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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO
Faculdade de Cincias e Letras
Campus de Araraquara - SP
DANIEL BIANCONI PREVIATO
PROFESSORES DE MSICA E INCLUSO
ESCOLAR DE ALUNOS PBLICO ALVO DA
EDUCAO ESPECIAL: percepes sobre o fazer
docente
ARARAQUARA SP
2016
DANIEL BIANCONI PREVIATO
PROFESSORES DE MSICA E INCLUSO
ESCOLAR DE ALUNOS PBLICO ALVO DA
EDUCAO ESPECIAL: percepes sobre o fazer
docente
Trabalho de Dissertao de Mestrado,
apresentado ao Programa de Ps-Graduao em
Educao Escolar da Faculdade de Cincias e
Letras Unesp/Araraquara, como requisito
para obteno de ttulo de Mestre em Educao
Escolar. Exemplar apresentado para defesa.
Linha de pesquisa: Formao do professor,
trabalho docente e prticas pedaggicas
Orientadora: Maria Jlia Canazza DallAcqua
ARARAQUARA SP
2016
DANIEL BIANCONI PREVIATO
PROFESSORES DE MSICA E INCLUSO ESCOLAR DE
ALUNOS PBLICO ALVO DA EDUCAO ESPECIAL:
percepes sobre o fazer docente
Trabalho de Dissertao de Mestrado,
apresentado ao Programa de Ps-Graduao em
Educao Escolar da Faculdade de Cincias e
Letras Unesp/Araraquara, como requisito
para obteno de ttulo de Mestre em Educao
Escolar.
Linha de pesquisa: Formao do professor,
trabalho docente e prticas pedaggicas
Orientadora: Maria Jlia Canazza DallAcqua
Data da defesa: ___/___/____
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Profa. Dra. Maria Jlia Canazza DallAcqua
UNESP ARARAQUARA
Membro Titular: Profa. Dra. Relma Urel Carbone Carneiro
UNESP ARARAQUARA
Membro Titular: Profa. Dra. Ilza Zenker Leme Joly
UFSCar
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Cincias e Letras
UNESP Campus de Araraquara
A todos aqueles que acreditam e lutam pela incluso em sua maior amplitude, com
pensamentos e aes que externam o amor que Deus que tem pela humanidade.
AGRADECIMENTOS
A Deus, criador de todas as coisas, que me deu o dom da vida e todas as condies
para que este trabalho fosse realizado.
minha esposa Amanda, por todo amor, companheirismo, carinho e pacincia. Alm
de que, enquanto companheira e educadora especial, por meio dos dilogos do nosso dia a dia,
auxiliou significativamente nas reflexes e anlises aqui realizadas;
Aos meus filhos Samuel e Carolina, que me incentivam a ser melhor a cada dia e me
capacitam a amar de uma maneira que nunca antes achei ser possvel.
Aos meus pais, meus primeiros educadores.
minha famlia, pelo apoio constante e por sempre acreditar em mim.
Comunidade Catlica Querigma, pelo acolhimento e pelo amparo nos estudos e na
caminhada de f.
minha orientadora Maria Jlia, que, desde a minha graduao, tem me ensinado
muito, me incentivando e vibrando comigo em cada conquista, em cada aprendizado.
Aos meus amigos, que estiveram comigo nos mais variados momentos da vida, me
apoiando de diferentes maneiras e compreendendo minhas ausncias por conta dos estudos.
Aos meus professores, que me propiciaram conhecimentos fundamentais para que eu
chegasse at aqui, e aos meus alunos, que do sentido docncia que exero e me motivam a
estudar mais a partir das inquietaes suscitadas em nossa prtica diria.
Agradeo, ainda, a pessoas que me auxiliaram diretamente na realizao desta
pesquisa: a professora Ilza Joly, que, alm aceitar o convite de compor as bancas de qualificao
e de defesa e de contribuir significativamente nestes momentos, foi uma pessoa extremamente
importante no meu aprendizado musical desde a minha infncia; a professora Relma Carneiro,
que me auxiliou desde que esta pesquisa se apresentava ainda como projeto, e pde engrandec-
la fazendo parte das bancas de qualificao e de defesa; a professora Lisbeth Soares, que disps
de seu tempo para compartilhar comigo experincias e ideias a respeito da Educao Musical
Inclusiva; a minha prima e amiga Luciana de Souza, por todo auxlio nas tradues; e o meu
amigo Saulo Moscardini, que muito me incentivou e deu pistas valiosas na elaborao do meu
projeto de pesquisa.
Por fim, agradeo novamente a Deus, por ter me escolhido e pelas pessoas que Ele
escolheu para que fossem canais do seu amor por mim, me edificando e santificando a cada
momento.
A esperana tem duas filhas lindas, a indignao e a coragem; a
indignao nos ensina a no aceitar as coisas como esto; a
coragem, a mud-las (Santo Agostinho).
RESUMO
O trabalho aqui realizado, de cunho qualitativo e caracterizado como estudo de caso, tem como temtica
a Educao Musical, com o foco na formao do professor de msica que atua em salas comuns de
ensino onde esto matriculados alunos pblico alvo da Educao Especial. A questo que embasou a
pesquisa : quais as caractersticas da percepo sobre o fazer de professores de msica atuantes em
salas comuns nas quais esto matriculados alunos Pblico Alvo da Educao Especial (PAEE) no
contexto das polticas de incluso escolar? Dessa forma, o objetivo principal pautou-se em analisar
percepes e prticas expressas por meio do fazer de professores de msica com vistas a enfocar
facilidades e dificuldades apontadas a respeito de suas respectivas atuaes em salas comuns em que
estejam matriculados alunos PAEE, em uma cidade de porte mdio do interior do Estado de So Paulo.
Para isso, a pesquisa contou com a participao de cinco professores de msica atuantes no contexto
mencionado, que responderam a um questionrio pelo qual forneceram dados a respeito da formao e
das concepes que possuem e tambm como se d o cotidiano da prtica docente, abrangendo os
assuntos referentes incluso escolar e maneira com a qual lidam com esta realidade. As respostas
dadas foram analisadas luz da literatura e propiciaram reflexes que fossem ao encontro do objetivo
almejado. O foco e o referencial terico esto pautados na perspectiva da incluso e da educao
inclusiva, calcado em autores que defendem que o conceito de deficincia construdo socialmente.
Dentre os resultados obtidos, possvel destacar que, de maneira geral, os professores de msica gostam
da profisso que exercem, possuem bom relacionamento com os professores das demais reas do
conhecimento e compartilham com eles diversas dificuldades da carreira docente, como baixa
remunerao, excessiva jornada de trabalho, desvalorizao, indisciplina de alunos, falta de recursos e
de infraestrutura, despreparo para atuar e elevado nmero de alunos por sala. Alm disso, os
participantes afirmaram que prepararam suas aulas com base em diferentes fontes, demonstrando que
os Parmetros Curriculares Nacionais assumem carter apenas perifrico. Por fim, embora reconheam
a importncia da formao continuada sobre Educao Especial, no a realizam da maneira que julgam
necessria, as estratgias diferenciadas so ainda iniciativas pouco adotadas, o planejamento passa ao
largo da presena do aluno e, consequentemente, a avaliao permanece sendo um desafio. Dessa forma,
foi possvel averiguar que os professores participantes so favorveis incluso, mas no conseguem
implement-la, testemunhando a conscincia de que lhes falta formao para atuarem com eficcia em
meio a esta realidade e tambm uma estrutura que proporcione maiores condies para que os alunos
PAEE sejam atendidos em todas as suas especificidades.
Palavras-chave: Educao Musical. Formao de Professores. Educao Inclusiva. Alunos Pblico
Alvo da Educao Especial.
ABSTRACT
This work is related to Musical Education thematic with a qualitative nature and it is characterized as a
case study that focuses the music teacher formation who works in the regular classroom of teaching
where the target audience is enrolled students of Special Education. The question that based the research
is: what features of perception about music teachers making that work in regular Classroom in which
they are enrolled with special education target audience (PAEE) in the school inclusion policies context?
Thus, the main objective was to analyze perceptions and practices expressed by music teachers making
in order to focus on facilities and difficulties mentioned regarding their respective roles in regular
classroom in which they are enrolled with PAEE students, in a midsize city of the state of So Paulo.
For this, the research included the participation of five music teachers that work in the mentioned
context, who answered to a questionnaire which provided data regarding about teacher`s formation and
concepts and also how is the everyday teaching practice, covering matters relating to school inclusion
and the manner in which they deal with this reality. The answers were analyzed in the literature and they
propitiated reflections that contributed to find the desired objective. The focus and the theoretical
framework are guided by the perspective of inclusion and inclusive education, based on authors who
defend that the concept of disability is socially constructed. Among the results, it is possible to point out
that, in general, music teachers like their profession, they have good relationships with teachers from
other areas of knowledge and they share with them a number of difficulties of teaching profession, such
as low pay, excessive working hours, depreciation, undisciplined students, lack of resources and
infrastructure, lack of preparation for work and the high number of students per class. In addition,
participants said they prepared their classes based on different sources, demonstrating that the National
Curriculum Parameters (PCN) assume a peripheral character only. Finally, while recognizing the
importance of continuing training on Special Education, they do not perform the way they deem
necessary, and the different strategies are still initiatives poorly adopted, the plan goes off the presence
of the student and, consequently, the assessment remains a challenge. Then, it was possible to verify
that the participating teachers are in favor of inclusion, but they cant implement it, witnessing the
awareness that they lack training to work effectively in this reality and also a structure that provides
better conditions for the PAEE students are met in all their specificities.
