan una correlación positiva entre la implicación laboral y la satisfacción (r=0,39, p< 0,01) en una muestra de trabajadores de una organización pública.

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de los empleados. La población objeto de estudio son todas las personas con 15 años o más asalariados por cuenta ajena, cuyo lugar habitual de residencia sea alguno de los estados miembros de la Unión Europea. El trabajo de campo se realizó en el otoño de 2005, visitándose un total de 72.300 hogares que arrojan 293.766 encuestas válidas. Para conseguir los objetivos de la presente investigación se ha extraído una submuestra integrada por todos los sujetos que se identificaron como integrantes de las fuerzas armadas de su país en calidad de asalariados por cuenta ajena. De esta forma se seleccionó a un total de 188 militares, de los cuales el 52,1% indica estar implicado y el 47,9% restante muestra encontrarse alienado en su puesto de trabajo

30. El 92,0% de los participantes son hombres y el 8,0% mujeres. La edad media de los encuestados es de 36,99 años, oscilando entre 19 y 58 años. El 68,6 % declara haber cursado hasta estudios secundarios y un 31,4% ha completado estudios uni-versitarios. Por último, la antigüedad media en la institución militar es de 14,3 años.

4.3. Medidas

Para la medición de la variable dependiente, la implicación laboral en su dimen-sión emocional, se han empleado varios de los ítems incluidos en la IV Encuesta Europea de Condiciones de Trabajo, relacionados con el bienestar psicológico de los trabajadores. Estos ítems son similares conceptualmente a los recogidos por González & De Elena (1999) en la versión castellana del cuestionario sobre impli-cación laboral desarrollado originalmente por Lodahl & kejner (1965). El análisis factorial exploratorio de componentes principales confirma que varios ítems del cuestionario conforman un único factor explicativo de la dimensión emocional de la implicación laboral integrado por las tres variables siguientes: a) en el trabajo usted tiene la oportunidad de hacer lo que mejor sabe hacer; b) su trabajo le ge-nera el sentimiento de “trabajo bien hecho”; c) usted tiene la sensación de hacer un trabajo útil. Los ítems originales se medían en una escala tipo Likert de cinco niveles (desde casi siempre hasta casi nunca). La variable resultante del análisis factorial se dicotomizó en dos niveles donde el valor 1 significa que el sujeto se encuentra implicado emocionalmente con su actividad laboral, mientras que el valor 0 hace referencia a una actitud de alienación en el puesto de trabajo. En base a la revisión bibliográfica realizada previamente con relación al fenómeno de la implicación laboral, en el presente estudio se analizan una serie de variables independientes agrupadas en cuatro categorías: factores personales, condiciones laborales, variables actitudinales y elementos de contexto organizativo.

30 En un reciente estudio con una muestra de 779 soldados profesionales de las fuerzas Armadas Españolas la implicación con el trabajo alcanza puntuaciones medias entre este colectivo de asalariados, aunque es más alta en la dimensión de la implicación que hace referencia al trabajo como deber u obligación. Esto podría deberse a que la muestra se identifica más con este factor, pues presenta una mayor coherencia con los valores del ejército (López Araújo et al. 2008).

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La relación y codificación de las variables explicativas que integran cada una de las categorías se presenta a continuación: a) Características personales: Edad (0: 15-24; 1: 25-39; 2: 40-54; 3: +55), Estado

civil (0: Sin pareja; 1: Con pareja), formación (0: Hasta estudios secundarios, 1: Más que estudios secundarios) y Género (0: Hombre; 1: Mujer).

b) factores de situacionales laborales: antigüedad (0: hasta 1 año; 1: entre 2 y 5 años; 2: entre 6 y 10 años; 3: más de 10 años), Expectativas de desarrollo profesional (0: No; 1: Sí), Tareas monótonas (0: Sí; 1: No), Tareas comple-jas (0: No; 1: Sí), flexibilidad métodos de trabajo (0:No; 1:Sí), Demanda intelectual del puesto (0: No; 1: Sí), Demanda emocional del puesto (0: No; 1: Sí), Apoyo superiores (0: No; 1:Sí) y Apoyo de compañeros (0:No; 1:Sí).

c) Variables actitudinales: Satisfacción con las condiciones de trabajo (0: No;1: Sí) y Satisfacción salario (0:No; 1:Sí).

4.4. Resultados De La investigación

4.4.1. Análisis bivariante

Con el objeto de analizar qué factores afectan a la implicación emocional de los militares que integran la muestra se recurre, en primer término, a un análisis descriptivo bivariante mediante tablas de contingencia y Chi-cuadrado de Pearson, de tal manera que se explore la posible asociación o independencia bivariante entre la variable dependiente –estar implicado emocionalmente o no en el puesto de trabajo– y un conjunto de variables independientes agrupadas en las tres ca-tegorías presentadas anteriormente. Los resultados obtenidos con el instrumento chi-cuadrado son significativos al nivel del 95%, poniendo de manifiesto que existe una fuerte asociación entre la variable objeto de estudio y el resto de variables independientes, con la excepción de las variables género y estado civil.

4.4.2. Análisis multivariante

Seguidamente, para la determinación del peso de los factores individuales, labo-rales-organizativos y de resultado o actitudinales en los niveles de implicación emocional se planteó el diseño de un modelo de regresión logística.En la tabla 1 se presentan los resultados de la estimación mediante regresión logística de los factores –personales, laborales y actitudinales– que determinan el nivel de implicación del individuo con su puesto de trabajo. En primer lugar hay que destacar que el estadístico de contraste aplicado para evaluar la eficiencia del modelo en su conjunto indica que existen razones suficientes para aceptar la

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validez del mismo 31, es decir, para afirmar que el hecho de que un militar esté implicado o alineado puede ser satisfactoriamente explicado por el conjunto de variables consideradas en la presente investigación. Además hay que destacar que las variables utilizadas presentan una importante capacidad de generalización del modelo –tal y como se comprueba al comparar las observaciones que han sido clasificadas correctamente, tanto de forma general como para cada uno de los colectivos investigados– lo que viene a demostrar su eficacia predictora. El modelo de regresión logística que se presenta en la tabla 1 clasifica correctamente al 75,6% de los casos, mejorando la capacidad de predicción entre el grupo de militares implicados (84,8%) en comparación con los que se muestran alinea-dos (62,5%). Como se puede apreciar en este modelo general, la probabilidad de que un soldado profesional se encuentre implicado emocionalmente con su puesto de trabajo es mayor entre aquellos individuos con más antigüedad en la institución militar, que además se muestran satisfechos con el contenido de su actividad laboral y que encuentran y obtienen el apoyo de sus superiores en caso de necesitarlo. Ninguna variable de naturaleza personal resulta determinante en el desarrollo de sentimientos de implicación laboral entre los militares investigados.Con todo, el impacto de cada una de las variables significativas en la probabi-lidad de mostrar mayor o menor nivel de implicación emocional difiere de unas a otras, tal y como indica el análisis de los intervalos de confianza obtenidos para las correspondientes odds ratios (ver tabla 1). Tal y como era de esperar, un importante número de variables laborales condicionan el desarrollo de actitudes como la implicación del trabajador, constituyendo una categoría determinante para comprender el fenómeno investigado. Los trabajadores que acumulan más antigüedad presentan mayor nivel de implicación emocional. Así, la probabilidad de que una persona que lleve entre seis y diez años en la institución militar se implique con su trabajo es catorce veces mayor en comparación con el resto (la probabilidad oscila entre el 193,9% y el 1050,23%), y del 561,3% si la antigüedad es superior a diez años (IC: 1,103-28,557). Asimismo, el apoyo de los superiores aumenta la probabilidad de la variable afectiva de la implicación emocional en más de un 900%, con un cociente de odds ratios de 941,9 y un intervalo de confianza que oscila entre 1,561 y 56,230.En otro sentido, la única variable actitudinal que contribuye al desarrollo de sen-timientos de implicación es la satisfacción con el trabajo. La OR correspondiente a esta variable (9,419 con un intervalo de confianza situado entre 2,268 y 39,117) sugiere que los militares que se encuentran satisfechos con sus condiciones de trabajo, posiblemente más motivados, desarrollan un mayor grado de implicación en la dimensión emocional con su actividad laboral.

31 La prueba de Hosmer & Lemeshow, utilizada para este fin, presenta los resultados siguientes: Chi-Cuadrado: 23,515; Sig. 0,000.

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5. CoNCLuSIoNES

Las profundas transformaciones sociales, económicas y tecnológicas que carac-terizan al panorama organizativo actual exigen una renovación de las políticas y prácticas de recursos humanos, un nuevo estilo donde la humanización y el enriquecimiento del puesto de trabajo adquieran un auténtico significado estra-tégico para alcanzar resultados sostenibles a través de las personas. El análisis y seguimiento de actitudes como la implicación emocional en el puesto de trabajo permite conocer en profundidad emociones emergentes de los individuos que integran las organizaciones. Así se pone de manifiesto en un estudio con militares en el que se ha comprobado el papel modulador de la implicación con el trabajo en la relación entre el estrés y la satisfacción laboral.Este nuevo enfoque requiere un estilo de gestión que maneje eficazmente valores que emergen desde las entrañas de la organización, de forma que las personas dejen de ser consideradas un coste para pasar a ser un recurso estratégico a desarrollar. Esta forma de actuar estaría alineada con el objetivo primordial de los procesos organizativos más recientes que persiguen mejorar la cohesión interna entre los individuos y las organizaciones (Thévenet, 1992). De este modo, el análisis de una de las herramientas más potentes que existen para mejorar el desempeño individual y organizacional –la implicación laboral– (Chughtai, 2008) permitirá la

Tabla 1: Regresión logística: factores que determinan la implicación emocional e intervalo de confianza de odds ratios.

Fuente: Elaboración propia.

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convergencia de intereses y necesidades con la generación de sinergias positivas para ambas partes. Esta argumentación justifica el estudio de la implicación de los empleados a nivel emocional como reacción afectiva a los procesos laborales en los que se encuentran inmersos, una línea de investigación coherente con la actual tendencia del management que sugiere la implantación de una dirección basada en emociones, sentimientos y valores (Dirección por Valores-DpV) 32 que tenga muy presente el modelo de diagnóstico e intervención de “gestión de sentimientos organizativos” (fernández & Peñalver, 2005; fernández, 2004). Esta línea de investigación, asentada sobre valores y sentimientos de pertenencia, adquiere mayor importancia si cabe entre los miembros del estamento militar.El conocimiento del perfil del militar implicado emocionalmente con su puesto de trabajo facilitará a los mandos el diseño e implantación de estrategias a nivel de gestión de personas. Conscientes de la trascendencia que este hecho puede tener a nivel práctico, en este artículo se han puesto de manifiesto cuáles son las variables que fomentan los sentimientos de implicación emocional. Tras la aplicación de un análisis de regresión logística se ha concluido que la probabilidad de que un miem-bro profesional de las fuerzas Armadas se encuentre implicado emocionalmente con su actividad depende de la antigüedad en el puesto, del apoyo que reciba de sus superiores y del nivel de satisfacción general con el trabajo que desempeña.Los gestores de personas que vean más allá de los resultados a corto plazo podrán convertir los problemas en oportunidades, interviniendo sobre el ajuste puesto-competencias y evaluando el impacto que un correcto diseño de los puestos de trabajo tiene sobre las reacciones afectivas de sus subordinados. Sólo alcanzando a conocer exactamente qué y cómo se sienten los trabajadores en su lugar de trabajo podrán reorientarse las prácticas de gestión, en aras a alcanzar resultados sostenibles en el tiempo y organizaciones integradas por sujetos implicados emocionalmente con su profesión.

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32 Los profesores Salvador García & Simon Dolan acuñaron el término Dirección por Valores (DpV) el mismo año (1997), un modelo “triaxial” que radica en conseguir un buen equilibrio entre tres clases de valores: valores económicos, emocionales y éticos.

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filipe Papança a,2

a Departamento de Ciências Exactas, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.

ABSTrACT

Mathematics, statistics and teaching in establishments who train Army Officials in the period 1837-1926: a characterizationThe purpose of this work is to study the evolution of teaching in Portuguese Academies who form Army Officials in the period (1837-1926) especially in mathematics and statistics.In particularly this work tries to answer to following questions:a) How can we characterize, in terms of content, the military teaching in the

areas of Mathematics and Statistics available in Army Officials courses? What criteria are utilised in selection of this knowledge? How can we characterize the context of military teaching particularly in terms of mathematics and statistics of Army Officials training and in other courses ministered in these institutions?

b) what is the place of representations of mathematics and statistics in solemn moments?

c) what is the role of statistics in the daily life of these institutions?

This dissertation makes one characterization based in document sources (found in the school´s library) of the army officer’s teaching quotidian in this time, particularly the school sections, regulations, statistics, teachers, ceremonials, study tours and teachers books. Extended lists of the curricular organization, documents and manuals made by teachers of the school were produced.

a matEmátiCa, a EstatístiCa E o Ensino nos EstabElECimEntos dE formaÇÃo dE ofiCiais do EXÉrCito PortuGuês no PEríodo

1837-1926: uma CaraCtErizaÇÃo 1

1 Este artigo é baseado nas conclusões da Tese de Doutoramento: A Matemática, a Estatística e o ensino nos estabelecimentos de formação de Oficiais do Exército Português no período 1837-1926: uma carac-terização, defendida na Universidade de Évora.

2 Contactos: Email - [email protected], Tel. - +351213186900Recebido em 12 Março 2012 / Aceite em 16 Abril 2012

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In the period studied the curricular organization tries to adapt to the demands of new technologies. They try to give a practice and laboratorial teaching. In the solemn moments mathematics had several functions. Statistics had an im-portant role by organizing factor.

Key Words: Mathematics, Statistics, Military Teaching, School of the Army, war School, Military School, Military Academy;

rESumo

A Matemática, a Estatística e o ensino nos estabelecimentos de formação de Oficiais do Exército Português no período 1837-1926: uma caracterizaçãoO objectivo deste trabalho é estudar a evolução da formação de Oficiais do Exército Português no período 1837-1926 em especial nas vertentes da Mate-mática e da Estatística.Em particular este trabalho procura responder às seguintes questões:a) Como se pode caracterizar, em termos de conteúdos, a formação militar nas

áreas da Matemática e da Estatística ministradas em cursos de formação de oficiais do exército? Quais os critérios que estiveram na base da escolha desses conteúdos, considerados fundamentais para a sua formação? Como se pode caracterizar o contexto educativo castrense, em particular nas áreas da Matemática e da Estatística em termos de formação de Oficiais do Exército, assim como em outros cursos de formação ministrados nessas instituições?

b) Qual o papel das representações e da Matemática e da Estatística nos mo-mentos solenes?

c) Qual o papel da Estatística no funcionamento da instituição?

Este trabalho efectua uma análise baseada em fontes documentais (recolhidas em bibliotecas do exército) do quotidiano da formação Oficiais do Exército neste período, em particular das secções de ensino, regulamentos, estatísticas, professores, cerimoniais, visitas de estudo e livros escritos por docentes. foi feito um levantamento exaustivo da organização curricular, docentes e manuais produzidos por professores da Escola.Ao longo do período estudado, a organização curricular procurou-se adaptar às novas exigências tecnológicas. Procurou ainda dotar a Escola de um ensino prático e laboratorial. Nos momentos solenes a Matemática desempenha diversas funções. A Estatística desempenha um papel importante como factor organizativo.

Palavras-chave: Matemática, Estatística, Ensino Militar, Escola do Exército, Escola de Guerra, Escola Militar, Academia Militar;

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1. AS TrÊS FASES Do ESTABELECImENTo

O período da Monarquia Constitucional coincide com a época da Escola do Exército (1837-1911) que tinha a seu cargo não só formação de oficiais do exército mas igualmente de engenheiros civis e de minas. Quanto à evolução do estabelecimento haverá que referir três fases marcantes dessa evolução: a primeira fase, vitória e consolidação do Liberalismo (1834-1851), tendo como ponto de partida a consolidação do regime liberal com a paz de Evoramonte (1834) é fundada a Escola do Exército em 1837. Assiste-se à consolidação da instituição apesar das constantes mudanças de localização até se fixar na Quinta da Bemposta em 1851, onde ainda hoje parte dela se encontra.A segunda fase (1851-1910) começa com a Regeneração e o surto de progres-so verificado ao longo da segunda metade do séc. XIX e início do séc. XX, a instituição torna-se na verdadeira escola de que o país necessitava para o seu de-senvolvimento. Grande parte do progresso e prosperidade vivida nesse período se lhe deve, uma vez que formou os técnicos que a indústria emergente necessitava, os engenheiros civis para as obras públicas, os engenheiros para supervisionarem as minas e a construção de portos. Também no campo literário uma miríade de escritores e historiadores provem desta instituição. Ela ajudou a formar militares, engenheiros, profissionais liberais que davam o seu contributo para o enriquecimento dos mais variados campos da sociedade e era já como profissionais experientes e especializados num determinado ramo do saber que alguns deles voltavam à escola, assumindo a leccionação de cadeiras integrantes dos sucessivos planos de estudo. A terceira fase, coincidente com a Primeira República (1911-1926), inicia-se com A Escola de Guerra (1911-1919) que procurou continuar a obra entretanto encetada, aperfeiçoando o ensino, modernizando os laboratórios e gabinetes, editando regulamentos, alargando a sua esfera de acção a novas áreas do saber, a Sociologia por exemplo, modernizando o currículo, preocupando-se com a beleza e o lado artístico de que são exemplo os belíssimos painéis de Jorge Colaço. Nesta nova fase os cursos passam a ser exclusivamente militares a que não é alheio o facto da criação do Instituto Superior Técnico sendo, no entanto, abertos a civis (alunos livres) como meio de difusão da cultura militar. A instabilidade política, os incidentes e as vicissitudes da Primeira República com o seu foco noutros corpos do exército como sejam os sargentos e os contratados, a criação de outras instituições de ensino motivando por exemplo a perda da formação de engenheiros civis e de minas, o rescaldo da Primeira Guerra Mundial e as consequências do regime especial, constituíram factores que dificultaram em muito essa tarefa. Neste período a Capela assim como a torre onde mais tarde seria instalado o observatório foram entregues à Escola. Entretanto ocorre a Primeira Guerra Mundial, conflito que Portugal participou activamente. Respondendo a este apelo, O regime especial (1916-1919), modo

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de funcionamento adaptado às necessidades da Guerra, foi a solução que a instituição encontrou para fazer face a esta situação. A Escola procurou ade-quar a leccionação ao esforço de guerra, revelando um esforço didáctico e uma notável capacidade de organização, mas degradou o ensino com as passagens administrativas, motivou a quebra da disciplina militar, frustrou a realização dos objectivos de muitos ao provocar um congestionamento de carreiras que contribuiu indirectamente para agravar o deficit das contas públicas.No pós-guerra, a Escola Militar (1919) esforçou-se por restaurar uma certa cre-dibilidade perdida, continuando a modernizar as instalações e a aperfeiçoar os regulamentos, a alargar a sua esfera de acção a novas áreas como as questões coloniais, a Economia e a Contabilidade, procurando de novo, gradualmente, aumentar o nível de exigência tanto na entrada como na frequência, a nível do conhecimento e no âmbito militar. Esforçou-se igualmente por repor a autoridade e a disciplina. A exigência de provas de admissão, instituídas pela primeira vez na Escola Militar em 1925, constituiu um marco importante ao restituir o rigor, a credibilidade na admissão permitindo, ao mesmo tempo, a abertura a um leque mais variado de candidatos, simplificando o processo, fomentando a liberdade de escolha, uma vez que já não se está condicionado à frequência de cadeiras em determinadas instituições, colocando-se a ênfase no domínio dos conhecimentos exigidos. Consoante os cursos, eram exigidas provas específicas de Matemática, física, Química, Desenho, Contabilidade e Escrituração e Processos Gerais de Análise que incidiam sobre conteúdos previamente estabelecidos. Os conteúdos propostos para os cursos de Engenharia Militar e Artilharia a Pé têm a ver com matérias leccionadas hoje em dia nos primeiros anos do ensino superior, em cadei-ras de Análise Matemática. Complementarmente, de registar o fomento à prática desportiva através das provas de aptidão física, com a imposição de mínimos a atingir, conhecimento da língua materna, além da História Pátria e Geografia de Portugal e da Península Ibérica, matérias que compunham o tronco comum.Nos últimos anos do período em estudo, começa-se a notar a falta de um certo contacto com a fruição da beleza, constatando-se na própria análise da documen-tação que se começa tornar mais cinzenta, paradoxalmente numa altura em que se coloca a ênfase na criatividade e no espírito de iniciativa. Afinal na Matemá-tica, parte integrante da própria arte da guerra, tanto em termos da táctica, da estratégia, como da fortificação, como é devidamente realçado nos discursos de abertura solene, também existe um certo toque artístico. A instabilidade criada durante a Primeira República e a laicização forçada do ensino levada a cabo nesse período, o rescaldo da Primeira Guerra Mundial, uma excessiva ênfase nas questões económicas e financeiras, uma exagerada preocupação com os re-gulamentos, poderão constituir algumas das possíveis causas para essa situação. O contacto com as mais diversas formas de expressão artística é algo marcante ao percorrer a capela, a sacristia, a entrada do palácio decorada com belíssimos

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painéis de Jorge Colaço, os retratos da sala do conselho, a biblioteca com as magníficas estantes e os lindíssimos painéis de azulejo.No final do período analisado, a criação de novas escolas superiores militares especializadas como a Escola Militar de Aviação, a Escola Militar de Aerosta-ção, precursoras da Academia da força Aérea e embrião de um novo ramo das forças Armadas, Escola de Serviço de Saúde Militar e reestruturação da Escola Central de Sargentos abriram novos horizontes à formação de oficiais do exército, diversificando-a e motivando a alteração do quadro de referência deste trabalho.

2. o ENSINo No CoNTEXTo EDuCATIVo CASTrENSE

Em termos de organização curricular procurou-se adequar os cursos face às novas exigências em termos tecnológicos, modernizar as terminologias, minis-trar o ensino de aplicação. Instituíram-se igualmente as viagens e visitas de estudo. Criaram-se novos cursos como os de Engenharia de Minas que com a Primeira República passou a ser leccionado noutras instituições, a Administração Militar e outros divididos como o de Artilharia em Artilharia de Campanha e Artilharia a Pé. De realçar a enorme mudança ocorrida desde os tempos da Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho no sentido de dotar a escola de um ensino prático, compreendendo a aquisição do material (apesar das constantes res-trições financeiras) para as diferentes secções, gabinetes, laboratórios museus e estação cronográfica. As instalações foram-se adequando de modo a ir de encontro a estas necessidades, sendo o picadeiro a primeira infra-estrutura a ser construída, seguindo-se os gabinetes das cadeiras, os laboratórios e museus sempre em constante reformulação, a biblioteca, o internato, o ginásio, o campo de treinos, o observatório astronómico, a estação cronográfica e a carreira de tiro. Houve a preocupação, muitas vezes, de adaptar estruturas preexistentes na antiga quinta e paço real às novas funções, assim como adquirir edifícios vizinhos compensando, assim, a perda de terreno motivada pelo traçado dos novos arruamentos e construção do Hospital D. Estefânia. Estas secções receberam doações de particulares, de empresas, de organismos do Estado, beneficiando igualmente de aquisições, entretanto, efectuadas. Determinadas ocasiões, como as Aberturas Solenes, foram aproveitadas para realçar esta faceta do ensino, bem como para chamar à atenção dos responsáveis no sentido de obter mais e melhores meios. Com esse mesmo objectivo eram elaborados relatórios dirigidos ao Conselho de Instrução. Além dos livros de matemática existentes na Biblioteca e museu adjacente, a instituição é possuidora de uma apreciável quantidade de armas portáteis e metralhadoras patentes em museu e de uma valiosa colecção

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de paramentos expostos no pequeno museu contíguo à sacristia. Pela análise de documentação, podemos constatar a variedade de material existente nestas secções. O ensino prático, visando a aplicação das matérias leccionadas na teoria, uma realidade pelo menos a partir da localização da Escola no Palácio da Bem-posta em 1851, concretizou-se através da realização de projectos realizados especialmente na sala de estudo e apoiados pelos diversos gabinetes, museus e laboratórios, complementados por visitas de estudo e exercícios militares. A nível de engenharia a École Nationale des Ponts et Chaussées, criada em 1747, serviu de inspiração ao seu ensino através da utilização e construção de modelos e maquetas, como testemunham os Discursos de Abertura Solene.A nível da leccionação, para além da exposição teórica, em termos da organi-zação curricular estava reservado um espaço para a exposição prática das ma-térias leccionadas e realização, por parte dos alunos, de trabalhos de projecto, obedecendo a uma programação elaborada no início do ano, sendo esta, assim como o seu peso na avaliação, publicados no Anuário. Após a sua conclusão e avaliação os melhores trabalhos ficavam expostos nas salas para servirem de inspiração e motivação aos cursos seguintes. Os prémios aos alunos melhor classificados, entregues aquando da Cerimónia de Abertura do Ano Lectivo assim como as viagens ao estrangeiro, funcionavam como incentivos. Além da mera aplicação prática, procurava-se estimular o espírito de iniciativa, visando a procura de soluções inovadoras para problemas conhecidos ou novas aplicações de soluções já existentes. As viagens de estudo contribuíram para um melhor conhecimento da realidade militar noutros países, nomeadamente em aspectos que mais tarde viriam a ser implementados em Portugal, contribuindo para uma gradual consciencialização de um espírito de classe que assume já contornos internacionais (Pimentel, 1883). A actividade física, em termos de ensino militar, desempenha igualmente um papel preponderante, abrangendo um vasto leque de modalidades desportivas compreendendo para além da ginástica propriamente dita, o atletismo, o ciclismo, denominado naquela época por velocipédia, a esgrima, o hipismo entre outras.Os programas começaram por ser listas de conteúdos, acompanhando as cadei-ras, passando posteriormente a ser mais detalhados, introduzindo secções mas continuando a acompanhar a organização curricular. Posteriormente passam a ser objecto tanto de publicação autónoma, como em anuário, autonomizando-se face à organização curricular. Com a suspensão da publicação dos anuários (1912) passam a ser apenas objecto de publicação autónoma. Os programas do regime especial (1916), pelo seu esforço de síntese e adaptação pedagógica procuram corresponder ao desafio proposto de, em pouco tempo, formar oficiais capazes de assegurar as missões relacionadas com a presença de Portugal na Primeira Guerra Mundial. Analisando os seus conteúdos, constata-se a não existência

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de um ensino unificado no âmbito das Probabilidades e Estatística e Estatís-tica, estando a sua leccionação repartida por diversas cadeiras. Esta aparece relacionada com a História e Geografia Militar, a Balística e posteriormente também com a Administração Militar, Escrituração, Economia e Contabilidade. Atribui-se cada vez mais importância a estas duas últimas áreas, condicionando a própria admissão, uma vez que para o curso de Administração Militar era exigida uma prova de admissão de Contabilidade e Escrituração.De acordo com o Quadro 1, os manuais analisados abrangem as mais diversas matérias que integram o programa (ou parte dele) das cadeiras que constituem o currículo ministrado. As publicações analisadas, elaboradas por docentes da Escola ou no âmbito de cadeiras da Escola, incluem conteúdos de diversas áreas da Mate-mática (Geometria Analítica, Astronomia, Probabilidades, Topografia e Modelos de Balística) sendo, sobretudo, resultado do esforço efectuado na preparação das aulas aliado à vivência escolar, experiência adquirida na leccionação, experiência adquirida no contacto com as matérias leccionadas, pesquisa, experimentação, experiência profissional e no caso de José Nunes Gonçalves de uma missão ao estrangeiro.

Quadro 1: Manuais escolares analisados.

Fonte: Adaptado de Escola do Exército (1880), Almeida, A. (1905), Gonçalves, J., Escola de Guerra (1915) e Sena, C. (1925).

O esforço de actualização e procura de uma cada vez melhor adequação do ensino à realidade dos exércitos, evolução tecnológica especialmente a nível industrial, pesaram igualmente na sua elaboração.Os estabelecimentos de formação de oficiais de outros países terão influenciado a formação de oficiais e engenheiros em Portugal, designadamente o modelo francês através da Escola Politécnica de Paris, fundada em 1794. De registar a bibliografia da autoria de influentes matemáticos que leccionaram nesta instituição. As primeiras traduções para Português datam da segunda década do século XIX.

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A nível da escola em geral, também em termos militares escola é vista como um meio de consolidar a colonização e uma forma de espalhar a civilização, o que não deixa de exercer influência nos meios de ensino castrenses. O próprio conceito de família militar assume igualmente aspectos transnacionais.

3. o FuNCIoNAmENTo

A Estatística acompanhou a formação de oficiais do exército, desde os estabe-lecimentos que precederam a Escola do Exército até à actualidade, revelando-se um elemento essencial da gestão do ensino castrense, ajudando a caracterizar o universo escolar e contribuindo para um melhor planeamento do funcionamento da instituição. Como exemplo dessa situação, salientam-se as estatísticas que referem o número de alunos terminando o primeiro ano com a indicação da arma a que foi destinado, o número de alunos matriculados em cada uma das armas, a proveniência dos alunos por distrito e concelho, em cada uma das armas o número de alunos que concluiu o respectivo curso, o movimento geral de alunos, o número de alunos que deram entrada na enfermaria, e em muitos outros aspectos. Em relação à biblioteca, de referir as estatísticas do número de livros entrados, nesta, em cada ano.De registar a quantidade de publicações referentes a estatísticas militares destacando-se a nível nacional, por exemplo as estatísticas criminais e dis-ciplinares e a nível internacional as referentes por exemplo ao armamento e aprovisionamento das tropas de superfície, da população dos estados e dos assuntos militares e financeiros dos diversos países da Europa. Também em relação a outros aspectos da actividade humana, principalmente a nível econó-mico e social, abrangendo temas como a emigração, a navegação, o comércio, a indústria, o sector bancário, a fiscalização económica, o consumo de água. A cultura castrense assume igualmente aspectos transnacionais, procurando definir um padrão universal. Esse padrão é reforçado, por exemplo, pela elaboração de tabelas militares internacionais que incluem informação quantitativa e qualitativa acerca de determinados itens, participação em conflitos internacionais como a Primeira Guerra Mundial, missões em África e no Sudoeste Asiático, viagens internacionais, viagens de Estado-Maior, frequência de cursos no estrangeiro por parte de militares e engenheiros, exposições internacionais, congressos e convenções, padrões, nomenclaturas, projectos internacionais de investigação, acordos e tratados internacionais (Etats de l’Europe, 1911). No início do período estudado, as regras de funcionamento (regulamentos) acompanham a organização curricular, especialmente os das secções de apoio como a biblioteca e laboratórios, além de explicitarem as normas, deveres e

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tarefas respeitantes aos alunos. Posteriormente passam a ser incluídos no anuário e durante a República (após 1912) são publicados autonomamente. Instrumentos pedagógicos úteis em termos castrenses, tanto no aspecto organizativo como disciplinar e educacional, dever-se-ia ter um certo cuidado com eles, como alerta Rodrigo de Sousa Coutinho, pois existe sempre o perigo da instalação de uma certa mentalidade regimental. Uma escola não é um simples quartel mas um estabelecimento de ensino que pretende ser uma academia, sendo conveniente suavizar algumas dessas normas tendo em vista o fomento de um certo espírito académico.

4. A mATEmÁTICA E A ESTATÍSTICA No CoNTEXTo EDuCATIVo CASTrENSE

O ano lectivo era marcado por cerimónias como as Aberturas Solenes em que se procurava fazer um ponto da situação, reunir toda a comunidade, fomentar laços com outros estabelecimentos de ensino e instituições de investigação, assim como em relação ao poder político procurando cativá-lo no sentido da obtenção de melhores meios e entregar os prémios aos alunos contemplados, constituindo um potencial factor de motivação. Os discursos de Abertura Solene procuravam motivar a reflexão, abordando temas de interesse para o meio castrense e para a comunidade em geral, a maior parte relacionada com as matérias leccionadas pelos oradores. Neles eram também abordados temas relacionados com a Matemática, com o seu ensino, visando a formação de militares e engenheiros, ou com o seu papel como ciência ou face às outras ciências que iam normalmente de encontro a matérias leccionadas como Astronomia, Táctica, Estratégia, Balística, Fortifi-cação, Estatística entre outras. Por vezes era utilizada igualmente como metáfora como modo de exaltação do sentimento nacional. Embora os conteúdos abordados sejam os mesmos da leccionação, estes surgem agora de forma solene e mistificada, exaltando-se os vultos, figuras relacionadas com a Matemática, cuja aparição no quotidiano escolar não surge assim tão frequentemente.Na presença de tão ilustres convidados, incluindo o Rei ou o Chefe de Estado, na esperança de obter ajudas, era natural que se destacassem os seus méritos, no primeiro caso na área da Oceanografia e no segundo caso das Relações Internacionais.Também o ensino e a escola em geral eram merecedores de atenção, reflectindo-se sobre o lugar da escola, o espaço reservado ao ensino politécnico, o carácter pedagógico do serviço militar, a organização curricular, os congressos e reuniões

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internacionais salientado, igualmente, o papel desempenhado por ex-discentes nas campanhas militares, principalmente em áfrica. Estes discursos são pu-blicados em anuário (no período 1895-1912), revista ou publicação autónoma.Outras cerimónias marcavam o ano escolar, como a bênção da bandeira que incluía missa campal e alocução do capelão 3, juramento da bandeira, podendo a respectiva cerimónia incluir provas desportivas e até os momentos fúnebres. Estes últimos ajudam-nos a compreender o esforço desenvolvido por docentes no sentido de reunirem colecções museológicas, escrita de artigos e elaboração de monografias, preparação de apontamentos e outras actividades desenvolvidas, por estes, para além da leccionação na Escola do Exército.

5. DESENVoLVImENToS FuTuroS

Apesar deste estudo apresentar algumas sugestões do que poderiam ser práticas de ensino relacionadas com a Matemática, elas estiveram fora do seu âmbito e poderão ser a base para estudos futuros. Refere-se em particular ao uso da Matemática, não apenas durante as aulas convencionais mas também durante os exercícios militares.Por outro lado, o estudo de materiais de ensino relacionados com a Matemática centrou-se num conjunto de brochuras seleccionado, sendo importante alargar o seu âmbito a todas as disponíveis em arquivo.Uma outra proposta incide sobre o levantamento das consequências das mu-danças na formação de oficiais do exército (em termos da admissão aos cursos, currículo, programas, metodologias) nas escolas civis.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrÁFICAS

Almeida, A. (1905). Noções de Astronomia. Lisboa: Escola do Exército.Escola do Exército (1880). Noções de Geometria Analytica – Princípios de

mechanica. Lisboa: Escola do Exército.Escola de Guerra (1915). Fortificação passageira. Lisboa: Escola de Guerra.Gonçalves, N. (1909). 6ª cadeira-introdução ao estudo dos projecteis-Proba-

bilidades do Tiro. Lisboa: Tip. da Escola do Exército.Papança, f. (2011). A Matemática, a Estatística e o Ensino nos Estabelecimentos

de Formação de Oficiais do Exército Português no Período 1837-1926: uma Caracterização. S. Mamede de Infesta: Edium Editores

3 Incluía também, na época em que era realizada, o juramento de bandeira

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Pimentel, f. (1883). Apontamentos sobre alguns estabelecimentos e fortificações da França, Belgica e Allemanha – viagem effectuada nos mezes de Junho e Julho de 1880. Lisboa: Typografia Universal.

Sena, C. (1925). Elementos de Balística. Lisboa: Litografia da Escola MilitarSena, C. (1922). A Escola Militar de Lisboa: História, organização, Ensino.

Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa.Simões, J. M. O. (1892). A Escola do Exército, Breve Noticia da sua História

e da sua Situação Actual. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa.Etats de l’Europe (1911). Tableaux Statistiques relatifs à l’organisation militaire,

l’armement et l’approvisionnement des troupes, la superficie, la population, les charges militaires et financières des divers Etats de l’Europe, à la date du 15 mai 1911. Bruxelles: Établissements L wINTRACkEN & Cª.

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Joaquim Alves a,1; Manuela Sarmento b,2

a Faculdade de Ciências da Economia e da Empresa, universidade Lusiada de Lisboa, Rua da Junqueira 188, 1349-001, Lisboa, Portugal

b Departamento de Ciências Sociais, Academia Militar, Rua Gomes Freire, Lisboa, 1169 - 244, Portugal

ABSTrACT

O governo deve gerir com transparência, ética, eficiência economia e eficácia, os recursos públicos provenientes dos impostos cobrados aos cidadãos, e deve, pe-riodicamente, relatar a forma como os usou e o grau de realização dos objectivos.Na impossibilidade dos cidadãos exercerem directamente a fiscalização do cum-primento deste conjunto de requisitos, torna-se necessário garantir a existência de um sistema de auditoria no Estado que o faça e que seja credível e independente. Também o Exército, como órgão pertencente à Administração Directa do Estado, e responsável pela gestão de recursos de enorme valor, deve garantir estas condições.Pelo que, o presente trabalho tem por objectivo fundamental identificar que características principais deve ter a auditoria da administração financeira do Exército, de forma a determinar que eventuais alterações se poderão introduzir para uma melhoria da eficiência e eficácia da auditoria nesta instituição.Este trabalho parte do conhecimento dos principais requisitos de auditoria, quer da auditoria financeira quer da auditoria interna, quer ainda da auditoria em entidades públicas, e também os seus principais métodos e técnicas, e ainda, os normativos e procedimentos de auditoria no Exército.Procedeu-se a uma investigação empírica no sentido validar (ou não) um con-junto de proposições sobre a auditoria nesta instituição, que versam sobre a independência e os princípios éticos, as normas de auditoria, os auditores, a supervisão e o controlo de qualidade.

auditoria intErna no EXÉrCito

1 Contactos: Email - [email protected], Tel. - +351913611500.2 Contactos: Email - [email protected]

Recebido em 12 Janeiro 2012 / Aceite em 23 fevereiro 2012

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Deste estudo identificou-se um conjunto de características sobre as matérias em apreço que constituem o modelo de auditoria que melhor se adapta a esta instituição, para o exercício da auditoria com independência, ética, eficiência, eficácia e credibilidade.

Palavras-Chave: Estado; Exército; Inspecção; Auditoria; Credibilidade.

ABSTrACT

The Government must manage with transparency, ethics, economic efficiency and effectiveness, the public resources resulting from the tax charged to the tax-payers and should, periodically, report on the manner the resources were utilized as well as the degree of the attainment of objectives.where it is not possible for the citizens to directly execute de monitoring of the compliance of this set of requisites, it becomes necessary to guarantee the existence of a credible and independent audit system within the State, which can ensure the aforementioned exercise. Additionally, the Army, as an organ belonging directly to the State Administration and responsible for the manage-ment of high value resources, should guarantee these conditions.Thus, the fundamental objective of the present thesis is the identification of the main characteristics which should endow the auditing of the financial administration of the Army, in order to determine which eventual changes towards an improvement of the efficiency and effectiveness of an audit within this institution can be introduced.This research assumes the knowledge o the main audit requisites – whether in financial or internal auditing, as well as the auditing of public entities, the main methods and techniques involved, and also the normative and auditing procedures in the Army. This was achieved through the research and analysis of bibliography, legislation and norms.from its comparative analysis with the existing auditing in the army, one proceeded with an empirical investigation in the sense of validating (or not) a set of propositions on auditing within this institution, which verse on the independence and the ethical principles, the auditing norms, the auditors, the supervision and the quality control.Resulting from this exercise, a set of characteristics on the matters at hand were identified, and constitute the audit model which is best suited to this institution, and for the application of an audit with independence, ethics, efficiency, effectiveness and credibility.

Key Words: State; Army; Inspection; Audit; Credibility

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1. ENQuADrAmENTo DA AuDITorIA No SECTor PÚBLICo Em PorTuGAL

A auditoria no âmbito do Estado desempenha um papel fundamental porque quando fornece informação imparcial e avaliações objectivas quanto à gestão dos recursos públicos de forma eficaz e responsável para alcançar os resultados desejados, ajuda as organizações do Estado a melhorar as operações, contribui para uma maior responsabilização e integridade do sector público e para um consequente aumento da confiança entre os cidadãos e os seus serviços públicos.Acresce ainda que a necessidade da existência de entidades que atestem a cre-dibilidade do relato financeiro, dos dados sobre os resultados de desempenho, a conformidade com as leis e os regulamentos, resulta da impossibilidade dos interessados exercerem uma supervisão directa.A auditoria no sector público proporciona, desta forma, uma ligação directa entre a transparência e a credibilidade na governação, assegurando que as suas acções são éticas e legais e que as contas do estado reflectem de forma fidedigna os resultados das operações.Mas, para satisfazer estes requisitos, não basta a existência formal de auditoria nos organismos públicos. Esta actividade tem de ser eficiente e eficaz. Os seus órgãos têm de ser credíveis.Analisados os sistemas de auditoria preconizados pelas normas internacionais aplicáveis a auditorias públicas, no contexto do Tribunal de Contas (TC) e no âmbito do Sistema de Controlo Interno da Administração financeira do Esta-do (SCI), verifica-se que existem normas relativas à ética, ao planeamento, à execução, aos relatórios, e à prova e documentos de trabalho.Sendo a auditoria pública regulada em Portugal por normas fortemente influen-ciadas pelo International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), não é de admirar a existência de uma grande convergência com as normas desta última entidade.De facto, tanto as normas emitidas pelo TC, aplicáveis às auditorias neste âmbito, como as normas emitidas pelo Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno da Administração financeira do Estado (CCSCI), que se destinam a ser incorporadas e adaptadas pelos organismos que se inserem no SCI, foram explicitamente inspiradas pelo INTOSAI.De salientar que, relativamente aos organismos inseridos no SCI, também se aplicam algumas das normas da OROC em matérias como o planeamento, o conhecimento do negócio, a materialidade, a avaliação do risco, o controlo interno, os papéis de trabalho e os relatórios de auditoria.

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Verifica-se também que a auditoria pública na área da Administração Financeira abarca a auditoria financeira, a auditoria do desempenho e a auditoria de sistemas. Estas auditorias devem ser realizadas por profissionais com competência para o efeito e dispondo da necessária independência individual e institucional, sujeitos a normas de ética, e cumprindo normas de auditoria que incluam disposições sobre o planeamento, a execução e a supervisão do trabalho.Verifica-se que as normas recomendadas internacionalmente para o sector pú-blico e as normas utilizadas em Portugal pelo TC e pelos órgãos de auditoria pertencentes ao CCSCI, apresentam características comuns que constituem as principais características da auditoria no sector público.

2. BrEVE CArACTErIZAÇÃo DA AuDITorIA No EXÉrCITo

As inspecções no Exército podem ser gerais, técnicas, de programas e sistemas e avaliação operacional. As inspecções gerais destinam-se a analisar globalmente todos os sectores de actividade das Unidades Estabelecimentos e órgão (UEO), as inspecções técnicas têm por objectivo fiscalizar e avaliar a forma como os órgãos de execução da respectiva área, desempenham a sua missão, podendo classificar-se em inspecção administrativa (de recursos humanos, de recursos materiais, de recursos financeiros e higio-sanitárias), inspecção de instrução, e inspecção de segurança.As inspecções realizam-se ao nível do Comando do Exército pela IGE; ao nível dos órgãos Centrais de Administração e Direcção (OCAD); ao nível dos Comandos das Grandes Unidades; ao nível das Zonas Militares sobre as UEO’s da sua; e ao nível da Direcção de História e Cultura Militar.As actividades de inspecção na área da administração financeira são realizadas pela IGE, pela inspecção do Comando da Logística, pela Direcção de finanças e, principalmente, pelos centros de finanças de cada OCAD.As auditorias realizadas no âmbito dos centros de finanças incidem sobre o sistema de controlo interno das UEO, sobre as contas e a situação financeira, e também sobre a legalidade e regularidade financeira, tendo em vista a emissão de um parecer sobre as contas anuais e a situação financeira da entidade, e sobre a legalidade e a regularidade. Configuram auditorias financeiras e ao sistema de controlo interno das unidades. Não se realizam auditorias ao sistema de controlo interno do Exército na sua globalidade, nem se realizam auditorias do desempenho.A supervisão e a revisão do trabalho de auditoria para assegurar que as ava-liações e as conclusões têm bases sólidas e são suportadas por provas; que

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os erros e deficiências foram identificados e resolvidos; e que as mudanças e melhorias necessárias a futuras auditorias foram identificadas e registadas, não estão previstas nas normas existentes no Exército, nem a nível da IGE, nem nas auditorias dos centros de finanças.Quanto a normas de ética aplicadas à actividade de auditoria em matérias de integridade, independência, objectividade e imparcialidade, competência profis-sional e segredo profissional, embora os seus princípios se encontrem vertidos no regulamento de disciplina e no estatuto dos militares, é de notar que regras desta natureza não estão instituídas especificamente no sistema de auditoria no Exército.Nas auditorias dos centros de finanças o planeamento é obrigatório e contempla o plano global de auditoria e os programas de auditoria, precedidos de trabalhos preparatórios. Neste nível estão previstos procedimentos como testes de confor-midade ao controlo interno e testes substantivos às transacções e aos saldos, bem como procedimentos para obter evidências como a observação, o desempenho, a verificação documental, as confirmações externas, as inspecções físicas e as análises.Nas auditorias dos centros de finanças está prevista a emissão de um Relatório Anual de Auditoria (RAA) para cada UEO e de uma Validação das Demonstra-ções Financeiras (VDF). O primeiro destina-se a descrever o trabalho efectuado, a transmitir observações e informações complementares à VDF, a apresentar recomendações, e ainda erros, omissões e distorções que por não serem mate-rialmente relevantes, não constam da VDf. Este último destina-se a emitir uma opinião sobre as demonstrações financeiras, em formato normalizado constituído por introdução, identificação do trabalho, identificação das responsabilidades do auditor e da entidade e opinião.Quanto à prova de auditoria, prevêem estas normas que para servir de prova e suporte às conclusões, pareceres, recomendações e relatórios, deve ser cons-tituído um dossier corrente e um dossier permanente, sendo definido que tipo de documentos deve ser guardado em cada um destes arquivos.Assim a auditoria da Administração financeira do Exército insere-se no SCI, é auditoria interna, e é uma actividade estruturada, regulamentada e organiza-da. A abordagem da auditoria incide nos níveis hierárquicos mais baixos, nas unidades e serviços e não no Exército como um todo.

3. oBJECTo E oBJECTIVoS DA INVESTIGAÇÃo

Dada a inserção do Exército no Sector Público Administrativo, como órgão integrado na Administração Central do Estado, a investigação centra-se na auditoria de órgãos do Sector Público, e em particular, no SCI.

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A investigação incide ainda na organização “Exército”, embora se abordem também outras organizações públicas e privadas, e foca-se exclusivamente nos aspectos relacionados com a administração financeira e a prestação de contas.Tendo como objecto a auditoria no Exército Português no âmbito do SCI, o objectivo desta investigação consiste em determinar quais as principais ca-racterísticas que deve ter a auditoria interna no âmbito do SCI das entidades públicas como o Exército.A pergunta de partida da investigação é a seguinte: “Que características principais deve possuir a auditoria interna realizada pelo Exército Português no contexto do Sistema de Controlo Interno da Administração financeira do Estado?

4. HIPÓTESES DA INVESTIGAÇÃo

Tendo em vista responder à questão atrás levantada, colocaram-se as seguintes hipóteses:

H 1: A auditoria interna do Exército, no âmbito da administração financeira, realiza auditorias de sistemas, financeiras e do desempenho.

H 2: Actualmente não existem regras suficientes sobre os auditores sendo importante estabelecer algumas regras sobre estes.

H 3: As actuais qualificações dos auditores são adequadas mas é necessário que sejam complementadas com formação na área da auditoria.

H 4: Os auditores devem estar inseridos nas estruturas que realizam as auditorias e também podem realizar auditorias em regime de acumulação de funções.

H 5: Actualmente não existe controlo sistemático sobre o trabalho dos auditores, mas é importante a existência de controlo que abranja os auditores e os órgãos de auditoria, para verificar o cumprimento dos princípios éticos, da legislação, dos regulamentos e das normas.

H 6: As normas de auditoria aplicáveis ao Exército deverão ser as existentes para a Administração Pública em geral, adaptadas ao Exército, também se podendo aplicar os princípios das Normas Técnicas e as DRA da OROC constantes do Quadro 1.

H 7: O EMFAR e o RDM necessitam de ser complementados com disposições que permitam ao auditor emitir opiniões independentes; e o obriguem a cumprir as normas e a dominar as técnicas de auditoria e as matérias relacionadas com o seu objecto.

H 8: Para garantir maior independência o órgão de auditoria deve depender directamente do CEME.

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H 9: Para melhorar a independência deve haver rotação de auditores e estes não podem: estar ligados à execução de contabilidade e serviços relacio-nados na entidade auditada; fazer parte do processo de decisão da mesma; realizar auditorias em entidades onde tenha desempenhado funções nos 3 anos anteriores.

H 10: É necessário haver responsabilidade disciplinar para os incumprimentos por parte do auditor, mas o RDM é suficiente para esse efeito não havendo necessidade de normas específicas no âmbito do normativo da auditoria.

H 11: As normas de confidencialidade no Exército são suficientes para garantir a confidencialidade e o sigilo relativamente às matérias que o auditor conhece nas auditorias.

H 12: Actualmente não existem políticas e procedimentos que garantam que o trabalho de auditoria é executado em conformidade com as normas, as leis e os regulamentos; nem as auditorias são objecto de controlo de qualidade interno; mas ambos são necessários.

H 13: As auditorias financeiras e de sistemas devem ser realizadas pela IGE e as auditorias do desempenho pelas inspecções dos OCAD.

5. mEToDoLoGIA

A investigação incide na auditoria no Exército, abordando também outras or-ganizações públicas e privadas, para efeitos de comparação, com o propósito de obter resultados generalizáveis a outras organizações semelhantes.

Quadro 1 – Directrizes de Revisão/Auditoria da OROC que podem ser aplicadas ao Exército.

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O presente estudo incide sobre os procedimentos de auditoria no Exército e assume um carácter verdadeiramente específico. Decorre no seio da organização que coordena as auditorias de âmbito financeiro, logo em ambiente natural, e recorre a várias fontes de dados como a bibliografia, o normativo e a legislação e a vários métodos de recolha como a pesquisa bibliográfica e documental, a observação, questionários e entrevistas. Para além disso, também procede ao cruzamento da informação interna com dados obtidos externamente. Pelo que, nesta perspectiva, a presente investigação preenche os requisitos de um estudo de caso, que é uma investigação empírica baseada no método indutivo.Para Lakatos e Marconi (1992), usando o método indutivo, parte-se de dados particulares, verificados, para se encontrar uma verdade geral. Refira-se que, segundo os autores, com este método passa-se de premissas, que são verda-deiras, a conclusões prováveis, ao contrário do método dedutivo que leva a conclusões verdadeiras.Acresce ainda que a utilização de dados colhidos de fontes externas, peritas nas matérias em causa, fazem com os resultados do estudo deixem de se limitar apenas à organização Exército, para se aplicarem à generalidade das entidades públicas similares, eliminando algum grau de probabilidade inerente ao método indutivo.Para verificar as hipóteses formuladas, foram utilizados como métodos de re-colha de dados, um questionário realizado a auditores da área da administração financeira do Exército e um conjunto de entrevistas obtidas de auditores de entidades privadas e públicas.

6. TrABALHo DE CAmPo - INQuÉrITo

O inquérito abordou as áreas respeitantes aos auditores, à supervisão e controlo da actividade, às normas, à independência, à responsabilidade, confidencialidade e competências dos órgãos.O alvo deste inquérito foi o universo constituído pelos profissionais que traba-lham directamente na auditoria de âmbito financeiro.Dado que nos centros de finanças se realizam as actividades de auditoria na administração financeira, foram questionados os chefes dos centros de finanças, os chefes das secções de auditoria e os auditores dos centros de finanças. O questionário foi construído com base numa escala de Likert com 5 níveis.Tratando-se do estudo directo do universo são utilizados a moda e a média, para além das percentagens de respostas. Como principal critério de análise

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utilizam-se as percentagens de respostas discordantes versus concordantes por-que indicam o sentido da resposta. O questionário em questão abordou as áreas respeitantes aos auditores, à supervisão e controlo da actividade, às normas, à independência, à responsabilidade, confidencialidade e competências dos órgãos.O Quadro 2 mostra o número de indivíduos inquiridos e o número de respostas obtidas.

Quadro 2 – Questionário - universo e respostas obtidas.

Quadro 3 – Análise estatística da questão 1 - objectivos da auditoria.

Responderam 17 dos 20 inquiridos, o que permite concluir que o número de respostas é mais do que satisfatório e serve para extrair conclusões deste estudo.

6.1 ANÁLISE DE rESuLTADoS Do INQuÉrITo

Nesta secção são apresentados e analisados os resultados das respostas ao questionário.O Quadro 3 apresenta o tratamento estatístico das respostas obtidas relativas aos objectivos da auditoria.

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Os resultados expostos no Quadro 3 relativos à questão 1, apontam para as conclusões abaixo.Os objectivos mais importantes da auditoria são a:

• Prevenção da existência de erros, fraudes e irregularidades (com 100% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,7);

• Prestação de apoio técnico à unidade (100% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,5);

• Verificação de que são cumpridas as normas contabilísticas e as normas, os regulamentos e directivas de âmbito financeiro (100% de respostas concor-dantes, moda=4 e média=3,7).

São objectivos da auditoria, mas menos importantes, a:

• Garantia de que as contas das UEO sejam isentas de erros e distorções (71% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,9);

• Detecção de erros, fraudes e irregularidades (59% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,7).

A fiscalização das UEO não é considerada como um dos objectivos da auditoria (35% de respostas concordantes, moda=2 e média=2,5).O Quadro 4 apresenta o tratamento estatístico das respostas às questões 2, 4, 5 e 6, relativas aos auditores.

Quadro 4 – Análise estatística das questões 2, 4, 5 e 6 – sobre os auditores.

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Sobre os próprios auditores, os resultados do inquérito sobre as questões 2, 4, 5 e 6 apontam para as seguintes conclusões:

• Não existem regras suficientes sobre os auditores (41% de respostas concor-dantes, moda=3 e média=2,3).

• As actuais qualificações dos auditores são adequadas, mas é necessário que sejam complementadas com formação na área da auditoria (94% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,7).

• Os auditores devem estar inseridos nas estruturas com responsabilidade de realizar auditorias (100% de respostas concordante, moda=4 e média=3,7) e não exercer estas tarefas em regime de acumulação de funções (94% de respostas discordantes, moda=2 e média=1,7).

O Quadro 5 apresenta a análise das questões 7, 8 e 9, sobre a supervisão e controlo da actividade.

Quadro 5 – Análise estatística das questões 7, 8 e 9 – supervisão e controlo da actividade.

Em matéria de supervisão os resultados do tratamento das respostas às questões 7, 8 e 9 apontam para o seguinte:

• Actualmente existe controlo sobre o trabalho dos auditores, mas o resultado do inquérito (53% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,5) também aponta para a inexistência de consenso nesta matéria. Ou seja, não é claro que, para os inquiridos, existam controlos sobre os auditores.

• É importante a existência de controlos sobre os auditores para a verifica-ção do cumprimento dos princípios éticos (76% de respostas concordantes, moda=3 e média=3) e da legislação, regulamentos e normas em vigor (88% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,1).

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• Os controlos não devem abranger só os auditores (59% de respostas discor-dantes, moda=2 e média=2,4) e também não devem abranger só os órgãos de auditoria (53% de respostas discordantes, moda=2 e média=2,6).

O Quadro 6 apresenta a análise das respostas às questões 10, 11 e 12, relativas a normas de auditoria.

Quadro 6 – Análise estatística das questões 10, 11 e 12 – normas de auditoria.

A análise das questões 10, 11 e 12, sobre as normas de auditoria, apontam para as seguintes conclusões:

• É unânime o reconhecimento da importância da existência de normas de auditoria (94% de respostas fortemente concordantes, moda=4 e média=3,9).

• Já existem normas de auditoria adequadas (65% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,6).

• As normas de auditoria adequadas ao Exército são as existentes para a administração pública em geral adaptadas ao Exército (82% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,4), seguidas das normas internacionais de auditoria adaptadas às especificidades do exército (71% de respostas concor-dantes, moda=4 e média=3,2).

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O Quadro 7 apresenta a análise estatística das respostas às questões 13 e 14, relativas a normas de ética.

Quadro 7 – Análise estatística das respostas às questões 13 e 14 – normas de ética.

Relativamente a questões de ética, os resultados do inquérito são os seguintes:

• O EMFAR e o RDM necessitam de ser complementados com disposições que permitam ao auditor emitir opiniões livres, desinteressadas e independentes (53% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,7), mas os resultados não revelam um largo consenso.

• O EMFAR e o RDM necessitam de ser complementados com disposições que obriguem a cumprir as normas aplicáveis (65% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,9) e a dominar o conhecimento das matérias inerentes à legislação financeira aplicável aos serviços, programas, projectos e à re-gulamentação sobre auditorias (76% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,3).

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O Quadro 8 apresenta a análise das respostas obtidas nas questões 15, 16, 17 e 18, relativas à independência.

Quadro 8 – Análise estatística das questões 15, 16, 17 e 18 – independência.

No que se refere à independência dos auditores e dos órgãos de auditoria, os resultados são os que se apresentam a seguir:

• Os centros de finanças e os respectivos auditores são independentes, mas esta independência não é muito forte (53% de respostas concordantes, moda=2 e média=2,8).

• O auditor é mais independente se estiver colocado na IGE (76% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,3), depois na Direcção de finanças (76% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,1) e por último nos centros de finanças (47% de respostas concordantes e 47% de respostas discordantes, moda=2 e média=2,6).

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De acordo com as respostas dos inquiridos, a independência será melhorada:

• Se o auditor não puder estar ligado à contabilidade e serviços relacionados na entidade sujeita a auditoria (94% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,7).

• Se o auditor não estiver ligado a processos de decisão da entidade auditada (94% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,7).

• Se o auditor não realizar auditorias em entidades onde tenha desempenhado funções nos últimos três anos (100% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,8).

• Se existir rotação nas funções de auditor (71% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,9).

O Quadro 9 apresenta a análise das respostas das respostas às questões 19 e 10, na área da responsabilidade.

Quadro 9 – Análise estatística das questões 19 e 20 – responsabilidade.

Nos aspectos relacionados com a responsabilidade imputável aos auditores é de salientar:

• Uma divisão de opiniões quanto a ser necessário haver responsabilidade disciplinar para os incumprimentos por parte do auditor (47% de respostas concordantes e 47% de respostas discordantes, moda=2 e média=2,6), mas os dados inclinam-se mais para tal não ser necessário.

• O Regulamento de Disciplina Militar é suficiente para efeitos de responsabi-lidade disciplinar por incumprimentos por parte do auditor sem a necessidade de introduzir normas específicas para o efeito no âmbito do normativo de auditoria (76% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,9).

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O Quadro 10 analisa estatisticamente a resposta à questão 21 sobre confiden-cialidade.

Quadro 10 – Análise estatística - confidencialidade.

Em termos de confidencialidade, as respostas apontam para a suficiência das normas existentes no Exército para garantir a confidencialidade e o sigilo re-lativamente às matérias que o auditor conhece no âmbito das auditorias, o que confirma os pressupostos estabelecidos (88% respostas concordantes, moda=3 e média=2,9).

O Quadro 11 apresenta a análise das respostas obtidas nas questões 22 a 25, sobre controlo de qualidade.

Quadro 11 – Análise estatística das respostas 22 a 25 - controlo de qualidade interno

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O controlo interno de qualidade foi outra das áreas submetidas a inquérito tendo-se verificado, pela análise das respostas, o seguinte:

• Actualmente as auditorias não são objecto de controlo de qualidade interno (59% de respostas discordantes, moda=2 e média=2,25).

• O controlo de qualidade interno é necessário (94% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,5).

• Devem existir políticas e procedimentos que garantam que o trabalho de auditoria é executado em conformidade com as normas e as leis e regula-mentos (100% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,5).

• Essas políticas e procedimentos actualmente não existem (47% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,4).

O Quadro 12 apresenta a análise das respostas às questões 28 e 29, sobre competências.

Quadro 12 – Análise estatística das questões 28 e 29 – competências.

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Sobre as competências dos órgãos de auditoria:

• Actualmente os centros de finanças realizam auditorias financeiras (94% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,5), auditorias de sistemas (88% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,4) e não realizam auditoria do desempenho (18% de respostas concordantes, moda=2 e média=2,1).

• As auditorias financeiras devem ser preferencialmente realizadas pela Di-recção de finanças (94% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,4), depois pelos centros de finanças (82% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,3) e, por último, pela IGE (59% de respostas concordantes, moda=4 e média=2,8).

• As auditorias de sistemas devem ser realizadas pela IGE (82% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,3), pela Direcção de finanças (82% de respostas concordantes, moda=3 e média=3,1) e, por último, pelos centros de finanças (76% de respostas concordantes, moda=4 e média=3,3).

