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PROF. CLODOVIL MOREIRA SOARES DISCIPLINA: DIREITO PROCESSUAL PENAL I 5º. SEMESTRE CAMPUS ITABUNA TEMA 1: FUNDAMENTOS DO PROCESSO PENAL 1) Noções gerais sobre a disciplina : A)Delito, pena, Direito penal e Processo penal; B) Jus Puniendi e Jus Persequendi; C) Direito Processual Penal: conceito, características e Objeto; C) O Processo Penal: como complexo de atos e como relação jurídica; 2) O Processo Penal e a Constituição Federal de 1988 ; 3) Princípios Básicos do Processo : 3.1. Conceito da palavra princípio; 3.2. Princípio do devido processo legal; 3.3. Princípio da verdade processual; 3.4. Princípio da publicidade dos atos processuais; 3.5. Princípio contraditório; 3.6. Princípio da imparcialidade do juiz; 3.7. Princípio do estado de inocência; 3.8. favor rei (in dubio pro reo); 3.9. Princípio do promotor natural; 3.10. Princípio da razoabilidade da duração do processo. 4. As fontes do Direito Processual Penal. 5. Interpretação da Lei processual penal . 6. Lei processual no tempo. 7. Lei processual no espaço. ROTEIRO DE ESTUDO 1. NOÇÕES GERAIS DIREITO PROCESSUAL PENAL: A) DELITO, PENA, DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL: O homem é um ser coexistencial, que não pode subsistir por longo tempo independente de qualquer contato; ao oposto, devido à natureza de suas condições existenciais, todas as pessoas dependem do intercâmbio, da colaboração e confiança recíproca. Ao não alcançar sua plenitude isoladamente, está obrigado a manter contato com outros homens. Daí surgiu a Sociedade e o Estado, instituições que exigem uma convivência, uma interação social em pró do bem comum. No entanto, essa convivência [indivíduos/Indivíduos, indivíduos/grupos, indivíduos/Estado, grupos/grupos] implica no surgimento de conflitos de interesses, caracterizados como colisões de atividades entre os diversos membros da comunidade, tais conflitos são administrados pelo Estado que titulariza o poder de penar e suprime a vingança privada, implantando os critérios de justiça. O injusto típico surge quando falha o Direito Penal em sua função de prevenir infrações jurídicas no futuro - função de prevenção – e advém uma conduta humana voluntária, finalisticamente dirigida, que lesiona ou expõe a perigo esses bens e valores reconhecidos e protegidos pelo ordenamento, gerando um juízo de desvalor da ação e também de desvalor do resultado. Esse juízo de desvalor, em última análise, exterioriza-se mediante a aplicação de uma pena (ou medida de segurança) e corporifica a função repressiva do Direito Penal. [AURY LOPES JR.] Mas o Direito Penal é despido de coerção direta e, ao contrário do Direito Privado, não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente. Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido processo penal. A pena não só é efeito jurídico do delito, senão que é um efeito do processo; mas o processo não é efeito do delito, senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo. Por isso, a pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal, posto que se o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, suspensão condicional, etc.) ou se não se desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena. [AURY LOPES JR.]

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PROF. CLODOVIL MOREIRA SOARES

DISCIPLINA: DIREITO PROCESSUAL PENAL I 5º. SEMESTRE – CAMPUS ITABUNA

TEMA 1: FUNDAMENTOS DO PROCESSO PENAL ● 1) Noções gerais sobre a disciplina: A)Delito, pena, Direito penal e Processo penal; B) Jus Puniendi e Jus Persequendi; C) Direito Processual Penal: conceito, características e Objeto; C) O Processo Penal: como complexo de atos e como relação jurídica; 2) O Processo Penal e a Constituição Federal de 1988; 3) Princípios Básicos do Processo: 3.1. Conceito da palavra princípio; 3.2. Princípio do devido processo legal; 3.3. Princípio da verdade processual; 3.4. Princípio da publicidade dos atos processuais; 3.5. Princípio contraditório; 3.6. Princípio da imparcialidade do juiz; 3.7. Princípio do estado de inocência; 3.8. favor rei (in dubio pro reo); 3.9. Princípio do promotor natural; 3.10. Princípio da razoabilidade da duração do processo. 4. As fontes do Direito Processual Penal. 5. Interpretação da Lei processual penal. 6. Lei processual no tempo. 7. Lei processual no espaço.

ROTEIRO DE ESTUDO

1. NOÇÕES GERAIS DIREITO PROCESSUAL PENAL: A) DELITO, PENA, DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL :

O homem é um ser coexistencial, que não pode subsistir por longo tempo independente de qualquer contato; ao oposto, devido à natureza de suas condições existenciais, todas as pessoas dependem do intercâmbio, da colaboração e confiança recíproca. Ao não alcançar sua plenitude isoladamente, está obrigado a manter contato com outros homens. Daí surgiu a Sociedade e o Estado, instituições que exigem uma convivência, uma interação social em pró do bem comum.

No entanto, essa convivência [indivíduos/Indivíduos, indivíduos/grupos,

indivíduos/Estado, grupos/grupos] implica no surgimento de conflitos de interesses, caracterizados como colisões de atividades entre os diversos membros da comunidade, tais conflitos são administrados pelo Estado que titulariza o poder de penar e suprime a vingança privada, implantando os critérios de justiça.

O injusto típico surge quando falha o Direito Penal em sua função de prevenir

infrações jurídicas no futuro - função de prevenção – e advém uma conduta humana voluntária, finalisticamente dirigida, que lesiona ou expõe a perigo esses bens e valores reconhecidos e protegidos pelo ordenamento, gerando um juízo de desvalor da ação e também de desvalor do resultado. Esse juízo de desvalor, em última análise, exterioriza-se mediante a aplicação de uma pena (ou medida de segurança) e corporifica a função repressiva do Direito Penal. [AURY LOPES JR.]

Mas o Direito Penal é despido de coerção direta e, ao contrário do Direito Privado,

não tem atuação nem realidade concreta fora do proc esso correspondente . Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido processo penal. A pena não só é efeito jurídico do delito, senão que é um efeito do processo; mas o processo não é efeito do delito, senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo. Por isso, a pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do processo penal, posto que se o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, suspensão condicional, etc.) ou se não se desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena. [AURY LOPES JR.]

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Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena.

B) JUS PUNIENDI E JUS PERSEQUENDI:

O Estado é o titular exclusivo do direito de punir (para alguns poder-dever de punir). Por meio do jus puniendi, o Estado, visando à concretização do bem comum, tem o direito de punir o autor de determinada conduta delituosa. Este direito estatal, porém, é genérico e impessoal porque não se dirige contra esta ou aquela pessoa, mas destina-se a coletividade como um todo. Assim, no momento em que uma conduta delituosa é cometida, o ius puniendi, até então genérico, concretiza-se, transformando-se em uma pretensão individualizada, dirigida especificamente contra o autor do delito. O Estado, que tinha um poder abstrato, genérico e impessoal, passa a ter uma pretensão concreta de punir determinada pessoa, aplicando a sanctio juris.

Surge, então, um conflito de interesses, no qual o Estado tem a pretensão de punir

o infrator, enquanto este, por imperativo constitucional, oferecerá resistência a essa pretensão, exercitando suas defesas técnica e pessoal. Esse conflito caracteriza a lide penal, que será solucionada através da atuação jurisdicional. Mesmo que o autor não queira resistir á pretensão penal, deverá fazê-lo, pois o estado também tutela o jus libertatis do indigitado autor do crime.

Portanto, o jus puniendi não é ilimitado. Obedece a certos princípios, ditos

limitadores do poder punitivo estatal, como os princípios da Legalidade (Reserva Legal e Anterioridade) e da Irretroatividade da Lei Penal. Com efeito, ao mesmo tempo em que o Estado incrimina um fato, declara que não poderá punir quem não o praticar.

Mas mesmo depois de cometido o delito, não se pode discricionariamente aplicar a

sanção ou pena correspondente. Esta só tem lugar mediante regular processo e julgamento, pois a ação punitiva estatal atinge o status libertatis do indivíduo. Nesse ponto entra o processo penal, como fator indispensável, porquanto visa afastar as arbitrariedades do poder estatal e estabelecer as garantias individuais.

Conseqüentemente, deve o Estado, além do jus puniendi, dispor de outro direito

que vai realizar aquele: é o jus persequendi ou jus persecutionis (direito de ação), que, por assim dizer, realiza o jus puniendi. O jus persequendi, assim como o jus puniendi, trata-se de um direito subjetivo conferido ao Estado, no sentido de promover a perseguição ao autor de um delito. Exterioriza-se, este direito, na chamada persecutio criminis, na qual o Estado-Administração pede ao Estado-Juiz a realização do Direito Penal objetivo no caso concreto. A pretensão punitiva surge, pois, no momento em que o jus puniendi in abstrato se transfigura no jus puniendi in concreto. C) DIREITO PROCESSUAL PENAL: CONCEITO, OBJETO E CAR ACTERISTICAS:

Processo significa “atividade”, “encaminhamento”, “avanço”. Processo, pois, é o conjunto de atos legalmente ordenados para apuração do fato, de sua autoria e da exata aplicação da lei, que se exterioriza por meio da persecutio criminis.

Mas, não se deve confundir processo com procedimento, já que aquele é o

conjunto de atos necessários para o julgamento de uma pretensão pelo Estado-Juiz, enquanto este nada mais é que a direção ou rito utilizado no processo. Consoante Afrânio da Silva Jardim: “procedimento é uma coordenação sucessiva de atos que exteriorizam o processo”, sendo que “O processo cria uma relação entre pessoas (autor, juiz e réu), enquanto o procedimento é uma mera relação entre atos”.