Keywords: Music Education. Teacher training. Inclusive education. Students Target of Special
Education
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Idade, sexo e formao acadmica dos participantes 75
Quadro 2 Identificao da atuao profissional dos participantes 76
Quadro 3 Motivos ou razes que levaram os participantes a optar pela atuao
como professor de msica
81
Quadro 4 Aspectos destacados como positivos e negativos vivenciados
durante a experincia como professor de msica
86
Quadro 5 Objetivos prprios e comuns da disciplina de Msica 88
Quadro 6 Formao dos professores em relao Educao Especial como
subsdio para atuar
93
Quadro 7 Percepo que os professores tm sobre o relacionamento entre os
demais alunos da classe com os alunos com deficincias
99
Quadro 8 Percepo dos professores quanto atuao com diferentes
deficincias
102
Quadro 9 Categorias de anlise e suas respectivas definies 107
Quadro 10 Informaes do relato do professor Andr 107
Quadro 11 Informaes do relato da professora Fernanda 108
Quadro 12 Informaes do relato do professor Leandro 110
Quadro 13 Informaes do relato do professor Rafael 111
Quadro 14 Informaes do relato do professor Vitor 112
Quadro 15 Anlise dos relatos com base nas categorias 114
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Escolas de educao bsica no municpio em 2012 72
Tabela 2 Relacionamento, trabalho conjunto e locais para realizao das
aulas
83
Tabela 3 Estrutura espacial, disponibilidade de materiais e valorizao da
disciplina de msica por parte da escola
85
Tabela 4 Escolha dos contedos, conceitos e objetivos das aulas de msica 89
Tabela 5 Origem da informao sobre matrcula de alunos com deficincia em
aula de msica
96
Tabela 6 Opinio dos professores sobre o ensino de Msica em salas comuns
que contenham alunos com deficincias
97
Tabela 7 Principais dificuldades encontradas pelos professores na prtica
docente em salas comuns que contm alunos com deficincias
101
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEM Associao Brasileira de Educao Musical
AEE Atendimento Educacional Especializado
ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao
APAE Associaes de Pais e Amigos os Excepcionais
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CENESP Centro Nacional de Educao Especial
CFE Conselho Federal de Educao
CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa
DA Deficincia Auditiva
DF Deficincia Fsica
DM Deficincia Mental
DV Deficincia Visual
EE Educao Especial
EI Educao Infantil
EF Ensino Fundamental
EM Ensino Mdio
FAFIG Faculdade de Foz do Iguau
HTPI Horrio de Trabalho Pedaggico Individual
IBC Instituto Benjamin Constant
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
INES Instituto Nacional de Educao de Surdos
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais
MEC
MEC
Ministrio da Educao e da Cultura
Ministrio da Educao
NEE Necessidades Educacionais Especiais
ONU Organizao das Naes Unidas
PAEE Pblico Alvo da Educao Especial
PCN Parmetros Curriculares Nacionais
PIB Produto Interno Bruto
PNE Plano Nacional de Educao
PNEEPEI Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao
Inclusiva
PR Paran
RJ Rio de Janeiro
RS Rio Grande do Sul
SP So Paulo
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFSCar Universidade Federal de So Carlos
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura
UNICAMP Universidade de Campinas
UNICENTRO Universidade Estadual do Centro-Oeste
USP Universidade de So Paulo
SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................................ 13
SEO 1 FUNDAMENTAO TERICA .......................................................................... 17
1.1 Educao Especial ..................................................................................................... 17
1.1.1 Breve histrico sobre a concepo de deficincia ................................................... 17
1.1.2 O caminho da Educao Especial no Brasil ............................................................ 23
1.1.3 Formao do professor em Educao Especial no Brasil ........................................ 30
1.2 Educao Musical ........................................................................................................... 34
1.2.1 Breve histrico sobre a Msica Ocidental e o ensino musical ................................ 34
1.2.2 A formao do professor de msica brasileiro a partir de Villa-Lobos................... 56
1.3 Educao Musical em sala comum para alunos PAEE .................................................. 62
1.3.1 Produes sobre Educao Musical em sala comum para alunos PAEE ................ 66
SEO 2 MTODO ................................................................................................................ 71
2.1 Caracterizao do contexto da pesquisa ......................................................................... 71
2.2 Caracterizao das aulas de msica em salas comuns do municpio onde a pesquisa foi
realizada. ............................................................................................................................... 73
2.3 Identificao dos participantes ....................................................................................... 74
2.4 Natureza e estrutura da pesquisa. ................................................................................... 77
2.5 Procedimentos ................................................................................................................ 78
2.5.1 Procedimentos ticos ............................................................................................... 78
2.5.2 Abordagem, seleo e definio dos participantes .................................................. 79
2.5.3 Coleta dos dados ...................................................................................................... 79
2.5.4 Anlise dos dados .................................................................................................... 80
SEO 3 RESULTADOS ....................................................................................................... 81
3.1 Atuao profissional e a disciplina de Msica ............................................................... 81
3.2 Atuao profissional com alunos PAEE em salas comuns e aulas de msica ............... 92
3.3 Educao Inclusiva e Educao Musical ...................................................................... 104
3.4 Relatos da prtica dos professores participantes em salas comuns nas quais esto
matriculados alunos PAEE ................................................................................................. 106
SEO 4 CONCLUSES ..................................................................................................... 117
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 123
APNDICES .......................................................................................................................... 133
APNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................ 134
APNDICE B Questionrio ............................................................................................ 137
ANEXO .................................................................................................................................. 147
ANEXO A Aprovao do Comit de tica ..................................................................... 148
13
INTRODUO
O trabalho aqui realizado, de cunho qualitativo e caracterizado como estudo de caso,
tem como temtica a Educao Musical, com o foco na formao do professor de msica que
atua em salas comuns de ensino onde esto matriculados alunos pblico alvo da Educao
Especial (PAEE)1.
Os conceitos essenciais trabalhados na pesquisa sero apresentados a seguir de forma
a situ-los e, consequentemente, permitir o aprofundamento da compreenso acerca de cada
um.
A presena da msica na escola comum brasileira teve incio no sculo XIX e ganhou
fora a partir da dcada de 1930, com Villa-Lobos. Todavia, A Lei de Diretrizes e Bases n
5692, de 1971 LDB 5692/71 (BRASIL, 1971), retirou-a da grade curricular e a substituiu pela
disciplina de Educao Artstica, que deveria abranger todas as linguagens artsticas. Como
consequncia, a linguagem musical foi preterida frente s demais, sendo pouco a pouco banida
do currculo e propiciando uma realidade na qual o aprendizado musical s se fez possvel em
instituies e momentos paralelos escola comum (BEYER, 1993; PENNA, 2002;
FERNANDES, 2003; FONTERRADA, 2005).
Em termos legais, esta realidade perdurou por cerca de 40 anos, quando a Lei n
11.769, de 2008, colocou a msica como contedo obrigatrio, mas no exclusivo, do
componente curricular (BRASIL, 2008).
Dessa forma, a volta do ensino de msica nas escolas comuns um fenmeno recente,
que proporcionou situaes e questionamentos que pouco foram estudados, discutidos e
analisados. O professor de msica encontrou na escola atual um contexto bem diferente daquele
de 40 anos atrs e, por isso, carece de uma formao que o capacite para esta nova realidade.
Dentre estas mudanas, uma das mais significativas a presena de alunos PAEE, que
exigem do profissional conhecimentos e aptides que extrapolam a at ento habitual
capacidade de ensinar msica e atingem as reas da Educao Especial e da Incluso Escolar,
propiciando assim a existncia de diferentes temticas em um mesmo contexto e que, por isso,
precisam ser estudadas em conjunto, de maneira correlacionada.
1 A nomenclatura Alunos Pblico Alvo da Educao Especial foi escolhida como de julgo mais
adequada. Entretanto, ao longo do trabalho, outras nomenclaturas so utilizadas, de acordo com as citaes e
contextos histricos utilizados. Entende-se por Pblico Alvo da Educao Especial: alunos com deficincia,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao (BRASIL, 2008a), entretanto, no
presente trabalho, por conta do alunado atendido pelos professores participantes, houve somente casos de alunos
com deficincia e transtornos globais de desenvolvimento, excetuando-se altas habilidades/superdotao.
14
Pautada neste iderio, esta pesquisa trouxe a Educao Musical, a Educao Especial
e a Incluso Escolar como os pilares de sua realizao tendo, como foco e referencial terico
de anlise, a construo social da deficincia. Dentre os principais autores citados constam
Mazzotta (1992), Joly (1994), Hentschke (1995), Aranha (1995, 2001 e 2004), Aguiar (2000),
Imbermn (2000), Wills e Peter (2000), Souza Santos (2002), Leite (2003), Mantoan (2003),
Martins (2003), Mittler (2003), Moraes (2003), Almeida (2004), Werneck (2004), Omote
(2004, 2005, 2006), Paulon, Freitas e Pinho (2005), Rodrigues (2005), Garcia (2006), Louro,
Alonso e Andrade (2006), Soares (2006), Kebah e Duarte (2008), Rodrigues e Maranhe (2008),
Castilho (2009), Moreno (2009), Tezani (2009), Mller (2010), Souza (2010), Ferreira (2012),
Vitaliano e Dall'Acquca (2012), Dutra e Guimares (2013), Livramento e Ramos (2013), Viana
(2013), Caramori (2014), Harlos, Denari e Orlando (2014) e Martins (2014).
Destarte, frente realidade apresentada e visando ir ao encontro da carncia formativa
do professor de msica que atua neste contexto, a questo visceral deste trabalho foi: quais as
caractersticas da percepo sobre o fazer de professores de msica atuantes em salas comuns
nas quais esto matriculados alunos PAEE no contexto das polticas de incluso escolar?
A partir deste questionamento definiu-se como objetivo analisar percepes e prticas
expressas por meio do fazer de professores de msica com vistas a enfocar facilidades e
dificuldades apontadas a respeito de suas respectivas atuaes em salas comuns em que estejam
matriculados alunos PAEE, em uma cidade de porte mdio do interior do Estado de So Paulo.