• As auditorias do desempenho devem ser realizadas pela IGE (88% de res-postas concordantes, moda=4 e média=3,5), pela Direcção de finanças (71% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,9), pelos centros de finanças (71% de respostas concordantes, moda=3 e média=2,8) e, por último, pelas inspecções do OCAD (59% de respostas concordantes, moda=4 e média=2,8).

7. TrABALHo DE CAmPo - ENTrEVISTAS

Com o objectivo de obter dados de entidades exteriores ao Exército, foram realizadas entrevistas a auditores pertencentes a órgãos de auditoria do Es-tado e de entidades privadas, as quais seguiram um guião pré-definido sem ter prejudicado a liberdade de resposta. O Quadro 13 contém a relação dos entrevistados.

Quadro 13 – Relação de entrevistados.

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7.1 APrESENTAÇÃo E ANÁLISE DoS rESuLTADoS DAS ENTrEVISTAS

Nesta secção analisa-se respostas às entrevistas salientando que na leitura dos quadros das respostas é preciso ter em conta que há respostas com mais do que uma justificação, pelo que a soma das percentagens dos argumentos não terá obrigatoriamente de corresponder a 100%.

Pergunta 3: Considera útil para o auditor externo a existência de auditoria interna? Porquê?

Quadro 14 – Resultados da pergunta 3.

Sobre a utilidade da auditoria interna para o auditor externo, os resultados são os seguintes:

• A auditoria interna é útil para a auditoria externa para 95% dos entrevistados.• Os auditores externos apoiam-se no trabalho de auditoria interna (33% de

respostas).• Os dados da auditoria interna possibilitam a redução dos testes substantivos

(19% de respostas), o trabalho de auditoria interna permite identificar áreas de maior risco (10% de respostas) e os auditores externos consultam os programas de auditoria interna (5% de respostas).

• As duas auditorias complementam-se (5% de respostas) e há interligação entre elas (5% de respostas).

• A auditoria externa contribui para a melhoria do controlo interno.

Pergunta 4: Concorda que no âmbito da auditoria interna no âmbito da ad-ministração financeira se realizem auditorias financeiras, de sistemas e do desempenho? b) Ou existe outra abordagem mais adequada?

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O Quadro 15 contém a comparação das respostas à pergunta 4, cuja análise salienta o seguinte:

• A auditoria (interna) da administração financeira abrange a auditoria finan-ceira, de sistemas e do desempenho (76% de respostas).

• A auditoria interna avalia a eficiência das operações e o cumprimento da legislação (38% dos respondentes), avalia a gestão do risco e o controlo interno (29% dos entrevistados), o sistema contabilístico (19%), a fiabilidade da informação (10%) e emite parecer sobre as contas se não existir ROC (5%).

• 19% dos respondentes não concorda com a abrangência referida porque a auditoria interna deve auditar os processos (19%) e fazer uma abordagem pelo risco (5%).

• 24% dos respondentes afirma não competir à auditoria interna emitir parecer sobre as contas.

Pergunta 5: a) Acharia pertinente, para assegurar a razoabilidade da Conta de Gerência, essa entidade ter um sistema interno de verificação de contas no âmbito da auditoria interna? b) Ou seriam suficientes testes de controlo para assegurar a razoabilidade da conta de gerência?

Quadro  15  – Resultados da pergunta 4.

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Relativamente à necessidade de existir um sistema de verificação de contas no âmbito da auditoria interna:

• É necessário existir procedimentos internos de verificação de contas no âmbito da auditoria (86% dos respondentes), não sendo suficientes testes de controlo (24%).

• Como argumentos para esta opinião, os entrevistados referem a inexistência de parecer de ROC (24%), o valor do orçamento (14%), a dispersão (10%) e a dimensão (5%) da entidade e a existência de factores de risco (5%).

• Como forma de abordar a auditoria 33% faria testes substantivos, 24% daria ênfase ao controlo interno e 14% ao sistema contabilístico.

• Apenas 10% não concorda com esta abordagem, referindo que o parecer deve ser feito por auditor externo (5%), e que a abordagem deve ser ser feita pelo risco (5%) e por processos (5%).

Pergunta 6: Em que patamar da organização deveriam estar os auditores desse sistema?Os entrevistados entendem, com 95% das suas respostas, que a auditoria interna deve estar directamente dependente do dirigente máximo da entidade, no caso do exército, o Chefe do Estado-Maior.

Quadro 16 – Resultados da pergunta 5.

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Pergunta 7: À semelhança do sistema de auditoria para as sociedades comer-ciais, também na auditoria interna no Estado devem existir um conjunto de normas de observância obrigatória, nomeadamente: a) Normas de auditoria? b) Normas de ética e de deontologia que abranjam a integridade, objectividade e competência profissional? c) Normas de relato?

Quadro 17 – Resultados da pergunta 7.

Nesta matéria, 95% dos entrevistados entendem que também para a auditoria interna no Estado devem existir normas de auditoria, de ética e de relato, dos quais, 29% entende que devem ser as normas do IIA e 19% as normas para o sector público.

Pergunta 8: Os princípios constantes das normas da OROC poderiam ser apli-cados nestas auditorias?

Quadro 18 – Resultados da pergunta 8.

Nesta matéria, 95% dos entrevistados entendem que os princípios das Normas Técnicas da OROC podem ser aplicados na auditoria interna no Estado, mas 24% entende que devem ser conjugadas com as normas do IIA e 24% entende que devem ser adaptadas às especificidades do Estado.

Pergunta 9: Das seguintes directrizes da OROC, quais poderiam ser aplicadas?

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Da análise do quadro 19 verifica-se que os entrevistados entendem que apenas a DRA 545, a DRA 580 e a DRA 800 não podem ser aplicadas.

8. DISCuSSÃo DoS rESuLTADoS

No que respeita à relação da auditoria interna com a auditoria externa, refira-se a ligação e a complementaridade entre estes dois tipos de auditorias, onde, de acordo com os entrevistados, se salienta a utilidade da auditoria interna para a auditoria externa (95% dos entrevistados) o apoio que os auditores externos encontram no trabalho de auditoria interna (33% de respostas), cujos dados lhes permite a identificação de áreas de maior risco (10% de respostas) e a redução dos testes substantivos (19% de respostas).

objectivos das auditorias

Os resultados do inquérito relativos à questão 1 sugerem como objectivos da auditoria interna a prevenção da existência de erros, fraudes e irregularidades (com 100% de respostas concordantes); a prestação de apoio técnico à unida-de (100% de respostas concordantes); a verificação de que são cumpridas as normas contabilísticas e as normas, os regulamentos e directivas de âmbito financeiro (100% de respostas concordantes); e a detecção de erros, fraudes e irregularidades (59% de respostas concordantes). Estes resultados são também

Quadro 19 – Análise das respostas sobre aplicação das Directrizes de Revisão/Auditoria da OROC.

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suportados pelos dados das respostas à pergunta 4 das entrevistas, que eviden-ciam uma larga concordância (76%) sobre a inclusão da auditoria de sistemas e da auditoria financeira na auditoria interna, com os conceitos que constam da referida pergunta. Estes fazem incluir na auditoria de sistemas a avaliação do controlo interno que tem uma componente claramente de prevenção de erros, fraudes e irregularidades e uma componente de avaliação de conformidade; e na auditoria financeira a avaliação da legalidade e da regularidade.Os resultados do inquérito relativos à questão 1 sugerem que também são objectivos da auditoria a garantia de que as contas das UEO sejam isentas de erros e distorções (71% de respostas concordantes), o que é confirmado pelos resultados das entrevistas, designadamente, pela pergunta 5, que confirma a necessidade de existirem procedimentos internos de verificação de contas no âmbito da auditoria interna (86% dos respondentes).

Sobre os auditores

Sobre os próprios auditores, os resultados do inquérito sobre as questões 2, 4, 5 e 6 apontam para as seguintes conclusões:

• Não existem regras suficientes sobre os auditores (41% de respostas concor-dantes sobre a sua existência).

• As actuais qualificações dos auditores são adequadas, mas é necessário que sejam complementadas com formação na área da auditoria (94% de respostas).

• Os auditores devem estar inseridos nas estruturas com responsabilidade de realizar auditorias (100% de respostas concordante) e não exercer estas tarefas em regime de acumulação de funções (94% de respostas discordantes).

Supervisão e controlo da actividade

Em matéria de supervisão os resultados do tratamento das respostas às questões 7, 8 e 9 apontam para o seguinte:

• Sobre a existência de controlo sobre o trabalho dos auditores, o resultado do inquérito (53% de respostas concordantes) aponta para a existência de con-trolos, mas também para a inexistência de consenso nesta matéria. Ou seja, não é claro que, para os inquiridos, existam controlos sobre os auditores.

• É importante a existência de controlos sobre os auditores para a verificação do cumprimento dos princípios éticos (76% de respostas concordantes) e da legislação, regulamentos e normas em vigor (88% de respostas concordantes).

• Os controlos não devem abranger só os auditores (59% de respostas discor-dantes) e também não devem abranger só os órgãos de auditoria (53% de

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respostas discordantes) o que leva a concluir que os controlos devem abranger os órgãos de auditoria e os auditores.

Normas de auditoria

Nesta matéria, com base nas questões 10, 11 e 12 do questionário e nas pergun-tas 7, 8 e 9 das entrevistas, verifica-se a necessidade da existência de normas de auditoria (94% de respostas fortemente concordantes do questionário e 95% das respostas do entrevistados).Também se verificou já existirem normas de auditoria adequadas (65% de res-postas concordantes), mas ainda se constatou pelo inquérito que as normas de auditoria adequadas ao Exército são as existentes para a administração pública em geral adaptadas ao Exército (82% de respostas concordantes), seguidas das normas internacionais de auditoria adaptadas às especificidades do Exército (71% de respostas concordantes). Por outro lado, as entrevistas revelaram que 95% dos entrevistados entendem que os princípios das Normas Técnicas da OROC podem ser aplicados na auditoria interna no Estado, enquanto 24% consideram que estas devem ser conjugadas com as normas do IIA e outros 24% consideram que estes devem ser adaptados às especificidades do Estado. Mas, se se tiver em consideração que as normas de auditoria utilizadas pelos auditores do SCI são inspiradas pelas normas e directrizes da OROC e pelas normas do INTOSAI, conclui-se que as normas a utilizar pela auditoria inter-na no Exército devem ser as aplicáveis à administração pública em Portugal adaptadas ás especificidades do Exército.Os resultados da pergunta 9 das entrevistas também apontam neste sentido, confirmando que podem ser aplicadas, com as devidas adaptações, às auditorias internas as Directrizes de Revisão/Auditoria da OROC constantes do quadro 19.

Quadro 20 – Directrizes de Revisão/Auditoria aplicáveis à auditoria interna do Exército.

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Normas de ética

As questões relativas a ética foram tratadas nas questões 13 e 14 do questio-nário e na pergunta 7 das entrevistas. Nesta matéria, 95% dos entrevistados confirmam a necessidade de na auditoria interna no Estado existirem normas de ética, enquanto os resultados do inquérito, também reconhecendo essa ne-cessidade, apontam para:

• A necessidade do EMFAR e do RDM serem complementados com disposições que permitam ao auditor emitir opiniões livres, desinteressadas e independen-tes (53% de respostas concordantes). Mas sem que estes resultados tenham revelado um largo consenso.

• A necessidade do EMFAR e do RDM serem complementados com disposi-ções que obriguem a cumprir as normas aplicáveis (65% de respostas con-cordantes) e a dominar o conhecimento das matérias inerentes à legislação financeira aplicável aos serviços, programas, projectos e à regulamentação sobre auditorias (76% de respostas concordantes).

independência

Esta matéria é estudada nas questões 15, 16, 17 e 18 do inquérito e na pergunta 6 das entrevistas. Estas revelaram que o órgão de auditoria interna deve depen-der directamente do Chefe do Estado-Maior do Exército (95% de respostas), o que foi confirmado pelo questionário que mostrou que:

• Os centros de finanças e os respectivos auditores são independentes, mas esta independência não é muito forte (53% de respostas concordantes).

• O auditor é mais independente se estiver colocado na IGE (76% de respostas concordantes), depois na Direcção de finanças (76% de respostas concordan-tes) e por último nos centros de finanças (47% de respostas concordantes e 47% de respostas discordantes). Ou seja, a independência aumenta à medida que o órgão de auditoria sobe na cadeia hierárquica.

De acordo com as respostas dos inquiridos, a independência será melhorada se:

• Se o auditor não puder estar ligado à contabilidade e serviços relacionados na entidade sujeita a auditoria (94% de respostas concordantes).

• Se o auditor não estiver ligado a processos de decisão da entidade auditada (94% de respostas concordantes).

• Se o auditor não realizar auditorias em entidades onde tenha desempenhado funções nos últimos três anos (100% de respostas concordantes).

• Se existir rotação nas funções de auditor (71% de respostas concordantes).

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Responsabilidade

As questões 19 e 20 abordam a responsabilidade, salientando-se que os resul-tados do inquérito apontam para não haver necessidade de responsabilidade disciplinar para os auditores específica para incumprimentos no âmbito da auditoria, sendo o Regulamento de Disciplina Militar suficiente para o efeito.

Confidencialidade

Em matéria de confidencialidade, o tratamento das respostas à questão 21 aponta para a suficiência das normas existentes no Exército para garantir a confidencialidade e o sigilo relativamente às matérias que o auditor conhece no âmbito das auditorias, o que confirma os pressupostos estabelecidos (88% respostas concordantes).

Controlo de qualidade interno

Pelas respostas obtidas nas questões 22 a 25 sobre controlo de qualidade in-terno, verifica-se que:

• Actualmente as auditorias não são objecto de controlo de qualidade interno (59% de respostas discordante).

• O controlo de qualidade interno é necessário (94% de respostas concordantes).• Devem existir políticas e procedimentos que garantam que o trabalho de au-

ditoria é executado em conformidade com as normas e as leis e regulamentos (100% de respostas concordantes), que actualmente não existem (47% de respostas concordantes sobre a não existência).

Competências

O estudo das competências dos órgãos de auditoria, através das respostas obtidas às questões 28 e 29, revela que:

• Actualmente os centros de finanças realizam auditorias financeiras (94% de respostas concordantes), auditorias de sistemas (88% de respostas concordantes) e não realizam auditoria do desempenho (18% de respostas concordantes).

• As auditorias financeiras devem ser preferencialmente realizadas pela Direcção de finanças (94% de respostas concordantes).

• As auditorias de sistemas devem ser realizadas pela IGE (82% de respostas concordantes), pela Direcção de finanças (82% de respostas concordantes).

• As auditorias do desempenho devem ser realizadas pela IGE (88% de res-postas concordantes).

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Mas, se se atender às questões relacionadas com a salvaguarda da independência abordadas anteriormente, que apontam para que o órgão de auditoria dependa directamente do dirigente máximo, o que não acontece com a Direcção de Finanças, conclui-se que também a auditoria financeira deve ser realizada pela IGE. Ainda se poderia colocar a possibilidade de fazer ascender a Direcção de finanças à dependência directa do CEME, mas, neste caso, teria de se salva-guardar a possibilidade dos actos desta direcção continuarem sujeitos a auditoria.

9. CoNCLuSÕES

Como resultado da investigação na parte relacionada com a resposta à pergunta de partida, conclui-se que a auditoria interna realizada pelo Exército Português no contexto do Sistema de Controlo Interno da Administração financeira do Estado deve possuir as características principais abaixo descritas, em torno das competências dos órgãos e dos tipos de auditoria, das normas de ética, dos auditores, da supervisão e do controlo da actividade, e também das normas de auditoria a utilizar.

Competências e tipos de auditorias

A auditoria interna do Exército no âmbito do SCI deve ser realizada pela IGE, que deve estar directamente dependente do CEME. A auditoria nesta vertente deve abranger a auditoria financeira, a auditoria de sistemas e a auditoria do desempenho, cujos âmbitos são os seguintes:

• Auditoria financeira tem em vista a comprovação da exactidão e da integralidade das demonstrações financeiras e das informações contabilísticas, bem como da legalidade e regularidade, com vista à emissão de um parecer sobre as contas anuais e a situação financeira da entidade e sobre a legalidade e a regularidade.

• A auditoria de sistemas tem por objectivo verificar se existem sistemas de controlo interno adequados e se estes funcionam de forma eficaz.

• A auditoria do desempenho visa o controlo de uma entidade, programa, serviço ou área funcional e incide na forma de utilização dos recursos, abrangendo também a verificação da economia, da eficiência e da eficácia.

Normas de ética

Devem existir normas de ética no âmbito da auditoria interna do Exército que abranjam os auditores e lhes permitam emitir opiniões livres, desinteressadas e independentes e com disposições que o obriguem a conhecer as matérias, as

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normas aplicáveis e com disposições que o obriguem a cumprir as normas apli-cáveis, a dominar o conhecimento das matérias inerentes à legislação financeira aplicável aos serviços, programas, projectos e à regulamentação sobre auditorias.

Sobre os auditores

Devem existir regras claras sobre os auditores. Estes devem exercer inseridos nos órgãos de auditoria, possuir os conhecimentos adequados das entidades e das matérias a auditar e possuir formação complementar sobre princípios, métodos e técnicas de auditoria.Os auditores devem também ser independentes relativamente às entidades e às actividades auditadas. Nesse sentido, os auditores não podem estar ligados à execução de contabilidade e serviços relacionados na entidade sujeita a auditoria; não podem estar envolvidos nos processos internos de decisão da entidade auditada; não podem realizar auditorias em entidades onde tenham desempenhado funções nos 2 a 3 anos anteriores.

Supervisão e controlo da actividade

O trabalho de auditoria deve ser supervisionado, o que abrange a verificação do cumprimento dos princípios éticos e deontológicos, da legislação e dos re-gulamentos e normas em vigor, nomeadamente as de auditoria. Esta supervisão deve ser enformada em normativo apropriado.

Normas de auditoria

As normas de auditoria a usar pelo Exército devem consistir numa adaptação à sua realidade das normas existentes para a administração pública em geral, designadamente o Manual de Auditoria do CCSCI, e dos princípios das Nor-mas Técnicas da OROC e das DRA da OROC constantes do quadro 19 acima.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrAFICAS

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Paulo Caiadas da Quinta 1

Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

The public service is going through profound reforms under the New Public Mana-gement format reinforced with the criteria established by the Treaty of Maastricht. These criteria instituted politically strict measures concerning expenditure restraint, particularly regarding wages. This study focuses o “wage decisive factors in de Portuguese public service – special careers” and its relevance comes from the fact that, although the importance of salaries on the balance of public finance is widely recognized, do far there have been no significant studies on this subject. The main aim of this study is: to characterize the evolution of wages in the above mentioned careers, based on qualification wages obtained since the New wage System (NwS) was implemented by means of analyzing the public policy measures of the decisive factors that are part of those wages. for this purpose, both a qualitative and quantitative approach was used. The qualitative approach was based on documentary analysis techniques, for the creation of a database; the quantitative approach was carried out by statistically analyzing the evolution of 100 indexes and their impact on the career levels studied.

Based on a theoretical framework the questions raised were: does the NwS allow a positive correlation between the human capital stock and the income received by each individual throughout his active live cycle (which is set upon a career based internal hierarchy of functions and not on the work done)? Is the State amenable to sectoral pressure which is not directly related with the laws of the foreign market? Does the power level of demands imposed by the parallel burocracies have correspondence with the wage profile that was created? It was

análisE das dEtErminantEs da rEmunEraÇÃo na funÇÃo PúbliCa PortuGuEsa – CarrEiras EsPECiais

1 Contactos – Email: [email protected] Tel.: +351 214985660Recebido em 10 Novembro 2011 / Aceite em 17 Abril 2012

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proved that the wage profiles with similar human capital of departure developed by the State wage system cannot be taken into account in terms of the concept of an efficient wage system. The underlying reason is the fact that the State was nor capable of implementing its own fundamental principles, such as: the main-tenance of equity between careers and the necessary regulation with the external labor market. The data revealed that the current system has been amenable to sectoral pressure, significantly in terms of the relevance that relations of power and organizational cultural have when it comes to putting qualifications wages together. Currently the public service wage system is being revised It is, therefore, expected that the new adaptation of the system will correct the asymmetries and lack of coherence of the last twenty years, for it is not possible to give credit to a system based on inequities built upon privileged relationships. The main question for the near future is: how will the State credibility its wage system if it does not amend its self created distortions?

Key Words: Public Service, Special Careers, wage Theories, wage decisive factors; Qualification Wage

rESumo

A função pública atravessa profundas reestruturações desencadeadas sob o hospício do «New Public Management», formato reforçado pelos critérios estabelecidos no Tratado de Maastricht, instituindo medidas politicamente austeras de contenção da despesa e em particular com os gastos dos salários dos seus funcionários. O presente estudo tem como problemática central - As Determinantes da Remune-ração na função Pública Portuguesa – Carreiras Especiais. A pertinência do tema consubstancia-se no facto que embora se reconheça a afectação que os salários provocam no equilíbrio das finanças públicas, não existam estudos aprofundados sobre as determinantes da remuneração. Os objectivos que estão na base desta investigação são: caracterizar ao longo do tempo a sua evolução salarial, tendo como referência as remunerações de qualificação auferidas, desde a implementa-ção do Novo Sistema Remuneratório (NSR) até à actualidade, analisando desde modo, as medidas de política pública que estão subjacentes às determinantes que compõem as suas remunerações. Para este desiderato utilizou-se uma abordagem qualitativa com base nas técnicas documentais de análise, para a edificação da base de dados, e uma abordagem quantitativa pela aferição estatística realizada à evolução dos respectivos índices 100 e o impacto que estes desencadearam nas respectivas categorias das carreiras em estudo. Com base no enquadramento teórico delineado, indagou-se se o NSR permitia uma correlação positiva entre o “stock” de capital humano e os rendimentos

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auferidos ao longo do ciclo de vida activa dos indivíduos, assentando este numa hierarquia interna de funções com base na carreira, e não no trabalho desempe-nhado, testando-se ainda se o Estado se apresenta permeável a pressões sectoriais, desligadas das leis do mercado de trabalho externo, e se o nível de poder reivin-dicativo imposto pelas respectivas «burocracias paralelas» tem correspondência relativamente aos perfis remuneratórios desencadeados. Constatou-se que os perfis salariais desenvolvidos pelo sistema remuneratório do Estado, em cenários homo-géneos de capital humano de partida, não se percepcionam mediante o conceito de sistema remuneratório eficaz. O desvirtuamento do actual modelo passa desde logo pelo Estado não ter conseguido implementar os princípios enformadores no qual se edificou, destacando-se: a manutenção da equidade entre carreiras e o ajustamento ao mercado de trabalho externo. Os dados revelam que o actual sistema tem sido permeável a pressões sectoriais, nas quais prevalecem relações de poder e de cultura organizacional como determinantes fulcrais no edificar da sua remuneração de qualificação. A questão que se coloca no futuro imediato é como o Estado vai credibilizar o seu sistema remuneratório? Se não corrigir primeiro as distorções que ele próprio criou ao longo do tempo.

Palavras-chave: função Pública, Carreiras Especiais, Determinantes da Remu-neração, Remuneração de Qualificação.

1. INTroDuÇÃo

A sustentabilidade das contas públicas consubstancia-se como um dos maiores desafios que se colocam a Portugal nos próximos anos, isto porque: concomi-tantemente à persistente derrapagem orçamental, para a qual tem contribuído a escalada dos preços dos combustíveis fósseis, concorrem para este desiderato em termos demográficos o envelhecimento da população, que se constituirá cada vez mais como um factor de pressão relativamente ao número de pensões e solici-tações no sistema de saúde, afectando directamente a disponibilidade financeira do Estado para fazer face às restantes atribuições e das quais se destaca os salários dos seus funcionários. As conjecturas macroeconómicas desfavoráveis e a obrigação do cumprimento das regras orçamentais impostas pela União Europeia, provocaram recentemente a alteração da idade da reforma, bem como do sistema de cálculo das pensões sociais, vindo ainda a sustentar a imperiosa necessidade de racionalizar os gastos com os salários e a inverter a tendência quer do nível da empregabilidade, quer dos regimes de emprego, provocando uma reestruturação das carreiras na função pública, com a implementação da Tabela única (TU). Contudo, estas medidas não evitaram o acicatar dos mer-cados financeiros e a consequente escalada das taxas de juro sobre a dívida

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soberana, impondo a necessidade do governo pedir auxílio externo, fomentando assim a entrada da apelidada Troika 2. As medidas de austeridade impostas ao nível dos salários foram pela primeira vez muito para além do simples conge-lamento, cifrando-se as mesmas em reais retrocessos remuneratórios. No actual contexto de crise, é importante analisar a evolução remuneratória na função Pública (fP) desde a implementação do Novo Sistema Remuneratório (NSR) até à actualidade, em particular nos antigos Corpos Especiais (agora Carreiras Especiais), percebendo quais as principais determinantes que têm contribuído para a edificação das suas remunerações.

2. CoNTEXTuALIZAÇÃo Do ProBLEmA

De acordo com dados da Comissão Europeia (CE), o peso da despesa pública portuguesa com pessoal passou entre 1977 e 2002, de 9% para 14,7% do PIB 3. A subida de 5,7 pontos percentuais ocorreu principalmente entre 1988 e 1992, em consequência da implementação do novo sistema remuneratório (NSR), e entre 1998 e 2002, devido ao aumento dos recursos humanos que entraram para os quadros do Estado. Perante este cenário, Portugal passou a ser o país da Zona Euro com um dos maiores pesos na despesa com pessoal (em % do PIB). Segundo os dados da Base de Dados da Administração Pública (BDAP), a evolução dos efectivos da Administração Central, Regional e Autárquica em 2008 (contabilizando os funcionários independentemente da sua relação jurídica de emprego) eram os que se apresentam na Tabela 1. Os dados estatísticos disponíveis revelam de uma forma diacrónica uma diminuição do peso do emprego na Administração Pública no total da economia nacional, entre os anos de 1995 e 2008, em 1,65 pp.

2 formada: pela Comissão Europeia (CE), o Banco Central Europeu (BCE) e o fundo Monetário Interna-cional (fMI).

3 fonte, http://ec.europa.eu/geninfo/query/resultaction.jsp?page=1 (consultado em 23MAR10).

Tabela 1: Peso da Administração Pública no Emprego Total.

1995 2000 2004 2005 2008 (Out)

Emprego Público 638.000 749.000 755.000 745.400 696.394

Total do Emprego 4.225.000 5.021.000 5.123.000 5.122.600 5.176.300

Em % do emprego TOTAL 15,1% 14,9% 14,7% 14,6% 13,45%Fonte: Adaptado CRSCR com Base Census 2001: Inquérito ao emprego do INE; Subscritores da Caixa Geral de Aposentações e da BDAP

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Por outro lado, o emprego público representava 14,2% da população activa em finais de 1999, se tivermos em linha de conta que em 2009 este se cifrava em 12% 4, verificou-se uma diminuição do seu peso em 2,2 pp . Outro factor, con-vergente para esta problemática é o peso dos salários relativamente às receitas dos impostos cobrados pelo Estado. Mais uma vez, à luz do enquadramento europeu, os dados colocam Portugal acima dos nossos parceiros mais directos, já que, em 1995, a média se cifrava em 47,6%, e Portugal apresentava 60,6% (Tabela 2). Uma década depois, a média europeia consolidou-se nos 39,9%, enquanto Portugal subia para os 60,7%, aumentando-se a disparidade de 13 pp, em 1995, para 20,8 pp, em 2005.

Tabela 2: Despesas com o pessoal em percentagem das receitas dos impostos.

Ano finlândia Holanda áustria Irlanda Espanha Portugal

1995 49,0% 46,7% 49% 37,5% 55,6% 60,6% 2000 37,6% 41,2% 39,6% 30,3% 47,7% 60,9% 2005 43,4% 40,6% 33,9% 38,7% 42,9% 60,7%

Fonte: Comissão de Revisão do Sistema de Carreiras e Remunerações (CRSCR) com base no Eurostat.

Para esta realidade evolutiva, não se pode alhear também a própria evolução do emprego na Administração Pública (AP), particularmente nas áreas da educação e saúde (década de 90), com o consequente acréscimo do peso dos salários, sob a agravante de estes se cifrarem em taxas superiores às do sector privado da economia (Centeno e Portugal, 2001). O esforço de consolidação orçamental passou a ser uma prioridade presente na agenda política. As repercussões das medidas adoptadas tiveram como resultado uma travagem efectiva do peso das despesas com pessoal da administração pública no PIB. Todavia, apesar da perda do poder de compra dos funcionários públicos, Portugal tem evidenciado uma economia debilitada, acabando por não conseguir realizar uma correcção significativa do peso da despesa pública com pessoal em relação ao PIB, que contínua de forma clara a ser a uma das maiores da Zona Euro. Nesta conjec-tura, a almejada solidariedade europeia edificada pelo «modelo social europeu», o qual, sinteticamente se pode configurar no modo de vida e na organização social como hoje a concebemos, ou seja, nos termos do «contrato social» que une o Estado aos cidadãos e estes entre si, terá a sua sustentabilidade com-prometida. A pertinência do tema consubstancia-se assim, no facto de, embora se reconheça a afectação que os salários dos funcionários públicos provocam no equilíbrio das finanças públicas, não existam estudos aprofundados sobre

4 fonte: INE – Estatísticas do Emprego e Observatório do Emprego Público (2008 e 2009), e Pordata (consultados em Março 2010)

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as determinantes da remuneração, constituindo-se o trabalho desenvolvido por Mário Centeno e Pedro Portugal, como os próprios aludem, numa primeira aproximação 5 (2001). Estes dados sectoriais, aguçaram a curiosidade de Mário Centeno e Manuel Coutinho Pereira (2005), sobre o panorama determinístico das remunerações praticadas na FP, desencadeando nova investigação sob o título – Caracterização e Determinantes das Remunerações na Administração Pública em Portugal 6. Contudo, esta investigação apenas se concentrou na variável chave – remuneração “actual” de cada trabalhador, medida pela remuneração hora trabalhada, obtida através da informação da remuneração mensal e o tempo de trabalho semanal. Esta perspectiva apenas nos pode dar um panorama geral do contexto actual, não contemplando o seu plano evolutivo, determinante para uma compreensão mais abrangente e esclarecedora da problemática em ques-tão. Por outro lado, a grande heterogeneidade em presença entre carreiras de regimes diferenciados (ou seja, entre as carreiras gerais, especiais e dos corpos especiais), remete indubitavelmente para que sejam as habilitações académicas a determinante fulcral, para as diferenciações remuneratórias desencadeadas.

3. QuESTÕES DE PArTIDA

A questão fundamental coloca-se em perceber em cenários homogéneos, ou seja, em carreiras em que o nível de qualificação de partida é semelhante, quais são as determinantes remuneratórias que se evidenciam ao longo do tempo? Neste senti-

5 Comparação entre o sector público e privado, concluindo que: os salários dos funcionários públicos portugueses apresentam-se significativamente superiores aos praticados no sector privado com iguais qualificações. Embora sendo comum na generalidade dos países da União Europeia (EU), a existência de um prémio salarial associado ao exercício da fP, Portugal, apresenta o mais elevado diferencial. Se-gundo os autores, o Estado implementa salários mais elevados, pela natureza das tarefas desenvolvidas, requererem qualificações mais exigentes ou condições de trabalho mais penosas ou arriscadas; também pela necessidade de contornar a rotatividade em certas funções, garantindo com uma política de salários de eficiência; uma baixa taxa de saídas voluntárias, de forma a manter uma força de trabalho moralizada e diligente; finalmente destaca-se o facto de o Estado reconhecer a dificuldade em avaliar o desempenho de todos os seus trabalhadores, assumindo como vantajoso a prática de salários superiores ao mercado, como forma de atrair as candidaturas dos mais competentes, reforçando em teoria a sua produtividade.

6 Principais conclusões: a estrutura salarial da AP manifesta uma forte segmentação salarial em compa-ração com o sector privado; as habilitações literárias constituem-se como a determinante fulcral para a composição dos salários em termos gerais, embora esta seja drasticamente reduzida quando comparada dentro das categorias profissionais; sobressai ainda o facto, de na AP se atingir bastante cedo um patamar salarial elevado relativamente ao nível expectável no fim da carreira, existindo desta forma uma relação não linear entre a remuneração e a antiguidade, ou seja, com o aumento do salário ao longo da carreira, mas a uma taxa decrescente; verificaram também a manutenção da importância das habilitações literárias na determinação do salário ao longo da vida profissional, ligada à permanência numa dada categoria profissional; a redução acentuada da dispersão salarial com o aumento da antiguidade; e por último, as mulheres apresentarem um retorno inferior ao dos homens.

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do, salvaguardando-se a inerência de funções relativas à apreciação ou imposição da legalidade por carreiras adstritas aos Corpos Especiais (sem comparação com o sector empresarial), as restantes pelos dados obtidos revelaram a não existência de uma equidade externa entre o sector público e privado (Centeno e Pereira, 2005). Sociologicamente questiona-se como o Estado tem vindo a conceber as suas políticas salariais? Já que, em termos estatísticos somos referenciados como os detentores dos salários médios mais baixos da Europa, conseguindo ao mesmo tempo na AP (em termos relativos) acompanhar em certas categorias profissionais os salários mais altos da EU 7. Quando o termo de contrato (público ou privado) cada vez mais se questiona em termos europeus para a maioria das carreiras da fP, evidenciando-se como uma das preocupações - a definição clara das áreas de vínculo público, indiciando deste modo, a assumpção da sua necessária manutenção para algumas dessas carreiras. Neste contexto, a questão que emerge é: como tem sido, ou vai ser assegurada a equidade interna entre as Carreiras dos “antigos” Corpos Especiais? Perante este enquadramento, as «Carreiras Especiais» constituem-se como um problema social. Do ponto de vista sociológico, será importante perceber como se caracterizam e se estruturam as trajectórias socioprofissionais das carreiras em causa, bem como, aferir-se o retorno salarial que ao longo do tempo, tem sido associado ao capital humano possuído pelo trabalhador. Com o desenvolvimento deste estudo, espera-se preencher um pouco mais o vazio existente nesta área de investigação e na qual a percepção das realidades em presença é essencial para produzir informação fundamentada e extensiva a outras carreiras de vínculo público, permitindo realizar comparações, que possam contribuir para um debate mais profícuo e avalizado sobre a temática em questão.

4. mEToDoLoGIA DE INVESTIGAÇÃo

Num primeiro momento, procedeu-se à consulta e análise de informação bibliográfi-ca, que possibilitou a necessária tomada de consciência sobre a temática a abordar, constituindo-se na pedra basilar para a enunciação do problema sociológico no qual se enforma o objecto de estudo; num segundo momento recolheu-se e tratou-se informação documental de cariz jurídico; histórico; sociológico e económico, para

7 Comparação dos salários realizada pelo Eurostat, entre os países da EU, indicadores estruturais presentes no Plano Nacional de Emprego (PNE) 2003. Já em 2002, de acordo com os padrões analíticos consagrados o salário médio horário do pessoal operário na indústria transformadora, constitui-se como indicador padrão. O salário médio em Portugal é baixo: 5 dólares face a 19 dólares em média na EU a 15. Outro indicador é-nos revelado pela Comissão Europeia para a eficácia da Justiça (CEPEJ) sobre os sistemas judiciários europeus em 2002, comparando os vencimentos dos juízes e procuradores com os salários médios brutos em cada país, colocavam os juízes portugueses nos melhores remunerados (em termos relativos). De acordo com os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) , já na década de 90, excluindo os países anglo-saxónicos com os Estados Unidos da América (EUA) à cabeça e o Japão, Portugal apresentava as maiores desigualdades salariais (Albuquerque, 1999; Cardoso, 2000).

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caracterizar a problemática e definir o objecto de pesquisa, nas quais se incluem estatísticas, relatórios e a legislação aplicável, nas quais se enformaram as políticas salariais até agora implementadas pelo Estado português. A consulta sistemática da legislação possibilitou-nos a edificação de uma base de dados que reconstruiu as remunerações de qualificação das carreiras especiais. Tendo em conta os objectivos da investigação e as fontes de informação a utilizar, optamos por uma abordagem qualitativa recorrendo às técnicas documentais de análise, por se constituírem num modo de investigação que permite uma descrição objectiva, sistemática e quanti-tativa do conteúdo manifesto da informação, combinando as exigências do rigor metodológico com as exigências de profundidade e interpretação da análise (Al-meida, 1995; Albarello, 1997; Bardin, 2002; Berelson, 1952; Silva e Pinto, 1986). Para o processamento da informação, socorremo-nos da análise estatística para aferição dos dados e da análise de conteúdo nos documentos de suporte por permitir fazer inferências válidas e replicáveis dos dados recolhidos, para o universo do seu contexto (krippendorf, 1980). De referir que a análise de conteúdo constitui-se como uma «desocultação» de significados, possibilitando ainda segundo Bardin (2002) duas funções que podem ou não dissociar-se: uma função heurística, pelo enriquecimento exploratório que proporciona e uma função de administração de prova, pelas hipóteses formuladas. Conceptualmente seguimos a abordagem de Chiavenato (1994); Peretti (1997); Câ-mara (2000); Rito (2006), ao referirem que os sistemas remuneratórios para serem eficazes devem ser percepcionados essencialmente como justos e objectivos mediante a percepção realista que trabalho igual não é sinónimo de tarefas idênticas, mas sim, de trabalho de igual qualidade ou importância, num contexto de relevância para os resultados da organização. Isto remete-nos indubitavelmente, para o nível de «impor-tância funcional» que o Estado reconhece às funções desempenhadas, não de forma individualizada mas de forma colectiva (qualificação do trabalho versus qualificação do emprego). Neste sentido ter um sistema de recompensas equitativo, consiste em saber gerir funções com a mesma complexidade e nível de responsabilidade, articulando-os em consonância com os respectivos parâmetros de nível salarial; critérios de avaliação de desempenho, estendendo-se até aos factores em que se consubstancia a atribuição de promoções, reconhecimento e visibilidade. O que pressupõe que os salários devem ser justos e equitativos aos demais cargos dentro da organização, visando desde modo o seu equilíbrio interno e externo, permitindo desta forma remunerar-se de acordo com o valor do cargo ocupado; do empenho e dedicação reconhecidos; atraindo e retendo desta forma os melhores candidatos para os cargos. Seguiu-se também o enquadramento proposto por Peretti (1997), dado que ape-nas nos vamos cingir ao estudo da remuneração directa, que representa a parte remunerativa principal da remuneração compósita, e a única que é comum a todas as categorias em presença, já que as restantes fracções são compostas por suplementos específicos a cada sector profissional. Neste sentido, vamos analisar

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a remuneração base/qualificação auferida (primeiro escalão de cada categoria), seguindo uma perspectiva que trace os perfis salariais ao longo do tempo. O período de observação centra-se desde a implementação do NSR (1990) com a aplicação do sistema de índices salariais, até à conversão do anterior sistema para a apelidada «Tabela única (TU)» 8 de remunerações do Estado (2010). A escolha das «Carreiras Especiais» deve-se por um lado a estas serem detentoras de complexidade funcional de grau 3, exigindo a titularidade de Licenciatura ou de grau académico superior a este (art 44º da Lei 12-A/2008), pelo que se consubstanciam de forma homogénea ao nível do capital humano de partida. Por outro lado, estas constituem-se nos vectores fundamentais de sustentação do Estado, em que no modelo de Estado Liberal, é o garante dos serviços es-senciais directamente ligados ao exercício de poder e associados ao conceito de soberania, nos quais se incluem os Magistrados; Militares; Guarda Nacional Republicana (GNR); Polícia de Segurança Pública (PSP); Diplomatas; Serviços de Informações e Segurança; entres outros. De referir ainda, os dois vectores que se associam ao modelo de Estado Moderno corporizados pelos sectores da Educação e da Saúde, instituídos pelo modelo do “welfare Stat” (Estado-providência) em que se destacam as carreiras Médicas e de Enfermagem, e as de Docência, incluindo-se neste desígnio os Educadores de Infância; Professores do Ensino Básico, Secundário, e o Ensino Politécnico e Universitário. Ao nível técnico, a escolha destas carreiras baseou-se num critério de bipolariza-ção no qual o sector público desenvolve serviços em regime de monopólio, que pela sua natureza não estão sujeitos à «pressão disciplinadora da concorrência», inviabilizando qualquer tipo de comparação de desempenho (Portugal e Centeno, 2001). Perante este enquadramento, situam-se as carreiras da Magistratura; Mili-tar; GNR; PSP; Serviços de Informações e Segurança; SEF, etc., como vectores de monopólio. Por contra-ponto, as carreiras da Docência; Médica e Enfermagem que embora neste estudo adstritas à carreira pública em regime de exclusividade, indirectamente podem sofrer interferências, dado terem como referência paralela o mercado privado. Ainda ao nível técnico, pela carreira militar aglutinar den-tro desta uma panóplia diversificada de competências técnicas «semelhantes ou mesmo iguais», a desempenhos de outras carreiras profissionais 9. Subsistindo ainda no tempo, serem carreiras tradicionalmente «comparáveis 10» pelo regime

8 A TU remuneratória contém a totalidade dos níveis remuneratórios utilizados na fixação da remuneração base dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo de relações jurídicas de emprego público.

9 Existência de: Juízes; Médicos e Enfermeiros Militares, e quadros que desempenham actividades de Docência, para além dos pilotos quer da força Aérea, quer do Exército e da Marinha (helicóptero). Destacam-se ainda Oficiais do QP formados nas áreas tecnológicas – Engenharia Civil; Aeronáutica; Geográfica; Telecomunicações; Informática e em áreas das Ciências Humanas – Psicologia e Sociologia.

10 Pese embora a Magistratura tenha desencadeado tratamento diferenciado na prática desde 1989, pela equiparação conseguida como órgão de soberania.

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de indexação de que são ambas originárias, e por inerência pelo nível salarial que as respectivas categorias profissionais ostentavam aquando da Transição do Estado Liberal para o “welfare Stat”. Sendo interessante corroborar ou não, com a aplicação do princípio da neutralidade na dicotomia clássica entre política e administração, instituída pela mudança do modelo de Estado Liberal para o de Estado Social, com a existência de intervenção directa ou indirecta, na definição e na prossecução das políticas salariais. Acentuando-se assim, novas fontes de poder e autoridade externas ao próprio Estado, como as reconhecidas por Mintzberg com a alusão às burocracias profissionais (1984). A questão fundamental que se coloca relativamente às categorias profissionais adstritas às Carreiras Especiais, é como explicar a evolução da formação das suas remunerações de qualificação ao longo do tempo? Para responder a esta questão, foram elencados alguns pressupostos de partida, dos quais apenas aqui se destacam: ter-se assumido a implementação do NSR, sem questionar a forma e os critérios em que este foi edificado perante o anterior sistema de Letras e indexação; para além de que a instituição Estado deve ser estudada como um sistema contínuo, contemplando o seu passado, e o seu presente; foi seguido também, o contributo de Michel Aglietta e a análise de Bénédict Reynaud (1994), em que o rendimento salarial é considerado como um nível de análise pertinente para contribuir nas explicações das dinâmicas de longo prazo; pressupondo-se ainda, que trabalho igual não é sinónimo de tarefas idên-ticas, mas sim, de trabalho de igual qualidade ou importância, num contexto de relevância para os resultados da organização (Estado). Com base nestas premissas de partida, formularam-se as seguintes hipóteses de trabalho a testar. H1: Se a determinante fulcral na edificação dos salários da FP são as habilitações literárias

11 (capital Humano), indaga-se se o sistema remuneratório vigente permite uma concertação e harmonia retributivas entre as categorias profissionais em estudo; emergindo como premissa basilar, a correlação positiva entre o “stock” de capital humano e os rendimentos auferidos ao longo do ciclo de vida activa dos indivíduos. H2: Seguindo as perspectivas de B. Bluestone, B Harrison e T. Vietorisz, em que os níveis remuneratórios, estão ligados principalmente ao sector de actividade em que se desenvolvem, ou seja, mais dependentes das características organizacionais que lhes definem o poder no MIT (Estado), do que propriamente à qualificação e “habilidades” dos seus trabalhadores, neste contexto testa-se: se a FP apresenta uma evolução da qualificação do trabalho para uma qualificação do emprego, edi-ficada por uma estrutura internamente segmentada que decorre de uma hierarquia interna de funções com base na carreira, e não no trabalho desempenhado. H3: Seguindo a premissa defendida por Bénedict Reynaud, bem como, as teorias de Dunlop e Hicks sobre a maximização dos salários pelos sindicatos, e sobretudo as

11 Segundo o estudo de Mário Centeno e Manuel Coutinho Pereira, do Banco de Portugal (2005).

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conclusões dos estudos de Michel Aglietta sobre a permeabilidade do Estado a estas forças, testa-se: se a política desenvolvida pelo Estado Português ao se edificar em factores institucionais regulados por negociações colectivas, temperadas pelas respectivas «burocracias paralelas» se apresenta permeável a pressões sectoriais, desligadas das leis do mercado de trabalho externo. E finalmente H4: Segundo a teoria da decisão do poder social de Mitcheell e Larson testa-se: se o nível de poder reivindicativo desencadeado pelas respectivas carreiras com a mobilização de acções de força (greves) tem correspondência relativamente aos perfis remu-neratórios desencadeados ao longo do tempo. Como limitações ao estudo, releva-se a não existência de uma base de dados que congregue as várias carreiras que constituem o emprego público. Devido ao facto apenas nos poderemos reter na edificação da carreira e não nos res-pectivos indivíduos que a compõem. Por outro lado, para uma percepção da remuneração total/compósita seria essencial analisaram-se nas várias categorias profissionais os suplementos 12 de carácter geral e permanente que foram sendo atribuídos pela especificidade do serviço desempenhado ao longo do tempo.

5. APrESENTAÇÃo E CArACTErIZAÇÃo DE rESuLTADoS

Para percebermos a evolução temporal das carreiras e respectivas categorias temos de nos socorrer do desenvolvimento dos seus perfis salariais ao longo do período estudado (1990-2010), concentrando-nos essencialmente na variável carreira.

5.1 Caracterização e Análise das variáveis de Partida

A variável explicativa género, neste cenário homogéneo de partida não se apresenta como discriminatória nas carreiras estudadas, dado estar assegurada por via legis-lativa a igualdade de oportunidades de progressão nas respectivas carreiras, através de critérios uniformes nas regras de promoção, anulando possíveis discricionidades remuneratórias. Por outro lado, a variável – vínculo, embora se tenha estabelecido maioritariamente pelo enquadramento da «nomeação ou do contrato administrativo de

12 Suplementos para os quais emerge a dificuldade no acompanhamento das respectivas evoluções particulares ao longo do tempo. Contudo, e vertendo essa preocupação apenas para a actualidade (2010), percebeu-se que na generalidade das carreiras estudadas, estas ostentam subsídios específicos que se cifram em média em 20% das respectivas remunerações base (existem, no entanto algumas carreiras que não contemplam qualquer subsidio de natureza permanente). Perante este enquadramento quase geral relativamente aos suplementos, remete-nos para uma perspectiva em que as percentagens diferenciadoras ao nível das remunerações base, não estarão muito desfasadas da realidade das respectivas remunerações compósitas, sendo mesmo que nalguns casos, as respectivas diferenciações ainda se agravam mais.

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provimento», à partida não se afigura como discriminativa, no entanto não podemos retirar ilações conclusivas, por não termos dados relativos ao enquadramento mais “recente” mediante os contratos individuais de trabalho principalmente ao nível do sector da educação e saúde, embora sejam extensíveis a todas as carreiras da fP não directamente ligadas ao conceito de soberania. Sem uma base de dados nominal, não poderemos saber estatisticamente a sua importância, e se essa descriminação é real. Em estudos anteriores vislumbra-se também o próprio âmbito da administração a que o trabalhador pertence e a respectiva categoria profissional, como determinantes explicativas para a diferenciação salarial. Todavia, para se atingir determinado nível de categoria dentro da carreira, esta é indissociável da variável antiguidade/idade que lhe proporciona a detenção de determinado nível de capital específico na carreira. No caso em apreço, para além de todas as carreiras estarem adstritas à administra-ção central (âmbito), e pertencerem todas às carreiras especiais, o poder explicativo destas variáveis não pode ser interpretado independentemente do impacto das carac-terísticas individuais (educação). Este aspecto torna-se evidente quando relacionado com as habilitações literárias e a categoria profissional, dado que o acesso a estas pressupõe a detenção de um determinado grau académico, diluindo-se desta forma a sua discricionidade, pelo facto de as carreiras profissionais em presença, exigirem graus académicos semelhantes de partida. Por outro lado, alude-se ainda ao facto que a detenção de outros graus académicos dentro das respectivas carreiras, não influenciar directamente a sua evolução, excepto no caso das carreiras de Docência, principalmente ao nível Universitário (condição primordial para ascensão de cate-goria). Em termos teóricos, o facto de estarmos perante um cenário homogéneo de habilitações literárias e a experiência ser desencadeada ao longo da própria duração da carreira, naquilo que é entendido como o - capital humano específico, remete-nos para a antiguidade como variável discriminativa óbvia em todas as carreiras. Perante este enquadramento existe uma correlação directa em todas as carreiras, entre níveis superiores de antiguidade e níveis mais elevados de remunerações. Como a progres-são na carreira é um dos aspectos caracterizadores da AP como «Mercado Interno de Trabalho (MIT)», seria importante perspectivar a tendência do comportamento da variável antiguidade como forma de progressão nas carreiras em estudo, e por conse-quência como determinante remuneratória. Todavia, só temos informação relativa aos tempos mínimos previstos estatutariamente para progressão nas respectivas carreiras, não tendo qualquer referência ao tempo médio e máximo da sua efectivação, o que relativiza sempre os resultados.

5.2 Caracterização e Análise da variável Carreira

A constituição da base de dados que congregou as remunerações para todas as categorias das carreiras em estudo, possibilitou-nos responder às questões ante-

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riormente levantadas. Partindo da identificação dos respectivos aumentos anuais para a função Pública ao longo do tempo e a sua afectação aos respectivos índices 100 das carreiras em estudo, este procedimento permitiu posteriormente calcular para todas as categorias (funções) a respectiva remuneração de quali-ficação, com base na legislação em vigor até 2010.

5.2.1 Análise das Valorizações Globais dos Índices 100 Entre 1990 e 2010

A aferição evolutiva desencadeada é também importante para perceber se a “hierar-quização” relativamente às remunerações de partida, ou seja, com base na apelidada complexidade funcional (que o Estado “regulou” em 1989), se manteve no tempo como fazia alusão o Decreto-Lei n.º 353-A/89, que regulamentou a implementação do Decreto-Lei 184. Dado que, o sistema de índices reportava a mesma afectação percentual relativamente aos aumentos que viessem a vigorar posteriormente para a fP, circunscrevendo-se nuclearmente à reforma do sistema retributivo no sentido de lhe devolver coerência e de o dotar de equidade, quer no plano interno, quer no âmbito do mercado de emprego em geral como aludia a legislação enformadora. No entanto, a leitura dos dados relativa à evolução dos índices remuneratórios, demonstra logo à partida dissemelhantes valorizações indiciárias, comprometendo o sistema previsto pelo Decreto-Lei enformador aquando da sua implementação (a extensão dos dados levou-nos a aglutiná-los em quinquénios (Tabela 3). É notória para algumas carreiras a valorização diferenciada que o respectivo índice 100 sofreu ao longo do tempo, destacando-se claramente: a carreira dos Dirigentes (175%); dos Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados (175%); dos Dirigentes da Polícia Judiciária (175%); da Magistratura (152%) e das carreiras da docência (132,7%), na qual se incluem os Docentes Universitários, Investigação Científica e Docentes do Politécnico. Os aumentos indiciários das restantes carreiras enquadram-se entre os 88,6% referentes à Inspecção-Geral de finanças, e os 95% dos técnicos Superiores de Saúde. Em termos gerais, percepciona-se que todas as valorizações diferenciadas foram registadas entre os anos de 1990 e 2000, ou seja, durante a primeira década de vigência do NSR, a partir de 2001, percepciona-se uma evolução equitativa entre as carreiras. A leitura dos dados em termos particu-lares remete-nos para a existência de aumentos indiciários mais significativos nas carreiras: dos Dirigentes nos anos de 1990 para 1991, com 31,2% e de 1992 para 1993, com 33,6%; na Magistratura 13 de 1990 para 1991 com 33,9% e de 1991 para 1992 com 23,6%. Registaram-se ainda aumentos diferenciados e significativos na carreira dos Docentes Universitários; na carreira da Investigação Científica e

13 Aumentos associados à passagem para o sistema remuneratório como órgão de soberania (aplicado aos políticos em 1989), mantendo-se como referência por terem pertencido aos CE do Estado.

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ainda na carreira dos Docentes do Politécnico, nos anos de 1994 para 1995, com 8,4%; de 1995 para 1996 com 6,2%, e de 1999 para 2000 com 9,1%.

Tabela 3: Síntese evolutiva dos Índices 100.

Esta realidade factual remete-nos indubitavelmente para um cenário de diferentes valorizações entre as respectivas carreiras contrariando o espírito enformador que instituiu o próprio NSR. De referir todavia, que no caso da Inspecção Geral de finanças, embora os dados a remetam para a menor valorização global com 88,6%, é importante referir que esta carreira ostentava o índice de partida mais elevado de toda a função pública (2471,25 euros). Da mesma forma, que em sentido contrário se percebe que os índices de outras carreiras como as dos En-fermeiros, Diagnóstico e Terapêutica, PSP, GNR e Militares das forças Armadas, denotam as menores valorizações, com a agravante de serem também nestas carreiras que os índices de carreira são os mais baixos em termos absolutos. A instituição e implementação do NSR (em 01 de Janeiro de 1990) pressuponha a manutenção da respectiva hierarquização de partida, sob o princípio de existência de

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um sistema equitativo em termos internos. Para percebermos melhor essa dinâmica, ordenamos por ordem decrescente os respectivos índices e comparámos essa “hierar-quização” que apelidamos de partida, com a nova ordenação de chegada (Tabela 4).

Tabela 4: Comparação hierarquizada dos Índices 100 nas carreiras (1990-2010).

Os dados para além de demonstrarem a existência de valorizações indiciárias díspares, estas apresentam uma estrutura hierárquica de chegada também dife-rente, inviabilizando a manutenção no tempo de uma esperada paridade relativa entre as carreiras. Embora se reconheça a manutenção posicional para a maioria das carreiras em estudo, outras há, que modificaram as suas posições iniciais e finais, reconhecendo-se facilmente a subida ou descida posicional, e com esta, a valorização ou desvalorização dos respectivos índices 100, ao longo do período. No campo das alterações de paridade indiciárias, a “classe” Dirigente (Direcção Superior e Intermédia; PJ; Administração Local e Serviços Municipalizados), su-biu, ultrapassando o índice da Carreira Médica (CG 42H), a Magistratura também ultrapassou a carreira Médica (CG 35H). Percebe-se ainda a alteração directa verificada entre a subida dos Técnicos Superiores de Saúde perante a carreira de Inspecção de Alto Nível, e finalmente, a subida da carreira de Investigação e Fis-calização do SEf, versus a carreira da Polícia Judiciária de Investigação Criminal.

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5.2.2 Análise das Valorizações Médias Anuais dos Índices 100

Com base nas valorizações indiciárias acumuladas das respectivas carreiras no pe-ríodo considerado, calcularam-se as respectivas taxas de variação média 14 (Gráfico 1). Como se verifica pelas respectivas taxas de valorização média das carreiras especiais, estas apresentam-se “inimagináveis” à luz da realidade económica actual.

14 Optamos por calcular a taxa referente a 18 anos, pelo facto que no período em análise, existirem 3 anos (de 2002, para 2003; de 2003 para 2004 e 2009 para 2010), em que não houve aumentos indiciários nas carreiras da fP.

Gráfico  1: Valorização média dos índices 100 das carreiras.

A taxa média de evolução dos índices 100 nas carreiras especiais cifram-se entre os 4,9% da carreira da Inspecção-Geral de finanças, e as carreiras de Dirigentes, quer da Direcção Superior e Intermédia, da Polícia Judiciária e da Administração Local e Serviços Municipalizado, ambas com uma evolução média de 9,7%. Em-bora o conceito de equidade remuneratória não implique necessariamente valores exactamente iguais, todavia, quando estes se perspectivam de forma evolutiva no tempo pressupõe-se que estes se manifestem pelo menos de forma idêntica nas carreiras em estudo. Dada a valorização do índice de carreira afectar directamente a edificação interna das categorias das respectivas carreiras, e assim comprometer

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ou salvaguardar o conceito de equidade em termos absolutos. Este desígnio ao não se verificar, compromete a existência do conceito de equidade para as carreiras que revelem um afastamento diferente das mais valorizadas. Os dados, revelam factualmente a falta de equidade valorativa entre as respectivas carreiras especiais durante as duas décadas de vigência do NSR. Mesmo que ainda quiséssemos “prolongar” o conceito de equidade evolutiva dos índices 100, às carreiras que se enquadram entre os 4,9% e 5,3% de valorização média anual, esta apreciação seria sempre muito relativa, dado que, cada décima de diferença ao longo dos 18 anos de aumentos representa 1,8% em termos absolutos de diferença de afectação do respectivo índice de carreira. Este cenário torna-se ainda mais inequitativo quando registamos as taxas de aumento médio dos índices 100 das carreiras da Docência Universitária, do Politécnico, da Investigação Científica, da Magistratura, da carreira dos Dirigentes de Direcção Superior e Intermédia; dos Dirigentes da Polícia Judiciária e finalmente dos Dirigentes da Administração Municipal, já que reflectem uma valorização acima das restantes, ostentando taxas de crescimento médio anual entre 7,4 % e os 9,7%.

5.2.3 Análise das Taxas de Valorização das Remunerações nas Carreiras Especiais

O cenário de enquadramento indiciário inequitativo registado ao longo do tempo remeteu-nos para a aferição do impacto remuneratório que este desencadeou nas categorias das respectivas carreiras. Para percepção deste desiderato, constitui-se uma base de dados que congregou a evolução remuneratória das carreiras em estudo e respectivas categorias actualmente existentes, entre os anos de 1990 e 2010. Embora seja inviável apresentarmos aqui todas as evoluções remuneratórias patenteadas nas carreiras especiais, no entanto, e para melhor compressão e sis-tematização dos dados, caracterizou-se as taxas de evolução dentro das carreiras e respectivas categorias por quinquénio (período de cinco anos, podendo retirar ilações também por década); aferiu-se a passagem para a tabela única das respec-tivas categorias das carreiras para as novas posições remuneratórias; apresenta-se ainda, a taxa de valorização global; e finalmente através destes dados calculou-se a valorização média anual para as respectivas categorias das carreiras especiais, bem como, a diferença média entre as categorias em 1ºescalão, e a evolução das remunerações médias no período considerado. A análise remuneratória desenca-deada em todas as categorias das respectivas carreiras, permitiu também perceber dentro destas quais foram os anos e em que categorias se desenvolveram as maiores valorizações. Esta análise mais micro, na prática permitiu identificar em cada carreira quais foram as categorias mais beneficiadas ao longo do tempo. A sistematização destes dados permitiu ainda congregar de forma geral uma avalia-ção transversal das taxas médias registadas nas categorias no respectivo período, bem como na carreira, às respectivas remunerações médias.

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5.2.3.1 Análise das valorizações das remunerações por quinquénio

Embora já tivéssemos a percepção que ao nível da evolução dos respectivos índices remuneratórios, não se verifique equidade interna, agora os dados para além de aferirem a respectiva valorização de carreira por quinquénio, permitiram também perceber quais as categorias mais valorizadas em termos médios (Tabela 5).

Tabela 5: Valorizações das respectivas carreiras por quinquénio.

Entre os anos de 1990 e 1994, foram as carreiras dos Dirigentes de Direcção Superior e Intermédia; Dirigentes da Polícia Judiciária, Dirigentes da Administra-ção Local e Serviços Municipalizados os que apresentaram a taxa de valorização mais elevada com 117,4%. Destaca-se depois a Magistratura com uma taxa de crescimento de 96,5%; a Enfermagem 35H e 42H, com taxas de respectivamente 53,4% e 46,7%; a Investigação Científica com 46,6% e a carreira dos Técnicos Superiores de Saúde (35 e 42H), com 45,2%. No segundo quinquénio, registam-se maiores valorizações nas carreiras dos Docentes do Politécnico com 56,7%; Investigação Científica com 46,1%; Docentes Universitários com 37,1%; na carreira Médica de 35H e 42H, com respectivamente 32,8% e 33,1%; finalmente

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destaca-se ainda a carreira da Enfermagem (35H e 42H) com um crescimento de respectivamente 29,5% e 28,9%. Entre os anos do período de 2000 a 2004, evidenciam-se maiores valorizações nas carreiras dos Docentes do Pré-Escolar; Ensino Básico e Secundário; na carreira de Enfermagem (35H e 42 H), com 10% e 10,1% respectivamente, destacando-se ainda, a carreira do Pessoal de Apoio à Investigação Criminal da Polícia Judiciária com 9,1%. finalmente, no último quinquénio destacam-se ligeiramente as carreiras: da Inspecção de Alto Nível com 10,9%; dos Técnicos Superiores de Saúde 35H com 10,2% e dos Militares das forças Armadas e GNR com 10%.