O Direito Processual penal é o ramo do ordenamento jurídico cujas normas

instituem e organizam os órgãos públicos que cumprem a função jurisdicional do Estado e disciplinam os atos que integram o procedimento necessário para a aplicação de uma pena ou medida de segurança. Incumbe ao processo penal, portanto, definir competências, fixar procedimentos e estabelecer as medidas processuais necessárias à realização do direito penal,

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razão pela qual o processo penal nada mais é do que um continuum do direito penal, ou seja, é o direito penal em movimento, e, pois, formam uma unidade. [Paulo Queiroz]

Vê-se que as pessoas que praticam os atos de investigação e os atos de processo,

devem estar devidamente legitimadas para realizar as atividades que se concretizam no procedimento, e devem ter reguladas as relações que entre si mantêm, com a determinação dos direitos, deveres, ônus e obrigações que daí derivam. São, portanto, necessárias às normas que disciplinem a criação, estrutura, sistematização, localização, nomenclatura e atribuição desses diversos órgãos diretos e auxiliares do aparelho judiciário destinado á administração da justiça penal, constituindo-se o que se denomina Organização Judiciária. Na definição de José Frederico Marques, “è o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos au xiliares” .

O Direito Processual Penal constitui uma ciência autônoma no campo da

dogmática jurídica, uma vez que tem objeto e princípios que lhe são próprios. Sua finalidade é conseguir a realização da pretensão punitiva derivada da prática de um ilícito penal, ou seja, a aplicação do direito penal. Tem, portanto um caráter instrumental. Constitui o meio para fazer atuar o direito material penal, tornando efetiva a função deste de prevenção e repressão das infrações penais.

È o Processo Penal uma disciplina normativa, de caráter dogmático. Portanto da

norma jurídica, investiga os princípios, organiza os institutos e constrói o sistema. Seu método é o técnico jurídico, que permite ao jurista extrair de todo o conjunto de regras “Os preceitos aplicáveis a uma situação concreta, não só lhes descobrindo o sentido latente e oculto, como também lhes desenvolvendo os corolários e conseqüências”.

D) O PROCESSO PENAL: COMO COMPLEXO DE ATOS E COMO RELAÇÃ O JURÍDICA (Natureza Jurídica) Com a prática de um ilícito penal, surge um conflito de interesses entre o direito subjetivo de punir do Estado (jus puniendi in concreto) e o direito de liberdade do indigitado autor da infração (jus libertatis). Formada a lide penal, o Estado, por meio dos órgãos competentes, põe-se, inicialmente, a desenvolver intensa atividade investigadora para tornar possível conhecer o genuíno autor da infração penal, bem como para colher as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma, das circunstâncias que o motivaram e daquelas que o envolveram. Esta primeira fase da persecução, embora não integre propriamente o processo, a ele se liga por uma necessidade lógica. Colhidas as primeiras notícias sobre a infração e identificado o seu autor, o estado, já agora representado pelo Ministério Público, leva ao conhecimento do juiz, em petição circunstanciada, a pretensão punitiva, instaurando-se assim, o PROCESSO. Vários atos, com relevância para o processo, sucedem-se, então, de acordo com as regras e formalidades que devem ser observadas: recebimento da denúncia, citação do réu, interrogatório, defesa prévia, ouvida de testemunhas, juntada de documentos, exames periciais (se for o caso) etc. Após o recolhimento de material probatório, o acusador e acusado se manifestam sobre tudo quanto se apurou, e, finalmente, o juiz, já devidamente instruído, profere a sua decisão, dizendo se procede ou improcede a pretensão punitiva. Se procede, impõe ao culpado a sanctio juris. Se improcede, absolve-o. Visto dessa maneira, o processo não passa de uma série de atos visando a aplicação da lei ao caso concreto. Entre o ato inicial, exercício do direito de ação, e a decisão final sobre o mérito, numerosos atos são realizados, de acordo com as regras e formalidades previamente traçadas, e esses atos vão avançando até atingir o ponto culminante do processo, que é a decisão sobre o meritum causae, quando então o juiz dirá se procede ou improcede a pretensão punitiva. Mas o processo não é apenas aquele conjunto de atos coordenados visando ao julgamento da pretensão punitiva. Esta seqüência de atos coordenados, dispostos segundo as regras e formalidades previstas em lei, nada mais representa senão a exteriorização de uma verdadeira relação jurídico-processual. O processo tem o caráter de uma relação jurídica autônoma, eminentemente pública, entre o Estado-juiz e as partes. Trata-se de uma relação

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jurídico processual de natureza triangular, e não linear, envolvendo o Estado-Juiz, o Estado Administração (MP) e o Estado Garantia (Defesa). A relação jurídico-processual é unitária, progressiva e continuativa. Constituída a relação processual percorre várias fases: POSTULATÓRIA, PROBATÓRIA, ALEGAÇÕES E DECISÓRIA. Mesmo havendo recurso a relação processual mantém a sua unidade e estende-se sem perder seu objeto, até que o Estado-juiz, em definitivo, entregue a prestação jurisdicional. É, também, relação autônoma e complexa. Sua autonomia decorre da circunstancia de que a relação jurídico-material, que surge com antagonismo direito de punir versus direito de liberdade, não se confunde coma relação jurídico-processual. Trata-se de relação complexa, porquanto contém, dentro de si, uma série de relações jurídicas: entre autor e juiz, entre Autor e réu e entre réu e juiz. Tais relações são entre si interdependentes e inseparáveis. 2) O PROCESSO PENAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 198 8:

O nosso Código de Processo foi promulgado em 1942, inspirado na legislação processual penal Italiana da década de 30, em pleno regime fascista, o nosso CPP foi elaborado em bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo projeto, Ministro Francisco Campos, conforme se vê da sua Exposição de Motivos.

O princípio fundamental que norteava o CPP era, como se percebe, o da

presunção de culpabilidade, MANZINI, penalista italiano, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois, dizia ele, como justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente? Tal dúvida dar-se quando parte-se do pressuposto de que só o fato da acusação implica juízo de antecipação de culpa.

Se a perspectiva teórica do CPP era nitidamente autoritária, prevalecendo sempre

a preocupação com a segurança pública, a Constituição da República de 1988 caminhou em direção diametralmente oposta.

Enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da

periculosidade do agente, o texto constitucional institui um sistema de amplas garantias individuais, a começar pela afirmação da situação jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória passada em julgado: ninguém poderá ser considerado culpado senão após transito em julgado da sentença condenatória (Art. 5º, LVII). [ PACELLI, 2005]

Em consonância com o contemporâneo Estado Democrático de Direito,

expressamente adotado pela Carta Política em seu artigo 1°, e com o contexto democrático que se insurgia contra uma tradição politicamente autoritária e juridicamente defasada, o novo texto constitucional vem ao encontro das modernas aspirações sociais, prestigiando a nítida separação de papéis entre acusador, julgador e defensor, bem como conferindo ao acusado o status de titular de direitos e não mais objeto da persecução. O processo deixou de ser mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e mais que isso, transformou-se em um instrumento de garantia em face do Estado.

Face a Constituição Federal de 1988, o regramento contido no vetusto Código de

Processo Penal clama por mudanças, sendo certo que, diante das novas diretrizes constitucionais, a necessidade de releitura dos dispositivos processuais é premente e indispensável ao diligente operador do Direito que tem na Constituição Federal de 1988 os princípios basilares de todo o ordenamento jurídico pátrio.

Para tanto, a Constituição Cidadã consagra princípios fundamentais a fim de

resguardar a dignidade da pessoa humana e, sobretudo, os direitos e garantias daqueles que se vêem acusados da prática de delitos. Passa a ser exigido um processo justo a ser realizado sob a instrução contraditória, perante o juiz da causa, e no qual seja exigida a efetiva participação da defesa técnica, como única forma de construção válida do convencimento judicial. E este, o

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convencimento, deverá ser sempre motivado, como garantia do adequado exercício da função judicante e para que se possa impugná-lo com maior amplitude perante o órgão recursal.

A Constituição, ao estabelecer os direitos e garantias fundamentais, define os

contornos da responsabilidade criminal e da aplicação da pena, definindo as bases de utilização do ius puniendi, isto implica uma necessidade de releitura das disposições legais (penal e processual-penal) para adequar-lhes sentido axiológico constitucional (Galvão, 2004, p.322). Em especial, o processo penal relaciona-se diretamente com as escolhas, do Estado e da Sociedade, que serão acolhidas para estabelecer a reprimenda social, afinal a reprovabilidade que recairá sobre o agente é uma resultante dos valores éticos e morais cultuados pela sociedade e esculpidos constitucionalmente.

Nessa perspectiva, inserem-se os princípios constitucionais, inclusive, em relação à sua incidência no processo penal, determinando suas premissas básicas e condicionando seus atores à consecução dos seus fins. Os princípios podem ou não estar previstos no texto legal, todavia, todos são positivados, na medida em que possuem vigência sociológica. 3) PRINCÍPIOS BÁSICOS DO PROCESSO PENAL: 3.1 Conceito da palavra princípio

Em sua definição etimológica, o vocábulo “princípio”, do latim “principium”, significa, numa acepção comum: início, gênese, começo, origem das coisas, causa primária. Outros afirmam que o vocábulo deriva da linguagem matemática, “onde designa as verdades ou axiomas iniciais”. Não é este propriamente o sentido pretendido quando nos referimos aos “princípios” no sentido jurídico, mas, diferentemente, quer significar as normas bases (elementares) ou os requisitos primordiais instituídos como alicerce no ordenamento jurídico. Melhor dizendo: princípio jurídico, ainda que envolvido dentro de um contexto de ampla polissemia, significa, conforme esclarece Ruy Samuel Espíndola: “princípio (sic) designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, sereconduzem e/ou se subordinam”.

Exprimem, pois, sentido de maior relevância que o próprio dispositivo ou regra

jurídica. Isso porque correspondem à própria razão de ser do universo jurídico. Ponto de partida, elemento vital, alicerce do direito – razão das próprias regras. Ademais, nesta acepção, ampliam-se os fundamentos, englobando todo axioma jurídico derivado da cultura universal. Assim, nem sempre os princípios se revestem nas leis. Mas, por serem base do direito são tidos como preceitos fundamentais para sua prática ou proteção.

