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PROFESSORAS ALFABETIZADORAS: SUAS PRÁTICAS DE ENSINO, O RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DOCENTE E SUAS DIFICULDADES DIDÁTICAS As três pesquisas apresentadas neste painel trazem discussões que abordam aspectos relacionados ao trabalho didático de professoras alfabetizadoras, o início de carreira e o aprendizado da profissão como alfabetizador e o reconhecimento da identidade de alfabetizadoras. Os estudos foram feitos numa perspectiva sociológica todos tem em comum o desafio de decifrar aspectos ligados à prática do professor alfabetizador para aprimorar a formação docente. O primeiro texto - Professoras alfabetizadoras e o ensino do uso do caderno- por meio de entrevistas orientadas com questões baseadas em alguns referenciais teórico-metodológicos, foi obtido manifestações de professoras alfabetizadoras transgressoras que atuam em processos em que sabem o que precisam ensinar aos seus alunos e como fazem isto no contexto da política educacional que vem buscando implantar o construtivismo ampliando as possibilidades de compreensão da ação alfabetizadora que escapa ao controle dessa hegemonia. No segundo trabalho Dificuldades didáticas de professores alfabetizadores no início da carreira os dados foram coletados a partir de instrumentos como observação, entrevista, questionário online e questionário com escala. Teve como objetivo identificar as dificuldades didáticas de professores iniciantes, ou seja, dificuldades encontradas no âmbito da sala de aula no processo de ensino. A terceira pesquisa Conhecimentos necessários para alfabetizar e o reconhecimento da identidade de professoras alfabetizadoras- foi realizada por meio de entrevistas intensivas, semi-estruturadas, feitas com seis alfabetizadoras. Foram obtidos resultados relativos aos conhecimentos considerados necessários para alfabetizar e às referências para as aprendizagens sobre a profissão e dados a respeito das impressões das professoras sobre suas próprias condições como alfabetizadoras. Palavras-chave: Professores Alfabetizadores. Professores Iniciantes. Identidade Docente. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3773 ISSN 2177-336X

PROFESSORAS ALFABETIZADORAS: SUAS PRÁTICAS ...aluno que não sabe, vai aprender com aquele que já lê. Há unanimidade entre as alfabetizadoras no que diz respeito à contribuição

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PROFESSORAS ALFABETIZADORAS: SUAS PRÁTICAS DE ENSINO, O

RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DOCENTE E SUAS DIFICULDADES

DIDÁTICAS

As três pesquisas apresentadas neste painel trazem discussões que abordam aspectos

relacionados ao trabalho didático de professoras alfabetizadoras, o início de carreira e o

aprendizado da profissão como alfabetizador e o reconhecimento da identidade de

alfabetizadoras. Os estudos foram feitos numa perspectiva sociológica todos tem em comum o

desafio de decifrar aspectos ligados à prática do professor alfabetizador para aprimorar a

formação docente. O primeiro texto - Professoras alfabetizadoras e o ensino do uso do

caderno- por meio de entrevistas orientadas com questões baseadas em alguns referenciais

teórico-metodológicos, foi obtido manifestações de professoras alfabetizadoras transgressoras

que atuam em processos em que sabem o que precisam ensinar aos seus alunos e como fazem

isto no contexto da política educacional que vem buscando implantar o construtivismo

ampliando as possibilidades de compreensão da ação alfabetizadora que escapa ao controle

dessa hegemonia. No segundo trabalho – Dificuldades didáticas de professores

alfabetizadores no início da carreira – os dados foram coletados a partir de instrumentos como

observação, entrevista, questionário online e questionário com escala. Teve como objetivo

identificar as dificuldades didáticas de professores iniciantes, ou seja, dificuldades

encontradas no âmbito da sala de aula no processo de ensino. A terceira pesquisa –

Conhecimentos necessários para alfabetizar e o reconhecimento da identidade de professoras

alfabetizadoras- foi realizada por meio de entrevistas intensivas, semi-estruturadas, feitas com

seis alfabetizadoras. Foram obtidos resultados relativos aos conhecimentos considerados

necessários para alfabetizar e às referências para as aprendizagens sobre a profissão e dados a

respeito das impressões das professoras sobre suas próprias condições como alfabetizadoras.

Palavras-chave: Professores Alfabetizadores. Professores Iniciantes. Identidade Docente.

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3773ISSN 2177-336X

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CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS PARA ALFABETIZAR E O

RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS

Milka Helena Carrilho Slavez

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul-UEMS

RESUMO

O presente artigo expõe uma parte dos resultados apresentados na tese de doutorado,

defendida no ano de 2012, teve por objetivo investigar questões que envolvem os fatores que

levam os professores a escolherem e permanecerem nas classes de alfabetização, os saberes

que eles adquirem ao longo de suas trajetórias ao exercerem esse ofício e a identidade

profissional que desenvolvem. O tema foi abordado numa perspectiva sociológica e

constituem apoios teóricos os estudos sobre socialização primária e secundária de Berger e

Luckmann, sobre socialização profissional docente de Dubar e sobre o fator tempo na

constituição dos saberes e da identidade profissional de Tardif e Raymond. A pesquisa, de

abordagem qualitativa, efetivou-se por meio de questionários feitos com 54 professores que

atuavam em classes de alfabetização de escolas públicas e particulares do município de

Paranaíba-MS e por meio de entrevistas intensivas, semi-estruturadas, feitas com 06 desses

alfabetizadores. Neste artigo apresentados os resultados referentes a dados relativos aos

conhecimentos considerados necessários para alfabetizar e às referências para as

aprendizagens sobre a profissão e dados a respeito das impressões das professoras sobre suas

próprias condições como alfabetizadoras. Os resultados obtidos foram analisados à luz do

referencial teórico norteador da pesquisa. A percepção das especificidades do trabalho que as

alfabetizadoras realizam foi posta em destaque.

Palavras chave: Professores alfabetizadores, identidade profissional docente, trajetória

docente.

INTRODUÇÃO

O presente artigo é parte da tese de doutorado intitulada Percursos identitários de

professores alfabetizadores no município de Paranaíba –MS. Na referida pesquisa as questões

que envolvem os fatores que levam os professores a escolherem e permanecerem nas classes

de alfabetização, os saberes que eles adquirem ao longo de suas trajetórias ao exercerem esse

ofício e a identidade profissional que desenvolvem, pareciam reunir as condições para

propiciar uma compreensão sobre as necessidades formativas que se apresentam na prática e,

com isso, fornecer elementos, tanto para melhor direcionar a formação inicial no curso de

Pedagogia de Paranaíba-MS, quanto (e sobretudo) para investigar, especificamente, o

percurso de formação e construção de identidade profissional de professoras alfabetizadoras.

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Desse modo, esta pesquisa, realizada na perspectiva sociológica, buscou entender o

processo de construção da identidade do professor alfabetizador, tendo, como referencial

norteador, os conceitos de socialização e identidade profissional docente, segundo Berger

(1986), Berger e Luckmann (2003), Dubar (1997), Tardif (2001; 2002) e Tardif e Raymond

(2000).

Procedimentos adotados para a investigação

Os sujeitos selecionados foram professores dos 1º e 2º anos do ensino fundamental de

escolas estaduais, municipais e particulares. Para selecionar os sujeitos da pesquisa foram

utilizados, como instrumentos iniciais para coleta de dados, questionários, elaborados de

acordo com a perspectiva apontada por Januário (1996) e Ludke e André (1986). Eles foram

aplicados em 54 professores de escolas estaduais, municipais e particulares, existentes no

município. A partir das respostas apresentadas nos questionários, foi possível identificar

aqueles professores que vinham escolhendo salas de alfabetização e nelas permanecendo há

mais de 10 anos.

Uma vez identificados os professores que atuavam há mais de dez anos nas classes de

alfabetização – 25 professores, foi possível realizar contatos com eles e a partir daí, foram

selecionadas seis professoras que concordaram em participar da pesquisa, com nomes

fictícios.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, intensivas e em profundidade, que

possibilitaram o conhecimento da história de vida e percurso identitário profissional das seis

professoras, observando-se as orientações apontadas por Januário (1996), Ludke e André

(1986) e Zago (2003). Para o presente artigo serão apresentados apenas os

- Dados referentes aos conhecimentos considerados necessários para alfabetizar e às

referências para as aprendizagens sobre a profissão;

- Dados relativos às impressões das professoras sobre suas próprias condições como

alfabetizadoras.

Aprendizagem da profissão e conhecimentos considerados necessários para alfabetizar

A esse respeito, vale lembrar que a aprendizagem da profissão de professor começa

muito antes de ele assumir uma sala de aula. Nas palavras de Tardif e Raymond (2000, p.

216): “(...) uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do

professor e sobre como ensinar provém de sua própria história de vida, principalmente de sua

socialização enquanto alunos”.

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Desse modo, com exceção de Luiza que apenas se lembrava da cartilha Caminho

Suave, quando foi alfabetizada, todas as alfabetizadoras reconheceram, em si, traços de suas

antigas professoras, a exemplo de Nanci, que se via muito semelhante à professora de quem

gostou, pois era carinhosa e atenciosa. Paloma também se identificava com “Tia” Neide, que

era muito boa, carinhosa e sorridente. Iara disse que herdou de sua professora o gosto por

artes, teatro, a organização do caderno e a valorização do trabalho do aluno. Jandira sempre

afirmou que inicia suas aulas como sua antiga professora alfabetizadora, que começava as

aulas com músicas, com brincadeiras... e acreditava que essa era uma forma de cativar os

alunos, e prender a atenção deles. Já a professora Rute afirmou colocar o alfabeto na parede e

fazer leituras coletivas, porque sua alfabetizadora fazia o mesmo. Ela acreditava que assim o

aluno que não sabe, vai aprender com aquele que já lê.

Há unanimidade entre as alfabetizadoras no que diz respeito à contribuição das trocas

com colegas para seu aprendizado da profissão. Até mesmo Luiza, que durante a entrevista,

por várias vezes, se queixou da dificuldade no relacionamento com as colegas, reconheceu

que aprendeu muito com “(...) Eliúcia, uma professora que alfabetizava crianças surdas e

mudas, utilizando o método fônico... a “dica” dada por ela para procurar aprender esse

método foi uma grande ajuda”. Paloma citou a irmã Flora que acrescentou muito para sua

vida, tanto como pessoa, quanto como profissional. Das trocas que teve com as colegas, as

mais marcantes, para Iara, foram com D. Vanda que lhe dava umas boas “dicas”. Entretanto,

concluiu que elas a ensinavam, mas ela acrescentava um pouco de seu próprio jeito. A

professora alfabetizadora que trabalhava de manhã e tinha 10 anos de experiência na escola

onde Jandira começou alfabetizar, contribuiu muito para seu aprendizado. Rute recordou-se

de uma situação de troca que ocorreu em um curso de formação continuada, o que a fez

perceber que subestimava seus alunos e, a partir daí, mudou sua prática.

A Habilitação Específica para o Magistério, em nível médio, teve uma grande

influência na formação de todas as alfabetizadoras. Ao mencionarem a contribuição que a

formação inicial teve para seu aprendizado da profissão, todas citaram essa primeira

formação. Das coisas que aprenderam na formação inicial e que ainda utilizam, em suas

práticas, Nanci, por exemplo, menciona as referências adquiridas com leituras sobre

alfabetização de Teresinha Carraher e Emília Ferreiro. Luiza ainda fazia o planejamento como

aprendeu em sua formação inicial. Paloma não se esquecia da professora de Didática que

aconselhava a ficar sempre atenta aos alunos. As lições de Didática também são lembradas

por Iara, como a atenção à postura; além do pedagógico a maneira de agir. Jandira procurava

fazer como foi ensinada: mantém a organização do ambiente de trabalho e do material.