5.2.3.2 Análise das valorizações globais entre 1990 e 2010

Em duas décadas de vigência do NSR, as carreiras especiais tiveram uma valorização média nas categorias que se enquadrou entre os 74,7% da carreira dos Dirigentes da Inspecção Geral de finanças, até aos 154,6% registados pelos Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados (Gráfico 2).

Gráfico  2: Valorização Global das carreiras de 1990 a 2010.

Em termos transversais a “classe” Dirigente teve aumentos globais muito mais significativos, nos quais se englobam também os Dirigentes de Direcção Supe-

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rior e Intermédia, os Dirigentes da Polícia Judiciária e da Policia de Segurança Pública. Ainda acima dos 100% de valorização, encontram-se também as carrei-ras da Magistratura, a Investigação Científica, os Docentes do Ensino Superior Politécnico e Enfermagem 35H. Com as menores valorizações, encontram-se as carreiras da IGf- Dirigentes; Diplomatas; Pessoal de Apoio à Investigação Criminal; Oficiais de Policia; Serviços de Informações; Militares das FA e GNR (entre outros).

5.2.4 Análise das Valorizações das Remunerações por Categoria nas Carreiras

Em termos particulares nas respectivas carreiras, é importante ressalvar a não existência de taxas de aumento diferenciadas entre as respectivas categorias em todas as carreiras. Este cenário de homogeneidade já não se verifica nos restantes quinquénios, dado perceber-se claramente valorizações diferenciadas quer nas carreiras quer nas respectivas categorias. Os dados demonstram que independentemente de nos últimos quinquénios os aumentos serem a taxas menores e de forma mais equitativa, mesmo assim percebe-se claramente a afectação diferenciada que as alterações internas ao nível dos índices de cate-goria provocaram em termos reais. Como o índice de carreira afecta todas as categorias da mesma forma, estas alterações percentuais foram fruto de mudan-ça indiciária interna em processos pontuais de reestruturação das respectivas carreiras. Como as situações detectadas com alterações indiciárias internas são inúmeras, optamos por apenas ressalvar a sua existência concentrando a nossa análise nas taxas de valorização global por categoria. Perante este enquadramento, apresentam-se as taxas de crescimento global nas respectivas categorias que mais se destacaram no período em análise. Existem no entanto carreiras em que não se verificou a existência de diferenciações valorativas acumuladas no período em estudo, como é o caso da carreira Diplomática, dos Dirigentes da Polícia Judiciária, nos Dirigentes da Inspecção-Geral de finanças, dos Técnicos Superiores de Saúde (tempo completo 42H). Os dados aferidos no caso da Magistratura, também não são significativos, já que as diferenças apuradas oscilam entre os 127,52% registados na generalidade das categorias, aos 129,17% na categoria de juiz de ingresso ou delegado, por contraponto à média de 128,1%. Os dados nas restantes carreiras remetem-nos para leituras mais atentas e particula-res à luz das alterações estatutárias que foram sendo aprovadas ao longo do tempo. Na carreira dos Docentes Universitários, apresentam-se as categorias de Professor Auxiliar e Assistente e Leitor, com uma valorização acumulada de 101,45%, por contra ponto aos 96/97% de aumento médio na carreira. Na carreira Médica (dedi-cação exclusiva 42H), foram as categorias de Assistente Graduado e Assistente, que tiveram as maiores valorizações de respectivamente 101,76% e 95,47% (por contra ponto aos 94,7% de média). Ainda na carreira Médica, mas com dedicação exclu-

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siva de 35H, foram também as categorias de Assistente Graduado e Assistente, que tiveram as maiores valorizações mas agora com respectivamente 97,42% e 93,63%. Na carreira Militar, as categorias que tiveram maiores valorizações foram as relativas aos cargos, ou seja, nos postos mais elevados da hierarquia militar (entre os 81,25% e 83,5%) e também nos postos mais baixos de início de carreira, com valorizações de cerca de 78/79%, as restantes valorizaram-se em média 77,2%. Na carreira dos Dirigentes de Direcção Superior e Intermédia, destaca-se a categoria de Chefe de Divisão com uma valorização de 160,18%, que se conceptualiza num aumento su-perior de 10% para todas as outras categorias. Ao nível da carreira dos Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados, apresenta-se a categoria de Chefe de Divisão Municipal como a mais valorizada com um aumento acumulado no período de 160,18%. Ao nível da carreira do Pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, foi na categoria de Inspector Estagiário que se cifrou o maior aumento com 79,36%. Na carreira dos Dirigentes da Polícia de Segurança Pública, a maior valorização nas respectivas categorias deu-se nos Chefes de Divisão com 138,08%, por contra ponto aos 119,9% de média registada. Na carreira dos Oficiais de Polícia (PSP), os maiores aumentos também se registaram nos postos em início de carreira, nomeadamente no de Subcomissário e Subcomissário-probatório, com respectivamente 78,53% e 78,77%, embora tenha sido uma diferença muito ténue, quando comparada com a média nas categorias que se cifrou nos 76,6%. Na car-reira de Inspecção de Alto Nível, foi na categoria de Estagiário que se registou a maior valorização interna com 80,12%, versus os 78,1% de média nas categorias da carreira. Na Enfermagem (tempo completo a 35H) foi na categoria de Assessor Técnico de Enfermagem e Assessor de Enfermagem que se fizeram sentir as maiores valorizações com respectivamente 118,61% e 118,53%, por contra ponto à média de 102,3% verificada nas categorias da carreira. Ainda na carreira de Enfermagem mas agora a tempo completo a 42H, foi apenas a categoria de Assessor Técnico de Enfermagem que ostentou a maior valorização com 109,79%, por contra ponto à média de 95,2%%. Na carreira dos Técnicos Superiores de Saúde (tempo completo 35H), apresenta-se a categoria dos estagiários (3º e 4º anos) com a maior valorização percentual, cifrando-se em 81,48%. No pessoal de Investigação e fiscalização do SEf, foi na categoria de Inspector-Adjunto Principal de nível 1, que se registou o maior aumento acumulado no período com 97,32%, por contra ponto aos 78,2% de média na carreira. Na carreira do Serviço de Informações e Segurança e SIEDM, a categoria de estagiário foi a que teve maior valorização com 78,69%. Ao nível dos Investigadores Científicos, tiveram uma maior valorização na categoria de Investigador Principal com habilitação de agregação, com 120,11% de valorização acumulada no período estudado. Os Docentes do Ensino Superior Politécnico, registam as maiores valorizações quer no início que no final de carreira, como se percebe pelas categorias de Presidente e Assistente do 2ºtriénio, com respectivamente 158,31% e 151,09%. finalmente, na carreira dos Docentes do Pré-escolar, Ensino Básico e Ensino Secun-

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dário, em termos gerais tinham também sido as categorias de início de carreira as mais valorizadas, com uma média de 91,66% para as categorias período Probatório Bacharéis; Pré-carreira Bacharéis e Antigo 1ºescalão, sendo que em termos médios a carreira ostenta 85,3% de valorização acumulada no período de 1990 a 2009. Em 2010, o cenário altera-se significativamente, apresentando acentuadas valorizações em todos os escaldões, embora também com maior incidência nos cinco primeiros escalões, permitindo agora a média da carreira se cifrar em 117,78% de valorização acumulada no período de vigência do NSR. Em termos globais os desenvolvimentos diferenciados das valorizações internas, decorreram maioritariamente ou nas categorias de início de carreira, ou nas categorias mais elevadas.

5.2.5 Análise das Valorizações Médias Remuneratórias nas Carreiras

A aferição do aumento global por carreira, permite-nos agora calcular a taxa média de variação anual para as respectivas carreiras por referência aos anos em que de facto existiram aumentos na Função Pública (Gráfico 3).

Gráfico  3: Valorização média anual das carreiras de 1990 a 2010.

Neste caso, aferimos também como aumento a passagem para a TU, com os necessários acertos para as novas posições remuneratórias (em 2010). Perante este enquadramento, as taxas médias de aumento das respectivas carreiras apre-sentam um enquadramento entre os 3,9% de valorização anual para a carreira da

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Inspecção-Geral de finanças e os 8,1% para os Dirigentes Administração Local e Serviços Municipalizados. Ressalva-se ainda a recente alteração verificada na carreira dos docentes do ensino Pré-escolar/Básico e Secundário, que com a reestruturação da carreira e os novos índices remuneratórios, lhes possibilitaram agora ostentar em termos médios uma valorização anual de 6,19% (passagem de uma valorização acumulada de 85,3% para 117,78%).

5.2.6 Caracterização do Afastamento Médio Remuneratório Entre as Categorias das Carreiras Especiais no 1ºescalão.

A alusão a esta análise deve-se ao facto de existir uma miríade complexa de dife-renciações nas respectivas carreiras, que sem tratamento estatístico nos deixa sem capacidade de comparação dos diferentes cenários vigentes. O tratamento dos dados revela-nos um cenário muito heterogéneo (Gráfico 4), reconhecendo-se carreiras onde existem menores diferenciações remuneratórios entre as respectivas categorias, como são o caso das carreiras dos docentes do Pré-escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário com 151,3 euros (em 2010 com as recentes alterações estatutárias o valor médio subiu para os 205,75 euros); a carreira de Diagnóstico e Terapêutica (180,2 euros), ou da carreira do Pessoal de fiscalização e Investigação do SEf (206 euros), ou ainda na carreira de Enfermagem Tempo completo (279,5 euros).

Gráfico  4: Afastamento Médio aferido no 1ºEscalão entre as respectivas Categorias em Euros.

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De referir, que nestes casos em específico, estas carreiras para além de terem uma diminuta diferenciação média entre categorias, apresentam muitos escalões remuneratórios entre as mesmas. Em sentido oposto, com um maior afastamento apresentam-se as carreiras dos Dirigentes da Polícia Judiciária (806,7 euros); Médicos com Dedicação exclusiva (789,5 euros) e ainda os Docentes do En-sino Superior Politécnico (700,3 euros), Investigação Científica (607,6 euros) e Docentes Universitários com exclusividade (640 euros).

6. ANÁLISE E DISCuSSÃo DE rESuLTADoS

A apresentação e caracterização dos resultados realizada no ponto anterior permite-nos agora analisá-los e discuti-los à luz das hipóteses inicialmente levantadas na metodologia de investigação. Em particular as que se edificam no nível de capital humano possuído, por assumirem que os indivíduos ao longo do tempo têm em atenção as remunerações praticadas como forma de escolha das áreas profissionais a seguir. Neste sentido, desde que reconheçam determinada equidade remuneratória, desenvolvem estratégias profissionais para as áreas em que se sentem mais capazes, mediante o capital humano necessário para ingresso. O MIT do Estado apresenta de forma transversal a necessidade de aquisição de substancial capital específico ao longo da carreira, o que atesta a complementaridade existente entre a educação e a formação. Embora se verifique no mercado privado uma crescente importância das competências transferíveis, estas diluem-se quando em cenários de monopólio exercido pelo Estado, já que a maioria das funções são exercidas em regime de exclusividade (caso das áreas da Justiça, Administração, Segurança, Serviços de Informações e Defesa). Os indivíduos desenvolvem estratégias particulares na esco-lha do capital humano necessário para ingressarem nas respectivas carreiras, dado estas à partida (teoricamente) lhes assegurarem uma correlação «semelhante» entre o “stock” de capital humano e os rendimentos auferidos ao longo do seu ciclo de vida activa. Por este facto, estes não gostam de ver goradas as suas expectativas pela imposição monopolista de estratégias de regulação do Estado, que possam inverter completamente o cenário de previsão aquando da sua entrada 15. Para dar resposta à primeira hipótese de trabalho, para além de termos de equacionar a evolução das remunerações ao longo do tempo, temos também de relacionar os possíveis ganhos com as respectivas progressões nas carreiras em estudo. Para aferição deste deside-rato, apenas nos poderíamos socorrer da variável progressão na carreira, mediante os tempos mínimos previstos nos estatutos das carreiras em estudo, já que não temos dados que nos permitam calcular os tempos médios e máximos de progressão, por não existência de uma base de dados nominal que nos permitiria relacioná-los de

15 Embora como refere Alves (2005) subsista a dificuldade em se estabelecerem taxas/níveis de retorno dos vários tipos e graus de educação, acrescidos dos retornos não pecuniários dos investimentos efectuados, estes ao nível do Estado, são mais concretos pelo enquadramento estatutário conferido pelas respectivas carreiras.

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forma mais fidedigna. Como, isso infelizmente ainda é inviável, ao socorrermo-nos do tempo mínimo previsto estatutariamente para ascensão de categoria dentro das respectivas carreiras, este apenas nos poderia dar uma indicação da possível celeridade de ascensão, por comparação a outras carreiras. Convém ainda esclarecer que a alusão ao tempo mínimo 16, apenas quer dizer que se atingiram as condições exigidas para possibilidade de promoção, dependendo posteriormente de vacatura e orçamentação para que se efectivem. No entanto, também se reconhece que a própria estruturação das respectivas carreiras obedece a particularidades de ajustamento aos serviços e à evolução das próprias necessidades societais, o que relativiza ainda mais a leitura destes dados. Pelo que, optamos por aferir ao nível das carreiras a evolução das suas respectivas remunerações médias detidas aquando da implementação do NSR (Gráfico 5), e as remunerações médias ostentadas actualmente (calculando-se o seu afastamento médio para os Dirigentes da Inspecção-geral de finanças, dado deterem em 1990 as remunerações mais elevadas).

Gráfico  5: Evolução das Remunerações Médias das carreiras entre 1990 e 2010

16 Contudo, não podemos também menosprezar que embora estes tempos não sejam aplicáveis actualmente à maioria dos indivíduos que compõem as respectivas carreiras, existem casos em que estes se verificaram, e o facto de continuar a persistir a possibilidade de evolução mais célere de forma diferenciada nas carreiras, esta constitui-se como uma variável determinante para a composição da remuneração de qualificação dentro das mesmas, e nesse sentido, importante para seguir trajectórias comparativas dos ciclos de vida dos indivíduos que as compõem.

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A aferição das remunerações médias entre 1990 e 2010 das carreiras em estudo, permitem-nos em termos gerais retirar as seguintes ilações: em primeiro lugar regista-se o facto, da Magistratura e dos Dirigentes da Polícia Judiciária terem ultra-passado os Dirigentes da Inspecção-Geral de Finanças (acumulando valorizações de 32,4% e 34,3% respectivamente, passando actualmente a deterem as remunerações médias melhor remuneradas); os Docentes do Ensino Superior deterem actualmente remunerações médias de carreira superiores quer aos Médicos (35H e 42), quer aos Dirigentes da Polícia de Segurança Pública; por outro lado, mantêm-se a carreira de Diagnóstico e Terapêutica, como detendo as remunerações médias de qualificação mais baixas nas carreiras em estudo, bem como, as carreiras de Enfermagem e de Técnico Superior de Saúde. Os dados referentes à evolução das respectivas remune-rações médias mostram uma assinalável valorização em particular nas carreiras da Docência, nomeadamente ao nível do Politécnico (33,4%); Investigação Científica (22,8%); Ensino Universitário (18,7%) e Professores do Ensino Pré-escolar; Básico e Secundário (19,1%); Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados (25,1%); Dirigentes de Direcção Superior e Intermédia (24,5%); Dirigentes da PSP (17,1%); bem como ainda, a carreira médica de 35 e 42 Horas, com respectivamente 13,1% e 14,8%. As remunerações médias que menos se valorizaram por comparação à Inspecção-Geral de finanças foram: a carreira do Pessoal de Investigação Crimi-nal (0,5%); os Diplomatas (0,6%); os Oficiais de Polícia da PSP e a Inspecção de Alto Nível ambas com 0,9%; e ainda os Militares das fA e GNR com apenas 1% de valorização no mesmo período. Ressalva-se ainda o facto de na Carreira Militar as remunerações médias estarem sobreavaliadas pelo facto de aferirmos a carreira até Tenente-General, se tivéssemos em linha de conta as “normais” expectativas de carreira para a maioria dos que a compõem (Coronel ou cada vez mais apenas Tenente-Coronel), o valor médio baixaria dos 2495,9 para os 2068,26 euros. Os dados possibilitaram-nos ainda perceber o retorno médio auferido no ciclo de vida activa dos indivíduos nas últimas duas décadas, pelo somatório do re-torno anual das respectivas remunerações médias de qualificação nas categorias em causa. Tendo por base as teorias do Capital Humano detido para ingresso e colocando como hipótese que este se iniciou nas respectivas carreiras em 1990 (coincidindo com a implementação do NSR), estas possibilitaram um retorno médio no ciclo de vida dos indivíduos conforme se apresenta no Gráfico 6. Os dados revelam que o retorno médio mais elevado pertence à Magistratura, sendo assim para esta que se estabeleceram naturalmente as comparações. Em 21 anos de serviço activo, os indivíduos que compõem as respectivas carreiras tiveram um retorno médio remuneratório inferior à Magistratura, de: na Inspecção-Geral de finanças - Dirigentes, menos 9,72%; os Docentes Universitários menos 16,9%; os Médicos com dedicação Exclusiva (42H), menos 23,73%; os Docentes do Ensino Superior Politécnico menos 25,99%; os Dirigentes da PSP menos 27,66%; os Médicos com dedicação exclusiva (35H) menos 32,35%; os Dirigentes de

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Direcção Superior e Intermédia, menos 33,37%; os Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados, menos 36,45%; a Investigação Científica com menos 33,73%; os Técnicos Superiores de Saúde (42 H) com menos 38,51%; Pessoal de Investigação Criminal da PJ, com menos 44,84%; os Diplomatas com menos 47,18%; o Serviço de Informações e Segurança e SIEDM com menos 51%; os Oficiais de Polícia PSP com menos 53,90%; o Pessoal de Investigação e fiscalização do SEf com menos 54,10%; a Inspecção de Alto Nível com menos 54,49%; a Enfermagem 42H, com menos 56,81%; a carreira Militar com menos 58,21% (com as categorias até General passaria para 49,74%); os Docentes do Ensino Pré-escolar/Básico e Secundário com menos 61,56%; a Enfermagem 35H com menos 62,17%; os Técnicos Superiores de Saúde 35H com menos 62,81%; e finalmente a carreira de Diagnóstico e Terapêutica com menos 68,29%.Gráfico  6: Remunerações médias auferidas no ciclo vida activa dos indivíduos (1990-2010)

Estes dados permitiram-nos perceber qual o afastamento médio existente entre as respectivas carreiras, o mesmo será reconhecer o retorno médio que o Estado paga pelas respectivas qualificações necessárias para o desempenho das funções (capital humano de ingresso e especifico). Os dados revelam disparidades de re-tribuição em mais de 60% para níveis habilitacionais homogéneos, corroborando a hipótese dos perfis salariais edificados sob a vigência do NSR, não permitirem uma concertação e harmonia retributivas entre as categorias profissionais em estudo; não emergindo assim como premissa basilar, a correlação positiva entre o

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“stock” de capital humano e os rendimentos auferidos ao longo do ciclo de vida activa dos indivíduos. De referir que ao nível do capital humano e ao respectivo retorno salarial a ele associado, os dados vem de encontro ao citado por Reynaud (1994) nas pesquisas empíricas obtidas nos estudos desenvolvidos por Ribout (1977); Lollivier (1989) e Glaude (1989) nos EUA, ao concluírem que a variável capital humano, está longe de explicar a totalidade da dispersão dos salários 17. A grande questão que se coloca neste momento é perceber como estes retornos remuneratórios foram sendo edificados ao longo do tempo. Terá sido imposto pelo reflexo directo ao mercado de trabalho? Para responder a este desiderato, cruzámos as remunerações médias mais valorizadas no mercado de trabalho privado no estudo desenvolvido por Pedro Portugal (2004), com as praticadas pelo Estado. Segundo o autor, o mercado de trabalho, valoriza essencialmente o emprego tecnológico; nomeadamente das engenharias e medicina. Neste cenário mercantil pressupor-se-ia uma hierarquia diferente ao nível do Estado, que contudo não se verifica quando comparada com contextos profissionais de monopólio como a Magistratura, Dirigen-tes da Administração Local e Serviços Municipalizados, de Direcções Superiores e Intermédias, ou Dirigentes da PJ, nem mesmo no contexto do mercado concorren-cial da Docência Universitária. Estes dados, vem corroborar a perspectiva avançada por Luís fábrica (2006) a qual refere taxativamente que as revisões das carreiras integradas em corpos especiais foram impostas por processos reivindicativos e não por necessidade de readaptação à evolução e crescente especialização do merca-do de trabalho. Perante este enquadramento, nem os salários nem o emprego são ajustados em função da situação do mercado de trabalho, nem das flutuações da produtividade marginal. Sendo os processos de afectação do emprego e do preço do trabalho, determinados por regras e procedimentos administrativos, estabelecidos em convenções colectivas, que originam processos de internalização. Na prática o maior ou menor retorno remuneratório é indissociável da pertença a determinada carreira. Esta asserção introduz a resposta à segunda hipótese de trabalho levantada: os perfis salariais no anterior sistema remuneratório apresentavam um paralelismo remuneratório, não assente na qualificação do emprego, mas sim no trabalho desem-penhado (pelo reconhecimento de níveis semelhantes de complexidade funcional). A implementação de uma hierarquia de partida do NSR (com base em critérios de complexidade funcional opacos), foi subvertida chegando ao paradigma actual de termos trabalho igual, remunerado de forma dissemelhante, pelo facto de pertencerem a carreiras diferentes 18. Neste enquadramento, a formação do salário como é definida

17 Explicando esta nas suas abordagens, apenas 30% a 50% da variância da remuneração auferida, o que indicia que a restante explicação se teça em variáveis de ordem organizacional e institucional, tal como sugere Suleman (2003) ao relativizar a importância do capital humano no sector privado, nomeadamente na banca, confrontando-o com as teses institucionalistas.

18 Como é o caso ao nível dos médicos, pilotos e professores militares, etc, e que vencem pelo respectivo posto, perante os seus pares da sociedade civil. Tendo estes inclusive, níveis habilitacionais ainda mais exigentes pela sua formação militar e constrangimentos comportamentais mais restritos.

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pela Teoria do Capital Humano, percepciona-se como explicativa no anterior sistema de indexação (letras), mas desmorona-se completamente no NSR pela existência de um acentuado diferencial nas suas remunerações de qualificação, quando em presen-ça de níveis “habilitacionais” exactamente iguais, apenas separados pelo âmbito da prestação dos seus serviços pertencerem a carreiras diferentes. A manutenção desta relatividade funcional deve-se às remunerações neste sistema não assentarem na qualificação do trabalho, mas sim na qualificação do emprego (carreira). A percepção que no mercado interno de trabalho do Estado este valoriza de forma dissemelhante a prestação de alguns serviços por exemplo na carreira Militar, o mesmo será dizer, não existir o reconhecimento de existência de salário de eficiência, automaticamente potencia processos de rotatividade voluntária. Embora teoricamente se mantenha a premissa – que o empregador não “aluga” apenas as competências actuais, mas também as competências potenciais dos seus quadros (capital humano), porém, este pretexto inviabiliza a tentativa de explicar as diferenças de salário por aquisição de formação suplementar, apresentando-se em contradição, já que é uma variável fulcral na determinação do salário dos Professores Universitários, mas não discriminativa nas restantes carreiras. Dado que a aquisição de formação suplementar (Mestrado ou Doutoramento), não se afigura como crucial para as respectivas progressões na carreira, fazendo-se estas pelo desempenho profissional ante os seus pares ao longo do tempo. Se este factor não tem importância real para determinação do salário de forma directa e transversal, então, a tentativa de explicar as diferenças salariais pela aquisição de formação suplementar é notoriamente supérflua. Podendo-se afirmar para estas carreiras, que o actual sistema remuneratório apenas valoriza o aumento do ca-pital humano de forma específica. Esta ilação ao nível do Estado revela-se antagónica relativamente a estudos levado a cabo por Suleman (2003) no sector privado (Banca), em que se coloca como questão se estaremos a evoluir para uma valorização das competências transferíveis, em detrimento das qualificações específicas?A evolução da política salarial desenvolvida pelo Estado português, ao edificar os respectivos perfis remuneratórios das carreiras especiais em factores institucionais regulados por negociações colectivas e temperadas pelas respectivas «burocracias paralelas», como se demonstrou à partida pela imposição de índices remuneratórios desequilibrados, e que mesmo assim foram sendo alterados comprometendo a ma-nutenção da sua equidade remuneratória interna, coloca-o claramente permeável a pressões sectoriais, desligadas das leis do mercado de trabalho externo, corroborando-se assim a terceira hipótese de trabalho. Ao longo do período estudado são inúmeras as alterações verificadas na valorização indiciária das respectivas categorias das carreiras, sem recurso a alteração do respectivo índice de carreira, ou por estas sofrerem de qualquer outro acréscimo, quer de responsabilidade funcional ou de incremento de horário, baseando-se estes ajustamentos em processo de internalização segmentaria. Estas pressões vislumbram-se inclusive de forma interna dentro do próprio parlamento, aquando da passagem de alguns “insiders” de carreira 19, por funções de deputado

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da república, aproveitando o estatuto detido para melhorarem os respectivos perfis remuneratórios das carreiras de origem. Esta abordagem segmentária, potencia por si mesma a “adopção de posições que permitem um maior protagonismo por parte de cada profissão e leva, igualmente, ao estabelecimento de negociações “preferenciais” com os actores políticos” (Dias, 2004:3). Posições essas, que se reforçam na presença de sindicatos que consigam agregar as predilecções individuais (representatividade), permitindo-lhes desencadear relações de poder crescentes no dirimir do seu siste-ma remuneratório. Na carreira da Magistratura, como atestam os estudos de Dias (2004); Garapon (1998) e Boaventura de Sousa Santos (2004), esta evidencia poder, colocando-o ao serviço de corporativismos de “classe”, advogando em causa própria como atestam diversos casos de conflito remuneratório com o Estado, que invaria-velmente são reconhecidos a seu favor. É ainda interessante verificar, que mesmo no sector privado como o estudado por Suleman (2003), se conclui que o salário não é uma variável de ajustamento ao mercado, sendo a remuneração uma construção singular das empresas, existindo aqui um paralelismo, mas que ao nível do Estado se percepciona como uma edificação dos seus «insiders» mediante as relações mais ou menos privilegiadas que as respectivas carreiras foram desenvolvendo ao longo do tempo (relações do poder instituído). A realidade segmentada em sectores mais qualificados segundo Lheritier (1992), permite adquirir um certo poder negocial, que lhes assegura uma «quase-renda salarial» (Linddeck_Snower, 1989), ou seja, uma determinada carreira salarial agregada a determinada função e que segundo a teoria da negociação salarial se reforça em presença de um sindicato com poder negocial (Lhéritier, 1992). Embora se reconheça que neste enquadramento segmentário a nível empresarial, não há uma indiscutível relação positiva entre capital humano e a obten-ção de melhores condições de trabalho 20, dado que esta relação depende do sector (segmento) em que se esteja a trabalhar. Neste contexto, se estendermos ao Estado a hipótese de trabalho dos autores B. Bluestone (1968), B Harrison e Vietorisz (1973) que se baseia nomeadamente pelos níveis remuneratórios, das empresas do “núcleo” central, estar ligada principalmente ao sector de actividade em que se desenvolvem, ou seja às características organizacionais que lhes definem o poder do mercado, do que propriamente à qualificação e habilidade dos seus trabalhadores (Lima, 1980), faz aqui todo o sentido, já que a evolução dos perfis salariais estudados ancoram-se substancialmente em argumentos de ordem organizacional (caso paradigmático da Magistratura com a sua estrutura organizativa – principio do paralelismo), construindo os seus «insiders» um estatuto – edificado pela cultura organizacional desenvolvida

19 Exemplo do grupo de trabalho criado por Professores Universitários em 1990 no parlamento, conseguindo que as remunerações da respectiva carreira, no ano seguinte não se afastassem das detidas pela Magistratura com o estatuto de órgão de Soberania (indexadas à classe política).

20 As Condições de trabalho englobam: desde as remunerações, às acções de formação, subsídio de refeição, segurança social, prémios de produtividade etc., e os benefícios, entendidos como a existência de: creche, seguros de saúde, telemóvel, carro, participação nos lucros etc.

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junto do Estado, garantido pelo poder da independência da administração da justiça, como forma de “poder divino” que supervisa os restantes. A evolução dos perfis salariais ao longo do tempo ao nível do Estado, são re-veladores da permeabilidade 21 deste relativamente às apelidadas «burocracias paralelas», sendo isso evidente com a diferenciação da Magistratura sentida a partir de 1983 e, principalmente, em 1988 pela imposição ao Estado como órgão de soberania, seguindo a perspectiva remuneratória mais vantajosa relativamente à classe política, quer ainda, ao nível da Docência ter conseguido o desígnio da equiparação remuneratória à Magistratura, dentro de um quadro já diferenciado relativamente ao novo estatuto desencadeado por estes a partir de 1988. Após a instituição do NSR, evidencia-se principalmente o critério discricionário preconi-zado pela evolução dos índices 100 nas carreiras da Magistratura e da Docência Universitária, que lhes possibilitaram uma valorização de 158,2% e 132,7%. Ainda ao nível da Magistratura, verifica-se acoplada à cultura organizacional e ao poder detido, a consagração nos princípios orientadores para a nova reestrutu-ração do sistema remuneratório do Estado, de um sistema retributivo autónomo, desígnio agora contraditório com o desenvolvido em 1988, já que indexação à Classe política, lhes têm “congelado” as remunerações de topo, pela imposição de tectos salariais tendo como referência os vencimentos do Primeiro-Ministro e o Presidente da República, decretando em causa própria a inconstitucionalidade das mesmas (Dias, 2004). Contudo, nesta relação de poder destaca-se sobretudo a “classe” Dirigente (nos quais se engloba os Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados; Dirigentes da Direcção Superior e Intermédia; Dirigen-tes da Polícia Judiciária e da PSP), ao deter na vigência do NSR as valorizações remuneratórias mais altas das carreiras especiais. Não podendo este facto se des-ligar (mesmo que indirectamente) do crivo político que as suas nomeações para os respectivos cargos estão sujeitas, bem como, ao nível das autarquias locais em que estes “lugares” são controlados politicamente, e por inerência os perfis salariais denotam um dirimir privilegiado na edificação das suas remunerações de qualificação. Relativamente à quarta hipótese de trabalho, em que se testava se o nível de poder reivindicativo desencadeado pelas respectivas carreiras com a mobilização de acções de força (greves) tem correspondência relativamente aos perfis remuneratórios desencadeados ao longo do tempo, corrobora-se essa afirmação de forma inequívoca. Para além de serem detectados os aumentos

21 Esta permeabilidade é bem visível pelas percentagens díspares que os índices 100 das respectivas carreiras evidenciaram ao longo do tempo, destacando-se: na Magistratura (embora agora indexada à classe política) o acréscimo de 1990 para 1991 de 33,9% por contra ponto aos 13,5% das restantes carreiras; de 1991 para 1992 novo acréscimo de 23,6% por contra ponto aos 8% verificados no restante universo; e de 1994 para 1995 o aumento de 6,2% contra os 5% das restantes. A carreira da Docência Universitária, estando esta efectivamente enquadrada nas CE do Estado, teve percentagens diferenciadas nos anos de: 1995 para 1996 com 8,4%; de 1996 para 1997 com 6,2%; de 1997 para 1998 com 9,5 % e de 1999 para 2000 com 9,1%.

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diferenciados dos respectivos índices de carreira, foi realizada uma análise de conteúdo aos resumos das histórias dos principais sindicatos das carreiras me-lhor remuneradas 22, reconhecendo-se deste modo, as principais acções de força desencadeadas, ao longo do período estudado. O cruzamento desta informação permitiu evidenciar claramente a existência de correspondência directa entre as relações de imposição de força, (com base na sua representatividade e mobiliza-ção), e os respectivos perfis remuneratórios de carreira. Por outro lado, se afe-rirmos a possibilidade de medir o «poder de negociação» da Magistratura como perspectiva Dunlop (1950), que defende que a “estatura” do sindicato depende do nível do salário, remete-nos para uma relação linear muito particular, a de que – «quanto mais elevados forem os salários, maior o número dos aderentes à organização sindical». Esta visão, tem na Magistratura 23 um exemplo concreto e demonstrativo desta relação causal, já que é nesta carreira que se evidenciam as remunerações mais altas e se verificam níveis de sindicalização mais acen-tuados (cerca de 90%). Na generalidade o recurso à greve, teve mais impacto na década passada, contudo recentemente existiram movimentos que pela sua mobilização nacional e o impacto na opinião pública, conseguiram impor um novo enquadramento legislativo para as carreiras do Ensino Pré-escolar, Básico e Secundário. Reconhecendo-se claramente neste exemplo que o recurso à greve e a mobilização em massa que desencadearam, forçaram o governo a encetar um acordo de princípios para a revisão do estatuto da carreira docente e do modelo de avaliação dos professores dos ensinos Básico e Secundário e dos Educadores de Infância. Esta revisão, para além de salvaguardar alguns interesses particulares na aplicação de algumas regras de transição (reposicionamentos) e salvaguardar novos quantitativos para progressão na carreira, o novo estatuto previu a introdução de índices mais elevados para os primeiros escalões da carreira e a criação de um índice também mais elevado para os professores do 10ºescalão, introduzindo valorizações percentuais assinaláveis (no contexto actual das finanças públicas).

7. CoNCLuSÕES

O período no qual se centrou a análise apresentou grandes diferenciações no cenário político ou económico do país, desencadeando por inerência ciclos de recessão e de

22 A análise realizada aos Sindicatos dos Magistrados; Médicos e Professores, possibilitou elencar elementos caracterizadores que explicam desde a abordagem à sua constituição, ao seu estatuto e as suas intenções, até à aferição da sua representatividade e acções desencadeadas.

23 É ainda interessante verificar neste campo, que contrariamente ao restante cenário sindical, na Magistratura se dignificam e se reconhecem as funções exercidas, como por exemplo a de Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, sendo mesmo percepcionada como uma plataforma “essencial” como atesta o estudo de Dias (2004) para atingir lugares de topo, nomeadamente no Conselho Superior da Magistratura, ou para o Supremo Tribunal de Justiça.

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retoma do crescimento económico, que naturalmente se têm reflectido na política salarial desenvolvida pelo Estado, afectando em termos particulares os rendimentos médios dos salários. A análise dos perfis salariais, desenvolvida à luz do respectivo enquadramento político que lhes deu corpo, evidenciou dois factos diacrónicos. O primeiro, diz respeito ao ajustamento tecnológico e à reestruturação organizacional desenvolvida pelo Estado ao nível do sistema remuneratório em 1989, em que clara-mente instituiu uma mudança “discriminatória pela positiva 24”, baseando-se esta por um lado, na necessidade de se ajustar à nova realidade da adesão de Portugal à CEE e, por outro lado, pela necessidade de pôr cobro à vasta teia de subsistemas remu-neratórios anteriormente existentes, sob a premissa de lhe devolver coerência e de o dotar de equidade quer no plano interno, quer no âmbito do mercado de emprego externo, como fazia alusão o decreto-lei enformador. A segunda, em sentido contrário, relaciona-se com a conjectura actual de contenção da despesa pública, enformada pela implementação dos critérios do tratado de Maastricht, e na qual se identifica uma perda de “direitos adquiridos” de forma geral, e em particular um agora “retrocesso remuneratório” nas carreiras em causa. O problema que se identifica é que no período de crescimento estas foram afectadas de forma muito diferenciada privilegiando-se claramente a carreira dos Dirigentes, Direcção Superior e Intermédia; os Dirigentes da Administração Local e Serviços Municipalizados, Dirigentes da Polícia Judiciária, Magistratura; Docentes Universitários; carreira de Investigação Cientifica; docentes do Politécnico (com aumentos substanciais nos respectivos índices 100) e no período de regressão, todos foram afectados da mesma forma. Os dados revelaram que a partir de 1990, foi instituída uma forte segmentação salarial, desencadeada por contextos privilegiados no dirimir das suas remunerações ao longo do tempo. Por outro lado, verifica-se a manutenção da importância das habilitações literárias na determinação do salário, ligada à permanência numa dada carreira profissional. Este cenário traça uma relação não linear entre a remuneração e a antiguidade, ou seja, com o aumento do salário ao longo da carreira, mas a uma taxa variável e não decrescente, como aferido no estudo da Função Pública por Centeno e Pereira (2005), identificando-se claramente esta situação apenas na carreira da Magistratura, provocando uma acentuada redução da dispersão salarial com o aumento da antiguidade de forma bastante uniforme. Em sentido contrário, apresentam-se mesmo as carreiras dos Dirigentes de Direcção Superior e Intermédia, Inspecção-Geral de finanças, os Técnicos Superiores de saúde (35 e 42H) e os Militares, estando estas edificadas em diferenciações crescentes ao longo da carreira. As restantes carreiras especiais já não apresentam um cenário de

24 Ao instituir regimes de carreiras que na generalidade permitiram aumentos substanciais em termos gerais e exponenciais em particular nas carreiras dos Corpos Especiais, dando azo aos maiores aumentos algu-ma vez verificados em democracia (sob a égide do XI Governo Constitucional). Aumentos, que como os seus perfis salariais atestaram em certos casos, mais do que duplicaram as respectivas remunerações de qualificação, nomeadamente na Magistratura e na Docência Universitária.

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linearidade tão marcado, oscilando as suas diferenciações entre fases crescentes e decrescentes, configurando assim taxas de diferenciação variável. Embora se perceba de forma geral a conclusão do estudo de Centeno e Pereira (2005), em que aludiam à manutenção da importância do nível de capital humano aferido pelas habilitações literárias e a experiência acumulada, como a principal determinante na edificação do salário na Função Pública, todavia, pela nossa abordagem, isso verifica-se quando em presença de um enquadramento heterogéneo de “habilidades”, alterando-se esse cenário substancialmente quando em presença de carreiras com níveis homogéneos de capital humano de partida, como as aqui estudadas, o que provoca uma diluição do seu factor determinante para outras ordens de variáveis como a cultura organizacional e o poder desencadeado, vislumbrando-se dentro destas a capacidade de negociação e de persuasão. Com a introdução do NSR, e a fazer fé no enquadramento legislativo (que hierar-quizou as carreiras segundo a sua importância funcional), estas deveriam manter a equidade salarial ao longo do tempo. Neste sentido, alterações a estas, apenas seriam conceptualmente aceites mediante a alteração ou incremento de novas responsabilidades, ou por existência de um ajustamento adaptativo ao mercado de trabalho. Contudo, os dados não fazem jus às premissas enformadoras, dado que a partir da sua implementação se assistiu a uma pura segmentação do mercado, tecendo-se um inolvidável movimento de heterogeneidade implementado por pressões sectoriais, que se tem vindo a perpetuar até aos nossos dias, naquilo a que Mintzberg apelidou de «burocracias paralelas», instituindo remunerações muito diferenciadas, mesmo em casos onde a sua qualificação (capital humano) são exactamente iguais. Por outro lado, a reavaliação e reestruturação dos res-pectivos estatutos das carreiras da fP, e em especial a das carreiras especiais, denotam de forma transversal a preocupação de prolongar no tempo a perma-nência nas categorias intermédias de forma a obviar progressões para o topo de carreira de forma tão célere como acontecia anteriormente na globalidade dos estatutos. Os tempos mínimos de progressão nas carreiras têm vindo ao longo do tempo a sofrer alterações estatutárias, bem como, a fórmula de cálculo das respectivas pensões no final de carreira, que remetem os indivíduos que nelas agora ingressam para patamares de desigualdade interna. Este tratamen-to desigual dentro das respectivas carreiras, pelo desaceleramento imposto na mudança de “direitos adquiridos” para os novos ingressos, vem ainda dificultar mais a existência de um sistema equilibrado e concertado, que possibilite um reconhecimento harmonioso das remunerações nas respectivas carreiras, quanto mais ao sistema de remunerações do Estado. Este cenário denota claramente que o sistema implementado em 1990, não teve em atenção a sustentabilidade do sistema a médio longo prazo, idealizando tempos mínimos de progressão nas carreiras e aumentos de vencimentos (valorizações de carreira) exagerados, que deviam ter sido menores e de forma gradativa e equilibrada no início do

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sistema, de forma a manter uma harmonia remuneratória ao longo do tempo. Os dados revelaram existirem carreiras prejudicadas nas suas taxas de valorização, apenas por não deterem, ou não terem conseguido accionar mecanismos de poder negocial. Este facto possibilita afirmar que o sistema tem sido e continua a ser, bastante permeável a processos reivindicativos sectoriais, não impostos pelo mercado de trabalho, que remetem o actual sistema remuneratório como percepcionado como injusto, pela iniquidade latente verificada na sua vigência.A segmentação do mercado de trabalho do Estado evidenciou não só a sua per-meabilidade sectorial nas remunerações de qualificação, com também (embora não tenha sido objectivo deste estudo) ao nível da criação de suplementos específicos a cada carreira, de forma a dirimir particularmente as pressões exercidas pelos seus «insiders». Este facto tem vindo a contribuir para uma maior propensão da indivi-dualização da carreira, desconectada do restante contexto remuneratório da função Pública, viabilizando indirectamente cada vez mais poder estatutário 25. Embora se reconheça a evolução patenteada no estudo da temática da cultura organizacional e do poder, estes no entanto, não tem sido explorados como determinantes das re-munerações do trabalho, desígnio que possibilitaria a existência de instrumentos de diagnóstico e parâmetros de comparação, que viabilizassem processos de mudança e reestruturação das políticas de remuneração do trabalho público. Contudo, a aferição dos dados, remete-nos indubitavelmente para a consagração destas variáveis como determinantes fulcrais para a edificação da remuneração de qualificação no sistema remuneratório do Estado. O reflexo da “arbitrariedade” salarial patenteada nos perfis salariais, consubstanciada pelas mudanças hierárquicas da sua remuneração de qua-lificação, sem que se verificasse qualquer alteração do capital humano intrínseco ao seu desempenho, quer pela relativa importância funcional (novas responsabilidades, missão etc.), ou mesmo sob alçada de uma reestruturação orgânica. Remete-nos para assumpção pragmática que o Estado através do conceito de Governo não é uma entidade supra natural, de ordem divina, mas assente na escolha de homens cujas carreiras se desenvolvem naturalmente quer no âmbito público, quer privado, sendo por isso susceptíveis de sofrerem pressões, mais permeáveis quando exercidas pelos próprios sectores profissionais de origem. O poder vislumbra-se aqui, mediante a perspectiva de Mintzberg (1984), pela capacidade deste provocar mudanças nos comportamentos e ter um carácter relacional e situacional que produzem ou modifi-cam resultados ou efeitos organizacionais, neste caso, aferido pelo efeito provocado nos seus perfis salariais ao longo do tempo. O estatuto desencadeado ao nível do

25 Apresentam-se os casos mais visíveis e antagónicos, nomeadamente a criação do Suplemento de Habitação/Compensação no caso da Magistratura, como forma de obviar a estagnação da indexação aos órgãos de so-berania (classe política), sendo este edificado como uma contrapartida salarial. Por contra ponto, apresenta-se o caso dos Militares, que pelo acentuado distanciamento da remuneração de qualificação, deu azo à criação de um suplemento de Condição Militar fixo (quando já existia o variável), ou a possibilidade de pagamento de horas extraordinárias a diversas carreiras, ou por regimes de exclusividade a tempo completo ou parcial.

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Estado tem ainda outra via explicativa pela «Teoria do Estatuto» como contrapartida do salário, em que se perspectiva sobretudo como um – sinal social – que remete para segundo plano os demais factores em presença (secundarizando o capital huma-no). Este «sinal social» pode ser interpretado segundo o preceito de Dubar (2001), surgindo desta forma também como socialmente construído. Neste quadro, salário igual não quer dizer tarefas iguais, mas sim de importância funcional semelhante, dado o conceito repousar nas «funções desempenhadas». O que nos remete para a assumpção do pressuposto que se as funções desempenhadas (importância funcional), não se alterassem, o salário mantivesse a mesma equidade relativa às demais funções, entrando este facto em contradição com a evolução conceptual dos perfis salariais desencadeados ao longo do tempo. O que vem atestar que o salário nas carreiras mais valorizadas se tem edificado como rendimento social. Transversalmente a todas estas determinantes, encontra-se a variável económica e a variável da procura, que neste caso em específico é edificada mediante o controle do próprio Estado, ao despoletar os quantitativos para ingresso nas respectivas carreiras. Este desiderato apresenta-se contudo, subjugado aos interesses particulares dos seus insiders (só assim se explica o deficit de recursos por exemplo na carreira Médica, em certas especialidades). No contexto teórico se é o Estado que controla os recursos humanos adstritos às respectivas carreiras, a variável procura não deveria aqui ser perspectivada como determinante. Porém a evolução galopante da sociedade tem sulcado necessidades mais prementes em determinadas carreiras que afectam directamente a sua procura e por consequência as suas contra-partidas remuneratórias. A variável económica possibilita a existência de determinada taxa de salário, identificando-se dependente de imperativos da eficiência económica do próprio Estado. Todavia, este desiderato perspectiva-se dependente também do número de recursos humanos adstritos às respectivas carreiras, influenciando estes a própria edificação do salário. Sendo esta relação causa efeito perceptível ao longo do tempo, embora sob nuances diferenciadas. A evidência dos dados revela-nos que na generalidade o nível das remunerações é mais elevado, nas carreiras com um número mais reduzido de efectivos. Esta circunstância perspectiva-se de forma geral em todo o período, como uma linearidade causualista entre o nível de salário e o número de recursos humanos adstritos às respectivas carreiras 26. Estas situações

26 No entanto, é interessante verificar que entre 1979 e 1989 os efectivos militares eram superiores aos existentes, tendo o Estado desencadeado níveis de remuneração de eficiência para estes quadros, sendo que na actualidade depois de consecutivas reestruturações e redimensionamentos, em que seus efectivos se apresentam conside-ravelmente inferiores, o Estado não assegurou a manutenção de salários de eficiência que inviabilizem a sua rotatividade voluntária, em áreas onde o investimento de formação é substancialmente superior às restantes, o que teoricamente se afigura numa contradição à realidade assegurada no sector privado. Por contra ponto, apresentam-se as carreiras da Magistratura; da Docência e Médica que apresentam um acréscimo de efectivos, da primeira para a segunda dimensão de análise, conseguindo o Estado assegurar remunerações de qualificação muito superiores às desencadeadas na primeira dimensão de análise em termos relativos. E por último e em contra ciclo o exemplo da carreira dos professores do Ensino Pré-escolar/Básico e Secundário, que em plena crise conseguiram valorizações médias de categoria de cerca de 35% (referentes aos actuais 10 escalões).

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denotam uma constante reacção aos respectivos “insiders”, em detrimento de acções transparentes e reguladoras, que se deviam reconhecer no sistema retributivo do Estado de forma equilibrada e sustentada, pela assumpção imperiosa da justiça e reconhecimento da equidade remuneratória, em particular nas carreiras especiais.O desequilíbrio do sistema foi edificado no início de 1990, com as alterações indi-ciárias das carreiras da Magistratura, do Ensino Superior Universitário e Politécnico, bem como a Carreira de investigação e dos cargos Dirigentes ao nível central local e das forças de segurança. Estas alterações passados vinte anos provocaram valorizações acentuadas no retorno remuneratório dos mesmos, no respectivo ciclo de vida activa dos indivíduos. Por contra ponto, existem carreiras como as de Diagnóstico e Terapêutica; Técnico Superior de Saúde; Enfermagem; Docentes do Ensino Pré-escolar/Básico e Secundário; Militares das forças Armadas, ou mesmo a Inspecção de Alto Nível que apresentam retornos remuneratórios médios que se enquadram entre os 68% a 50% inferiores ao retorno auferido pelas melhor remuneradas. Os baixos índices 100, destas carreiras aquando da implementação do NSR, a par da sua manutenção sem qualquer melhoria compensatória ao longo do tempo, fez com que estas carreiras apresentem um padrão de remunerações de qualificação muito abaixo das restantes. Este facto indicia uma deficiente reestruturação de partida das carreiras, vindo estas paulatinamente a perder pa-ridade e poder de compra nas últimas duas décadas. Um sistema remuneratório eficaz, passa acima de tudo por ser equilibrado e reconhecido como justo pela equidade percepcionada pelos seus pares, neste sentido o sistema remuneratório do Estado devia ser mais transparente para a própria sociedade que o sustenta, justificando assim as próprias políticas remuneratórias que deveria implementar, sem existir a necessidade de imposição de força pelos respectivos «insiders». Os dados revelaram que os diferenciais de rendimento não estão associados directamente à disponibilidade de capital humano pelo trabalhador, mas sim, quando agregados ao conceito de carreira profissional e respectivas categorias ocupacionais, ao desenvolverem burocracias próprias de forças corporativistas. A existência de uma assinalável disparidade salarial, referenciada pelo exemplo concreto da existência de níveis remuneratórios de qualificação discricionários, relativos a níveis habilitacionais exactamente iguais, inviabilizou a aferição de uma correlação positiva entre o stock de capital humano possuído e os níveis remuneratórios auferidos nas respectivas carreiras, correspondendo este período a um ciclo de vida activa dos indivíduos de 20 anos.Os dados vêem ao encontro do preconizado por Bluestone, Harrison e Vietorisz, em que os níveis remuneratórios, estão ligados principalmente ao sector de actividade em que se desenvolvem, ou seja, mais dependentes das características organizacionais que lhes definem o poder no MIT do Estado, do que propriamente à qualificação e “habilidades” dos seus trabalhadores. Neste quadro, a fP apresenta uma evolução da qualificação do trabalho para uma qualificação do emprego, edificada por uma

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estrutura internamente segmentada que decorre de uma hierarquia interna de funções com base na carreira, e não no trabalho desempenhado. O levantamento dos perfis salariais e a desmontagem percentual de afectação dos respectivos índices 100 ao longo do tempo nas respectivas carreiras, permitiu ainda corroborar a premissa defendida por Reynaud (1994) e as teorias de Dunlop (1966) e Hicks (1932) sobre a maximização do salário, apresentando-se o Estado permeável a pressões secto-riais, desligadas das leis do mercado de trabalho externo. Esta permeabilidade veio atestar segundo a teoria da decisão do poder social de Mitcheell e Larson (1982), que o nível de poder desencadeado pelas respectivas carreiras tem correspondência relativamente aos perfis remuneratórios desencadeados ao longo do tempo.Embora este estudo, não tenha como objectivo formular soluções, asserção facilmente compreensível pela dificuldade em edificar uma teoria explicativa sobre a questão da composição da remuneração do trabalho, o que se constituiria numa visão utópica pela enunciação de respostas definitivas para um mercado que continuamente evolui. Todavia, chega-nos a curta ambição de aprofundar as discussões que esta temática envolve, abrindo ainda espaço para a colocação de um problema mais abrangente, com a implementação do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Admi-nistração Pública - SIADAP, em que, os salários se edificam num contexto de papel activo, passando na prática de determinados a determinantes. A implementação da apelidada Nova Gestão Pública pretende acima de tudo desburocratizar, racionalizando custos, sob a premissa fundamental da eficácia organizativa, sendo esta alicerçada por um lado, na jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE e por outro, consubs-tanciado nas orientações da Comissão Europeia, para a construção de um conceito comunitário de função Pública. Como perspectivámos, este crescimento jurisdicional partilhado, tem configurado o conceito numa perspectiva funcional, no qual se per-filha uma análise da natureza das tarefas e das responsabilidades inerentes a cada posto, bem como, a sua importância participativa no exercício da autoridade pública para a prossecução e salvaguarda dos interesses gerais do Estado. Contudo, embora o modelo hierarquizado em carreiras que subsiste em Portugal desde 1990, tenha sido criado pela assumpção da necessidade adaptativa à nova realidade europeia, este demonstra-se actualmente desajustado do mercado de trabalho e sem uma aferição concreta e estes novos preceitos comunitários. O que inviabiliza um dos conceitos mais vitais das organizações modernas – a determinação de políticas salariais eficazes. A situação actual, não credibiliza um sistema que é gerador de iniquidades edificadas pelo relacionamento privilegiado dos poderes instituídos. Sendo teoricamente utópico criar um sistema remuneratório com base no desempenho, como determinante remu-neratória, enquanto o sistema assentar na simples qualificação do emprego (carreira), sem ter em atenção a qualificação do trabalho. As reformas por si só, não mudam mentalidades, mas estas tem um grau de eficácia maior quando percebidas como justas e necessárias. A percepção dos perfis salariais com base na remuneração de qualificação remete-nos para algumas interrogações. Será que o mercado global

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gerado em democracia comporta a existência de um sistema remuneratório público edificado essencialmente nas relações de poder desencadeadas sectorialmente, sem qualquer reflexo ao mercado de trabalho externo, ou mesmo por comparação a outras realidades europeias? Não será um mecanismo, que implementará a opacidade em vez da transparência impondo por “conveniência” a iniquidade remuneratória entre carreiras com graus de responsabilidade semelhantes? Não será um mecanismo que incentivará o absentismo em vez da motivação e da produtividade? Suleman (2003) cita Dominique Eustache por este considerar que as empresas enviam mensagens aos seus trabalhadores, através das suas políticas salariais, neste sentido, que mensagem quer o Estado enviar ou edificar? A grande questão que se coloca no futuro imedia-to, é, como o Estado vai credibilizar o seu sistema remuneratório? Se não corrigir primeiro as distorções que ele próprio criou ao longo do tempo.

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Paulo Jorge Caíadas da Quinta

Major de Infantaria do Exército Português. Licenciado em Sociologia pelo Ins-tituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Pós-graduado e Mestre em Políticas de Desenvolvimento dos Recursos Humanos (ISCTE). Professor Adjunto da Unidade Curricular (UC) Ética e Liderança na Academia Militar (AM). Professor Adjunto (Convénio) no Instituto Superior Técnico (IST) na UC Competências Transversais I. Adjunto e Professor para os Cursos de Liderança. Adjunto da Secção de Avaliação e Qualidade da AM. Membro do CINAMIL (Centro de Investigação da Academia Militar).

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Rogério f. dos Santos a1, Élio T. dos Santos a, Celso J. P. freilão Braz a

a Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169-244, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

Inserted into the cycle of conferences recently held about September 11th, 2001, the theme of this article, about the development of weapons systems is deemed as absolutely relevant, as the ten-year period since that event, allowed us to ascertain clearly what were the most significant developments within this issue and to assess the consolidation of some trends that may be in effect within the near future.Due to constraints of space and time, already evident at the time of the confe-rence, the scope of the article is limited to land weapons systems, specifically those that traditionally are within the domain of the infantry, cavalry and artillery units. Thus, after a brief framework, including the characterization of the assets used by nowadays asymmetric threat, we shall discuss briefly the different te-chnologies and systems that are already or about to be available to maneuver forces within the theater of operations, with the dual purpose of provide them superiority over the threat and maximize their due protection. we will make a brief reference to unmanned aerial systems and network warfare assets, but only on the perspective of immediate interaction with the troops on the terrain.Next, we will discuss the specific case of the artillery and ground fire support, emphasizing the respective operational environment, the combat organization, the evolution of the weapons and ammunition, the targeting and the command and control.

a EvoluÇÃo dos sistEmas dE armas aPós o 11 dE sEtEmbro dE 2001

1 Contacto do primeiro autor – Tel.: 214985660 Email: [email protected] (Rogério Santos); [email protected] (Élio Santos); celsojorgebraz@

hotmail.com (Celso Braz)Recebido em 8 Maio 2012 / Aceite em 28 Maio 2012

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we will end, by issuing some conclusions about the developments achieved during the period in question and about some predictable tendencies.

Keywords: weapons Systems, force Protection, Infantry weapons, Combat Vehicles, Ammunitions.

rESumo

Inserido no ciclo de conferências recentemente realizado sobre o 11 de setembro de 2001, o tema do presente artigo, acerca da evolução dos sistemas de armas, torna-se absolutamente pertinente, já que os dez anos passados desde aquele evento, permitem aquilatar com alguma clareza quais os desenvolvimentos mais significativos neste âmbito e verificar a consolidação de algumas tendências que marcarão o futuro próximo.Por limitações de espaço e de tempo, já patentes aquando da realização das conferências, o âmbito do artigo circunscreve-se apenas aos sistemas de armas terrestres, tradicionalmente no domínio da infantaria, da cavalaria e da artilharia.Assim, depois de um breve enquadramento, incluindo a tipificação dos meios usados pela atual ameaça assimétrica, abordaremos com brevidade as diversas tecnologias e sistemas que já estão ou começam a estar ao dispor das unida-des de manobra terrestre nos teatros, com a finalidade dupla de lhes granjear superioridade sobre as suas ameaças e de lhes maximizar a devida proteção. Faremos breves alusões a sistemas de armas aéreos não tripulados e sistemas de guerra em rede, mas sempre na perspectiva de imediata interação com as tropas no terreno.De seguida, abordaremos o caso específico da artilharia e do apoio de fogos terrestres, dando relevo ao respetivo ambiente operacional, à organização para o combate, à evolução dos materiais e das munições, à aquisição de objetivos e ao comando e controlo.Acabaremos, ensaiando algumas conclusões acerca da evolução no período em causa e de algumas tendências visíveis.

Palavras-chave: Sistemas de Armas, Proteção da força, Armas de Infantaria, Veículos de Combate, Munições.

1. INTroDuÇÃo

A Academia Militar através do Departamento de Ciências e Tecnologia Milita-rares, decidiu assinalar a passagem do décimo aniversário dos atentados do 11

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de setembro de 2001, ocorridos em Nova Iorque e washington, com um ciclo de conferências interno, dedicado ao evento e suas consequências, mormente na perspetiva das várias ciências militares. Uma dessas óticas pretendeu, com toda a pertinência, abordar a evolução dos sistemas de armas no período em questão. De facto, sem uma mudança tão radical na arte de fazer a guerra, decerto terão havido mudanças significativas, entre outras matérias, nas armas e nos meios empregues, em teatros de operações de alta intensidade, um dos quais perdura também desde essa data.Tendo o atual campo de batalha dimensões tão díspares como os que lhe são conferidos pelas componentes terrestre, aérea, marítima, submarina, subterrânea, espacial e ainda dos espaços electromagnético e cibernético (Powell, 2010), seria necessário, com justiça, dedicar no mínimo uma palestra para cada uma delas. Assim, foi decidido limitar o âmbito da conferência e respetivo artigo, aos sistemas de armas terrestres, tradicionalmente no domínio da infantaria, da cavalaria e da artilharia, de alguma forma a especialidade dos professores envolvidos na preparação da conferência.Muito haveria a dizer sobre os sistemas de armas aéreos, navais e espaciais, que logicamente também têm evoluído continuamente. A componente aérea é essencial na conduta das operações e está fortemente presente em todos os teatros, com o intuito de granjear a supremacia e apoiar fortemente as operações terrestres e navais. Mas, obviamente tal componente seria por si só tema para outra con-ferência ou ciclo. Referiremos apenas com brevidade a eminência dos veículos aéreos não tripulados, já que alguns deles, pela sua finalidade e simplicidade de operação são mesmo controlados pelas tropas terrestres.A vital importância que as sociedades da informação, comunicação e conhe-cimento detêm, a par das suas evidentes vulnerabilidades, veio trazer à guerra uma nova dimensão de conflito, o espaço cibernético. Também neste caso, pela vastidão e complexidade do tema, seria impossível ir mais além do que uma breve referência aos sistemas de guerra infocentrada em rede.Desde que o homem, ainda no longínquo Paleolítico, começou a fabricar uten-sílios – armas –, primeiro para caçar e posteriormente para fazer a guerra, foi inerente a necessidade de desenvolver artefactos cada vez mais sofisticados, que conferissem ao caçador e, sobretudo, ao combatente, vantagens significativas tanto no ataque como na defesa.É sabido que o sucesso das sociedades e dos seus exércitos na guerra depende de múltiplos fatores concorrentes, como sejam a organização, a estratégia, a tática, a liderança, o moral, a formação e o treino, entre outros (Boot, 2006). Igualmente importante, para não dizer fundamental, tem sido a inovação e a superioridade do armamento. De facto, inovações importantíssimas ao nível dos sistemas de armas, como foram o aparecimento do arco, das armas de metal, do combate montado – a cavalaria -, das máquinas pesadas de guerra, da pólvora,

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dos canhões, do mosquete, da metralhadora, do avião, do carro de combate, ou da arma atómica, conferiram aos seus primeiros utilizadores uma enorme vantagem que decidiu os respetivos conflitos a seu favor.A necessidade da detenção da superioridade no âmbito dos sistemas de armas por parte dos exércitos atuais mantém-se, evidentemente temperada pela conjun-tura política e económica. É sabido que as guerras são os maiores laboratórios para a investigação e desenvolvimento de novos sistemas de armas e que os períodos pós-guerra são, pelo contrário, os de maior contenção orçamental.Para poder perceber a lógica da evolução dos sistemas de armas após o 11 de setembro de 2001, é preciso identificar igualmente os eventos precedentes mais marcantes, a começar pelo colapso da União Soviética e o final da Guerra Fria, que fez terminar a corrida a sistemas de armas estratégicos de elevada letalidade ou a produção de inúmeros sistemas táticos pesados destinados a conflitos de movimento e objetivos profundos – as guerras de terceira geração (Lind, 2004).O fim da Guerra Fria trouxe consigo uma mudança notória da conflitualidade, com o emergir de novas ameaças: catástrofes ambientais, eclosão de nacionalis-mos, estados falhados, terrorismo transnacional, emergência de novas potências nucleares e proliferação de armas de destruição massiva. As guerras de 4ª geração, que se tinham tornado emergentes desde a conferência de Bandung em 1954, passaram agora a proeminentes, em detrimento das guerras de 3ª geração. Para adaptação a tal vicissitude, os conceitos estratégicos dos países e alianças e as ciências militares das forças armadas tiveram que ser convenientemente alterados.Outros agentes muito importantes para as tendências evolutivas dos sistemas de armas e que convém ter em mente, têm sido (Powell, 2010):• A pressão dos órgãos de comunicação social, cada vez mais presentes nos

teatros e com um considerável poder de influência na opinião pública;• As políticas dos estados, formuladas com o objetivo de garantir o menor

número de baixas possível nos conflitos atuais;• Os custos associados à formação e ao treino cada vez mais técnicos e se-

letivos dos soldados contemporâneos;• A evolução do conceito de Proteção da Força2 (Force Protection), enfim, o

corolário lógico dos agentes anteriores.