Uma vez estabelecido o objetivo principal, foram elencados os seguintes objetivos
especficos:
Identificar, caracterizar e analisar:
a viso dos professores de msica em relao incluso;
a formao que os professores de msica possuem com relao incluso escolar;
as estratgias, metodologia, recursos e avaliao empregados por professores de
msica em seu dia a dia nas salas comuns em que esto matriculados alunos PAEE.
as principais dificuldades/facilidade encontradas.
Dessa forma, no intuito de responder a questo de pesquisa e atingir a meta almejada,
o trabalho contou com a participao de cinco professores de msica que responderam a um
questionrio fornecendo dados a respeito da formao, das concepes que possuem e tambm
sobre como se d o cotidiano da prtica docente, abrangendo os assuntos referentes incluso
escolar e maneira com a qual lidam com esta realidade, descrevendo inclusive situaes em
15
que tiveram dificuldades em proporcionar o aprendizado a todo o alunado devido presena de
alunos PAEE.
A justificativa deste trabalho deu-se em dois pontos principais. O primeiro com
respeito aos inmeros benefcios que o aprendizado musical proporciona aos alunos, dentre os
quais podem ser destacados: o desenvolvimento da sensibilidade esttica e artstica, a
imaginao e o potencial criativo (HENTSCHKE, 1995); o favorecimento da ateno, da
percepo de detalhes e da memorizao (WILLS e PETER, 2000), o desenvolvimento da
capacidade de compreenso, interpretao e atuao no mundo (BRASIL, 1997); a
conscientizao de si mesmo e a promoo do desenvolvimento emocional e social (JOLY,
1994); e o desenvolvimento das sensaes de segurana e de independncia, da coordenao
motora e da organizao temporal, contribuindo para o desenvolvimento de todas as faculdades
do ser humano (FERREIRA, 2012). Alm disso, pela ludicidade que possui, torna o
aprendizado mais prazeroso e favorece o processo de incluso, auxiliando inclusive nas
diferentes reas do currculo (_________, 2012).
O segundo ponto que, a partir da fundamentao terica realizada, pde ser
constatado que j foram publicadas diversas pesquisas sobre os temas Educao Musical,
Educao Especial e Incluso Escolar, mas poucas os trouxeram de maneira conjunta, em um
mesmo contexto de anlise (PREVIATO e DALLACQUA, 2015), que apontam a necessidade
de maior aprofundamento sobre esta realidade, evidenciando a carncia formativa que o
professor de msica possui para atuar neste contexto.
Para melhor descrever cada etapa do trabalho e propiciar clareza quanto sua
realizao, a redao da pesquisa foi estruturada em cinco sees.
A primeira seo contm a fundamentao terica, de maneira a abranger a Educao
Especial, a Educao Musical e a Incluso Escolar. Para tanto, primeiramente, realizou-se um
retrospecto histrico sobre a concepo da deficincia em nvel mundial e sua contextualizao
no territrio brasileiro, alm do que se buscou descrever o modo pelo qual a formao de
professores em Educao Especial ocorreu no Brasil, desde seu incio, na primeira metade do
sculo XX, at a atualidade.
Em seguida, foi realizada uma rpida explanao sobre a histria da msica ocidental,
apontando alguns de seus principais compositores, a maneira com a qual se desenvolveu ao
longo do tempo e tambm o modo como se deu o seu ensino, desde a Grcia Antiga at os dias
atuais, dando maior nfase ao contexto brasileiro. Os autores utilizados como base deste
levantamento histrico foram GROUT e PALISCA (1988), HANNING (1998), BEYER
(1999), FONTERRADA (2005), GURIOS (2009) e MARIZ (2009).
16
Unindo a histria da Educao Especial e tambm da Educao Musical, foi possvel
abordar a maneira pela qual ambas chegaram ao recente contexto inclusivo da escola comum,
fator este que permitiu estabelecer relaes importantes com a formao do professor de msica
que atua nesta realidade, como a grade curricular das Licenciaturas em Educao Musical, a
legislao vigente e como se d a prtica docente em salas em que esto matriculados alunos
PAEE, analisando quais pontos esto voltados ao contexto inclusivo e quais no conseguem,
at o momento, ser contemplados neste processo.
Alm disso, nesta primeira seo buscou-se elencar as produes j existentes na
conjuntura temtica desta pesquisa para, a partir de ento, fornecer indcios sobre quais pontos
ainda precisam de maior explanao para que contemplem com a profundidade necessria a
prtica do professor se msica no contexto inclusivo das escolas comuns.
A segunda seo contm a descrio do mtodo, dividida em cinco partes:
caracterizao do municpio em que a pesquisa foi realizada (localizao, rea, relevo,
populao, renda, economia, desenvolvimento e educao) e das aulas de msica nas escolas
comuns deste municpio, participantes, natureza e estrutura da pesquisa e procedimentos
realizados (procedimentos ticos, abordagem, seleo e definio dos participantes e coleta e
anlise dos dados).
A terceira seo apresenta os resultados, obtidos por meio da anlise realizada acerca
dos questionrios aplicados com os participantes.
Por fim, a quarta seo apresenta as concluses. Nela, os resultados anteriormente
descritos foram explanados de maneira argumentativa e concatenados ao contexto da Educao
Musical da atualidade, de modo a propiciar reflexes sobre a prtica do ensino de msica em
salas comuns nas quais esto matriculados alunos PAEE, relacionando com a formao dos
professores de msica e suas prticas. Alm disso, foram apresentados alguns direcionamentos
sobre a continuidade dos estudos desta rea e os possveis benefcios que este trabalho
propiciou, tendo como meta a promoo e o enriquecimento contnuos de prticas inclusivas
que proporcionem a efetiva aprendizagem de todos os alunos presentes na escola comum.
17
SEO 1 FUNDAMENTAO TERICA
1.1 Educao Especial
1.1.1 Breve histrico sobre a concepo de deficincia
A luta em defesa da educao inclusiva teve seu incio, em nvel mundial, somente em
meados do sculo XX, como resultado de diversos movimentos sociais que tiveram como meta
o combate a todas as formas de discriminao que impedem o exerccio da cidadania das
pessoas com deficincia (BRASIL, 2015).
Ao pensar tal fenmeno em paralelo com a histria da humanidade, h de se averiguar
que algo extremamente recente. Contudo, a presena de pessoas com deficincia em meio s
diferentes sociedades sempre existiu, demonstrando, portanto, grande perodo de descaso frente
a esta realidade.
Todavia, necessrio reconhecer tambm o longo e importante processo histrico por
trs do conceito e da prtica da incluso, ao qual se deve atribuir a constituio de seu correto
significado e a configurao do fenmeno para o qual se apontam hoje os caminhos em relao
s pessoas com deficincia, enfatizando a constante luta de diferentes minorias, na busca de
defesa e garantia de seus direitos enquanto seres humanos e cidados (ARANHA, 2001,
p.160).
Neste sentido, as prximas palavras aqui escritas tm como fim a realizao de um
breve resgate histrico sobre o entendimento da deficincia em meio humanidade, assim como
as atitudes tomadas frente a cada nova etapa de concepo adotada sobre o assunto, de maneira
inclusive a contextualizar a viso social da deficincia, que a norteadora do presente trabalho.
Embora se elenquem aqui alguns marcos histricos sobre a concepo da deficincia,
importante lembrar que tal processo no dogmaticamente linear, uma vez que as
transformaes no acorreram de maneira rpida e muito menos simultnea nos diferentes
lugares do mundo, alm do que condies podem ser repudiadas em algumas comunidades e
aceitas em outras, na mesma poca, recebendo interpretaes e eventualmente designaes
diferentes (OMOTE, 2004, p.289).
Dessa forma, preciso levar em conta que os escritos aqui realizados so oriundos da
inteno de melhor contextualizar o momento atual da educao inclusiva e no de excluir
possveis (e reais) excees.
Rodrigues e Maranhe (2008), ao escreverem sobre a histria geral do atendimento
pessoa com deficincia, colocam que no h registros que afirmam a existncia de pessoas com
deficincia na Pr-Histria, mas o modo de vida que os seres humanos tinham nessa poca do
18
pistas de que a pessoa que no tinha capacidade de sobreviver por si mesma era abandonada
em ambientes agrestes e perigosos, o que inevitavelmente contribua para sua morte
(RODRIGUES e MARANHE, 2008, p.7)
Na Idade Antiga, as pessoas com deficincia eram consideradas subumanas e fugiam
dos ideais atlticos que embasavam a organizao sociocultural da poca. Por isso, eram
eliminadas ou abandonadas.
Na Idade Mdia, a difuso do cristianismo trouxe a ideia de que toda a pessoa possui
alma e filha de Deus. Dessa forma, elimin-las ou abandon-las significava atentar contra os
desgnios da divindade (___________, 2008, p.8). Com isso, muitas pessoas com deficincia
foram acolhidas em conventos, igrejas e, nos casos em que a deficincia no era acentuada, em
suas prprias famlias. Essa nova atitude proporcionou maior assistencialismo, mas ainda estava
longe de atingir com abrangncia a populao com deficincia e, muito menos, de promover a
igualdade civil e de direitos.
Foi no sculo XIII que surgiu, na Blgica, a primeira instituio voltada ao
atendimento a pessoas com deficincia e no sculo seguinte a Inglaterra foi pioneira em
promulgar uma legislao que abordasse cuidados tanto com a sobrevivncia quanto com os
bens dessa parcela da populao.
Dentro da evoluo da percepo da pessoa com deficincia pela sociedade, Aranha
(2001) coloca que, podem ser ressaltados trs paradigmas principais: da Institucionalizao, de
Servios e do Suporte, elucidados em maiores detalhes no texto a seguir.