Também aprendeu a valorizar a estética, de como fazer um cartaz, como organizar um

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caderno de tarefa, as atividades bem elaboradas, diversificadas. Rute aprendeu a teoria sobre a

hipótese da escrita da criança, no magistério, e isso permanece em sua prática.

Dos cursos de formação continuada, Rute e Paloma citaram o PROFA, a segunda

chegou a fazê-lo por duas vezes, para que não restassem dúvidas. O único curso que marcou a

carreira de Luiza e que ela ainda defendia era o curso do método fonético de Heloísa

Meireles, a escritora da cartilha Casinha Feliz, pois, quando teve que assumir a alfabetização,

após o fechamento das classes de pré-escola mantidas pelo Estado, se sentiu perdida e esse

curso foi a solução para suas dificuldades, por isso não abandona esse método. Nanci

aproveitava muita coisa dos cursos de formação continuada, deu como exemplo a contação de

história, que passou a fazer parte de sua prática. Iara gostou dos momentos de conversa,

porque assim surgia troca de novidade entre os professores, mas reconheceu também que é

um momento de estudo de discussão coletiva. Jandira mencionou as palestras a que assiste

todo ano em um evento chamado Pensar Educação. Como se pode constatar, ao trabalharem

com turmas de alfabetização, essas professoras foram buscando aprender mais sobre o

processo de alfabetização; por isso, procuraram estudar mais e fazer cursos.

Obviamente, os saberes específicos sobre a alfabetização são provenientes da

formação inicial e da continuada, da troca com colegas e ainda da prática, da experiência

adquirida por meio dos sucessos e insucessos e nas relações com os alunos. Sobre a

experiência no trabalho docente, Tardif e Lessard (2005, p.52-3), a partir de pesquisas

realizadas, concluíram que

(...) se a experiência de cada docente que encontramos é bem própria, ela não deixa

de ser também a de uma coletividade que partilha o mesmo universo de trabalho,

com todos os seus desafios e suas condições. Por isso, as vivências mais íntimas

excedem a intimidade do Eu psicológico, para inscreverem-se numa cultura

profissional partilhada por um grupo, graças à qual seus membros atribuem

sensivelmente significados análogos a situações comuns. Neste sentido, viver uma

situação profissional como um revés ou um sucesso não é apenas uma experiência

pessoal. Trata-se também de uma experiência social, na medida em que o revés e o

sucesso de uma ação são igualmente categorias sociais através das quais um grupo

define uma ordem de valores e méritos atribuídos à ação. Em síntese, o que nos

interessa com essa noção de experiência social do ator é precisamente as situações e

significações pelas quais a experiência de cada um é também, de certa maneira, a

experiência de todos.

Desse modo, as experiências vividas, no cotidiano da sala de aula, são anotadas pelas

alfabetizadoras no Caderno de Planos. A única que não anota é Iara. Esse é o modo que as

professoras encontraram para registrar e, consequentemente, refletir sobre o que deu certo e o

que não deu, a fim de nortear seu trabalho. Quando a atividade não dá certo, elas procuram

pensar sobre como refazê-la de modo diferente, porque o objetivo não foi atingido; aquelas

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que foram boas, registram como foi o desenvolvimento. Assim, no ano seguinte, elas

reaproveitam, acrescentam outras e, a cada ano, vão modificando.

Um traço comum a todas as alfabetizadoras é o sentimento de realização que têm ao

verem seus alunos lendo, produzindo um pequeno texto, realizando atividades mais avançadas

ou agindo com maior independência. Esse sentimento de realização é muito forte, pois,

conforme revelou Rute, mesmo depois de 25 anos trabalhando com alfabetização, ainda se

sente realizada ao ver seus alunos começando ler. Entretanto, o sentimento de desânimo

também faz parte do trabalho dessas professoras, mas, nesse aspecto, os motivos são variados.

Nanci sente-se desanimada quando chega ao meio do ano e metade da turma sabe e a outra

metade não sabe. Esse é também o motivo de desânimo de Luiza quando, mesmo após tentar

de tudo, não descobre porque seu aluno não aprende. Rute também desanima quando acha

que a turma não está rendendo. Para Paloma, a fonte do desânimo é falta de apoio da família,

quando insiste com uma criança, depois vê que a família não colabora, não continua, assim

fica frustrada, porque a criança tem um potencial, mas tem algo atrapalhando. Também, para

Iara, a família é a causa de seu desânimo, quando prepara a atividade, manda para casa e

não volta, não tem retorno. A única que disse que não há momentos em que desanima foi

Jandira.

Quanto aos conhecimentos necessários para alfabetizar, três professoras – Paloma,

Jandira e Rute – foram específicas quanto ao conhecimento que é próprio da alfabetização.

Elas apontaram que é necessário conhecer os níveis, ou fases, em que as crianças se

encontram para melhor direcionar as atividades, voltando-as às necessidades dos alunos. Por

isso, o professor tem que saber como as crianças aprendem e como é o processo de

alfabetização; tem que ter noção sobre o desenvolvimento da criança, o pensamento da

criança. Nanci, Luiza e Paloma fizeram referência também ao respeito à individualidade, ao

limite de cada um dos alunos, porém isso se aplica a qualquer nível de ensino, não é intrínseco

à alfabetização. Uma característica apontada por Nanci e também foi mencionada por Paloma

é que o professor alfabetizador precisa ser observador para ver a maneira que o aluno

aprende. Contudo, embora seja muito importante que o professor alfabetizador tenha essa

habilidade, os demais professores também devem ser observadores. Não se trata, portanto, de

um conhecimento inerente à alfabetização. O mesmo se percebe nos aspectos indicados por

Iara, que foram: o professor deve conhecer a alma infantil, o ser humano e gostar muito de

criança. Esta última característica foi também exposta por Luiza, que acrescentou que o

alfabetizador precisa ter paciência.

Com o mesmo intuito de identificar, no professor que atua em classes de alfabetização,

traços presentes nos seus conhecimentos específicos que fossem representativos para a

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constituição de sua identidade como alfabetizador, investigou-se, ainda, qual/is

conhecimento/s diferencia/am as alfabetizadoras dos demais professores.

No grupo investigado, as opiniões são variadas. A princípio, as alfabetizadoras

concordaram que têm conhecimentos que os outros professores das outras séries não têm.

Observou-se que estavam se comparando aos professores das séries mais avançadas do ensino

fundamental, como o professor de Geografia, de História, porque têm um conhecimento

específico, conforme mencionou Jandira. Mas, ao serem solicitadas a pensarem nos

professores do 3º ou 4º anos do ensino fundamental, suas respostas foram mais detalhadas e

apresentaram visões desse conhecimento um pouco mais precisas.

As declarações de Paloma e Rute ressaltam o conhecimento das fases da criança.

Entretanto, a segunda observa: é um conhecimento que todos os professores tiveram em sua

formação, mas aparentemente se esquecem quando passam a ensinar nas séries mais

avançadas do ensino fundamental. Ela também destaca o respeito que o professor precisa ter

pelo tempo que cada criança precisa para aprender. Nanci concorda que os outros

professores também tenham esse conhecimento, mas ela considera a dificuldade de lidar com

a maioria da classe já alfabetizada. Desse modo, mesmo conhecendo as especificidades da

alfabetização, esse professor precisa ter uma habilidade para lidar com os diferentes níveis

das crianças. Luiza ressalta características necessárias, como: ser detalhista e sequencial para

atender alunos que dependem mais do professor, mas conclui que as práticas dos professores

alfabetizadores são diferentes. Iara adverte que nem todas as alfabetizadoras têm o

conhecimento sobre como a criança pensa. Nota-se que as três primeiras – Paloma, Rute e

Nanci – apontaram, como conhecimentos que diferenciam o professor alfabetizador dos

outros das demais séries, atributos que, de fato, não se aplicariam às séries mais avançadas.

A dificuldade de os professores reconhecerem seu próprio conhecimento também foi

verificada por Shulman (2005) em seu artigo Conocimiento y enseñanza: fundamentos de la

nueva reforma. Nele, esse autor admite que “(...) os próprios professores têm dificuldades

para articular o que conhecem e como conhecem.” (idem, p.8) Aparentemente, esses

conhecimentos estão tão arraigados nas práticas dessas alfabetizadoras, que elas não

conseguem explicitá-los.

Há ritmos, contudo, diferentes de desenvolvimento e de aprendizado. Assim, com os

alunos mais lentos, as alfabetizadoras empregam meios para fazê-los avançar, como por

exemplo, colocá-los para sentar com outros alunos que os auxiliam; por isso, procuram

desenvolver atividades em grupos ou duplas – é o que fazem Luiza, Paloma, Jandira e Rute.

Na escola onde Nanci atua, não há aulas de reforço, por isso ela prepara atividades

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diferenciadas para os alunos estudarem em casa, elabora um material reforçando as bases da

alfabetização, chama o pai e o orienta. Quando o pai não ajuda, cobra do aluno mesmo e às

vezes fica com ele durante o recreio. O recurso que Iara utiliza é colocar uma atividade

diversa para os outros alunos e sentar com aquele que tem dificuldade.

Resultados e algumas considerações

A percepção das especificidades do trabalho que as alfabetizadoras realizam foi posta

em destaque, por meio da exposição do modo como aprenderam a profissão, considerando,

nas trajetórias, as influências de antigas professoras, das trocas com os colegas, da formação

inicial e continuada, das experiências adquiridas na prática. Também foram apreciados os

conhecimentos reconhecidos pelas professoras como específicos à alfabetização, suas rotinas

e suas relações com os alunos. Todas essas facetas estão entrelaçadas no processo de

constituição da identidade profissional das alfabetizadoras.

Por desempenharem, por tantos anos, a mesma tarefa de alfabetizar, as professoras

identificaram mudanças nas práticas, como Nanci e Luiza, que reconheceram que o que

mudou foi a segurança que adquiriram. Para Paloma, o que mudou foi que aumentou a

paciência de com o processo de aprendizagem de seus alunos. Iara tornou-se mais atenta e

reflexiva sobre o trabalho que realiza. Jandira se considerava menos autoritária e acredita

mais no trabalho em grupos, na interação. Rute ponderava que sua prática mudou e foi

melhorando, porque foi aprendendo, foi aplicando e o trabalho dos outros foi contribuindo.

Sua forma de alfabetizar mudou, porque tinha as cartilhas e foi se adequando, procurou se

adaptar.