2. EVoLuÇÃo TECNoLÓGICA

As armas e sistemas de armas têm sofrido, ao longo dos séculos, uma permanente evolução causada pelo surgimento de sucessivas novas ameaças, com eficácia

2 No âmbito da NATO, entende-se por Proteção da força como “todas as medidas e meios para minimizar a vulnerabilidade do pessoal, instalações, equipamento e operações face a qualquer ameaça e em todas as situações, a fim de preservar a liberdade de ação e a eficácia operacional da força”.

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ofensiva e destrutiva acrescida e cada vez mais de difícil contenção. A evolução tecnológica, não sendo o único fator de valorização das forças militares, será um dos fatores fundamentais para a definição da organização e emprego das forças militares, sendo preponderante na qualidade do poder militar. A tecnológica tem sofrido enormes progressos que proporcionaram a evolução dos sistemas de armas cada vez mais sofisticados. Esta evolução vem exigir, nos vetores da formação e do treino, maior exigência aos militares, requeren-do elevadas aptidões psicotécnicas e manutenção das qualificações de forma a manter um nível de prontidão operacional adequado. A título de exemplo seguem-se alguns sistemas elucidativos das exigências de formação e treino anteriormente referidas.

2.1 Sistema Avançado Soldado integrado C4i – Francês

O Sistema fELIN consiste no equipamento indi-vidual do soldado do futuro francês. O sistema é composto por um computador portátil, sistema GPS, rádio integrado de voz e dados, equipamentos óticos avançados, uniforme e equipamento de combate com colete e capacete balístico, incluindo armas e respetiva dotação de munições, rações alimentares, água e 24 horas de autonomia de energia. O sistema fELIN inclui um total de cerca de 150 subsistemas, prevê-se que o sistema tenha cinco configurações para diferentes níveis de comando, com peso máximo do sistema de 24 kg. O exército francês pretende adquirir para cada um dos 20 regimentos, 1.000 sistemas, como ilustra a figura 1.

2.2 Remote Weapon System (RWS) da Kongsberg

O Remote weapon System é um sistema au-tomático de tiro comandado à distância, com sistemas óticos avançados, para armas ligeiras ou pesadas, como ilustra a figura 2. Pode ser instalado em viaturas de combate terrestre ou em plataformas marítimas ou aéreas. Estes sis-temas equipam as modernas viaturas militares, permitindo que o apontador tenha a capacidade de adquirir alvos e fazer tiro do seu interior sobe proteção da blindagem do veículo.

Figura 1: Sistema fELIN.Fonte: Adaptado de Military of China (2011).

Figura 2: Sistema Remote weapon System.Fonte: Adaptado de Hybrid ABC (2010).

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O RwS é composto de duas partes:• A montagem fixa no exterior da viatura, giroestabilizada com capacidade de

rotação de 360 graus e de cerca de -20 a +60 graus de elevação. Dispõe de sensores que incluem uma câmara de vídeo de visão diurna, uma câmara térmica para operação noturna e um telémetro a laser. Também está equipa-do com um sistema integrado de controlo de tiro que fornece as correções balísticas, adequado à respetiva arma. O peso da estação depende da arma utilizada e em função dos diferentes módulos colocados.

• O grupo de controlo montado no interior da viatura inclui um monitor, painel de controlo e manípulo de comando e tiro do sistema de armas.

2.3 Forcefield Ballistic Camera

O Forcefield Ballistic Camera é um sistema não letal, de apoio à proteção da força, que permite, através de uma câmara de vídeo, a visualização e registo digital de uma determinada áreas ocupada ou inacessível, como ilustra a figura 3. Consiste num projétil contendo a câmara sendo lançado balisticamente para a área pretendida através de um lança granadas de 40 mm. Durante o voo, a câmara necessita de apenas uma fração de segundos para a captação e gra-vação da imagem da área sobrevoada pelo projétil ao longo da sua trajetória. A câmara utilizada no projétil é de baixo custo, cada projétil custa na ordem dos 40 € e pode ser reutilizável.

3. ArmAS E TÉCNICAS Do “NoVo” TErrorISmo TrANSNACIoNAL

Embora se verifique uma assimetria evidente entre as forças oponentes nos atuais cenários, as armas e técnicas do “novo” terrorismo transnacional não podem ser menosprezadas. As guerrilhas e grupos insurretos afetos ao terrorismo utilizam geralmente armas de fácil aquisição, manutenção e operação, tais como por exemplo a ubíqua espingarda de assalto AK-47 Kalashnikov ou o versátil lança granadas foguete RPG-7 que pode ser empregue contra uma grande multiplicidade de alvos. Todo este armamento tem características de emprego muito simples e versátil (de aprender, de manusear e de dissimular), é de fácil profusão nos teatros e tem enormes efeitos letais. Algumas metralhadoras ligeiras ou mesmo

Figura 3: Sistema Forcefield Ballistic Camara.Fonte: Adaptado de Ashima Devices (2010).

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pesadas, como a DShK 12,7 mm, morteiros médios e lança foguetes múltiplos completam a panóplia de armas à disposição de forças insurgentes.Não poderemos deixar de considerar a possibilidade de utilização de armas de destruição massivas (biológicas; químicas; radiológicas), sendo que estas ameaças já existiam, mas o colapso da URSS aumentou o risco de tráfego de materiais perigosos, retirados de arsenais debilmente controlados.Por último e como ilustra a figura 4, uma referência às minas de todos os tipos, aos explosivos clássicos e improvisados (IED) e respetivos veículos de ataque, atualmente umas das ameaças mais mortíferas, derivado à elevada profusão de munições, explosivos e matérias-primas, aliados a uma elevada capacidade e versatilidade de construção (know-how) deste tipo de artifícios por parte dos grupos terroristas. Circulam na internet “manuais de resistência” de origens tão diversas como a Al-Quaeda ou o Ku Klux Klan.

4. DEFESA DoS ESPAÇoS FÍSICoS

As ameaças referidas no ponto anterior obrigaram a uma maior apreensão rela-tivamente à proteção da força. Pontos críticos, terminais de transportes, insta-lações, itinerários, são palco de inúmeras e perigosas tentativas de IED, muito bem disseminados, elaborados e acionados por dispositivos de controlo remoto simples, tais como telefones móveis, controlos de garagens ou eletrodomésticos. Os equipamentos de segurança e defesa no espaço soberano das nações ocidentais (Ranstorp e Normark, 2009), e nos teatros de projeção operacional, passaram a ter uma redobrada preocupação, com melhoramentos significativos ao nível de diversos equipamentos e procedimentos do qual destacamos os seguintes:• Detetores de metais, explosivos e raios X;• Equipamentos de vigilância vídeo e sistemas eletrónicos anti-intrusão;• Barreiras de segurança em pontos críticos e terminais de transportes;• Equipamentos EOD, montados em UGV ou robôs; • Defesa civil NBQR;• Deteção e controlo de materiais radioativos;• Proteção dos espaços marítimos e aéreos;• Empasteladores de frequências rádio (jammers).

Fonte: Adaptado de wikipedia (2009).

Figura 4: IED destrói Stryker no Iraque, 2007.

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5. SISTEmAS DE ArmAS oCIDENTAIS

Relativamente aos sistemas de armas ocidentais nas operações de contra ter-rorismo verificou-se essencialmente uma integração e adaptação das inovações tecnológicas entretanto desenvolvidas. Permitindo melhorar o desempenho das forças militares e aumentar a sua eficácia no combate ao terrorismo. Contudo, devido à grande rapidez das evoluções tecnológicas identificam-se grandes difi-culdades na integração de alguns destes sistemas. Sobretudo, devido a ausência de experimentação adequada e consequente ausência de doutrina e treino bem definidos. Sendo por isso, muitas vezes ajustado e adaptado às forças através de requisitos operacionais urgentes, para os quais a indústria de defesa desenvolve possíveis soluções que mesmo antes de serem convenientemente testadas são implementas nas forças em operações.Atendendo a estas considerações, leva-nos a afirmar que a evolução dos sistemas de armas não estão diretamente relacionadas com o 11 de setembro de 2001, mas sim, com as naturais necessidades das operações e dos desenvolvimentos tecnológicos que têm vindo a ocorrer. Vamos de seguida apenas destacar algumas dessas inovações entretanto ocorri-das de forma a evidenciar exemplos no âmbito dos diversos sistemas de armas ocidentais.

5.1 Armamento Ligeiro Comuns e Calibres

Ao nível dos armamentos comuns e respetivos calibres destacamos a ineficácia do calibre 5,56 mm em termos de alcance, efeito supressivo, poder vulnerante e derrubante, quando comparado com o 7,62 x 39 mm da AkM, Ak-47, com a consequente adoção de eficazes contramedidas por parte das guerrilhas e grupos insurgentes.A tendência atual aponta para a necessidade de um calibre intermédio, que se en-contra em estudo previsivelmente deverá situar-se nos 6,5 mm; 6,7 mm ou 7 mm.

5.2 veículos Aéreos Não Tripulados (uAv)

O poder aéreo mantém-se essencial e continua a evoluir, embora sem grandes revoluções. A importância da supremacia aérea para apoio às operações táticas terrestres é fundamental. Este apoio tem vindo a ser complementado com os UAV, permitindo menor risco que aeronaves tripuladas e provendo engenhos cada vez mais eficientes, versáteis e orientados para a missão (United States Army, 2012). Permitem aumentar as capacidades da força de combate, reduzir as sua vulnerabilidades e poupar recursos humanos. Alguns UAV, de pequenas dimensões, transportados, operados e mantidos pelas tropas terrestres, permitem-lhes aumentar a capacidade de supressão imediata, vigilância e reconhecimento, iluminação do campo de batalha, etc.

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Começaram a ser produzidos em série, tornaram-se mais baratos e têm vindo a ser utilizados em profusão nos teatros de operações do Iraque e Afeganistão.

5.3 veículos Terrestres Não Tripulados (uGv)

A tendência atual é para o automatismo de veículos terrestres – os robôs. Alguns já atuam sem intervenção humana, um determinado número de ações autónomasprogramadas (deslocamentos, vigilância, iluminação de alvos, combate, etc.), como ilustra a figura 5.Os UGV, são mais difíceis de conceber do que os UAV devido à diversidade de obs-táculos no ambiente em que podem ter de ser empregues, podem usar rodas e lagartas para os seus deslocamentos, embora haja já protótipos eficientes de veículos bípedes e quadrúpedes.Para além da robotização ser aplicada a veículos de dimensões normais, com o progresso da nanotecnologia verifica-se o seu emprego em modelos reduzidos.

5.4 viaturas de Transporte e Proteção de Colunas

Neste tipo de viaturas destaca-se o programa americano das Mine Resistant Ambush Protected (MRAP), que teve como objetivo substituir as viaturas HMMVw (High Mobility Multipurpose Wheeled vehicle) e garantir viaturas com níveis de proteção que conferissem maior segurança às principais ameaças nos teatros de operações do Iraque e Afeganistão, nomeadamente IED e RPG. Atualmente os americanos têm um programa em curso, para uma viatura blin-dada ligeira – a Joint Light Tactical vehicle, que face às restrições económicas tem vindo a ser sucessivamente protelado. Este projeto assenta nas tendências dos requisitos urgentes operacionais – maior proteção e capacidade de carga, mas com menor peso.

5.5 viaturas Blindadas de Combate

No âmbito das viaturas blindadas de combate [carros de combate (CC) e via-turas blindadas de combate de infantaria (VBCI)] deparamo-nos com dois tipos de plataformas: rodas 8x8 e lagartas. Embora se verifique uma forte tendência para as viaturas de rodas, sobretudo por terem uma sustentação económica mais baixa e serem menos pesadas, as viaturas de lagartas continuam a fazer parte integrante das forças mesmo nos teatros mais recentes.

Figura 5: MULE-ARV. Fonte: Adaptado de United States Army (2004).

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Atualmente apenas a Coreia do Sul com o K2 Black Panther, o Japão com o Type 10 e a Turquia com o Altay, desenvolveram projetos recentes para equipar as suas forças com novos CC a medio-prazo. A Índia também já concluiu os requisitos para o seu novo projecto de carro de combate, o fMBI, que passará agora à fase de desenvolvimento. Os EUA e outros países parecem apostados em tentar desenvolver um tipo de veículo que reduza os elevados custos de projeção para os teatros, mas que proporcione um elevado poder de fogo (face a uma ameaça que não terá CC nem armas anticarro pesadas). Note-se que uma pequena unidade de CC ao ser projetada irá requerer que os demais elementos de armas combinadas (infantaria, artilharia, engenharia, AAA, etc.) da respe-tiva Brigada ou Battle Group, sejam também eles devidamente mecanizados e blindados, incrementando as dificuldades de projeção. A Rússia e a China e mesmo outros países europeus ocidentais, parecem expectantes antes de de-cidirem por novos projetos complexos e onerosos. Entretanto os seus parques de viaturas blindadas vão envelhecendo visivelmente, como se viu no conflito da Rússia com a Geórgia, em 2008, sem lhe retirar, todavia, protagonismo em conflitos mais simétricos.Os carros de combate embora sem grandes inovações continuam a ser os ve-ículos de decisão e os que melhor proteção oferecem. Veja-se o seu emprego pelos EUA no Iraque (kinzey, 2003); EUA, Canada, Dinamarca e Reino Unido no Afeganistão; Israel no Líbano. Persistem em ser os únicos a garantirem a mobilidade, o poder de fogo e precisão, a proteção e a influência psicológica nas operações. Ainda assim, a maioria dos modelos em serviço tem mais de 20 anos, alguns até mais de 30. Os incrementos são mais visíveis ao nível dos sistemas avançados de controlo de tiro, das munições e das blindagens reativas.Salienta-se também o surgimento de desenvolvimento ao nível dos sistemas de proteção ativos, eficazes contra múltiplas e variadas armas anticarro, possibili-tando o desenvolvimento de viaturas mais ligeiras, de acordo com a figura 6.

Figura 6: Trophy Active Protection System.Fonte: Adaptado de Littman (2012).

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Releva-se ainda a tentativa de desenvolvimento de blindagens eletromagnéticas, aplicáveis a diversos tipos de plataformas blindadas, especialmente ligeiras. Todavia, estas tecnologias ainda não amadureceram.Várias potências, fruto das suas experiências com CC nos modernos teatros, estão a tentar adaptar os mesmos às vicissitudes do combate urbano. É o caso dos EUA com o M1A2 Abrams TuSK (Tank urban Survival Kit), da frança com o Leclerc AZuR (Action en Zone uRban), da Alemanha com o Leopard 2 PSo (Peace Support operations) e até da Rússia com o BMPT, um veículo blindado concebido de propósito para o apoio ao CC em ambiente urbano.

5.6 Sistemas de Apoio de Fogos

Os sistemas de apoio de fogos são desenvolvidos no parágrafo sobre a “Evo-lução dos sistemas de armas de Artilharia pós 11Set01”.Destaca-se, mesmo assim, o inovador sistema de morteiros duplos 120 mm autopropulsados AMoS (Advanced Mortar System) desenvolvido pela Patria Hägglunds, uma joint-venture sueca-finlandesa. O sistema permite um impres-sionante poder de fogo, direto ou indireto, possuindo um sistema de carrega-mento automático, dois sistemas de navegação (inércia e GPS) e um sistema avançado de cálculo de tiro.

6. GuErrA DA INFormAÇÃo

Um sistema de guerra em rede é hoje em dia uma necessidade nos exércitos ocidentais modernos. Resulta da revolução das tecnologias de informação (TI), que atualmente permitem a circulação de informações recolhidas no campo de batalha, quase imediata e na totalidade dos escalões de comando.O ciberespaço passou a ser uma dimensão cada vez mais importante, não só de controlar mas também de proteger. As capacidades ofensivas dos exércitos modernos dependem do domínio deste espaço. O seu controlo garante o apoio dos diferen-tes escalões de comando e controlo, possibilitando a escolha eficaz dos sistemas de armas para bater determinado alvo, reduzindo fratricídios e economizando meios. Porém, ainda existem inúmeras fragilidades nas arquiteturas das TI que, ao contrário de muitas outras aplicações militares, são desenvolvidas com base nos avanços científicos civis. A sua vulnerabilidade perante as ações de agentes hostis, tais como hackers amadores, pacifistas, grupos de pressão (Wikileaks), permite às ameaças assimétricas vantagens que têm sido exploradas neste domínio. Estima-se igualmente que todas as potências militares estejam desenvolvendo elevadas capa-cidades, defensivas e especialmente ofensivas, capazes de neutralizar e bloquear arquiteturas fundamentais de controlo e suporte aos sistemas considerados vitais para as sociedades avançadas, em especial as das grandes urbes metropolitanas.

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Na guerra em rede, realça-se, uma vez mais, a necessidade de soldados cada vez com mais capacidades psicotécnicas, com maior formação técnica e mais bem treinados, mas contudo mais caros. A sua preservação, à custa de medidas de proteção da força cada vez mais relevantes, é uma realidade adquirida.

7. o CASo ESPECÍFICo DoS SISTEmAS DE ArmAS DE ArTILHArIA

7.1 Ambiente operacional

De acordo com Romão e Grilo (2008), o ambiente operacional contemporâneo é marcado pela emergência de nacionalismos, antagonismos regionais étnicos e religiosos, a par de ameaças globais como o terrorismo, o crime organizado transnacional e a proliferação de armas de destruição maciça. face a este ce-nário, os Estados assumem cada vez mais uma política de segurança e defesa afastada, garantida por forças militares projetáveis para teatros de operações longínquos e por períodos prolongados (sustentáveis), integradas em forças combinadas (interoperáveis), e capazes de executar operações em todo o es-pectro da conflitualidade (flexíveis).As forças, comparativamente ao passado, são caracterizadas pela maior disper-são e menor número, dotadas de elevada mobilidade tática, que lhes permita concentrar rapidamente potencial de combate para lançar ataques em profundi-dade, voltando a dispersar uma vez concluída a missão. A fluidez e a ausência de frentes lineares e zonas de retaguarda traduz-se no aparecimento do campo de batalha não linear.Nestes conflitos assimétricos, caracterizados pela intervenção de forças irre-gulares, o combate adquire um carácter predominantemente urbano, onde as forças hostis conseguem obter abrigo e apoio, levantando sérios problemas em termos de proteção da força e de identificação, localização e ataque a objetivos.

7.2 Reflexos na Organização e Emprego da Artilharia de Campanha

O novo ambiente operacional coloca significativos desafios ao emprego da Artilharia de Campanha.O ambiente urbano em que decorrem as operações táticas, caracterizado pela proximidade da população local, implica que os fogos letais de Artilharia de Campanha sejam mais criteriosos e precisos e menos volumosos, de forma a minimizar os danos colaterais sobre a população, infraestruturas energéticas, económicas, históricas ou religiosas, evitando assim que as operações táticas tenham implicações aos níveis operacional, estratégico ou mesmo político.A assimetria e ampla extensão dos teatros de operações conduzem à dispersão das unidades da força, cabendo às unidades de Artilharia de Campanha não

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só acompanhar as unidades de manobra, como ainda cobrir os flancos, as re-taguardas e os intervalos não controlados pelas forças de manobra. Esta vasta extensão da Zona de Ação implica um incremento dos alcances e a capacidade de apoio em 360º.A fugacidade dos objetivos, materializada por uma ameaça com elevada mobi-lidade e reduzido efetivo, implica uma efetiva redução do tempo de resposta.Num cenário em que o combate se realiza predominantemente em áreas urbanas, e onde a ameaça é frequentemente constituída por forças irregulares inseridas no meio da população (entre as quais procuram abrigo), decorrem naturalmente restrições de emprego de meios letais.O carácter conjunto e combinado dos últimos conflitos requer, por sua vez, a interoperabilidade das unidades de Artilharia de Campanha com as forças alia-das, em especial no que se refere ao Comando e Controlo, munições, doutrina e procedimentos.Uma vez abordadas as implicações gerais para a Artilharia e Campanha, veja-mos agora quais as incidências em cada uma das componentes do Sistema de Artilharia: Armas e Munições, Aquisição de Objetivos e Comando e Controlo.

7.2.1 Armas e munições

A Artilharia de Campanha deverá dispor de sistemas de armas e munições que permitam o seu emprego eficaz e a obtenção dos efeitos desejados em todo o espectro de operações, desde a simples demonstração de força à destruição da força hostil, bem como garantir a interoperabilidade com as forças aliadas, de forma a garantir a sua integração e a segurança coletiva. É portanto necessário que a componente “Armas e Munições” garanta:• Mobilidade

Os sistemas de armas disponíveis deverão permitir o seu emprego em todo o espectro do conflito, sendo consequentemente dotados de elevada mo-bilidade estratégica e tática, que permita uma rápida projeção por meios aéreos associados a forças de entrada inicial e a participação em operações de elevada mobilidade. Neste quadro afigura-se naturalmente o emprego dos obuses 105 mm M119 Light Gun, e 155 mm M777 Light weight 3.Os atuais obuses 155 mm autopropulsados (M109A6 e PzH2000), para além de apresentarem prazos de projeção mais alargados (fazendo uso de meios de transporte terrestres e marítimos, ajustados ao seu peso e volume), ca-

3 O obus 105 mm M119 Light Gun equipa presentemente o Grupo de Artilharia de Campanha (GAC) da BrigRR. Prevê-se ainda que futuramente, tal como previsto em LPM, o obus 155mm Light weight venha a equipar o GAC da BrigInt.

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recem de mobilidade tática, pelo que o seu potencial emprego se restringe essencialmente à execução de fogos a partir de Zonas de Posições fixas.A título adicional, verifica-se ainda que as atuais restrições orçamentais, que afetam os exércitos dos países da União Europeia e da NATO, resultam claramente numa redução dos custos inerentes à operação e manutenção dos sistemas de armas. São disso reflexo a retração dos efetivos dos Exércitos nacionais e o esforço visível de redução do peso logístico e financeiro, as-sociado à aquisição e manutenção dos sistemas de armas. Neste capítulo, os meios blindados encontram-se em clara desvantagem, quando comparados com os meios ligeiros. Se a este facto associarmos a necessidade de pro-jeção das forças, torna-se por demais evidente que estes últimos tenderão a assumir cada vez mais preponderância no atual panorama económico, político e militar.

• Reduzido tempo de respostaNo atual ambiente operacional é imperativo maximizar a precisão (evitando danos colaterais e o fratricídio) e, simultaneamente, minimizar o tempo de resposta face à fugacidade dos objetivos. De acordo com as lições aprendidas pelos nossos aliados, a duração média das missões de tiro não deve exceder os 2 minutos, entre o pedido inicial e o tiro sobre o objetivo (Cobb et al, 2005). Este procedimento só é possível através da utilização constante de elementos de tiro aferidos 4 e a localização precisa dos sistemas de armas, bem como pela transmissão automática de dados entre os sensores e as unidades de tiro, pelo que se torna imperiosa a utilização de Sistemas Automáticos de Comando e Controlo (SACC), em uso no Exército Português desde 2005.Adicionalmente, assistimos ao emprego de sistemas automáticos de carrega-mento, pontaria e localização, acoplados aos sistemas de armas disponíveis. São disso exemplo os obuses PzH2000, Caesar ou Archer, capazes de entrar em posição, executar 3 salvas e sair de posição num tempo inferior a 2 minutos. (Oliveira e Santos, 2010)

• PrecisãoUma vez que o emprego de munições convencionais no ataque a objetivos pontuais apresenta uma reduzida taxa de eficácia e um elevado risco de danos colaterais, em especial quando localizados em áreas urbanas, o ata-que a este tipo de objetivos passa atualmente pelo emprego munições com guiamento por GPS (granadas 155 mm M-982 Excalibur e foguetes M-30

4 Valores corrigidos de direção, elevação e graduação de espoleta, que contemplem as condições balísticas de momento (temperatura e densidade do ar, direção e velocidade do vento e velocidade inicial da boca de fogo, entre outras), permitindo impactos a 50 metros (ou menos) do objetivo, utilizando munições convencionais.

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GMLRS Unitary), com um erro circular inferior a 10 metros. Concorrente-mente encontram-se em fase de desenvolvimento dispositivos de precisão (montados na espoleta) que permitirão transformar as munições convencionais de 105 mm ou 155 mm em munições de precisão 5.O incremento da precisão passa ainda pela implementação de sistemas au-tomáticos/digitais de pontaria, observação avançada, transmissão de dados e de localização.

• AlcancePara fazer face à vasta dimensão das Zonas de Ação que caracterizam os atuais Teatros de Operações, o alcance das bocas de fogo deverá atingir os 40 km6, o que já é possível com os novos obuses de 52 calibres, como é o caso do PzH2000, Caesar ou Archer.Conforme definido nas Force Proposals 2008, as Brigadas deverão dispor, até 2018, de meios de Artilharia de Campanha orgânicos com alcances iguais ou superiores a 25 km, podendo empregar uma panóplia variada de munições que inclui as minas dispersáveis anticarro (ACAr) e munições de guiamento terminal. As unidades de Artilharia de Campanha de escalão superior a Brigada, características das forças multinacionais, deverão ter alcances superiores a 40 km (Cardoso, 2008).Não é pois de estranhar que, pese embora a sua reduzida mobilidade, o obus PzH2000 opere no atual TO do Afeganistão, ao serviço do Exército Holandês, tirando partido do seu superior alcance.Concorrentemente, assiste-se à primazia do emprego de munições assistidas, com alcance acrescido, como a Excalibur (EUA) ou a BONUS (frança).

• flexibilidadeAs unidades de Artilharia de Campanha deverão ser modulares, de forma a permitir o seu emprego de acordo com a missão e o Teatro de Operações, bem como a sua adequação à natureza das várias fases do conflito.A experiência recolhida no teatro de operações do Afeganistão tem de-monstrado que, na fase de estabilização, a Artilharia de Campanha poderá atuar com unidades de pequeno escalão, que poderão ir até Pelotão (2 a 3 Secções). No entanto é necessário acautelar a possibilidade de escalada do conflito, que exija o emprego de fogos de massa, a executar por uma ou mais Baterias, pelo que o desafio passa por dispor de uma organização que permita a rápida transição (no tempo e no espaço) de uma situação para outra.

5 Alocução do TCOR ART Michael Borg, Comandante do Treino de Apoio de fogos da força Tarefa “Vampire”, no âmbito do Seminário de Artilharia de 2008.

6 Minimum Military Requirement / Capabilities Statements 2008.

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No domínio das Armas e Munições há ainda a referir que, face às atuais restrições orçamentais que afetam os Exércitos dos países da NATO, se pode constatar a existência de duas linhas de evolução:– A manutenção dos atuais sistemas de armas, prolongando a sua vida útil

através de melhoramentos pontuais. Esta é a linha seguida pelo Reino Unido e Estados Unidos da América;

– O abandono, total ou parcial, dos sistemas de lagartas e a adoção de obuses ligeiros, rebocados ou motorizados, obtendo assim capacidade de projeção, a redução de efetivos e a diminuição do peso logístico. Esta é a linha seguida pela frança (parcialmente), Suécia, Noruega e Canadá (Santos, 2008).

7.2.2 Aquisição de objetivos

face à assimetria da ameaça, é fundamental garantir a capacidade de aquisição em 360º.O eventual emprego de Baterias em operações autónomas requer ainda que as mesmas sejam dotadas dos sistemas de Aquisição de Objetivos que propiciem a deteção, localização e identificação de objetivos, situação que já se encontra acautelada nos atuais quadros orgânicos dos Grupos de Artilharia de Campanha dos elementos da componente operacional do Sistema de forças do Exército.Para além da adoção de radares com capacidade de pesquisa em 360º, há ainda que relevar o emprego de meios complementares, como é o caso dos sensores terrestres remotos (acústicos e/ou sísmicos), contribuindo de modo integrado para a Common operational Picture (Imagem Operacional Comum)7. Os sen-sores acústicos, como meios passivos, permitem ao Comandante da força uma monitorização contínua do campo de batalha, ao mesmo tempo que comple-mentam a ação de outros meios (tais como radares de localização de armas8). Estes sistemas tecnologicamente avançados, precisos e fiáveis, que operam com guarnições reduzidas, apresentam custos consideravelmente baixos quando comparados com outros meios de deteção de armas (Salvado, 2009).Tal como preconizado nas NATo Capability Statements (FP08), estes meios deverão ainda operar em redes digitais integradas (permitindo a sua inserção em sistemas ISTAR 9 e a partilha da Common operational Picture e dispor de capacidade de rápida projeção em apoio das forças de manobra (Almeida, 2009).

7 Imagem digital que integra a informação disponível sobre as Forças Amigas, Área de Operações e forças hostis, ilustrando, em tempo quase real, a situação tática de momento.

8 Radares de deteção, localização e identificação de unidades de Artilharia (obuses, morteiros, foguetes e mísseis) hostis.9 Designação NATO que engloba todos os sistemas de Informações, Vigilância, Aquisição de Objetivos e Reconhe-

cimento.

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Quanto aos sistemas ISTAR, é indispensável relevar o emprego crescente dos UAV, os quais providenciam uma imagem em tempo real dos objetivos, permi-tindo não só o seu preciso e atempado ataque, bem como a posterior avaliação de danos (BDA – Battle Damage Assessment), permitindo apurar se os efeitos pretendidos foram obtidos, bem como reformular a combinação arma/munição a empregar no ataque a futuros objetivos.

7.2.3 Comando e Controlo

A interoperabilidade requerida pela natureza multinacional da força, onde as unidades de Artilharia de Campanha se inserem, requer ainda a compatibilidade de sistemas, desde as armas e munições ao Comando e Controlo das operações, facilitando deste modo a Direção Tática e Técnica do Tiro 10 (nomeadamente a partilha de bases de dados e permuta de informações táticas e técnicas) e as operações de reabastecimento de munições (permitindo a realização de acordos no âmbito do remuniciamento e/ou a permuta de munições entre unidades de tiro de diferentes nações).face à natureza da ameaça, que exige fogos precisos e oportunos, o recurso a Sistemas Automáticos de Comando e Controlo, interoperáveis, é uma realidade incontornável.

7.3 Reflexos nos Sistemas de Armas de Artilharia Antiaérea

Tendo em consideração a supremacia aérea aliada, que caracteriza os teatros de operações contemporâneos, o esforço de Defesa Aérea tem-se centrado no desenvolvimento de sistemas de armas com capacidade contra ataques de mísseis, foguetes ou artilharia (C-RAM - Counter-Rocket, Artillery and Mor-tar), bem como contra uAv. Paralelamente, e pelos motivos já apresentados, a implementação de sistemas de comando e controlo interoperáveis, operando em rede digital, assume-se como imprescindível (Borges, 2008).

8. CoNCLuSÕES

A permanente procura da superioridade no campo de batalha dita a evolução tecnológica do armamento. Sempre assim foi, na história da evolução do ar-mamento, e continua a ser. Também as necessidades advenientes dos conflitos em curso acabam por gerar os mais significativos “laboratórios”, acelerando

10 Por Direção Tática entende-se a designação das unidades de tiro e a seleção da munição mais adequada à obtenção dos efeitos desejados. A Direção Técnica, por sua vez, traduz-se no cálculo dos elementos de tiro (direção, elevação e graduação de espoleta), a utilizar pelos sistemas de armas (obuses, foguetes ou mísseis).

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a investigação e desenvolvimento (I&D) de sistemas de armas considerados prementes no campo de batalha.O final da Guerra Fria e a nova conflitualidade ditaram tendências importantes sobre a evolução dos sistemas de armas contemporâneos. De facto, aquele foi um marco significativo, que diminuiu bastamente a probabilidade de aconte-cimento de guerras da terceira geração em larga escala e forçou a alterações maiores nos conceitos estratégicos dos países e das suas alianças. Mercê da adoção de um novo conceito estratégico em 1999, que lidasse melhor com a nova conflitualidade que sucedeu à détente da Guerra fria, os países membros da NATO, entretanto alargada, tentaram adaptar as suas forças armadas a tal desiderato. Nessa conflitualidade, tornar-se-ia ainda mais evidente o terrorismo transnacional, um fenómeno que não sendo novo, adquiriu uma dimensão maior ao conseguir efetuar o que nenhum estado constituído tinha conseguido até aí: atacar com espetacularidade os Estados Unidos no seu território. A NATO aban-donou então a sua postura eminentemente defensiva, em prol de um conceito de forças expedicionárias em operações de contraterrorismo.O 11 de setembro, em si, não foi um marco significativo na evolução do armamento, exceto nos sistemas defensivos de proteção da força. A procura de sistemas de proteção (barreiras físicas, detetores de metais, explosivos e substâncias perigosas, equipamentos de videovigilância, empasteladores de fre-quências rádio, etc.) – que são armas defensivas - passou a ser uma prioridade em termos de I&D. No estabelecimento de dois teatros mais significativos, Afeganistão e Iraque, tem sido evidente que os clássicos sistemas de armas concebidos para a Guerra fria, apesar de ainda eficazes sob o ponto de vista tático, são extremamente onerosos do ponto de vista logístico e inconvenientes do ponto de vista estratégico, já que se pretende forças que entrem e saiam rapidamente de teatros remotos. A ênfase tem sido a de maximizar o poder de fogo, mantendo a proteção mas abdicando das pesadíssimas blindagens metálicas e compostas. Esta mudança demonstra-se com o fim de programas demasiado ambiciosos como o Future Combat System (fCS) americano, em proveito de necessidades mais imediatas das forças destacadas, como é o caso das viaturas MRAP.A evolução das TI e da nanotecnologia têm tido um impacto significativo sobre a evolução do armamento. Esta é uma revolução que começou antes do 11 de setembro e que está em curso, como sabemos. São especialmente importantes os incrementos ao nível do comando e controlo, da robotização, da guerra em rede e da informação. E esta parece ser a tendência a seguir pelas potências mais relevantes. Soldados cada vez mais sofisticados, mais caros e em menor número. Adoção de UAV e UGV em massa, cada vez mais automatizados, para desempenhar missões de maior risco e de rotina.

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E as forças assimétricas das ameaças insurgentes? Provavelmente continuarão a lutar com as “suas armas”: simples, abundantes, baratas, dissimuláveis, mas letais. O uso intenso e habilidoso de engenhos explosivos continuará a ser a maior ameaça que elas colocarão. Todavia, a obtenção de armas de destruição massiva ou o recurso a métodos eficazes de ciberguerra são hipótese que urge prevenir e neutralizar.No âmbito dos sistemas de armas de Artilharia e apoio de fogos, as características do atual ambiente operacional obrigam a repensar a organização e emprego das forças terrestres, as quais deverão ter capacidade para atuar em todo o espectro de operações, com uma organização flexível e modular, de forma a facilitar a constituição de unidades de acordo com a missão, as características do teatro de operações e a tipologia do conflito.Neste contexto, caberá à Artilharia superar os desafios que lhe são colocados:• Minimizar os danos colaterais, através do incremento da precisão (na locali-

zação dos Objetivos e das Unidades de Tiro, aferição dos elementos de tiro e munições com sistemas de guiamento);

• Assegurar a cobertura de vastas Zonas de Ação, dispersando o dispositivo (articulação das Baterias em Pelotões) e incrementando os alcances dos ma-teriais e munições (assistidas);

• Minimizar o tempo de resposta dos seus fogos, fazendo uso dos Sistemas Automáticos de Comando e Controlo, da transmissão automática “sensor-to-shooter” e de sistemas automáticos de carregamento, pontaria e localização, acoplados aos sistemas de armas;

• Flexibilizar a sua organização, possibilitando a adequado apoio a toda a tipologia de operações e às diferentes forças tarefa constituídas de acordo com a missão e características do teatro de operações;

• Ser interoperável com as forças aliadas, facilitando o Comando e Controlo.

No âmbito estrito do Comando e Controlo, constatamos que as dimensões das áreas de operações (que obriga à dispersão da forças), a natureza mul-tinacional das forças e a fugacidade dos objetivos, levantam novos desafios no que respeita à Direção Tática e Técnica do Tiro, pelo que os Sistemas Automáticos de Comando e Controlo e as comunicações de longo alcance e interoperáveis, são essenciais. O Comando e Controlo será cada vez mais assegurado com o recurso a Sistemas Automáticos de Comando e Controlo, possibilitando a rápida integração dos dados recolhidos pelos meios ISTAR (onde os UAV assumem um protagonismo crescente), o processamento das notícias e a difusão das informações, bem como o emprego, coordenação e sincronização de fogos conjuntos.

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No domínio da Aquisição de Objetivos prevê-se ainda: • O incremento de emprego dos UAV;• A capacidade de pesquisa em 360º dos sistemas radar, necessidade evidente

face à natureza assimétrica dos atuais conflitos.

Quanto à Artilharia Antiaérea, destacam-se como linhas prioritárias de evolução:• A obtenção das capacidades antimíssil e contra UAV;• O desenvolvimento dos Sistemas Automáticos de Comando e Controlo e de

Informações, operando em rede digital e interoperáveis.

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Rogério da Piedade Fernandes dos Santos Coronel de Cavalaria do Exército Português. Professor Regente da Unidade Curricular - Elementos de Armamento (Academia Militar). Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Cavalaria.

Élio Teixeira dos SantosTenente-Coronel de Artilharia do Exército Português. Professor Regente da Unidades Curriculares - Tática de Artilharia I, Tática de Artilharia II, Sistema de Armas de Artilharia e Tiro I e Sistema de Armas de Artilharia e Tiro II (Academia Militar). Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Artilharia.

Celso Jorge Pereira Freilão BrazMajor de Cavalaria do Exército Português. Professor Regente da Unidade Cur-ricular - Sistemas de Armas da Manobra e Tiro. Docente da Unidade Curricular - Elementos de Armamento e Sistema de Armas de Cavalaria (Academia Militar) Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Cavalaria.

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Nuno Lemos Pires a,1

Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

The “Transmontanos” accomplished their mission in the protracted Penin-sular war, from 1808 to 1814. They were among the first to have risen against the french invader, they helped in the national revolt, and they integrated the Portuguese Armed forces both in all their different types of units, including first line troops, militias and “ordenanças”, and as part of spontaneous fighting groups, such as local guerrillas, or simply by defen-ding their close ones. The majority of the fighters who imposed the first defeat on french troops in the Peninsular War at the Battle Padrões de Teixeira in June 1808 had come from Trás-os-Montes. They managed to take back the first Portuguese town to have been occupied, Chaves, in 1809 and in 1810 they were the first to have engaged in com bat, beyond the Portuguese border, at Puebla de Sanabria/ Spain. Up until the end of the Peninsular war, the Transmontanos, together with the remaining national forces, fought side by side with their British allies to expel the french from Spain and even defeated them in france in 1814. Meanwhile, in their own region, they ensured that nobody would attack or pass through because, as nobody should even doubt, “beyond the Marão Mountains it is the Transmontanos who rule”.

Keywords: Trás-os Montes; Uprising, Battles and Campaign.

GuErra PEninsular: oPEraÇõEs a Partir dE trás-os-montEs

1 Contactos: Email: [email protected], Tel: +351 214985660Recebido em 22 Novembro 2011 / Aceite em 14 Janeiro 2012

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rESumo

Os transmontanos cumpriram o seu papel na prolongada Guerra Peninsular, de 1808 a 1814. Estiveram entre os primeiros a levantarem-se contra o ocupante francês, ajudaram no levantamento nacional, integraram as forças armadas portuguesas em todas as suas vertentes, nacionais, regionais e locais, no exér-cito de primeira linha, nas milícias e nas ordenanças mas também em grupos espontâneos, guerrilhas locais ou simplesmente, na defesa dos seus. De Trás-os-Montes saíram a maioria dos combatentes que infligiram a primeira derrota aos Franceses na Batalha dos Padrões da Teixeira em 1808. Em 1809 conseguem a primeira retomada de uma cidade portuguesa ocupada – Chaves. Em 1810 vão ser os transmontanos os primeiros a entrar em combate para lá da fronteira portuguesa em Puebla de Sanabria. Até ao final da Guerra Peninsular, os transmontanos, e as restantes forças por-tuguesas, seguem com os seus aliados britânicos para expulsar os franceses de Espanha e depois a derrotá-los na própria frança em 1814 enquanto, por cá, garantem a segurança permanente da sua região porque, que ninguém duvide “Para lá do Marão mandam os que lá estão!”

Palavras-chave: Trás-os-Montes; Revoltas, Batalhas e Campanha.

1. INTroDuÇÃo

Quando se fala da Guerra Peninsular, ou das Invasões Francesas, em Portugal, associamos na nossa memória os nomes das Batalhas mais famosas onde com-bateu o Exército Anglo-Português: Roliça, Vimeiro, Douro, Buçaco, Linhas de Torres Vedras, Salamanca, Vitória, etc. fala-se mais destas Batalhas e não de outras, tão ou mais importantes, por dois motivos principais: primeiro porque, ao lado das forças portuguesas participaram forças britânicas, o comandante era britânico, geralmente wellington, e em segundo lugar porque foram batalhas travadas entre exércitos regulares, devidamente organizados e reconhecidos. Ou seja, foram estas as Batalhas que ficaram para história, amplamente relatadas pelos historiadores britânicos, recordadas pelos militares que nelas participaram e que publicaram as suas memórias ou por jornalistas que contavam a história das grandes Batalhas, dos grandes feitos. Assim se foi escrevendo a história da Guerra Peninsular, esmagadoramente por versões britânicas, algumas, poucas, versões portuguesas, muitas destas também utilizando as fontes britânicas para

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a sua elaboração 2, versões espanholas e francesas e o mote, na sua globalidade, alude aos grandes feitos e batalhas, às grandes vitórias e derrotas.Mas a Guerra Peninsular foi muito mais do que as grandes Batalhas de welling-ton ou dos Marechais franceses, foi a Guerra dos povos contra o ocupante, foi uma guerra terrível entre forças regulares, irregulares, guerrilhas e população em armas. foi uma guerra geral para os povos da Península Ibérica. Para Por-tugal foi acima de tudo uma Guerra Global, de duração e espaço muito maior do que a designação de Guerra Peninsular ou Invasões Francesas nos dão a entender. foi Guerra Global porque Portugueses e franceses lutaram entre si, com ou sem os respetivos aliados, em vários continentes, na terra e no mar, durante quase 24 anos, do Rossilhão na Espanha/frança à Guiana na América, de Moscovo na Rússia à Ilha Brava em Cabo Verde, do mar Mediterrâneo aos mares da Índia e de Moçambique. Guerra Global no espaço, no tempo e nas pessoas, porque, no caso de Portugal continental Europeu envolveu todos: militares e civis, homens e mulheres, velhos e crianças, do Norte ao Sul, da fronteira à foz do Tejo, de Bragança a Olhão. Global, ainda, porque depois da pátria libertada em 1811, continuámos a combater para libertar Espanha até 1813 e finalmente derrotar a França em 1814.A história tem-se esquecido de contar as outras grandes Batalhas, grandes em coragem, enormes em determinação, mas porque, ou não continham britânicos ou porque foram executadas por forças das milícias e ordenanças 3, não tive-ram a honra de merecer o relato. Pior, porque os soldados regulares do Grand Armèe não se conformavam com essa “guerra pequena” não a contaram. Hoje, felizmente, têm sido muitos os historiadores que têm trazido para a atenção do leitor toda esta gigantesca dimensão da Guerra pouco ou nada contada.

2 “Os escritores estrangeiros, e a maior parte dos nacionais que, arrastados pela força do costume, se não têm atrevido a sacudir o império que os estrangeiros adquiriram sobre nós no tempo em que éramos ce-gos, esforçaram-se por mostrar os portugueses num piedoso estado (…) e os nossos repetiram o que eles disseram, não se julgando com liberdade para pensarem de outra forma” Neves, 1810/11: 94 [preferimos colocar nas notas de rodapé a data original da publicação mesmo quando as obras consultadas são edições recentes, pois assim, o leitor apercebe-se mais facilmente do tipo de fonte que estamos a utilizar, no final, na bibliografia está a informação completa do autor e da publicação utilizada na consulta];

3 As Milícias e Ordenanças, verdadeira espinha dorsal da defesa do território nacional, foram desarmadas e desfeitas por ordem do General francês Andoche Junot em Janeiro de 1808 que, imediatamente antes, tinha acabado também com o exército de primeira linha de Portugal em Dezembro de 1807 e enviado o que restava para combater com Napoleão no que ficou conhecido como a Legião Portuguesa. Os melhores comandantes militares tinham partido para frança ou para o Brasil. Era assim muito difícil resistir contra a poderosa França reforçada em Portugal com 3 divisões espanholas mas, felizmente, o nosso Príncipe Regente, a partir do Rio de Janeiro, declarou Guerra à frança em Maio de 1808, no mesmo mês que a Espanha mudou de posição e, ao revoltar-se, abandonou o nosso território. Estavam criadas as condições para retomar o nosso País.

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As ações dos transmontanos, os importantíssimos feitos e sucessos alcançados, estão entre as inúmeras ações que a história não conta devidamente. Basta lembrar que a primeira derrota dos franceses na Península Ibérica foi às mãos dos Portugueses, na sua esmagadora maioria transmontanos, que debaixo das ordens do Coronel Silveira, futuro Conde de Amarante, infligiram uma pesada derrota ao corpo francês do General Loison na Grande Batalha dos Padrões de Teixeira em Junho de 1808.Vamos tentar contar o que pouco tem sido contado e lembrar as operações a partir de Trás-os-Montes durante a Guerra Peninsular. Selecionámos algumas ações mais marcantes em cada uma das, habitualmente denominadas, três Invasões francesas e assim pretendemos levar o leitor, através de exemplos regionais, entender a dimensão global da guerra: onde as decisões políticas e estratégicas tomadas obedeceram a visões globais sobre os recursos humanos, materiais e financeiros de forma a defender os vários interesses, no mar e em terra, em todas as áreas do território português espalhados em cinco continentes.Por outro lado queremos que o leitor, dentro do teatro de operações peninsular, entenda a importância das chamadas operações de sustentação, importantíssi-mas a nível regional e essenciais ao nível peninsular para permitir concentrar recursos operacionais nas áreas chave da condução da guerra e, por último, abordar, através do exemplo transmontano, como a guerra peninsular foi uma guerra de todos, muito mais do que uma guerra entre exércitos ou entre mili-tares, envolveu tudo, todos e em todo o território peninsular.

2. AS oPErAÇÕES NA 1ª INVASÃo

Na primeira Invasão selecionámos a Batalha de Padrões de Teixeira. Impor-tantíssima vitória do Exército Português contra o Exército francês. A primeira Batalha ganha na Península Ibérica contra os franceses. Vamos recordar.O levantamento geral contra o invasor francês deu-se em menos de um mês, em Junho de 1808, do Norte ao Sul de Portugal foi um rastilho de ações e movimentos que obrigaram à fuga dos franceses para se concentrarem junto à capital, Lisboa. Não nos vamos alongar sobre o levantamento popular mas, porque Bragança é um excelente exemplo para entendermos esse enorme mo-vimento nacional, permitam-nos apenas relembrar alguns pontos importantes, socorrendo-nos, naturalmente, de alguns historiadores bragançanos.foi a 11 de Junho de 1808 que o General bragançano Manuel Jorge Gomes Sepúlveda, motivado pelo clero local, chamou às armas todos os transmontanos e deu vivas ao povo nas escadas fronteiras da Igreja de São Vicente 4. Ou seja, Bragança está entre as primeiras áreas libertadas em Portugal e assim podemos

4 Ver descrição em pormenor em Lousada, 2008: 1473-75;

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entender o que se vai passando um pouco por todo o país porque, além das pa-lavras, o general 5 passou-as para papel, dando-lhe o carácter organizativo que, desde logo, diferencia este ato de levantamento popular, que se poderia ter tornado rapidamente anárquico e incontrolável, num movimento organizado e, mais tarde, pensado nacionalmente, vejamos o edital, publicado ainda nessa mesma noite, que referia: «Devendo pelas circunstâncias ocorrentes dar as provi¬dencias con-ducentes à segurança desta província, por se achar sem tropa alguma de linha: faço saber a todos os desertores simples que em nome do Príncipe regente, N. S e Soberano, lhes perdoo a dita deserção, se se juntarem por estes quinze dias à minha presença nesta cidade e à presença do governador de Chaves, naquella praça e no referido termo, para se alistarem nas tropas, que vou formar desde já com officiais, que sahirão da redução passada. Convido também e mando aos que deram baixa na dita redução, venham alistar-se na referida forma, com vencimento de pão e pret que dantes tinham, até superior resolução. Nas circunstâncias supraditas não é preciso mais palavras para entusiasmar os bons portugueses, tendo o exemplo nos vizinhos hespanhoes. Dado no Quartel-general de Bragança ao 11 de Junho de 1808. Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda». 6

Bragança, Vila Real 7, Chaves, Miranda, Torre de Moncorvo, Ruivães, Porto, todo o norte se levantou contra o invasor. Os poucos (pouquíssimos) líderes capazes 8 surgem nos primeiros dias da revolta: Além do General Sepúlveda em Bragança temos fran-cisco da Silveira em Vila Real, Luís do Rego em Viana, Manuel de Mariz no Porto, etc. De novo recorremos ao exemplo de Bragança para ilustrar o esforço nacional na procura de alguma organização e enquadramento no levantamento em armas da população portuguesa: “O abade (…) formulou o plano de revolução que comunicou ao capitão de infantaria nº 24 da guarnição de Bragança, Bernardo de figueiredo Sarmento, depois de discutido em várias conferências com o governador do bispado, Paulo Miguel Rodrigues de Morais, e com o sargento-mor de milícias de Bragança, Manuel ferreira de Sá Sarmento (…) prestou-se logo a reunir oitocentos soldados

4 Ver descrição em pormenor em Lousada, 2008: 1473-75;5 “Era governador militar de Bragança, Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda (…) levantou o grito contra os

franceses, aclamou o príncipe regente e chamou às armas os transmontanos” Mas chamamos a atenção à descrição que se segue, onde se pode ler o grande cuidado que houve por parte deste general em, desde muito cedo, coordenar as suas ações com as restantes ações e movimentos de ambos os lados da frontei-ra: “Pôs-se em comunicação com os generais espanhóis da fronteira, empregando todos os esforços para expulsar o inimigo peninsular” Lopo, 1900: 103;

6 Autor Anónimo, Sepúlveda Patenteado, ou Voz Pública, e Solene depositada em documentos autênticos que devem servir para resolver a questão: quem foi o primeiro chefe e proclamador da revolução transmontana em 1808, Londres, 1813, p. 21 em Lousada, 2008: 1474;

7 “Silveira, em Vila Real de Trás-os-Montes, proclama a independência e chama os soldados dispersos” Chaby, 1863: III - 50;

8 “quase invariavelmente (…) foi o «povo» que tomou a iniciativa. Mas no meio deles aparece o ocasional alferes, tenente ou capitão de ordenanças ou milícias, o ocasional religioso” (…) “Em Trancoso é um tenente-coronel de milícias que assume a responsabilidade da insurreição” em Valente, 2007: 14 – 16;

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do seu extinto regimento” 9. Ou seja, organizou-se com as poucas chefias possíveis, militares e políticas e, naturalmente, com a forte ajuda do clero. “Sepúlveda dá ordem para se reorganizarem todos os regimentos de linha, de milícias e de ordenanças da província” 10 de Bragança, mas também assim foi feito em quase todo o país. O País prepara-se então para atacar os franceses onde estes se encontrem e defen-der o que fora já libertado. Ainda um outro bom exemplo transmontano: “constou a notícia de que um exército francês se aproximava, na força de vinte mil homens (…) Miranda não tinha armas, nem munições (…) A junta manda a Zamora pedir armas, pólvora e bala (…) um cordão de ordenanças se estende pela raia (…) co-mandados pelo abade de Duas Igrejas, frades pelo seu geral e paisanos pelo dito capitão de Ordenanças (….) o ataque (…) não teve lugar (…) por isso foi levantado o cordão”11. O sistema defensivo foi-se instalando no norte, em Trás-os-Montes, em todo o País. Pede-se, inclusivamente, que o líder por todos aceite em Trás-os-Montes, saia de Bragança, e se desloque para uma posição de onde possa exercer melhor as suas responsabilidades como comandante regional: “A Junta da Torre (…) passou depois a pedir socorros ao general Sepúlveda, representando-lhe que seria convenien-te vir estabelecer o seu quartel junto ao Douro, onde a sua presença se fazia mais necessária do que em Bragança, a abrir comunicações com o governo espanhol de Ciudad Rodrigo, e a dar as mais enérgicas providências a bem da causa pública” 12. Junot percebe que não conseguirá controlar Portugal inteiro e a reação inicial francesa foi a de garantir as linhas de comunicação com as restantes forças em Espanha. Loison segue para Almeida com 4.000 homens, Avril para Cádis com 2.500 e kellerman para Elvas com 2.000. Os portugueses tentam reorganizar as suas forças, praticamente a partir do nada, a partir das antigas ordenanças e milícias do reino, vejamos de novo através do exemplo do General Sepúlveda: “No dia 18 reorganizou as guardas da cidade; no dia 23 mandou sessenta homens para a Régua; dia 25 quarenta homens e duas peças de artilharia para Moncorvo, para onde no dia 29 fez marchar mais duzentos; dia 4 de Julho cento e trinta para Urros, a guarnecer a Barca de Alva e Peredo, e no dia seguinte parte ele próprio para Vila Real” 13.Para debelar a rebelião no Porto e “todo o país além do Douro” 14, Junot envia a 17 de Junho, de Almeida, o General Loison “o Maneta” com 2.600 homens bem armados e equipados, com 50 cavalos e 4 peças de artilharia 15, mas este nunca lá

9 Baçal, 2000: 130;10 Baçal, 2000: 130;11 Baçal, 2000: 148-49;12 Neves, 1810/11: 27213 Baçal, 2000: 147;14 Neves, 1810/11: 27215 Outros números: “dois mil e quatrocentos soldados de infantaria, cem cavalos e alguma artilharia” Chaby,

1863: III-54 ou “2600 homens, em que entravam 100 de cavalaria (…) três peças de campanha, dizem umas relações, e quatro peças e dois obuses, dizem outras” Neves, 1810: 296 ou ainda “1.800 men ac-cording to french sources; 2.600 according to portuguese” Chartrand, 2001: 24;

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chegará. Na primeira grande batalha contra os portugueses, “armados com o que podiam”, às ordens do Coronel Silveira (futuro conde de Amarante), os franceses são derrotados nas alturas de Teixeira e Régua. Porque existia já um eficaz sistema de aviso e alerta, que dava conta de todos os movimentos dos franceses, francisco da Silveira conseguiu organizar uma força de interposição que barrasse o caminho de Loison em direção ao Porto. Como grande conhecedor do terreno, Silveira ins-talou as suas forças em terreno muito difícil para o atacante francês e que oferecia nítida vantagem aos milhares de portugueses, praticamente desarmados. Loison chega a Lamego no dia 20 16 e no dia seguinte passou o Douro na barca da Régua aí “mandou adiante oito cavaleiros para prepararem quartéis em Me-são Frio (…) onde o general foi jantar, ficando atrás as bagagens” 17 e são as bagagens que são atacadas nessa noite do dia 21 de Junho de 1808. Assim se inicia a primeira etapa que nos levaria à Batalha de Teixeira (ou dos Padrões de Teixeira e Régua) 18. Loison tem forças portuguesas no lado norte do Dou-ro, está a ser atacado na outra margem e sente-se encurralado: “de uma parte pelas elevadas montanhas do Marão e da outra pelas correntes do Douro” 19. Silveira divide as suas forças em duas colunas e com cerca de 3.000 homens monta uma posição junto à povoação de Teixeira 20 e simultaneamente, e na retaguarda das mesmas (onde se encontravam as bagagens) na Régua. Silveira consegue assim isolar Loison na frente e retaguarda das suas forças não lhe permitindo iniciativa para alterar o rumo do combate já iniciado. Loison decide retaliar mas é Silveira que toma de novo a iniciativa, como foi o exemplo da emboscada por si ordenada no lugar do Santinho a 2km da Régua 22: “trinta homens, metidos em umas vinhas, matando alguns oficiais e soldados” 23. Loison reforça e divide as suas forças tendo “destacado duas companhias ligeiras para atacarem os paisanos” 24 mas estes retiram-se para posições elevadas. Loison acampa, monta a sua base e prepara a batalha para o dia seguinte. A 22 pela manhã avança sobre as populações em direção a este, ainda antes de virar para a direção de Amarante e atacar as montanhas

16 Chartrand diz que chega a 19 - Chartrand, 2001: 24;17 Neves, 1810/11: 296;18 Chartrand, 2001: 25; 19 Neves, 1810/11: 296;20 Lousada, 2008: 1478 mas segundo Neves, 1810/11: 298 “dividiram-se os nossos combatentes em três co-

lunas principais, segundo os distritos a que pertenciam: a de Vila Real, a de Amarante e a de Guimarães (…) a primeira comandada pelo tenente-coronel de cavalaria João Botelho Guedes (…) a de Amarante pelo alferes de cavalaria Luiz Maria de Cerqueira (…) e a de Guimarães o tenente-coronel de cavalaria Gaspar Teixeira”;

21 Chartrand, 2001: 24;22 Lousada, 2008: 1479;23 Neves, 1810/11: 296;24 Neves, 1810/11: 297 “o comandante foi (…) o capitão-mor dos privilegiados de Malta, Manuel de Mes-

quita Pimentel e Castro”;

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onde se encontrava Silveira. No movimento para leste “seguiu-se o saque, acompanhados das atrocidades que eram tão familiares ao bárbaro Loison (…) que muito sentiram os transmontanos”. face à barbaridade da ação de Loison as populações acorrem em massa a juntar-se a Silveira 25. Loison toma então a direção de Mesão frio – Teixeira na direção geral que o levaria a Amarante. No caminho observa que as montanhas em redor estão com a cada vez mais ordenanças e milícias a vigiar a sua progressão. Tenta um primeiro avanço e ataca finamente o caótico, mas muito determinado, dispositivo português, junto à povoação de Teixeira, onde o vale termina e pela frente tem de enfrentar, forçosamente, as montanhas com os 3.000 homens de Silveira. A Infantaria Ligeira de Loison ataca ao centro e à medida que avança contra os mal armados 3.000 portugueses 26 encontra cada vez mais combatentes que “se arrojam a acometer, empregando até as pedradas, e o furor de cães de fila, de que alguns se fizeram acompanhar” 27 incluindo, para sua grande surpresa, algumas peças de artilharia 28. “Por espaço de duas léguas fez-se-lhe um fogo tão vivo como podia esperar-se de uma paisanagem mal armada, mas furiosa e encarniçada, sobre um inimigo que lhe dava costas” 29. No outro extremo da coluna, junto às bagagens na Régua, a segunda coluna portuguesa está a atacar os franceses e estes, com apenas dois batalhões das 2º e 4º Brigadas Ligeiras de Infantaria, seis peças de artilharia e 50 homens dos dragões 30 são em muito ultrapassados pelo número de atacantes portugueses. Numa outra qualquer si-tuação, os franceses poderiam pensar que esta força seria suficiente para bater os portugueses, mas a determinação das populações, em especial das milícias e ordenanças, debaixo da forte liderança de Silveira fizeram a diferença.Loison, ferido 31, já sem dois dos seus obuses, sofre baixas severas. Informado que no Porto se estão a formar rapidamente “Regimentos de Linha” 32 e que do Norte novas brigadas de ordenanças estão a tomar o caminho da sua posição decide retirar. “embaraçado o general francês por tão tenaz perseguição, vendo diminuir a sua força, tendo perdido dois obuses, muitos barris de pólvora 33, armamento e bagagens, toma a direção da cidade de Viseu” 34 onde chega “manso como um

25 “era quase tudo paisanagem, algumas milícias e muito pouca tropa de linha, porque a não havia” Neves, 1810/11: 298;

