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16 | T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA ED. 181 / 2013 PROFISSIONAL EM FOCO Um professor de liderança n por Vanderlei Abreu Seguramente, a história do desenvolvi- mento de lideranças no Brasil passa pelo Prof. Peter Barth, presidente da Intercul- tural, representante no País das The Ken Blanchard Companies, que deu origem ao conceito da Liderança Situacional® II. Em 2013, Barth completa 50 anos de atividade profissional com algumas marcas impressionantes. Nos últimos 27 anos de atividades da Intercultural, conquistou 584 clientes corporativos e treinou mais de 52 mil executivos e ge- rentes em seus programas de desenvol- vimento de lideranças. Nesta entrevista para a Revista T&D Inteligência Corporativa, Barth fala sobre sua trajetória profissio- nal, as deficiências do Brasil na formação de líderes e a importância do escotismo para sua vida. Fazendo uma comparação ao presidente Jusceli- no Kubitschek, “50 anos em cinco minutos”, faça um resumo da sua vida profissional. Acredito que aprendi algumas coisas simples, mas muito importantes. Eu fui escoteiro dos 11 aos 24 anos. Praticamente fiz carreira no escotismo, chegando a escoteiro-chefe e recebi vários distintivos, como o de Escoteiro da Pátria — principal comenda dada pela União dos Escoteiros do Brasil —, mas o mais impor- tante para mim foi a lição de liderança que se ensina no movimento, que é muito simples. Em primeiro lugar, a integridade, que significa ser consistente entre o que se diz e o que se faz. O segundo ponto é liderar pelo exemplo. A história do “faça o que digo, mas não faça o que faço” não funciona em lugar algum. Não se pode cobrar dos outros um comportamen- to que não se exige de si próprio. Boa parte das pessoas que se dizem líderes acredita que, ao conquistar uma posição, não está mais sujeita às regras cumpridas pelos “mortais co- muns” . O terceiro ponto do escotismo é a ação na prática. Boas intenções não bastam, precisamos de boas prá- ticas. Eu gostaria que todos os líderes se lembrassem deste aspecto. Tive alguns exemplos de liderança nos quais me inspirei, como meu pai, que foi um exemplo de integridade, bondade, compreensão para com as pessoas, altruísmo e generosidade,

PROFISSIONAL EM FOCO Um professor de - Intercultural · liderados, mas trabalhar como um parceiro, que dá su- porte aos seus colaboradores e os ajuda a ter sucesso. Eu acredito que

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16 | T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA ED. 181 / 2013

PROFISSIONAL EM FOCO

Um professor de liderança

n por Vanderlei Abreu

Seguramente, a história do desenvolvi-mento de lideranças no Brasil passa pelo Prof. Peter Barth, presidente da Intercul-tural, representante no País das The Ken Blanchard Companies, que deu origem ao conceito da Liderança Situacional® II. Em 2013, Barth completa 50 anos

de atividade profissional com algumas marcas impressionantes. Nos últimos 27 anos de atividades da Intercultural, conquistou 584 clientes corporativos e treinou mais de 52 mil executivos e ge-rentes em seus programas de desenvol-vimento de lideranças.

Nesta entrevista para a Revista T&D Inteligência

Corporativa, Barth fala sobre sua trajetória profissio-

nal, as deficiências do Brasil na formação de líderes e a

importância do escotismo para sua vida.

Fazendo uma comparação ao presidente Jusceli-

no Kubitschek, “50 anos em cinco minutos”, faça

um resumo da sua vida profissional.

Acredito que aprendi algumas coisas simples, mas

muito importantes. Eu fui escoteiro dos 11 aos 24 anos.

Praticamente fiz carreira no escotismo, chegando a

escoteiro-chefe e recebi vários distintivos, como o de

Escoteiro da Pátria — principal comenda dada pela

União dos Escoteiros do Brasil —, mas o mais impor-

tante para mim foi a lição de liderança que se ensina

no movimento, que é muito simples. Em primeiro lugar,

a integridade, que significa ser consistente entre o que

se diz e o que se faz. O segundo ponto é liderar pelo

exemplo. A história do “faça o que digo, mas não faça o

que faço” não funciona em lugar algum. Não se pode

cobrar dos outros um comportamen-

to que não se exige de si próprio.

Boa parte das pessoas que se dizem

líderes acredita que, ao conquistar

uma posição, não está mais sujeita às

regras cumpridas pelos “mortais co-

muns”. O terceiro ponto do escotismo

é a ação na prática. Boas intenções

não bastam, precisamos de boas prá-

ticas. Eu gostaria que todos os líderes

se lembrassem deste aspecto.