Desta forma, os princípios que regem o direito processual (penal) constituem o

marco inicial de construção de toda a dogmática jurídico-processual (penal). . Assim, ‘princípio’ conota a idéia de “mandamento nuclear de um sistema”, utilizando o preciso conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem princípio significa: “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico...”.

As respostas para determinados problemas que surgem no curso de um processo

criminal estão muitas vezes nos princípios que o informam, pórem o intérprete ou aplicador da norma não os visualiza, dando interpretações ou aplicando normas em contraposição aos elementos primários de constituição do processo.

3.2. Princípio do Devido Processo Legal O princípio do devido processo legal, no constitucionalismo moderno, emana

diretamente do princípio do Estado de Direito, que é a base fundamental ou estrutural de um modelo de Estado majoritariamente acolhido pelas sociedades civilizadas hodiernas. Inserido no

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art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio due process of law determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Significa dizer que se devem respeitar todas as formalidades previstas em lei para que haja o cerceamento da liberdade ( seja ela qual for) ou para que alguém seja privado de seus bens. Assim, para que Tício, por exemplo, perca sua liberdade de locomoção, mister se faz o respeito á regra do Art. 302 do CPP ou á ordem judicial (cf. Art. 5º, LXI, da CF).

Está claro que tal liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da

legalidade (ora, trata-se do devido processo legal ), reclamando a devida persecução penal, limitada pela lei processual.

Por igual, verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira

a proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF). Descumprida tal garantia, a sanção é de nulidade em conformidade com a teoria fruit of the poisonous tree ("fruto da árvore envenenada"), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal e adotada pelo CPPB através da lei 11.690/2008 que modificou o art. 157 e acresecentou seus parágrafos disciplinando as exceções. Lembre-se, contudo, que essa vedação não é absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da proporcionalidade, a fim de que não haja grave prejuízo material ao direito substancial discutido ou protegido, apenas para se dar atendimento a uma forma procedimental.

Em várias oportunidades estamos fazendo referência ao princípio do devido

processo como uma megagarantia dos direitos fundamentais. Isso significa desde logo que o “justo” processo não é constituído evidentemente de uma só, senão de muitas e incontáveis garantias. São garantias que se concretizam em princípios, regras, normas, direitos ou proibições que, como formalidades prescritas em lei, visam a disciplinar o regular desenvolvimento do processo destinado à solução de um conflito de interesses. No âmbito do devido processo criminal (leia-se: devido processo “penal” ou devido processo consensual), tal como veremos mais adiante, múltiplas são as garantias que se encontram harmonicamente conjugadas sob um denominador comum. O fato de que não cuidaremos senão das garantias mínimas de cada um desses devidos processos bem revela, dentre outras razões, a dificuldade, senão a impossibilidade, de se catalogar e individualizar todo esse universo praticamente infinito. De outro lado, serão tais garantias mínimas objeto de um estudo tão-somente introdutório. Neste trabalho não temos a pretensão de examinar ex profundis cada uma dessas garantias, senão apenas abordá-las esquematicamente.

3.3. Princípio da Verdade Processual Vários doutrinadores adotam a denominação ‘verdade real’, apontando-o como o

escopo primordial do processo penal. Tal denominação causa estranheza quando se interroga: Há verdade que não seja real? Respondem ser o termo utilizado em contraposição a verdade formal.

Este axioma recomenda ao julgador e às partes - entre estas principalmente o

Ministério Público - que se empenhem no processo para atingir a verdade real, para desvendá-la, para determinar os acontecimentos exatamente como se sucederam, a fim de permitir a justa resposta estatal.

Segundo a doutrina mais moderna, capitaneada no Brasil por LUIZ FLÁVIO

GOMES, é impossível alcançar a verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual ou a verdade judicial, pois nunca será possível reconstruir inteiramente o iter criminis, porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do delinqüente, sendo inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo mediante confissão.

Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e

lícitos para se comprovar, com certeza absoluta (dentro dos autos) , quem realmente enfrentou o comando normativo penal e amaneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder á verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória.

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Afirmar que a verdade, no processo penal, não existe é reconhecer que o juiz penal

decide com base em uma mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade processual, como se ela fosse única, é uma grande mentira.

A descoberta da verdade processual do fato praticado, através da instrução

probatória, passa a ser, assim uma espécie de reconstituição simulada do fato, permitindo ao juiz, no momento da sentença, aplicar a lei penal ao caso concreto, extraindo a regra jurídica que lhe é própria. È como se o fato fosse praticado naquele momento perante o juiz aplicador da norma.

Portanto, não obstante chamarmos de verdade processual, nem sempre ela

condiz com a realidade fática ocorrida. Entendemos que se trata de uma verdade no processo, resultante da valoração e da motivação recorrente sobre tudo que se apurou nos autos do processo. O sistema do livre convencimento impõe-nos uma conduta: vale o que está nos autos do processo ( e, mesmo assim, o que está nos autos nem sempre é verdadeiro: testemunhas mentem, peritos falsificam ou erram o laudo; o documento é falsificado; a confissão do acusado é falsa ou viciada, a acusação exorbita os limites do fato da vida, etc.) [RANGEL, 2007]

Apesar do exposto, a grande maioria da doutrina brasileira insiste em dizer que o

processo penal é regido pelo princípio da verdade material. Contudo, não se dá conta que esta idéia vem legitimar o sistema inquisitório e toda a barbárie que o acompanha, na medida em que tem o processo como meio capaz de dar conta “da verdade”; e não de “uma verdade”, não poucas vezes completamente diferente daquela que ali estar-se-ia a buscar.

Assim, é preciso admitir que no processo penal jamais se vai apreender a verdade

como um todo - porque ela é inalcançável - e, portanto, como se viu, o que se pode - e deve - buscar nos julgamentos é um juízo de certeza e verificabilidade, pautado nos princípios e regras que asseguram o Estado Democrático de Direito.

3.4. Principio da Publicidade dos atos processuais.

Igualmente relevante é o princípio da publicidade, que se dirige a toda a Administração Pública (art. 37) e também à administração da justiça penal. Decorrência da democracia e do sistema acusatório, o princípio processual da publicidade encontra guarida no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que declara: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

A publicidade dos atos processuais integra o devido processo legal e representa uma das mais sólidas garantias do direito de defesa, pois a própria sociedade tem interesse em presenciar e/ou conhecer a realização da justiça.

A publicidade, como garantia, aparece também no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito de "receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (...)". Assim, qualquer pessoa pode ir ao Fórum assistir á realização de interrogatórios, oitivas de testemunhas, debates, enfim...qualquer ato processual que interesse ao cidadão. È a fiscalização popular sobre os atos da justiça ou um verdadeiro e democrático controle (popular) externo da atividade jurisdicional. {RANGEL, 2007.] Há dois aspectos do princípio da publicidade: I. a publicidade ABSOLUTA, geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo; II. a publicidade RESTRITA, especial ou interna, em que se restringe a audiência nos atos processuais e as informações sobre o processo às partes e procuradores, ou somente a estes.

A publicidade absoluta pode acarretar, às vezes, situações não desejadas: sensacionalismo; desprestígio para o réu ou para a própria vítima e convulsão social. Daí porque o art. 5.º, LX, da CF, prevê a possibilidade de restrição à publicidade, quando for necessária para a preservação da intimidade e do interesse social.

Como crítica ao princípio, alinha-se benefícios e malefícios. O maior dos benefícios é a dificultação de abusos, exagero, omissões e leviandades processuais, pela possibilidade de

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constante controle das partes, dos advogados, do Ministério Público, da imprensa e da sociedade. O mais deplorável dos malefícios (ou talvez o único) é a possibilidade de haver, com a publicidade, a exploração fantasiosa ou sensacionalista de fatos levados à discussão nos tribunais. Para evitar esses abusos midiáticos, em certas causas e situações há exceções ao princípio da publicidade plena, como quando a divulgação da informação ou diligência represente risco à defesa do interesse social ou do interesse público; à defesa da intimidade, imagem, honra e da vida privada das partes; e à segurança da sociedade e do Estado. Exemplos dessas restrições estão no: ● art. 792 e §1º, do CPP (caso genérico); ● arts. 476 e 481 do CPP (votação no júri); ● art. 217 do CPP (retirada do réu); ● art. 748 do CPP (registro da reabilitação); ● art. 20 do CPP (sigilo no inquérito policial); ● art. 202 da Lei das Execuções Penais; e ● art. 3º da Lei Federal n. 9.034/95. ● art. 1º da Lei 9.296/96, interceptação telefônica sob segredo de justiça. Assim, pelo exposto, podemos afirmar que o princípio em tela é compatível com o sistema acusatório adotado hodiernamente, pois não há como estabelecermos um processo legal com o chamado trium actio personarum sem a publicidade dos atos que lhes são inerentes. Deste modo, ocorre uma visionária sistematização entre os princípios da publicidade, do devido processo legal e da verdade processual, pois não há como se respeitar os procedimentos delineados em lei sem garantir ao acusado a publicidade dos atos praticados no curso do processo a que responde, nem se descobrir a verdade dos fatos praticados sem dar ao público a oportunidade de levar informações ao conhecimento do juiz e verificar se há a imparcialidade devida no julgamento.