26 Embora se pense que neste momento pudessem estar já cerca de 10.000 homens nas montanhas em redor de Teixeira: “20.000 portuguese were there although this seems a greatly exaggerated number anda round 10.000 would seem more likely” Chartrand, 2001: 25; “total das três colunas em 60.000” em Neves, 1810/11: 298;

27 Chaby, 1863: III-5828 “there were even two field pieces served by a six gunners in Silveira’s makeshift force” Chartrand, 2001: 25;29 Neves, 1810/11: 299;30 Chartrand, 2001: 26;31 “os paisanos sustentam a luta, causando-lhe a perda de alguns soldados, e ferindo o próprio general”

Chaby, 1863: III-5632 Chartrand, pág. 27;33 “25 barris de pólvora e bala” Neves, 1810/11: 299;34 Chaby, 1863: III-58;

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cordeiro” 35. “Pela primeira vez, os «gloriosos conquistadores da Europa» fugiam” 36.No regresso apressado a Almeida, são praticadas pelo maneta ainda mais bar-baridades mas este, ao saber que chegavam a Pinhel, vindos de Trancoso, o capitão álvares da Silva com um corpo destacado de um batalhão transmontano decidiu acelerar a marcha: dos 1000 a 3000 mortos portugueses registados nesta campanha de Almeida - Teixeira – Almeida a grande maioria são “cidadãos pacíficos e desarmados (…) queimou searas, casas e celeiros, matou homens, mulheres, crianças e velhos” 37. Loison perde mais de 300 homens 38, quase toda a sua bagagem e pelo menos duas peças de artilharia. O Exército Operacional Português podia ter sido enviado para frança (por ordem de Napoleão em fevereiro de 1808), mas com base na organização secular de milícias, ordenanças e nas poucas forças de 1ª linha que restavam, um novo Exército, uma força popular, uma nação em armas, renascia de forma incrivelmente rápida 39. Mas não bastava a vontade pois faltava tudo: armas, uniformes, dinheiro, comandantes, cavalos, doutrina, tática, treino! Norte, Algarve e a revolta espalhou-se por todo o território nacional: Coimbra, Leiria, Nazaré, Mafra, Sines, Setúbal, etc. Junot sabia que não podia lutar contra todo o país e mandou concentrar as suas forças ao redor de Lisboa e na ma-nutenção das linhas de comunicação com Espanha, especialmente no Alentejo. Morreram milhares de portugueses na defesa do impossível 40 mas a verdade é que no início de Agosto, os franceses apenas controlavam Lisboa, parte do centro do país e o eixo Lisboa-Alentejo. As principais fortalezas estavam to-madas ou sitiadas pelas forças portuguesas. Portugal garantia portos seguros, áreas libertadas, uma população decidida e um Exército em formação 41. Os britânicos podiam então desembarcar, tranquilamente e com toda segurança, o seu Exército bem armado, equipado, treinado e devidamente comandado.“Em pouco mais de um mês a revolta estendera-se a quase todo o território por-tuguês. Restava a capital e os seus arredores ocupados pelo exército francês.” 42 “Já antes de wellington (ainda wellesley) pôr o pé em terra a revolta libertara nove décimos do país”. 43

35 Neves, 1810/11: 299;36 Valente, 2007: 67;37 Valente, 2007: 67 – 68;38 “a perda dos franceses calculou-se em princípio em mais de 300 homens (…) parece que os franceses

mortos chegariam a uns 80” Neves, 1810/11: 299;39 “o esforço essencial das juntas consistiu em recompor as forças armadas portuguesas” Valente, 2007: 40;40 “as grandes derrotas e aos grandes massacres de 1808 (Em Évora e Beja, Tomar ou Leiria, por exem-

plo)…” Valente, 2007: 741 “Como conceber que, uma vez ele destruído e dissolvido o exército, a oposição nascesse das ruínas? E

como conceber uma oposição sem o Estado e o exército que não se destinasse a reconstituí-los? Mesmo os rebeldes espanhóis, quando a luta se iniciou no Dos de Mayo, tinham 100 000 homens de forças regulares (…)” Valente, 2007: 61;

42 Vicente, 2000: 8643 Valente, 2007: 7

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3. oPErAÇÕES TrANSmoNTANAS NA SEGuNDA INVASÃo

Na segunda Invasão vão ser os transmontanos, agora sob comando de Silveira

44, que vão reconquistar o terreno perdido inicialmente para os franceses – Chaves – são os que irão deter o avanço em direção a leste – Amarante – e vai ser na fronteira desde Bragança até à Guarda, que os possíveis reforços franceses são impedidos de se juntar a Soult no Porto. Arriscamos afirmar que há um erro recorrente na análise sobre as operações militares portuguesas durante mais esta guerra global que é a de ver os efeitos da mesma apenas onde as forças estrangeiras atuaram e não numa perspetiva geral, de norte a sul de Portugal e de um extremo ao outro do império portu-guês. Portugal procurou defender todo o seu território e não apenas o Norte do país continental. Mas para a história da segunda invasão francesa ficou sobretudo a defesa do Norte e, infelizmente, dos 4 meses de combate das for-ças portuguesas, a maior parte das descrições apenas se refere às últimas três semanas de operações, ou seja, aquelas em que intervieram as forças inglesas. A ação das forças transmontanas contra a invasão comandada pelo General Soult começa para lá da fronteira portuguesa, ainda em terras da Galiza. As duas colunas francesas que se dirigiam a Portugal eram constantemente atacadas nos flancos e na retaguarda. A do Norte, atacada pelas guerrilhas galegas, e a do Sul pelas forças portuguesas 45. As colunas de abastecimento franceses que saíam de Astorga sofrem igualmente violentos ataques. A difícil progressão francesa obrigou Soult a mandar regressar a Tuy parte das suas forças no dia 18, nomeadamente os meios mais pesados, carros e artilharia de grande calibre. Esta dimensão, de ataque permanente sobre as forças francesas, ainda antes de entrarem em Portugal, tem efeitos significativos, que assim se vê obrigado a deixar material para trás, leva muito mais tempo nos deslocamentos e é força-do a alongar as comunicações. São estas ações, que foram fundamentais para desgastar o adversário, que a história esquece e poucas vezes se lhe refere. Mal as forças francesas entram em Portugal o esforço de continuar a atacar a retaguarda dos movimentos franceses vai continuar em terras de Espanha e importantes reforços portugueses partem para combater na Galiza 46. No AHM recolhemos este ofício do Coronel de Artª César de faria, governador da Praça de Valença para o General do Minho, Pereira Caldas, datada de 15 de Março e

44 “por carta régia de 15 de fevereiro de 1809, o brigadeiro francisco da Silveira Pinto da fonseca é nome-ado governador das armas da província de Trás-os-Montes em substituição de Sepúlveda, chamado para conselheiro de guerra” Baçal, 2000: 156;

45 “Durante o percurso para Orense as forças francesas são constantemente fustigadas pelos irregulares de La Romana e do tenente João de Almeida de Sousa e Sá, de Infantaria 12 (Chaves), entretanto infiltrado na Galiza” Calçada, 1998: 12;

46 Ver descrição pormenorizada das acções portuguesas na Galiza em Pires, 2009a;

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que nos faz um bom resumo da atividade e dos efetivos envolvidos na Galiza: “Depois de terem entrado na Galiza as milícias e Ordenanças, tomado o forte de Gaião, a villa de Guardia e de Baiona (formado com os patriotas gallegos um exercito que se diz ser de 9.000 homens, se destinaram a vir tomar Tuy; ao mesmo tempo que do lado de cima vieram outro corpo composto de 400 homens dos regimentos do Porto, e milícias, e mais de 7.000 gallegos (con-forme dizem)” 47. Em Trás-os-Montes “Silveira fez convergir para esta praça [Chaves] toda a tropa da província, no intuito de a socorrer, ficando apenas em Bragança um destacamento a fazer guarnição, sob as ordens do coronel-governador Manuel Leite” 48 mas não conseguirá defender a cidade. A 15 de Março 49, as forças de ordenanças e milícias enviadas por Bernardim freire de Andrade atacam as vanguardas francesas em Ruivães e na Venda Nova, o grosso das forças francesas são também atacadas pelo Batalhão de Caçadores do Monte às ordens de Silveira. Os caminhos difíceis, o mau tempo e os cons-tantes ataques tornam a progressão francesa muito morosa 50. À medida que se aproximam de Braga os ataques são maiores e mais frequentes. Em Bragança continuam os preparativos de defesa e todos os recursos são mobilizados: “o vigário geral, governador do bispado, Paulo Miguel Rodrigues de Morais, convocando por meio de uma circular todo o clero capaz de pegar em armas, organiza um corpo de seiscentos a setecentos homens da classe eclesiástica, armado e fardado à custa de cada um, para guarnecer a fronteira e resistir a qualquer surpresa que porventura o inimigo tentasse” 51. No dia 17, os 4.000 que defendem a Ponte do Porto rendem-se a Soult, a 18 Pedralva é conquistada. Nesse mesmo dia Silveira 52 reforça os seus ataques contra os flancos e retaguarda dos franceses. Apenas a 20 foi possível a Soult iniciar o ataque a Braga. Entretanto, fechava-se o cerco às forças francesas: entre os rios Minho e Lima estavam as “poucas” forças do General Botelho, a leste do Rio Tâmega estavam as do Brigadeiro Silveira e no Porto prepara-se a defesa da cidade com muita desordem e anarquia depois da perda do coman-dante natural que seria Bernardim freire de Andrade.

47 Lima, 1937: 13;48 Baçal, 2000: 157;49 Este é o dia em que o Marechal Beresford, desde Lisboa, faz a sua primeira proclamação ao Exército

Português e no dia 16 publica a sua primeira Ordem do dia – lentamente começava-se a reorganização operacional do Exército português com o apoio e direcção britânica, mas a norte ainda é Bernardim freire de Andrade e Silveira que comandam as operações.

50 “Os portugueses (...) barricaram as aldeias e as cidades, obstruíram os desfiladeiros e pareciam resolvi-dos a defender – se até à última extremidade. Por toda a parte se ouviam os sinos e se via acorrer aos caminhos bandos de populares conduzidos por padres elevando o crucifixo na mão, ou por senhores que brandiam velhas espadas há muito tempo suspensas nas paredes dos seus solares” M.A. Thiers, Histoire du Consulat et de l’Impire, Paris 1879, em Calçada, 1998: 14;

51 Baçal, 2000: 157;52 “as principais forças de Silveira eram compostas de 12 de cavalaria e 24 de infantaria de Bragança e das mi-

lícias de Miranda do Douro, Moncorvo e Bragança, além de Lamego, Chaves e Vila Real” Baçal, 2000: 157;

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Estrategicamente, a reconquista de Chaves pelas forças de Silveira, tornou-se por isso fundamental. Após duros combates de 20 a 25, os franceses rendem-se a Silveira no dia 25 de Março. As baixas francesas elevam-se a 20 mortos, um número indeterminado de feridos, mais de 1300 prisioneiros. São também capturadas 12 peças de artilharia, 1200 espingardas, 90 cavalos, que se revelam extremamente importantes para o retomar da contraofensiva portuguesa e para a afirmação de Silveira como líder incontestado na região.Chaves e Vigo estão nas mãos de portugueses e espanhóis, Tuy está cercada. A leste do Rio Tâmega Silveira domina a situação. Soult encontra-se isolado do seu comandante, o Rei José (irmão de Napoleão Bonaparte), e das forças de apoio: Ney, Lapisse e Victor. Além disso, Soult tem as forças dispersas ao longo dos itinerários de reforço/ retirada. Sabia dos desembarques ingleses no sul de Portugal e do levantamento exponencial do restante exército de Portu-gal com o apoio britânico. Não só se confirmava assim a impossibilidade de continuar para Lisboa como parecia inevitável a retirada para Espanha. Mas Espanha está longe de se constituir um porto seguro e depois da queda do Porto os portugueses continuam a apoiar a revolta galega.A defesa de Silveira encontra-se ao longo do Rio Tâmega desde o Douro até Cavez e, na sua maioria, à custa de regimentos de milícias como de seguida se descrimina (de sul para norte 53): Os de Gestaçô e Miranda do Douro em Entre-os-rios; os de Chaves, Vila Real e Canavezes em Canavezes e no vau de Cruéis; o de Basto na passagem de Moleiros; o de Guimarães em Vale Barões; o de Lamego em Mondim de Basto e o Regimento de Cavalaria 9 (Chaves) no vau de Chousas e Cavez.Na Ponte de Amarante, Silveira vai deter as forças francesas desde o dia 18 de Abril até ao dia 2 de Maio (recorda-se que esta extraordinária operação defensiva está muito bem descrita nas obras dos Generais Azeredo e Calçada - ver bibliografia). Soult desespera com o tempo perdido – é vital estabelecer a ligação às forças do General Lapisse em Espanha. Os portugueses de Silveira sofrem 211 mortos e 114 feridos durante os longos 14 dias de defesa da Ponte de Amarante, mas não estão contabilizadas as baixas francesas.Para Soult é necessário abrir caminho para a fronteira e manda Loison destruir as forças de Silveira, garantir a segurança de toda a área a norte do Douro até à zona da Régua e tentar estabelecer ligação com possíveis reforços franceses por Bragança. Para os portugueses, sabendo dos reforços britânicos a caminho, tinha chegado o momento de lançar uma contraofensiva. O “novo” exército português, preparado a partir de Abrantes, está em movimento para norte. No dia 3 de Maio, Silveira passa para a margem esquerda do Douro, no dia 4, sabendo que as forças francesas atingiram Mesão frio, prepara a defesa das passagens do Rio Douro e dá ordens para reagrupar as forças na Régua.

53 Esquema da defesa do Tâmega no livro em referência do General Carlos Azeredo na pág. 62

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Sabendo que Vila Real se encontra desguarnecida, deixa o General Bacelar a ocupar a Régua e dirige-se, no dia 6 de Maio, com 1200 homens para Vila Real.Loison, entretanto, apenas envia reconhecimentos com poucas forças e pratica-mente não revela grande atividade operacional nos 5 dias seguintes. Só a 8 de Maio decide sair em força (6.000 homens) sobre a Régua. No dia 10 é detido na Barca do Carvalho por forças de Silveira 54. Loison decide então desviar a progressão para Norte e descobre que Silveira iniciara uma manobra para o isolar de Soult cortando-lhes as comunicações em Amarante. Definitivamente Loison desiste de atacar a Régua ou de prosseguir em direção a leste e retira rapidamente sobre Amarante. Esta retirada foi acompanhada por ferozes ataques das populações sobre homens e bagagens que assim se vingavam das pilhagens, violações e incêndios sofridas em Mesão Frio.No dia 11 de Maio Loison sofre sucessivas emboscadas pelas milícias e ordenan-ças de Silveira na Portela dos Padrões. No dia 12 de Maio Silveira ainda espera que Beresford ou Bacelar cheguem com as suas forças para organizar um ataque combinado, mas efetivamente tal não aconteceu e assim, na tarde desse dia Silveira decide atacar Loison. Os combates duram até à noite e Loison decide retirar. Mais uma vez, tal como ocorrera na célebre Batalha dos Padrões de Teixeira, em Junho de 1808, era o mesmo Silveira que obrigava o mesmo Loison a retirar.Silveira não desiste e, deixando de novo o controlo da passagem do Tâmega nas mãos dos portugueses, na manhã do dia 13 inicia de imediato a persegui-ção. Com a perseguição de Silveira às forças mais avançadas de Soult e com as passagens do Tâmega controladas pelos portugueses restam poucas opções a Soult para retirar para a Galiza.Enquanto Soult combatia desesperadamente no norte de Portugal numa tentativa falhada que o deveria levar a Lisboa, Espanha vive um ambiente de grandes manobras e batalhas operacionais. Sabemos que Soult não recebeu os apoios e reforços esperados, nomeadamente os mais importantes de Lapisse e Victor, porque estes estavam ocupados a combater espanhóis e portugueses noutras frentes próximas da fronteira com Portugal. Vamos olhar um pouco melhor para o restante da Península Ibérica e tentar fazer uma breve descrição dos principais eventos ocorridos em Espanha nestes anos de 1809/10. Num dos pontos mais prováveis de entrada em Portugal, Ciudad Rodrigo e Almei-da, Portugueses e Espanhóis cooperavam na defesa. Como sabemos nem Victor apoiou Soult no Sul de Portugal nem Lapisse o fez em Trás-os-Montes ou pelas Beiras porque, neste último caso, estavam lá as forças portuguesas da Leal Legião Lusiana 55 . Ciudad Rodrigo contava com 1.400 homens para a sua defesa, em Al-

54 “encaminhou-se para Peso da Régua que atacou sem sucesso. O número de inimigos aumentavam cons-tantemente (...) a nossa perda consistiu em 80 homens fora de combate” Soult, 2009: 58

55 LLL – esta força foi criada em Londres por iniciativa do Coronel Carlos frederico Lecor e José Maria de Moura e o apoio do Coronel britânico wilson: em Coelho, 2009: 59

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meida estavam 700 portugueses da LLL e o restante da Legião estavam em terras de Espanha (mais tarde reforçados com batalhões espanhóis voluntários de Avila, e os Tiradores de Castilla com civis dos arredores de Ciudad Rodrigo – no final wilson podia contar com 3.000 Infantes e 400 cavaleiros, espanhóis e portugueses

56. A LLL foi das primeiras forças portuguesas a provar estar bem preparada para combater e bem o demonstrou contra as forças de Lapisse: conseguiu conter forças francesas com mais do dobro do seu efetivo “A sua tática foi alongar as linhas de atiradores, retirando-lhes profundidade, o que deu impressão de um maior efetivo (…) 3000 homens pararam uma divisão de infantaria com efetivo de 7600 homens e 900 de cavalaria (…) não dando tréguas às forças francesas da sua zona de ação: assaltando os seus acampamentos, atacando os comboios de abastecimentos, intercetando os correios e capturando a correspondência, destruindo as secções de exploração, ou obrigando a desenvolver o grosso das tropas” 57.Em síntese, se Silveira impedira os movimentos de oeste, wilson não deixara passar a leste.No final de 1809 registamos mais dois pequenos acontecimentos na região trans-montana: “Em Junho de 1809 o exército de Soult, concentrado nas proximidades de Puebla de Sanabria, lançou um reconhecimento sobre Bragança, não ultrapassando a povoação de Rabal, a sete quilómetros desta cidade” 58. Existem registos dos horrores cometidos pelos franceses 59 mas os franceses regressaram imediatamente a terras de Espanha. Em Outubro de 1809, o general espanhol D. francisco Bellesteros, à frente de oito mil homens tentou conquistar Zamora mas, como não o conseguiu fazer, passou a fronteira para Portugal por Miranda do Douro com a finalidade de se juntar a outras forças espanholas comandadas pelo duque del Parque 60. Para lá do Marão ainda mandavam os que lá estavam.

4. oPErAÇÕES TrANSmoNTANAS NA 3ª INVASÃo FrANCESA

“Quanto a forças irregulares é significativo referir (…) a norte do rio Douro, estavam em pé de guerra 21 regimentos de milícias, alguns agrupados em bri-gadas, num total de 10 000 homens, a que há que acrescentar muitos milhares de ordenanças. O comando destas forças foi confiada ao general Pinto Bacelar, com o quartel-general em Lamego, de quem dependiam não apenas comandantes portugueses, mas também três coronéis ingleses – Trant, Miller e wilson (…) Em Trás-os-Montes continuava a atuar Silveira” 61. Para sabermos exatamente

56 López, 1981: 80;57 Coelho, 2009: 66 - 67;58 Baçal, 2000: 152;59 Baçal, 2000: 152 -155;60 Baçal, 2000: 151;61 Barata, 2003, Vol 3: 177;

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e com pormenor as forças transmontanas: “As Milícias (…) em Bragança, o general Silveira tinha sob as suas ordens seis regimentos (Lamego, Chaves, Vila Real, Bragança, Miranda e Moncorvo)” 62. As missões confiadas às milícias e ordenanças eram a de fazer o combate em profundidade (conceito atual que visa atacar as retaguardas do inimigo), ou seja, cortar as comunicações entre as unidades francesas, interromper o reabastecimento logístico, impedir a dispersão e liberdade de movimentos a pequenas unidades francesas, manter um ambiente de “medo” entre as forças francesas, etc.E as ações, tal como acontecera em vésperas da segunda invasão, podiam ser além fronteira: “A 1 de Agosto, um grupo de 1200 a 1500 espanhóis, coman-dada por francisco Taboada Gil e apoiada pelos 6000 homens às ordens do General Silveira, veio pôr cerco a Pueblo de Sanabria” 63. “Estava reservada aos transmontanos a glória de serem os primeiros a apoderarem-se do troféu que para os franceses simbolizava a segurança da vitória (…) tomaram a águia do batalhão suíço” 64.O próprio General Silveira 65 relata-nos a Batalha 66: “No dia 29 de Julho, às seis da tarde, tive em Bragança a notícia de que às onze horas da manhã ti-nham entrado os inimigos na Puebla de Sanabria; tendo sido uma hora antes evacuada pelas tropas espanholas que a guarneciam, comandadas pelo General D. francisco Taboada Gil, com o qual eu tinha ajustado de assim o fazer; se atacado em força superior. Às sete horas da tarde do mesmo dia fiz sair um esquadrão de cavalaria desta praça, a fim de fazer um reconhecimento; com o qual foi o coronel wilson: à meia-noite do mesmo dia saí eu com uma brigada de milícias pelo caminho da Aveleda seguindo a mesma marcha do esquadrão. No dia 30 de manhã se aproximou o coronel wilson de Puebla de Sanabria e reconheceu que a força que existia dentro da praça era pequena (…) a 31 tive notícia que o general Taboada se tinha retirado sobre as Portillas de Galiza (…) participei àquele general que no dia 2 marchava sobre Puebla de Sanabria: que quisesse baixar com a sua tropa, ao que ele assentiu (…) veio ter comigo, mandado pelo general Taboada, um seu ajudante (…) dando-me parte de ter chegado o mesmo general com 800 a 1.000 homens de infantaria (…) convie-mos que ao amanhecer do dia 3 nos adiantássemos sobre a Puebla de Sanabria, fazendo a minha esquerda a tropa espanhola (…) a 3 (…) mandei entrar alguns

62 Santo, 2010: 39;63 koch, 1848: 78;64 Lopo, 1900: 103;65 “No extremo da província de Trás-os-Montes, em Bragança, sabe do caso o general francisco da Silveira,

forma de corpos milicianos uma brigada, a que reúne um esquadrão de cavalaria nº 12, e com os brios que o animavam, marcha resoluto em demanda do francês” Chaby, 1863: III-149

66 Gazeta de Lisboa nºs 204 e 205 de 25 e 27 de Agosto de 1810, in Lopo, 1900: 103;

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caçadores no forte em frente da Puebla, que estava evacuado, de onde princi-piaram a fazer fogo de mosquetaria sobre a praça, a que esta respondeu (…) mandei passar a cavalaria a outra parte do rio fera e que postasse avançadas sobre o caminho que se dirige a Momboy: no mesmo instante entraram tropas espanholas e portuguesas dentro da praça ao primeiro recinto (…) Todo o dia se passou em se fazer fogo de parte a parte [o governador recusa a render-se e no dia 4 houve combate fora da povoação entre a avançada da cavalaria e esquadrões franceses]. No dia 5 estabelecemos uma bateria de onde lhes demos alguns tiros com uma peça de 3 e um obus (…) às nove horas da manhã me deu parte a avançada, com a qual se tinham já unido 100 homens de infanta-ria espanhola (…) e trinta e tantos cavalos de uma guerrilha (…) mandei que a cavalaria se postasse atrás do povo do Oteiro e eu meti em batalha a mais tropa sobre o rio Fera e fiz adiantar pela minha direita um corpo de caçadores do monte a uma iminência da direita do rio. A tropa espanhola vigiava sobre a praça, e o resto postava sobre o meu flanco esquerdo. O inimigo vinha na força de 400 cavalos, e de 3 a 3.500 infantes (…) nessa noite se retirou para diante de Momboy. (…) Tive notícia que o general Serras tinha sido reforçado com dois batalhões italianos (…) e com 600 cavalos (…) Dia 9 arrebentou uma mina que se tinha feito junto à portas da praça (…) o governador pediu uma conferência (…) se concluiu a capitulação à uma hora da noite (…) na manhã de dia 10 saiu a guarnição francesa (…) 417 homens perderam os inimigos na Puebla de Sanabria entre mortos, prisioneiros ” A atuação mereceu elevados elogios por parte do Marechal Beresford nas ordens do dia 11 de Agosto: “este general – Silveira – acaba de aprisionar no castelo de Puebla de Sanabria o batalhão suíço nº3, composto de quatrocentos homens que se tinham ali refugiado para escapar aos seus ataques em campanha rasa. O inimigo debaixo das ordens do general Serras em força superior avançava, para salvar este batalhão sitiado pelos milicianos de Trás-os-Montes, e parte daquele regimento de cavalaria 12; porém estes bravos milicianos, animados pelo comportamento do seu chefe o sr. Marechal de campo Silveira, não se intimidaram (…) está mostrado que os valorosos milicianos de Trás-os-Montes não se esquecem da glória dos seus antepassados” 67. Silveira decidiu entregar o espólio tomado dos franceses aos espanhóis ficando com o símbolo mais im-portante “a águia, mais tarde apresentada a Beresford pelo capitão António José Claudino de Oliveira Pimentel, que por tal motivo foi promovido a major” 68.

67 Marechal Beresford em Chaby, 1863: 152;68 Baçal, 2000: 159 e também Chaby, 1863: III-153;69 Não é nossa intenção fazer a história do RI 24 de Bragança mas apenas queremos recordar que, entre outros

feitos dignos de nota estiveram em 1812 no cerco e assalto à Praça de Ciudad Rodrigo (com 1.196 homens), no terceiro cerco de Badajoz (108 homens), na Batalha de Salamanca (com 1082 homens) – Baçal, 2000: 164;

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Já após a entrada de Massena em Portugal foram, também, tropas de Bragança, o regimento de infantaria 24 69 e um esquadrão de cavalaria 12 e um desta-camento de artilharia, que esteve na malograda defesa da Praça de Almeida. Não sendo objetivo deste texto descrever as operações militares ocorridas durante a 3ª Invasão francesa queríamos no entanto destacar o importante papel que tiveram as forças transmontanas, que pela sua permanente ação de vigilância e defesa, não só garantiram a inviolabilidade das fronteiras de Trás-os-Montes com a vizinha Espanha, como ainda colaboraram ativamente para isolar as forças francesas que ousaram invadir Portugal. Por exemplo, nas tentativas de comunicar com Espanha e frança, todos os emissários que Massena enviava eram imediatamente capturados, apenas conse-guiu passar o General foy e só foi possível porque levou uma grande escolta: “Esta viajem perigosa do general foy, à cabeça de um punhado de soldados 70, através de uma região desconhecida e inteiramente sublevada, é uma das mais arriscadas e mais interessantes de que é possível dar conta (…) Cortado pelo inimigo em quase todos os pontos, o general foy fez muitas vezes marchas insidiosas e contramarchas penosas, atravessando terrenos agrestes e imprati-cáveis, para evitar as ciladas que o cercavam (…) Todo o exército se tomou do mais vivo interesse pelo resultado dessa viajem” 71. Inclusivamente, para além do elevado número de forças de escolta, três Batalhões 72, foi necessário utilizar unidades francesas para criar manobras de diversão a fim de permitir a saída de foy: “O Príncipe de Essling estava perfeitamente convencido de que todas as suas tentativas anteriores de comunicação com Espanha tinham falhado porque os seus emissários não foram escoltados por forças suficientes (…) Para proteger a marcha de Foy, Montbrun efetuou, com uma brigada de dragões e dois batalhões de Infantaria, uma demonstração contra Abrantes” 73. O trajeto foi de facto muito difícil e penoso: “Entre Alpedrinha e Castelo Branco, caiu no meio de um destacamento de 200 homens da Ordenança (…) escapou à tropa de Silveira, que avançava de Pinhel para Abrantes (…) informado de que as cercanias de Almeida estavam infestadas de milícias portuguesas, dirigiu-se diretamente a Ciudad Rodrigo, onde entrou a 8 de Novembro depois de uma marcha de seis dias entre perigos de todas as espécies” 74. Após a decisão francesa de retirar perante as linhas de Torres Vedras, as ações intensificam-se no norte e vamos dar um pouco mais de detalhes sobre

70 “ao qual tinha sido necessário dar três batalhões para o escoltar até Espanha” Marbot, 1847: 86 ou “el 4º Batallón del 47º de linea y 120 jinetes (en total, algo más de 500 hombres)” López, 1981: 303;

71 Guingret, 1815: 56;72 Marbot, 1847: 86;73 López, 1981: 303;74 kosh, 1848: 135;

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os combates de Valverde, do Pereiro e Gamelas a 14 de Novembro de 1810: “Operando Silveira por aquelas partes, tinha marchado sobre a cidade de Pinhel no dia 13 de Novembro, ao tempo que os franceses, com forças superiores às do general português, particularmente na arma de cavalaria, ocupavam as posições de Valverde, Gamelas e Pereiro (…) Silveira, o qual na manhã do dia 14 acometeu os contrários, não completamente conhecedor, todavia, como ele confessa, da superioridade em número dos inimigos que se propôs derrotar (…) o regimento de milícias de Moncorvo mereceu pelo audaz comportamento com que se distinguiu (…) O regimento de infantaria nº 24, os batalhões de granadeiros e caçadores de Trás-os-Montes com dois esquadrões do regimento nº12, carregando sobre o inimigo, o derrotaram imediatamente, e o puseram em fuga, deixando este no campo de batalha mais de trezentos mortos e muitos prisioneiros (…) pagaram neste dia tributo à pátria (…) pouco mais de sessenta portugueses” 75. “A divisão Claparède (…) também tinha entrado em Portugal, mas permaneceu nas redondezas da Guarda, para proteger as retaguardas do grosso do exército, ameaçadas pelos guerrilheiros Silveira, Muller, wilson, Trant, Bacelar e Grant. A missão destes chefes de milícia era a de nos perseguir sem descanso e in-tercetar os nossos comboios e os nossos despachos” 76. “Silveira era um dos guerrilheiros que maior embaraço causavam à guarnição de Almeida (…) atacou Claparède na Ponte do Abade, perto de Trancoso (…) debandou, Claparède foi-lhe na peugada (…) general Bacelar mandou vir a toda a pressa do Espinhal Miller e Wilson (…) Silveira esperou a pé firme o seu adversário com 5000 a 6000 homens de infantaria e algumas centenas de cavalos (… ) Claparède atacou (…) Silveira escapou (…) seguido à ponta de baioneta até ao Douro (…) Claparède, já muito afastado do seu centro de operações, retirou” 77.

5. CoNCLuSÕES

Os transmontanos cumpriram. Estiveram entre os primeiros a levantarem-se contra o ocupante francês, ajudaram no levantamento nacional, integraram as forças armadas portuguesas em todas as suas vertentes, nacionais, regionais e locais no exército de primeira linha, nas milícias e nas ordenanças mas também em grupos espontâneos, guerrilhas locais ou simplesmente, na defesa dos seus. De Trás-os-Montes saíram a maioria dos combatentes que infligiram a primeira

75 Chaby, 1863: 241; também relato parecido em Martins, 1945: 274;76 Guingret, 1815: 61;77 kosh, 1848: 162;

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derrota aos Franceses na Batalha dos Padrões da Teixeira. Os transmontanos vão estar em todos os momentos da guerra durante a segunda invasão francesa e conseguem garantir não só o ataque permanente aos adversários franceses como ainda fazer com sucesso a primeira retomada de uma cidade portuguesa ocupada – Chaves – e assegurar que nenhuma tropa francesa conseguisse passar o território transmontano em direção ou vindo de Espanha. Por fim na última das invasões vão ser os transmontanos os primeiros a entrar em combate, de novo, para lá da fronteira portuguesa e a ganhar o primeiro troféu – uma das águias francesas, durante toda a campanha serão muitos os transmontanos que lutam ao lado dos restantes portugueses e britânicos no forte exército anglo-português e depois serão estes que irão garantir o isolamento de Massena em terras portuguesas impedindo a comunicação com Espanha.Até ao final da Guerra Peninsular, os transmontanos nas forças portuguesas seguem com os seus aliados britânicos a expulsar os franceses de Espanha e depois a derrotá-los na própria frança em 1814 enquanto, por cá, garantem a segurança permanente da sua região porque, que ninguém duvide “Para lá do Marão mandam os que lá estão!” e se os transmontanos souberam estar sempre entre os primeiros, quando a crise os obrigou a combater, será natural que, mais uma vez acreditemos, que hoje como ontem, os transmontanos estejam entre os primeiros na linha da frente pela defesa do nosso Portugal.

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Nuno Lemos Pires

Tenente-Coronel de Infantaria/ Operações Especiais. Professor de História e Relações Internacionais na Academia Militar (AM) e Doutorando em História, Defesa e Relações Internacionais no ISCTE com a AM. Vice-Presidente e sócio fundador da Liga dos Amigos do Museu Militar de Lisboa. Sócio efectivo da Revista Militar. Membro Correspondente do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar. Membro do foro para el Estudio de la His-toria Militar de España. Representante Militar Português no comité Britânico Peninsular war 200. Investigador e vogal da Direcção do CINAMIL (Centro de Investigação da Academia Militar). Sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa onde é vogal da Comissão de Relações Internacionais e membro da Secção de Ciências Militares.

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Jorge Sequeira 1

Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal

rESumo

Neste artigo apresenta-se uma metodologia para examinar determinado espaço, que se baseia em factores geográficos. Tem como objectivo elencar os elementos de natureza geográfica que devem ser analisados em cada factor, de forma a realizar um estudo abrangente, completo e rigoroso. A sua aplicação realiza-se essencialmente ao principal actor do Sistema Político Internacional – o Estado.Definimos os Factores Geográficos como o conjunto de agentes, elementos, condições ou causas de natureza geográfica que influenciam a localização e a distribuição de qualquer fenómeno numa determinada área.O método adoptado foi o do potencial estratégico, uma vez que procuramos identificar as Potencialidades e as Vulnerabilidades da área em análise; pode ser efectuado de várias formas, tendo em consideração a finalidade e os objectivos do utilizador. A sistematização apresentada é um exemplo académico utilizado no âmbito da Unidade Curricular de Geografia, ministrada na Academia Militar.

Palavras-chave: Factores Geográficos, Potencialidade, Vulnerabilidade, Estado, Poder

ABSTrACT

This article presents a methodology for examining certain space, which is based on geographical factors. It aims to list all elements of a geographical nature that must be analyzed in each factor in order to conduct a comprehensive, complete and accurate study. Its application is essentially noted by the main player in Political System Internacional - The State.

fACtores GoeGráfiCos, umA sistemAtizAção

1 Contactos: Email – [email protected], Tel – + 351214985660Recebido em 01 Março 2012 / Aceite em 06 Abril 2012

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We define geographical factors as a set of actors, elements or causes of geo-graphical nature that influence the location and distribution of any phenomenon in a particular area.The method adopted was the strategic potential, as we try to identify the strengths and vulnerabilities of the area under review; can be made by different ways, taking into consideration the purpose and objectives of the user. The presented systematic is an academic unit used in the Geography Curriculum, taught at the Military Academy.

Key-words: Geographical factors, Potentiality, Vulnerability, State, Power.

1. INTroDuÇÃo

Em cada ciência, o que a diferencia das demais é o seu objecto, que no caso da Geografia são as organizações espaciais. A abordagem da geografia científica está baseada na observação empírica, na verificação dos seus enunciados e na impor-tância de isolar os factos dos seus valores. Ao separar os valores atribuídos dos próprios factos, a ciência procura ser objectiva e imparcial. Por isso, hoje falamos em interdisciplinaridade, pois o real nunca é convenientemente explicado por ape-nas uma abordagem ou uma ciência específica (Vesentini, 2009 e Claval, 2006).As transformações sucessivas que ocorrem no conhecimento científico e no contexto socio-económico promovem a contínua mudança nos desafios e nos problemas enfrentados pelos homens. Desta forma, a Geografia, como todas as outras ciências, procura analisar e explicar alguns desses fenómenos, propondo soluções e prevenindo sobre as suas consequências no futuro. Um dos problemas da geografia relaciona-se com o procedimento metodológico, uma vez que, na análise e compreensão do conjunto de aspectos existentes numa região, todos eles relacionados, cada categoria do fenómeno, é o objecto de determinada ciência (Sociologia, Economia, Demografia, Botânica, Hidrologia e outras). Todas estas ciências executavam a análise sobre os assuntos particulares. À Geografia correspondia o trabalho de síntese, reunindo e coordenando todas as informações a fim de salientar a visão global da região (Vesentini, 2009). Esta vocação sintética tornou-se responsável pela unidade do ponto de vista atribuído à pesquisa geográfica. É ela a responsável pela unidade da Geografia segundo Pierre George a “Geografia tinha por objecto o conhecimento das relações que condicio-nam, em determinado momento, a vida e as relações dos grupos humanos. Essas relações colocam em jogo elementos e factos de essência múltipla, tão diferentes como a presença do granito ou a de uma fronteira” (APUD Vesentini, 2009). Em virtude desta ampla concepção, poderemos considerar que todos os eventos existentes na superfície terrestre acabam, de alguma forma, por pertencer ao âmbito geográfico.

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Com este artigo, pretendemos apresentar uma metodologia para analisar determinado espaço, que se baseia em vários factores geográficos. Com esta sistematização preten-demos elencar o conjunto de elementos que devem ser estudados em cada factor, de forma a determinar pontos fortes e fracos. A sua aplicação tem lugar essencialmente no estudo do principal actor do Sistema Político Internacional – o Estado. Neste racional é importante o conceito de Poder, pois se não existe entidade superior à vontade e interesse dos Estados, então podemos afirmar que será a relação de poder estabelecida, que moldará as relações entre os actores do Sistema Político.Existe algum consenso relativamente ao conceito de Poder de Raymond Aron, como sendo “…a capacidade que tem uma unidade política de impor a sua vontade às demais”, mediante a suposição de sanções eficazes no caso de uma não aceitação dessa vontade (1983, p. 99). O poder está relacionado com o conceito de força, sendo esta entendida como os “meios, recursos ou capacidades de toda a natureza (militares, económicos, humanos, organizacionais, psicológicos, etc.) de que um actor político pode lançar mão ou tirar partido para alcançar os seus objectivos” (webber, 1919, s.p.). O conceito de poder e a sua associação com o de força é importante, uma vez que, no estudo do potencial estratégico, de um espaço geográfico 2, procuram-se identificar potencialidades e vulnerabilidades, ou seja, a sua capacidade de impor ou não a sua vontade no Sistema Político Internacional.Com o estudo de cada factor geográfico procuramos identificar as potencialidades e vulnerabilidades/fragilidades de determinado espaço; pode ser efectuado de vá-rias formas, tendo em consideração a finalidade e os objectivos do utilizador. Por isso, a sistematização proposta é somente um exemplo académico que é utilizado no âmbito da Unidade Curricular de Geografia, ministrada na Academia Militar. Atendendo ao público-alvo e à nossa formação, procuramos para cada factor geográfico relevar a sua importância sob o ponto de vista da ciência militar; articulamos o artigo apresentando cada factor, que associamos aos ramos da Geografia. Para cada factor, apresentamos os elementos e dados que se devem estudar, propiciando, a título de exemplo, o caso de Portugal.

2. umA SISTEmATIZAÇÃo DoS FACTorES GEoGrÁFICoS

Consideramos que em primeiro lugar devemos apresentar o nosso entendimento daquilo que levou ao título deste artigo. Assim, baseámo-nos nas idéias do Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM, 1996) e no livro de Mendes Dias (2005) para

2 Pode ser um Continente, um Estado, um Oceano ou uma Região.

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definimos Factores Geográficos entendidos como um conjunto de agentes, elemen-tos, condições ou causas de natureza geográfica que influenciam a localização e a distribuição de qualquer fenómeno numa determinada área; em que uma “distribuição é a frequência com que qualquer facto ocorre no espaço. As distribuições espaciais variam de um lugar para outro, em padrão e intensidade” (IAEM, 1996, p. 28).A sistematização adoptada é a apresentada no quadro 1; optámos por associar os factores geográficos aos Ramos da Geografia. Esta associação, em determinados factores, torna-se problemá-tica, uma vez que, estes se interrelacionam e abarcam componentes tanto da Geo-grafia física como Humana.

3. GEoGrAFIA FÍSICA

Os Factores Geográficos re-lacionados com a GeografiaFísica são dos mais significativos dada a importância do seu conteúdo na caracteri-zação de determinado espaço geográfico e dada a permanência e prévia existência de conhecimento, permitindo que o mesmo seja conhecido antecipadamente (Dias, 2005).

3.1 Posição ou Localização

A Posição ou Localização é descrito em relação a “outro” (localização relativa) ou ao meio físico (Dias, 2005). Em primeiro lugar podemos referir que, no caso português, nos encontramos a jusante da Espanha. Numa óptica mais global, é de considerar, por exemplo, a maior/menor proximidade dos centros de poder, dos grandes espaços económicos e dos espaços necessários à projecção de Poder (Dias, 2005). Portugal localiza-se no extremo oci-dental do continente europeu, virando-se para o oceano Atlântico, de onde lhe têm chegado, ao longo de séculos, influências físicas e culturais diversas (Medeiros, 2005).Relativamente ao meio físico, os “territórios poderão assumir posições maríti-mas (podendo ainda ser litorais ou insulares), posições interiores ou centrais e posições mistas ou continentais; todas apresentam vantagens e desvantagens.

Quadro 1: Factores Geográficos - uma sistematização

Fonte: Adaptado de IAEM (1996) e Dias (2005)

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No entanto, aquelas que proporcionam um ponto de equilíbrio são as mistas ou continentais 3, tais como as dos Estados unidos da América, da França, de Angola ou do Brasil” (Dias, 2005, p. 226). Portugal apresenta uma posição marítima.

3.2 Extensão

A extensão deve ser percebida como as dimensões do actor a que nos estiver-mos a referir, quer do ponto de vista relativo, quer do ponto de vista absoluto.Este factor pode ser associado a diversos vectores importantes, tais como (Dias, 2005, p. 224 e 225):• à riqueza de recursos naturais e à sua localização; • às possibilidades de garantir, ou não, a dispersão de centros vitais;• à profundidade estratégica (permitindo o “amortecimento” de acções militares

– a troca de espaço por tempo) ; • à possibilidade ou não de utilizar o espaço para canalizar movimentos, para acções de

desgaste, para “transferência” de meios, para dificultar ou facilitar as comunicações; • à homogeneidade/heterogeneidade e distribuição da população; • à maior ou menor dificuldade de controlo do ponto de vista político, mesmo

no âmbito da implementação de medidas que visem a coesão interna.

Por outro lado, a referência à extensão de determinado espaço obriga à conjunção obrigatória com a verificação do seu “grau” de organização. De uma forma geral, “para que a extensão constitua um factor de poder, tem que o espaço estar organizado” 4 (IAEM, 1993, p. 19).Com efeito, se atendermos aos maiores Estados, quadro 2, constatamos que o poder não está somente associado à sua dimensão.

3 Posição mista ou continental implica “acesso fácil e directo a mares abertos e, cumulativamente, com grandes fronteiras terrestres” (Dias, 2005, p. 226).

4 Não deixa de ser interessante relembrar o conceito de «sentido de espaço» de friedrich Ratzel (1844 - 1904).

Quadro 2: Superfície dos nove maiores Estados do Mundo e próximos de Portugal.

Fonte: Adaptado de (Cordelier, Serge et al., 2002).

ESTADoS

RússiaCanadáChinaEstados Unidos da AmériaBrasilAustráliaÍndiaArgentinaCasaquistãofrançaEspanhaReino UnidoPortugal

SuPErFÍCIE (km2)

17.075.4009.976.1399.596.9619.363.1238.511.9657.682.3003.287.5902.766.8892.717.300547.026504.782244.04692.074

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Portugal, com uma área de 92.074km2 (Medeiros, 2005), ocupa a 13.ª posição, entre os 27 países da União Europeia, sendo sensivelmente um 1/5 da Espanha, 1/6 da frança, idêntico à Hungria e três vezes superior à Bélgica em área.

3.3 Fronteiras

O direito internacional define a “fronteira” como a “linha que determina onde começam e acabam os territórios dependendo respectivamente de dois Estados vizinhos” (Dinh e al, 2003, p. 476).Portugal continental tem 1.215km de fronteiras terrestres com Espanha, 339km a Norte e 876km a Este. O facto de ter fronteira terrestre apenas com um Estado Soberano é deveras significativo e tem permitido que essa mesma fronteira seja das mais antigas e estáveis do mundo (Medeiros, 2005). O Tratado de Alcañices, em 1297, fixou a fronteira portuguesa que, com pequenas alterações, chegou aos nossos dias, perfazendo uns notáveis quase oito séculos de estabilidade. O maior ultraje ao Tratado em questão tem a haver com a “...ocupação de olivença pelos Espanhóis, em 1801, ainda que não reconhecida pelas convenções internacionais posteriores” (Medeiros, 2005, p.28), mas que, aparentemente, não perturba as relações actuais entre os dois Estados.

3.4 Configuração

A configuração de um Estado deve ser percebida como o seu “desenho” na carta ou no mapa, plasmando o espaço onde a soberania é também exercida e defendida e materializado por limites reconhecidos internacionalmente (Dias, 2005, p. 227). A descontinuidade territorial pode ser um factor potenciador da fragmentação ou da heterogeneidade; esta pode ser aproveitada pelos diferentes actores do Sistema Interna-cional, se forem introduzidos elementos de maior autonomia ou mesmo independência, por exemplo. Para evitar esta, eventual, vulnerabilidade, deve existir uma acção polí-tica determinada e sustentada no culto de valores e finalidades comuns (Dias, 2005).Portugal em termos de configuração, segundo Orlando Ribeiro (1987, p. 59) é um rectângulo “alongado no sentido do meridiano, que constitui uma das figuras de Estado mais harmoniosas e mais simples” é, também, um país descontínuo dado a existência dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira.

3.5 Relevo

Quando nos referimos ao “relevo” estamos a considerar o conjunto de formas da crosta terrestre, onde se inclui o fundo dos oceanos e as terras emersas; existem vários tipos de relevo, dos quais destacamos: montanhas, planaltos, planícies,

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depressões, cordilheiras, serras, vulcões, vales, escarpas, abismos, entre outras.A origrafia marca as direcções naturais de penetração, orientando e canalizando, por exemplo, as acções militares terrestres, mas também influindo no traçado dos sistemas de comunicação de transportes e como tal afectando, quer a “dis-tribuição espacial da população, quer a sua homogeneidade, não deixando de ser relacional com o desenvolvimento das próprias regiões e com o factor comportamental das populações eventualmente afectadas” (Dias, 2005, p. 229).Na óptica estratégico-militar, as zonas montanhosas podem constituir-se como obstáculo ou como área importante proporcionam zonas de refúgio a pequenos grupos, realçando-se neste campo, as actividades de guerrilha ou ainda definem locais de passagem obrigatória (forças terrestres); ou materializar ou apoiar linhas defensivas, valorizando-as deste ponto de vista (Dias, 2005).As zonas mais planas, em geral, possibilitam a manobra e o movimento, po-dendo ou não ser “enquadradas por zonas montanhosas, definindo direcções naturais de progressão; normalmente são zonas que apresentam menor valor de defensivo (associe-se, principalmente, com as características do clima, com a natureza do solo e com a rede hidrográfica)” (Dias, 2005, p. 229).O relevo também pode ser utilizado, para “materializar o traçado de fronteiras e, como tal, também ser motivo de disputas (associe-se, por vezes, a conjugação com a riqueza de recursos naturais)” (Dias, 2005, p. 229).

3.6 Hidrografia

Ao longo da História, os rios têm desempenhado, conforme a situação, funções de ligação entre povos e culturas (berço de civilizações importantes, exemplos: Nilo, Tigre, Eufrates, Ganges, entre outros), de via de penetração e de escoamento comercial (Dias, 2005).Do ponto vista militar tem-se constituído como obstáculo (servindo de apoio a linhas defensivas) ou como via de comunicação (inclusive tem servido como via de acesso a áreas “interiores”) (Dias, 2005). Ainda nesta perspectiva, é importante aquando do planeamento de operações militares aquilatar de alguns aspectos relacionados com os rios, como seja: a velocidade das correntes e a inclinação das margens, a existência e tipos de pontes, entre outros.Os rios assumem extraordinária importância como fonte de abastecimento de água para os vários sectores de actividade, inclusive o abastecimento público. Os rios internacionais, ou melhor as suas bacias hidrográficas 5 são também fonte de con-flitos entre actores do Sistema Internacional (figura 1), por limitarem os Poderes

5 Espaço físico que alimenta um curso de água e por ele é drenado. A bacia terá por eixo o curso de água principal e por limite as linhas de partilha de águas que a separam as bacias adjacentes.

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dos Estados (Dias, 2005). Julgamos importante salientar que os principais rios de Portugal têm reduzida navegabilidade, mas, por norma, terminam em bons portos.Os rios também se têm constituído como linhas de demarcação fronteiriças (ex: Rio Grande, entre o México e os EUA ; Guadiana entre Portugal e o Espanha).Neste factor devem ainda ser analisados os principais lagos, barragens, mares, portos e aquíferos 6 do es-paço em estudo. Em termos de disponibilidade hídrica, Portugal, quando comparado com os países da região euro-mediterrânea situa-se numa posição intermédia, mas, quando comparado com os seus vizinhos já se posiciona numa situação privilegiada, pois apenas utiliza 16% dos seus recur-sos hídricos renováveis (Ramos, 2005).Espanha e Portugal partilham as principais bacias hidrográficas da Península Ibérica, sendo que praticamente 2/3 do território português estão localizados em bacias internacionais 7. Portugal tende a ficar refém de qualquer iniciativa espanhola no domínio da gestão dos recursos hídricos, pois a sua localização a jusante da Espanha constitui uma vulnerabilidade nacional que justifica a adopção de um processo negocial contínuo, baseado no Direito Internacional e Comunitário, numa atitude de cooperação efectiva e, principalmente, na im-plementação de medidas concretas que minimizem essa vulnerabilidade. A barragem do Alqueva, dada a sua importância merece ser destacada, uma vez que deu origem ao maior lago artificial da Europa, com 250km2 de superfície,

Figura 1: Bacias hidrográficas de Portugal ContinentalFonte: Adaptado de (APA, 2009).

6 Formação rochosa que armazena um fluido (geralmente água) em grande quantidade e que permite a sua exploração pelo homem de um modo rentável.

7 As bacias hidrográficas transfronteiriças são cinco: Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana (Ramos, 2005, p.394).

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83km de comprimento e 1.160km de margens. Tem capacidade para garantir 110.000ha de regadio numa das zonas mais secas do país, e constitui, já, uma verdadeira reserva estratégica de água, com capacidade máxima de armaze-namento na ordem dos 4.150hm3. Sobre este assunto, Catarina Ramos (2005, p.394) refere que a capacidade de armazenamento de água na parte portuguesa da bacia do Guadiana passou de 24%, antes da entrada em funcionamento da barragem, para uns impressionantes 243%. Esta reserva de água tem capacidade para garantir o abastecimento público de água a toda a população do Alentejo durante praticamente um ano. Considera-se que é uma reserva estratégica 8, por tudo o referido, e por permitir simulta-neamente o apoio à actividade económica (essencialmente na agro-pecuária), produzir energia, apoiar a actividade náutica e, consagrar um turismo e lazer afoito na sustentabilidade. Além da Barragem do Alqueva, destacamos a Barragem do Castelo do Bode (no Rio Zêzere) com uma extensão 9 aproximadamente de 60km, o que proporciona o aparecimento de inúmeros braços de água. Esta grande reserva de água abas-tece a região de Lisboa num total de aproximadamente 3 milhões de pessoas.Portugal tem um território de dimensão reduzida quando comparado com ou-tros países da Europa; no entanto possui a maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da União Europeia com cerca de 1.700.000 km2, “...dos quais 437.000 km2 se ligam à Madeira e 938.000 km2 aos Açores” (Medeiros, 2005, p.20). A dimensão da nossa ZEE é cerca de dezoito vezes superior à da extensão terrestre, figura 2, conferindo a Portugal uma importância muito maior do que seria de prever para um país da sua dimensão.Com a ratificação da convenção do Direito do Mar, em 3 de Novembro de 1997, Portugal passou a reger-se pelas regras aí estabelecidas referentes à definição e delimitação da plataforma continental 10. A possibilidade de extensão que assiste aos Estados, no entanto, é limitada no tempo e no espaço. Em 2005 foi criada a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, que teve como missão a preparação da proposta de extensão da plataforma continental

8 Porque a Barragem encontra-se num rio internacional o que leva que existam objectivos incompatíveis para a bacia hidrográfica do rio Guadiana, como são exemplo os projectos turísticos previstos por Por-tugal na região e a refinaria Balboa, perto do Rio Bodin (afluente do Guadiana) por parte de Espanha.

9 Das imediações de Tomar até aos arredores de Cernache do Bonjardim.10 Verificadas determinadas condições geomorfológicas ou geológicas, a convenção do Direito do Mar refere

que a plataforma continental pode estender-se para além das 200 milhas. A verificação daquelas condições implica a identificação rigorosa de uma característica física, própria da morfologia do fundo mar, o pé do talude, que é, salvo prova em contrário, o ponto de máxima variação do gradiente na base do talude.

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de Portugal, para além das 200 milhas, tendo-a apresentado em Maio de 2009 11, à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, figura 2.

Portugal possui três Portos de águas Profundas 12: Leixões, Lisboa e Sines. Estes, devido à posição de Portugal, podem constituir, no seu conjunto, uma importante plataforma para a Europa, nomeadamente com o transbordo de cargas, de rotas oceânicas para rotas costeiras, e por ferrovia e rodovia.Portugal possui vários aquíferos, mas os mais importantes localizam-se nos estuários do rio Tejo e Sado, figura 3. Este facto implica que, aquando da construção de infra-estruturas, como sejam o Novo Aeroporto de Lisboa (Alcochete) e as Plataformas Logísticas (Poceirão/

Palmela e Castanheira do Ribatejo), sejam adoptadas as medidas convenientes de forma a impedir a sua contaminação.

3.7 Clima

O tipo de clima tem implicações em vários factores geograficos, como por exemplo, na renovação dos solos, no tipo de fauna e de flora existentes, nas características da população (incluindo aspectos culturais); afecta consequentemente todas as acti-vidades (Dias, 2005). Por outro lado, a adaptação do Homem a climas hostis influencia as suas ca-pacidades de sofrimento, caracteristica importante no desempenho de determinadas funções. “A maior ou menor adversidade climática, também influencia na distribuição espacial e na própria densidade populacional” (Dias, 2005, p. 232).

11 Portugal entregou a sua proposta em 12 de Maio de 2009, no caso de ser aceite, irá estender a área sob jurisdição portuguesa até cerca dos 3,8 km2, segundo noticiou a comunicação social nesse dia.

12 São portos que podem ser utilizados por navios de grande calado (pelo menos 14 metros de profundidade).

Figura 2: Zona Económica Exclusiva e Extensão da Plata-forma Continental.Fonte: EMEPC, 2011

Figura 3: Aquíferos em Portugal Continental.Fonte: adaptado de APA (2009).

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Do ponto de vista militar, o clima pode influenciar significativamente as ope-rações militares, como foram exemplo as invasões de Napoleão e de Hitler da Rússia, sendo considerado nas decisões em todos os patamares, desde o táctico até ao estratégico, e deverão ser considerados elementos como a temperatura do ar, pressão atmosférica, humidade, precipitação atmosférica (Dias, 2005).No caso nacional e apesar das reduzidas dimensões de Portugal Continental, este apresenta “características climáticas determinadas pelo enfraquecimento da influência marítima da periferia para o interior”. O efeito da continentalidade exprime-se pelo acentuado frio nocturno e invernal, acentuando o calor diurno e no Verão (ferreira, 2005a, p. 319).O Clima dos Açores e Madeira varia de ilha para ilha consoante a sua altitude; assim (ferreira, 2005a):

• a Madeira, Santa Maria e Graciosa são ilhas baixas e estão totalmente incluí-das no ar marítimo. A humidade é suficiente para formar nuvens, tendo assim temperaturas médias superiores a 20º e sem grandes amplitudes térmicas;

• S. Miguel, S. Jorge, Faial, Terceira, Flores e Corvo são ilhas montanhosas de altitude mediana, em que os pontos mais altos destas ilhas estão envoltos em nuvens;

• Pico é uma ilha montanhosa com altitude suficiente para penetrar na camada quente e seca, tendo então a parte inferior da ilha mergulhada no ar marítimo e a parte superior, soalheira, afectada pelo ar seco.

3.8 Fauna e Flora

Determinadas espécies em perigo de extinção podem condicionar alguns aspec-tos de planeamento (veja-se o caso da auto-estrada transmontana que sofreu alterações devido ao Lince Ibérico); por outro lado pode ser fonte de receitas, como são por exemplo, os parques naturais em áfrica.Este factor relaciona-se directamente, com a natureza do solo, a tipologia cli-mática e o relevo, constituindo-se como um recurso natural influente, quer na economia de determinada região (exemplo: matérias-primas importantes como a madeira), quer na distribuição espacial da população, uma vez que poderá afectar as comunicações de transporte (Dias, 2005).Do ponto de vista militar, as florestas materializam obstáculos, designada-mente para forças motorizadas, mecanizadas ou blindadas. Por outro lado, são boas zonas de refúgio para pequenos grupos desenvolverem actividades de guerrilha (Dias, 2005).

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Portugal é um país com uma grande área florestal (33%) do território nacional, onde alternam vastas áreas de paisagem arborizada, como o pinheiro bravo e eucalipto, com uma vegetação de características mediterrânicas a Sul 13 e, com uma região de influência atlântica na faixa costeira Norte. Assim, predominam regiões de cultura intensiva a Noroeste, regiões densamente arborizadas na fai-xa costeira e Interior Centro, e regiões de arvoredo disperso no resto do país.Nos Açores e na Madeira alternam regiões de cultura intensiva com áreas den-samente arborizadas com pinheiros bravos, urzes, cedros e loureiros.

3.9 Solos

A natureza do solo assume particular importância no quadro da economia de determinada região, destacando-se a possibilidade de produção de alimentos em quantidades que obviem, em larga escala, dependência externa. A importação deste tipo de recursos respeita (nomeadamente os cereais), apresenta-se como uma “grande vulnerabilidade do Estado porque, em últimas instância, poderá colocar directamente em causa a sobrevivência das populações” (Dias, 2005, p. 232).O tipo de Solo que se forma numa determinada área depende do material de origem, do clima, da topografia, dos organismos existentes e do tempo. Ou seja, o clima e organismos, controlados pelo relevo, actuando sobre o material de origem, ao longo do tempo, geram uma situação de desequilíbrio que resulta na formação dos solos (Muggler et al, 2005).Do ponto de vista militar, a natureza do solo é importante, porque influi na “mobilidade das forças e na selecção dos meios a utilizar (ex. motorizados ou mecanizados)” (Dias, 2005, p. 232). Em Portugal, a transitabilidade pode considerar-se de uma maneira geral boa, com excepção das regiões dos vales dos rios Tejo, Sado e Mondego, onde a natureza argilosa do terreno, quando conjugada com as chuvas, dificulta os movimentos todo o terreno.

3.10 Questões Ambientais

As questões ambientais estão intimamente ligadas à geografia, seja ela física ou humana, mas apesar disso não se pretende individualizar “o ambiente” como

13 Onde predominam os Sobreiros e Azinheiras; sendo Portugal o maior produtor e exportador de cortiça do Mundo.

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mais um elemento de estudo. Pretende-se, isso sim, que aquando da análise de qualquer factor geográfico se ponderem as questões ambientais, sejam elas po-sitivas ou negativas. A título de exemplo, a Nova Zelândia é conhecida por ser um país verde e sem poluição 14, logo quando se analisam os rios e as barragens devem-se verificar as consequências ambientais (poluição, salinalização, entre outros) ou se analisam as metrópoles, devem verificar-se os tipos de problemas existentes, entre outros aspectos, ou seja, tudo aquilo que de alguma forma pode potenciar ou vulnerabilizar o espaço em análise.Cada vez mais as questões ambientais ganham relevância e, assim, a preser-vação da fauna e da flora torna-se fundamental (especialmente quando estão em causa espécies protegidas ou em risco de extinção), uma vez que, por exemplo, as Organizações Não Governamentais de Ambiente exploram estas situações e conseguem alcançar um mediatismo que é difícil de ignorar pelos decisores políticos.