A seguir, são examinados os depoimentos sintetizados que destacam como as

professoras se definem como alfabetizadoras. No momento em que foram convidadas a

responder se já haviam pensado em si mesmas, como alfabetizadoras, demonstraram

estranheza. Foi necessário estabelecer o contraste, a partir da apresentação da continuação da

pergunta que as incitou a verificar se percebem diferenças entre elas e os outros professores

por serem alfabetizadoras. Os depoimentos merecem ser lidos na íntegra:

Eu não digo diferente, mesmo porque eu falei pra você, eu já atuei em todas as

outras áreas. Mas eu me identifico mais com essa parte, eu gosto dessa parte. Eu

não vejo que eu sou diferente das outras não. De repente os outros podem até achar

(risos) Você nunca tinha pensado nisso? Não, eu não acho. Eu não sinto essa

diferença. Não penso assim não, porque eu alfabetizo, eu sou diferente. Eu me vejo

como professora. Só que eu prefiro alfabetização. (Nanci)

Ah eu dou uma certa importância pra mim sim, Milka, sabe. Porque é gratificante,

não é como você ter os alunos já vindo de outras professoras, vindo sei lá, tendo

uma certa experiência escolar... é diferente de você receber aquelas crianças assim,

que eles esperam tudo de você, sabe. Nossa! você precisa de ver: eles estão longe lá,

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e eu tô escutando tia, tia. Eles me chamam de tia... Eu acho, eu dou muita

importância pro meu trabalho. Você já tinha pensando nisso? Sim eu falo pra todo

mundo, eu sou professora alfabetizadora. Não sou assim uma simples professora,

você trabalha completando o que os outros já fizeram. Quer dizer, eu completo a

educação infantil é claro, mas eu sou a que inicia a alfabetização praticamente. Eu

inicio entendeu, é diferente Milka. (Luiza)

Será que eu vejo diferente? Em certas horas eu me vejo no compromisso. Que é um

compromisso muito grande ser alfabetizadora é uma responsabilidade muito

grande. Porque as séries menores, a criança passa, pode vir com dificuldade, parte

de psicomotricidade tudo. Ela vem, vem, vai passando. Tem toda uma importância,

mas não acentua tanto, quanto acentua na alfabetização. Aí você se depara né, com

todo aquele... os vários problemas aí é muito grande, o professor de alfabetização...

Porque se você deixou ir, sem estar preparado, foi você. Se você fez mal feito, ele

tinha capacidade e você não fez o que tinha que fazer, foi você. Então eu vejo dessa

forma, não que eu me veja diferente, eu vejo sim que o compromisso é maior. A

preocupação é maior. Já havia pensado nisso? Eu pensar não, eu já ouvi já, já li.

Mas acho que pensar dessa forma, eu ainda não pensei não. Eu acho que não caiu a

ficha assim, nem sei se vai cair também. Eu acho que a criança entrou na escola,

num processo todinho de alfabetização. E começa aí. O conhecimento que o

alfabetizador tem, faz alguma diferença? Ah sim. Se for pensar em relação as

outras sim, tem uma diferença. E eu acho que a gente acaba buscando mais também

do que elas, eu acho, né. (Paloma)

Não eu nunca pensei assim eu sou alfabetizadora. Eu sempre penso professora, eu

penso assim eu com os alunos. Eu penso eu e os alunos, os alunos e eu. Momento de

troca de conhecimento, assim eu vejo a questão do papel do professor, eu percebo

assim. Não me vejo. Eu penso assim, papéis diferentes, cada um tem um espaço a

ocupar aí, e precisa. Então ninguém é mais que ninguém, cada um tem a sua

importância no seu lugar. Não eu não me vejo diferente não. Igual eu te falei, assim

que eu penso que talvez seja mais difícil a questão de você ter que alfabetizar, você

tem que alfabetizar e você vê. Você vê quando a criança começa a ler, você percebe.

Enquanto os demais, eles pegam mais fragmentados né. Então a gente pra

alfabetização, a gente tem esse olhar de perceber quando começa a leitura, quando

ele vai criar, ele vai avançando. Então talvez a gente seja privilegiada por ter esse

momento, eu vejo assim. Mas daí ser mais ou menos, não. Eu vejo que cada um tem

mesmo a sua função e é isso. (Iara)

Eu vejo a minha profissão como única, eu vejo a minha profissão início da vida

escolar de uma criança. Por isso, que eu ou continuo com esse aluno na escola, ou

eu descarto ele de vez da escola. Do jeito que eu vou levar pra ele, o que é a leitura

e a escrita. Se eu for levar pra ele que a leitura e escrita é uma obrigação, que ele

tem que ler e escrever e sim corretamente, eu já tô falando pra ele, tchau. Escola

não serve pra você. Agora se eu levar a leitura e escrita pra ele, como um papel

fundamental pra vida dele, que ele vai realmente utilizar, e que ele vai conseguir.

Então eu acho, que o papel do alfabetizador é o pontapé numa escola. Ou ele

destrói, ou ele constrói. Você se vê diferente das outras professoras por ser uma

alfabetizadora? Ah não, nesse sentido de me sentir não. Nunca. Eu acho que eu

queria ser mais, tem muita coisa pela frente. Não é no sentido de fazer melhor ou

pior do que ninguém, mas é alguém que tem uma especialidade? Com certeza.

Aha. Nesse sentido? Segurança disso. Uma segurança daquilo que faz, com certeza.

(Jandira)

Não. eu acho assim, quando igual quando eu era criança, eu não tinha noção do

que era uma alfabetizadora, queria ser uma professora. Então eu sabia que

professor tinha que ensinar né, tinha que lidar com as crianças, tinha que ensinar

coisas assim. Mas diferente não, eu acho que os professores eles são assim,

professores. Independente de que nível que eles estejam atuando né, porque ele não

deixa de ser um professor. Nem melhor nem pior, só porque tá lá em cima. Eu até

vejo assim, ainda falo assim, eu acho que quem deveria ganhar mais, são os

professores alfabetizadores, eles sofrem mais que os outros né. Trabalham dobrado,

não que lógico, não tô desmerecendo, não. Porque quem trabalha com adultos, cada

um tem né, mas a preparação é maior, a exigência é maior. Então nesse sentido

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você não se vê diferente das outras, por essa exigência, por essa responsabilidade

que você tem? Ah não sei se é diferente, mas tem uma carga a mais né. Mas aí no

caso, o professor alfabetizador ele se especializa nisso, o que você me diz? Eu acho

que ele acaba se especializando, buscando isso né. Porque o professor só quer

saber disso, tudo que fala sobre alfabetização já dá um toque, já tá ligado. Você

acaba vivendo isso 24hrs, o que eu vou fazer, como eu vou fazer, como que eu vou

melhorar isso, tem que fazer isso diferente. Não deu certo, como que eu vou mudar.

E você já tinha se pensado assim: eu sou uma alfabetizadora? Não. Até não. Eu

sempre achei que eu era uma professora assim, mas não uma alfabetizadora Não

sei, eu acho que o professor alfabetizador, ele nasce né alfabetizador. E eu não sei,

é uma coisa assim que eu penso que tá dentro da gente, que você quer aquilo, você

quer trabalhar com as crianças e é gostoso. É gostoso ver eles desenvolver, chegar

no fim do ano depois quando eles estão produzindo por si só, que você vê que você

só encaminhou e vê aquelas produções... (Rute)

Observa-se, nas declarações das alfabetizadoras, primeiramente, a resistência a

diferenciar-se dos demais professores, pelo entendimento de que seria uma presunção sentir-

se diferente, mas acabam identificando aspectos variados que evidenciam as diferenças. A

esse respeito, vale lembrar aqui Dubar (2009, p. 13) quando defende que

(...) a identidade não é o que permanece necessariamente “idêntico”, mas o resultado

de uma “identificação” contingente. É o resultado de uma dupla operação

linguageira: diferenciação e generalização. A primeira é aquela que visa a definir a

diferença, o que constitui a singularidade de alguma coisa ou de alguém

relativamente a alguém ou a alguma coisa diferente: a identidade é a diferença. A

segunda é a que procura definir o ponto comum a uma classe de elementos todos

diferentes de um mesmo outro: a identidade é o pertencimento comum. Essas duas

operações estão na origem do paradoxo da identidade: o que há de único é o que é

partilhado. Esse paradoxo só pode ser solucionado enquanto não se leva em conta o

elemento comum às duas operações: a identificação de e pelo outro. Não há nessa

perspectiva, identidade sem alteridade. As identidades, como alteridades, variam

historicamente e dependem de seu contexto de definição.

A partir dessa definição apresentada por Dubar (idem), pretende-se salientar aqui, nas

declarações das alfabetizadoras, primeiramente, os aspectos que elas reconhecem como algo

que as diferencia dos demais professores. Assim, nessa direção, foram identificados os

seguintes aspectos mencionados nos depoimentos das professoras:

Habilidade para lidar com os diferentes níveis das crianças;

Responsabilidade pelo início da alfabetização formal;

Compromisso e responsabilidade maior para não permitir que a criança prossiga sem

aprender;

Atenção para perceber quando começa a leitura e os avanços nesse aprendizado;

Apresentação da leitura e da escrita para a criança, como um papel fundamental para sua

vida, que vai realmente utilizar e conseguir aprender;

Preparação maior e especialização no que se refere à alfabetização.

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Do mesmo modo, espera-se evidenciar o que há em comum a todas as professoras que

possa caracterizá-las, como possuidoras de uma identidade como alfabetizadoras. Assim, após

uma revisão em todo texto para “garimpar” traços comuns a todas, foram eles localizados:

Utilizam do conhecimento sobre as fases do desenvolvimento das crianças para melhor

direcionar as atividades;

Consideram as necessidades individuais e o tempo necessário para cada criança aprender;

Organizam a rotina, cuidadosamente, com atividades apropriadas ao início da

alfabetização;

Sentem-se realizadas, ao verem seus alunos lendo, produzindo um pequeno texto,

efetuando atividades mais avançadas, ou agindo com maior independência;

Reconhecem, em si, traços de suas antigas professoras;

Afirmam não usar de repressão e entender a dispersão dos alunos, assumindo seu papel

para intervir e assegurar o aprendizado;

Admitem que pode haver algum problema com a atividade ou o modo como está sendo

conduzida quando notam desinteresse geral;

Mantêm boa relação com os superiores, no caso os diretores ou coordenadores;

Admitem exercer liderança entre seus colegas;

Consideram a importância da contribuição da formação inicial para o aprendizado da

profissão;

Sentem que seus alunos gostam delas;

Têm muita experiência e conhecimentos adquiridos ao longo de suas trajetórias, mas

admitem que ainda precisam aprender mais;

Demonstram ter comprometimento com o aprendizado dos seus alunos;

Reconhecem que há necessidade de melhoria nas condições de trabalho.

A análise dos traços comuns a todas as alfabetizadoras revela que apenas os quatro

primeiros aspectos identificados são exclusivos à alfabetização. Nos dois primeiros itens, é

evidente a influência da psicogênese da língua escrita bastante difundida por Emília Ferrero, a

partir da década de 1980, período que coincide com a época em que as alfabetizadoras se

formaram no magistério – além, é claro, dos cursos de formação continuada como o PROFA,

mencionado por elas, que também segue essa mesma linha construtivista.

O elemento comum às duas operações, denominadas diferenciação e generalização,

conforme Dubar (2009), é a identificação do e pelo outro, ou seja, a alteridade. Esta

alteridade depende do modo como são valorizados na sociedade, de como são vistos pelos

outro.

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Desse modo, não é difícil entender o estranhamento apresentado pelas professoras

diante do desafio de definirem-se como alfabetizadoras e, portanto, assumirem uma

identidade como tal.

Diker & Terigi (2008, p. 142) contribuem para o debate dessa questão, quando

destacam as ideias de “generalidade” e de “trabalho com crianças” que cercam as referências

da sociedade, em geral, acerca da profissão do “professor do primário”:

A diferença do que sucede com os mestres do primário em que não existe uma

identificação com um campo disciplinar especializado, e os mestres dos ciclos

subsequentes só apresentam uma forte identificação com o saber especializado.

Assim, com os professores do primário se dá o caso de outorgar maior importância a

umas áreas que a outras, mas ele tem mais a ver com uma valoração social que com

uma identificação pessoal do professor com o saber especializado; neste caso o que

predomina como elemento de identidade forte é o trabalho genérico de ‘ser o que

ensina as crianças’.

O trabalho apresentado aqui defende que há, sim, uma especialidade entre os mestres

do primário, e ela está associada ao trabalho desenvolvido pelos professores que atuam nas

classes de alfabetização.