J desde o sculo XVI, aps todo contexto mencionado, comeou a se desenhar o
processo que viria a ser identificado como o Paradigma da Institucionalizao, caracterizado
pela retirada das pessoas com deficincias do convvio social e insero em instituies
residenciais segregadas ou escolas especiais, frequentemente situadas em localidades distantes
de suas famlias (ARANHA, 2001, p.165). Neste mesmo sculo, o mdico Paracelso publicou
em seu livro Sobre as doenas que privam o homem da razo a viso da deficincia como um
problema mdico e, portanto, digna de tratamento. O filsofo Cardano, tambm no sculo XVI,
foi ao encontro das ideias de Paracelso, acrescentando ainda que as pessoas com deficincias
poderiam ser educadas.
Em meio ao contexto da ascenso do capitalismo comercial, no sculo XVII, as
instituies totais, como eram chamadas, tiveram grande influncia de Locke com sua teoria da
tabula rasa onde toda mente comparvel a uma pgina em branco capaz de ser preenchida
por meio da educao, acreditando assim na crena na educabilidade da pessoa com deficincia
intelectual e passaram a visar, tambm, tratamentos mdicos e buscas por estratgias de
19
ensino. Em 1747, as bem-sucedidas investidas de Jacob Rodrigues Pereira no ensino de surdos
congnitos a se comunicar incentivaram o surgimento de diversas tentativas de lidar com outros
tipos de deficincia e, em 1840, em Abendberg, na Sua, Guggenbuhl fundou uma instituio
para o cuidado e tratamento de pessoas com deficincia mental. Seu fundador, Guggenbuhl,
no deixou contribuio metodolgica ou doutrinria, mas sim a difuso da ideia da
educabilidade das crianas com deficincia mental (RODRIGUES e MARANHE, 2008), de
forma que os resultados de seu trabalho chamaram a ateno para a necessidade de uma
reforma significativa no sistema, ento vigente, da simples internao em prises e abrigos
(ARANHA, 2001, p.165). Um importante contemporneo e compatriota de Guggenbuhl foi
Johann Heinrich Pestallozzi, que tambm discursou em favor da educao como direito de todos
(inclusive das pessoas com deficincias), elaborando ainda uma metodologia prpria (Mtodo
Pestallozzi), que partia do ensino por meio de contedos e conceitos prticos e simples para os
mais difceis e complexos. Contudo, embora tenham sidos importantes marcos na histria do
ensino de pessoas com deficincia, Rodrigues e Maranhe (2008) e Aranha (2001) afirmam que
as instituies descritas neste pargrafo logo voltaram a configurar-se como ambientes
segregados, de asilo e custdia.
Entre o final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, Itard e Pinel, ao analisarem o
caso de Victor dAveyron, discordaram quanto aos motivos da idiotia apresentada pelo
menino selvagem, onde o primeiro a julgou como insuficincia cultural e o segundo como
deficincia biolgica. Segundo Rodrigues e Maranhe (2008, p.12), a discordncia entre estes
dois autores aponta um problema que persiste at hoje, o da avaliao, pois os fatores biolgicos
e ambientais podem estar presentes em um mesmo diagnstico, o que, muitas vezes, dificulta a
avaliao dos especialistas. A importncia desses dois personagens no parou por a: alm de
iniciarem uma discusso que inspirou diversos outros autores, como Edouard Sguin e Esquirol,
Itard considerado o pai da Educao Especial ao elaborar o primeiro programa sistemtico
voltado a este fim. Alm disso, essa viso mdica da deficincia que a concebe como uma
experincia do corpo que deve ser combatida com tratamentos na rea da sade
(WERNECK, 2004, p 16) defendida por Pinel, juntamente com o conceito da hereditariedade
(baseada na tica orgnica), teve grande fora at meados do sculo XX, de modo que perdura,
mesmo que de maneira enfraquecida, at os dias atuais.
Apesar de terem surgido no sculo XVI, as instituies totais no foram criticamente
examinadas at o incio da dcada de 60 (ARANHA, 2001, p.165), quando Goffman publicou
Asylums (Manicmios, prises e conventos - ttulo traduzido em portugus), levantando a
problemtica de que viver em uma instituio total constitui um estilo de vida difcil de ser
20
revertido, ao passo que afasta da sociedade e ocasiona dependncia da vida institucional,
realidade est tambm denunciada por Vail (1966).
A partir de ento, grande nmero de artigos foram produzidos tendo como resultado
diversas crticas ao sistema institucional, evidenciando sua inadequao e ineficincia no
favorecimento da recuperao das pessoas para a vida em sociedade, como a falta de condies
estruturais e de higiene, precariedade no atendimento, ausncia de informaes importantes nos
registros dos pacientes e a falta de profissionais capacitados, pontos estes salientados por Heber
(1964) e Morris (1969), dentre outros autores.
Paralelamente a este contexto, havia ainda outros fatores que despontaram contra as
instituies totais, sendo um deles o elevado custo que a populao institucionalizada
demandava ao governo sem nada produzir em troca e o o processo geral de reflexo e de crtica
(...) que no momento permeava a vida nas sociedades ocidentais (ARANHA, 2001, p.167) a
respeito dos direitos humanos.
Dessa forma, evidenciou-se que o questionamento e a presso contrria
institucionalizao vinha, naquela poca, de diferentes direes, determinados tambm por
interesses diversos (_______, 2001, p.167), e como tentativa em suprir os problemas
diagnosticados, iniciou-se uma busca pelo processo de normalizao no mundo ocidental, tendo
como fim integrar a pessoa com deficincia sociedade, de modo a torn-la, inclusive, um
membro produtivo no trabalho e no estudo.
Portanto, admitiu-se a existncia de um modo de vida normal, vivenciado pela maioria
da sociedade e um desvio desse modo, representado por uma minoria formada pelas pessoas
com deficincia, dentre outros pequenos grupos. A partir de tal concepo, a meta se deu em
trazer o pblico institucionalizado para o mais prximo possvel daquilo tido como normal,
praticado pela maioria da sociedade. Configurou-se ento, gradativamente, o Paradigma de
Servios, objetivando ajudar pessoas com deficincia a obter uma existncia to prxima ao
normal possvel, a elas disponibilizando padres e condies de vida cotidiana prxima s
normas e padres da sociedade (American National Associations of Rehabilitation Counseling
A.N.A.R.C., 1973 apud ARANHA, 2001, p.167).
A ideologia da normalizao embasou a desinstitucionalizao, favorecendo tanto o
afastamento da pessoa com deficincia das instituies como a proviso de programas
comunitrios planejados para oferecer servios que se mostrassem necessrios para atender suas
necessidades. As mudanas na comunidade
21
no tinham o sentido de se reorganizar para favorecer e garantir o acesso do
diferente a tudo o que se encontra disponvel na comunidade para os diferentes
cidados, mas sim o de lhes garantir servios e recursos que pudessem
modific-los para que estes pudessem se aproximar do normal o mais
possvel (ARANHA, 2001, p.168).
Esta entrada de pessoas com deficincias na sociedade causou certo desconforto entre
as demais pessoas em geral. Jones et al (1975) cita, por exemplo, a insegurana quanto ao
comportamento que se deveria ter e esperar frente s pessoas desinstitucionalizadas. Bradley
(1978) fez complementaes a esta afirmativa ao destacar a insegurana dos pais, as falhas dos
sistemas de financiamento, o incmodo dos demais prestadores de servio frente possibilidade
de trabalhar com indivduos com deficincias e ainda perder o emprego para eles, a baixa
confiabilidade nos cuidados existentes fora das instituies e tambm a dificuldade do aceite
por parte das empresas. Essas colocaes evidenciaram uma presso tambm multilateral e
contrria ao movimento de normalizao, ou ao menos insegura quanto a ele.
Tais fatores motivaram transformaes na concepo de institucionalizao, de modo
que esta no deveria segregar a pessoa com deficincia e sim prepar-la para vida em meio
sociedade. Dessa forma, as instituies passaram por derivaes, a serem reconhecidas como
organizaes ou entidades de transio, no sendo, portanto extintas e sim transformadas, no
intuito de fornecer auxlio na promoo da normalizao.
Como resultado dessas transformaes e com base na ideologia da normalizao, surge
o conceito de integrao, tendo como meta inserir as pessoas com deficincias na sociedade e
capacit-las para agirem o mais prximo possvel dos padres de normalidade exercidos pela
maioria estatstica. Tal conceito acaba por revelar que o foco da ao no estava em trazer a
essas pessoas maior acesso a tudo o que a sociedade como um todo possua, mas sim, em
modific-las a ponto de serem produtivas e se aproximarem dos padres de normalidade. So
exemplos de instituies dessa poca as Casas de Passagem e os Centros de Vida Independente,
voltadas para o aprendizado da normalidade; as escolas especiais e as classes especiais, que
eram focadas em contedos escolares; e as oficinas abrigadas e os centros de habilitao, com
metas de ensino profissionalizante.
O paradigma de servios logo enfrentou diversas crticas. Uma delas deu-se ao fato de
que grande nmero de pessoas com deficincia no conseguiu sucesso no processo de
normalizao, muitas vezes devido ao grau de comprometimento apresentado e outra faz
referncia desqualificao da pessoa com deficincia, embasada na ideia de que deveria se
assemelhar s pessoas normais para ser integrada, como se fosse possvel ao homem o ser
22
igual e como se ser diferente fosse razo para decretar a menor valia enquanto ser humano e
social (ARANHA, 2001, p.169).
Em meio aos motivos desta desqualificao, Aranha (1995) aponta a viso do sistema
capitalista em relao pessoa com deficincia, considerando-a um peso sociedade, ao passo
que, como citado anteriormente, no produz e, portanto, no proporciona lucratividade e
acmulo de capital.
Tamanhas crticas proporcionaram certo desgaste ideia da normalizao e, ao mesmo
tempo, ampliaram as discusses sobre a viso da pessoa com deficincia como cidad, de modo
que, independentemente da deficincia ou grau de comprometimento, deveria possuir direitos
de usufruto das oportunidades disponveis na sociedade. Alm disso, em meio a este contexto
emergiu a viso de que a sociedade possui responsabilidade em reorganizar-se de forma a
garantir o acesso de todos os cidados (inclusive os deficientes) a tudo o que a constitui e
caracteriza, independente de quo prximos estejam do nvel de normalidade (ARANHA,
2001, p.170).