3.11 Recursos Naturais

Os recursos naturais são “bens susceptíveis de aproveitamento económico ou de utilização pela Humanidade e que, por princípio, não são produzíveis pela acção humana” (Pereira et al, 2006, p. 1).A existência de recursos naturais tem papel determinante no valor de determi-nado espaço territorial e no Poder do actor que aí exerce soberania. “Por outro lado, à existência têm que ser associadas as capacidades de exploração e de transformação das diferentes matérias-primas (conjugação com disponibilidade de mão-de-obra, de tecnologia, de diferentes equipamentos), assim como a disponibilidade dos mercados interno e externo” (Dias, 2005, p. 245).“A importância dos recursos naturais deriva essencialmente da escassez, da necessidade e da distribuição e, de acordo com este critério, podem ser clas-sificados como críticos, essenciais e estratégicos 15” (IAEM, 1993, p. 36). Os recursos poderão ainda ser classificados, de acordo com o critério da sua natureza e finalidade, sustentando, assim, uma classificação em energéticos (ex.: petróleo, gás natural, carvão, etc.), minerais (ex.: ferro, aço, ouro, prata,

14 Sendo um elemento importante para o turismo.15 De uma maneira geral, devem ser “considerados recursos estratégicos, aqueles que são objecto do inte-

resse e da competitividade entre actores” (Dias, 2005, p. 246).

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manganésio, níquel, crómio, vanádio, manganês, urânio, lítio, etc.), alimentares (ex.: cereais, recursos piscícolas, etc.) e outros (Dias, 2005).Os recursos naturais são por vezes utilizados como moeda de troca ou de pressão para a prossecução dos objectivos específicos dos diferentes actores do Sistema Internacional (Dias, 2005). A grande dependência de recursos é uma vulnerabilidade, visto que é um ponto fraco necessariamente explorado pelos diferentes actores, como por exemplo na aplicação de embargos ou sanções económicas que dificultem a sua obtenção ou o seu escoamento. Portugal é um país com escassos recursos energéticos, nomeadamente, aqueles que asseguram a generalidade das necessidades energéticas da maioria dos países desenvolvidos (como o petróleo, o carvão e o gás). Esta situação de escassez conduz a uma elevada dependência energética do exterior (80,9% em 2009), sendo totalmente dependente das importações de fontes primárias de origem fóssil, e com uma contribuição das energias hídrica (fortemente dependente das condições climatéricas), eólica, solar e geotérmica, biogás e de lenhas e resíduos, que importa aumentar (INE – E, 2012, p. 40). Portugal está assim perante uma reduzida diversificação da oferta energética primária, aliada à escassez de recursos próprios, que conduz a uma maior vulnerabilidade do sistema energético às flutuações dos preços internacionais, nomeadamente do preço do petróleo, exigindo esforços no sentido de aumentar a diversificação (MEID, 2010). Para além dos aspectos económicos, a utilização de combustíveis fósseis provoca importantes impactos ambientais negativos, nomeadamente alterações climáticas, poluição do ar, água e solo entre outras, que têm também consequências na qualidade de vida das populações. Daí a importância das energias renováveis; entendidas como formas de ener-gia inesgotáveis e ou com elevada capacidade de renovação não poluentes. Caracterizam-se, também, pelo seu carácter endógeno e descentralizado, con-tribuindo desta forma para a redução das importações de combustíveis, para o aumento da segurança do abastecimento energético e para a criação de riqueza em zonas economicamente deprimidas (MEID, 2010).

4. GEoGrAFIA HumANA

O estudo da população é um dos factores geográficos mais importantes, dado que o Homem, na tentativa de garantir a sua segurança, o seu progresso e bem-estar, é o responsável e parte integrante das organizações instituídas (Dias, 2005, p. 238).

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A população influi nas capacidades de investigação e desenvolvimento do Estado (qualidade e quantidade das pessoas), no recrutamento para as forças Armadas, para as forças de Segurança e de Trabalho. É nela se materializam os valores, a história, a tradição, a vontade nacional, a coesão nacional, a coesão social, as capacidades de liderança e de chefia e se materialização na Individualidade Nacional. Logo pode unir, ou dividir, pode progredir, como pode fazer regredir e, portanto, afecta directamente todos os factores geográficos que estudamos, não podendo ser analisada duma perspectiva isolada; antes pelo contrário, é na “conjugação com o estudo dos outros factores que se conseguem perceber as potencialidades e discriminar as vulnerabilidades” (Dias, 2005, p. 239).

4.1 Demografia

Os efectivos populacionais dizem respeito à população total (nacionais e estrangeiros) que vive num determinado Estado 16. “Efectivos popula-cionais elevados podem constituir uma mais valia, mas também podem consubstanciar fragmentações, se os efectivos se conjugarem com uma eventual escassez de recursos e com grandes diferenças qualitativas” (Dias, 2005, p.239). Grandes efectivos populacionais não querem dizer, de forma automática, grande potência; a quantidade da população é excepcionalmente importante, mas a sua qualidade não o será menos (Dias, 2005).A distribuição geográfica diz respeito à ocupação do espaço, com conse-quências no Ordenamento do Território Neste âmbito podem ser efectuadas variadas associações, de acordo com a finalidade da análise; um exemplo que podemos referir é a forma como o Estado tira partido desse espaço, na “lógica de aproveitamento dos recursos que ele proporciona e na capacidade para o defender” (Dias, 2005, p.240).Em Portugal continental a distribuição da população é pouco uniforme, verifi-cando-se uma grande concentração nas zonas do Litoral, principalmente entre Setúbal e Braga. As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, que em termos de área ocupam somente 5% do território nacional, concentram 39% da população residente no Continente. A densidade populacional é de 116 pessoas por km2.

16 “O critério politológico indica que a população deve ser entendida como o conjunto de todos os indi-víduos subordinados ao mesmo poder político. Cada Estado possui a sua própria população e ao poder soberano compete definir a forma mais conveniente que deve ter esta base social” (Bessa, 2001, p. 159).

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O ritmo de crescimento deve ser um dos indicadores a ser estudado, tanto do ponto de vista absoluto (quantitativo), como de forma qualitativa. Uma população pode crescer à custa de índices de fecundidade elevados e taxas de mortalidade baixas, mas também poderá aumentar com índices de fecundidade diminutos graças, por exemplo, ao fenómeno migratório situação que permite a Portugal não ver decrescer a sua população total. (Dias, 2005).Por outro lado, uma população jovem, em teoria, é sinónima de maior ini-ciativa, de maior vitalidade e de maior adaptabilidade a novas situações, ao invés de uma população envelhecida (Dias, 2005).A estrutura da população é outro dos indicadores a analisar de acordo com diferentes “ângulos de observação” tais como: idade, sexo, actividade, distri-buição rural e urbana. Uma análise cuidada permite tirar ilações sobre “(...) distribuição de funções sociais, estado de desenvolvimento da economia e, sobretudo, visualizar (...) a evolução da população” (IAEM, 1993, p. 33). De acordo com os resultados do Censos 2011, residiam em Portugal 10.555.853 pessoas, das quais 10.041.813 no Continente, 246.102 nos Açores e 267.938 na Madeira (INE, 2011). A estrutura da população nacional é a apresentada na figura

4, na qual se verifica que a po-pulação idosa já é superior aos jovens segundo as estimativas do INE, referentes a 2010. Este é um grave problema que temos de enfrentar, mas não se vislum-bram políticas que incentivem o aumento da natalidade, em que a fiscalidade é um exemplo do que acabámos de afirmar.No Quadro 3, apresentam-se alguns indicadores relativos à população portuguesa, dos quais

destacamos a baixa taxa de fertilidade (1,38%) o que não permite a regeneração da população; para permitir a renovação da população (taxa de regeneração) esta taxa deveria ser de 2,1% (na Europa a taxa de fertilidade é de 1,51%) (UNfPA, 2009); também, a baixa taxa de mortalidade infantil (3,27%), sendo este um dos indicadores que Portugal mais melhorou nas últimas décadas, devido aos programa de apoio às mulheres grávidas desenvolvidas nas infra-estruturas de saúde.

Figura 4: Estrutura da População Portuguesa, em 2010. Fonte: INE, 2011

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4.2 Etnografia

Uma análise das características da população passa por reconhecer, identificar e distinguir os “vectores” rácios, étnicos, religiosos 17, linguísticos e outros que se possam consubstanciar como pólos de união ou de fragmentação, podendo associar-se a reflexões sobre a homogeneidade ou heterogeneidade das popu-lações que habitam determinado espaço e à identificação de raízes agregadoras ou desagregadoras, ou que se possam constituir como focos de tensão que, no extremo, levem à ruptura social e à desagregação da própria organização social (Ex.: A República da ex. Jugoslávia) ( Dias, 2005).

17 “A Igreja Católica propagou-se pelo planeta graças às colonizações francesa, espanhola e portuguesa. É a única religião a dispor de um Estado, o vaticano que, aliás, dispõe de uma missão de observação junto das Nações unidas.As Igrejas Protestantes estão organizadas em conjuntos transnacionais, não dispondo de um centro único de Poder. São muito influentes na América do Norte, na Europa do Norte, no mundo germânico, ilhas Britânicas e ilhas do Pacífico.A Ortodoxia («conforme o dogma») nasceu no cisma do oriente, em 1054. Está presente no mundo eslavo e nos Balcãs.o Islão («submissão» em árabe) conhece uma expansão contínua desde o século xiii. oriundo dos países árabes ultrapassa-os largamente. A indonésia, o Paquistão e o Bangladesh são países muçulmanos, quer sunitas, quer xiitas.os Judeus dispõem de um Estado desde 1948, mas são quatro vezes mais numerosos fora de israel...o Budismo está presente na Ásia, mas suscita um movimento de simpatia e curiosidade no mundo ocidental.A religião Hindu mantém-se concentrada na Índia e no Nepal” (Boniface, 2003, p. 30).

Fonte: Adaptado de INE (2008) e UNfPA (2009).

Quadro 3: Indicadores da população portuguesa, 2007

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Por outro lado, a heterogeneidade de um país pode também ser associada a questões como a autodeterminação, a constituição de minorias, a movimentos migratórios entre outras, pelo que a “abordagem deste factor exige o conhecimento da for-mação do(s) actor(es) em causa e do percurso histórico” (Dias, 2005, p. 245). Em Portugal, cerca de 97% da população é Católica, estando consagrado na nossa constituição a liberdade religiosa para todas as religiões. Quanto à língua Oficial, o Português é falado por toda a População, enquanto que o Mirandês é também uma língua oficial, reconhecida pela Lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, sendo estimado entre sete e 10 mil o número de falantes, contabilizando os que habitam no Concelho de Miranda do Douro, em três aldeias do Concelho de Vimioso e os i/emigrantes (ferreira, 2009).Com o objectivo de contribuir para manter viva esta língua, o Centro Nacional de Cultura decidiu destacar semanalmente neste portal as crónicas em miran-dês publicadas no semanário regional, “A Voz do Nordeste” pelo Dr. Amadeu ferreira, presidente da Associaçon de Lhéngua Mirandesa (ferreira, 2009).A existência de minorias no seio da população portuguesa não tem sido factor de instabilidade, dada a integração razoável na sociedade. Os principais grupos minoritários são constituídos por cidadãos oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, por Brasileiros e por cidadãos dos países da Europa de Leste.

4.3 Sistemas urbanos

O sistema urbano pode ser considerado como uma estruturação territorial, con-cebido como um conjunto de “espaços de vida locais e regionais, articulados numa estrutura dotada de capacidades de auto-organização e com diferentes níveis de articulação com outras redes, com diferentes configurações geográ-ficas transversais aos quadros nacionais” (Marques, 2005, p. 190). Importa deste modo verificar como as metrópoles se estruturam e ligam (quais as co-municações de transporte 18 existentes), qual a sua articulação com os portos e bases logísticas, atendendo que são lugares privilegiados enquanto motores de desenvolvimento, «portas de entrada» de investimentos, pessoas e mercadorias e locais preferenciais de intercâmbio científico, de cooperação e projecção cultural.O principal elemento dos sistemas urbanos é a Cidade considerada como um “aglomerado populacional que a dada altura foi elevado a esta categoria por uma entidade político-administrativa (rei ou parlamento)” (Salgueiro, 2005, 180).

18 Factor Geográfico analisado mais à frente.

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Também nos sistemas urbanos devemos analisar os «Acidentes Culturais», considerando-os como as alterações resultantes da acção do Homem 19, uma vez que são indiciadoras do nível de desenvolvimento do espaço em análise.Estas modificações, que se associam obrigatoriamente ao ordenamento territorial, podem constituir elementos de desenvolvimento, se facilitarem a circulação de pessoas, de bens e ideias. As principais cidades portuguesas são Lisboa com cerca de 550.000 habitantes (2 milhões e 300 mil habitantes na Grande Lisboa) sendo a capital. Outras cidades importantes são o Porto com 260.000 habitantes (1 milhão e 300 mil habitantes no Grande Porto), Coimbra com 105.000, importante centro indus-trial e universitário e, ainda, Setúbal, Viseu, faro, Évora, Braga e Aveiro são importantes pólos regionais (INE, 2012).

4.4 Comunicações de Transporte

Com a análise deste factor pretendemos estudar a localização e desenvolvimento das redes de transportes e o seu impacto na fixação das actividades económi-cas, tendo por isso a ver com a dinâmica da economia e com a própria acção política para o desenvolvimento, na medida em que “representa a acessibilidade do território e da população a bens e ideias” (IAEM, 1993, p. 39). Nas comunicações de transporte, do ponto de vista militar, tem que se atender às suas características e relacioná-las com a sua “utilização no quadro do des-locamento de forças militares e equipamento associado”, tanto em Território Nacional como para o exterior (Dias, 2005, p. 246). Nas comunicações de transporte interessa caracterizar os sistemas rodoviário, ferroviário, marítimo, aquático interior, aéreo e espacial e por conduta.

4.5 Comunicações de Relação

Este factor estuda a localização e desenvolvimento dos sistemas de comunicações e o seu impacto no desenvolvimento das actividades económicas. Do ponto de vista da identificação das pessoas com os países, no plano das ideias, dos valores e do seu culto, as comunicações de relação englobam: fax, internet, televisão, rádio, telefones fixos e móveis, imprensa escrita, sistemas satélite, entre outros, assumindo uma importância fundamental, quer na poten-

19 São exemplo as pontes, os viadutos, os túneis, as barragens, as vias de comunicação e outros que trans-formam o ambiente natural.

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ciação da coesão interna, quer no seu uso para o veicular de mensagens desa-gregadoras; de igual forma, este tipo de comunicações, enforma as sociedades e tem grande influência nos processos educativos (Dias, 2005, p. 247).As novas tecnologias de informação e comunicação tornaram os consumidores mais vulneráveis à instrumentalização por parte de vários grupos de interesses, nos quais podemos incluir os que controlam a comunicação social. Os portu-gueses, por exemplo, deixaram de ser colocados perante a tradicional difusão da «doutrina oficial do Estado», relativamente previsível e de contornos algo claros, para passarem a ser confrontados com interesses menos cristalinos e de entidades que desconhecem (Leal, 2007).

4.6 Estruturas

Com a análise do factor Estruturas 20 pretende-se identificar, reconhecer e caracterizar a forma como determinada sociedade se encontra organizada, nas suas diferentes e diversas vertentes. Para efectuar o estudo deste factor com “credibilidade, seriedade e rigor, é necessário considerar o contexto cultural e civilizacional, assim com o seu “caminho” histórico” (Dias, 2005, p. 249).Pelo referido, constata-se que o estudo deste factor é de difícil execução; no entanto deve ser efectuado de forma exaustiva e rigorosa, “pois as estruturas são veículos de vontade, instrumentos de execução de possibilidades e de mi-nimização das vulnerabilidades: são componentes importantes da expressão do Poder” (IAEM, 1993, p.41).

4.7 Estruturas Políticas

Com este factor pretendemos estudar o modo como as condições geográficas in-fluenciam as políticas e a influência recíproca destas na Paisagem física e urbana. Deve-se analisar o tipo de “sistema político, a organização do Estado, aos níveis nacional e regional, dos pontos de vista político, administrativo e judi-cial, assim como deverão ser recolhidos e analisados elementos que permitam tirar ilações sobre “a identificação da população com o Estado e a eficácia” (IAEM, 1993, p. 41) e eficiência das instituições” (Dias, 2005, p.247).Portugal é uma república soberana, um Estado de direito democrático, unitário, que respeita na sua organização o princípio da autonomia das autarquias locais

20 “São as formas de organização da sociedade, quer ao nível nacional, quer na perspectiva do relaciona-mento regional e global... São um veículo de relacionamento (interacção) entre o meio humano e o meio físico, e serão um factor de poder, se harmoniosas e adequadas” (IAEM, 1993, p.41).

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e da descentralização democrática da Administração Pública. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas, dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de Governo próprios. O sistema de governo central, designado por semi-presidencial, assenta em três órgãos políticos: o Presidente da República (PR), a Assembleia da República e o Governo. Para além destes, também os Tribunais são órgãos de soberania, cuja formação, composição e competência são definidos na Constituição.Nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, os órgãos de governo são a Assembleia Legislativa Regional e o Governo Regional, sendo a soberania da República representada pelos Representantes da República, nomeados pelo Presidente da República (PR), após audição do Governo.

4.8 Estruturas Sociais

Neste factor geográfico procura-se compreender e analisar os mecanismos da assistência médica, dos serviços de emergência, do associativismo, das orga-nizações de solidariedade, dos serviços de assistência social e outras questões, tais como a habitação e a qualidade de vida em geral (Dias, 2005).O indicador mais utilizado para verificar a “qualidade de vida” é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 21 que mede o grau de desenvolvimento de um país através de uma fórmula matemática onde as variáveis são a Esperança de Vida (longevidade), a Literacia (Educação), a Industrialização, a Agricultura, a Economia (PIB), a Saúde, entre outros. O IDH atribui a cada Estado um valor entre zero e um; um país com valor inferior a 0,5 é considerado com um índice de desenvolvimento baixo, de 0,5 a 0,8 tem um índice médio, entre 0,8 e 0,95 tem um índice de desenvolvimento alto e muito alto acima de 0,95.Portugal no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011, das Nações Unidas, caiu para a 41.ª posição; em 2009 aparecia, em 34.º lugar e em 2008 estava na 29.ª; apesar de continuar com um índice de desenvolvimento muito alto 22 tem vindo a cair neste indicador da qualidade de vida (a Espanha aparece no 23.º lugar e Barbados é o 46.º, último país desta escala); Marrocos aparece n 130.ª posição. O índice é liderado pela Noruega e em último lugar aparece a República Democrática do Congo, em 183 países (HDR, 2011).

22 O IDH surge pela 1ª vez em 1990, num estudo levado a cabo por três cientistas – Amartya Sen (indiano), Mahbub ul Haq (paquistanês) e Meghnad Desai (inglês) – o que lhes valeu o prémio Nobel da Economia, nesse ano.

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3.9 Estruturas Económicas

Neste factor devem-se verificar e estudar alguns indicadores macroeconómicos, tais como, o Produto Interno Bruto (PIB), o Produto Nacional Bruto, o Rendimento Nacional, a taxa de crescimento económico, a taxa de inflação, a balança comercial externa, a produtividade por sectores de actividade, a taxa de desemprego e outros (Dias, 2005, p. 249). Deve-se identificar também, como a sociedade está organizada ao nível das estruturas económicas, ou seja, o papel do Banco Central, se existem bancos privados, qual a intervenção estatal ao nível da economia, entre outros. Portugal, como os restantes países europeus, desenvolveu ao longo das últimas décadas uma economia cada vez mais baseada nos serviços. Dados de 2007 revelam que os serviços representavam 58% em termos de emprego e 69,2% em Termos de Valor Acrescentado Bruto (VAB)23. O Sector Primário absorve 12% do emprego; no entanto representa, em Termos de VAB cerca de 3%. A indústria transformadora alterou a sua estrutura tradicional, passando de uma elevada dependência das indústrias têxtil, do calçado, das cerâmicas, da cortiça, da reparação naval, da alimentação e bebidas, para uma situ-ação em que novos sec-tores ganharam dinâmica de crescimento, nomeada-mente o dos automóveis e componentes, da elec-trónica e farmacêutico, representando cerca de 31% do emprego e um VAB de 28%, figura 6 (INE, 2012).Os serviços tornaram-se o sector mais dinâmico, com o comércio, os transportes e comunicações, o turismo e os serviços financeiros a apresentarem taxas de cresci-mento muito positivas.Os dados economicos portugueses até 2009, subiram apesar de abaixo da média da zona Euro; nesse ano decresceu 2,7% (menos que a zona Euro); prevê-se

22 No relatório de 2009 aparece a diferença entre muito alto (acima de 0,95) e alto entre 0,8 e 0,95.23 O VAB é um indicador que permite comparar a produtividade e a evolução dos diferentes sectores de

actividade económica e corresponde ao valor que um sector acrescenta a matérias, produtos e serviços utilizados, através dos próprios processos de produção e marketing (CCDR, 2012)

Figura 5: População empregada por Sector de Actividade. Fonte: Adaptado de AICEP (2008).

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que até 2015 volte a crescer, mas a uma taxa inferior à da zona Euro, como se observa no quadro 4.

24 Controlado pelo Estado português.25 Banco com os capitais sociais maioritariamente espanhóis.26 O Índice de Competitividade baseia-se em 12 pilares, agrupados em três grandes áreas: Quesitos Básicos

(Instituições, Infra-estruturas, estabilidade macroeconómica e Saúde e Educação Primária); Potenciadores de Eficiência (Ensino Superior e Treino, Eficiência do Mercado de Bens, Eficiência do Mercado de Tra-balho, Sofisticação do Mercado Financeiro, Prontidão Tecnológica e Dimensão do Mercado) e Factores de Inovação e Sofisticação (Sofisticação de Negócio e Inovação) (Schwab, 2009, p.8).

Quadro 4: Taxas de crescimento económico e previsões do FMI.

Fonte: Adaptado de Rosa (2010).

O Banco de Portugal é a entidade em Portugal primariamente responsável pela regulação bancária, como se constata da sua missão “velar pela estabilidade do sistema financeiro nacional, assegurando, com essa finalidade, designada-mente, a função de refinanciador de última instância”. A prossecução deste objectivo é efectuada através da supervisão das instituições de crédito e das sociedades financeiras (BP, 2009).Os cinco maiores bancos a operar em Portugal são a Caixa Geral de Depósi-tos 24, o Millenium BCP, o Banco Espírito Santo, o Santander 25 e Banco BPI, que representam mais de 80% do mercado bancário português (BP, 2009).De acordo com o “Ranking da Competitividade Global 26”, elaborado pelo fórum Económico Mundial, Portugal está na 45.ª posição bastante atrás da

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Espanha que ocupa a 36.ª posição; o ranking é liderado pela Suíça, seguida por Singapura, Suécia e finlândia, quadro 5.

4.10 Estruturas Científico-Tecnológicas

O Factor Científico-tecnológico diz respeito aos equipamentos e meios em geral que vão permitindo às sociedades e aos actores desenvolverem-se e darem resposta às necessidades e aos problemas com que são confrontados (Dias, 2005, p.247). Permite, assim, analisar o estado de desenvolvimento dum país e a sua capacidade, associado ao aspecto inovador em todas as àreas do conhecimento.Por outro lado, a componente científico-tecnológica, associada à especializa-ção e à atracção de investimentos e cientistas, tem um impacto significativo nas economias dos países, uma vez que fomentam o emprego e potenciam as exportações, para além de colocarem os actores menos desenvolvidos na sua dependência, funcionando esta, quando necessário, como mecanismo de pressão e instrumento importante das políticas externas (Dias, 2005, p.247).O factor tecnológico relaciona-se do ponto de vista militar “directamente com os sistemas de armas, com os sistemas e tecnologias de informação, com o farda-mento e equipamento individual, com a configuração do ambiente operacional, com os sistemas de simulação utilizados pelas Forças Armadas e que, em caso de necessidade, materializam o emprego da coacção militar”. Salienta-se que o

Quadro 5: Índice de Competitividade Global (GCI).

Fonte: Adaptado de Schwab (2011).

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desenvolvimento da tecnologia, por vezes, tem uma utilização dual (Dias, 2005, p. 247). Nesta perspectiva, todos os Estados desejam possuir uma componente científico-tecnológica desenvolvida, mas para tal acontecer é necessário a existência de recursos humanos qualificados, capacidade financeira e uma aposta permanente na investigação e desenvolvimento, o que não está ao alcance de todos os países (Dias, 2005).Salienta-se, também, que o espaço exterior é um domínio privilegiado para as actividades de investigação e desenvolvimento e quem estiver na vanguarda da exploração do espaço, para além do prestígio internacional, indicia índices elevados de desenvolvimento tecnológico (Dias, 2005).O meio espacial, sustenta as comunicações com efeitos globais 27 e outro tipo de actividades, como por exemplo, as ajudas à navegação, os levantamen-tos geodésicos, fotográficos e por infra-vermelhos e meteorológicos (Dias, 2005, p.236). Do ponto de vista militar, o espaço pode ser considerado estratégico, dado que confere uma nítida vantagem a quem o domine, materializada no mínimo, pelo domínio de observação à escala planetária e pela possibilidade de utilização dessa

dimensão, sem condicionamentos de natureza geográfica (Dias, 2005): “Quem domina o espaço domina o mundo” (Boniface, 2003, p. 122).Os dados do “Relatório da Competitividade Global” que coloca Portugal com um nível de competitividade inferior às economias mais desenvolvidas no espaço em que Portugal compete, com excepção dos pilares (ver nota de rodapé 25) das infra-estruturas, saúde e educação primária e da dimensão do mercado, figura 7.A nível da investigação espacial, Portugal faz parte da Agência Espacial Euro-peia 28, na qual trabalham alguns cientistas portugueses (cerca de 200), assim

27 Importantes para a utilização dos meios militares, para a gestão de todo o tipo de informação e na dimi-nuição da distância entre os povos (Dias, 2005, p.236).

28 A participação de Portugal é em média anual de 16 milhões de euros, o que representa 0,4% do orçamento da ESA, estimado para o ano de 2009 de 3,6 mil milhões de euros (Machado, 2009).

Figura 6: Estádio de Desenvolvimento de Portugal – GCI Fonte: adaptado de Schwab (2011, p. 298)

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como algumas empresas 29 nacionais participam em projectos de investigação 30 e são fornecedoras de produtos. Referência para a ilha de Santa Maria que re-cebe uma estação móvel de rastreio de satélites da ESA. Esta estação segue o lançamento de foguetões espaciais europeus sobre o Atlântico a partir da base de kourou, na Guiana francesa. A unidade efectua a monitorização dos voos de foguetões do tipo Ariane 31. A escolha da ilha, mais exactamente no Monte das flores, deveu-se ao facto de esta apresentar a melhor localização no oce-ano Atlântico com vista à implementação da estação de apoio ao lançamento deste tipo de meios. Existem projectos para conferir àquela estação móvel um carácter fixo, sendo que Portugal já se manifestou favorável a tal desiderato.

4.11 Estrutura Militares

O estudo deste factor deverá passar pela identificação ou dedução do Conceito Estratégico do actor 32, estrutura das FA, pelo levantamento, identificação e análise do principal armamento e equipamento, do sistema de recrutamento, do tipo de serviço militar, da sustentação logística, do nível de instrução e de prontidão, das capacidades de projecção, bem como da tecnologia associada existente nas forças Armadas da Unidade Política analisada (Dias, 2005). Outros factores também merecerão atenção, tais como a moral e o prestígio das forças Armadas, a percentagem do PIB dedicada às forças Armadas, a presença em alianças militares e a participação em operações no âmbito de Organizações Internacionais (ONU, OSCE e OTAN), o apoio às autoridades civis, entre outros aspectos, considerados relevantes para a compreensão do factor (Dias, 2005, p.254).Em Portugal, o Conceito Estratégico Militar, é o documento que define as grandes linhas conceptuais de actuação das Forças Armadas e as orientações gerais para a sua preparação e emprego – é um documento CONfIDENCIAL. Em 2010, o efectivo global das forças Armadas Portuguesas é de cerca de 41.000 militares, dos quais 28% são da marinha, 53% do Exército e 19% da força Aérea e havendo um efectivo do sexo feminino de 14% (Menezes, 2010).

29 A SkySoft apresentou o projecto a que chamam “Active Road Management System Assisted by Satellite” (ARMAS). O objectivo é garantir a segurança nas estradas com base em informação por satélite, prepa-rando o caminho para o uso civil do sistema europeu de navegação Galileu.

30 São 18 as empresas portuguesas que a fundação para a Ciência e Tecnologia (fCT) detecta como tendo uma presença consolidada na ESA, que, no entanto, tem no seu registo de fornecedores cerca de 40 sociedades de Portugal (Machado, 2009).

31 Que transportou o primeiro veículo de abastecimento da Estação Espacial Internacional (ISS).32 O nosso Conceito Estratégico Militar.

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O Exército Português é constituído por três Brigadas 33 e o seu principal equi-pamento é: o Carro de Combate M60 que está a ser substituído pelo Leopard II (actualmente dispomos de 37), as Chaimites estão a ser substituídas pelas VBR 8x8, estando previsto o fornecimento de 260 34 e 20 obuses autopropulsionados.A marinha portuguesa, como principais meios, dispõe de dois novos submari-nos (um já entregue) e cinco fragatas (três da classe vasco da Gama e duas da classe João Belo 35). A Força Aérea dispõe de uma esquadra equipada com 16 F16A/B e uma es-quadra com 21 f16 MLU 36 e está a decorrer o processo de renovação da frota de aeronaves P3 “Orion”; os seis P3 estão a ser substituídos por 5 P3C 37, pro-venientes da Real Marinha Holandesa, depois de modernizados. A percentagem do PIB investido nas forças Armadas é de cerca de 0,8% (IISS, 2010).Portugal dispõe dos seguintes Aeródromos Militares: Ovar; Aveiro; Monte Real; Tancos; Santa Margarida; Ota; Sintra; Alverca; Montijo e Beja.Em 2009, Portugal desempenhou e participou nas missões e teatros de operações seguintes (EMGfA, 2009): Afeganistão; kosovo; Líbano; Bósnia-Herzegovina; Somália, Timor-Leste; SNMG1 38; República Democrática do Congo; operation Active Endeavour 39; Guiné-Bissau. As Forças Armadas portuguesas participam, ainda, nas designadas outras missões de interesse público desempenhadas em apoio às autoridades civis e destinadas à cooperação com as várias estruturas civis do Estado.

33 Brigada Mecanizada, a Brigada de Intervenção e a Brigada de Reacção Rápida.34 Do conjunto de viaturas Pandur II, 240 destinam-se ao Exército e as outras 20, do tipo anfíbio, à Marinha.35 Recentemente adquiridas à Marinha Holandesa.36 MLU (médium life update) – foram modernizados.37 Em linhas muito gerais estas aeronaves estão dotadas de sistemas de navegação actualizados, vêm com

capacidade para operar em ambiente misto (sobre alvos no mar e em terra), comunicações seguras a qualquer distância com capacidade de transmissão de imagem em tempo real, vários tipos de sensores modernos, têm capacidade para utilizar armamento inteligente e dispõem de equipamento de auto protecção.

38 Standing NATO Maritime Group 1 (SNMG1): entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2010 o Comando desta força foi exercido por Portugal. A fragata “álvares Cabral” (ffGH) integrou, desde o dia 19 de Janeiro de 2009 e até 12 de Março de 2009, a SNMG1, força Naval Permanente da NATO. Desde 12 Março que o navio chefe da SNMG1 passou a ser o”NRP Corte Real” com 199 militares. A SNMG1 é uma força naval multinacional com o objectivo de permitir o treino e operação em conjunto de meios navais dos países da aliança. Esta força permanente da NATO pode desempenhar um variado conjunto de missões incluindo a participação em exercícios, resposta a crises e operações real-world. Habitualmente esta força opera no Leste do Atlântico mas pode operar noutras áreas (ex. Mediterrâneo). Outras missões incluem o estabelecer a presença da Aliança, demonstração de solidariedade, condução de visitas diplomáticas de rotina a países membros e amigos e providenciar apoio naval a missões em curso (EMGFA, 2009).

39 Para implementar uma das oito medidas tomadas pela NATO para apoiar os Estados Unidos da América na sequência dos ataques terroristas de 11 de Setembro após a evocação do art. 5 cláusula de defesa colectiva da NATO, pela primeira vez na História da Aliança. Em 2009, a participação portuguesa foi uma aeronave P3-P Orion na OAE com de duas saídas por mês, com uma duração máxima até 8 horas cada (EMGfA, 2009).

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Com a Lei do Serviço Militar n.º 174/99, o Serviço Militar Obrigatório (SMO) foi abolido e quando a “satisfação das necessidades fundamentais das Forças Armadas seja afectada ou prejudicada a prossecução dos objectivos permanentes da política de defesa nacional”, poderá ser decretado o recrutamento excepcio-nal (DR, 1999, p. 6545). Como consequência da extinção do SMO, foi criado o Dia da Defesa Nacional com o objectivo de sensibilizar os jovens para a temática da Defesa Nacional e divulgar o papel das forças Armadas. Neste dia, cada cidadão é sujeito a acções de formação destinadas a informá-lo, sobre: a Defesa Nacional; as missões essenciais das Forças Armadas, a sua organização e os recursos que lhes estão afectos; as formas de prestação de serviço militar e as diferentes possibilidades de escolha, entre outros (DR, 1999).Os cidadãos são convocados para a comparência ao Dia da Defesa Nacional através de editais afixados durante o mês de Maio de cada ano, nas câmaras municipais, juntas de freguesia, órgãos de recrutamento dos ramos das forças Armadas e postos consulares. Nos referidos editais constam os locais, dia e hora em que os cidadãos devem efectuar a sua apresentação. Para os homens, o Dia da Defesa Nacional é obrigatório e para as mulheres é voluntário (DR, 2000).

4.12 Conflitos e Homologias Políticas

Com a análise deste factor pretendemos verificar os conflitos (em curso ou latentes) e quais as homologias políticas que envolvem os territórios em estudo.Para isso será conveniente definir estes conceitos, o que não se apresenta fácil, tal a diversificação de ideias das várias áreas do saber, começamos pela noção de Conflito.Para J. freund, “o conflito consiste num afrontamento intencional entre dois seres ou grupos da mesma espécie que manifestam, um em relação ao outro, uma intenção hostil, em geral a propósito de um direito, e que para manterem, afirmarem ou restabelecerem esse direito procuram quebrar a resistência do outro, eventualmente pelo recurso à violência física, a qual pode tender, se necessário, ao aniquilamento físico” (APUD Couto, 1988, p. 100).Já para L. Coser, o conflito consiste num “afrontamento em torno de valores e de reivindicações relativas a recursos, estatutos, direitos ou poder, em que cada um dos oponentes visa neutralizar, ou causar danos ou eliminar o seu adversário” (APUD Couto 1988, p. 100).Atendendo às definições apresentadas verifica-se que num conflito, existe animosidade 40, para além deste ter uma atitude que me causa raiva, ódio. Por

40 O outro é um adversário que tenho de vencer.

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outro lado, há a percepção de que disto resultam danos de vária ordem para o outro e para mim. Assim os ingredientes de uma situação conflituosa são: uma atitude hostil e a escolha de determinados processos para impor a minha vontade e a resultante danosa, de vária ordem: física, moral e material (Couto, 1988).As razões para a existência de conflitos são diversas: problemas internos dos Estados; populações marginalizadas; movimentos independentistas, disputas fronteiriças, disputas por recursos, entre outros.O conceito de Homologia Política está associado aos conflitos históricos que existi-ram entre Estados e que actualmente aparentemente estão sanados, mas que poderão reacender-se, como são exemplos os casos de: Portugal e Espanha; frança e Alema-nha; frança e Inglaterra; Chile e Bolívia; Colômbia e Venezuela; entre muitos outros.

5. CoNSIDErAÇÕES FINAIS

A metodologia apresentada representa uma das formas de analisar determinado es-paço, seja ele uma região, um estado ou um continente. A sua adopção permite-nos efectuar um estudo abrangente, completo e rigoroso e, assim, identificar as principais potencialidades e vulnerabilidades, com o objectivo de as fortalecer ou atenuar.A posição de Portugal (com destaque para os seus arquipélagos) e a sua ZEE, permite-nos: apoiar, controlar e defender as linhas de comunicações do Atlân-tico, da Europa, do Médio Oriente e do Norte de áfrica; vigiar e controlar o Mediterrâneo Ocidental e realizar operações de controlo aeronaval no Atlântico.Portugal possui uma ZEE de enormes dimensões (cerca de 1,7 milhões km2), com o consequente direito de gerir, conservar e explorar todos os recursos naturais das águas e do leito oceânico (Cunha e Pereira, 2004). Pelas mesmas razões deve desenvolver linhas de acção políticas que lhe permitam dar resposta aos desafios políticos, económicos, ambientais e de segurança que esta lhe coloca. Se a proposta portuguesa de alargamento da plataforma continental for aceite (2,1 milhões km2), ficamos com uma área de cerca de 3,8 milhões de km2.Espanha e Portugal partilham as principais bacias hidrográficas da Península Ibérica, devido aos seus rios internacionais (Lima, Minho, Douro, Tejo e Gua-diana). Portugal devido à sua posição a jusante da Espanha encontra-se vul-nerável, o que justifica a adopção de um processo negocial contínuo, baseado no Direito Internacional e Comunitário, numa atitude de cooperação efectiva e, principalmente, na implementação de medidas concretas que minimizem essa vulnerabilidade, por isso a construção da barragem do Alqueva. A drástica redução da actividade agrícola e, o minguar do tecido produtivo português, têm criado excessiva dependência de países terceiros para obtenção de recursos alimentares essenciais à sobrevivência da população (nomeadamen-

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te a nível de cereais), materializando uma vulnerabilidade nacional que deve merecer a atenção das classes dirigentes.Portugal possui escassos recursos minerais e energéticos (conhecidos) e, por isso, é dependente da importação destes recursos. O elevado preço do barril de petróleo, com as consequências gravosas na economia portuguesa, levou a grande investimento em energias renováveis, mas o processo é longo e existem ainda aquelas que necessitam de desenvolvimento tecnológico para a maximi-zação das suas capacidades (energia das ondas, por exemplo).Portugal é um país de imigrantes (mais de 500.00 legalizados), sendo colocado pe-rante desafios que passam pela inserção destes no mercado de trabalho e na própria sociedade (INE, 2012). Linhas de acção políticas adequadas permitirão tirar proveito do facto dos imigrantes permitirem colmatar a baixa taxa de natalidade existente em Portugal, bem como as consequências que advém do envelhecimento da população. Os baixos níveis de escolaridade e Literacia da população, e dinâmicas de in-vestigação incipientes, têm edificado obstáculo de monta ao desenvolvimento de um país que se quer cada vez mais competitivo e tecnologicamente evoluído. Tal tem consequências nefastas na economia, com um crescimento negativo nos últimos anos e previsões de baixo crescimentos nos próximos, segundo as estimativas de diversos organismos internacionais.As diversas comunicações de transporte portuguesas, existentes e projectadas, permitem estabelecer ligações a rotas e redes mundiais de transportes de pessoas e mercadorias, embora não minimizem a posição geobloqueante de Espanha, pois a Marinha Mercante é praticamente inexistente (reduzida a 23 embarcações). As dificuldades económicas actuais levaram o actual governo a anunciar o cancela-mento de algumas infra-estruturas, nomeadamente a do novo aeroporto de Lisboa.Também, por dificuldades económicas, ao nível das estruturas militares, existe uma redução na modernização de diversos equipamentos, assim como na redu-ção de efectivos nas forças Armadas, com o cancelamento de vários programas previstos na Lei de Programação Militar.Portugal não enfrenta, actualmente, conflitos com países vizinhos; deve ser acompanhada a situação dos rios internacionais, especialmente em anos de seca, e a possíveis rotas de imigração vindas do Norte de áfrica.

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Jorge manuel Dias Sequeira

Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português. Professor Regente das Unidades Curriculares: Geografia e Teoria Geral da Estratégia (Academia Militar). Coordenador do Grupo Disciplinar de Comando e Estratégia Militar. Membro do CINAMIL. Dou-torando em Geografia no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT).

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José Martins a,1, Henrique dos Santos b,1, Paulo Nunes a,1, Rui Silva c,1 a Departamento de Estudos Pós-Graduados, Academia Militar, Rua Gomes Freire, Lisboa, 1169-244, Portugal.b Departamento de Sistemas de informação, universidade do Minho, Campus de Azurém, Guimarães, 4800-058, Portugal.c Departamento de Engenharia, instituto Politécnico de Beja, ubiNET, Rua Pedro Soares, Beja, 7800-295, Portugal.

ABSTrACT

This article proposes a framework for security management of information and Information Systems for military units, oriented to the protection of this type of organisations considering the main vectors of attack to information and Infor-mation Systems.This study of epistemological interpretative orientation uses a revision of literature, contents analysis, conceptual analysis and focus group method of investigation.In a first phase of the investigation, through the use of a focus group, one gets the perception of the main difficulties and factors considered to be fundamental to the success of managing security of information and Information Systems in units, establishments and military organs. The intention is also to achieve evi-dences of the model, method or process for managing security of information and Information Systems which guides the process of decision making in the planning, implementation and monitoring of the control of information security within the military units of the Portuguese Army.from the revision of literature and the focus group carried out with military experts, one has not identified the existence or the application of a model or methods for security of information and Information security for military units.In a second phase of the investigation, an analysis is carried out in order to establish a comparison between the most relevant rule for management of information security, ISO / IEC 27001 and the good practices for managing information security of North Atlantic Treaty Organization, which guide the se-

framEwork dE GEstÃo dE sEGuranÇa da informaÇÃo Para orGanizaÇõEs militarEs oriEntada PElos PrinCiPais vEtorEs dE ataQuE

1 Contactos: do primeiro autor - Telf. 21 318 69 00Email: [email protected] (José Martins); [email protected] (Henrique Santos); [email protected] (Paulo Nunes); [email protected] (Rui Silva)

Recebido em 26 fevereiro 2012 / Aceite em 05 Maio 2012

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curity of information and Information Security in the Portuguese Army. further to management framework a conceptual model is proposed, which enables, for future works, to develop a method for security of information and Information Security for the military units.The framework for management of security of information and Information Se-curity will enable the military decision makers to rationally and systematically plan the security controls to be applied in the military units according to the possible vectors of attack of an adversary and to integrate the different dimen-sions of information security.

Key Words: Management of Information Security, Military Security, Security of Military Information, Security of Information Systems, Dimensions and Control of Information Security.

rESumo

Este artigo propõe uma framework de gestão de segurança da informação e de Sistemas de Informação para unidades militares, orientada para a proteção deste tipo de organizações face aos principais vetores de ataque à informação e aos Sistemas de Informação.Este estudo de orientação epistemológica interpretativista, utiliza a revisão de literatura, a análise de conteúdo, a análise conceptual e o método de investi-gação focus group. Numa primeira fase da investigação, através da utilização do focus group perce-cionam-se as principais dificuldades e os fatores considerados fundamentais para o sucesso na gestão da segurança da informação e dos Sistemas de Informação nas unidades, estabelecimentos e órgãos militares. Procura-se também obter evi-dências do modelo, método ou processo de gestão de segurança da informação e de Sistemas de Informação que orienta o seu processo de decisão no planeamento, implementação e monitorização dos controlos de segurança da informação nas unidades militares do Exército Português.Da revisão de literatura e do focus group realizado com especialistas militares não se identificou a existência ou a aplicação de um modelo ou método de segurança da informação, que apresente uma visão integrada de gestão de segurança da informação e de Sistemas de Informação para unidades militares. Numa segunda fase da investigação realiza-se uma análise comparativa entre a norma internacional mais relevante de gestão de segurança da informação, a ISO / IEC 27001 e as boas práticas de gestão de segurança da informação da North Atlantic Treaty organization, as quais orientam a segurança da informação e de

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Sistemas de Informação no Exército Português. Para além da framework de ges-tão propõe-se um modelo conceptual que permita em trabalhos futuros orientar o desenvolvimento de um método de segurança da informação e de Sistemas de Informação para as unidades militares.A framework de gestão de segurança da informação e de Sistemas de Informação, vai possibilitar aos decisores militares planear de modo racional e sistemático os controlos de segurança a aplicar nas unidades militares de acordo com os possíveis vetores de ataque de um adversário e integrar as diferentes dimensões da segurança da informação.

Palavras Chave: Gestão da Segurança da Informação, Segurança Militar, Segu-rança da Informação Militar, Segurança de Sistemas de Informação, Dimensões e Controlos de Segurança da Informação.

1. INTroDuÇÃo

Para garantir a segurança da informação é fundamental ter um processo de gestão estruturado e implementado na organização, para assegurar os principais requisitos da segurança da informação, i.e., a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade (Vermeulen & Von Solms, 2002). De acordo com a doutrina militar dos Estados Unidos da América (EUA) pode-se concluir que a segurança da informação é “a proteção e a defesa da informação e dos Sistemas de Informação contra o acesso ou a modificação não autorizada da informação quer seja no processamento, armazenamento ou na transmissão e o evitar a negação de serviços a utilizadores autorizados. A segurança da informação inclui as medidas necessárias para detetar, documentar e contra-riar tais ameaças. A segurança da informação é composta pela segurança dos computadores e das comunicações” (fM3-13, 2003, p. 288).A North Atlantic Treaty organization (NATO) define segurança da informação “como parte da segurança das operações (oPSEC), cujo objetivo da segurança da informação (iNFoSEC) é proteger a informação (armazenada, processa-da ou transmitida), bem como os sistemas que a suportam, contra a perda de confidencialidade, integridade e disponibilidade, por meio de uma variedade de controlos processuais, técnicos e administrativos. A iNFoSEC inclui uma série de medidas de rotina que são aplicadas sob os auspícios da política de segurança para proteger a informação” (AAP-6, 2009, p. 174). No entanto, de acordo com os novos conceitos de doutrina militar da NATO o que se pretende garantir é a information assurance, que tem como objetivo central contribuir para a obtenção da superioridade de informação no domínio militar. A information assurance segundo doutrina militar dos EUA, pode ser definida como “as operações de informação que protegem e defendem os Sistemas de

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informação e a informação, garantindo a sua disponibilidade, integridade, au-tenticação, confidencialidade e não-repúdio” (JP3–13, 1998, pp. GL-7).Da revisão de literatura e do focus group realizado com especialistas militares não se identificou a existência ou a aplicação de um modelo ou método de segurança, que apresente uma visão integrada de gestão de segurança da in-formação e dos SI para as unidades militares. A sua inexistência e simultaneamente a relevância do assunto resultam na proposta de uma framework de segurança da informação e dos SI, que possa contribuir futuramente para uma possível doutrina de segurança da informação e de SI (e de cibersegurança) para o Exército Português. Para obter a information assurance é necessário a existência de um modelo que integre os possíveis incidentes de segurança da informação com os controlos de segurança da informação. O modelo deve permitir realizar a gestão de segurança da informação e de SI de forma sistemática e racional, e no caso especifico das organizações militares integrado no seu processo de decisão de gestão do risco. O modelo de segurança da informação e de SI para as unidades militares inte-grada num possível ambiente de Guerra de Informação deve permitir apoiar na tomada de decisão e responder principalmente às seguintes questões operacionais:a) Como podem os incidentes de segurança da informação e de SI que ocorrem

nas unidades militares amigas, contribuir para um adversário alcançar supe-rioridade de informação?

b) Quais os alvos e as vulnerabilidades que um determinado método de ataque pode explorar? E um determinado alvo ou vulnerabilidade pode ser explorado por que métodos de ataque?

c) Qual a baseline de segurança da informação para as unidades militares i.e., quais devem ser os controlos de segurança da informação que se devem aplicar nas unidades militares para minimizar os riscos de segurança da informação e de SI?

d) Qual o contributo de um determinado controlo de segurança para a segurança da informação i.e. qual o seu valor qualitativo ou quantitativo para mitigar os incidentes de segurança da informação e de SI?

Um modelo de cenarização de incidentes de segurança da informação para or-ganizações militares (i.e. nas unidades, estabelecimentos e órgãos militares do Exército Português) em ambiente de Guerra de Informação foi proposto por Martins, Santos, Nunes e Rui (2012) o qual permite analisar de forma sistemática e racional todos os cenários possíveis, permitindo responder às duas primeiras questões. Neste artigo propõe-se uma framework de gestão de segurança da informação e dos SI, orientada pelos principais vetores de ataque à informação e aos SI das unidades militares. fica em aberto para um estudo futuro, a interligação dos

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incidentes, com os controlos de segurança da informação (figura 1), através da utilização do método de análise morfológica geral (Ritchey, 2011), de modo a definir uma baseline de segurança da informação a implementar nas unidades

militares do Exército Português e deste modo responder às questões III e IV.Este artigo está dividido em cinco secções, a primeira secção apresenta a pro-blemática e enuncia os objetivos fundamentais da sua realização. Na secção dois apresentam-se os principais conceitos de referência utilizados no estudo, de forma a partilhar o processo de raciocínio utilizado no artigo para a obtenção da framework de gestão de segurança da informação e de SI. A terceira secção apresenta as principais limitações e fatores de sucesso na gestão da segurança da informação nas unidades militares, através da realização do focus group com especialistas militares de segurança da informação ou de SI. De seguida, na secção quatro propõe-se a framework de gestão de segurança da informa-ção e de SI para as unidades, estabelecimentos e órgãos militares do Exército Português e propõe-se um modelo conceptual que permita em trabalhos futuros orientar o desenvolvimento de um método de segurança da informação e de SI. Para finalizar o estudo, apresenta-se na quinta secção, as conclusões do estudo, algumas das limitações do mesmo e trabalhos futuros a realizar.

2. PrINCIPAIS CoNCEIToS DE moDELAÇÃo DA FrAmEWorK DE SEGurANÇA DA INFormAÇÃo

Nesta secção define-se o referencial de conceitos que suportam a análise con-ceptual e de conteúdos realizada neste estudo, para obter a framework de gestão

Figura 1: Modelo de integração de segurança da informação e dos SI.

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de segurança da informação e de SI. A framework de gestão de segurança da informação e de SI para as unidades militares identifica e estrutura de modo integrado e coerente, as principais dimensões e componentes que garantem a segurança da informação e dos SI. Estas dimensões e componentes têm por base fundamentalmente a norma interna-cional ISO 27001 e as normas de segurança da NATO, as quais resultam da sua experiência na mitigação do risco em segurança da informação e de SI. Contribuem também o focus group realizado e um estudo exploratório para a construção de uma framework de segurança para SI (Martins, Santos, & Nunes, 2009).Para efetuar a modelação do problema, procura-se utilizar uma linguagem de modelação que permita apresentar o problema de forma simplificada aos diver-sos intervenientes no processo de gestão da segurança e que capture de forma integral o problema da segurança da informação e de SI ao nível organizacional. Esta linguagem deve também permitir a partilha de conhecimento, o especificar a estrutura e o possível comportamento dos objetos intervenientes no problema, de modo a futuramente suportar o desenho e desenvolvimento de um software que permita automatizar o processo de apoio à tomada de decisão na gestão da segurança da informação e de SI nas unidades militares.A linguagem de modelação utilizada é a Unified Modeling Language (UML), a qual permite neste estudo capturar os requisitos gerais do problema e documentar as decisões tomadas na criação da framework proposta. Desta forma, considera-se que a framework proposta, não é mais do que uma interpretação do mundo real da segurança da informação e dos SI, segundo o referencial de conceitos utilizados na sua modelação (i.e., classificar, generalizar e agregar) e referenciados na figura 2.

Figura 2: Referencial de conceitos.

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Os conceitos de classificar, generalizar e agregar permitem clarificar o pro-cesso de raciocínio, i.e., o método utilizado na construção da framework de segurança, consequentemente é fundamental definir os conceitos de acordo com as orientações da UML.Na análise documental efetuada, procurou ter-se em consideração as operações que refletem os conceitos apresentados. Deste modo, de acordo com Silva e Videira (2005) a operação de classificação consiste fundamentalmente em categorizar em grupos e classes os diversos fenómenos observados. A generalização permite obter uma categoria mais geral a partir de duas ou mais categorias específicas, as quais tem um conjunto de propriedades comuns. Por fim a agregação permite agrupar determinadas instâncias de objetos, categorias ou propriedades numa única categoria.Neste estudo, os fenómenos de segurança da informação e de SI, categorizados e apresentados na framework proposta resultam da análise documental realizada, consequentemente é uma abordagem indutiva e que resulta da interpretação do investigador. Este tipo de abordagem torna-se necessária porque os documentos analisados não definem as propriedades que permitem concluir por exemplo que duas categorias são as mesmas nos documentos analisados e podem ser descritas numa única categoria na framework obtida. No entanto, tendo em consideração que o que se pretende é identificar as principais dimensões e componentes da segurança da informação e dos SI e não as propriedades das categoria definidas, o método seguido permite de forma racional e sistemática, obter a framework de gestão de segurança da informação e de SI para a organização militar. Tem-se consciência de que o estudo do fenómeno da segurança da informação depende fundamentalmente da interpretação das fontes de dados e dos dados verbais obtidos através dos especialistas que diariamente realizam a gestão da segurança da informação e de SI nas unidades militares. Consequentemente fica em aberto a validação da framework obtida através de um painel de especialistas em segurança da informação ou de SI e da realização de um Estudo de Caso numa unidade militar do Exército Português.Em conclusão, os conceitos apresentados suportam a modulação da framework proposta de modo racional e sistemático e de acordo com os possíveis vetores de ataque utilizados por um adversário.

3. FoCuS GrouP

Neste estudo de orientação epistemológica interpretativista e qualitativo, utiliza-se o método de investigação focus group (kind, 2004; Liamputtong, 2011). No focus group foram realizadas duas reuniões, com um grupo de seis militares, com experiência no mínimo de cinco anos na temática da gestão da segurança da informação ou dos SI. As reuniões tiveram como objetivo principal, percecionar

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algumas das dificuldades e fatores considerados fundamentais para o sucesso na gestão da segurança da informação e dos SI na organização militar e identificar o modelo ou método utilizado para realizar a sua gestão.Para atingir os objetivos propostos foi pedido aos participantes para falarem da experiência das suas organizações (i.e., unidades, estabelecimentos ou órgãos militares do Exército Português) na gestão da segurança da informação e dos SI (e.g. dificuldades, fatores fundamentais para o sucesso, método utilizado). Esta questão orientou cada reunião durante aproximadamente duas horas.Os resultados obtidos do focus group justificam a relevância deste assunto no âmbito da organização militar Exército e a sua preocupação permanente com esta temática. Na aplicação deste método de investigação obtiveram-se os se-guintes resultados, nos quais se salientam os principais aspetos a considerar na construção da framework de gestão de segurança da informação e de SI e, posteriormente na construção de um método para a gestão da segurança:• A gestão de segurança da informação e dos SI, deve ter em atenção a cul-

tura da organização militar, onde existe um misto de civis e de militares e entre os militares, de colaboradores do quadro permanente e contratados. Grupos estes com perceções diferentes da segurança da informação e dos SI. É necessário consequentemente, ter em consideração a importância de cada colaborador no processo de gestão de segurança da informação e dos SI.

• Na organização militar está consolidada a dimensão da segurança física. Os processos ligados à gestão da segurança da informação estão focados essen-cialmente na implementação de controlos técnicos de segurança tecnológica (e.g. firewalls, antivírus).

• Embora exista preocupação permanente com a gestão do risco, não se iden-tifica um modelo, método ou processo de gestão de segurança da informação e de SI suficientemente estruturado e sistemático que integre as diferentes dimensões da gestão da segurança da informação. Utilizam-se fundamen-talmente um conjunto de manuais de boas práticas de segurança de SI que resultam de normas de segurança militar (e.g. SEGMIL 1) e de orientações da NATO, mas sem um carater prescritivo que traduza a existência de in-dicadores ou métricas de eficiência na segurança da Informação e dos SI.

• Constata-se que as unidades militares possuem um sistema de gestão orien-tado por processos (e.g., de acordo com a ISO 9001) ou por atividades. As que possuem um sistema de gestão orientado por atividades, são orientadas fundamentalmente por normas de execução permanente (NEP).

• A abordagem utilizada para o planeamento e a implementação da segurança da informação e dos SI ao nível organizacional é essencialmente bottom-up e deriva principalmente de procedimentos técnicos, sem uma visão global (embora esta possa existir) e integrada de todas as dimensões da segurança

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da informação, comum aos vários níveis da organização militar (i.e., nível estratégico, de gestão e operacional).

• Existe a perceção nos níveis superiores da organização militar que devem ser os técnicos a identificar os problemas, a planear e a realizar a gestão da segurança da informação e de SI, embora o poder de decisão e a responsa-bilidade esteja centrado nos níveis estratégico e de gestão da organização militar.

• Esta perceção evidencia-se pela não existência de uma política de segurança da informação e de documentos formais de identificação e avaliação de riscos de segurança da informação na maioria das unidades militares do Exército Português. Constata-se que existe a necessidade do envolvimento da gestão de topo, de forma a evitar colocar apenas a responsabilidade da gestão da segurança da informação e de SI fundamentalmente nos responsáveis ou administradores das redes de computadores das unidades militares.

• Exceptuando o Regulamento de Catalogação e Armazenamento de Informação do Exército (RCAE), não existe um processo definido para a classificação da informação em formato digital na maioria das unidades militares ou pelo menos evidências que o mesmo seja realizado, embora existam diretivas e processos implementados para a classificação e manuseamento de matérias classificadas em suporte físico de acordo com o indicado no SEGMIL 1. No entanto, é reforçado por todos os elementos do focus group a impor-tância da classificação da informação, como elemento central na gestão da segurança da informação.

• Constata-se que existem algumas dificuldades na aquisição e consolida-ção de competências para uma eficiente segurança da informação (e.g. na administração de redes de computadores, no desenvolvimento seguro de software, na implementação e manutenção de tecnologias de segurança, na construção e implementação de políticas de segurança da informação), o que leva consequentemente a dificuldades acrescidas na gestão da segurança da informação e de SI.

• Existe simultaneamente alguma falta de formação e até de consciencializa-ção para a importância da gestão da segurança da informação e de SI em muitos dos quadros situados aos vários níveis da cadeia de comando militar. O conhecimento está concentrado em alguns elementos da organização mi-litar, numa perspetiva quase exclusiva de foco tecnológico. Existe também uma reduzida gestão do conhecimento e a que existe, é feita em circuitos fechados, a maior parte das vezes suportada apenas em colaboradores com competências mais técnicas e através de divulgação informal. Não existe uma plataforma on-line de conteúdos que permita a gestão do conhecimento da segurança da informação e de SI na organização militar.

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Constata-se também no focus group que na gestão da segurança da informação e dos SI devem ser considerados os seguintes aspetos: • Conhecer em profundidade a organização, bem como os processos que estão

formal ou informalmente implementados e ter devidamente levantados e clas-sificados os ativos críticos e a informação nos diversos formatos.

• Existe a necessidade de uma taxonomia ou modelo para a classificação de incidentes de segurança da informação e de SI. Atualmente não existe nas unidades militares um processo que permita normalizar o registo de incidentes de segurança da informação, a solução dos problemas e a partilha das lições aprendidas pelos colaboradores de todos os níveis da organização. Esta análise fica dependente dos responsáveis pela segurança em cada unidade militar (e.g. oficial de segurança, administradores da rede de computadores).

• Existe nos participantes do focus group a consciência de que não existe uma “receita” única de segurança da informação e de SI, para todas as unidades militares. Pois estas, têm diferentes objetivos (e.g. unidades de manobra, de apoio logístico, administrativas), pertencem a diferentes armas e serviços (e.g. infantaria, cavalaria, transmissões) e podem ser utilizadas em tempo de paz, em tempo de guerra ou em operações militares de forças conjuntas e combinadas no seio da NATO.

• É unanimemente aceite pelos intervenientes no focus group, a necessidade da existência de baselines de segurança da informação e de SI, em função da tipificação das unidades militares e dos possíveis cenários de incidentes de segurança da informação. Pode posteriormente ser realizada uma identificação e avaliação do risco de segurança da informação e de SI para as exceções.

• Salienta-se a importância da identificação e avaliação do risco da segurança da informação, em complemento da análise de cenários de incidentes de segurança da informação, de forma a garantir o correto planeamento dos controlos de segurança da informação a implementar.

Em conclusão, embora exista uma preocupação na maioria dos decisores mili-tares com esta temática, constata-se fundamentalmente pelos dados empíricos obtidos do focus group, que existe a necessidade de um modelo ou método que garanta um processo comum de gestão de segurança da informação e de SI a todas as unidades militares do Exército Português, que permita suportar a identificação de baselines de segurança da informação e de SI.Este modelo ou método, deve possibilitar que todos os níveis da cadeia de comando da organização militar possam ter a mesma visão da segurança da informação e de SI. Para deste modo, proceder às coordenações e à tomada de decisão nesta temática, sem necessidade permanente de autorização superior,

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de modo a garantir a celeridade na seleção e implementação dos controlos de segurança da informação e de SI e a operacionalização do princípio militar da unidade de Comando.Esta constatação, suporta a perceção que uma das possíveis soluções tendo em conta as características da organização militar, é a elaboração de uma NEP de segurança da informação e de SI comum a todas as unidades militares, supor-tada numa política de segurança da informação e de SI comum.