Referências

DIKER, G.; TERIGI, F. La formación de maestros y professores: hoja de ruta. Buenos Aires

– AR: Paidós. 2008. p. 91- 190.

DUBAR, C. A crise das Identidades: interpretação de uma mutação. Tradução de Mary

Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2009

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1986.

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como profissão e interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 15 54.

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.A., p. 287-309, 2003.

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PROFESSORAS ALFABETIZADORAS E O ENSINO DO USO DO CADERNO

Alda Junqueira Marin

Tamara Fresia Mantovani de Oliveira

PEPG Educação:História, Política, Sociedade

Resumo

Este relato é parte de pesquisa mais ampla que focaliza o trabalho didático de professoras

alfabetizadoras. Estão presentes informações obtidas especificamente sobre tal trabalho nas

primeiras semanas do ano letivo com crianças de 1º ano do ensino fundamental. Esta parte do

estudo é orientada pelo questionamento por professoras alfabetizadoras transgressoras que atuam

em processos em que sabem o que precisam ensinar aos seus alunos e como fazem isto no

contexto da política educacional que vem buscando implantar o construtivismo ampliando as

possibilidades de compreensão da ação alfabetizadora que escapa ao controle dessa

hegemonia. Este termo reflete o eixo das políticas educacionais desde os anos de 1990 para o

país e, por decorrência, para a rede pública municipal da cidade de São Paulo. Buscou-se,

nesta pesquisa, uma aproximação às reflexões e processos por meio dos quais operam a

reinvenção dos conteúdos do ensino para enfrentar os desafios da alfabetização dos seus

alunos. Esse objetivo foi obtido com as manifestações de professoras a partir de entrevistas

orientadas com questões baseadas em alguns referenciais teórico-metodológicos. Para as

condições de aquisição da língua escrita tomou-se a proposta de alfabetização da Secretaria de

Estado da Educação de Minas Gerais divulgada em 2007; foram utilizadas bases de estudos

que consideram os professores capazes de elaborar “teorias” sobre seu próprio trabalho, além

dos conceitos de senso prático e do núcleo didático do trabalho docente onde estão as

questões de materiais didáticos e procedimentos de ensino. Participaram dessa parte da

pesquisa cinco professoras da rede pública do município de São Paulo. Estão descritos os

resultados sobre a relevância atribuída por elas ao ensino do uso do caderno a crianças que

vêm da educação infantil sem tais domínios compondo parte de um currículo não previsto

oficialmente.

Palavras-chave: Didática; trabalho de professoras alfabetizadoras;

ensino do uso do caderno.

Introdução

No Brasil, a partir de 1980, ocorreram esforços declarados no campo educacional para

incorporar referenciais construtivistas às práticas pedagógicas buscando estratégias eficientes

para a construção da hegemonia do construtivismo, especialmente no âmbito da alfabetização

escolar. Nesse âmbito, observou-se uma tendência, que se expressou por meio de dois

processos simultâneos: a desmetodização da alfabetização escolar, com o deslocamento do

foco do ensino para a aprendizagem do aluno, processo que vem sendo acompanhado por sua

desinvenção, com a tendência para o descomprometimento da escola para com a aquisição dos

códigos de leitura e escrita, parte fundamental do processo de alfabetização (MORTATTI,

2000a, 2000b; SOARES,1998, 2003, 2004).

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Na década de 1990, como mostra Azanha (2006), os esforços de construção de

hegemonia do construtivismo no país levaram o Ministério da Educação a propor Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) com um claro compromisso com a concepção construtivista de

aprendizagem. Segundo o autor, utilizando-se como fundamento para esta proposição o artigo

210 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que “serão fixados conteúdos mínimos

para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação comum e respeito aos valores

culturais e artísticos, nacionais e regionais” (p. 119), o próprio Ministério teria ignorado o

artigo 206, inciso III desta Constituição, que fixa os princípios segundo os quais o ensino será

ministrado atendendo ao “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” (AZANHA, 2006,

p.120). De acordo com o mesmo texto, os autores da introdução dos PCNs, apresentaram-nos

como uma nova reforma do ensino fundamental brasileiro da qual decorreram amplas

consequências na formação e aperfeiçoamento dos professores, na revisão de livros didáticos,

entre outras ações. Desse modo, os PCNs terminaram por assumir um caráter definidor dos

conteúdos e concepções, embora tivessem sido indicados pelo Conselho Nacional de

Educação apenas como orientação curricular (BRASIL, 1997).

O amplamente divulgado Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

(PROFA), desenvolvido pelo Ministério da Educação desde 2001, retomou os pressupostos da

proposta anterior da Secretaria do Ensino Fundamental do Ministério da Educação (MEC)

relativos ao “Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado: Alfabetização”, sob as

mesmas bases do projeto “Parâmetros em Ação” criado em 1999, como resultado da tentativa

da implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o 1.º 2.º Ciclos, de

1997 (MINAS GERAIS, 2003; BRASIL, 1997).

Apesar da gravidade dos problemas causados pelas tentativas, por parte de sucessivas

politicas educacionais, na direção de construir a hegemonia do construtivismo na

alfabetização escolar, no município de São Paulo, à exemplo do PROFA, outras propostas

voltadas à alfabetização continuaram utilizando a mesma perspectiva e os mesmos

referenciais, como o “Programa Ler e Escrever – prioridade na Escola Municipal”, os projetos

“Toda Força ao 1.º Ano” (TOF) e “Projeto Intensivo no Ciclo I” (PIC) vigentes na rede do

município de São Paulo até 2012. O documento “Orientações curriculares e proposição de

expectativas de aprendizagem para o Ensino Fundamental: Ciclo I” voltado a essa rede,

acompanhou as mesmas indicações presentes nos PCN (SÃO PAULO, 2006; 2007).

Com a presente pesquisa buscou-se dar continuidade a uma trajetória de estudos em

torno das relações entre fracasso escolar e desafios do ensino escolar público paulista,

buscando analisar os efeitos do discurso modernizador que vem impondo historicamente a

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desqualificação das práticas tradicionais de ensino como ultrapassadas e autoritárias

(MORTATTI, 2000a, 2000b; BRASLAVSKY, 1971; CARVALHO, 2000).

Estudo anterior (OLIVEIRA, 2008) havia indicado que esse contexto em que se dá o

esforço de construção da hegemonia do construtivismo, na rede de ensino municipal de São

Paulo, contribui para reproduzir a lógica que rege a organização do trabalho em educação,

reforçando a separação entre os agentes destinados à elaboração e ao planejamento e os

agentes destinados à execução das propostas educacionais. Porém, alguns resultados desse

estudo indicaram, também, que o trabalho que as professoras realizavam em sala de aula não

era inteiramente abarcado por essa lógica, pois, apesar dos rigorosos mecanismos de controle

por parte do poder público local para impor a hegemonia do construtivismo, a ação

alfabetizadora, nessas escolas, escapava a esse controle muito frequentemente.

Na direção de ampliar as possibilidades de compreensão da ação alfabetizadora que

escapa ao controle dessa hegemonia, buscou-se, nesta pesquisa, uma aproximação às reflexões

manifestas por professoras alfabetizadoras transgressoras que atuam em processos por meio

dos quais operam a reinvenção dos conteúdos do ensino para enfrentar os desafios da

alfabetização dos seus alunos. Neste artigo, porém, o relato é apenas parcial devido ao espaço.

Neste momento responde-se a uma parte das perguntas: o que as professoras sabem que

precisam providenciar aos seus alunos nas primeiras semanas de aula e como fazem isso no

contexto do esforço político de hegemonia construtivista?

São apresentadas as bases teóricas para respondê-las e o relato da pesquisa

focalizando os procedimentos e as respostas encontradas.

Bases teóricas

O presente relato tem como referência estudos mais amplos que possibilitam refletir

sobre os desafios da alfabetização como aquisição da língua escrita e refletir sobre a dimensão

cultural do conhecimento do professor alfabetizador.

No que se refere aos desafios da alfabetização, entende-se com Soares & Maciel

(2000, p.16) que, embora o processo de aprendizagem da língua escrita seja um processo

permanente, nunca interrompido, não é apropriado etimológica, nem pedagogicamente, que o

termo alfabetização designe tanto os processo de aquisição das habilidades de leitura e escrita

quanto o processo de desenvolvimento dessas habilidades.

Segundo as autoras, etimologicamente, o termo alfabetização não ultrapassa o

“significado do alfabeto”, ou seja, de aprendizagem da língua escrita, das habilidades de ler e

escrever; pedagogicamente, atribuir um significado mais amplo ao processo de alfabetização

seria negar-lhe a especificidade, com reflexos negativos na caracterização de sua natureza, na

configuração da habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em

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alfabetização. No entanto, como ressaltam as autoras, não podemos esquecer que o conceito

de alfabetização como processo de aquisição da língua escrita, não exclui os “usos e funções

sociais da língua escrita, em que estão inseridos os alfabetizadores e alfabetizadoras”

(SOARES e MACIEL, 2000, p. 16).

Desse modo, ainda que Soares, em outro trabalho (2001, p. 31-39) considere

necessário, do ponto de vista didático, distinguir os conceitos de alfabetização e letramento –

lembrando que alfabetizar é tornar um indivíduo capaz de ler e escrever e que letramento é o

estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-

se apropriado da escrita e de suas práticas sociais – enfatiza a necessidade de que os dois

processos ocorram concomitantes no contexto escolar .

Para a análise dos dados selecionados para este artigo sobre condições para a aquisição

da língua escrita, tomou-se como referência as orientações presentes no documento da

proposta para alfabetização da Secretaria do Estado da Educação de Minas Gerais elaborado

pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), da Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais (BRASIL,2007) Essa opção se deve ao fato de que tais

orientações foram construídas em parceria com professores da rede pública e têm como

pressuposto a diversidade metodológica e a necessidade de dialogar com as práticas escolares

e pedagógicas construídas historicamente.

Sem cair na armadilha de atribuir maior valor aos conhecimentos das professoras que

possuem maior formação teórica, considerou-se, à luz da sociologia de Bourdieu, necessário

contextualizar a experiência do professor, para não perder de vista que as professoras são

oriundas de um grupo social e que as oportunidades que têm em razão desse pertencimento

influenciarão determinantemente o processo de construção das ferramentas que vão utilizar

para enfrentar os desafios do ensino.

Nessa direção buscou-se, particularmente no conceito de senso prático, a chave teórica

para compreender as manifestações sobre a importância do ensino do uso do caderno pelas

professoras no contexto dos gravíssimos problemas estruturais próprios ao campo

educacional.

Como mostra Bourdieu, promovendo o encontro entre o habitus e o campo, o senso

prático orienta as “escolhas” que mesmo não sendo deliberadas não são menos sistemáticas, e

que, mesmo não sendo ordenadas e organizadas em relação a um fim, não são menos

portadoras de uma espécie de finalidade retrospectiva ( 2011, p. 113).

Segundo este autor é o senso prático formado pela necessidade social já instaurada sob

a forma de esquemas e automatismos corporais sensatos que auxiliam os agentes a fazerem

atos plenos de sentido (BOURDIEU, 2011, p. 113). Trata-se, assim, de entender as

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disposições constitutivas do habitus que as professoras foram adquirindo ao longo de toda a

sua formação humana e como as utilizam no encontro com o seu campo de atuação, a

educação.

Nessa direção, foi necessário construir um caminho metodológico voltado à

compreensão e à construção do que Bourdieu (1997, p. 11) conceituou como espaços de ponto

de vista, para a qual ele propõe abandonar visões únicas, dominantes em benefício de

abranger a pluralidade de perspectivas.