3.5. Princípio do Contraditório: Correspondem ao movimento democratizante, humanizador e garantista do

processo penal, os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, CF), segundo os quais "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

A instrução contraditória é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se

concebe um processo legal buscando a verdade processual dos fatos, sem que se dê ao acusado a oportunidade de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu substituto processual) em sua peça exordial. Não. A outra parte também deve ser ouvida (audiatur est altera pars -qualquer alegação de uma parte, a parte contrária deve ser ouvida). Por isso se diz que há no contraditório informação e reação , pois é a ciência bilateral dos atos e termos do processo e possibilidade de contrariá-los. [RANGEL, 2007]

Há situações em que o contraditório (acusação e defesa, prova e contra-prova) não

pode ser garantido desde logo, tendo sua aplicação diferida. É o que ocorre, por exemplo, com o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas, regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma hipótese anunciar previamente ao investigado a realização da diligência de escuta judicialmente autorizada, sob pena de total insucesso da investigação criminal.

Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também,

nos pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da disclosure poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos móveis, o que dificultaria sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos bens.

Tais considerações, entretanto, precisam ser bem entendidas. Não é que de fato

inexista contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a oportunidade de conhecimento da medida apuratória ou das provas colhidas na investigação inquisitorial, e o

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ensejo de contestação a elas e produção de contra-provas serão dados ao investigado/réu em momento posterior, garantindo-se assim a ampla defesa.

Certo, por outro lado, é que não há incidência do contraditório no inquérito policial,

que é procedimento administrativo pré-processual, inquisitorial, presidido pela Polícia Judiciária, destinado à formação da opinio delicti do Ministério Público e a subsidiar a ação responsável do Estado em juízo, evitando lides penais temerárias.

Destarte, o contraditório, que em lógica implica a existência de "duas proposições

tais que uma afirma o que a outra nega", tem como corolários ou implicações: 1. a igualdade das partes ou isonomia processual; 2. a bilateralidade da audiência e a ciência bilateral dos atos processuais (audiatur et altera

pars); 3. o direito à ciência prévia e a tempo da acusação, podendo o acusado "dispor do tempo e

dos meios necessários à preparação de sua defesa"; 4. o direito à ciência precisa e detalhada dessa acusação; 5. direito à compreensão da acusação e do julgamento, ainda que por meio de tradutor ou

intérprete; 6. o direito à ciência dos fundamentos fático-jurídicos da acusação; 7. a oportunidade de contrariar a acusação e de apresentar provas e fazer ouvir

testemunhas; 8. a liberdade processual de especificar suas provas e linha de defesa, escolher seu defensor

e mesmo de fazer-se revel. Não se pode deixar de perceber a relação da idéia de contraditório com o princípio

filosófico do terceiro excluído, segundo o qual "Se duas proposições são contraditórias, uma delas é verdadeira e a outra é falsa". Na dialética processual, caberá ao magistrado realizar a síntese das posições antitéticas (a tese do Ministério Público e a antítese do defensor), declarando, ao fim, a verdade da acusação e a falsidade da defesa, ou vice-versa. [ARAS, 2006]

Costuma-se afirmar que o princípio da paridade de armas, segundo a doutrina

dominante no Brasil, seria corolário do princípio do contraditório, e significaria que deve se dar á parte a oportunidade para se pronunciar sobre atos da parte contrária, lhe sendo conferidos meios para que realmente possa contrariá-los, mas, mais ainda, significaria sobretudo que as partes devem ter idênticas forças ou idênticas armas, sendo assegurada sempre a ciência das práticas de atos e da prova colhida pela outra parte, para que, assim possa refuta-las. [POLASTRI, 2007]

Segundo Marcellus Polastri Lima a realidade normativa brasileira aponta para uma

ausência da paridade de armas, pois o contraditório pode existir mesmo havendo desigualdade entre os sujeitos parciais na persecução criminal, já que existe no plano da argumentação e do convencimento, concretizando-se na produção da prova. Segundo. Em seguida, o festejado Promotor esclarece que:

Antes do fato delituoso o Estado e a vítima estão em posição desigual com o criminoso, pois este age de surpresa, sendo o articulador da ação. No momento da investigação criminal, o Estado passa a ter a vantagem, por dispor de meios e estrutura para enfrentar o criminoso, que está em posição de desvantagem. Na fase processual é comum a legislação por vezes prever vantagens ao Ministério Público (vg. Intimação pessoal), sendo visíveis, por outro lado, a existência de desigualdades, como na estipulação do prazo em dobro para recorrer conferido somente á defesa pública ( no Brasil o Ministério Público não possui esta regalia). Recursos só previstos para a defesa, o in dúbio pro reo, a possibilidade de utilização da prova ilícita pro reo, além do fato de que a revisão criminal no Brasil só é possível para a defesa, são exemplos a demonstrar que inexiste, no Brasil, uma real paridade de armas, ao menos na pureza conceitual.

No entanto, não se pode negar a existência do contraditório, que deve sempre estar

presente, caracterizando o devido processo legal, o que não deixa de ser uma tendência ao equilíbrio entre as partes, podendo, neste aspecto, se traduzir em um meio de se alcançar a paridade de armas, ao menos no que se refere á instrução probatória processual.

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3.6. Princípio da Imparcialidade do Juiz: O Juiz, na relação jurídico-processual penal, situa-se entre as partes (Ministério

Público ou ofendido e réu) e acima delas (caráter substitutivo). A imparcialidade do juiz constitui sem sombra de dúvida uma das mais importantes garantias do devido processo criminal. O Estado-juiz deve interessar-se apenas pela busca da verdade processual, esteja ela com quem estiver, sem sair de sua posição supra partes. O clássico princípio do ne procedat iudex ex officio visa a exatamente resguardar o magistrado de qualquer comprometimento psicológico prévio com a prova (daí a séria dúvida sobre a constitucionalidade do art. 3.º da Lei 9.034/95, que atribuiu ao juiz competência para a busca de provas e ao mesmo tempo para julgar o caso, afrontando o princípio em tela, as funções do M.P. e o Sistema Acusatório).

A imparcialidade do juiz tem perfeita e intima correlação com o sistema acusatório

adotado pela ordem constitucional vigente, pois, exatamente visando retirar o juiz da persecução penal, mantendo-o imparcial, é que a Constituição Federal deu exclusividade da ação penal ao Ministério Público, separando, nitidamente, as funções dos sujeitos processuais. [RANGEL, 2007]

Juiz imparcial pressupõe juiz independente, e para assegurar a imparcialidade, a

CF/88 estipula garantias (art. 95) e vedações (art. 95, § único) e proíbe Tribunais de Exceção (art. 5º, XXXVII). As garantias visam dar segurança ao juiz, para que no exercício de suas funções, não sofra coações políticas ou funcionais, constrangimentos que possam ameaçá-lo da perda do cargo ou ver suas funções substituídas por um tribunal de exceção. Tribunal de Exceção é aquele constituído, em caráter provisório, para o julgamento de questões que o Estado não deseja que sejam julgadas pelos Tribunais Comuns, normalmente integrantes do Poder Judiciário. Cabe ao Poder Judiciário, e tão-somente a ele, última decisão no julgamento de litígios.

Deve ser consignado, entretanto, que a existência de Tribunais Especiais ou

Justiças Especializadas (Justiça Militar, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral) não se constitui em Tribunais de Exceção. Os órgãos de controle de classe, os chamados tribunais de ética, também não podem ser considerados de exceção, pois as penas disciplinares aplicadas sempre estarão sujeitas à revisão judicial.

3.7 Princípio do Estado de Inocência: Previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, este princípio, também

denominado "da presunção de inocência" ou da "presunção de não-culpabilidade", é o coroamento do due processes of law.

A Declaração Universal de 1948 assentou, com mais detalhes, que "Toda pessoa

acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI).

Como corolário dessa idéia, foi preciso desenvolver o sistema acusatório,

atribuindo-se a um órgão público a missão de alegar e provar os fatos criminais, em nome do Estado, desfazendo a presunção legal que vigora em prol do indivíduo.

A presunção de inocência prevista, de forma positivada, desde 1789, foi repetida

também no art. 8º, §2º, do Pacto de São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo Decreto Federal n. 678/92) e no art. 14, §2º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966.

A jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, tem afirmado

que as medidas coercitivas ou as providências restritivas do jus libertatis anteriores à decisão condenatória definitiva não ofendem o princípio da presunção de inocência.

Sinaliza a Súmula 9 do STJ no sentido de que "A exigência de prisão provisória,

para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Tal enunciado não passou imune a críticas, mas desde que bem compreendido e aplicado com restrições, não causa dano ao jus libertatis nem ao estado de inocência do acusado.

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Assim, observados atenta e devidamente os requisitos de necessidade e cautela;

cumprido o art. 312 do Código de Processo Penal; e atendida a exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, não violam tal garantia provimentos que dêem aplicação ao art. 393, inciso I, do CPP, que trata do recolhimento à prisão como efeito da sentença condenatória recorrível, bem como ao art. 594, do mesmo código e ao art. 35, da Lei Federal n. 6.368/76, que exigem, ambos, o recolhimento do réu à prisão como condição para a apelação.

É também constitucional, para o STJ, o art. 2º, §2º, da Lei Federal n. 8.072/90, que

determina que em caso de sentença condenatória por crime hediondo "o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". Este posicionamento é censurável, tendo em conta que a presunção legal é de não-culpabilidade. Portanto, o que o juiz deveria decidir fundamentadamente é se o réu precisaria recolher-se à prisão para apelar até o trânsito em julgado da decisão, e não o contrário. Isto é evidente, porque a regra é poder o réu, em qualquer caso, apelar em liberdade.

Assim, as conseqüências deste princípio não podem ter tanto efeito, como querem

alguns, no que tange ao sujeito passivo do processo penal, deve ser visto como um princípio de não culpabilidade, já que não tem tantos efeitos extremos. Tal princípio traria conseqüências para o processo penal no que tange a uma maior equidade e melhor tratamento do réu, mas como é óbvio, mesmo para se iniciar uma investigação, poderá ser necessário o indiciamento, o que, o que, por si só, iria contra o princípio, considerando os defensores de efeitos extremos para o mesmo, pois, para o indiciamento se exige uma prova in limine enquanto tal prova só será obtida através da investigação e do processo.