4. GESTÃo DE SEGurANÇA DA INFormAÇÃo

Nesta secção, propõe-se uma framework de gestão de segurança da informação e de SI, representada através de um diagrama de classes da linguagem UML. Para a construção da framework de gestão de segurança da informação e de SI, realiza-se uma análise de conteúdo, da norma internacional mais relevante de gestão de segurança da informação, a ISO / IEC 27001, e das normas de segurança da NATO, as quais orientam a segurança da informação e de SI no Exército Português. A framework proposta integra as principais categorias dos controlos de segurança identificados nas abordagens referidas e recebe também o contributo da Certified Information Systems Security Professional (CISSP) e da norma NIST 800-53 dos EUA.A construção desta framework é orientada pela necessidade de proteção da organização face aos principais vetores de ataque de um possível adversário. Estes vetores no âmbito da Guerra de Informação e das Operações de Infor-mação podem ser realizados e ter efeitos fundamentalmente a três níveis ou dimensões de atuação, que são predominantemente: um nível físico, um nível da informação e um nível cognitivo (Alberts, Garstka, Hayes, & Signori, 2001; Andress & winterfeld, 2011; Cronin & Crawford, 1999; Martins, Santos, & Nunes, 2009; waltz, 1998).

4.1. Norma internacional de Gestão de Segurança da informação – iSo/iEC 27001

A norma Internacional ISO/IEC 27001 considera a gestão de segurança da infor-mação, como um processo de gestão estruturado que permite garantir os principais requisitos de segurança da informação, fornecendo um modelo para estabelecer, implementar, operar, monitorizar, rever, manter e melhorar um Sistema de Gestão de Segurança da Informação (SGSI) (ISO/IEC27001, 2005).Ao mesmo tempo fomenta a adoção de uma abordagem por processos, que tem por orientação a utilização de um modelo que permite planear, executar, verificar e atuar sobre todos os processos do SGSI, conhecido como modelo PDCA (Plan-Do-Check-Act) e que se encontra ilustrado na figura 3 (ISO/IEC27001, 2005).

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O foco deste estudo é colocado na fase do planeamento do modelo PDCA, a qual orienta a gestão da segurança da informação da organização. De acordo com a orientação desta norma internacional, a fase de planeamento, deve ter em consideração fundamentalmente os se-guintes aspetos (ISO/IEC27001, 2005):• Definir o âmbito, os limites e a

política do SGSI.• Definir a abordagem de avaliação

do risco da organização. Identificar e avaliar os riscos de segurança da

informação e definir as opções de tratamento do risco.

• Selecionar os controlos de segurança da informação a aplicar na organização de modo a mitigar os riscos identificados.

• Obter a autorização superior da gestão de acordo com uma declaração de aplicabilidade para implementar, gerir e monitorizar os controlos de segurança selecionados e para aceitar os riscos residuais propostos.

• Integrar com a ISO 9001 e 14001, de forma a apoiar a consistência da sua implementação e operação.

Por análise de conteúdo da norma internacional ISO/IEC 27001, identificam-se na Figura 4 as principais dimensões de segurança que contribuem para a gestão da segurança da informação.Estas dimensões de segurança são a principal orientação para o planeamento e implementação do SGSI, de acordo com a especificidade da organização, quer em termos de requisitos de negócio, quer nas leis e regulamentos que necessita aplicar (ISO/IEC27001, 2005). No entanto, esta norma é demasiado genérica na interligação entre os possíveis incidentes de segurança da informação e os

Figura 3: Modelo PDCA para um SGSI Fonte: Adaptado da ISO/IEC 27001 (2005, p. vi)

Figura 4: ISO / IEC 27001 – Dimensões de Segurança.

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controlos de segurança da informação a aplicar na organização. Em rigor, não possui um modelo ou método que permita orientar a operacionalização do que se deve fazer face a possíveis métodos de ataque de um adversário. Esta norma é apoiada na seleção dos controlos de segurança da informação a implementar na organização pela ISO 27002, na gestão do risco pela ISO 27005 e na orientação da sua aplicação pela ISO 27003, de acordo com as cinco fases e objetivos principais identificadas na Figura 5. Em conclusão, esta norma orienta a gestão da segurança da informação, mas não possui um processo racional e sistemático para garantir a seleção dos controlos adequados para proteger a informação classificada de uma organiza-

Figura 5: fases de um projeto de SGSI segundo a ISO 27003.

Fonte: Adotado da ISO / IEC 27003 (2009, p. 2)

ção ou os ativos críticos que a suportam. Por outro lado, esta norma tem com objetivo principal a realização de auditorias de segurança da informação e a sua estruturação reflete esse mesmo objetivo. Surge na nossa opinião a necessidade de possuir um modelo de segurança da informação com as dimensões e categorias de controlos de segurança da infor-mação e de SI interligadas com os possíveis métodos de ataque, o qual transmita uma visão comum da segurança da informação e de SI a toda a organização.No caso da organização militar, a construção da framework deve ser realizada tendo fundamentalmente em consideração os vetores de ataque de um adversário e a possibilidade de rigorosa atribuição de responsabilidade aos vários níveis da organização militar.

4.2 Gestão de Segurança da informação no Exército PortuguêsAs unidades militares do Exército Português suportam a gestão da segurança e de SI fundamentalmente através das dimensões apresentadas na Figura 6, obtidas por análise do SEGMIL 1 (1986), documento de segurança militar com a classificação de segurança reservado. O SEGMIL 1, apresenta fundamentalmente os princípios básicos, as normas e os procedimentos destinados a garantir a proteção das matérias classificadas contra possíveis incidentes de segurança, como seja a título exemplificativo ações de sabotagem ou espionagem (SEGMIL 1, 1986).

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Considera-se no SEGMIL 1 matéria classifica “toda a informação, noticia, ma-terial ou documento que se for do conhecimento de indivíduos não autorizados, pode fazer perigar a segurança nacional ou a segurança das instituições militares ou ainda ser prejudicial ou desfavorável para os interesses militares da Nação, e que, por tal razão, é protegida por uma grau de classificação a atribuir em termos de SEGMIL 1” (SEGMIL 1, 1986, D.5).No SEGMIL 1 sobressai a preocupação com a coordenação da segurança e a comunicação dos incidentes de segurança, sendo estas atividades realizadas através de dois canais de comunicação, um hierárquico e outro técnico. Verifica-se também a importância de uma coordenação estreita com os Serviços de Informações, os quais são fundamentais na identificação e avaliação do ad-versário, o que pressupõe o planeadamente e a implementação não apenas de controlos de segurança reativos, mas também ativos.Salienta-se a necessidade de efetuar inspeções periódicas com pré-aviso, ou ino-pinadas às unidades, estabelecimentos e organismos subordinados e proceder de imediato à investigação dos incidentes de segurança ocorridos.

Figura 6: SEGMIL 1 – Dimensões de segurança militar.

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O SEGMIL 1 refere que a segurança é da responsabilidade de todos oficiais, sargen-tos, praças e funcionários civis. Sendo esta, orientada principalmente pelo princípio da “defesa em profundidade”, da “necessidade de conhecer” e da credenciação do pessoal militar ou civil que necessita de aceder às matérias classificadas.Nestas instruções, um dos aspetos centrais de planeamento e implementação, é a necessidade de combinar medidas de segurança de diversos tipos e de garantir uma defesa em profundidade, onde a segurança realizada “sempre que possível deve concentrar-se nos interesses a proteger de forma a poderem beneficiar de uma segurança mais eficaz” (SEGMIL 1, 1986, p. I.2), embora não apresente um modelo ou o processo de planear e realizar essa combinação proposta.A segurança militar abordada no SEGMIL 1 centra-se fundamentalmente nas matérias classificadas em suporte físico (e.g. papel) e na dimensão física da segurança. Formaliza os processos para a classificação, o manuseamento, a transferência e a destruição de documentos classificados, bem como os proce-dimentos para lidar com as quebras de segurança das matérias classificadas. No entanto, não possui um processo que permita interligar os possíveis incidentes de segurança com os controlos de segurança a aplicar. A dimensão humana da segurança é referida nas diversas dimensões da segu-rança enunciadas, mas não existe uma dimensão específica que concentre as recomendações fundamentais a considerar. Apesar de referências às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), esta é sem dúvida uma dimensão da segurança pouco explorada neste documento, o que é aceitável tendo em consideração a data sua aprovação (i.e., 22 de junho de 1985). Da análise das instruções do SEGMIL 1, pode-se constatar que estas não descrevem um processo racional e sistemático, i.e., um método para garantir a seleção dos controlos adequados para proteger a informação classificada em formato digital ou os ativos críticos dos SI que suportam as ações realizadas sobre a informação.Para além do SEGMIL 1, as unidades militares do Exército Português, têm comple-mentado a gestão da segurança da informação e de SI com as normas de segurança definidas na NATO (Figura 7). No entanto, e apesar disso, não se identifica um modelo ou um método de realizar a gestão da segurança da informação nas unidades militares.O Exército Português tem também em consideração de acordo com doutrina mili-tar, a gestão do risco no seu processo de planeamento tático e tomada de decisão (PDE5-00, 2007), no entanto não faz referência à segurança da informação e não se

Figura 7: Segurança da NATO – Dimensões de segurança.Fonte: Adaptado do “Roadmap to NATo Security Policy” - Classificado (versão 2.2 - março de 2011).

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conhece nenhum documento que interligue a gestão do risco, com a gestão do risco no âmbito da segurança da informação e de SI ou com a information assurance. A gestão de segurança da informação e de SI deve ser suportada se possível num modelo, o qual possa posteriormente orientar um processo sistemático e racional de efetuar a gestão da segurança da informação. Um dos modelos militares possíveis de utilizar é o modelo atual da NATO de information assurance apresentado na figura 8 e que se prevê que possa orientar nos próximos anos a gestão da segu-rança da informação e de SI da NATO e consequentemente do Exército Português. Este modelo e as boas orientações de segurança da NATO são tidas em considera-ção na construção da framework proposta de gestão de segurança da informação e de SI, orientada de acordo com os possíveis vetores de ataque de um adversário.Neste modelo surgem como principais dimensões de segurança, a dimensão Física, a Pessoal e a Segurança de Suportes de Informação. Existe a dimensão da cibe-resegurança a qual integra as dimensões de ciberdefesa e INFOSEC, sendo esta constituida pela segurança dos computadores e das comunicações. Se em relação à INfOSEC, o assunto está descrito em normas e procedimentos da NATO, a ciberdefesa continua envolta em algum “mistério”.Adicionalmente é possível também observar-se uma preocupação com o estado final a atingir, ou seja a segurança das Comunicações e dos SI (CSI).Numa análise sumária deste mo-delo e apesar de não se ter acesso às fontes primárias classificadas, pode-se constatar o seguinte:• As dimensões de segurança da

informação apresentadas, estão alinhadas com o atualmente preconizado pela indústria ou sugerido nos estudos académicos, exceto a dimensão de ciberde-fesa. No entanto, por falta de documentação para análise do preconizado na ciberdefesa, não se pode aferir da originalidade ou inovação dos controlos de segurança desta dimensão na segurança da informação.

• A INFOSEC que consiste na segurança dos computadores e das comunica-ções, é a componente tecnológica da segurança das CSI.

• Este modelo não apresenta explicitamente uma dimensão organizacional i.e. de Governance da segurança da informação, dimensão atualmente considerada fundamental na indústria e sugerida como essencial em artigos académicos. Provavelmente esta dimensão está implícita no modelo e é realizada de acordo com o processo de gestão da função segurança da NATO, ao qual não se teve acesso, em virtude de ser matéria classificada.

Figura 8: Modelo de Information Assurance da NATO.Fonte: Adaptado da framework de capacidades de ciberdefesa da NATO – Classificado (28FEV2011).

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• Não apresenta uma taxonomia ou modelo de incidentes de segurança da informação interligada com os controlos de segurança a aplicar. Situação essa, que provavelmente dificulta uma resposta racional e sistemática aos incidentes de segurança da informação e dos SI. No entanto, é suposto que a NATO possua um modelo de cenarização que apoie a tomada de decisão militar na gestão da segurança da informação e de SI. Embora no caso nacional não se tenham obtido evidências da sua aplicação no processo de decisão de gestão de segurança e de SI no domínio militar, quer através da análise documental quer do focus group realizado.

Para além do SEGMIL 1 e das orientações na NATO, a gestão da segurança da informação nas unidades militares do Exército Português deve ter em con-sideração o processo de gestão do risco militar (PDE5-00, 2007), no qual é fundamental considerar as seguintes premissas:- “os comandantes, a todos os níveis, devem assegurar que todos os seus

subordinados conhecem os riscos que podem aceitar e quando reportar a decisão para o escalão superior” (PDE5-00, 2007, pp. E-2).

- “o processo de gestão do risco procura reduzir os riscos associados a todos os perigos com que podemos ser confrontados durante o planeamento, a preparação e a execução de uma operação. Adota como premissa que, seja qual for a causa, onde ocorre a perda, o resultado é o mesmo – diminuição do potencial de combate ou da capacidade para o cumprimento da missão” (PDE5-00, 2007, pp. E-4)

Em conclusão, constata-se que não existem evidências nos documentos anali-sados da existência de um modelo ou método que oriente de forma integrada a gestão de todas as dimensões da segurança da informação. Ou seja, tal como na norma ISO 27001, o SEGMIL 1 e as normas de segurança da NATO não efetuam a interligação entre os possíveis incidentes de segurança da informação e os controlos de segurança da informação a aplicar na organização. Constata-se também neste estudo, que as principais propriedades da segurança da informação a serem consideradas no domínio militar são a disponibilidade e a confidencialidade. Na organização militar a informação é vista não só numa perspetiva de possível alvo, mas também de arma (e.g., Computer Network operations, operações psicológicas, contra-informação). Este duplo objetivo é orientado pelos efeitos operacionais que se procuram atingir de forma a garantir a superioridade de informação, face a um adversário. A gestão da segurança da informação é suportada essencialmente na cadeia de comando e numa cadeia técnica, no entanto neste estudo não foi analisado o processo de decisão de gestão de segurança da informação e de SI e sua inte-gração no planeamento operacional da gestão do risco do Exército.

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Parece evidente após esta análise que existe a necessidade de ter baselines de segurança da informação e de SI previamente definidas que possam a responder às questões: o que fazer? (i.e. que controlos de segurança se devem implemen-tar), porque fazer? (i.e. de acordo com um modelo de incidentes de segurança da informação) e como fazer? (i.e. de acordo com um processo integrado das dimensões da segurança da informação e suportado em procedimentos técnicos e administrativos para os controlos selecionados).

4.3 Framework Militar de Gestão de Segurança da informação – uma Proposta

A framework de gestão de segurança da informação e de SI para as unidades militares do Exército Português é proposta na figura 9. Esta foi obtida através do método de investigação análise conceptual, o qual teve em consideração o referencial de conceitos apresentados na secção dois. Os componentes principais são identificados através de uma análise de conteúdos, a qual tem por base fun-damentalmente a norma internacional ISO 27001 e as normas de segurança da NATO. Simultaneamente consideraram-se as orientações militares indicadas no SEGMIL 1, na norma nacional NIST 800-53 dos EUA, na certificação CISSP e em uma framework para segurança de SI proposta por Martins et al. (2009).As dimensões da segurança da informação e de SI em que a framework se or-ganiza são em função dos principais vetores de ataque de um adversário e que são predominantemente o nível físico, o nível da informação e o nível cognitivo (Alberts, et al., 2001; Andress & winterfeld, 2011; Cronin & Crawford, 1999; Martins et al., 2009; waltz, 1998). A correspondência entre os vetores de ataque e as dimensões de segurança é feita tendo em consideração fundamentalmente que ao vetor de ataque físico corresponde a segurança física e ao vetor de ataque cognitivo corresponde a se-gurança humana. No caso do vetor de ataque ao nível da informação a dimensão fundamental de segurança é a dimensão tecnológica, a qual tem consideração a segurança lógica, a segurança das redes de computadores, telecomunicações e internet e a segurança na aquisição, desenvolvimento e manutenção de sis-temas e software. No entanto, para garantir a segurança ao nível da informação, é necessária uma integração da dimensão tecnológica, com a segurança física e a humana, bem como garantir a gestão dos processos que garantem as várias dimensões da segurança e a sua integração. Consequentemente, a dimensão organizacional desempenha a função que permite realizar a gestão da segurança da informação e de SI.Pode verificar-se que a framework de gestão de segurança da informação e de SI, tem em consideração os três níveis de uma organização, i.e., o nível estratégico, o nível de gestão e o nível operacional e permitir atribuir a res-

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Figura 9: framework militar de gestão de segurança da informação e de SI

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ponsabilidade de gestão das categorias de controlos de segurança aos níveis da organização referenciados. Sendo que, as categorias de segurança apresentadas estão associadas a processos de gestão de segurança da informação e de SI, os quais serão identificados e analisados num próximo estudo.As classes (super classes) indicadas na framework representam as categorias de controlos de segurança da Informação e de SI (e.g., Politica de Segurança, Controlo de Acessos Físico, Ações de Sensibilização, Tecnologias de Segurança, Análise do Código fonte). Cada uma das super classes permite agregar um conjunto de classes (i.e., sub classes, através da operação de composição ou herança), as quais representam os controlos de segurança da informação e de SI. Estas subclasses que mapeiam os controlos de segurança serão identificada e descritas numa primeira fase pelos especialistas através da elaboração de listas de controlos, tendo em consideração principalmente as normas e as boas práticas internacionais de gestão de segurança da informação e de SI (e.g., norma internacional 27001, normas NATO, certificação CISSP). Numa segunda fase, deve proceder-se à elaboração das instruções de trabalho ou normas técnicas de implementação dos controlos de segurança referenciados e associar métricas aos controlos.De modo sumário, caracterizam-se de seguida os principais vetores de ataque que orientam a construção da framework de gestão de segurança e identificam-se as principais preocupações da segurança em cada uma das dimensões da segurança da informação e de SI. No vetor de ataque físico, a segurança da informação deve ter em consideração fundamentalmente as possíveis ações desencadeadas por um adversário que permitem explorar as vulnerabilidades das instalações físicas da unidade militar (e.g. sabotagem), das infraestruturas de apoio aos SI (e.g. interrupção da rede elétrica) e também as catástrofes naturais.Ao nível da informação, a preocupação deve centrar-se nas ações que podem ser executadas fundamentalmente sobre as vulnerabilidades das aplicações que permitem a todos os stakeholders internos e externos à unidade militar interagir com os dados ou a informação e na possibilidade de alterar o funcionamento da rede informática da unidade militar, quer internamente, quer via internet. Deve ser também preocupação dos decisores militares as prováveis ações sobre os dados armazenados, transmitidos ou processados. finalmente, o vetor de ataque cognitivo deve centrar-se no elemento humano que participa nos processos que constituem a cadeia de valor da organização. Consequentemente, deve ter-se especial atenção às ações que possibilitem ex-plorar as vulnerabilidades do processo de decisão militar, alterar a perceção dos decisores para um determinado problema através da manipulação intencional ou por negligência das fontes de dados em formato digital ou na manipulação dos utilizadores (e.g. ataques de Engenharia Social) que interagem com os dados e com a informação classificada da organização militar.

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Na framework proposta de gestão de segurança da informação e de SI, podem-se referenciar na Figura 9 as principais dimensões e componentes de segurança da informação e dos SI a ter em consideração. De forma sumária, consideram-se as seguintes quatro dimensões de segurança da informação: • A Dimensão Organizacional tem como finalidade principal efetuar a análise

da organização (e.g. a cadeia de valor, os processos de negócio, a classifica-ção da informação e dos ativos críticos dos SI), dos possíveis incidentes de segurança da informação e do plano de segurança da informação existente ou planeado na unidade militar. Deve considerar-se o estabelecimento de uma estrutura de gestão de segurança para planear e implementação os controlos de segurança da informação. Nesta dimensão é fundamental a correta identificação de todos os possíveis cenários de incidentes de segurança da informação, a qual pode ser realizada através de um modelo de incidentes de segurança da informação específico para as organizações militares em ambiente de Guerra de Informação (Martins et al., 2012). Esta identificação permite com rigor identificar todos os possíveis cenários de ataque às unidades militares para exploração das vulnerabilidades dos ativos críticos identificados e da sua informação. Esta dimensão centra-se também no planeamento e na gestão da segurança da informação, ou seja integra a gestão de todos os controlos de segurança da informação identificados como fundamentais para garantir a segurança da unidade militar nas diferentes dimensões identificadas.

• A Dimensão Física da segurança da informação, tem como principal objetivo garantir a proteção física das instalações, das infraestruturas de apoio aos SI no global e de todos os seus componentes (e.g. hardware) no particular. Tem fundamentalmente em consideração as matérias e os equipamentos classificados de acordo com o SEGMIL 1 (1986).

• A Dimensão Humana da segurança da informação, visa principalmente reduzir os riscos de erros humanos intencionais ou por negligência, evitando principalmente os ataques de Engenharia Social que possam afetar as propriedades principais da segurança da informação i.e. a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade.

• E por fim a Dimensão Tecnológica que deve ter como objetivos principais garantir o correto processamento, transmissão e armazenagem dos dados e da informação. Deve ter também em consideração os novos projetos de SI desde a fase inicial da análise até à sua implementação. Esta dimensão deve ter em consideração fundamentalmente três sub-dimensões (Martins et al., 2009):A Sub-dimensão Aplicacional da segurança da informação, na qual se consi-dera fundamentalmente os controlos de segurança que refletem a preocupação com a aquisição, o desenvolvimento, a implementação, a manutenção e a correta utilização do software instalado nas unidades militares, tendo especial atenção à separação dos ambientes de desenvolvimento, testes e produção de forma a impedir os riscos de segurança da informação.

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A Sub-dimensão Rede, a qual centra as preocupações na segurança das comunicações, na administração da rede de computadores local e na sua ligação à internet (i.e., a cibersegurança) e nas tecnologias de segurança implementadas nas unidades militares. Nas redes informáticas, é essencial garantir a segurança do seu perímetro (e.g. firewalls). Mas também inter-namente devem existir preocupações com a segurança da rede, as quais passam fundamentalmente pelo uso de antivírus nos clientes e por ter os Sistemas Operativos devidamente atualizado e com as configurações corretas. A Sub-dimensão Lógica da segurança da informação, considera indispensável garantir o controlo de acesso dos utilizadores à informação e a sua correta armazenagem e segurança. Centra-se principal nas ações de “Identificação, Autenticação e Autorização” e responsabilização do agente no acesso à informação. Deve também garantir em permanência as cópias da informa-ção classificada, incluindo a existente nos computadores dos utilizadores da organização.

O objetivo principal da framework de gestão proposta é minimizar os riscos de segurança da informação e dos SI e consequentemente maximizar a segurança da informação ao nível organizacional. Os controlos de segurança a selecionar e a implementar resultam fundamentalmente das dimensões e das categorias de segurança propostas na framework. Os controlos selecionados e implementados devem ser utilizados para preve-nir, detetar, deter, desviar, recuperar ou reagir a um incidente de segurança da informação ou de SI. No entanto, propõe-se que a sua seleção seja suportada através da aplicação de um modelo de incidentes de segurança da informação e de SI (Martins et al., 2012), o qual permitirá integrar as diferentes dimensões de segurança propostas nesta framework com os possíveis métodos de ataque. Esta abordagem permite responder às questões: o que fazer, porque fazer e como fazer?A partir desta framework de gestão de segurança da informação e de SI, é possível definir de forma racional e sistemática baselines de segurança da infor-mação para as unidades militares tendo em consideração a sua especificidade e todos os possíveis cenários de métodos de ataque definidos através do modelo de incidentes proposto por Martins et al. (2012).Considera-se que é essencial que as unidades militares do Exército Português possuam uma baseline de segurança da informação e de SI comum, a qual minimize os riscos de segurança da informação e dos SI e a partir da qual as unidades militares possam evoluir em termos de maturidade na segurança da informação ou seja na procura da qualidade total em termos de gestão de segurança da informação i.e., zero riscos de segurança da informação e de SI.

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A framework proposta permite definir futuramente protocolos entre as dimensões de segurança e identificar claramente quais os serviços prestados por cada nível da organização. Permite também uma mais fácil monitorização e atribuição de responsabilidades. Esta abordagem permite perspetivar a automatização do processo de gestão de segurança da informação e dos SI, através do desenvolvimento de uma aplicação que integre um modelo de incidentes e a framework de gestão de segurança da informação e de SI proposta neste estudo. Essa aplicação, certamente per-mitirá realizar uma melhor gestão do conhecimento da temática de segurança da informação e dos SI no Exército Português e consequentemente apoiar a eficiência da tomada de decisão no planeamento da segurança da informação e dos SI, nas unidades, estabelecimentos e órgãos militares.No entanto, para realizar a gestão da segurança da informação e de SI, é ne-cessário um método racional e sistemático de planeamento, implementação, monitorização e melhoria dos controlos de segurança implementados ou a implementar na organização militar. Este método deve resultar da integração de um modelo de incidentes de segurança da informação, de uma framework de gestão de segurança da informação e de SI e ter por base um processo de tomada de decisão de segurança da informação e de SI sistemático e racional que considere as especificidades das unidades, estabelecimentos e órgãos do Exército Português.Embora este estudo não tenha como objetivo apresentar o método de tomada de decisão de segurança da informação e de SI, apresenta-se o esquema conceptual na figura 10, que perspetiva uma possível abordagem para o seu levantamento e que será objecto de maior desenvolvimento num próximo estudo.

Figura 10: Esquema conceptual de planeamento da segurança da informação e dos SI.

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Neste modelo, recorrer-se à técnica de modelação IDEf0 (integration DEFi-nition language 0), para identificar para além das Entradas e das Saídas, os Mecanismos, que consistem nos meios para executar a atividade e o Controlo que são as condições necessárias para produzir as saídas (IDEF0, 1993). Nesta técnica de representação a Chamada permite efetuar a ligação a outros modelos que representam diferentes perspetivas do problema e que neste caso particular poderão ser diagramas de casos de utilização da linguagem UML.Em conclusão, constata-se que os controlos de segurança da informação e de SI propostos nas normas internacionais, nas normas militares da NATO e do SEGMIL 1 são na essência semelhantes, embora agrupados de forma diferen-te nas dimensões de segurança identificadas. A norma internacional ISO/IEC 27001 de gestão da segurança da informação pode contribuir essencialmente na complementaridade dos possíveis controlos de segurança a aplicar no domínio militar e na definição das métricas dos controlos de segurança aplicados. A framework proposta oferece uma mais fácil perceção das dimensões e dos componentes de segurança da informação e de SI, o que sem dúvida permite uma mais fácil integração das dimensões da segurança propostas na resposta a um possível incidente de segurança da informação e de SI e a facilidade de escalabilidade, em função do aparecimento de novos métodos de ataque ou controlos de segurança da informação e de SI.

5. CoNCLuSÕES

Neste estudo, tendo em consideração a inexistência de um modelo ou método de segurança da informação e de SI, propõe-se uma framework de gestão de segurança da informação e de SI para as unidades militares do Exército Portu-guês, orientada pela necessidade de garantir proteção face aos principais vetores de ataque à informação e aos SI e que tem por base fundamentalmente a norma internacional ISO 27001 e as normas de segurança da NATO. Propõe-se também um modelo conceptual que permita em trabalhos futuros orientar o desenvolvimento de um método para a gestão da segurança da in-formação e de SI para as unidades militares do Exército Português.A framework proposta permite simultaneamente orientar a análise e o desenho de um curso de gestão de segurança da informação e de SI para as forças Armadas Portuguesas, pois identifica as principais dimensões e componentes da segurança da informação e dos SI. Pode futuramente apoiar a construção de uma política de segurança da informação e de SI para o Exército Português e é o primeiro contributo teórico para o planeamento sistemático da temática da cibersegurança no Exército Português, pois os fundamentos teóricos principais da cibersegurança são certamente resultantes da segurança da informação e de SI.

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Perceciona-se neste estudo, que as principais propriedades da segurança da informação a ser garantidas nas unidades militares são a disponibilidade e a confidencialidade, onde a informação é vista não só numa perspetiva de possí-vel alvo, mas também de arma e que a preocupação da seleção dos controlos de segurança a aplicar é centrada na sua eficácia para evitar a diminuição do potencial de combate ou da capacidade para o cumprimento da missão.Neste estudo, não se identificou a existência ou a aplicação de um modelo ou método de gestão de segurança da informação e de SI para as unidades militares, não se assegurando consequentemente um processo de planeamento racional e sistemático, mas deixando ao critério “dos técnicos” da organização ou de consultores externos à organização o planeamento dos controlos de segurança mais eficientes para mitigar o risco identificado. Consequentemente, fica em aberto para um próximo estudo a proposta de um método de gestão de segurança da informação e de SI para as unidades milita-res. Este método deve permitir minimizar o risco de segurança da informação nas unidades militares e responder às três questões: o que fazer, o porquê e o como fazer? Em síntese, é necessário um método para planear, implementar, monitorizar e melhorar o processo de gestão de segurança da informação e de SI nas unidades militares do Exército Português.Para garantir a gestão eficiente da segurança da informação e de SI, a respon-sabilidade é de cada colaborador da organização e é fundamental que todos saibam o que fazer e tenham competências para o fazer.

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José Carlos Lourenço martinsDocente na Academia Militar (AM) e no Instituto Superior Politécnico do Oeste. Investigador no Centro de Investigação da AM, no Centro Algoritmi da Universidade do Minho (UM) e no laboratório UbiNET do Instituto Politécnico de Beja. Doutorando em Tecnologias e Sistemas de Informação e Mestre em

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Sistemas de Informação pela UM. Possui uma pós-graduação em Tratamento Estatístico de Dados (ISCTE) e em Guerra de Informação (AM). É licenciado em Ciências Militares (AM) e em Engenharia Informática (fCT/UNL).

Henrique dos SantosProfessor Associado na área das Tecnologias de Informação e Comunicação do Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho. Presidente da Comissão Técnica Nacional CT-136 (Segurança em Sistemas de Informação). foi director do Centro de Investigação Algoritmi da Universidade do Minho. Doutorado em Engenharia de Computadores pela Universidade do Minho. Mestre e licenciado em Engenharia Electrotécnica (opção em Informática) pela Universidade de Coimbra.

Paulo NunesTenente-Coronel de Transmissões do Exército Português. Chefe da Repartição de Sistemas e Tecnologias de Informação da DivCSI/EME. Coordenador científico e docente do mestrado em Guerra de Informação / Competitive Intelligence da Academia Militar (AM). Doutorado em Ciências da Informação pela Universi-dade Complutense de Madrid. Mestre e licenciado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico. Licenciado em Ciências Militares (Ramo Transmissões) pela AM.

rui SilvaProfessor adjunto do departamento de Engenharia do Instituto Politécnico de Beja, coordenador do laboratório UbiNET-Segurança Informática e Ciber-crime, investigador convidado do grupo de redes de acesso do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores-Investigação e Desenvolvimento (INESC-ID) de Lisboa e do European Working Party on iT Crime da INTERPOL. Doutor e Mestre em Engenharia Electrotécnica e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico (IST), licenciado em Informática e Computadores pelo IST.

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Marco Pinheiro a,1; Manuela Sarmento b,2

a Destacamento Territorial de Tavira, GNR, Rua de Santa Margarida nº 2, 8800 - 500 Portugalb Departamento de Ciências Sociais, Academia Militar, Rua Gomes Freire, 1169 - 244, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

The Protection and Rescue of populations has been, for a very long time, a concern of Security forces. Although the GNR to be a military security force and a civil protection agent that always participated in the National System of Civil Protection, was after the creation of the Intervention Group of Protection and Rescue that the powers and duties of the Guard in this area increased.Given the recent events of natural disasters that occurred, both National and International, comes this study that start from the central question: Why the intervention Group of Protection and Rescue of the Guarda Nacional Republi-cana is not employed in situations that fit in their mission?In order to achieve the objectives set for, the methodology used was based on documentary analysis of publications, legislation and news, and analysis of semi-directive interviews to entities deemed relevant in the Civil Protection National System and questionnaires applied to members of the Guarda Nacional Republicana and Autoridade Nacional de Protecção Civil.In summary, it can conclude that the non use of the GIPS in situations that fit its mission relates mainly to a political need; to the capacity of the ANPC has to engage their easier resources; and due to the existence of a scaling of resources, the GIPS’s resources has not been necessary to intervene.

Key Words: Civil Protection; ANPC; GIPS; Protection and Rescue; Disasters.

ContribuiÇÃo do GruPo dE intErvEnÇÃo dE ProtECÇÃo E soCorro da Gnr no sistEma naCional dE ProtECÇÃo Civil

1 Contactos: Email: [email protected] Tels: +351 2813801422 Email: [email protected]

Recebido em 14 Janeiro 2012 / Aceite em 23 fevereiro 2012

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rESumo

A Protecção e o Socorro das populações têm sido, desde há muito, uma preocupação das forças de Segurança. Apesar de a GNR ser uma força Militar de Segurança e um Agente de Protecção Civil que sempre participou no Sistema Nacional de Protecção Civil, foi após a criação do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro que as competências e atribuições da Guarda nesta área aumentaram.face aos acontecimentos recentes de catástrofes naturais que ocorreram, tanto a nível Nacional como Internacional, surge o presente estudo que parte da questão central: Porque motivos o Grupo de intervenção de Protecção e Socorro da Guarda Nacional Republicana não é empenhado em situações que se adequam à sua missão?De forma a cumprir os objectivos definidos, a metodologia utilizada baseou-se na análise documental de publicações, legislação e notícias; e análise de entre-vistas semi-directivas a entidades consideradas relevantes no Sistema Nacional de Protecção Civil, e de inquéritos realizados a membros da Guarda Nacional Republicana e Autoridade Nacional de Protecção Civil.Em síntese, pode concluir-se que a não utilização do GIPS em situações que cabem à sua missão relacionam-se principalmente com uma necessidade polí-tica; com a capacidade que a ANPC tem em empenhar os meios de mais fácil acesso; e devido à existência de um escalonamento de meios, os meios do GIPS não têm sido necessários a intervir.

Palavras-chave: Protecção Civil; ANPC; GIPS; Protecção e Socorro; Catástrofes.

1. ALGumAS NoÇÕES SoBrE o SISTEmA NACIoNAL DE ProTEC-ÇÃo CIVIL PorTuGuÊS

A Protecção Civil em Portugal, por ser uma actividade desenvolvida pelo Estado, actua em todo o seu Território Nacional (nº 1 do art. 3º Lei nº27/2006), empregando os seus Agentes de Protecção Civil (e.g. os Corpos de Bombeiros, as forças de Se-gurança, forças Armadas) (art. 46º Lei nº27/2006) que têm o objectivo de prevenir os riscos colectivos e a ocorrência de acidente grave ou catástrofe; atenuar os riscos colectivos e limitar os seus efeitos; socorrer e assistir as pessoas e outros seres vivos em perigo; proteger bens; e apoiar a reposição da normalidade da vida das pessoas em áreas afectadas por acidente grave ou catástrofe (nº 1 do art. 4º Lei nº27/2006).A organização do Sistema Nacional de Protecção Civil Portuguesa pode ser encarada de duas perspectivas que se relacionam entre si, a perspectiva política

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e a operacional; e ambas, segundo o art. 45º da Lei nº27/06 de 3 de Julho, estão organizadas em três patamares: o nacional, regional e municipal.Começando pela caracterização política da protecção civil, ao nível nacional, identifica-se como responsáveis pela protecção civil a Assembleia da República (AR) e o Governo, em que a AR “contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira para enquadrar a política de protecção civil e para fiscalizar a sua execução” (art.31º da Lei nº27/06 de 3 de Julho), enquan-to o Governo, através do Primeiro-Ministro, é “responsável pela direcção da política de protecção civil” (art. 33º da Lei nº27/06 de 3 de Julho).Desta forma, o departamento governamental responsável pela formulação, co-ordenação, execução e avaliação das políticas de protecção e socorro é o Mi-nistério da Administração Interna (MAI), tendo como atribuições “a prevenção de catástrofes e acidentes graves e prestar protecção e socorro às populações sinistradas” (art. 2º do DL nº203/06, 27 de Outubro).Para prosseguir com as suas atribuições, o MAI emprega a ANPC como ser-viço central de natureza operacional (art.4º DL nº203/06, 27 de Outubro) e a Comissão Nacional de Protecção Civil (CNPC) como órgão de coordenação em matéria de protecção civil (art. 36º da Lei nº27/06, 3 de Julho).Entrando no nível distrital da protecção civil, compete ao Governador Civil a política de protecção civil (art.34º da Lei nº27/06, 3 de Julho), existindo em cada distrito (com funções semelhantes à CNPC), uma Comissão Distrital de Protecção Civil (CDPC) (art.38º da Lei nº27/06 de 3 de Julho).Ao nível municipal, a entidade responsável pela realização da política de pro-tecção civil é o Presidente da Câmara Municipal (art.35º da Lei nº27/06, de 3 de Julho), sendo apoiado pelo Serviço Municipal de Protecção Civil para a execução operacional da sua missão (art.35º da Lei nº27/06, de 3 de Julho) e pela Comissão Municipal de Protecção Civil (CMPC) para coordenação com outras entidades (art. 40º da Lei nº27/06 de 3 de Julho).Em relação à organização operacional da protecção civil, esta é exercida através do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro (SIOPS), que consiste no conjunto de estruturas, normas e procedimentos que asseguram que todos os agentes de protecção civil actuam, no plano operacional, articuladamente sob um comando único (assente em duas dimensões – a da coordenação institucional e a do comando operacional), com o objectivo de responder a situações de iminência ou de ocorrência de acidente grave ou catástrofe” (art. 1º DL nº134/2006 de 25 de Julho).A coordenação institucional é assegurada ao nível nacional e distrital, pelo Centro de Coordenação Operacional Nacional (CCON) e Centro de Coordena-ção Operacional Distrital (CCOD) respectivamente, que asseguram que todas

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as entidades e instituições (de âmbito nacional ou distrital), imprescindíveis às operações de protecção e socorro, se articulem entre si, garantindo os meios considerados adequados à gestão da ocorrência em cada caso concreto (art. 2º do DL nº134/2006 de 25 de Julho).Ao nível operacional, apesar das instituições representadas nos CCO disporem de estruturas de intervenção próprias, e sem prejuízo da sua respectiva dependência hierárquica e funcional, o Comando Operacional das operações de socorro é da competência da ANPC que, através do Comando Nacional de Operações de Socorro (CNOS) e do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS), ga-rante o funcionamento, a operatividade e a articulação entre todos os agentes de protecção civil integrantes do sistema de protecção e socorro; assegura o comando e controlo das situações que requeiram a sua intervenção; promove a análise das ocorrências e determina as acções e os meios adequados à sua gestão; assegura a coordenação e a direcção estratégica das operações de socorro; acompanha, em permanência, a situação operacional das entidades integrantes do SIOPS; apoia técnica e operacionalmente o Governo; prepara directivas e normas operacionais, difundindo-as aos escalões inferiores; propõe os dispositivos nacionais, os planos de afectação de meios, as políticas de gestão de recursos humanos e as ordens de operações (art. 5º do DL nº134/2006 de 25 de Julho).

2. ALGumAS NoÇÕES SoBrE A AuTorIDADE NACIoNAL DE Pro-TECÇÃo CIVIL

Como se pôde constatar anteriormente, a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), criada através do DL nº203/06, de 27 de Outubro, é um serviço central do Estado, de natureza operacional. É dotada de autonomia administrativa e finan-ceira, e está sob dependência do MAI (art. 1º do DL nº75/07 de 29 de Março).A ANPC, como serviço de protecção civil, tem como missão planear, coordenar e executar a política de protecção civil, isto é, prevenir e reagir a acidentes graves/catástrofes, missões de protecção e socorro e superintendência da actividade dos bombeiros.De forma a atingir esses objectivos, a ANPC é responsável por estudar, norma-lizar e aplicar técnicas adequadas de prevenção e socorro; organizar um sistema nacional de alerta e aviso; contribuir para a definição da política nacional de planeamento de emergência; assegurar a articulação dos serviços que devam desempenhar missões relacionadas com o planeamento de emergência; garantir a continuidade orgânica e territorial do sistema de comando de operações de

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socorro; acompanhar todas as operações de protecção e socorro; planear e ga-rantir a utilização dos meios públicos e privados disponíveis para fazer face a situações de acidente grave e catástrofe; e assegurar a coordenação horizontal de todos os agentes de protecção civil e demais estruturas e serviços públicos com intervenção ou responsabilidades de protecção e socorro (art. 2º do DL nº75/07 de 29 de Março).A ANPC é dirigida por um Presidente, sendo a sua estrutura organizada hierar-quicamente. Dela fazem parte três direcções, a Direcção Nacional de Planeamento de Emergência, a Direcção Nacional de Bombeiros e a Direcção Nacional de Recursos de Protecção Civil. Na sua estrutura está compreendido o SIOPS, constituído pelo CNOS e pelos CDOS (art. 13º do DL nº75/07 de 29 de Março).É da responsabilidade do presidente da ANPC a coordenação do CCON e é a ANPC que garante os recursos humanos, materiais e informacionais necessários ao funcionamento ao CCON e CCOD (art. 3º do DL nº134/06 de 25 de Julho).O Conselho Nacional de Bombeiros é presidido pelo presidente da ANPC e é o órgão consultivo desta instituição em matéria de bombeiros (art. 12º do DL nº75/07, 29 de Março).

3. GruPo DE INTErVENÇÃo DE ProTECÇÃo E SoCorro

Após o balanço da época de incêndios (2003-2005), o Governo, através do Conselho de Ministros Extraordinário, de 29 de Outubro de 2005, aprovou um conjunto de medidas que visaram dar resposta às lacunas e carências detecta-das no sistema nacional de protecção civil e na prevenção, detecção, alerta e combate a incêndios. Uma dessas medidas visou colmatar “uma necessidade há muito sentida de existência de um corpo nacional altamente treinado e moti-vado e com grande capacidade de projecção para todo o território nacional, de intervenção em operações de protecção civil” (DL nº22/06 de 2 de Fevereiro). Nesse seguimento foi criado o Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro, “projectado para responder à necessidade da existência de um corpo profissional de protecção civil, sendo criado na dependência do Comando-Geral da GNR, com a missão específica de executar acções de prevenção e de intervenção de primeira linha em todo o Território Nacional” (GIPS, 2011).Como o GIPS foi constituído na Guarda, prossegue todas as atribuições ge-néricas atribuídas à Guarda Nacional Republicana como força de Segurança e Agente de Protecção Civil, bem como as missões específicas responsáveis pela sua criação.

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O art. 4º do DL nº22/06 de 2 de fevereiro (diploma responsável pela criação do GIPS), atribui a esta força a missão específica de execução de acções de prevenção e de intervenção de primeira linha, em todo o Território Nacional, em situação de emergência de protecção e socorro, designadamente nas ocorrências de incêndios florestais ou de matérias perigosas, catástrofes e acidentes graves.É também de extrema importância referir que, inerente à sua condição de “força de segurança de natureza militar” (art. 1º da Lei nº63/07 de 6 de Novembro), um militar do GIPS é um órgão de polícia criminal, possuindo todas as com-petências previstas na Lei inerentes a essa condição.No que respeita à sua organização, a Guarda Nacional Republicana, como ins-tituição militar, encontra-se organizada hierarquicamente e a sua estrutura geral, prevista no art. 20º e seguintes da Lei nº63/07 de 6 de Novembro, compreende a estrutura de comando, as unidades, e o estabelecimento de ensino. Como o GIPS é uma subunidade que integra a unidade de reserva da Guarda (a Unidade de Intervenção) e é formado por um Comando, em que a sua sede é localizada no quartel do Grafanil, por sete Companhias de Intervenção, e pelas diversas especialidades que integram esta subunidade.As sete Companhias de Intervenção de Protecção e Socorro estão dispersas por onze distritos do território continental, possuindo cada uma delas Pelotões de Intervenção de Protecção e Socorro (PIPS), sediados em Centros de Meios Aéreos (CMAs), visando o elevado grau de prontidão para a execução das missões de primeira intervenção, sejam elas terrestres ou helitransportadas, essencialmente no que diz respeito a incêndios florestais.No entanto, para a prossecução das suas missões com a eficiência e a eficácia exigidas, é necessária a existência de certas especialidades (ou valências) no âmbito da Protecção e Socorro. Deste modo, no GIPS existem quatro diferentes especialidades: MP/NRBQ (Matérias Perigosas/Nuclear, Radiológico, Biológico, Químico), em que os militares estão habilitados a trabalhar em ambientes NRBQ e a manusear matérias perigosas que, em caso de catástrofe (ou para prevenir a sua ocorrência), poderão intervir, evitando danos irreversíveis a bens e pes-soas; Busca e Resgate em Montanha, onde os militares, devido à sua formação especializada em busca e resgate em locais de características montanhosas e de grande vegetação, garantem um socorro rápido e seguro em qualquer área de actuação com esta orografia; Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas, que é uma especialidade que habilita os militares a intervir em cenários cujas estrutu-ras se encontrem total ou parcialmente colapsadas, em situações de derrocadas ou deslizamento de terras, sismos ou tsunamis, de forma a efectuarem, desde a busca de vítimas, ao fornecimento de bens essenciais; e a Unidade Especial

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de Operações Subaquáticas, em que os militares com esta especialidade são mergulhadores com a missão de efectuar buscas e resgates em meio aquático e realizar a inspecção judiciária subaquática procedendo à preservação dos meios de prova bem como à sua recolha, efectuar a reflutuação de objectos, protec-ção e segurança subaquática, resgate helitransportado e também capacidade de realizar mergulho umbilical e em águas contaminadas (GIPS, 2011).

4. PArTICIPAÇÃo Do GIPS Em TErrITÓrIo NACIoNAL

Desde a sua criação e, de forma a proporcionar uma melhor integração e coor-denação com todo o Sistema Nacional de Protecção Civil, o GIPS tem vindo a participar em exercícios conjuntos com outras entidades nacionais, visando o aperfeiçoamento na execução das missões de protecção e socorro. Um des-ses exercícios, com a denominação de PROCIV IV/08, visou a validação dos pressupostos operacionais do Plano Especial de Emergência de Risco Sísmico para a área Metropolitana de Lisboa e Concelhos Limítrofes (PEERS-AML), e foi o primeiro com esta dimensão a ser realizado a nível nacional, contando com a colaboração de 68 entidades do país (PROCIV, 2008).Apesar de em situação real existirem factores que tornam a actuação mais com-plicada, estes exercícios em larga escala, preparam os Agentes de Protecção Civil para situações de calamidade que podem ocorrer no Território Nacional, ou seja, as diversas entidades participantes ficam com uma melhor percepção sobre as suas capacidades e fragilidades de actuação, podendo assim superar essas deficiências.Ainda referente à actuação desta força, desde o ano de 2006 que a utilização do GIPS em operações de intervenção em primeira linha no combate aos in-cêndios florestais tem sido um sucesso. A sua actuação demonstrou, logo de início, como esta força seria uma mais-valia no combate aos incêndios flores-tais, fixando a sua actuação num grau de eficácia de 94% (MAI, 2006) e nos anos seguintes, a eficácia da sua actuação atingiu valores de 97.45% em 2007 (MAI, 2007), 98.31% em 2008 (GIPS, 2008), 96.80% em 2009 (GIPS, 2009), e 94.06% em 2010 (GIPS, 2010).De igual forma, o GIPS tem cooperado constantemente com outras entidades exteriores à ANPC (e.g. Polícia Judiciária [PJ], UCC, entre outras) através da sua UEOS que, desde o momento da sua criação (18 de Junho de 2008), tem sido uma mais-valia ao seu apoio, derivado de ser a única força a nível nacional habilitada para a realização de missões de inspecção judiciária subaquática.

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5. CooPErAÇÃo INTErNACIoNAL

Apesar da Protecção Civil continuar a ser uma competência dos Estados, já se verificou que nenhum país se encontra preparado para enfrentar certo tipo de calamidades e suas consequências (PROCIV, 2010). Desta forma, a capacidade de cooperação com entidades externas em matéria de protecção civil é funda-mental à segurança dos Estados.Em Portugal, a cooperação internacional é desenvolvida através da Cooperação Bilateral e da Cooperação Multilateral, sendo esta da responsabilidade da ANPC. A Cooperação Bilateral consiste em acordos assinados entre dois países cujos interesses sejam comuns. No caso português, existem acordos bilaterais em matéria de protecção civil com Espanha, frança, Rússia, Marrocos, Cabo Verde e os restantes Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, com o objectivo de intercâmbio de formação e peritos, troca de informações técnico-científicas, e prestação de assistência em situação de emergência (ANPC, 2011a).Em relação à Cooperação Multilateral, esta é caracterizada pela relação entre vários países sob alçada de uma determinada organização, visando o complementar das lacunas existentes ao nível nacional, trocar experiências/informações, e a prestação de apoio internacional em situação de emergência. Actualmente, Portugal inte-gra, em matéria de protecção civil, na União Europeia (UE), na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização Internacional de Protecção Civil, entre outras (ANPC, 2011b).Apesar de todas estas entidades vocacionadas para a protecção e socorro de um país, a resposta a emergências deve ser sempre conduzida com base nos princí-pios da subsidiariedade, da cooperação, da proporcionalidade e da coordenação, para poder responder a um pedido de assistência internacional (PROCIV, 2010).Ao nível da comunidade europeia, a entidade responsável pela troca de infor-mações e auxílio em caso de catástrofe é o Comité de Protecção Civil, cons-tituído por elementos oriundos das estruturas nacionais de protecção civil, que visa apoiar os esforços para a melhoria da prevenção e gestão da resposta a catástrofes, contribuir para uma maior sensibilização das populações, definir as bases para uma melhor coordenação entre as estruturas nacionais e consolidar a uniformidade das acções desenvolvidas ao nível internacional (ANPC, 2011c).De modo a facilitar esta cooperação em intervenções de protecção e socorro dentro e fora da UE, a Comissão Europeia criou um mecanismo comunitário que visa a protecção de pessoas, do ambiente e de bens, em situações de ca-tástrofe ocorridas dentro e fora da UE, através da coordenação entre Estados Membros e da Comunidade. Este Mecanismo Comunitário de Protecção Civil

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consiste numa força de intervenção, composta por meios humanos e materiais provenientes dos Estados Membros, com o objectivo de facilitar a cooperação em matéria de intervenção e socorro, perante a ocorrência ou iminência de catástrofe (ANPC, 2011c).Para auxiliar este Mecanismo, existe um Centro de Informação e Vigilância (Mo-nitoring and Information Center – MIC) que garante uma ligação permanente com os Estados participantes e que, em caso de catástrofe, vai proporcionar informa-ções sobre todos os meios de intervenção disponíveis a actuar (ANPC, 2011c).

6. CATÁSTroFES DE 2010

6.1 Chile

Na madrugada do dia 27 de fevereiro de 2010 (cerca das 03:30, hora local), ocorreu um sismo de magnitude 8.8 na Escala de Richter com epicentro no Oceano Pacífico, próximo da segunda maior cidade chilena (Concepción), que veio a afectar gravemente toda aquela região (principalmente Maule e Bio Bio). O sismo, consequente tsunami e posteriores réplicas, causaram cerca de 521 pessoas mortas, 56 desaparecidos, 12.000 feridos, 800.000 desalojados; quanto aos bens materiais, foram contabilizadas 370.000 casas, 4.013 escolas, 79 hos-pitais e 4.200 barcos que ficaram destruídos (USGS, n.d.). Segundo Franklin in Caruso (2010), “esperava-se maiores danos de um sismo de magnitude 8.8 (…); o que salvou muitas vidas foi a enorme experiência com sismos que o povo chileno possui.Após o sismo, o governo chileno enviou o exército para manter a ordem em Concepción, enquanto a Presidente Michelle Bachlet solicitava ajuda externa dizendo que o Chile enfrentava “uma catástrofe de magnitude tão grande, que iria precisar de um enorme esforço para recuperar” (franklin apud Bachlet, 2010).Na sequência deste pedido, a Organização das Nações Unidas (ONU) abriu um fundo de 10 milhões de dólares visando a recuperação do país (Xinhua, 2010), enquanto que a União Europeia (UE) activou o Mecanismo Comunitário de Protecção Civil (através do MIC) que, no dia 5 de Março, decide enviar uma equipa de Missão de Avaliação e Coordenação, constituída por cinco peritos e uma oficial de ligação do MIC.A missão desta equipa consistia em facilitar a coordenação da assistência dos Estados Membros, apoiar as autoridades chilenas na avaliação da situação, fornecer recomendações para a futura actuação da EU, estabelecer contactos e cooperar com

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as autoridades nacionais e internacionais no local, preparar a chegada dos peritos em engenharias, e fornecer informação em permanência ao MIC (Moura, 2010).A participação portuguesa nesta catástrofe foi marcada pela presença de um perito na equipa e pela oficial de ligação ao MIC. O perito português participou na avaliação das zonas mais afectadas e no estabelecimento de contactos com as autoridades locais até ao dia 8 de Março, em que a missão da equipa passou a ser a coordenação com as restantes equipas de ajuda provenientes de outros países europeus.

6.2 Haiti

A 12 de Janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um sismo de magnitude 7.0 na Escala de Richter que, segundo Roger Searle, em entrevista à CNN (2010), a combinação da magnitude com a superficialidade do seu epicentro, igualou o poder do sismo ao de várias bombas nucleares. O sismo arrasou a capital (Port-au-Prince) e as áreas circundantes, atingindo edifícios governamentais, infra-estruturas essenciais e áreas de grande densidade populacional.Este sismo teve uma complexidade única, pois já existiam agências humanitárias a actuar no local, quando o sismo veio destruir as instalações, materiais, e causar a morte a 47 funcionários e outros 500 dados como desaparecidos (Guerreiro, 2010).Ainda antes do pedido de ajuda ter sido oficializado, já grande número de países e organizações se tinham disponibilizado a prestar apoio. No que toca à intervenção da UE, esta visou principalmente 3 sectores – infra-estruturas, suporte ao Estado, e auxílio de emergência.Poucas horas após o sismo, a Comissão Europeia enviou especialistas em protec-ção civil e apoio humanitário para o local, e disponibilizou 30 milhões € para a Resposta Imediata à crise. Esses 30 milhões € faziam parte do plano recuperação da UE, composto num total de 120 milhões € (30 milhões € Resposta Imediata e 90 milhões € para Pós-Resposta Imediata). (European Commission, n.d.).O Mecanismo Comunitário coordenou os vinte e cinco países envolvidos no auxílio ao Haiti, em que três equipas de protecção civil europeia foram destacadas para o local para coordenar a assistência Europeia com a ONU, auxiliar na restante ajuda internacional, instalar uma unidade para purificação de água, e cinco postos médicos avançados com capacidade para efectuar cirurgias (European Commission, 2011).Perante a activação do Mecanismo Comunitário de Protecção Civil, a resposta portuguesa surge através do envio, num avião C-130 da força Aérea Portuguesa, de uma força Operacional Conjunta (fOCON) de protecção civil. Primeiramente, a fOCON foi constituída por uma equipa de Comando e Coordenação da ANPC,

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um grupo do INEM composto por 8 elementos, um médico do Instituto Nacional de Medicina Legal e um grupo de 10 bombeiros da força Especial de Bom-beiros (fEB) da ANPC sendo, posteriormente, reforçada com mais 5 elementos da ANPC. Esta força tinha a principal missão de instalar e operacionalizar um campo de desalojados – “Campo Azul da União Portugal Haiti” (Oliveira, 2010).Devido à dimensão da catástrofe, existiu alguma dificuldade de coordenação inicial na ajuda humanitária, o que motivou protestos e levou a um aumento da criminalidade (RTP1, 2010) – desde pessoas desesperadas a pilharem supermer-cados e armazéns, até aos gangs armados que controlavam as ruas da capital.Apesar da actuação portuguesa ter sido alvo do reconhecimento pela comuni-dade internacional da capacidade técnica dos portugueses nestas situações, esta falta de segurança poderia ter posto em “risco acrescido a vida de todos os portugueses integrados na missão (…), porque a fEB não está equipada nem preparada para uma missão desta natureza” (Saraiva, 2010).Segundo Saraiva (2010), Presidente da Direcção Nacional dos Socorristas Uni-dos Sem fronteiras (SUSf):

“ (…) Tratando-se de um cenário de catástrofe em que não estão garantidas condições de segurança (Security), a missão deveria ser constituída por elementos do GIPS – Grupo de Intervenção em Protecção e Socorro da GNR, pelo facto de estar preparado não só para a manutenção da ordem pública bem como para actuar em cenários de catástrofe.”

Na opinião do dirigente, de forma a colmatar as lacunas da força portuguesa, deveriam também fazer parte da fOCON elementos do GIPS, da Unidade Cinotécnica de Resgate do Regimento de Sapadores de Bombeiros de Lisboa, do INEM, e do Instituto Nacional de Medicina Legal.Certamente que a missão da fOCON foi um sucesso, mas talvez a presença de uma força de segurança de natureza militar a actuar em missões de protecção civil, pudesse ter enriquecido e ter-se tornado numa mais-valia para a actuação portuguesa, possibilitando não só a segurança dos elementos civis em missão, como abrir um maior leque de áreas de actuação.

6.3 Madeira

Antes de se expor especificamente o acontecimento que se passou na Madeira, é necessária uma pequena caracterização do funcionamento da Protecção Civil nesta Região Autónoma que, dadas as suas particularidades específicas em ma-téria de protecção civil, necessitou-se de definir as normas de enquadramento do regime jurídico do Sistema de Protecção Civil da Região Autónoma da

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Madeira após entrada em vigor da Lei nº65/2007 de 12 de Novembro. Dessa forma, em 2009, entra em vigor o Decreto Legislativo Regional nº 16/2009/M, que veio referir os componentes do Sistema de Protecção Civil da Madeira, suas responsabilidades e estruturação (art. 1º do Decreto Legislativo Regional nº 16/2009/M de 30 de Junho, p. 4221).Nesse mesmo diploma é referido o SIOPS da Região Autónoma da Madeira (SIOPS–RAM), em que são o Centro de Coordenação Operacional Regional (CCOR) e os Serviços Municipais de Protecção Civil (SMPC), que asseguram a coordenação institucional a nível regional e municipal, respectivamente; e ao nível da organização do sistema da gestão das operações, é o Comando Regional de Operações de Socorro (CROS), o órgão director das operações que apoia o responsável das operações na tomada de decisão ao nível regional, enquanto que nos municípios onde tal se venha a justificar, pode ser nomeado um Coor-denador Municipal de Protecção Civil (arts. 19º a 30º do Decreto Legislativo Regional nº 16/2009/M de 30 de Junho, pp. 4224-4226).Seguidamente, de modo a formalizar a criação do Serviço Regional de Protecção Civil, Instituto Público da Região Autónoma da Madeira (SRPC, IP-RAM), bem como a sua estrutura orgânica, houve necessidade de plasmá-las em diploma, como é constitucionalmente exigido. Essa formalização está materializada no Decreto Legislativo Regional nº17/2009/M de 30 de Junho.O SRPC, IP-RAM está na dependência da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais (SRAS) e tem como missão planear e coordenar as actividades de pro-tecção civil na Região Autónoma da Madeira, designadamente, na protecção e socorro das populações (art. 1º do Decreto Legislativo Regional nº 17/2009/M de 30 de Junho, p. 4228).fazem parte do SRPC, IP-RAM a Inspecção Regional de Bombeiros, o Co-mando Regional de Operações de Socorro, o Serviço de Emergência Médica Regional, e tem como Unidades Operacionais a Unidade de formação de Protecção Civil e Bombeiros e a Unidade Operacional da Análise de Riscos (SRPC, IP-RAM, 2009).

6.3.1 O Aluvião de 20 de fevereiro

Pela madrugada do dia 20 de fevereiro de 2010, a forte pluviosidade que assolou a ilha da Madeira, fizeram com que o caudal das suas duas principais ribeiras subisse consideravelmente, dando origem a fortes correntes de água e lama que arrastaram e destruíram casas e veículos, ficando a cidade do Funchal, a vila de Ribeira Brava, Santa Cruz e Curral das freiras inundadas; enquanto que o

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deslizamento de terras provocou o isolamento destas e de outras localidades da ilha, em que o contacto apenas era possível via rádio (Lusa, 2010a).Em resposta a este desastre, o Dispositivo de Socorro e Emergência foi pron-tamente activado e colocado no terreno na manhã do dia 20 de fevereiro através do Corpo de Bombeiros (CB), da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) e das Equipas Médicas de Intervenção Rápida (EMIR), que se depararam com acessibilidades cortadas, dificuldades de comunicações, deslizamentos de terras de grandes dimensões, ribeiras que transbordavam os leitos, habitações destru-ídas, vítimas mortais e feridos em elevado número (Neri, 2010).Nesse mesmo dia, o Governo Regional reúne-se no SRPC e estabelece as priori-dades estratégicas, enquanto é activado o CCOR a coordenar e em ligação com o Secretário Regional de Assuntos Sociais e com os demais oficiais de ligação.Após difusão das prioridades estratégicas, o CROS estabeleceu como prioridades operacionais a assistência às pessoas com vida, protecção dos seus bens, procurar vítimas mortais, adequar as acessibilidades para projectar os meios de socorro, garantir a operacionalidade dos meios de socorro e reforçar os SMPC do funchal e da Ribeira Brava (zonas muito afectadas), operacionalizar as comunicações na Ilha, e adequar os parques de estacionamento subterrâneos do funchal (Neri, 2010).Na Ilha da Madeira, também as fA prestaram auxílio à população, mobilizando cinco equipas (duas de remoção de escombros, duas de transporte de pessoal, e uma de especialistas de pontes), dois helicópteros e alojamento para 130 pessoas num quartel (Jornal de Notícias, 2010).Entretanto, o Governo Regional pediu auxílio ao Governo da República, que enviou primeiramente num avião C-130 da força Aérea, seis mergulhadores da fEB, duas equipas cinotécnicas da GNR, um oficial da Marinha, cinco elementos do Instituto Nacional de Medicina Legal e 30 agentes da PSP (ANPC, 2010b), e num segundo voo, outras duas equipas cinotécnicas da GNR, seis elementos do Regimento de Sapadores de Bombeiros de Lisboa e seis elementos da Marinha (ANPC, 2010c).No entanto, outras forças foram accionadas e ficaram em estado de prontidão no continente, entre elas “uma fragata com um helicóptero, uma equipa médica, uma equipa de mergulhadores, duas secções de Fuzileiros e o contentor DISTEX (apoio a situações de catástrofe e emergência), dois C-130 para o transporte de bombeiros” (Jornal de Notícias, 2010) e a GNR que, segundo o Comandante do GIPS, Tenente-Coronel Paixão in Jornal de Notícias (2010), 56 militares (de que faziam parte equipas de socorro em inundações, resgate em montanha e sapadores), encontravam-se prontos a embarcar para a Madeira às 05h30 do dia 21, enquanto os restantes militares da sua unidade foram chamados para se apresentarem o mais rapidamente no quartel do Grafanil.