A pesquisa foi também orientada pelo desafio de produzir, com e pelas professoras

alfabetizadoras, um conhecimento sobre suas reflexões, de modo que foi necessário buscar

procedimentos de pesquisa que possibilitassem sua participação efetiva na produção deste

conhecimento (MARIN, 1998, p.105).

Partiu-se do pressuposto de “não ignorar todo conhecimento que os professores

possuem a respeito de seu próprio trabalho”, buscando romper com o “binômio saber versus

poder”, e com a tradicional separação entre “’aqueles que sabem’, ou seja, os pesquisadores

da universidade, que ditam as regras para a tomada das decisões e ‘aqueles que não sabem’,

ou seja, os professores que executam”( MARIN, 2009, p.100)

Como se trata de estudo sobre os cadernos e seu uso, foi utilizado o conceito de núcleo

didático do trabalho docente elaborado por Marin (2005) especificamente o componente

material didático pelo fato de os cadernos comporem parte desse material em sala de aula, e o

elemento procedimentos pelo uso desse mesmo material por professores e alunos (p. 41).

A pesquisa, seus procedimentos de coleta e análise, alguns resultados

Neste item estão informações sobre o campo empírico, procedimentos e resultados

sobre o uso dos cadernos.

A pesquisa foi realizada numa escola de região periférica do município de São Paulo,

selecionada em razão de informações obtidas previamente com o diretor de que as professoras

alfabetizadoras transgrediam as orientações da política de alfabetização vigente até 2012,

utilizando-se, ao mesmo tempo, de práticas consideradas construtivistas e práticas

consideradas tradicionais para alfabetizar seus alunos. A escola também se mostrou propícia

para a pesquisa porque não haveria impedimento para que as professoras alfabetizadoras

manifestassem suas transgressões nas reuniões pedagógicas, o que sugeria que se sentiriam à

vontade para manifestá-las durante a pesquisa aqui relatada.

A gestão da escola colaborou muito no início da pesquisa, porém com a mudança da

gestão da escola e a mudança da gestão pública do município de São Paulo, ocorreram muitas

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alterações na rotina da escola, o que exigiu uma reorganização do calendário planejado para a

pesquisa, com vários ajustes tantos nos modos de dispor os procedimentos para a coleta dos

dados.

Em busca da pluralidade de perspectivas presentes nas reflexões de professores

alfabetizadores tanto para criar e praticar algumas alternativas, quanto para imaginar outras

possibilidades para o sucesso da alfabetização escolar, utilizou-se, de forma associada, duas

técnicas de pesquisa: a entrevista intensiva e o grupo focal.

Com a técnica de grupo focal buscou-se enfatizar a interação em torno de temas

específicos do grupo relacionados aos desafios do ensino na alfabetização e como a entrevista

intensiva buscou-se aprofundar, com cada professor, individualmente, as reflexões realizadas

durante os grupos focais sobre os desafios relacionados ao currículo para alfabetização

escolar.

Resultados

Participaram da pesquisa cinco professoras (uma só participou bem no inicio), sendo

que duas lecionavam na segunda série e três na primeira série. Todas as professoras

procediam de famílias com pouca escolaridade, profissões com pouca especialização e pouco

valorizadas, com baixos salários. Duas nasceram em municípios do Estado São Paulo. As

demais vieram de outros estados: Rio de Janeiro, Piauí e Pernambuco. Como se pôde verificar

nos relatos, embora tenham tido pouca ou nenhuma escolaridade, suas famílias empenharam-

se muito na escolarização de seus filhos. Com exceção de uma professora, elas são as únicas

que têm ensino superior, entre seus irmãos.

Todas as professoras eram casadas e tinham filhos. Os maridos eram professores ou

não possuíam formação acadêmica. Os filhos das professoras estudavam, na maioria, em

escolas particulares da região.

Os relatos das professoras, aqui identificadas ficticiamente, indicaram que a opção

pelo magistério estava mais relacionada à falta de alternativas do que a um sonho de infância.

Somente duas professoras fizeram Magistério e todas fizeram graduação em Pedagogia, em

faculdades particulares do município de São Paulo ou outros municípios do Estado de São

Paulo.

As professoras tinham grande experiência na docência e, com uma exceção, também

na alfabetização e, embora não tivessem sonhado, desde a infância ou adolescência, em serem

professoras adquiriram grande identificação com a profissão e, sempre que podiam, escolhiam

atuar na primeira ou na segunda série do primeiro ciclo, pois se sentiam, também,

profundamente identificadas com a alfabetização escolar. Portanto, tinham conhecimentos

sobre cadernos e seus usos tanto vivenciados por elas quanto os observados com seus filhos.

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Para este artigo analisou-se apenas um bloco de dados dada a vinculação com o

temário do evento. Assim, foram focalizadas manifestações das professoras sobre as

condições em que os alunos chegam das instituições de educação infantil para o inicio da

alfabetização escolar, a falta de orientação para esse período inicial por parte do poder público

e os conteúdos que ensinam aos alunos referentes aos usos do caderno fundamental e

tradicional material didático sobretudo para essa fase da escolarização. São acompanhados de

algumas informações sobre a formação que permitem compor um quadro de referência sobre

as condições pessoais de trabalho no período abordado.

Inicialmente estão os dados que respondem à pergunta básica que as professoras

tinham: como os alunos chegam vindos das instituições de educação infantil?

Como indicam os relatos abaixo, os alunos chegam das instituições de educação

infantil sem qualquer iniciação na cultura escrita e sem ideia do que é um escola:

Quando vem para cá é um choque, porque a aqui não tem parque. Aí eles ficam perguntando. “Nós

vamos no parque?” Não, aqui não tem parque”. Dormir também.. lá tem uma rotina de dormir.

E as EMEIs não dão caderno para a criança trabalhar. Eles vão ver caderno quando chegam

aqui.(Valquiria)

Pelo que conheço da Emei, pelos relatos de colegas é assim: o que vai ser feito no dia. É o parque. E

uma escovação de dente. Vai contar uma história. Vai assistir um vídeo. Bem lúdico.(Elena)

Uma criança que sai da Emei com o lúdico muito trabalhado. É uma coisa que tem sido muito

valorizada.

Mas quando ele entra em contato com esse material (cola, tesoura, etc), ele tem uma choque. Coisas

simples: cortar, mesmo a coordenação motora. Que é uma necessidade. Como a criança vai pegar um

lápis, fazer um traçado de um letra se ele não teve contato? Não é? Então ela vai se frustrar. .(Janaina)

Apesar do grande desafio que representa esse período inicial da alfabetização, as

professoras não encontraram subsídios por parte do poder público na proposta curricular

oficial para alfabetização.

Sempre vem assim, quando a gente vai começar o ano “período de adaptação”. O professor é que vai

construindo.. Vai adaptar a criança no que? De que forma?A gente vai construindo essa adaptação porque, na

verdade, para a alfabetização mesmo, não tem. (Valquiria)

O caderno de apoio que vem da prefeitura é bacana, mas eu acho que não está de acordo com a faixa etária dos

alunos. Primeiro, os textos são longos. A letra é de imprensa. Confunde a criança. Tinha que ser mais simples,

mais leve, para com o passar do tempo...Quando eles pensaram esse caderno, ele pensaram para criança de 7

anos. Esse material supõe que a criança esteja alfabetizada. (Carla)

Os relatos revelam a existência de um material para o professor, porém considerado

inadequado. Essas análises das professoras sugerem um certa resignação em relação ao fato de

não haver nenhuma orientação na proposta curricular oficial e um entendimento de que

realmente cabe somente às professoras construir essa adaptação. Embora o relato de

Valquiria enfatize claramente uma lacuna na proposta curricular no que se refere ao periodo

de adaptação e o relato de Carla contenha um questionamento aos textos longos e ao fato da

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proposta curricular pressupor um aluno alfabetizado, os relatos sugerem mais uma constatação

do que uma indignação, tanto que Carla considera a proposta “bacana”, apesar de pressupor

um aluno alfabetizado.

É importante ressaltar que ausência de subsídios para esse período inicial numa

proposta oficial de alfabetização não só representa uma lacuna, como também sugere para os

professores que estes conhecimentos são considerados irrelevantes ou mesmo indesejáveis.

No entanto, as professoras consultadas não concordam com esse ponto de vista, como se verá

em breve. Então, o que poderia explicar essa resignação das professoras diante do fato de uma

proposta curricular oficial para alfabetização não conter nenhuma orientação sobre a iniciação

dos alunos na língua escrita? Será o fato de se tratar de uma lacuna tão antiga e familiar, que

passou a ser aceita como natural? Será o fato de terem encontrado outra fonte para aprender a

construir essa iniciação?

Conteúdos raramente considerados como tais na vida escolar, e que estão inteiramente

ausentes da proposta curricular e parte essencial da adaptação construída pelas professoras,

são os conhecimentos sobre o caderno e os conhecimentos de procedimentos para seu uso. Os relatos

abaixo indicam o quanto estes são conteúdos relevantes na realidade escolar no ponto de vista de todas as

professoras participantes:

Acontece muito comigo: hoje pego crianças que não sabem abrir o caderno, onde começa, onde

termina e se perdem. Internalizar uma organização para a criança é muito importante. Ele tem que ter

uma rotina., ela tem que ter uma vivencia, se ela não tem essa vivencia ela não consegue fazer as

coisas.(Janaina)

Uma das coisas que eu acho importante é a organização. Inclusive eu fiquei perturbando a minha

colega (Elena), minha parceira, para ver como ela fazia para organizar, para o aluno aprender que

tinha que usar a folha da frente, começar lá em cima, seguir a linha, quando virasse a página, como eu

ia fazer isso.. então ela foi me orientando:“Olha Valquiria, você tem que ensinar logo no começo que é

para ela seguir aquela rotina. Se você ensinar no começo, ele vai aprender e fica independente, ele vai

só”. E é uma coisa que facilita o trabalho da gente. (Valquiria)

No começo o professor tem um grande trabalho, porque tem que estar o tempo todo circulando pela

sala. Geralmente no começo do ano para organizar o caderno, eu costumo marcar um X, para ele

[aluno] saber onde começar. Todo dia no comecinho da aula eu vou de carteira em carteira e marco

um X para eles saberem como organizar. O primeiro ano é muito trabalhoso, por quê?É uma rotina de

ficar todo o dia fazendo a mesma coisa, para que eles consigam depois ter autonomia. No início é muita

dependência do professor. Depois eles vão se tornando autônomos, fazendo tudo sozinhos”. (Sara)

Então veja o nosso trabalho: primeiro saber colocar o nosso aluno naquela direção de como usar o

caderno. Como usar uma linha, que ele tem que ir até o final. Depois tem que e virar a página...é

complicado. (Rosalia)

Devagar as professoras foram relatando o processo de ensino do uso do caderno pelas crianças:

Tudo isso você tem que ensinar para eles. Muitos alunos pulam, escrevem lá da metade para baixo.