Dito isto, é preciso observar que as conseqüências do princípio do estado de

inocência são resumidamente: I. a de estar obrigado o julgador a verificar detidamente a necessidade da restrição

antecipada ao jus libertatis do acusado, fundamentando sua decisão; II. a de atribuir inexoravelmente o ônus da prova da culpabilidade do acusado ao

Ministério Público ou à parte privada acusadora (querelante); III. concomitantemente, o efeito de desobrigar o réu de provar a sua inocência; IV. o de assegurar a validade da regra universal In dubio pro reo, aplicada no direito anglo-

saxônico com o nome de reasonable doubt, que sempre favorece a posição jurídica do acusado; e

V. a revogação (ou não recepção) do art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal, que mandava lançar o nome do réu no rol dos culpados, por ocasião da sentença condenatória recorrível. [ARRAS, 2006]

3.8. Princípio do “favor rei”: Também conhecido como Princípio do “in dubio pro reo”, ou do “favor libertatis”, é a

expressão máxima dentro de um Estado Constitucionalmente Democrático, pois o operador do direito, deparando-se com uma norma que traga a possibilidade de duas posições divergentes que possam gerar dúvidas, deve-se resolver a demanda a favor do réu, e existindo duas interpretações antagônicas, deve optar pela que atenda ao Jus Libertatis do acusado.

Trata-se de regra do processo penal que impõe ao juiz seguir tese mais favorável

ao acusado sempre que a acusação não tenha carregado provas suficientes para obter condenação. Nesse aspecto, o princípio do favor rei se enlaça com a presunção de inocência que. Como vimos, inverte o ônus da prova. O órgão que acusa é quem tem de apresentar a prova da culpa e demonstrar a culpabilidade do cidadão presumido inocente. Caso a acusação não logre criar no tribunal a certeza da culpabilidade, então, o que se impõe é uma decisão favorável ao acusado. [RANGEL, 2007]

No Processo Penal, várias são as disposições que consagram o princípio do favor

inocentiae, favor libertatis ou favor rei. Entre outras regras, destacam-se: I. Absolvição por insuficiência de prova (Art. 386, VI); II. Proibição do reformatio in pejus (Art. 617); III. Recursos privativos da defesa:

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- O protesto por novo júri; - Embargos infringentes ou de nulidade (Arts. 607 e 609, § único) IV. A revisão criminal como direito exclusivo do rei (CPP, Arts. 621 e segs); V. Empate na votação de recurso que o presidente tenha tomado parte - decisão

favorável ao réu (Art. 615, § 1º, CPP). Ao lado dessas conseqüências existem as disposições constitucionais claramente

influenciadas pelo Princípio do favor rei, entre outros: ● Art. 5º, LXIII - consagra o direito de o réu silenciar; ● Art. 5º, XI - determina a infranquabilidade do domicílio; ● Art. 5º, XII - consagra o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas; ● Art. 5º, LXI - restrição a pena privativa de liberdade; ● Art. 5º, XXXVI - consagra o respeito a coisa julgada. 3.9. Princípio do Promotor Natural : Extrai-se do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz natural.

"Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Com isso garante-se a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de modo a evitar que se materialize o dogma nulla pœna sine judice .

Igualmente daí se recolhe a idéia do promotor natural, já reconhecida pelo

Supremo Tribunal Federal em interpretação dada a esse cânon e aos arts. 127 e 129 da CF, que têm em mira assegurar a independência do órgão de acusação pública, o que também representa uma garantia individual, porquanto se limita a possibilidade de persecuções criminais pré-determinadas ou a escolha "a dedo" de promotores para a atuação em certas ações penais.

Quanto ao promotor natural, o plenário do STF vetou a designação casuística de

promotor pela Chefia da Instituição. Luiz Flávio Gomes afirma que, quando a designação for feita dentro da lei (concordância do promotor natural com a designação e que esta não conduza à criação de um promotor de exceção), não há impedimento à designação de promotor pelo Procurador Geral de Justiça.

Com o advento da nova lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei 8.625/93,

consagrou-se a previsão legal do promotor natural, através de seu artigo 24, que espaça qualquer dúvida, nas palavras de SCARANCE FERNADES:

“... segundo art. 24, o Procurador-Geral de Justiça poderá, com a concordância do Promotor de Justiça titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado de atribuição daquele. Fica, assim, afirmado o Princípio na Lei Orgânica, o qual em resumo, significa a necessidade prévia fixação de atribuições do Promotor nas Promotorias de Justiça que podem ser ‘judiciais ou extrajudiciais, especializadas, gerais ou cumulativas’ ...”

3.10. Princípio do prazo razoável. A duração do processo em um prazo razoável sempre constou entre as

preocupações de Declarações, Tratados e Convenções internacionais, não obtendo, no Brasil, a mesma atenção legislativa, doutrinária e jurisprudencial, apesar de pautar-se integrado ao devido processo legal (Art. 5º, LIV, da CF).

A Emenda Constitucional nº. 45 fez constar de forma explicita o princípio em tela,

no inciso LXXVIII, verbis: “LXXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Percebe-se que a previsão Constitucional ampliou a garantia aos processos

administrativos, não se restringindo aos judiciais. Por outro lado, por constar entre os direitos

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fundamentais alcança a aplicação imediata, mesmo não possuindo regulamentação por lei ordinária.

A doutrina ainda debate-se quanto a definição do prazo razoável, cuja ausência

acaba por mitigar o princípio. Outra questão que está sendo discutida refere-se a extensão do princípio, se incluiria ou não a fase pré-processual e se estaria destinando-se aos réus presos e aos soltos. Ivahy Badaró e Aury Lopes JR respondem de forma absoluta as duas questões: “Para efeito de incidência do direito ao prazo razoável devemos considerar três fases da persecução penal: a das fases das investigações (Inquérito Policial no sistema brasileiro); a fase em primeiro grau de jurisdição; e a fase do juízo recursal”. Opondo-se a tal entendimento Polastri Lima afirma que o princípio atingiria o inquérito apenas nos casos de réu preso.

A razoabilidade do prazo de duração do processo é a garantia do exercício da

cidadania na medida em que se permite que todos possam ter acesso á justiça, sem que isso signifique demora na prestação jurisdicional. Prestação jurisdicional tardia, não é justiça, mas prestação jurisdicional imediata, açodada, é risco a democracia. Deve, portanto, ser razoável, proporcional ao caso concreto objeto de apreciação.

4) AS FONTES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL: A questão das fontes do direito liga-se diretamente a Teoria Geral do

Direito, advém especificamente do problema dos centros produtores de normas e de sua unidade ou pluralidade. De fato, constata-se que num sistema normativo surgem diversos conflitos, o quê nos leva a admitir que as normas entram no sitema a partir de diversos canais, estes foram denominados metaforicamente de FONTES DO DIREITO, aludindo a uma nascente de onde brota uma corrente de água, pois o direito emana de certos procedimentos específicoscomo a água emana de sua fonte. Assim, fontes do direito é a origem primária do direito, identificando-se com a gênese das normas jurídicas. No sentido aqui empregado, são todas as formas pelas quais são criadas, modificadas ou extintas as normas de determinado ordenamento jurídico, mas também a forma de manifestação da lei processual penal.

Neste sentido, a doutrina tradicional no âmbito da teoria geral do direito,

estabelece uma dicotomia básica no estudo das fontes do direito, compreendendo as fontes materiais e as fontes formais. As fontes materiais estariam identificadas através da realidade material subjacente e preexistente a toda e qualquer formalização normativa – fatores econômicos, políticos, sociais, religiosos, culturais etc. e as fontes formais, trariam a lúmen essa realidade pré-jurídica, inserindo-se no sistema através de fênomenos especificamente jurídicos – como a lei, costume, jurisprudência ou atos negociais, tais espécies normativas constituem verdadeiras fontes do direito, pois estão assentadas em estruturas de poder, participando da nomogênese jurídica.

Aplicando-se esse modelo ao estudo as fontes do direito processual penal tem-se a seguinte classificação:

I - FONTES FORMAIS OU DE COGNIÇÃO: As fontes formais “são maneiras de

expressão da norma jurídica positiva”, é o modo pelo qual o direito se revela. No direito brasileiro, a norma processual se exterioriza principalmente por meio da lei (sentido lato), que inclui as determinações de caráter genérico dos três poderes. Por outro lado, secundariamente, também são fontes formais os costumes e os princípios gerais de direito. As fontes formais subdividem-se em:

I. A – FONTES HISTÓRICAS: São as normas que não mais vigoram, isto é, que já foram revogadas. Desaparecido seu caráter vinculativo, têm elas hoje importância interpretativa , isto é, auxiliam na compreensão da evolução do Direito Processual brasileiro e do sentido atual que têm suas normas. Estão lado a lado a chmada “ocasio legis”, momento em que as normas surgiram e os trabalhos legislativos que resultaram em sua produção.

I. B – FONTES DOGMÁTICAS: As fontes dogmáticas ou normativas são as

normas que estão em vigor no ordenamento jurídico brasileiro. Dividem-se em: imediatas ou diretas , que são as fontes utilizadas em primeiro lugar e definem a base do sistema processual

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penal brasileiro – são basicamente as leis em sentido lato ; mediatas ou indiretas , utilizadas de modo subsidiário às fontes imediatas, devendo se adequar a estas – princípios gerais de Direito, costumes, doutrina, jurisprudência, direit o comparado e analogia.

B1. Fontes Imediatas ou diretas: a. Fontes processuais penais principais: São a

Constituição e o Código de Processo Penal (Decreto-lei 3689/1941) e formam o núcleo do processo penal brasileiro.

A Constituição é que dá fundamento aos bens jurídicos cometidos à proteção das

normas penais incriminadoras e por outro lado estabelece a legitimidade do Estado para a imposição de pena contra quem viola tais normas. Ausente este fundamento, a norma perde sua legitimidade, devendo ser alterada, afastada ou interpretada de maneira diferente. A instrumentalidade do Processo decorre do respeito as garantias constitucionais.