A partir de ento, a sociedade como um todo tornou-se responsvel por garantir
pessoa com deficincia toda assistncia de que necessita, alm de proporcionar-lhe o acesso a
tudo aquilo que dispe a seus membros, em geral. Dessa forma, o foco deixou de estar na
normalizao das pessoas com deficincia e passou a centrar-se em tornar a sociedade acessvel
a elas, alm de oferecer-lhes suporte para que cada uma se desenvolva de acordo com sua
particularidade, no mais objetivando a normalizao e sim a melhoria da qualidade de vida.
Embasado nessa nova viso a respeito da deficincia surgiu ento o Paradigma do Suporte.
em meio a este contexto que emerge a ideia de incluso social, definido por Aranha
(2001, p.171) como um processo
de ajuste mtuo, onde cabe pessoa com deficincia manifestar-se com
relao a seus desejos e necessidades e sociedade, a implementao dos
ajustes e providncias necessrias que a ela possibilitem o acesso e a
convivncia no espao comum, no segregado.
Enquanto que na integrao o sujeito com deficincia deveria adequar-se vida em
sociedade, na incluso existe o movimento tanto da pessoa com deficincia, no sentido de expor
suas dificuldades e necessidades, quanto da sociedade, adaptando-se e modificando-se para
facilitar a participao ativa de tais indivduos. A partir dessa nova realidade, pessoa com
deficincia e sociedade, ento, devem comunicar-se, promovendo um ajustamento mtuo a
partir do dilogo.
23
Este o embasamento cerne do trabalho aqui elaborado, o da construo social da
deficincia, uma concepo que reconhece a importncia do auxlio da medicina sobre a questo
biolgica da deficincia, mas que v na sociedade o relevante papel quanto concepo,
aceitao, integrao e incluso deste determinado pblico, de modo a enxergar, portanto, o
meio como um agente basilar na concepo e transformao de tal realidade, entendendo o
homem como um ser naturalmente cultural e culturalmente biolgico (OMOTE, 2006,
p.253).
1.1.2 O caminho da Educao Especial no Brasil
O atendimento pessoa com deficincia teve seu incio no Brasil no perodo imperial,
mais precisamente em 1852, na cidade do Rio de Janeiro, com o Hospcio Dom Pedro II. J em
1854, na mesma cidade, Dom Pedro I criou o Imperial Instituto dos Meninos Cegos que, em
1891, passou a ser chamar Instituto Benjamin Constant (IBC). O mesmo imperador fundou
ainda em 1857, tambm no Rio de Janeiro, o Instituto Imperial dos Surdos Mudos que, em
1957, teve seu nome alterado para Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES). Por fim,
foi tambm no perodo imperial, ano de 1854, que o Hospital Psiquitrico da Bahia, hoje
Hospital Juliano Moreira, iniciou o atendimento s pessoas com deficincia mental
(PESSOTTI, 1984).
De maneira geral, durante esta poca, as pessoas que apresentavam deficincias mais
leves conviviam com suas famlias, pois a sociedade era pautada quase que em sua totalidade
no trabalho rural, que no exigia grande nvel de desenvolvimento cognitivo. Aquelas que
possuam deficincias severas, que as impediam de realizar trabalhos braais, eram segregadas
em instituies pblicas, como as citadas no pargrafo anterior.
Dessa forma, percebe-se que, a princpio, o atendimento pessoa com deficincia no
Brasil pautou-se no paradigma da Institucionalizao.
A partir de 1930 surgiram as primeiras instituies filantrpicas, como as Sociedades
Pestalozzi, em 1932, e as Associaes de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em 1954,
entidades estas que adquiriram papel fundamental na filantropia e no assistencialismo, sendo
ainda, por consequncia, vozes ativas nos momentos de discusso de polticas, inclusive
pblicas, a esse respeito.
Posteriormente, o paradigma de Servio teve seu espao em meio chegada da
industrializao e, consequentemente, crescente busca pela escolarizao do povo brasileiro.
Este iderio pode ser claramente observado na Lei de Diretrizes e Bases de 1961, Lei
4.024/1961, na qual consta, no artigo 88, que a educao de excepcionais, deve, no que for
24
possvel, enquadrar-se no sistema geral de educao, a fim de integr-los na comunidade
(BRASIL, 1961).
Dez anos depois, a Lei de Diretrizes e Bases de 1971, Lei 5.692/1971, reafirmou o
carter segregacionista da educao da poca em seu Artigo 9, ao declarar que os alunos com
deficincias fsicas e mentais que se encontrassem em atraso considervel quanto idade
regular de matrcula e os superdotados deveriam receber tratamento especial, de acordo com
as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educao (BRASIL, 1971), apoiando
assim o encaminhamento a escolas e classes especiais.
Em 1973 o MEC, na poca ainda denominado Ministrio da Educao e da Cultura,
criou o Centro Nacional de Educao Especial (CENESP), com a funo de gerenciar a
Educao Especial no Brasil. Entretanto, o carter preponderante ainda se pautava no
assistencialismo e na integrao.
Os primeiros artigos legais que demonstram ir ao encontro da educao inclusiva esto
na Constituio Federal de 1988:
Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia,
ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e
sua qualificao para o trabalho.
Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:
I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;
Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a
garantia de:
III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino. (BRASIL, 1988)
Contudo, embora tenha ocorrido esta mudana de paradigma de maneira conceitual, a
prtica tardou a exerc-la. As mudanas nessa rea demonstraram-se lentas e ineficazes. Omote
(2005) afirma que essa ideia de deslocar o foco do indivduo com deficincia para o meio que
o segrega e que, portanto, pode ser transformado a ponto de promover o desenvolvimento de
suas capacidades fsicas e intelectuais, algo recente, iniciado de maneira prtica somente a
partir da dcada de 1990.
E um importante acontecimento que abriu a dcada de 1990 foi a Conferncia Mundial
de Educao para Todos, Jomtien/1990, que, no intuito de proporcionar esta prtica inclusiva e
superar os processos histricos de excluso, fez um apelo necessidade de transformaes nos
sistemas de ensino para assegurar o acesso e a permanncia de todos na escola (BRASIL,
2015, p.7), fornecendo dados que denunciavam um elevado nmero de crianas, adolescentes
e jovens (com e sem deficincias) sem escolarizao em todo planeta, justificado nos mais
25
variados motivos de excluso. Em termos de polticas nacionais, as mudanas elencadas como
necessrias para a transformao do contexto apresentado na Conferncia Mundial de Educao
para Todos foram a
elaborao e a implementao de aes voltadas para a universalizao do
acesso na escola no mbito da educao fundamental, a oferta da educao
infantil nas redes pblicas de ensino, a estruturao do atendimento s
demandas de alfabetizao e da modalidade de educao de jovens e adultos,
alm da construo da gesto democrtica da escola (______, 2015, p.7).
Tamanha foi a importncia da aplicao de tais mudanas que a UNESCO
(Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura) realizou, em 1994, a
Conferncia Mundial de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, na qual
props uma reflexo aprofundada sobre os aspectos da escola no acessvel a todos, no intuito
de encontrar, por conseguinte, os caminhos prticos a serem tomados.
Neste mesmo ano, a Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994) apresentou-se como
um importante marco para educao inclusiva em nvel mundial. Trata-se de um documento
elaborado na Conferncia Mundial em Educao Especial, onde compareceram representantes
de 88 governos e 25 organizaes internacionais, ocorrido entre os dias 7 e 10 de junho de 1994,
em Salamanca, Espanha. A Conferncia buscou ir ao encontro da necessidade e urgncia de
se prover educao para as crianas, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais
dentro do sistema regular de ensino (________, 1994, p.3), elaborando a Estrutura de Ao
em Educao Especial, no intuito de guiar governos e organizaes na promoo da incluso
escolar.
Este documentou afirmou que a Educao Especial deve abranger no somente os
alunos com deficincias, mas tambm todas as crianas que, por qualquer motivo, no estejam
conseguindo se beneficiar da escola (_________, 1994, p. 5). Dessa forma, a incluso escolar
assume o desafio da promoo da aprendizagem em escolas comuns para todas as crianas,
inclusive aquelas que, por qualquer motivo, encontrem-se privadas de tal direito, desde o aluno
que, mesmo dentro da escola, no consegue aprender, at aquele que nem sequer consegue ter
o acesso instituio de ensino.
Ainda em 1994, o Brasil publicou a Poltica Nacional de Educao Especial, cujos
contedos tiveram o alicerce no paradigma integracionista, fundamentado no princpio da
normalizao, com foco no modelo clnico de deficincia (BRASIL, 2015, p.8). A estrutura
paralela e substitutiva da Educao Especial foi mantida, ao passo que o foco no esteve em
incluir os alunos com deficincia mas, sim, proporcionar-lhes atendimentos que, em muitas
26
vezes, os privariam de frequentar as salas comuns, ambientes estes que, de acordo com tal
poltica, s poderiam ser matriculados, em processo de integrao instrucional, os portadores
de necessidades especiais que possussem condies de acompanhar e desenvolver as
atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos
normais. (______,1994, p.19)
Visto o ano de sua publicao e as definies que apresentou, essa poltica mostrou-se
inadequada ao contexto de educao inclusiva ao qual foi criada, ao passo que conservou a
segregao e a classificao do alunado, contrariando inclusive a igualdade de condies para
o acesso e permanncia na escola (______, 1988), escrita seis anos antes na Constituio
Federal. Tal antagonismo evidenciou que esta mudana de paradigma sequer foi concebida, ao
menos em nvel nacional, no campo terico, dando indcios da lentido que perdurou por uma
dcada.