Muito tempo depois, passou por ali e viu aquele espaço em branco, aí ele volta a fazer a tarefa de um

mês atrás naquele espaço que ficou ali. Então, isso aí é de matar. Eu digo “meu Deus, ele ainda não

aprendeu qual é a sequencia de um caderno. Por que isso é sequencia. (Valquiria)

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Tem que ter uma sequencia de atividades. Ele tem que ir aos pouquinhos entendendo isso. Que existe

um trabalho de sequencia de atividades. Se ele começar a entender isso, fica fácil para ele entender o

alfabeto, as outras coisas... que vão acontecendo no decorrer do ano”..(Elena)

Quando a gente começa, Tem que ter toda essa orientação. “Gente, a folha começa desse lado para

esse lado”Não adianta falar da direita para a esquerda, porque eles não têm essa noção de

lateralidade. Então, vc tem que estar passando de carteira em carteira e falando “aqui começa desse

lado. Dessa mãozinha para cá. Do meio do caderno para o final. Se chegar na sua linha, acabou essa

folha, essa linha, se chegar na sua linha e acabou, você tem que ir para linha debaixo. Vai seguindo os

risquinhos do caderno. Tudo isso a gente tem que observar.. se a criança está respeitando os limites da

folha. (Valquiria)

Observa-se que as professoras explicitam os conteúdos relativos ao ensino sobre o

caderno e aos procedimentos para seu uso, no início, desde aspectos muito simples tais como

o modo de posicionar o caderno, abrí-lo, manuseá-lo, aprender como usá-lo, seguir as linhas,

os limites das linhas. Com o relato vão explicitando os elementos desse conteúdo: organização

do caderno, vivência, internalização de rotina, sequência de um caderno, sequência de

atividades. Para que os alunos se apropriem destes conteúdos e os aprendam, as professoras

desenvolvem estratégias, também, tais como: circular pela sala e marcar um X, para que o

aluno saiba onde começar; orientar o aluno explicando onde começa e onde termina a folha,

usando imagens que facilitem a compreensão como “dessa mãozinha pra cá”, “seguindo os

risquinhos”. Observe-se que há o entendimento de que o aluno precisa internalizar uma rotina,

entender a sequência de um caderno, aprender a se organizar como condição básica para que

depois entenda o alfabeto e as outras coisas que vão acontecer durante o ano. Há, portanto, o

entendimento de que ele precisa aprender estes conteúdos para dar continuidade às

aprendizagens escolares. As professoras reconhecem a condição de dependência dos seus

alunos, mas buscam criar estratégias para lhes ensinar esses conteúdos relativos ao material

didático e os procedimentos de seu uso, necessários para que adquiram maior autonomia para

prosseguir sua trajetória escolar.

Na perspectiva apresentada pelo material mineiro já citado (BRASIL, 2007, p. 13)

esses conhecimentos dizem respeito ao início do processo de alfabetização, voltado à

apropriação do sistema alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler e escrever com

autonomia. Estes conteúdos descritos especificamente pelas professoras, fazem parte do

domínio das convenções gráficas que determinam que nossa escrita se orienta de cima para

baixo e da esquerda para a direita, embora elas não tivessem a informação presente no

material acima citado.

Desse modo é necessário que o aluno compreenda que os símbolos são sempre

unidades estáveis e obedecem a certos princípios de organização, tais como a direção da

leitura da esquerda para a direita, de cima para baixo, que a sequência das letras nas palavras

e das palavras nas frases obedece a uma ordem de alinhamento e direcionamento que é

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respeitada como regra geral e que tem consequências nas formas de distribuição espacial do

texto no seu suporte. É também necessário que o aluno compreenda que a escrita ocupa, em

sequência, a frente e o verso da folha de papel: escreve-se dentro das margens, a partir da

margem esquerda. É indispensável a compreensão desse princípio básico, que abrange a

ordenação das letras e palavras, para que o aluno possa desvendar os segredos da escrita

alfabética (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/ UFMG, 2007). Nesse mesmo

documento também se enfatiza a necessidade de que os alunos conheçam, desde o inicio, a

direção convencional da escrita, para que aos poucos venha a compreender que é possível

outras disposições de escrita, em diferentes materiais.No entanto, esse conhecimento pode

parecer óbvio, mas não para muitas crianças que chegam à escola, sobretudo o alinhamento e

direção da escrita (p. 24)

Como se pode observar, embora com nomes diferentes, a equipe de professores e

pesquisadores que elaboraram a proposta de alfabetização tem a mesma perspectiva que as

professoras que participaram da pesquisa aqui apresentada, quanto ao fato de que estes

conhecimentos não poderão ser aprendidos pelos alunos se não forem ensinados pelas

professoras, que as regras de orientação e alinhamento da escrita da língua portuguesa não

são óbvias ou naturais aos alunos que não aprenderam com sua família ou na educação

infantil.

Algumas considerações

Foi possível identificar, nos seus relatos, pistas claras de que a educação escolar

opera poderoso papel nos processos de reprodução cultural e social. Apesar das possibilidades

de criação e reinvenção dos conteúdos da alfabetização pelas professoras em torno dos

conteúdos da alfabetização, as ferramentas oferecidas pela formação profissional própria ao

grupo social ao qual pertencem são indiscutivelmente muito reduzidas.

A condição de reflexão de início de ano e a familiaridade com as escassas

oportunidades oferecidas aos grupos desfavorecidos socialmente, possibilitava a compreensão

de que seus alunos, vindos em sua grande maioria, de famílias com pouca ou nenhuma

prática de leitura e escrita em casa, oriundos de pré-escolas que focalizavam o cuidado e as

brincadeiras, não teriam outra oportunidade para aprender esses conteúdos relatados e sem

esses conteúdos não poderiam aprender os demais. Desse modo, no senso prático adquirido ao

longo de suas trajetórias de vida encontravam a fonte dos conhecimentos necessários às

reflexões que faziam em torno dos desafios cotidianos da alfabetização.

Referências

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DIFICULDADES DIDÁTICAS DE PROFESSORES ALFABETIZADORES NO

INÍCIO DA CARREIRA

Fernanda Oliveira Costa Gomes

Instituto de Ensino Superior Sumaré

Doutoranda do PEPG Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP RESUMO O presente artigo visa discutir a temática de como o desconhecimento de aspectos da Didática

influem na ação de professores alfabetizadores no início de carreira. Os dados que serão

apresentados aqui são parte de uma pesquisa realizada no ano de 2013 e defendida no ano de

2014, em nível de mestrado. Partiu-se de questionamento sobre tais dificuldades levando em

conta a experiência inicial com turmas de alunos maiores, mas manteve-se a indagação sobre

tal situação. Tal pesquisa teve como objetivo identificar as dificuldades didáticas de

professores iniciantes, ou seja, dificuldades encontradas no âmbito da sala de aula no processo

de ensinar focalizando as crianças que chegam ao 1º ano. Participaram da pesquisa quatro

professores atuantes no primeiro ciclo do ensino fundamental de escolas públicas da cidade de

São Paulo. Caracterizada como de caráter qualitativo, os dados foram coletados a partir de

instrumentos como observação, entrevista semi-estruturada, questionário online e questionário

com escala. Entretanto, serão explanados, neste trabalho, alguns dos dados referentes à

observação das ações da professora Andressa (nome fictício), atuante em uma escola estadual

na cidade de São Paulo, e ainda, serão apresentados alguns dos relatos dos professores

iniciantes coletados a partir das entrevistas e do questionário online. Os dados coletados foram

analisados com base nos conceitos de professor iniciante particularmente os de choque da

realidade e descoberta, de núcleo didático do trabalho docente, capital cultural e habitus.

Dentre os resultados podem ser citados: dificuldade de trabalhar com alunos em diferentes

estágios de aprendizagem; indisciplina do alunado; dificuldade de organização na sequência

nas aulas; tipo de linguagem utilizada. Palavras chave: Didática; Professores alfabetizadores iniciantes; Dificuldades na profissão docente.

Introdução

As pesquisas sobre a temática “professores iniciantes”, embora incipiente, tem crescido consideravelmente diante da percepção de sua relevância. Trata-se de uma temática

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que nos causa grande curiosidade, pois as questões referentes ao início de carreira apresentam

uma vasta área a ser investigada. O início de carreira na profissão docente pode ser permeado

por alguns aspectos comuns, aos diferentes profissionais em diferentes lugares. O início da

carreira docente pode ser permeado pelo choque da realidade, por momentos de idealização

profissional, por frustrações e também por realizações profissionais. Geralmente, o início na

profissão é considerado como um dos momentos mais difíceis da carreira do professor.

As dificuldades da profissão docente são objetos de estudo há muitos anos. Veeman

(1984) identificou que dentre as dificuldades citadas pelos professores estavam: a indisciplina

em sala de aula; a motivação dos estudantes; a avaliação dos trabalhos dos estudantes; a

relação com os pais; a organização do trabalho da aula; os materiais e suprimentos

insuficientes; a carga de trabalho pesada. Tais dificuldades resultavam em outras, tais como:

insuficiente tempo de preparo, planejamento de aulas e do dia escolar; uso efetivo de

diferentes procedimentos de ensino; determinação do nível de aprendizagem dos estudantes;

conhecimento da matéria; carga de trabalho clerical; equipamento escolar inadequado; lidar

com alunos lentos; lidar com estudantes diferentes; uso efetivo de livros de texto e guias

curriculares; falta de tempo vago; classes de tamanho grande, entre outras.

Diante de tais apontamentos, percebe-se um cenário bastante similar ao encontrado

atualmente nas escolas brasileiras. Obviamente, que as dificuldades de cada região do Brasil

têm suas características específicas, se formos pensar nas condições estruturais, culturais e

políticas. Entretanto, a ênfase desta discussão se remete as dificuldades enfrentadas no

processo de ensino.

Seja no nível da educação infantil, ensino fundamental, ensino médio ou superior, a

função e o objetivo do trabalho docente é fazer com que o aluno aprenda. Entretanto, os

resultados das pesquisas sobre educação vêm apontando uma série de fragilidades no sistema

educacional e a consequência de tais fragilidades é justamente o fato de que grande parte dos

alunos que passam pela escola não alcança o grau de proficiência adequada e suficiente

esperada seja para conseguirem uma boa colocação no mercado de trabalho, seja para outras

atividades sociais.

Serão apresentados os conceitos de base teórica e posteriormente a pesquisa com

seus objetivos, procedimentos e resultados.Os dados que serão apresentados a seguir

possibilitam a visualização de algumas destas dificuldades didáticas enfrentados por

professores iniciantes atuantes em salas de alfabetização de escolas da rede pública, na cidade

de São Paulo.

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Bases teóricas

A base teórica da pesquisa foi constituída por Michael Huberman, Pierre Bourdieu e

Alda Marin. Dos estudos de Huberman (1992) foram utilizados os conceitos de choque da

realidade e descoberta. De acordo com esse autor, ambos os conceitos permitem compreender

situações que podem se apresentar na fase inicial da carreira docente. O período inicial da

carreira é o momento de descoberta da profissão. Segundo esse autor, a fase de descoberta é o

momento em que o professor se sente parte de grupo profissional, é o momento em que o

professor se vê numa situação de responsabilidade. É essa fase da descoberta que faz com que

o professor suporte o choque da realidade. Como já fora dito anteriormente, o autor define o

choque da realidade como um distanciamento entre o ideal e o real, ou seja, as dificuldades

encontradas no exercício da docência podem ser tão frustrantes que o professor sofre um

choque ao perceber que a realidade da sua profissão é muito mais difícil do que era esperado,

podendo levar o professor a desistir da profissão.

Os conceitos de habitus e capital cultural escolar, forjados por Bourdieu (1983,

2001), foram utilizados para identificar quais eram as disposições que influenciariam a

conduta dos sujeitos participantes da pesquisa. Para o sociólogo francês os agentes

apresentam disposições que conformam o habitus revelador do percurso anterior da vida

social e escolar. Tais configurações atuam de modo a que cada agente tenha certos modos de

perceber, atuar e sentir na vida em diferentes situações. Portanto, todo indivíduo tem algumas

disposições que irão interferir em suas condutas profissionais ou pessoais. Portanto, foi

perceptível que seria pertinente neste estudo verificar se havia, na ação e nos depoimentos dos

professores, a presença de disposições que interferissem na tomada de decisões na vida

profissional, seja para desistência ou resistência diante das dificuldades, para saber como se

portariam na situação de sala de aula. Já o conceito de capital cultural escolar foi utilizado

para identificar parcelas de informações e conhecimentos dos professores para a situação de

ensino nas séries iniciais da escolarização, pois para ensinar seus alunos é necessário que os

professores tenham domínio sobre os conteúdos e aspectos didáticos para que o ensino e a

aprendizagem sejam efetivados.