Pode ocorrer que a carta constitucional dê ensejo a edição de novas normas

incriminadoras para atender à proteção de novos bens jurídicos cuidados pela Constituição, ao tempo em que exige o respeito ao devido processo legal.

Serve também a Constituição como parâmetro para aferir-se a proporcionalidade

entre sanções destinadas à proteção de bens jurídicos diversos, ou seja através dos ditames constitucionais identificaremos o caráter justo da prestação jurisdicional. As normas penais devem ser interpretadas no sentido da promoção dos objetivos fundamentais da República e consoante seus pilares principais.

A lei, o jus scriptum, é a fonte direta do processo penal, sendo este meio de o

Estado imporsua vontade e império sobre os cidadãos.Por se traduzir a lei processual na norma jurídica específica processual, se considera que esta é sua fonte direta ou imediata.

O artigo 1º. Do Código de Processo Penal estabelece que o processo penal rege-

se, em todo território nacional, pelo respectivo Código de Processo Penal, sendo confirmado o princípio da legalidade.

O PLS 516 reforma o conteúdo do artigo citado afirmando que o processo penal

reger-se-á, em todo o território nacional, por este Código, bem como pelos princípios fundamentais constitucionais e pelas normas previstas em tratados e convenções internacionais dos quais seja parte a República Federativa do Brasil. Tal opção confirma que O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL são as principais fontes.

b. Fontes processuais penais extravagantes: Porém, em se tratando de situações especiais, teremos a legislação processual

extravagante, que será utilizada para regular matérias específicas, e, aplicando-se tais legislações, também estará sendo obedecido o princípio da legalidade. Dividem-se em:

1. Complementares: São as leis que cuidam de

procedimentos especiais, isto é, não compreendidos pelo CPP. Dentre as principais, estão: a Lei de Economia Popular (Lei 1521/51); Código Eleitoral (Lei 4737/65); o Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei 1002/69); a Lei Orgânica Nacional do MP (Lei 8625/93); as leis de Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei 9.099/95) e federais (Lei 10259/02); o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97) e a Lei Antitóxicos (Lei 11.343/2006).

2. Modificativas: São leis que acrescentam,

modificam ou suprimem normas no CPP. Várias modificaram o Código desde a sua promulgação (em 3.10.1941), sendo que as últimas foram as leis: 11.689/08 (Tribunal do Júri);

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11.690/08 (Provas); 11.719/08 (Suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e procedimentos) e 11.900/09 (video conferência). Evidente que após promulgadas passam a integrar o texto do código.

c. Tratados, regras e convenções de Direito Interna cional São fontes diretas ou imediatas que podem tanto complementar quanto modificar a

Constituição e o Código de Processo Penal e estão expressamente previstos no art. 1°, I do CPP. Cumpre primeiramente conceituar os termos “tratados, regras e convenções de Direito Internacional”.

Tratado é definido pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969)

como “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Este é um conceito amplo, que engloba também as convenções (tratados que estabelecem normas gerais). Já as regras de Direito Internacional são compreendidas por exclusão, ou seja, são todas as normas internacionais exceto os tratados: os costumes e os princípios gerais de Direito Internacional.

A grande questão envolvendo as normas internacionais é o seu lugar na hierarquia

normativa de nosso ordenamento jurídico . O primeiro aspecto da questão considera que o CPP enuncia em seu art. 1°: “O processo penal reger-se- á, em todo território brasileiro por este Código, ressalvados: I – os tratados, as convenções e as regras de direito internacional”, parte da doutrina e da jurisprudência colocam as normas internacionais como superiores às leis nacionais e subordinadas apenas à Constituição. Outra corrente entende que os tratados estão no mesmo nível da lei ordinária.

Porém, a grande controvérsia é (ou era) a respeito dos tratados concernentes a

direitos humanos. Prevê o art. 5° da Constituição: “§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Nesse sentido, parte da doutrina, acertadamente, entendia que esses tratados foram considerados “normas constitucionais” e tinham valor de emendas constitucionais. O Supremo Tribunal Federal que inicialmente teve firme entendimento no sentido da subordinação dos tratados às normas constitucionais, já decidiu, no dia 03.12.08, através do HC 87.585-TO e RE 466.343-SP, que os tratados de direitos humanos valem mais do que a lei ordinária. Duas correntes estavam em pauta: a do Min. Gilmar Mendes, que sustentava o valor supralegal desses tratados, e a do Min. Celso de Mello, que lhes conferia valor constitucional. Por cinco votos a quatro, foi vencedora (por ora) a primeira tese.

Deste modo as hipótese são as seguintes: primeiro os tratados que tenha o

contéudo vinculado aos direitos humanos e venha a ser devidamente aprovado pelas duas casas legislativas com quorum qualificado (de três quintos, em duas votações em cada casa) e ratificado pelo Presidente da República, terá ele valor de Emenda Constitucional (CF, art. 5º, § 3º, com redação dada pela EC 45/2004). Fora disso, todos os (demais) tratados de direitos humanos vigentes no Brasil contam com valor supralegal (ou seja: valem mais do que a lei e menos que a Constituição). Isso possui o significado de uma verdadeira revolução na pirâmide jurídica de Kelsen, que era composta (apenas) pelas leis ordinárias (na base) e a Constituição (no topo).hoje aceita o caráter constitucional dessas normas.

Segundo o art. 5° à Constituição: “§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

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Hoje, portanto, as normas internacionais que versem sobre direitos humanos terão efeito de emenda constitucional se obedecerem ao respectivo processo legislativo e aqueles que não obtiverem aprovação, mas o país se tornou signatário terá status normativo acima das leis ordinárias, inclusive o CPPB. Além disso, as decisões do Tribunal Penal Internacional passam a prevalecer em território brasileiro.

d. Fontes orgânicas principais

São as leis de organização judiciária que tratam da “nomeação, investidura e atribuições dos órgãos jurisdicionais e seus auxiliares” . De acordo com o art. 125, § 1° da CF é atribuição dos Estados-membros a lei de organização judiciária de sua respectiva Justiça Estadual.

e. Fontes orgânicas complementares

São fontes orgânicas complementares os regimentos internos dos tribunais (referidos no CPP, arts. 618, 638, 666 e 667) e das Assembléias Legislativas, Câmara Legislativa, Câmara dos Deputados e Senado Federal (referidos na Lei 1079/1950, arts. 38, 73 e 79). B2. Fontes mediatas ou indiretas: a. Costumes Os costumes estão previstos como fontes de direito no art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil e podem ser conceituados como a regra de conduta reiterada (elemento externo) com a consciência de sua obrigatoriedade (elemento interno). Os costumes podem ser: secundum legem (de acordo com a lei), extra legem (supre lacunas da lei) e contra legem (contra a lei), sendo que os últimos são vedados. No Direito Processual, os costumes são chamados de “praxe forense”. b. Princípios gerais de direito De acordo com Alexandre Freitas Câmara , “entende-se por princípios gerais de direito aquelas regras que, embora não se encontrem escritas, encontram-se presentes em todo o sistema, informando-o”. São os conhecidos “brocardos jurídicos”, tais como “o Direito não socorre aos que dormem”, “ninguém que alegue sua própria torpeza pode ser ouvido” e “alegado e não provado é como não alegado”. São regras mais do que jurídicas, sendo manifestações do bom senso. c. Analogia O ordenamento jurídico é o conjunto de normas que visam a disciplinar a conduta dos indivíduos na sociedade. Dada a infinidade de condutas que podem ocorrer, algumas ficam sem previsão normativa, levando ao aparecimento de lacunas. Ocorre que, muitas vezes, duas ou mais condutas são essencialmente semelhantes, mas, a norma jurídica incide apenas sobre uma, ou algumas, criando uma situação de desigualdade. Para resolver essa situação, recorre-se à analogia, mediante a qual “estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro caso semelhante, em igualdade de razões”. d. Doutrina É a opinião dos estudiosos a respeito de determinado tema. Apesar de não ter força vinculativa, tem imensa influência na aplicação da lei e mesmo no processo legislativo. Aspecto valioso da doutrina é a multiplicidade de pontos de vista, possibilitando a evolução dialética do ordenamento jurídico. e. Jurisprudência É o entendimento reiterado por decisões judiciais a respeito de um mesmo assunto. Ao contrário da doutrina, as divergências jurisprudenciais têm efeito negativo, pois disseminam insegurança jurídica ao serem dadas decisões diferentes para casos semelhantes. Além disso, há

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violação do princípio constitucional da isonomia. Nesse sentido, foi salutar a mudança estabelecida na Constituição pela EC 45/2004 instituindo a súmula vinculante no âmbito do STF (art. 103-A). f. Direito Comparado Compõe-se das normas jurídicas existentes em outras nações. Via de regra, não têm aplicação em território brasileiro, mas fornecem importantes subsídios para a solução de problemas comuns a outros países. Exemplo claro disso é o anteprojeto de lei para o combate da lavagem de dinheiro. Essa importância foi realçada de forma criativa por Gilmar Ferreira Mendes, quando era Advogado-Geral da União: “Coisa que só existe no Brasil e não é jabuticaba é besteira”.

I - FONTES MATERIAIS OU DE PRODUÇÃO: É a entidade da qual emanam as normas processuais. Em nosso ordenamento

jurídico, consiste apenas no Estado. Porém, parte da doutrina denomina as normas materiais de substanciais e as conceituam como “o conteúdo da norma jurídica”.

A questão determinante é saber qual ou quais dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pode legislar sobre Direito Processual Penal. Essa competência é estabelecida na Constituição Federal, que passamos a analisar.