Em 1996, o artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n
9394/96, definiu Educao Especial como modalidade de educao escolar, oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades
especiais (BRASIL, 1996). Alm disso, o Estado se comprometeu a fornecer, quando
necessrio, servios de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades
da clientela de educao especial (_______, 1996). Todavia, mesmo este atendimento foi
desmembrado em diferentes possiblidades, podendo ser em classes, escolas ou servios
especializados, sempre que, em funo das condies especficas dos alunos, no for possvel
a sua integrao nas classes comuns do ensino regular (_______, 1996). Dessa forma, mesmo
dois anos depois da Declarao de Salamanca (UNESCO 1994), pde-se observar que o foco
da educao brasileira ainda no teve a meta de propiciar o aprendizado de todos alunos em
salas comuns.
Em 2001, ainda seguindo este carter ambguo da organizao da Educao Especial
em meio incluso escolar, foi publicado um documento intitulado Diretrizes Nacionais para
a Educao Especial na Educao Bsica, visando trazer maiores direcionamentos quanto
prtica da escola inclusiva, na busca por tornar efetivo o direito de todos educao, conforme
consta na Constituio Federal de 1988. Um ponto importante a ser mencionado nessas
diretrizes a concepo da Educao Especial em todos os nveis de ensino do aluno, ou seja,
desde a Educao Infantil at a Educao Superior.
Em 2003, o MEC criou o Programa Educao Inclusiva, visando promover formao
continuada sobre Educao Especial na perspectiva da educao inclusiva a gestores e
educadores das redes estaduais e municipais de ensino. Por meio dele, procurou-se realizar
27
reflexes que propiciassem a transformao dos sistemas educacionais de modo a favorecerem
a incluso.
O Decreto Legislativo 186/2008 e o Decreto Executivo 6949/2009 trazem, como
ementa institucional, a Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincias outorgada
pela ONU (Organizao das Naes Unidas) em 2006, cujo contedo une estudos e debates
mundiais sobre a educao inclusiva realizados desde a dcada de 1990 at o ano de sua
publicao, fornecendo assim bases slidas para a definio de novas polticas pblicas nesta
temtica.
Dentre os assuntos presentes nesta conveno, destaca-se a mudana do que se
concebia por pessoas com deficincias, agora vistas, de acordo com o Art. 1, como
aquelas que tm impedimentos de longo prazo de natureza fsica, mental
intelectual ou sensorial, os quais, em interao com diversas barreiras, podem
obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condies com as demais pessoas. (ONU, 2006, p.3)
Esta mudana abandona a concepo integracionista, pautada no modelo clnico e que
responsabiliza a pessoa com deficincia pela adaptao sociedade e passa para a sociedade o
dever de propiciar condies para que a incluso acontea, ou seja, a sociedade adquire a
responsabilidade de promover a incluso de todos, fator este que culmina no reconhecimento
de que, frente a este contexto, a educao inclusiva torna-se um direito inquestionvel e
incondicional (BRASIL, 2015, p.10), de modo que os estados partes asseguraro sistema
educacional inclusivo em todos os nveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida
(ONU,2006, p.15).
Como decorrncia deste marco histrico, a Poltica Nacional de Educao Especial na
Perspectiva da Educao Inclusiva (PNEEPEI), de 2008, colocou o atendimento educacional
especializado (AEE) como complementar ou suplementar escolarizao, de forma que a
presena do aluno na sala comum passou a ser vista como prioridade e, portanto, insubstituvel
por qualquer outra atividade ou atendimento.
Alm disso, esta mesma poltica promoveu outras importantes mudanas: trouxe o
conceito do atendimento especializado complementar ou suplementar formao dos alunos;
redefiniu o pblico alvo da Educao Especial, sendo este agora formado por estudantes com
deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao; e
redefiniu o papel da Educao Especial em meio ao sistema escolar inclusivo:
28
Na perspectiva da educao inclusiva, cabe destacar que a educao especial
tem como objetivo assegurar a incluso escolar de alunos com deficincia,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao nas
turmas comuns do ensino regular, orientando os sistemas de ensino para
garantir o acesso ao ensino comum, a participao, aprendizagem e
continuidade nos nveis mais elevados de ensino; a transversalidade da
educao especial desde a educao infantil at a educao superior; a oferta
do atendimento educacional especializado; a formao de professores para o
atendimento educacional especializado e aos demais profissionais da
educao, para a incluso; a participao da famlia e da comunidade; a
acessibilidade arquitetnica, nos transportes, nos mobilirios, nas
comunicaes e informaes; e a articulao intersetorial na implementao
das polticas pblicas. (Brasil, 2008a, p.64).
O Decreto n 6.571/08 (BRASIL, 2008b), substituiu o termo Educao Especial por
Atendimento Educacional Especializado (AEE) e apontou o financiamento da Unio, Estados
e Municpios para a ampliao da oferta do AEE para os alunos com NEE (Necessidades
Educacionais Especiais).
No ano seguinte, a Resoluo CNE/CEB 4/2009 trouxe maiores definies sobre o
atendimento ao aluno PAEE, de modo a explicitar que o AEE deve ser realizado em salas de
recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede
pblica ou de instituies comunitrias, confessionais ou filantrpicas sem fins lucrativos
(BRASIL, 2009). Nela tambm consta que a matrcula do aluno em qualquer tipo de
atendimento especializado s pode ser realizada se ele j estiver matriculado no ensino comum,
alm do que o projeto pedaggico da escola de ensino regular deve institucionalizar a oferta
do AEE. Por fim, a resoluo afirma que o professor atuante do AEE deve ter formao inicial
que o habilite para o exerccio da docncia e formao especfica para a Educao Especial,
definindo as atribuies de sua prtica profissional, a seguir:
I identificar, elaborar, produzir e organizar servios, recursos pedaggicos,
de acessibilidade e estratgias considerando as necessidades especficas dos
alunos pblico-alvo da Educao Especial;
II elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado,
avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedaggicos e de
acessibilidade;
III organizar o tipo e o nmero de atendimentos aos alunos na sala de
recursos multifuncionais;
IV acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedaggicos
e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em
outros ambientes da escola;
V estabelecer parcerias com as reas intersetoriais na elaborao de
estratgias e na disponibilizao de recursos de acessibilidade;
VI orientar professores e famlias sobre os recursos pedaggicos e de
acessibilidade utilizados pelo aluno;
29
VII ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades
funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participao;
VIII estabelecer articulao com os professores da sala de aula comum,
visando disponibilizao dos servios, dos recursos pedaggicos e de
acessibilidade e das estratgias que promovem a participao dos alunos nas
atividades escolares. (BRASIL, 2009)
Como pde ser observado nesta ltima citao, a expresso alunos com necessidades
educacionais especiais (NEE) foi substituda por alunos pblico alvo da Educao Especial
(PAEE), mudana esta que perdura at os dias atuais e que, por isso, utilizada neste trabalho.
Em 2010, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica
(BRASIL, 2010b) reforaram o iderio da educao inclusiva ao estabelecerem que os sistemas
de ensino deveriam matricular os estudantes PAEE simultaneamente nas classes comuns e no
AEE.
O Decreto n 7.611/2011 (BRASIL, 2011a) revogou o Decreto n 6.571/08 (BRASIL,
2008b), reforou o AEE como complementar e no substitutivo e versou sobre o apoio da Unio
aos sistemas de ensino. At ento, as polticas de auxlio financeiro voltadas educao
inclusiva contemplavam somente a rede regular de ensino; com este decreto, o governo tambm
passou a considerar necessrio o apoio tcnico e financeiro pelo Poder Pblico s instituies
privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuao exclusiva na educao especial
(MACHADO e VERNICK, 2013, p. 58).
O Plano Nacional de Educao 2010-2020 (PNE), aprovado pela Lei n 13.005, de 25
de junho de 2014, estabeleceu 20 metas educacionais a serem cumpridas neste prazo de dez
anos, dentre as quais a meta 4 diz respeito aos alunos PAEE:
universalizar, para a populao de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com
deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotao, o acesso educao bsica e ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de
sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes,
escolas ou servios especializados, pblicos ou conveniados. (BRASIL,
2014).
Dessa forma, aps todo este retrospecto histrico e a contextualizao do momento em
que vive o Brasil no que diz respeito educao para pessoas PAEE, mostra-se evidente que,
ao menos no mbito legal, a educao brasileira atual possui objetivos que vo ao encontro do
iderio da incluso escolar, mas ainda encontra dificuldades prticas para seu efetivo
acontecimento, dentre as quais muitas foram narradas pelos professores participantes desta
pesquisa.
30
Frente histria da concepo da deficincia, fato que as mudanas ocorridas na
atualidade deram-se em maior quantidade e em menor espao de tempo se comparadas s que
ocorreram nos sculos anteriores, entretanto, so necessrios o reconhecimento de que o pas
poderia estar ainda mais adiante e o empenho para que tais avanos sejam atingidos.
1.1.3 Formao do professor em Educao Especial no Brasil
De acordo com Mantoan (2003), o incio do atendimento em Educao Especial no
territrio brasileiro teve sua estrutura fundada nos modelos assistencialistas e segregativos,
promovendo a segmentao das deficincias e o isolamento dos educandos, de maneira a deix-
los em um mundo parte da sociedade.
Conforme coloca Almeida (2004), os primeiros cursos de formao para professores
em Educao Especial eram de nvel mdio, realizados de maneira intensiva, com carga horria
diversificada e reunindo professores de vrios estados. As primeiras instituies que
promoveram este tipo de formao no pas foram alguns estabelecimentos federais, os j
mencionados Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES) e Instituto Benjamin Constant
(IBC) e algumas organizaes no governamentais, como o Instituto Pestalozzi, que iniciou
este tipo de curso em 1951, durante as frias escolares dos professores.