Quanto à área de Didática optou-se por utilizar alguns conceitos de Marin (2005,

2011). Entre eles alguns foram mais relevantes para este estudo. O mais central para este

estudo foi o conceito de que os temas da Didática compõem o núcleo do trabalho docente

representado por procedimentos didáticos, unidades didáticas, livro didático, ciclo docente,

recursos didáticos e a aula que devem ser operados de modo articulado (2005).

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A pesquisa, o caminho investigativo e seus resultados

Inicialmente estão apresentados o tema, a questão básica, os objetivos e os

procedimentos.

A curiosidade sobre a temática “professores iniciantes” surgiu a partir das experiências

vivenciadas em meu início de carreira, pois tal início na profissão docente foi permeado por

momentos difíceis, frustrantes e desafiadores. O choque da realidade, termo utilizado por

Huberman (1992) foi um dos primeiros momentos de minha trajetória na carreira docente.

Segundo o autor, o Choque da realidade é característica da distância entre o ideal e a

realidade, o tatear constante, a preocupação consigo próprio, e o choque da realidade acontece

diante das dificuldades com alunos que causam problemas, com materiais didáticos

inadequados e também com a dificuldade com relação à prática pedagógica e transmissão de

conhecimentos.

O estudo desenvolvido por Huberman (1992) sobre o ciclo de vida dos professores,

foi base importante para o desenvolvimento da pesquisa, mas também foi importante para

perceber que os dilemas enfrentados por mim não consistiam em um caso isolado, já que

muitos professores passaram, passam e irão passar por tal ciclo na vida profissional. Nos dias

que antecederam o meu início carreira, imaginava quais as atividades que poderiam ser

desenvolvidas com as crianças. Minha primeira experiência na área educacional aconteceu em

uma Organização não-governamental (ONG). Minha função na instituição seria o

desenvolvimento de atividades extra-escolares para adolescentes de 12 a 15 anos de idade. A

diretora da ONG havia me orientado sobre a dinâmica, sobre a rotina e também sobre as

atividades que poderiam ser desenvolvidas, com os educandos. Partindo de tais orientações,

imaginei que diante de alguma dificuldade, conversaria com meus educandos e “tudo ficaria

bem”. Imaginava que desenvolveria atividades esportivas, de artesanato, atividades com

música, teatro e pintura, e idealizava que seria muito bom e prazeroso o trabalho naquele

local, mas a realidade foi muito diferente do idealizado, já que em grande parte das vezes as

atividades que eu propunha, eram rejeitadas pelos adolescentes. Eles brigavam

constantemente, e as conversas, muitas vezes, não surtiam efeito. Eu pensei em desistir,

pensei em procurar outra área de trabalho, pois para mim foi uma grande desilusão.

Diariamente ao sair da faculdade, meu destino era a ONG e, por muitas vezes, caminhava em

direção ao meu local de trabalho, sem ter a vontade de chegar lá. Considerava esse sentimento

muito triste e desmotivador. Tais aspectos caracterizavam o choque da realidade vivido por

mim e tão presente na história de diversos professores iniciantes.

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Partindo, de experiências como esta surgiu então a curiosidade sobre a temática, já

que uma pesquisa nasce de uma inquietação, de uma dúvida, de uma curiosidade sobre um

tema determinado. Para identificar se de fato seria pertinente e relevante a discussão sobre o

início de carreira iniciei um levantamento de dados sobre as pesquisas que de alguma forma

abordassem tal temática. No site da Coordenação de Aperfeiçoamento dos Profissionais do

Ensino Superior (CAPES), foi realizada uma busca com trabalhos a partir do descritor “professores iniciantes” obtendo um total de 32 trabalhos. Dos 32 trabalhos 19 foram

desenvolvidos no campo da Educação, 2 na área de Letras, 1 na área de Artes, 1 na área de

Biologia, 1 em Engenharia, 1 em ensino de Ciências, 1 em Psicologia experimental, 1 em

Sociologia, 1 em Sociais e humanidade, 1 em Ensino e 1 em Ensino aprendizagem.

Considerando o número de trabalhos desenvolvidos sobre professores em início de

carreira pode-se perceber que há uma relevância temática, pois muitos relatam problemas,

mas não havia estudos sobre professores alfabetizadores nessa temática.

A problemática que norteou a pesquisa foi a seguinte questão: quais são as

dificuldades enfrentadas pelos professores iniciantes das séries iniciais do ensino fundamental

no que se refere aos aspectos didáticos? Essa questão norteou a especificação do objetivo da

pesquisa: identificar essas dificuldades para o trabalho do ensino na sala de aula, como elas se

caracterizam e as reações dos professores diante das dificuldades.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: observação, entrevista,

questionário com escala e questionário online. A justificativa para a utilização de quatro

instrumentos diferentes foi a dificuldade de obter sujeitos para a pesquisa. O questionário

online foi um instrumento pensado justamente para ampliar as possibilidades de coleta de

dados, pois houve grande resistência por parte dos professores e diretores de escola para a

coleta de dados nas escolas.

Para a análise dados foram desenvolvidas quatro chaves de análise sendo elas: o

desconhecimento sobre a profissão docente, a idealização do trabalho docente, a frustração, e

a realização profissional, todas elas emergindo dos dados obtidos e relacionados aos conceitos

adotados.

Participaram dessa pesquisa quatro professores atuantes no primeiro ciclo do ensino

fundamental, sendo uma professora da rede estadual de ensino e três professores da rede

municipal da cidade de São Paulo todos eles aqui com nomes fictícios. São eles: Andressa,

André, Regina e Sheila. Desses professores, dois são professores iniciantes e dois são

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professores experientes, mas que relataram as dificuldades que enfrentaram no início da

carreira.

Alguns resultados

Estão apresentados, a seguir, alguns dados obtidos na pesquisa. Os dados explanados

neste momento são os que se referem à abordagem das dificuldades dos professores iniciantes

em sala de alfabetização, resultantes da entrevista com os professores André, Sheila e

Andressa e, ainda, alguns dados resultantes da observação da sala de aula da professora

Andressa. Cada qual destes professores trabalham ou trabalharam com salas de alfabetização.

A análise dos dados realizada no estudo permite indicar que os professores iniciantes

desconhecem: o como manejar a sala; noções sobre o nível de aprendizagem de seus alunos;

conhecimentos sobre a Didática no que se refere à organização dos conteúdos; ao como fazer

o planejamento de tempo de aula; ao como realizar o re-planejamento das ações durante as

aulas; ao como utilizar a autonomia; ao como trabalhar com os métodos propostos pelas

escolas e também noções de psicologia infantil. Tais aspectos foram possíveis de perceber

somente por meio da análise das entrevistas e da observação, pois nos relatos da entrevista e

da escala os professores relatam problemas os quais demonstram não perceber os

desconhecimentos que têm sobre o trabalho realizado na sala de aula, portanto, é possível

perceber a dificuldade dos professores em analisar, e avaliar a sua própria práxis

reencaminhando o trabalho em sala de aula.

O manejo de sala e o “fantasma da indisciplina”

O fator indisciplina foi citado por três dos professores pesquisados como uma das

maiores dificuldades no processo de ensino, com crianças em fase de alfabetização.

Geralmente, as turmas do primeiro ano do ensino fundamental I são compostas por crianças

na faixa etária de 6 e 7 anos. Muitas delas passaram pela experiência de educação infantil,

mas nem todas e, neste caso, estar no ambiente escolar é algo totalmente novo. Essa fase

inicial da trajetória escolar é para muitas crianças um momento totalmente novo e para

algumas pode ser um momento de tensão e receio, já que estarão num ambiente desconhecido,

com pessoas desconhecidas, realizando tarefas que em diversos momentos não se tem total

clareza do porquê estão realizando.

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A indisciplina na sala de aula é um fator que pode alterar o desenvolvimento do

trabalho do professor prejudicando inclusive o desenvolvimento de todo o grupo de alunos.

Diante de situações de indisciplina é necessário que o professor desenvolva mecanismos de

manejo da turma, para que então, possa desempenhar sua função de ensinar.

Nos relatos da professora Andressa fica explícita a frustração que sentiu ao perceber

que suas idealizações com relação ao início de carreira não alcançou os resultados esperados.

Pois, a professora Andressa se considerava, preparada para iniciar seu trabalho como

professora, já que havia passado por um curso de especialização em alfabetização e

letramento.

“Eu pensei que eu estava preparada para aplicar tudo o que eu havia aprendido na

pós-graduação. O curso que eu fiz falava muito do letramento, da oralidade, desta

troca com o aluno, mas por conta da indisciplina você não consegue. A indisciplina

atrapalha muito, porque eles falam muito e toda hora eu preciso falar, chamar a

atenção. Então, tem que estar parando, para chamar a atenção.” (Professora

Andressa).

Os relatos da professora Sheila confirmam essa dificuldade do trabalho com crianças

em fase de alfabetização e afirma ser mais difícil trabalhar com o primeiro ano do que

desenvolver o trabalho com os alunos de quinto ano do ensino fundamental.

“E para as crianças do primeiro ano você fala: - Fulano agora é hora de fazer a

atividade. Mas ai você fala dez vezes, eles levam tudo na brincadeira. Eles são

totalmente sem limites. Eles estão chegando na escola totalmente sem limites. Então,

os dos quinto ano é menos. Eu fico mais tranqüila com os do quinto ano do que com

os do primeiro. Os do primeiro ano eles são muito agressivos. Tudo eles batem. E

esta turma é uma turminha que eu venho acompanhando eles desde o ano passado.

Que era uma turma terrível. Terrível. Terrível. Falei com os pais que o

comportamento deles estava terrível e não via a hora de acabar o ano. Eles

melhoraram, mas eu não via a hora de terminar. Eu estava acabada. Meu diretor

chegou em mim e me falou: - Sheila eu queria te pedir para você continuar com essa

turma o ano que vem. Como é o primeiro quinto ano?????? ele me disse que seria

bom, porque eles já haviam melhorado, eu fiquei apavorada, mas eu aceito desafio.

(Professora Sheila)

Já o professor André apresenta uma preocupação em tentar manter uma ordem para

ensino em sala de aula, sem recorrer a uma postura autoritária.

“Por mais que tenha entrado antes em sala de aula como estagiário, ao se tornar

professor existe algo novo, meio mítico, você se torna a referência, um centro de

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atenção. Me senti inseguro, não sabia como me portar em sala de aula (com 35

alunos), e naquele conflito de não querer ser um professor

“tradicional”, autoritário, mas perdendo o controle da sala por dar espaço demais

aos alunos, que testam o professor e suas regras a cada instante (outra coisa que

não aprendi na faculdade)” (Professor André)

Tais relatos são exemplificadores do choque de realidade seja pela detecção do

despreparo, seja pelo não cumprimento da expectativa de obediência por parte das crianças ao

comando da professora, ou, ainda, pela percepção da diferença entre ser estagiário e assumir a

turma como professor.