O art. 22, I diz que é da competência privativa da União legislar sobre direito processual. Assim, a princípio, só a União pode legislar sobre processo e deve fazê-lo por meio de lei ordinária, já a lei complementar deve ser utilizada apenas nos casos expressamente previstos na Constituição, o que não se aplica aqui. E se a União editar lei complementar para regular o processo? De acordo com Alexandre Freitas Câmara, a solução seria considerar tal lei como se fosse ordinária.

Porém, a competência privativa, ao contrário da exclusiva, pode ser delegada.

Assim, a União pode permitir, por meio de lei complementar, que os Estados legislem sobre matérias específicas de Direito Processual Penal (art. 22, parágrafo único).

Outro aspecto é que o art. 24, XI diz ser da competência legislativa concorrente o

tema “procedimentos em matéria processual” . Ora, sabe-se que processo é o procedimento realizado em contraditório, ou seja, o processo é uma espécie de procedimento. Nesse sentido, os estados e o DF poderiam legislar sobre matéria processual, mas, como visto, tal competência é privativa da União! Quid juris?

Tanto a jurisprudência quanto a doutrina majoritária vacilam sobre o tema, sem

estabelecer uma diferenciação precisa. Aroldo Plínio Gonçalves chega a firmar a: “... necessidade da urgente edição dos Códigos Estaduais de Processo (civil e

penal), já que esta é a vontade do Constituinte de 1988 (art. 22, XI) – que cumpre seja rigorosamente respeitada –, voltando em parte, e isso pouco importa, ao regime da Constituição de 1891” .

Tal conclusão é inaceitável, pois despreza o preceito do supracitado art. 22, I, não resolvendo o conflito aparente de normas constitucionais. Nesse caso, torna-se necessário o uso do princípio da concordância prática ou da harmonização:

“Intimamente ligado ao princípio da unidade da constituição, que nele se concretiza, o princípio da harmonização ou da concordância prática consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum”.

Assim, para realizarmos a harmonização dos dois preceitos devemos realizar uma

interpretação restritiva no art. 24, XI, principalmente no que tange ao vocábulo “procedimento”. Nesse sentido, o magistério de Alexandre Freitas Câmara :

“Parece-nos que a única forma de solucionar a aparente contradição entre o art. 22, I, e o art. 24, XI, ambos da Constituição (contradição que existiria na medida em que a regulamentação dos procedimentos pertence ao Direito Processual) é afirmar, com apoio em Vicente Greco Filho, que, por ‘procedimentos em matéria processual’ devem-se entender os

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procedimentos administrativos de apoio ao processo, e não o procedimento judicial, já que este é indissociável do processo”.

Aliás, nesse sentido tem sido a orientação do STF. Ressalte-se, ainda, que o art. 24, X da CF prevê a competência concorrente entre a

União e os Estados para legislar sobre “criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas”. Tais juizados são diferentes daqueles previstos no art. 98, I (que cuidam de “infrações penais de menor potencial ofensivo”), cuja competência legislativa é dada apenas à União. Nesse sentido, também já decidiu o STF.

Por fim, aos Estados e ao Distrito Federal também é dada competência para legislar

concorrentemente sobre: direito penitenciário, que trata da execução penal (art. 24, I); custas dos serviços forenses (art. 24, IV); assistência jurídica e defensoria pública (art. 24, XIII). Compete exclusivamente aos estados legislar sobre a organização judiciária das suas respectivas justiças (art. 125, § 1°).

5) INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS PENAIS: 5.1. INTRODUÇÃO A interpretação e a aplicação do direito formam um processo único e complexo que

compreendem a análise e apreciação dos fatos, provas e textos, de sorte que constituem momentos dos mais importantes da (re) construção social da realidade, arbitrária e seletiva. Afirma-se cada vez mais que encontra-se ultrapassado o entendimento de que Interpretar a lei processual penal seria procurar o sentido exato da norma. Não pode ser confundidos nor ma jurídica e enunciado normativo. Este é o texto a partir do qual a intervenção do interprete tranformará em norma jurídica diante de uma situação jurídica (TEXTO → INTERPRETAÇÃO →

NORMA). A interpretação sempre é necessária, ainda que a lei se mostre, inicialmente, inteiramente clara, pois podem surgir dúvidas quanto aos seus efetivos alcances.

A interpretação da lei processual é a sua aplicação em determinado momento,

salientando-se, com Gabriel Ivo, a indispensabilidade “da presença do homem”, não sendo “exagerado dizer que o homem constitui em linguagema incidência”.

5.2 ESPECIÉS DE INTERPRETAÇÃO Pode a interpretação ser classificada levando-se em conta o sujeito responsável pela

sua realização, os meios de que sés ervem o intérprete e, por último, os resultados obtidos. a) Quanto ao sujeito: ► legislativa ou autêntica: o próprio legislador edita uma lei com o propósito de

esclarecer o alcance e o sentido de outra, podendo ser contextual (quando tem vigência concomitante à da lei interpretada – ex: art. 302 e 303, esclarece quanto ao termo prisão em flagrante), ou sucessiva (quando é posterior – ex: art. 1º da lei n. 5429/67 em relação à lei n. 4898/65) e sua incidência é retroativa (ex tunc) em ambos os casos.

► doutrinária ou científica: exercida pelos juristas, doutrinadores e operadores do

direito, por meio de suas obras, artigos, pareceres, etc., bem como pelos parlamentares através de estudos e exposições de motivos que acontecem no decorrer do processo legislativo. Atente-se que a exposição de motivos do Código é forma de interpretação doutrinária, pois não tem conteúdo de lei.

► Judicial ou jurisprudencial: é a interpretação exercida pelos membros do Poder

Judiciário, nas decisões de casos concretos que lhes são submetidos, que, não raro, inspiram o

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legislador, como no caso da prescrição retroativa. Possuem força obrigatória dentro do caso concreto decidido, através da coisa julgada, e quando perfizer súmula vinculante (CF, art. 103-A e Lei 11.417/2006), obtendo aprovação de dois terços dos membros do STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional.

b) quanto ao objeto: ► literal ou gramatical: flui da acepção literal das palavras, procura o significado

técnico ou gramatical – deve servir apenas como ponto de partida; ► lógico: busca o significado racional do texto (v.g. significado da palavra queixa –

arts. 12 e 41), busca-se a genuína vontade manifestada na lei, podendo utilizar-se de seguintes elementos: sistemático (vê o contexto em que a lei se insere, cotejando a norma com outras dentro do ordenamento jurídico, ou seja dentro do sistema), teleológico (procura a finalidade da norma, a mens legis), histórico (analisa o processo de formação da lei, a evolução histórica da lei e do seu objeto, partindo, inclusive da análise das suas raízes) e sociológico (considera a realidade social a fim de que se adapte a norma a ela). Todos esse elementos confirmar que o entendimento da lei deve subordinar-se a método dúctil e flexível que permita ao juiz, sem afastar-se da regra do jus scriptum, adotar, entre as várias interpretações possíveis, aquela que lhe pareça mais razoável”. Por outro lado é preciso advertir que o juiz não pode vincular-se mecanicamente a lei, sem qualquer preocupação com a idéia de que a lei faz parte de um sistema que tem a Constituição como fundamento de legitimidade das decisões proferidas.

c) quanto ao resultado: ► declarativa: quando o texto interpretado diz exatamente o que teve intenção de

dizer. Nada resta a ser retirado ou acrescentado. Não há restrição e nem ampliação do dispositivo interpretado. Vg. Casa habitada...

► restritiva: quando o texto interpretado diz mais do que teve intenção de dizer (plus

dixit quam voluit), cabendo ao intérprete a sua redução – ex: o art. 271 do CPP, que dispõe que “ao assistente é permitido propor meios de prova”, não insere-se nesses meios de prova a testemunhal.

► extensiva: quando o texto interpretado diz menos do que teve intenção de dizer

(minus dixt quam voluit), cabendo ao intérprete a ampliação da norma processual. V.g. Art. 581, I, prevê o recurso em sentido estrito do não recebimento da denúncia e não fala no não recebimento do aditamento da denúncia.

► progressiva, adaptativa ou evolutiva: 5.3 ANALOGIA E INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA A hipótese de interpretação extensiva desfavorável ao Réu não se confunde com a

utilização da analogia in mala partem. A interpretação extensiva ou analógica ocorre quando a própria lei faz uma definição

casuística, elegendo alguns paradigmas. Após o elenco do(s) paradigma(s), a lei utiliza a expressão “ou outro...”, com as características daquele paradigma que devem ser levados em conta. Quando à autorização legal de ampliar o sentido se dá por meio de uma fórmula genérica, após enumeração casuística, tem-se a interpretação analógica ou intra legem, espécie da extensiva, portanto, de que é exemplo o art. 121, §2º, III, que diz "com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum").

Apesar de alguns defenderem que sempre existe uma norma para cada caso (dogma

da completude), é possível que, ocorrendo um fato concreto, haja uma lacuna jurídica ou vazio

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normativo, pois o legislador não teria capacidade de prever todos os fatos da vida social, até porque eles são mutáveis.

Para solucionar este tipo de problema, o Direito Penal deve-se valer das regras de

integração sistemática, principalmente a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito e a eqüidade.

Pelo princípio da reserva legal, os tipos penais incriminadores devem ser previstos

em lei – logo, não se admitem analogia, costumes ou princípios gerais para resolver uma lacuna de lei penal incriminadora ou agravadora. Já na lacuna de tipos penais permissivos é possível o uso de tais recursos para estender o benefício a situações não abarcadas previamente pela lei – ex: não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro (art. 128, II, CP) e, por analogia in bonam partem, se ela resulta de atentado violento ao pudor. Não se confunde a analogia com a interpretação analógica, pois esta supõe um fato e uma lei válida que, ao regulá-lo, utiliza-se de expressões semelhantes, enquanto aquela supõe dois fatos semelhantes e uma lei, que regula apenas um dos fatos.