O Instituo Caetano de Campos, localizado na cidade de So Paulo, foi o primeiro do
estado a realizar um curso regular de formao de professores na rea de Educao Especial,
em 1955, enquanto que no estado do Paran o primeiro evento preocupado com a formao de
recursos humanos para a Educao Especial que se tem notcias foi um Ciclo de Conferncias
realizado em novembro de 1961 em Curitiba (ALMEIDA, 2004, p.1). Aps este evento, a
Secretaria de Educao do Estado do Paran deu incio a cursos de especializao em Educao
Especial, ministrados, de maneira geral, por profissionais locais que buscaram formao em
So Paulo. Ao final da dcada de 1970 o Estado do Paran passou a oferecer Cursos de Estudos
Adicionais para a formao de professores em Educao Especial que, segundo Almeida (2004,
p.1), adentraram a dcada de 80 chegando praticamente at ano 2000.
Segundo Mazzotta (1992), estes cursos eram destinados a especializar professores
normalistas, oferecendo uma base comum e uma parte diversificada, dividida basicamente em
duas linhas, sendo a primeira educacional e clnica, voltada ao aprendizado sobre as deficincias
visual e auditiva; e a segunda mdico-pedaggica, com o olhar direcionado para as deficincias
fsica e mental.
31
A formao em Educao Especial foi elevada a nvel superior no final dos anos 1960
e incio dos anos 1970, quando o Parecer 295/69 do Conselho Federal de Educao (CFE)
defendeu que:
At aqui, o ensino de excepcionais se tem limitado, como especialidade, ao
nvel primrio, nos estabelecimentos federais. Por isso, os professores so,
geralmente, normalistas especializados na prtica ou em cursos promovidos
pelos prprios estabelecimentos. claro que devemos evoluir, preparando a
professora primria em nvel superior, no mbito das Faculdades de Educao.
Enquanto no for isso possvel, de um modo geral, bom que faamos
experincia em reas limitadas. Comecemos com o professor primrio de
excepcionais. A prpria deficincia dos alunos, dificultando a tarefa, est a
indicar a necessidade de professores altamente preparados, menos para
emprego de tcnicas especiais de que para as tarefas de orientao, superviso
e pesquisas nos campos especficos. (BRASIL, 1969).
Alm disso, o curso de pedagogia foi regulamentado na mesma poca, por meio do
Parecer 252/69 (BRASIL, 1969). A partir de ento, aqueles que desejassem atuar com Educao
Especial ou que j estivessem exercendo tal funo precisariam realizar a formao superior,
chamada de Pedagogia com Habilitao em Educao Especial, podendo esta ser pautada em
uma rea especfica, como deficincia mental, auditiva, visual ou fsica, ou em uma formao
geral.
Todavia, a prtica no cumpriu a regra. Muitos estados no conseguiram, logo de
incio, oferecer o curso superior e continuaram a promover, mesmo que mais tardiamente,
formaes de nvel mdio ou mesmo nos locais de trabalho dos professores de ensino comum.
Almeida (2004) ilustra esta realidade quando cita o incio de alguns desses cursos,
especificamente no estado do Paran, j anos aps o Parecer 252/69 (BRASIL, 1969):
especializao Lato Sensu na rea de Deficincia Mental em 1984, na ento Faculdade de
Filosofia Cincias e Letras de Guarapuava (antiga FAFIG) e a efetivao da habilitao em
Educao Especial no curso de Pedagogia em 1996, na UNICENTRO (cidades de Irati e
Guarapuava) e na Universidade Federal de Ponta Grossa.
Em meio a esta tardia efetivao dos cursos superiores, a LDB de 1996 (Lei n. 9.434,
de 20/12/96), promulgada quase trinta anos depois do Parecer 295/69, trouxe novamente a
possibilidade da formao do professor no mdio, ao colocar no inciso III do Art. 59 que os
professores que fossem atuar com alunos que apresentassem necessidades educacionais
especiais precisariam ter especializao adequada em nvel mdio ou superior para o
atendimento individualizado (BRASIL, 1996).
32
Para Bueno (1999, p.21) essa possibilidade de especializao em nvel mdio ou
superior mostra total ambiguidade em termos do locus de formao, expressa a falta de poltica
clara, consistente e avanada com relao formao dos professores do ensino fundamental,
entre eles o professor especializado, em nosso pas.
Seguindo a linha do tempo que se tm traado at o momento, Almeida (2004, p.2) faz
um importante panorama sobre a situao da formao de professores para a Educao Especial
no Brasil no ano de 2001:
1. Formao inicial em nvel mdio:
- Professores normalistas habilitados em Educao especial para determinadas
rea especficas, como DA, DM, DV, DF nos cursos de Estudos Adicionais;
- Professores normalistas habilitados em Educao Especial por meio de
cursos de especializao promovidos pelas secretarias de Estado de
Educao e Institutos de Educao (INES/RJ e IBC/RJ)
2. Formao Inicial em nvel superior:
- Professores Habilitados em Educao Especial (para determinadas reas
especficas: DM, DA, DV, DF) nos cursos de Pedagogia;
- Professores licenciados somente em Educao Especial, que o caso da
Universidade Federal de Santa Maria (RS)
- Professores especializados em cursos de ps-graduao (especializao
Lato Sensu), mestrado e doutorado;
3. Formao continuada:
- Professores licenciados em qualquer rea do conhecimento (Portugus,
Matemtica, etc) especializados por meio de cursos de aperfeioamento em
Educao Especial; promovidos por Instituies de Ensino Superior ou por
Secretarias de Educao;
- Professores (geralmente com formao em magistrio de nvel mdio)
capacitados por meio de cursos de atualizao promovidos por Institutos de
Ensino Superior, Institutos de Educao, Secretaria de Educao.
- Professores (com formao de nvel mdio ou superior) atuando com alunos
especiais sem nenhum curso especfico na rea de Educao Especial.
No ano de 2005, um importante passo na histria da incluso escolar foi o Decreto
5626/05 que, em seu Captulo II, colocou a LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais) como
disciplina curricular obrigatria nos cursos de formao de professores para o
exerccio do magistrio, em nvel mdio e superior, e nos cursos de
Fonoaudiologia, de instituies de ensino, pblicas e privadas, do sistema
federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municpios (BRASIL, 2005)
e como disciplina optativa nos demais cursos de educao superior e na educao profissional
(BRASIL, 2005).
O mesmo Decreto forneceu tambm orientaes sobre a formao do professor, do
instrutor, do intrprete e do tradutor de LIBRAS, assim como para o uso e difuso da LIBRAS
33
e da Lngua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas educao, de modo a responsabilizar
as instituies federais de ensino pela garantia do direito educao das pessoas surdas ou com
deficincia auditiva desde a educao infantil at o ensino superior.
Alm disso, o Decreto 5626/05 versa sobre a ateno que deve ser oferecida s pessoas
surdas ou com deficincia auditiva pelos servios de sade e pelas empresas que detm
concesso ou permisso de servios pblicos. Dessa forma, em meio a sua amplitude, verifica-
se que a questo da LIBRAS foi tratada em diferentes mbitos, abrangendo a formao dos
profissionais, a ateno que deve ser dada pela rea da sade e do trabalho e, principalmente,
sua obrigatoriedade em todos os nveis de ensino.
A Resoluo CNE/CP N 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006, p.1), instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em Pedagogia, Licenciatura,
definindo princpios, condies de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem
observados em seu planejamento e avaliao, pelos rgos dos sistemas de ensino e pelas
instituies de educao superior do pais. Ao colocar, em seu Art. 10, que as habilitaes em
cursos de Pedagogia atualmente existentes entraro em regime de extino, a partir do perodo
letivo seguinte publicao desta Resoluo (________, 2006, p. 5), a Educao Especial foi
retirada da formao inicial do presente curso, de maneira a ser oferecida a nvel de ps-
graduao lato senso.
Conforme aponta Caramori (2014, p. 47) na organizao estabelecida por esta
Resoluo,
todo professor recebe formao inicial generalista em relao ao atendimento
de alunos com qualquer tipo de deficincia ou necessidade de apoio, j que o
cenrio que se tem o da incluso e, quando atuarem, esses professores
certamente recebero em suas salas de aulas alunos com tais caractersticas.
Dessa forma, avergua-se que as habilitaes em Educao Especial foram substitudas
por uma formao de menor profundidade, ao menos a nvel de graduao, minada em meio s
demais disciplinas da grade curricular. Todavia, possvel ainda verificar, por meio do Art. 5,
que a Resoluo pontua de modo satisfatrio as aptides esperadas do aluno de Pedagogia para
a atuao em meio diversidade a qual se encontra a incluso escolar, ao afirmar que este deve
X - demonstrar conscincia da diversidade, respeitando as diferenas de natureza ambiental-
ecolgica, tnico-racial, de gneros, faixas geracionais, classes sociais, religies, necessidades
especiais, escolhas sexuais, entre outras (BRASIL, 2006, p.2).
34
possvel perceber que a partir deste contexto a formao do professor em Educao
Especial, que antes era subdividida em diferentes frentes, passou a ter caractersticas mais
abrangentes e ao mesmo tempo com menor formao, de modo a prepar-lo para atender maior
quantidade com menor qualidade. A PNEEPEI (BRASIL, 2008a), a Resoluo CNE/CEB
4/2009 (BRASIL, 2009) e a Nota Tcnica n 11 (BRASIL, 2010) ilustram esta realidade ao
colocar que o professor responsvel pelo AEE deve ter conhecimentos especficos sobre
LIBRAS; Lngua Portuguesa; sistema Braille; Soroban; orientao e mobilidade; atividades de
vida autnoma; comunicao alternativa; desenvolvimento dos processos mentais superiores;
programas de enriquecimento curricular; adequao e produo de materiais didticos;
utilizao de recursos pticos e no pticos; tecnologia assistiva; e elaborao, execuo e
avaliao do plano de AEE.