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Entretanto, as forças presentes no teatro de operações eram organizadas pelo CROS a actuar nas zonas afectadas, em especial nos dois concelhos mais críticos (funchal e Ribeira Brava), sendo reforçados com os meios dos CB disponíveis; com oficiais de ligação das FA, GNR e PSP; e foram estabelecidos Postos de Comando nos quartéis dos CB. Outras das medidas tomadas pelo CROS foi a constituição de forças conjuntas para certas missões específicas (bombeiros com a GNR; a PSP e o exercito com bombeiros; e mergulhadores da marinha com a FEB); e o reforçar das debilitadas ou inexistentes comunicações dos vários concelhos (Neri, 2010).A operação de resposta e reabilitação à catástrofe ocorrida na Madeira ocorreu entre os dias 20 e 28 de fevereiro de 2010, e neste período foram utilizadas diversas valên-cias, entre elas a Busca e Salvamento Urbano (urban Search And Rescue – USAR), Emergência Médica, reconhecimento aéreo e terrestre, apoio logístico, mortuária, segurança, busca e salvamento, comunicação social, e avaliação de estruturas.A participação da GNR fez-se sentir essencialmente nas operações de busca e salvamento com as quatro equipas cinotécnicas e nas missões de policiamento e controlo de acessos (Neri, 2010), já que as restantes forças do GIPS em estado de prontidão no continente não foram chamadas a actuar.Importa, a propósito desta situação ocorrida na Madeira, recordar que a área da protecção civil está regionalizada, sendo da responsabilidade do Governo Regional, o que não impede uma boa articulação na mobilização dos meios nacionais considerados necessários.É, no entanto, essencial, questionar se a presença de uma força com valências nas áreas da Primeira Intervenção em Protecção e Socorro, Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas, e com uma Unidade Especial de Operações Subaquáticas, não teriam aumentado a eficácia das operações de socorro neste teatro de operações.

7. TrABALHo DE CAmPo

Durante a realização do Trabalho de Investigação Aplicada e de forma a responder às questões de investigação levantadas, foi realizado um inquérito por questionário que visou a caracterização da opinião de elementos do GIPS e da ANPC relativamente à relação e cooperação entre estas duas entidades e o nível de preparação do GIPS para o cumprimento das suas missões, e foram recolhidos contributos de um conjunto de entrevistados constituído por entidades militares (oficiais da GNR) e civis, com funções de elevada importância no Sistema Nacional de Protecção Civil.

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Relativamente ao inquérito e com o objectivo de manter a sua credibilidade e evitar tendência nas respostas, procurou-se manter o mesmo número de ele-mentos nas duas amostras (militares do GIPS e civis da ANPC). O inquérito utilizou uma escala de Likert, o que permitiu aos inquiridos classificarem o seu nível de concordância com as afirmações. Para isso, foram utilizados sete níveis de resposta: discordo totalmente, discordo muito, discordo, não discordo nem concordo, concordo, concordo muito e concordo totalmente.Depois de analisadas as respostas dos inquéritos pode-se afirmar que os elementos são de opinião que existe um bom relacionamento e/ou cooperação entre os mili-tares do GIPS e as demais entidades de Protecção Civil, isto porque, apesar de o nível de concordância da resposta ser o mais baixo, verifica-se que o mesmo se encontra perto do “não discordo nem concordo” com tendência para o concordo.Relativamente à opinião dos inquiridos relativamente às restantes variáveis, independentemente se concordam mais ou menos com as questões, são da opi-nião que os militares do GIPS possuem a formação, meios materiais e humanos para a realização das suas missões, que as suas especialidades são uma mais-valia na PC, que uma força de cariz militar na Protecção Civil veio aumentar o sucesso das missões de protecção e socorro, e que deveria ter integrado as forças de intervenção nas catástrofes da Madeira e Haiti. Todavia, pode-se ainda verificar que os inquiridos são da opinião que o SIOPS é actualmente indispensável à Protecção Civil e que a criação do GIPS foi uma mais-valia para a estrutura da Protecção Civil, sendo estas as duas variáveis com o nível de concordância mais alto.Quanto à realização das entrevistas procurou-se não só evitar uma tendência nas respostas (através de entrevistas a entidades da GNR e da ANPC), como também se recolheram os contributos e opiniões de entidades externas a ambas as instituições, de forma a acautelar a possibilidade de existir qualquer influência institucional.Desta forma, pode-se concluir que após implementação de um sistema de comando através do SIOPS em 2006, com o intuito de coordenar todas as entidades que actuam num teatro de operações de protecção e socorro, verifica-se que esta cadeia de comando está bem implementada, em que todos os agentes já estão bem integrados e têm conhecimento da mesma. No entanto, podem-se identificar dois tipos de subordinação existentes durante uma actuação em que participem diversas entidades – uma subordinação operacional (levada a cabo pelo comandante dos bombeiros mais antigo nesse teatro de operações, que atribui missões às diferentes entidades e faz a coordenação entre as mesmas) e uma subordinação técnica (levada a cabo pelas próprias cadeias hierárquicas de cada entidade).

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Actualmente, no nosso país, existem duas forças especiais para actuação em operações de protecção civil – o GIPS e a FEB. Ao acontecer uma catástrofe ou calamidade, a ANPC, mediante as dimensões da catástrofe, chama a intervir ambas ou apenas uma das forças. Apesar do GIPS apresentar certas caracterís-ticas que se evidenciam mais do que a fEB, nomeadamente ser um órgão de polícia criminal de natureza militar, o que lhe atribui uma valência na parte security, uma disciplina e organização mais rígida que a fEB, é mais fácil o empenhamento da fEB dado esta pertencer à própria estrutura da ANPC e o entendimento entre os elementos no teatro de operações ser mais fácil (apesar de actualmente, devido aos constantes exercidos conjuntos, este entendimento entre os militares do GIPS e bombeiros estar cada vez melhor).Relativamente ao envio destas forças para teatros de operações internacionais, nomeadamente para o Haiti devido à ocorrência do sismo, após o pedido de ajuda internacional e após analisada a situação, o poder político solicitou à ANPC que constituísse uma força para desempenhar uma determinada missão – construção de um campo de refugiados. A ANPC então determinou quais os meios a empenhar, não achando necessário solicitar meios à GNR. No caso do Chile, a UE apenas solicitou peritos para se deslocarem como observadores, e apenas um perito português foi seleccionado.Quanto ao desastre ocorrido na Madeira, verificou-se que a não solicitação de ajuda externa por parte do Serviço Regional foi o principal motivo para o não empenhamento do GIPS, no entanto, mais tarde veio-se a confirmar que os meios não eram necessários.Apesar da crise económica e financeira que o nosso país atravessa, a existência de duas forças com missão semelhante não impede que ambas possam coexistir, aliás, a existência do GIPS carece da pretensão do poder político em ter, um órgão de polícia criminal de natureza militar que lhe esteja subordinado directamente.

8. CoNCLuSÕES

A presente temática levanta actualmente grande controvérsia e ideias divergentes tanto ao nível das chefias do nosso país como ao nível do cidadão comum, no que toca à existência de duas forças com semelhantes missões na área da protec-ção e socorro. Após realização do Trabalho de Investigação Aplicada, apraz ao autor apresentar uma única recomendação que talvez pudesse evitar a existência desta sobreposição de missões destas duas forças. A recomendação prende-se com a redefinição das missões do GIPS e da FEB, isto é, sugere-se a reorga-

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nização do GIPS num grupo especial para actuação em missões de protecção e socorro, com meios humanos inferiores aos que actualmente possui, dando uma maior importância às suas especialidades (BREC, UEOS, NRBQ, e BRM). Esta seria a força de reserva estratégica do Estado, a sua força de elite no âmbito da protecção e socorro, que actuaria apenas em situações críticas ou muito críticas e seria a sua única força de projecção para teatros de operações internacionais.Quanto à fEB, sugere-se o aumento dos seus meios humanos e materiais de forma a atribuir-lhe uma dispersão de quadrícula que lhe permitisse ter unidades espalhadas pelo Território Nacional, para que pudesse reforçar os corpos de bombeiros sempre que necessário, sobretudo na primeira intervenção em fogos florestais, ou seja, seria a reserva táctica do Estado.

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Cristina M. Cordas a,1, João Paulo Sousa b,2

a faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova, Monte de Caparica, 2829-516, Portugalb Departamento de Ciências Exactas e Naturais, Academia Militar, Rua Gomes freire, Lisboa, 1169-244,

Portugal

ABSTrACT

Ionizing radiation exposure has harmful consequences for human health and environment since this can destroy matter. The workers exposed to such radia-tions develop an increased number on occupational diseases. The vast number of existing laws regarding ionizing radiation reflects the hazards towards the public. On Portugal national level there are not large manufacturers producing radioactive products, and so, the prevention measures are not common knowledge.

Key Words: Ionizing radiations, legislation, radioactive elements.

rESumo

A exposição a radiações ionizantes constitui um malefício para a saúde humana e para o meio ambiente. Como estas radiações destroem a matéria, acabam por contribuir para um aumento das doenças profissionais nos trabalhadores a elas expostas. O vasto acervo jurídico que existe sobre as radiações ionizantes, são um reflexo do grau de toxicidade que representam para o ser humano e para o bem estar do público em geral. A nível nacional, não existe grandes empresas produtoras de produtos radioactivos, daí que a temáticas das medidas de prevenção contra as radiações ionizantes, não seja do conhecimento geral.

Palavras-Chave: Radiações ionizantes, legislação, elementos radioactivos.

radiaÇõEs ionizantEs

1 Contactos: Email - Email: [email protected] Tel. - +351 91 706 22 862 Contactos: Email - [email protected]

Recebido em 19 Novembro 2011 / Aceite em 13 Março 2012

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1. INTroDuÇÃo

A necessidade de adopção de providências tendentes a assegurar uma protecção eficaz das pessoas expostas às radiações ionizantes culminou com a publicação do Decreto-Lei n.º 44060, de 25 de Novembro de 1961 (vide Decreto-Lei n.º 348/89, de 12 de Outubro).Por radiações ionizantes, entende-se toda a radiação com capacidade para destruir a matéria sobre a qual incide, provocando danos colaterais no Homem e no meio ambiente. Por definição “radiação ionizante” consiste na transferência de energia sob a forma de partículas ou de ondas electromagnéticas com um comprimento de onda igual ou inferior a 100 nm ou uma frequência igual ou superior a 3 x 1015 Hz e capazes de produzir iões directa ou indirectamente. “Substância radioactiva” é qualquer substância que contenha um ou mais radionuclidos, cuja actividade ou concentração não possa ser menosprezada do ponto de vista de protecção contra radiações (vide Decreto-Lei n.º 165/2002, de 17 de Julho).Sendo o património biológico do homem, e, consequentemente, a saúde públi-ca, uma das áreas mais afectadas pela acção dos diversos tipos de radiações, o Ministério da Saúde criou a Comissão Nacional de Protecção contra Radia-ções (CNPCR), com o intuito de emitir parecer ou formular recomendações sobre projectos legislativos e regulamentares no âmbito da protecção contra as radiações. É também competência da CNPCR emitir parecer ou formular recomendações sobre o grau de cumprimento das determinações legais e re-gulamentares referentes à protecção contra radiações. Compete também emitir parecer ou formular recomendações sobre medidas de política e de prioridade de acções dos organismos envolvidos na protecção contra radiações, tendo em vista a definição de estratégias e actividades futuras. Emitir parecer ou formular recomendações sobre processos de licenciamento ou medidas disciplinadoras de actividades, sempre que a sua importância ou o seu grau de complexidade assim o exigem. finalmente, compete a esta Comissão emitir parecer ou formu-lar recomendações que julgue relevantes para a divulgação de conhecimentos e para a formação de técnicos especialistas em protecção sobre radiações.A CNPCR é constituída pelos seguintes serviços e organismos: i) Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários; ii) Direcção-Geral dos Hospitais; iii) Departamento de Protecção e Segurança Radiológica do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial; iv) Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear; v) Colégios de Especialidade de Medicina Nuclear, de Radiações, de Radioterapia e de Dermatologia da Ordem dos Médicos e vi) Direcção-Geral de Higiene e Segurança no trabalho. Em caso de acidente radiológico ou nuclear, a CNPCR agrega automaticamente os dirigentes, ou seus representantes, do Serviço Nacional de Protecção Civil e do Instituto de Qualidade Alimentar. O Presidente da CNPCR poderá chamar a participar nas sessões representantes

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de quaisquer organismos oficiais ou privados ou especialistas de reconhecida competência. O Presidente da CNPCR poderá, ainda, constituir, entre os vogais da Comissão e os representantes e especialistas referidos, grupos de trabalho para se ocuparem do estudo e apreciação de questões específicas.Este diploma legal contempla que o funcionamento dos equipamentos perten-centes a entidades públicas e privadas sejam alvo de licenciamento prévio pelo Director-Geral dos cuidados de saúde primários, ouvida a CNPCR. Quanto à eliminação e armazenamento de produtos radioactivos, estes carecem de auto-rização do Director-Geral da CNPCR.

2. CoNCEITo E DEFINIÇÕES

Os dados actuais disponíveis sobre o efeito das radiações ionizantes a que o Homem está sujeito indicam que cerca de 68% resultam da exposição natural e que cerca de 30% resultam ou provêm de utilizações médicas. Nos restantes 2% estão incluídas várias origens, das quais se destacam cerca de 0,15% atri-buíveis a “descargas de indústrias nucleares”. Estes dados constam do Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril.Na realidade, desde o princípio do século até ao presente, em termos de saúde pública (e.g. radiodermite de Henri Becquerel e doenças radioinduzidas por ra-dionuclidos), atravessaram fronteiras aéreas, marítimas e terrestres, contribuíram para que Organizações Internacionais (e.g. OMS, AIEA, FAO e Comunidades Europeias) tenham procedido à produção de um vasto acervo jurídico sobre ra-diações ionizantes. Paralelamente, a radiação considerada não ionizante, incluída no espectro electromagnético do UV até a zona denominada por “microondas”, constitui hoje também fonte de preocupação no domínio da saúde pública.A investigação científica permite afirmar que a acção dos diversos tipos de ra-diações, em doses elevadas, tem iniludível efeito sobre o património biológico do Homem e sobre a saúde pública (vide Decreto Regulamentar 9/90, de 19 de Abril). Do mesmo modo, a investigação científica conjuntamente com os dados epidemiológicos começam a concretizar elementos para a ponderação sobre os efeitos das “baixas doses” de exposição no Homem. Este diploma legal veio estipular os princípios e as normas por que se devem reger as acções a desenvolver na área da protecção contra radiações ionizantes.No que concerne aos princípios de protecção e segurança contra as radiações ionizan-tes, temos que: i) os diferentes tipos de actividades que impliquem uma exposição a radiações ionizantes sejam previamente justificados pelas vantagens que proporcionam; ii) que seja evitada toda a exposição ou contaminação desnecessária de pessoas e do meio ambiente; iii) que os níveis de exposição sejam sempre tão baixos quanto possível em cada instante e sempre inferiores aos limites fixados por Lei.

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Para efeitos da aplicação dos princípios de protecção de segurança contra as radiações ionizantes mencionados anteriormente, consideram-se como: i) “Pes-soas profissionalmente expostas” como sendo aqueles trabalhadores que, pelas circunstâncias em que se desenvolve o seu trabalho, quer de forma habitual, quer de forma ocasional, estão submetidos a um risco de exposição a radiações ionizantes susceptível de conduzir a doses anuais superiores a um décimo dos limites da dose anual fixados para os trabalhadores; ii) “Membros do público” como sendo as pessoas da população isoladamente, com exclusão das pessoas profissionalmente expostas, dos aprendizes, dos estudantes e dos estagiários durante o seu horário de trabalho; iii) “População em geral” como sendo a colectividade formada pelas pessoas profissionalmente expostas, pelos aprendizes, estudantes e estagiários durante o seu horário normal de trabalho e pelos membros do público.Por razões de vigilância e controlo, as pessoas profissionalmente expostas são classificadas em duas categorias: i) Categoria A – as que são susceptíveis de receberem uma dose superior a três décimos de um dos limites de dose anual; ii) Categoria B – as que não são susceptíveis de receberem doses superiores a três décimos de um dos limites de dose anual. Como, em geral, nenhuma pessoa com menos de 18 anos deve desenvolver actividades que a possam tornar pessoa profissionalmente exposta. A título excepcional, por motivos de estudo e aprendizagem, podem realizar tais actividades entre os 16 e os 18 anos. As mulheres grávidas ou em período de lactação não podem realizar trabalhos que possam implicar a possibilidade de contaminação radioactiva e os limites de dose de exposição externa para as grávidas estão previstos numa tabela que será apresentada ao longo deste documento. As mulheres em idade de gestação não podem realizar trabalhos que impliquem exposição externa a doses superiores aos fixados por lei.A entidade responsável pelas instalações ou actividades susceptíveis de causa-rem exposição a radiações será sempre responsável pela protecção e segurança contra radiações no âmbito da sua instalação ou actividade e tomará as medidas necessárias para que as doses recebidas pelos trabalhadores ou pelo público sejam tão baixas quanto possível e sempre inferiores aos limites vigentes na Lei, de acordo com o estipulado no Artº. 3º do Decreto-Lei n.º 9/90, de 19 de Abril. Compete à entidade responsável facultar à Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, com a periodicidade que vier a ser definida pela CNPCR, as informações relativas à natureza dos postos de trabalho de cada trabalhador exposto, bem como das doses por cada um recebidas. As medidas de protecção e segurança deverão ser função do grau de risco e devem comportar, nomeadamente formação e informação, medidas limitativas da exposição às radiações, organização da vigilância física e médica, bem como organização e manutenção de processos e registos adequados.No que concerne à informação e formação dos trabalhadores, deverá ser pro-porcionado os resultados da dosimetria individual, bem como mantê-los in-

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formados sobre os riscos que o trabalho apresenta para a sua saúde e sobre a importância das prescrições técnicas e médicas e, do mesmo modo, proporcionar as necessárias instruções em relação às medidas normais e de emergência no domínio da protecção e segurança contra as radiações ionizantes. Deverá ser fomentado uma formação complementar e a reciclagem dos trabalhadores, tendo em atenção a natureza e a frequência das acções de formação para os diferentes tipos de operações, segundo programa modelo elaborado pela Direcção-Geral dos Cuidados da Saúde Primários. Ouvida a CNPCR.Tendo em consideração a natureza e a importância dos riscos das radiações ionizantes, pode a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, ouvida a CNPCR, determinar que a entidade responsável seja assessorada por um técnico especialista em protecção e segurança contra radiações ionizantes, encarregado de zelar pela aplicação das normas de protecção e segurança e de aconselhar em todos os aspectos relacionados com a protecção dos trabalhadores e do público em geral. Os técnicos especialistas em protecção e segurança contra radiações ionizantes deverão ter acesso a todas as informações que sejam necessárias ou convenientes ao bom desempenho das suas funções, conforme consta da legislação vigente sobre radiações ionizantes. Não pode ser negado o acesso ou a prestação de informações com o fundamento da existência de segredo de fabrico ou sigilo profissional, ficando, no entanto, o técnico especialista obri-gado a sigilo relativamente a essas informações. O técnico especialista deverá, sempre que necessário, solicitar a intervenção de outros peritos ou técnicos qualificados e manter permanentemente contacto com a entidade responsável, a qual, por sua vez, deverá consultar sempre o especialista sobre questões de protecção e segurança contra radiações ionizantes, designadamente para a verifi-cação periódica da eficácia dos dispositivos e técnicas de protecção e segurança, bem como da sua correcta utilização. Se a complexidade ou a dispersão das instalações, equipamentos ou actividades o justificar, pode a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários ouvida a CNPCR, determinar a constituição de unidades técnicas de protecção e segurança contra radiações ionizantes. Os técnicos especialistas e o pessoal especializado das unidades técnicas deverão participar em todas as acções de formação ou reciclagem que a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, ouvida a CNPCR, considere necessárias.No que respeita às obrigações dos trabalhadores expostos a radiações ionizantes, estes devem conduzir-se sempre em conformidade com as regras e procedimentos aprovados e colaborar com a entidade responsável. Nenhum trabalhador deve, salvo expressa autorização, retirar, modificar ou deslocar um equipamento ou dispositivo de segurança ou de controlo das radiações ionizantes nem opor obstáculos ou recusar-se à aplicação das regras previstas e aprovadas para prevenção e controlo da exposição às radiações. Compete ao trabalhador co-municar imediatamente ao seu superior hierárquico todo o acidente e anomalias de qualquer sistema de segurança e controlo das radiações ionizantes.

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Em todas as instalações deverá existir informação escrita, discriminando ca-racterísticas técnicas, risco envolvido, todas as instruções necessárias para uma correcta utilização face ao risco de exposição e contaminação e instruções de utilização após uso. Deverá haver um documento oficial, emitido pela Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, certificando a conformidade do produto ou equipamento, fabricado ou transaccionado, com as normas de protecção e segurança contra radiações em vigor. Esta informação deverá ser escrita em língua portuguesa, excepto se o destinatário for entidade sediada no estrangeiro.A regulamentação relativa à protecção contra radiações ionizantes, fun-damentada nas normas básicas de segurança estabelecidas no direito co-munitário, teve a sua expressão harmonizada através do Decreto-Lei n.º 348/89, de 12 de Outubro, e do Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril, os quais determinam os princípios e as normas por que se devem reger as acções de prevenção e de protecção contra os efeitos nocivos da exposição radiológica. Na prossecução da observância das providências estabelecidas, tendentes a assegurara uma eficaz protecção das pessoas expostas, continua a ser entendido que é da atribuição do Ministério da Saúde (MS) a responsabilidade pelo desenvolvimento de acções genéricas na área da protecção contra as radiações, cabendo à Direcção-Geral de Saúde (DGS) a coordenação das medidas destinadas a assegurar em todo o território nacional a protecção das pessoas e bens contra os efeitos de-letérios da exposição a radiações ionizantes.Quanto à dosiometria das radiações, nas zonas controladas será obrigatório a dosiometria da exposição individual e nas zonas vigiadas a utilização de monitores de radiação de área, por forma, a efectuar-se uma avaliação, o mais correcta possível, das doses de radiação a que os trabalhadores estão sujeitos. As zonas controladas e as zonas vigiadas deverão ser organizadas de modo que possam ser detectados os riscos das radiações ionizantes no meio ambiente e, em especial, de forma a proceder-se, segundo os casos, a medição das doses e dos débitos de dose, bem como aos registos dos resultados. Especificamente, a avaliação das doses individuais deve ser feita sistematicamente para os trabalhadores profissionalmente expostos da categoria A. No caso de existir risco de contaminação radioactiva, é obrigatório o uso de equipamento pessoal de protecção adequada ao risco específico existente. Os resultados das medidas de vigilância colectiva devem ser registados e conservados em arquivo durante, pelo menos, 30 anos. Compete ao técnico especialista em protecção contra radiações e organização operacional das zonas de risco, incluindo, designadamente, a previsão de normas e instruções de trabalho.Relativamente ao tempo de exposição a radiações ionizantes, sempre que se mostrar necessário para manter os níveis de exposição abaixo dos limites es-

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tabelecidos, deverão ser limitados os tempos de exposição ou permanência da pessoa em zonas controladas.A vigilância da saúde no domínio das radiações ionizantes será assegurada por médicos diplomados em Medicina do Trabalho, que, para os casos dos trabalhadores da categoria A e para as situações de vigilância especial, deverão possuir formação específica, reconhecida pela Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde primários. Os médicos com formação específica exercerão as suas funções com plena autonomia técnica, mesmo nas situações em que, nos termos do Regulamento dos Serviços Médicos do Trabalho das Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 512, de 25 de Janeiro de 1967), haja sido designado outro médico para desempenhar as funções de médico-chefe, salvo se este tiver, ele próprio, essa formação. A entidade responsável pela instalação deverá, antes da entrada em função dos trabalhadores, submetê-los a exame médico para avaliação das suas condições físicas e psíquicas. O controlo médico deve assegurar desde o início a compatibilidade entre a saúde dos trabalhadores e as tarefas que lhe estão destinadas, levando sempre em linha de conta as condições de exposição existentes, no momento e no pas-sado, e a associação com substâncias químicas tóxicas ou outras que impliquem um risco potencial para a saúde. A Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, ouvida a CNPCR, distribuirá aos médicos uma lista indicativa dos critérios que devem ser tidos em conta para avaliar a aptidão do trabalhador à exposição a radiações ionizantes.

3. VALorES LImITE DE DoSE

Os limites de dose para os trabalhadores profissionalmente expostos e para os membros do público, considerados individualmente, são os que constam do Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril. Para a determinação das doses totais levar-se-ão em consideração as fontes de radiações internas e externas, não devendo, no entanto, para esse efeito, ser consideradas as doses devidas ao fundo radioactivo natural nem as devidas a exames ou tratamentos médicos. A Direcção-Geral dos Cuidados de saúde Primários, ouvida a CNPCR, deverá proceder à regulamentação de todas as situações, técnicas e administrativas, controláveis em que a exposição se deve submeter aos limites de dose ou a outras medidas especiais.Como já foi mencionado anteriormente, as radiações ionizantes são as radiações constituídas por fotões ou partículas capazes de determinar a formação de iões, directa ou indirectamente. Na tabela 1 estão representados alguns nomes e símbolos de elementos quí-micos que apresentam propriedades radioactivas, conforme consta do Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril.

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Tabela 1: Lista de alguns elementos radioactivos.

Símbolo Número atómico Nome

Ac 89 Actínio Am 95 Amerício Er 68 Érbio Ho 67 Hólmio Md 101 Mendelvévio Nb 41 Nióbio Os 76 ósmio Po 84 Polónio Ra 88 Rádio Ru 44 Ruténio Sb 51 Antimónio Ta 73 Tântalo Tm 69 Túlio U 23 Vanádio

Também neste diploma legal está estipulado o limite de dose para os diferentes elementos que apresentam propriedades radioactivas.Quanto à sinalização de segurança, que também está representado no anexo V do Decreto Regulamentar n.º9/90, de 19 de Abril, esta é de primordial importância, de forma a contribuir para a irradicação de sinistralidade laboral e de doenças profissio-nais. Os seus efeitos positivos estendem-se não apenas aos trabalhadores e operadores, através da sua correcta utilização nos locais de trabalho, mas também aos terceiros que Têm acesso a esses locais. Assume ainda a sinalização de segurança especial importância quando se trata da protecção contra o perigo das radiações, pois que a sua acção nociva sobre o organismo humano vastas vezes não produzem efeitos biológicos imediatamente perceptíveis pelo indivíduo vítima de exposição ou contaminação.

4. CoNCLuSÕES

Na prossecução da observância da saúde e bem estar do Homem e do meio ambiente, existe uma vasta panóplia de normas e legislação sobre radiações ionizantes, tendentes a assegurar uma eficaz protecção das pessoas expostas. Continua a ser entendido que é atribuição do Ministério da Saúde a respon-sabilidade pelo desenvolvimento das acções genéricas na área da protecção

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contra radiações, cabendo à Direcção-Geral de Saúde a coordenação de medidas destinadas a assegurar em todo o território nacional a protecção das pessoas e bens contra os efeitos deletérios da exposição a radiações.O presente artigo apenas abordou algumas das questões fundamentais sobre a exposição a radiações ionizantes, princípios gerais de prevenção, responsabili-dade dos trabalhadores e vigilância médica. Para além do Ministério da Saúde, também o Ministério do Ambiente e o Ministério do Trabalho têm produzido um vasto acervo jurídico, muitas vezes resultantes da transposição para a ordem jurídica interna as Directivas Comunitárias, no campo da protecção contra as radiações ionizantes, fomentando, assim, uma cultura preventiva em termos de segurança e saúde do trabalho (SST).Para além das radiações ionizantes, também existe acervo jurídico sobre radiações não-ionizantes e radiações ópticas, que serão devidamente tratadas num posterior artigo.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrÁFICAS

Decreto-Lei n.º 348/89, “Estabelece normas e directivas de protecção contra as radiações ionizantes”, DR 235/89 Série I, de 12 de Outubro de 1989.

Decreto Regulamentar n.º 9/90, “Estabelece a regulamentação das normas e directivas de protecção contra as radiações ionizantes”, DR 91/90 Série I, de 19 de Abril de 1990.

Decreto Regulamentar n.º 3/92, “Altera o Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril, relativo à protecção contra radiações ionizantes”, DR 55/92 Série I-B, de 6 de Março de 1992.

Decreto Regulamentar n.º 34/92, “Estabelece normas sobre segurança e protecção radiológica aplicáveis na extracção e tratamento de minérios radioactivos”, DR 280/92 Série I-B, de 4 de Dezembro de 1992.

Decreto-Lei n.º 36/95, “Transpõe para o direito interno a Directiva n.º 89/618/EURATOM relativa à informação da população sobre medidas de protecção sanitária aplicáveis em caso de emergência radiológica”. DR 38/95 Série I-A, de 14 de fevereiro de 1995.

Decreto-Lei n.º 138/96, “Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/3/EURATOM, do Conselho, de 3 de fevereiro de 1982, e estabelece as regras a que devem obedecer a transferência e o reenvio de resíduos radioactivos entre Portugal e os restantes estados membro da Comunidade e entre Portugal e Estados terceiros, bem como o trânsito por Portugal dos resíduos dessa natureza, desde que os mesmos excedam, em quantidade e concentração, os valores fixados no anexo II do Decreto Regulamentar n.º 9/90, de 19 de Abril”, DR 188/96 Série I-A. De 14 de Agosto de 1996.

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Decreto-Lei n.º 153/96, “Cria regras destinadas à protecção das pessoas e do ambiente contra os riscos derivados da utilização de fontes radioactivas seladas”, DR 201/96 Série I-A, de 30 de Agosto de 1996.

Decreto Regulamentar n.º 29/97, “Transpõe para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 90/641/EURATOM, do Conselho, de 4 de Dezembro, e estabelece o regime de protecção dos trabalhadores de empresas externas que intervêm em zonas sujeitas a regulamentação com vista à protecção contra radiações ionizantes”, DR 173/97 Série I-B, de 29 de Julho de 1997.

Decreto-Lei n.º 311/98, “Estabelece normas relativas à orgânica do sector da protecção radiológica e segurança nuclear”, DR 237/98 Série I-A, de 14 de Outubro de 1998.

Decreto-Lei n.º 492/99, “Aprova o regime jurídico do licenciamento e da fisca-lização do exercício das actividades desenvolvidas em unidades de saúde privadas que utilizem, com fins de diagnóstico, terapêutica e de prevenção, radiações ionizantes, ultra-sons ou campos magnéticos”, DR 268/99 Série I-A, de 17 de Novembro de 1999.

Decreto-Lei n.º 240/2000, “Altera o Decreto-Lei n.º 492/99, de 17 de Novembro, que aprova o regime jurídico do licenciamento e fiscalização das unidades de saúde privadas que desenvolvam actividades de radiodiagnóstico, de radio-terapia e de medicina nuclear”, DR Série I-A, de 26 de Setembro de 2000.

Decreto-Lei n.º 165/2002, “Estabelece a competência dos organismos intervenientes na área de protecção contra radiações ionizantes, bem como os princípios gerais de protecção, e transpõe para a ordem jurídica interna as disposições correspondentes da Directiva n.º 96/29/EURATOM, do Conselho, de 13 de Maio, que fixa as normas de base de segurança relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes”, DR 163/2002 Série I-A, de 17 de Julho de 2002.

Decreto-Lei n.º 167/2002, “Estabelece o regime jurídico relativo ao licencia-mento e ao funcionamento das entidades que desenvolvem actividades nas áreas de protecção radiológica e transpõe para a ordem jurídica interna disposições relativas às matérias de dosímetria e formação, da Directiva n.º 96/29/EURATOM, do Conselho, de 13 de Maio de 1996, que fixa as normas de base de segurança relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes”, DR 164 Série I-A, de 18 de Julho de 2002.

Decreto-Lei n.º 174/2002, “Estabelece as regras aplicáveis à intervenção em casos de emergência radiológica, transpondo para a ordem jurídica in-terna as disposições do título IX, “intervenção”, da Directiva n.º 96/29/EURATOM, do Conselho, de 13 de Maio, que fixa as normas de base de segurança relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores

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contra os perigos resultantes das radiações ionizantes”, DR 170 Série I-A, de 25 de Julho de 2002.

Decreto-Lei n.º 180/2002, “Estabelece as regras relativas à protecção da saú-de das pessoas contra os perigos resultantes de radiações ionizantes em exposições radiológicas médicas e transpõe para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 97/43/EURATOM, do Conselho, de 30 de Junho, que aproxima as disposições dos Estados-Membros sobre a matéria”, DR 182 Série I-A, de 8 de Agosto de 2002.

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João Paulo Sousa a, 1

a Departamento de Ciências Exactas, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

The exposition of workers and the population in general to optical radiations (of non-ionizing nature) are dangerous to health related diseases as well as for the well being to those who contact to such physical agent. Due to its specifi-city, the Law nº. 25/2010, august 30th, stipulates a new juridic regime for the exposition of optical radiations where are described the general principles of prevention, exposure limit values (ELV) and health surveillance. The determi-nation of ELV implies to have reliable knowledgement for the implementation of appropriate preventive measures and health surveillance. This Law is a powerful tool to promote safety and health at work (SHw) and for the well being of the whole population.

Key Words: Optical radiations, Legislation and SHw.

rESumo

A exposição dos trabalhadores e da população em geral a radiações ópticas (de natureza não ionizante) são nocíveis para a saúde dos trabalhadores e para o bem estar de todos aqueles que, directa ou indirectamente, contactam com este tipo de agente físico. Dada a sua especificidade, a Lei n.º 25/2010, de 30 de Agosto, veio estabelecer um novo regime jurídico para a exposição a radiações ópticas, preconizando os princípios gerais de prevenção, valores limite de expo-sição (VLE) e vigilância da saúde. O cálculo e determinação dos VLE exigem

radiaÇõEs óPtiCas

1 Contactos: Email - [email protected], Tel. - +351 21 498 56 60 (ext. 412683)Recebido em 11 Janeiro 2012 / Aceite em 23 fevereiro 2012

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conhecimentos técnicos especializados, mas que cujo o cálculo constituí uma mais valia para apoiar na implementação de medidas preventivas adequadas e para a vigilância da saúde. Esta Lei veio fomentar a promoção da segurança e saúde nos locais de trabalho e na população em geral.

Palavras-Chave: Radiações ópticas, legislação, SST

1. INTroDuÇÃo

As radiações possuem a característica de ao incidirem sobre a matéria, pro-vocarem a sua destruição. As radiações pertencem a duas categorias: i) não ionizantes; ii) e ionizantes (Sousa, 2011).De acordo com o estipulado na Lei n.º 25/2010, de 30 de Agosto, entende-se por radiação óptica, a radiação electromagnética na gama de comprimento de onda (λ) entre 100 nm e 1 mm, cujo espectro se divide em: i) “radiação ul-travioleta”, toda a radiação óptica com λ entre 100 nm e 400 nm, cuja região ultravioleta se divide em UVA (315 nm – 400 nm), UVB (280 nm – 315 nm) e UVC (100 nm – 280 nm); ii) “radiação visível”, a radiação óptica com λ entre 380 nm e 780 nm; iii) “radiação infravermelha”, a radiação óptica com λ entre 780 nm e 1 mm, cuja região infravermelha se divide em IVA (780 nm – 1400 nm), IVB (1400 nm – 3000 nm) e IVC (3000 nm – 1 mm). A tabela 1 representa uma esquematização do tipo de radiações ópticas.

Tabela 1: Classificação das radiações ópticas.

As radiações ópticas têm também, à semelhança de outros agentes físicos e químicos, Valores Limite de Exposição (VLE) definidos, apresentados em anexo à Lei 25/2010 de 30 de Agosto.Esta Lei veio estabelecer as prescrições mínimas para a protecção dos trabalhadores contra os riscos para a saúde e a segurança devidos à exposição, durante o trabalho,

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a radiações ópticas de fontes artificiais, transpondo a Directiva n.º 2006/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Abril, relativa às prescrições míni-mas de saúde e segurança em matéria de exposição dos trabalhadores aos riscos devidos aos agentes físicos (radiação óptica artificial). Esta Lei, aplica-se a todas as actividades dos sectores privado, cooperativo e social, da Administração Pública central, regional e local, dos institutos públicos e das demais pessoas colectivas de direito público, bem como a trabalhadores por conta própria.No que concerne à vigilância da saúde, sem prejuízo das obrigações gerais em matéria de saúde no trabalho, compete à entidade empregadora assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores, com vista à prevenção de eventuais riscos para a saúde a longo prazo e de contracção de doenças crónicas e ao diagnóstico precoce de qualquer efeito adverso para a saúde, resultantes da exposição a radiações ópticas artificiais. Para o caso em que um trabalhador que tenha estado exposto a radiações ópticas artificiais superio-res aos valores limite de exposição ou cujo resultado da vigilância da saúde revelar que sofre de doença ou afecção resultante da exposição a radiações ópticas artificiais no local de trabalho, a entidade empregadora tem de as-segurar a realização de exames médicos adequados a essas situações. O não cumprimento das medidas preconizadas para assegurar a vigilância da saúde por parte da entidade empregadora, constitui uma contra-ordenação grave em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho (SST).

1.1. Conceitos Fundamentais

De acordo com o estipulado na Lei n.º 25/2010, de 30 de Agosto, entende-se por:• “Exposição radiante (H)” o integral da irradiância em ordem ao tempo,

expresso em Jm-2;• “Irradiância (E) ou densidade de potência” o poder radiante incidente por

unidade de superfície sobre uma superfície, expressa em wm-2;• “Laser (amplificação de luz por emissão estimulada de radiação” como

sendo qualquer dispositivo susceptível de produzir ou amplificar uma ra-diação electromagnética na gama de λ da radiação óptica, essencialmente pelo processo de emissão estimulada controlada;

• “Nível” a combinação de irradiância, exposição radiante e radiância a que o trabalhador está exposto;

• “Radiação laser” a radiação óptica proveniente de um laser;• “Radiação não coerente” a radiação óptica, com excepção da radiação laser;• “Radiação óptica” a radiação electromagnética na gama de λ entre 100 nm e 1

mm, cujo espectro se divide nas categorias já mencionada no tópico anterior;

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• “Radiância (L)” como sendo o fluxo radiante ou a potência de saída por unidade de ângulo sólido por unidade de superfície, expressa em wm-2sr-1.

1.2 Princípios Gerais de Avaliação de Risco

Para além dos princípios gerais de prevenção de riscos profissionais consagrados em legislação específica sobre SST, para o caso específico das radiações ópti-cas, a Lei n.º 25/2010, de 30 de Agosto, preconiza um conjunto de princípios gerais de avaliação de ricos, conforme a seguir se enuncia.• Em actividades susceptíveis de apresentar riscos de exposição a radiações

ópticas de fontes artificiais, a entidade empregadora avalia e, se necessário, mede ou calcula os níveis de radiações ópticas a que os trabalhadores possam estar expostos e, sendo caso disso, identifica e aplica medidas que reduzem a exposição de modo a não exceder os limites aplicáveis.

• A avaliação, a medição e o cálculo dos níveis de radiações são efectuadas de acordo com: i) as normas da Comissão Electrónica Internacional (CEI) no que respeita a radiações laser; ii) as recomendações da Comissão Inter-nacional da Iluminação (CII) e do Comité Europeu de Normalização (CEN) no que respeita às radiações não coerentes.

• Em caso de exposição não abrangida pelas normas e recomendações referidas anteriormente, a avaliação, a medição e o cálculo são efectuados de acordo com directrizes nacionais ou internacionais disponíveis e cientificamente fundamen-tadas, até que sejam adoptadas normas ou recomendações da União Europeia.

• A avaliação, a medição ou o cálculo dos níveis de radiação pode ter em consideração as informações prestadas pelo fabricante do equipamento, no caso de estar abrangido por regulamentação comunitária.

• A medição e o cálculo das radiações ópticas são planeados e efectuados por entidade reconhecida pelo Instituto Português de Acreditação, I.P., com conheci-mentos teóricos e práticos e experiência suficiente para realizar ensaios, incluindo a medição dos níveis de exposição a radiações ópticas de fontes artificiais.

• Constitui contra-ordenação muito grave a violação destes princípios gerais de avaliação de riscos.

1.3 Avaliação de Riscos

Para o caso de trabalhadores expostos a radiações ópticas, a Lei n.º 25/2010, de 30 de Agosto, estipula os requisitos a que devem obedecer a avaliação de riscos, conforme o preceituado abaixo.• Em actividades susceptíveis de apresentar riscos de exposição a radiações

ópticas de fontes artificiais, a entidade empregadora avalia os riscos tendo em consideração, nomeadamente:- O nível, a gama de λ e a duração da exposição;

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- Os VLE apresentados no tópico seguinte;- Os efeitos sobre a segurança e saúde de trabalhadores particularmente

sensíveis aos riscos a que estão expostos;- Os eventuais efeitos sobre a segurança e saúde dos trabalhadores re-

sultantes de interacção no local de trabalho entre radiações ópticas e substâncias químicas fotosensibilizantes;

- Os efeitos indirectos, nomeadamente cegueira temporária, explosão ou incêndio;- A existência de equipamentos de substituição concebidos para reduzir os

níveis de exposição a radiações ópticas de fontes artificiais;- As informações adequadas resultantes da vigilância da saúde, incluindo

informação publicada;- As fontes múltiplas de exposição a radiações ópticas artificiais;- A classificação atribuída ao laser, em conformidade com a norma CEI

pertinente, ou qualquer classificação semelhante no caso de fonte artificial susceptível de causar danos similares aos de um laser de classe 3B ou 4;

- As informações prestadas pelos fabricantes de fontes de radiações ópticas e de equipamento de trabalho associado, de acordo com a legislação aplicável.

• A avaliação de riscos deve ser registada em suporte de papel ou digital e, se a natureza e a dimensão dos riscos relacionados com as radiações ópticas de fontes artificiais não justificarem uma avaliação mais pormenorizada, conter uma justificação do empregador.

• A avaliação de riscos é actualizada sempre que haja alterações significativas que a possam desactualizar ou o resultado da vigilância da saúde justificar a necessidade de nova avaliação.

• Sempre que sejam ultrapassados os VLE, a periodicidade mínima da ava-liação de riscos é de um ano.

• É considerado contra-ordenação muito grave a violação da avaliação de riscos.

1.4 Redução da Exposição

A Lei n.º 25/2010, de 30 de Agosto, preconiza um conjunto de medidas con-ducentes à redução da exposição.• A entidade empregadora utiliza todos os meios disponíveis para eliminar

na origem ou reduzir ao mínimo os riscos de exposição dos trabalhadores a radiações ópticas de fontes artificiais, de acordo com os princípios gerais de prevenção legalmente estipulados.

• Se o resultado da avaliação de riscos indicar que os VLE foram ultrapassados, o empregador aplica medidas técnicas ou organizativas que reduzam ao minímo a exposição dos trabalhadores e assegurem que aqueles valores não são ultrapassados.

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• As medidas técnicas de prevenção, englobam: i) a utilização de métodos de trabalho alternativos que permitam reduzir a exposição; ii) a escolha de equi-pamento em função do trabalho a realizar que emita menos radiações ópticas; iii) a aplicação de medidas que reduzem as emissões de radiações ópticas, incluindo, se necessário, encravamentos, blindagens ou mecanismos semelhantes de prevenção da saúde; iv) a aplicação de programas adequados da manu-tenção do equipamento, do local e dos postos de trabalho; v) a concepção e disposição dos locais e postos de trabalho; vi) a organização do trabalho com limitação da duração e nível de exposição; vii) a utilização de equipamentos de protecção individual (EPI) adequados; viii) as instruções do fabricante do equipamento, no caso de este estar abrangido por regulamentação ncomunitária.

• Os locais de trabalho onde os trabalhadores possam estar expostos a níveis de radiações ópticas de fontes artificiais superiores aos VLE são sinaliza-das de acordo com a legislação aplicável à sinalização de SST, bem como delimitados e de acesso restrito sempre que tal seja tecnicamente possível.

No que concerne à informação, consulta e formação dos trabalhadores, sem pre-juízo do disposto na legislação geral em matéria de informação e formação, o empregador assegura aos trabalhadores expostos aos riscos resultantes de radiações ópticas de fontes artificiais, assim como aos seus representantes para a SST, a informação e formação adequada sobre: i) riscos potenciais para a segurança e saúde derivados da exposição a radiações ópticas durante o trabalho; ii) VLE e potenciais riscos associados; iii) resultados das avaliações e das medições e dos cálculos dos níveis de exposição a radiações efectuadas de acordo com o estipulado em legislação específica, acompanhados de uma explicação do seu significado e do risco potencial que representam; iv) utilidade e forma de detectar e notificar os efeitos negativos para a saúde resultantes da exposição; v) situações em que os trabalhadores têm direito à vigilância da saúde; vi) práticas de trabalho seguras que minimizem os riscos de exposição; vii) utilização correcta dos EPI adequados.A informação deve, tendo em conta o resultado da avaliação, ser prestada de forma adequada, oralmente ou por escrito, nomeadamente através de forma-ção individual dos trabalhadores, e ser periodicamente actualizada de modo a incluir qualquer alteração verificada. O empregador assegura a informação e a consulta dos trabalhadores e dos seus representantes para a SST sobre a aplicação das disposições legislativas, designadamente sobre a avaliação dos riscos e as medidas a tomar para reduzir a exposição.

2. VALorES LImITE DE EXPoSIÇÃo

O resultado da medição da exposição de um trabalhador a radiações ópticas deverá ser comparado com valores de referência designados por Valores Limite de Exposi-ção (VLE). Estes VLE são estabelecidos em função do resultado de estudos sobre

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saúde e em considerações biológicas existentes, que garantam aos trabalhadores expostos a radiações ópticas de fontes artificiais, a protecção contra os efeitos no-civos conhecidos para a saúde e que não podem, em caso algum, ser ultrapassados.A observância dos VLE deverá proporcionar um elevado nível de protecção no que se refere aos efeitos sobre a saúde que podem resultar da exposição a radiações ópticas.Os valores de exposição à radiação óptica relevantes de um ponto de vista biofísico podem ser determinados utilizando as fórmulas mencionadas nos anex os I e II da Lei 25/2010 sendo depois comparados com os VLE também ai apresentados, sendo que para uma dada fonte de radiação óptica pode haver mais que um valor limite de exposição.Os órgãos mais afectados pela exposição às radiações ópticas são a pele e o olho, daí os VLE definidos o serem para estes dois órgãos.Os VLE são apresentados relativamente à radiação óptica não coerente (radiação óptica com excepção da laser) e relativamente à radiação laser sendo que, para esta, são considerados diferentes VLE, a saber, exposição do olho, curta duração (tempo inferior a 10 segundo), exposição do olho, longa duração (tempo igual ou superior a 10 segundo) e exposição da pele.Atendendo à multiplicidade de valores existentes, apresentam-se apenas a título exemplificativo alguns deles, nas tabelas 2 a 5, para cada uma das exposições acima indicadas.Refira-se que a Lei 25/2010 apresenta ainda, em anexo, um conjunto de outras tabelas e informação necessária ao cálculo de determinados parâmetros.

Tabela 2: Valores limite de exposição para radiação óptica não coerente.

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Tabela 3: Valores limite de exposição para radiações laser - Exposição de curta duração < 10 s.

*Consultar Lei 25/2010

Tabela 4: Valores limite de exposição para radiações laser - Exposição de longa duração ≥ 10 s.

Tabela 5: Valores limite de exposição para Exposição da pele ao laser.

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3. VIGILÂNCIA DA SAÚDE

Como já foi mencionado anteriormente, as radiações ópticas são prejudiciais para todos aqueles que a elas estão expostos. Por isso, sem prejuízo das obrigações gerais em matéria de SST, a entidade empregadora deve assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores, com vista à prevenção de eventuais riscos para a saúde a longo prazo e de contração de doenças crónicas e ao diagnóstico precoce de qualquer efeito adverso para a saúde, resultantes da exposição a radiações ópticas artificiais. No caso de trabalhador que tenha estado exposto a radiações ópticas artificiais superiores aos VLE ou cujo resultado da vigilância da saúde revelar que sofre de doença ou afecção resultante da exposição a ra-diações ópticas artificiais no local de trabalho, a entidade empregadora assegura a realização de exames médicos adequados a essas situações.Se a vigilância da saúde revelar efeitos adversos para a saúde do trabalhador, compete ao médico do trabalho informar o trabalhador do resultado e prestar-lhe informações e recomendações sobre a vigilância da saúde a que deva submeter-se, terminada a exposição. Compete também a este profissional de saúde comunicar ao empregador o resultado da vigilância da saúde com inte-resse para a prevenção de riscos, sem prejuízo do sigilo profissional a que se encontra vinculado.O empregador, sempre que ocorra risco de exposição a radiações ópticas de fontes artificiais, deve: i) repetir a avaliação de riscos; ii) rever as medidas adoptadas para eliminar ou reduzir o risco; iii) aplicar as medidas necessárias, com base no parecer do médico do trabalho, para eliminar ou reduzir os riscos; iv) promover a vigilância contínua da saúde e assegurar o exame de saúde de qualquer outro trabalhador que tenha estado exposto de forma idêntica, nome-adamente a realização de exames médicos adequados. No caso do trabalhador exposto a radiações ópticas artificiais superiores aos VLE, devem ser tomadas as medidas anteriormente descritas. O trabalhador tem acesso, a seu pedido, ao registo de saúde que lhe diga respeito. A não vigilância da saúde, constitui uma contra-ordenação grave.

4. CoNCLuSÕES

Com a publicação, em 2006, da Directiva 2006/25/CE do Parlamento Europeu e uma vez já aprovadas as directivas sobre ruído, vibrações e campos elec-tromagnéticos, encerrou-se o bloco legislativo destinado a regular a exposição dos trabalhadores aos agentes físicos.A transposição daquela directiva para o normativo interno português foi feita através da Lei 25/2010, de 30 de Agosto, sendo estabelecidas disposições

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mínimas para proteger os trabalhadores contar os riscos para a sua saúde deri-vados da exposição a radiações ópticas de origem artificial, bem como VLE’s cujo cumprimento garantirá que os trabalhadores expostos a fontes artificiais de radiação óptica, estão protegidos contra todos os efeitos adversos para a saúde, que se conhecem.A este tipo de radiações podem estar expostos trabalhadores que desenvolvem a sua actividade como soldadores, sopradores de vidro, ou em trabalhos com laser, de esterilização UV, de limpeza de circuitos impressos, entre outros.Em termos de danos para a saúde, os mesmos ocorrem essencialmente em órgãos como a pele e os olhos podendo levar a conjuntivites, cataratas, lesões na retina, cancro de pele, eritemas, envelhecimento prematuro da pele.Assim, as entidades empregadoras têm determinadas obrigações como sejam a avaliação de riscos, a sua redução, a vigilância da saúde dos trabalhadores e a sua formação e informação, contempladas na Lei sobre a qual incidiu este artigo.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrÁFICAS

Sousa, J.P. (20/2). Radiações ionizantes. Revista Proelium, FALTA NÚMERO, fALTAM PáGINAS.

Lei n.º 25/2010, “Estabelece as prescrições mínimas para protecção dos traba-lhadores contra os riscos para a saúde e a segurança devidos à exposição, durante o trabalho, a radiações ópticas de fontes artificiais, transpondo a Directiva n.º 2006/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril”, DR 1ª. Série, 168, de 30 de Agosto de 2010.

Silverthon, D.E. (2001). (2ª Ed.). New Jersey: Prentice-Hall. www.insht.es

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normas Para PubliCaÇÃo na rEvista ProElium

1. NormAS GErAIS

1.1 A PRoELiuM é uma revista de divulgação científica para todos os investigado-res (autores) nacionais e internacionais submeterem comunicações e trabalhos de investigação originais.

1.2 A PRoELiuM caracteriza-se por uma revista de “banda larga”, e aceita comuni-cações e trabalhos de investigação originais das diferentes áreas científicas que possam contribuir para a Defesa e Segurança de uma forma geral.

1.3 As comunicações e os trabalhos de investigação originais são submetidos, OBRIGA-TORIAMENTE, por via electrónica para [email protected]. Confirmar-se-á a recepção, indicando se respeitam ou não as exigências de formato. Os autores não devem considerar que o artigo foi recebido até confirmação da recepção.

1.4 Cada artigo é revisto, pelo menos, por dois revisores.

1.5 A notificação do resultado é efectuada por correio electrónico ao autor principal (primeiro) do artigo. As notificações de recusa vão acompanhadas da folha de avaliação realizada pelos revisores e editor.

1.6 Em cada número da PRoELiuM, um investigador só aparece uma vez como autor principal.

1.7 Os artigos não devem exceder as 30 páginas A4 ou 15 000 palavras, incluindo abs-tract, resumo, notas de rodapé, quadros, gráficos, figuras e referências bibliográficas.

1.8 Os autores devem enviar as figuras (imagens, gráficos e quadros) devidamente inseridas no texto e elaborar uma “pasta” com as imagens, gráficos e quadros devidamente identificadas e em formato JPEG ou TIF.

1.9 Os artigos devem ser acompanhados de um resumo (300 palavras) e abstract (300 palavras), indicação das palavras-chave (5 palavras) e curriculum vitae (CV) re-sumido (75 palavras) do(s) autor(es)1.

2. NormAS DE rEDACÇÃo

2.1 Devem ser consideradas como referência para a elaboração dos artigos as seguin-tes indicações: texto em formato Microsoft Word 2007 ou anterior e justificado; tipo de letra – Times New Roman 12 e espaçamento entre linhas – 1.5; notas de rodapé – Times New Roman 10 e espaçamento entre linhas 1.

NORMAS PARA PUBLICAçãO NA REVISTA CIENTÍfICA PROELIUM

1 Grau Académico ou Posto (para militares); disciplinas ministradas na Academia Militar ou noutro Estabe-lecimento de Ensino Superior; CV resumido.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

2.2 O primeiro parágrafo inclui o título do artigo, letra Times New Roman, 12, maiús-culas, negrito, antes 0 e depois 3 pontos, e justificado à direita.

2.3 Inserir um espaço (uma linha em branco): tipo de letra – Times New Roman 12, justificado, espaçamento entre linhas 1, e antes 0 e depois 3 pontos.

2.4 Depois de inserir um espaço (uma linha em branco), inicia-se o segundo parágrafo: tipo de letra – Times New Roman 12, justificado, espaçamento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos. O segundo parágrafo inclui o nome do(s) autor(es), departamento, instituição, morada, país.

Exemplo 1: autores da mesma instituição.

Nome primeiro autor a1, nome segundo autor a, nome terceiro autor a

a Instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

Exemplo 2: autores de instituições diferentes.

Nome primeiro autor a1, nome segundo autor b, nome terceiro autor c

a Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

b Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

c Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

informação em nota de rodapé

1 Contacto do primeiro autor – Tel.: número de telefone.

Email: [email protected] (primeiro autor); [email protected] (segundo autor); [email protected] (terceiro autor).

2.5 Depois de um espaço em branco (uma linha em branco), inicia-se o terceiro pa-rágrafo com a palavra “ABSTRACT”, letra Times New Roman 12, maiúsculas, negrito, centrado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. Na linha seguinte começa-se o texto do abstract com letra Times New Roman, 12, normal, justificado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. O abstract não deve ultrapassar as 300 palavras. Incluir até 5 palavras-chave.

2.6 Depois de um espaço em branco (uma linha em branco), inicia-se o quarto pará-grafo com a palavra “RESUMO”, letra Times New Roman 12, maiúsculas, negrito, centrado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. Na linha seguinte começa-se o texto do abstract com letra Times New Roman, 12, normal, justificado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. O resumo não deve ultrapassar as 300 palavras. Incluir até 5 palavras-chave.

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normas Para PubliCaÇÃo na rEvista ProElium

2.7 Após um espaço em branco, colocar-se a primeira secção e em continuação o texto, que deve ser redigido com letra Times New Roman, 12, normal, sem tabulações, justificado.

2.8 As secções do texto deverão ser identificadas com numeração árabe (1,2,3..), Times New Roman 12, maiúsculas, justificadas à esquerda, espaçamento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos. Devem ser utilizadas, apenas, três níveis.

Exemplo:

1. SECÇÃo NÍVEL 1

1.1 Secção Nível 2

1.1.1 Secção nível 3

2. CoNCLuSÕES

2.9 As notas de rodapé de página figurarão no final de cada página com letra Times New Roman, 10, normal, justificado e espaçamento simples.

2.10 As palavras “REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS” figuram no final do texto em letra Times New Roman 12, maiúscula, negrito, justificadas à esquerda, espaça-mento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos.

2.11 Os gráficos, figuras e tabelas (preto e branco) são inseridos no texto. Preferencial-mente devem fazer-se com aplicações do Microsoft Office, ou alternativamente, inserem-se como imagens. Num ficheiro à parte devem ser enviadas as figuras, gráficos e tabelas com uma resolução de 300 dpi.

2.12 A revista PRoELiuM adoptou a Norma Portuguesa (NP 405-1) do Instituto Por-tuguês da Qualidade, homologada no Diário da República, III Série, N.º 128 de 03 de Junho, de 1994. A revista PRoELiuM, também, aceita artigos em Norma APA Havard.

2.13 De acordo com a NP 405-1, as citações e referências a autores no texto devem ser efectuadas do seguinte modo:

• (autor, data) quando se referem à ideia; (autor, data, página/s) quando citam o autor;

• Se houver referências a mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, serão diferenciadas por uma letra minúscula a seguir à data - (Bastos, 2002a), (Bastos, 2002b);

• Quando a obra ou artigo tiver dois autores - (Bastos e Almeida, 2002);

• Quando a obra ou artigo tiver três ou mais autores - (Bastos et al, 2002).

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

2.14 As notas de rodapé devem conter informações complementares de natureza subs-tantiva.

2.15 As referências bibliográficas devem ser colocada no final do artigo e contém apenas a lista das referências feitas no texto, ordenadas alfabeticamente e, por ordem cronológica crescente para referências do mesmo autor.

Exemplos  bibliográficos: 

• Livros

wRIGHT, Quincy (1942). A Study of War, The University Chicago Press, Chi-cago, Estados Unidos da América.

CARDOSO, Cristóvão e ALMEIDA, Manuel (2002). Trânsitos coloniais: diálogos críticos luso-brasileiros, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.

HENRIQUES et al (1999). Educação para a Cidadania, Plátano Editora, Lisboa.

• Artigos em revistas

CABRAL, Mário (2003). “O exercício da cidadania política em perspectiva histórica (Portugal e Brasil)”, in Vários, Revista Brasileira de Ciências Sociais, N.º 51, Volume 3, Janeiro, p. 31-60 [indicar as páginas do artigo].

• instituições

MDN (1998). Cooperação Técnico-Militar com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: relatório de actividades de 1998, Ministério da Defesa Na-cional, Lisboa.

• Artigos em Revistas on-line

HIDI, Samuel (2006). “Interest: a unique motivational variable”, in Vários, Edu-cational Research Review, n.º 2, p. 69-82. Internet: http://www.sciencedirect.com, consultado em [dia, mês e ano].

• Documentos on-line

wEDGEwORTH, Richard (2005). State of Adult Literacy. Internet: http://www.proliteracy.org/downloads, consultado em [dia, mês e ano].

• Artigos de Jornais

GEADA, Eduardo (1987). “O espaço aberto da filosofia e do saber”, in A Capital, 19 de Novembro, p. 9.

• Legislação

DECRETO-LEI n.º 192/89. D.R I Série, 131 (89-06-08), 2254-2257.

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