6. Lei processual no tempo. As normas de direito penal no que se referem a sucessão no tempo são aplicadas

conforme a garantia constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (CF, art. 5º, XL).

No que pertine a Lei Processual no Tempo a doutrina tradicional ensina que tais leis

serão regidas pelo princípio da Imediatidade (art. 2º. do CPP), de modo que as normas processuais penais teriam aplicação imediata, independentemente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu, tão logo passase a vacactio legis, sem prejudicar, contudo, os atos já praticados, eis que não retroagiriam jamais, in verbis: A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Trata-se do princípio tempus regit actum, que não se confunde com a idéia de retroatividade da lei processual.

Tal dispositivo aponta algumas consequências: a) os atos processuais realizados sob

a égide da lei anterior são considerados válidos; b) as normas processuais têm imediata aplicação, regulando o desenrolar restante do processo, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (CF, art.5º, XXXVI; LICC, art.6º).

Assim, não se cogita aqui da retroatividade da lei mais benéfica ou irretroatividade da

lei mais gravosa como no Direito Penal. Deste modo, entrando em vigor a lei processual, após promulgação, publicação e eventual vacatio legis , terá efeito imediato. Portanto, continuam válidos os atos processuais praticados sob a égide da lei anterior revogada, que manterão sua eficácia, até de efeitos ulteriores que possam provocar no processo. A lei processual nova, passará a regular os atos processuais desde o momento de sua incidência e dali para frente os atos futuros, valendo para os atos processuais que não tiverem sido realizados antes de sua vigência. É o princípio tempus regit actum.

Estaria solucionado o problema, mas na doutrina não há consenso quanto a não

retroatividade do ponto de vista processual. Para alguns a norma processual usaria como referencial os atos processuais e não o fato delitivo, permitindo que atos do processo sejam aplicados de acorodo com a lei que lhe seja anterior, não impedindo que a mesma lei seja posterior a infração penal.

Percebe-se que a retroatividade (imposição de uma lei a fatos pretéritos ou

situações consumadas antes do início de sua vigência) e aplicação imediata (incidência de uma lei sobre fatos e situações pendentes quando a lei entra em vigor) são fenômenos temporais relativos, que pressupõem, para sua aferição, um referencial cronólogico. Se o referencial não for o mesmo para ambos os fenômenos, a comparação não terá sentido lógico. A retroatividade da lei penal leva em conta o tempus delicti. Já a aplicação imediata da lei processual leva em conta o

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momento da prática do ato processual. Assim, não coincidindo os referenciais, afirmar que a lei processual não fere a vedação da irretroatividade da lei penal, parece mero artifício de retórica.

Ora se divergem o tratamento da lei penal e da lei processual quanto a aplicação da

lei nova, torna-se fundamental definir a natureza jurídica dos diversos institutos disciplinados pela lei nova, para identificar e aplicar a regra de sucessão adequada a cada hipótese.

Inegavelmente, há normas de caráter exclusivamente penal e normas processuais

puras. Todavia, a doutrina também reconhece a existência das chamadas normas mistas ou normas processuais materiais. Embora não se discuta a existência de tais normas, há discrepância quanto ao âmbito mais restrito ou mais ampliado que se deve dar aos conceitos.

Uma corrente restritiva entende que são normas processuais mistas ou de conteúdo

material aquelas que, embora disciplinadas em diplomas processuais penais, disponham sobre conteúdo da pretensão punitiva . Assim, seriam normas formalmente processuais, mas substancialmente materiais, aquelas relativas ao direito de queixa, ao de representação, à prescrição e a decadência, ao perdão, á perempção, entre outras.

Já a corrente ampliativa considera que são normas processuais de conteúdo

material aquelas que estabeleçam condições de procedibilidade, constituição e competência dos tribunais, meios de prova e eficácia probatória, graus de recurso, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução da pena e todas as demais normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão.

Por fim, preferível a corrente extensiva que admite as normas mistas como todas

aquelas que disciplinam e regulam direitos e garantias pessoais constitucionalmente assegurados Deste modo, quanto ao direito processual intertemporal, o intérprete deve, antes de mais nada, verificar se a norma , ainda que de natureza processual, exprime garantia ou direito constitucionalmente assegurado ao suposoto infrator da lei penal. Para tais institutos a regra de direito intertemporal deverá ser a mesma aplicada a todas as normas penais de conteúdo material, qual seja a da anterioridade da lei, vedada a retroatividade da lex gravior.

Ressalte-se que alguns doutrinadores falam em normas processuais penais

heterotópicas, para aquelas normas que embora o conteúdo da norma confira-lhe uma determinada natureza, encontra-se ela vinculada em diploma de natureza distinta. Segundo Norberto Avena: A heterotopia, em síntese, consiste na intromissão ou superposição de conteúdos materiais no âmbito de incidência de uma norma processual, ou vice-versa.

Quanto as normas processuais penais e o direito intertemporal a questão que se

amplia é quanto aos processos em curso e o início da vigência da lei processual nova: continuarão elels a ser regidos pela lei velha, que vigorava no seu início, ou passarão a ter o seu curso regido pela lei nova?

Preliminarmente devemos considerar que as leis novas visam uma melhor prestação

jurisdicional, a inovação no ordenamento jurídico não se faz debalde, busca ser a lei nova mais perfeita que a precedente, tanto na proteção do interesse coletivo, quanto no respeito aos direitos e garantias individuais. Justamente por isso, deverão ter aplicação imediata, não havendo justificativa para a ultra-atividade de uma lei menos eficiente.

Segundo Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró: Para resolver o problema das leis

processuais no tempo, pode-se cogitar três sistemas: (1) o da unidade processual, (2) o das fases processuais e (3) o do isolamento dos atos processuais.

1 – da unidade processual: o processo será regido por uma única lei, aquela que

possuia vigência no momento da sua instauração ou pela lei nova. No caso, a lei velha continuaria ultra-ativa ou a lei nova retroagiria, no primeiro caso a aplicaçã lesgislativa seria tormetosa, pois cada processo teria uma linha cronológica de aplicação legal própria; no segundo caso ocasionaria violação aos direito processuais adquiridos e implicaria em desperdício da atividade processual, pois todos os atos seriam refeitos diante da lei nova.

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2 – das fases processuais: Considerar-se-ia, separadamente, cada uma das fases processuais autônomas, quais sejam a postulatória, a ordinatória, a instrutória, a decisória e a recursal, que poderão ser regidas, de per si, por uma lei diferente. Consequentemente, a lei anterior será ultra-ativa até o final da fase que estava em curso, quando entrou em vigor a lei nova, que só passará a ser aplicada a partir da fase seguinte.

3 – Isolamento dos atos processuais: cada ato será regido pela lei em vigor a seu

tempo, admitindo-se que a lei velha regule os atos práticados durante sua vigência, enquanto a lei nova terá aplicação imediata, passando a disciplinar os atos futuros, sem limitações relativas ás fases processuais.

Verificando o artigo 2º do Código de processo penal a solução seria fácil, posto que

vige o princípio da imediatidade, sob o qual transparece a adoção do sistema do isolamento dos atos processuais, o qual soluciona diversos problemas de direito intertemporal. Não se trata, porém, de critério absoluto, havendo casos em que se deverá adotar solução diversa, segundo os princípios e regras de direito intertemporal normalmente aceitos pela doutrina. 7. Lei processual penal no Espaço. A aplicação da lei processual penal pátria é informada pelo princípio da teritorialidade (tempus regit actum) como regra geral de solução de conflitos. Assim, devem ser aplicados/interpretados no Brasil tanto as disposições do Código de Processo Penal, quanto os enunciados da legislação processual extravagante. Excepcionalmente, porém, a lei autoriza a incid~encia de outros diplomas normativos, Iin verbis: Art. 1 o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da Repúblic a, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (C onstituição, arts. 86, 89, § 2 o, e 100); III - os processos da competência da Justiça Milita r; IV - os processos da competência do tribunal especi al (Constituição, art. 122, n o 17); V - os processos por crimes de imprensa. Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Có digo aos processos referidos nos n os. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não di spuserem de modo diverso. 8. Leis Processuais penais em relação ás pessoas. A- IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS:

• Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18/4/1961 (Decreto Legislativo n. 103/64) – referem-se a qualquer delito e estendem-se a todos os agentes diplomáticos; Chefe de Estado estrangeiro e membros de sua comitiva; as sedes diplomáticas são invioláveis;

• Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 24/4/1963 (Decreto Legislativo n. 06/1967) – abrange tão-só os atos realizados no exercício das funções consulares.

B- IMUNIDADE PARLAMENTAR

• Material: imunidade absoluta ou inviolabilidade, que se fundamenta no Art. 53, caput, CF. • Formal: imunidade parlamentar material ou relativa, a qual se subdivide em quatro

espécies: • - Direito de não ser preso, salvo em flg por crime inafiançavel (Art. 53, §2º) ; • - Direito de não ser processado (art. 53, §3º, 4º e 5º);

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• - Direito de não ser obrigado a depor como testemunha (Art. 53, § 6º); • - Garantia do foro privilegiado (Art. 53, §1º) .

REFERÊNCIAS BÁSICAS: AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2009. ARAS, Vladimir - Princípios do Processo Penal, in Revista de Direito Penal - www.direitopenal.adv.br. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal Constitucional. São Paulo: RT, 2000. FERRAJOLI, Luigi. direito e razão. editora revista dos tribunais. 2002. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 2008. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal - estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2002. LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. LOPES Junior, Aury. Investigação preliminar no processo penal. 2a ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. _____. Introdução Crítica ao Processo Penal. Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4.ª edição. Editora: Lumen Juris. 2006. _________. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol I, 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. (Coordenadora – vários autores) – As reformas no processo penal: As novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 12.ª edição. Editora: Lumen Juris. 2007. TÁVORA, Nestor & ALENCAR, Rosmar A.R. C de. Direito Processual Penal. Salvador; Editora Jus Podivm, 2008. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2006.