Harlos, Denari e Orlando (2014, p. 502) discorrem sobre esta situao ao dizerem que
nas polticas precedentes, os profissionais geralmente atuavam e eram formados para atuao
com apenas um segmento de sujeitos pblico-alvo da Educao Especial e agora passaram a
atuar com sujeitos de todos os segmentos associados com esta modalidade de ensino.
Perante a todo este contexto, mostra-se evidente a sntese de que, em meio ao
esvaziamento formativo do curso superior no que diz respeito Educao Especial, exigido
do professor que trabalha nesta rea cada vez mais aptides, capacidades e conhecimentos, ao
passo que o tempo e os contedos destinados para isso, ao menos em nvel de graduao, esto
cada vez menores. Frente a esta realidade, a soluo dada pelos documentos oficiais (BRASIL,
2008c, 2011b, 2011c) a formao continuada (realizada aps a graduao), e h de se
averiguar que preciso que tal formao seja demasiadamente longa. Todavia, ao mesmo tempo
que tais documentos reconhecem a necessidade da formao continuada para que o professor
de Educao Especial consiga atender demanda que lhe confiada, tambm permitem que
tais funes sejam preenchidas por profissionais com formao de nvel mdio e/ou com uma
licenciatura qualquer combinada com uma especializao (lato sensu) (HARLOS, DENARI e
ORLANDO, 2014, p. 502), trazendo tona (novamente) a grande ambiguidade do sistema
educacional brasileiro.
1.2 Educao Musical
1.2.1 Breve histrico sobre a Msica Ocidental e o ensino musical
A Educao Musical em nossa sociedade contempornea acontece tanto de maneira
formal quanto informal. A maneira formal diz respeito s escolas, conservatrios e demais
35
instituies que promovem aulas de msica. A maneira informal ocorre por diferentes vias,
como a cultura, o folclore, a indstria fonogrfica e as manifestaes populares. Estas duas
realidades se complementam e proporcionam maior amplitude ao ser humano, capacitando-o a
criar conexes entre aprendizados e vivncias. Esta forma com que a msica se apresenta na
atualidade fruto de um longo processo histrico, permeado de mudanas e transformaes.
Todavia, mesmo sendo concebida, utilizada e ensinada de maneiras diferentes ao longo do
tempo, sempre se mostrou clara a ntima relao da msica para com a humanidade.
Antes mesmo da fala, o homem j produzia sons vocais capazes de expressar
sentimentos e emoes. Menuhin e Davis (1990) realizaram estudos arqueolgicos que
evidenciaram a confeco de instrumentos musicais desde antes da Era Glacial, h mais de 300
sculos. Ainda que de diferentes maneiras, todas as pesquisas realizadas sobre a vivncia
humana ao longo da histria trouxeram a presena da msica. Dados como estes evidenciam
que, se a msica no surgiu junto com o homem, est presente em praticamente toda sua
histria.
A partir da definio de que msica a arte de combinar som e silncio, Brito (1998)
afirma que tal feito s pode ser realizado graas ao processo histrico vivenciado pela
humanidade e, consequentemente, pela pessoa que o realiza. A capacidade e a maneira com a
qual o homem organiza e se expressa por meio dos sons, assim como interpreta os sons que
ouve, so resultados de sua histria, do contexto ao qual vive. Este iderio justifica o fato de
que diferentes povos possuem caractersticas singulares quanto sua musicalidade, de modo
que cada um, sua maneira, produz sua msica de acordo com a interpretao que tem do
mundo, utilizando-se de todos os recursos que o contexto lhe oferece, como o conhecimento,
as emoes, os sentimentos e os materiais. Tanto que, por meio da msica, pode-se identificar
a maneira de pensar, sentir e agir de uma pessoa, de uma cultura, de um povo ou at mesmo de
uma poca.
Por comunicar tantas coisas a seu ouvinte e, consequentemente, permitir tamanha
expressividade por parte de quem a realiza, a msica concebida como linguagem singular do
ser humano, veiculada por meio de diversas vias, como o som (vibrao), a escrita e o
dinamismo corporal (expresses e movimentos feitos ao tocar e cantar). A respeito da msica
enquanto linguagem e sua relao com a histria da humanidade, Moraes (1991, p.69) coloca
que
como linguagem, a msica tem sua histria. E esta mostra que a maneira de
construir msica varia de comunidade para comunidade, de poca para poca
36
e, s vezes, de indivduo para indivduo. Cada povo, cada momento da Histria
tem o seu prprio sistema de organizao musical.
Uma vez que a msica sempre esteve presente nos mais diferentes povos da Terra, faz-
se evidente que sua histria muito complexa, fator este que revela a riqueza que possui e a
importncia que seu estudo traz para o entendimento do ser humano. Todavia, a abordagem
histrica realizada neste trabalho tem como lcus a msica ocidental, eurocntrica, no por
desvalorizao de outras abordagens, mas por ser esta os pilares do modelo ao qual se estrutura
o ensino de msica no Brasil. Ainda assim, importante ressaltar que trata-se de uma
retrospectiva um tanto quanto breve, muito aqum de trazer o detalhamento existente. O foco
aqui proporcionar pequena contextualizao, partindo dos primeiros registros histrico-
musicais e seguindo cronologicamente at a atualidade como que em um rpido respiro, sem o
compromisso de pontuar a ampla gama de compositores e muito menos os pormenores
evolutivos quanto escrita, estruturao, harmonia e demais reas que constituem a composio
musical, oferecendo assim informaes basilares que contemplem o objetivo de situar a
atualidade na perspectiva da educao musical.
Grcia Antiga
Embora intrnseca ao homem, a msica teve sua histria estudada de maneira
sistemtica apenas no sculo XVIII e, no que se refere msica ocidental, o ponto de partida
se d na Grcia Antiga, onde seu estudo era associado com a formao integral do cidado, de
maneira a relacion-lo com o da Matemtica, da Poesia e de outras artes. Desse modo, o objetivo
no era simplesmente ensinar a prtica musical, mas levar o aluno a conhecer toda amplitude
que o aprendizado da msica poderia proporcionar (BEYER, 1999).
A msica grega era essencialmente homofnica (uma nica voz, sem harmonia ou
contraponto) e tinha na mtrica do poema a base de seu ritmo. Para os gregos, a msica era de
origem divina e, por ser inventada e interpretada por deuses e semideuses, exerciam poderes
mgicos sobre os seres humanos. De acordo com a doutrina do ethos, que norteava o
pensamento da poca, a msica era capaz de influenciar o carter do ser humano, de modo que
cada um dos modos gregos (que eram diferentes dos tocados na atualidade), juntamente com o
estilo composicional, afetava o ouvinte de uma maneira especfica (REINACH, 2011).
Aranha (2006, p.66), mostra uma citao do legislador Slon que diz:
As crianas devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler; em seguida, os
pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma indstria qualquer, ao
37
passo que os ricos devem se preocupar com a msica e a equitao, e entregar-
se filosofia, caa e a frequncia aos ginsios.
Tais palavras relevam a importncia que se dava ao ensino musical, de modo que este
era considerado fundamental aos principais membros da sociedade.
Imprio Romano
Durante o Imprio Romano, a cultura musical herdada pelos gregos foi, aos poucos,
modificada. Com a militarizao da sociedade o ensino de msica foi desvalorizado e adquiriu
um carter muito mais tcnico-terico do que prtico (BEYER, 1999). Todavia, o prazer do
povo pela prtica musical proporcionou o surgimento de novas escolas e j nesta poca
mostrou-se grande busca pelo virtuosismo, tanto instrumental quanto vocal.
Aps o Catolicismo tornar-se a religio oficial do imprio (380 d.C.), a Igreja colocou
como pecaminosa a msica realizada apenas por prazer e, para afastar os fiis do paganismo,
trouxe msica sacra o carter de pureza, de modo a retirar os instrumentos musicais e
vincul-la a textos religiosos. A partir de ento, a prtica instrumental foi vista como atividade
pag e o estudo do canto como "obedincia ao esprito da poca" (FONTERRADA, 2005, p.39),
sendo, portanto incentivada e promovida pela Igreja.
Idade Mdia
O Imprio Romano teve seu fim no sculo V, quando se iniciou a Idade Mdia. A
Igreja Catlica manteve sua fora no continente, sendo a principal disseminadora do
conhecimento. A educao se dava exclusivamente em conventos, mosteiros e escolas ligadas
Igreja e, portanto, era ela (a Igreja) quem ditava a maneira como deveria acontecer o ensino.
Dessa forma, as scholae cantori (escolas de canto) ofereciam aulas de canto, contraponto e
improvisao, proporcionando a formao de cantores, desde a infncia, para atuarem no
servio religioso. A viso integrada que se tinha da msica foi rompida, de modo que a teoria
foi relacionada mente e a prtica ao corpo. A msica profana continuou a existir, mas de
maneira um tanto quanto enfraquecida e vtima da escassez de registros e de ensinos oficiais
(GROUT e PALISCA, 1988).
Em meio a cenrios de conflitos e divises territoriais, a liturgia se desenvolveu de
maneira diferente em cada regio da Europa e, para reunifica-la, a Igreja estabeleceu os cantos
oficiais, chamados de Gregorianos em meno ao papa Gregrio I, cujo papado foi de 590 a
604, e que supostamente os tenha compilados.
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O estudo da msica teve grande relevncia cientfica e justificou o fato de atribuir mais
nfase sua teoria do que pratica no tratado De instituitione musica (Os fundamentos da
msica), escrito pelo romano Boecius (480-524) no sculo VI e que versou sobre a ntima
relao que a msica possui com a matemtica, afirmando inclusive que tal relao seria
responsvel por reger todo o universo, tanto na matria quanto na alma. A partir do referido
embasamento, o autor colocou que a msica seria capaz de explicar tudo o que existe,
justificando assim que o estudo terico teria maior importncia.
Este pensamento tambm influenciou o ensino de msica nas Universitas (instituies
que deram origem s universidades). Nelas, a Msica era uma das disciplinas que compunham
o Qu