A aula, sua rotinas, conteúdos e desenvolvimento: o professor iniciante em ação

A partir deste momento serão apresentados alguns dados coletados por meio de

entrevista, questionário e observação. Tais dados possibilitam a percepção de algumas das

dificuldades dos professores pesquisados na ação em salas de aula, com alunos em fase de

alfabetização.

Questionadas sobre o desenvolvimento das aulas uma das professoras relata os

procedimentos e conteúdos utilizados para o trabalho em sala de aula em meio à situação

descrita anteriormente..

Com o primeiro ano é assim: uma leitura que eu faço para eles, depois a gente

conversa sobre a leitura, e às vezes eles querem e às vezes eles não querem fazer

a conversa. E depois, vamos fazer as atividades. Eu passo a rotina para eles. O

que vai ter naquele dia. Com a turma de primeiro ano, todos os dias têm que ter

uma atividade de leitura e de escrita. Todo dia para eles pensarem a escrita e

pensarem a leitura. Trabalho com jogos, e às vezes eu dou uma leitura livre. Eles

pegam os livrinhos. Basicamente é isso. (Sheila)

Eu tenho poucos alunos que não lêem. Eles aprendem a ler primeiro e depois

aprendem a escrever. A leitura é mais fácil. Tem criança que eu vou escrevendo

na lousa ele vai lendo, mas quando ele precisa registrar sozinho não consegue. É

que hoje em dia a gente utiliza uma outra maneira de alfabetizar. (Sheila)

Agora tem o pacto, e a gente está fazendo o curso, e eles falam para gente ir

aplicando as atividades com as crianças. Então respeitar pela fase que ele está.

Trabalhamos muito em dupla, um ajuda o outro. E muita atividade diferenciada.

Por exemplo, as crianças que conseguem fazer as atividades sozinha. Ai, as que

tem dificuldade, temos que trabalhar o alfabeto, porque ela não alcançou a base

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alfabética ainda. Usamos letras móveis. Jogos que eles completam as letras do

alfabeto, leitura. Até ele alcançar esta base alfabética. É bem diversificado. No

início não, é tudo da mesma forma, leitura diária do alfabeto é diária, mesmo

agora. Para que eles aprendam. Depois baseando-se na sondagem a gente vai

diferenciando as atividades. (Sheila)

Verifica-se, nesses depoimentos, a percepção da professora quanto à relevância dos

conteúdos nos seus conhecimentos e no de seus alunos. Ela percebe as necessidades e

dificuldades de trabalhar com alunos em diferentes estágios de desenvolvimento

Tanto os relatos das entrevistas quanto os dados dos questionários possibilitam a

visualização das dificuldades encontradas pelos professores além das relativas a manejar as

crianças na sala de aula. Trata-se de fator que causa o desconforto ao perceber que o objetivo

não será alcançado, pois a indisciplina em sala impede o desenvolvimento das atividades. O

depoimento do professor André retrata justamente o questionamento do como manter o grupo

de alunos atentos à aula, sem utilizar de autoritarismo. A professora Sheila confirma os

depoimentos dos professores André e Andressa com relação ao fato de que os alunos do

primeiro ano do ensino fundamental geralmente se apresentam de modo mais inquieto no

decorrer das aulas, dificultando o trabalho do professor.

A cena a seguir é a descrição de uma aula da professora Andressa que atuou com

uma turma do 1º ano do ensino fundamental I, sendo que, em muitos momentos, é possível

perceber uma similaridade com os relatos da professora Sheila.

Após o recreio a professora pede para as crianças sentarem-se. Explica que irá deixar a porta aberta, pois está muito calor e o ventilador está quebrado.

Professora reinicia a aula. “Agora vou fazer a leitura.”(Professora Andressa)

A professora pede para que os alunos abram a apostila na página 48 e em seguida pede silêncio. Mas, há crianças andando pela sala, trocando desenhos, falando e conversando. Mesmo assim a professora começa a leitura sobre o projeto das brincadeiras. Ela explica como é a

brincadeira coelhinho sai da toca. Uma das meninas está em pé. A professora reclama do barulho e diz: “Gente, eu não vou explicar de novo.” (Professora

Andressa) As crianças se acalmam, mas o silêncio não é total. A professora continua a explicação. Uma das meninas brinca com uma garrafa, outro aluno se dirige para a mesa de um colega, as crianças

começam a falar novamente e a professora disputa a fala com os alunos. Poucas crianças prestam atenção. Uma das meninas faz uma lição de matemática que não é da aula proposta.

Mas, a professora continua a explicação: “Pessoal, logo abaixo vocês vão colocar o título da brincadeira e quem não trouxe o livro copia no

caderno.” (Professora Andressa) Dois meninos brincam em partes diferentes da sala, e o restante da turma continua conversando. A professora repete: “Quem não trouxe o livro faz no caderno.” (Professora Andressa) Um dos alunos pergunta:

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“Que livro?”(aluno ) “O livro vermelho do Ler e Escrever gente!” (Professora Andressa) “Mas eu não trouxe o livro. Minha mãe jogou fora.” (aluno ) “Sua mãe jogou o livro?” (Professora Andressa) “Sim.” (aluno)

“Gente. Eu já disse, que quem não trouxe o livro é para copiar no caderno. Não vou falar de novo.” (Professora Andressa)

A professora escreve na lousa o conteúdo do livro para explicar como as crianças devem fazer a atividade.

No livro as crianças devem preencher uma FICHA DE BRINCADEIRA. No primeiro item da atividade as crianças devem escrever qual é o título da brincadeira e a professora explica o que é um título. No caso do projeto proposto o título é o nome da brincadeira: O coelhinho sai da toca.

As crianças preenchem a lacuna com o nome da brincadeira. A Professora se dirige a uma das meninas e diz: “Isabella esquece a rotina, a atividade é outra.” (Professora Andressa) Em seguida a professora pergunta para toda a turma: “Vocês já encontraram onde é para escrever? Já copiaram?” (Professora Andressa) Mas muitos alunos estão perdidos não sabem onde e o que é para fazer. “Mas que página que é professora?” (aluno)

“A página está na lousa.” (Professora

Andressa) As crianças recomeçam a falar.

A Professora chama a atenção de uma das meninas, mas há na sala várias crianças em pé e conversando. “Mariana senta no seu lugar.” (Professora Andressa) “Vamos lá pessoal! Fernando leia para nós, o que está escrito na linha de baixo. Gente o Fernando vai

ler.” (Professora Andressa) “Está escrito: objeto.”(aluno) “Objeto? Não, olha as letrinhas é objetivo. E qual é o objetivo da brincadeira?” (Professora Andressa) Uma menina interrompe a professora para pedir permissão para ir ao banheiro e a professora lembra-os

dos combinados da sala: “Gente qual é o combinado? Vocês acabaram de voltar do recreio, não dá para sair agora.” E orienta a

menina que se sente. (Professora Andressa) A professora retoma a aula: “Vamos lá pessoal! O objetivo da brincadeira é não ficar sem casa.” (Professora Andressa)

Neste momento tem crianças correndo na sala e em pé. A professora escreve o objetivo da brincadeira na lousa e se vira chamando a atenção de duas meninas. “Todo mundo terminou? E você entendeu Geovana?” (Professora Andressa)

Dirigindo-se para um dos meninos que estava atrasado a professora exclamou: “Ainda Rodney?” (Professora Andressa) A professora passou de carteira em carteira corrigindo os cadernos. Na metade do percurso ela desiste,

pois as crianças estavam muito inquietas.

Esta cena parece um tanto confusa, mas foi exatamente assim que aconteceram os

fatos. A maior parte das crianças não sabia ler nem escrever e apresentaram várias

dificuldades em localizar o livro, a página, e as atividades desenvolvidas pela professora.

Nesse dia, em especial, as crianças estavam bastante agitadas, talvez porque a dificuldade de

compreender as atividades era tão grande, que a aula se tornara desinteressante.

O desconhecimento da professora em relação às informações fundamentais também

sobre o domínio da leitura e da escrita dos alunos, só se acentuou nessa segunda parte do dia.

Igualmente, o problema de desconhecimento da professora com relação à Organização dos

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conteúdos é aparente nesta cena. Não há uma sequência na explanação, nem nas atividades

dessa professora, pois aconteceram várias interrupções na aula por parte dos alunos e, por

diversos momentos a professora tem que parar a explicação para chamar a atenção dos

mesmos sem retomar a sequência. Percebe-se o uso de uma linguagem pouco própria para

crianças em início de escolarização.

E assim, a atividade de leitura não aconteceu. Para a turma, aconteceu uma

“contação” de assuntos e a escrita se transformou numa cópia.

Nesta cena fica clara a submissão da professora em tentar cumprir a apostila que

representa o currículo a ser cumprido. Se as ações, em geral, demonstram o desconhecimento

dela em relação às condições das crianças – o nível de aprendizagem – nesta cena, de fato,

fica claro que ela utilizou autonomia. Na tentativa de não ser uma professora tradicional a

professora segue paulatinamente os passos da apostila. Mas, sem analisar se de fato esse seria

o melhor procedimento didático para trabalhar um projeto com crianças de seis anos, em fase

de alfabetização, ela mobilizou os conhecimentos que possuía de outras circunstâncias: o de “dar um texto para cópia”. Certamente operou com uma disposição instalada em seu habitus,

entranhada desde seus tempos de estudante, parte de seu capital cultural escolar que, nesse

momento, demonstrou sua incorporação.

Algumas considerações

A pesquisa indica a precariedade na formação dos professores, em especial os

dados coletados por meio da observação possibilitaram perceber as dificuldades que a

professora iniciante enfrentou em sua ação na sala de aula do primeiro ano do ensino

fundamental.

Embora a professora Andressa tenha obtido um capital cultural institucionalizado

representado pelos diplomas dos cursos de graduação em Pedagogia e no curso de

especialização em Alfabetização e Letramento, encontrou no trajeto do trabalho docente

grandes dificuldades no processo de ensino. A professora se considerava preparada para

iniciar o trabalho na carreira docente, entretanto, demonstrou em seus relatos a frustração

por não encontrar, na realidade da escola, o que havia sido previamente idealizado. Os

dados indicam que a Professora Andressa passou pelo choque da realidade, mas seu

habitus insiste em manter a esperança de que ela conseguirá superar suas dificuldades; mas

o fator que dificulta a superação desta professora, foi a questão de que não houve a

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identificação e autoavaliação de suas práticas e ainda, o desconhecimento sobre os

aspectos didáticos básicos no processo de ensino.

Os aspectos que envolvem a Aula são compostos não somente pelo planejamento

dos conteúdos e das atividades que serão desenvolvidas com os alunos, mas todo

movimento em sala de aula deve ser pensado, desde a organização das carteiras, passando

pela organização das atividades do dia, até o momento de avaliação dos objetivos

alcançados e dos não alcançados. Os aspectos das relações interpessoais de todos os que

estão na sala de aula, sejam eles psicológicos ou sociais, estão presente sendo importante

que o professor saiba perceber tais aspectos para que suas ações alcancem o objetivo de

fazer com que os alunos se apropriem dos conhecimentos que a escola deve oferecer.

Referências

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(Orgs.) Escritos de educação.Petrópolis: Vozes, 2001, p.71-79.

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÒVOA, António (Org).

Vidas de professores. Portugal: Porto Editora,1992, p. 31-61.

MARIN, A. J. Didática geral. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Prograd.

Caderno de Formação: formação de professores- didática dos conteúdos. UNIVESP. São

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____________ 2005. O trabalho docente: núcleo de perspectiva globalizada de estudos sobre

ensino. In: MARIN, A. J. (Coord) Didática e trabalho docente. Araraquara: Junqueira &

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