Tive alguns exemplos de liderança

nos quais me inspirei, como meu pai,

que foi um exemplo de integridade,

bondade, compreensão para com as

pessoas, altruísmo e generosidade,

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características que hoje não é muito comum vermos

todas juntas. Também tive uma influência muito im-

portante durante meus anos de formação, que foi o

diretor geral da sede do meu grupo escoteiro – um

exemplo de dignidade e respeito humano. O Sr. Speyer

era um homem extremamente culto, falava latim, gre-

go, alemão, inglês, português e, com toda essa baga-

gem e essa cultura, lembro-me de uma vez que con-

versávamos em sua sala, entrou um menino de uns

oito anos e esse senhor de mais de 60 anos levantou-

-se para cumprimentá-lo. Questionei sua atitude e ele

respondeu: “não estou cumprimentando uma criança,

mas o homem de amanhã”. Um exemplo de humilda-

de desses ninguém esquece.

O movimento escoteiro forma cidadãos íntegros,

com conceito de servir o próximo e cobra de todos

cumprirem uma boa ação diária. Uma situação que

me impressionou no meu período de escotismo foi

quando me convidaram para uma cerimônia no pa-

lácio do Governo de São Paulo e o governador, creio

que foi Lucas Nogueira Garcez, discursava falando

que estava muito emocionado, mas sua feição não

demonstrava absolutamente esse sentimento. Foi

nesse momento que percebi que os políticos não

falam o que sentem ou não sentem o que falam.

Essa é a incongruência que infelizmente existe en-

tre o que se diz e o que se pratica.

O meu interesse por liderança começou naquela

época em função de alguns modelos que me inspira-

ram. Na época do vestibular, decidi cursar Psicologia e

ingressei na USP, formando-me na primeira turma de

psicólogos em 1964. Entretanto, meu interesse pela

Psicologia foi despertado justamente por lidar com

grupos no período em que fui escoteiro, pois buscava

encontrar resultados por meio da educação, de modo

que as pessoas crescessem.

No último ano da faculdade, minha primeira opor-

tunidade de trabalho foi participar de uma pesquisa

dos Voluntários da Paz dos Estados Unidos, organi-

zada pela Universidade do Texas, e coordenada pelo

professor John Francisco dos Santos, que procurava

um assistente. Minha responsabilidade foi entrevistar

os voluntários americanos, seus parceiros brasileiros e

aplicar uma série de testes. O resultado foi publicado

em um livro em 1966, do qual fui coautor.

Depois disso, fui professor na Escola de Adminis-

tração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Fiz

minha pós-graduação lá, a escola abriu concurso para

professores e fui aprovado. Fiquei três anos na FGV em

São Paulo e, posteriormente, dez anos na FGV do Rio.

Iniciei em uma cadeira opcional para os alunos do úl-

timo ano de Administração, que foi Liderança e Dinâ-

mica de Grupo. Nesse período me aprofundei mais no

assunto em termos acadêmicos.

Paralelamente a essa atividade, fui vice-presidente

executivo de uma organização internacional de inter-

câmbio de estudantes. Mudei-me para o Rio de Janei-

ro na década de 1970 devido a um convite para um

projeto de consultoria e, em decorrência desse traba-

lho, acabei convidado a assumir uma posição geren-

cial na área de Recursos Humanos da Embratel, tendo

trabalhado lá por três anos, voltando posteriormente a

atuar em consultoria, segmento do qual não saí mais.

Foi quando o senhor montou a Intercultural?

Na verdade, a Intercultural já existia, mas era uma

livraria e me casei com a dona. A partir daí, comecei

a dar um viés à Intercultural para minha área profissio-

nal, com a venda de livros de administração, liderança

e desenvolvimento organizacional. O casamento ter-

minou, mas a livraria ainda existe, porém, deixou de ser

o foco do negócio.

Em 1975, tive a oportunidade de conhecer a Lide-

rança Situacional® e em 1978-79 conclui meu curso de

mestrado nos Estados Unidos ministrado pelos profes-

sores Ken Blanchard e Paul Hersey. Após minha volta

ao Brasil, o Dr. Blanchard publicou “O Gerente Minuto”

e poucos anos depois “Liderança e O Gerente Minuto”.

Visitei o Dr. Blanchard em San Diego e concretizamos

nossa parceria para lançar a nova geração da Lideran-

Os líderes políticos precisam parar de pensar em si e atuarem como líderes servidores, que é a

sua verdadeira missão

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PROFISSIONAL EM FOCO

ça Situacional® no Brasil. O lançamento, no início de

1987, foi um grande sucesso e representou o marco

para o crescimento acelerado da Intercultural, ao pon-

to de que um ano depois já havíamos treinado 12 mil

pessoas.

Como consequência de minha associação com o Dr.

Blanchard, consolidou-se a disseminação da segunda

geração da Liderança Situacional® II (LS®II) no Brasil.

Em 27 anos, atingimos 584 clientes corporativos e 52

mil executivos e gerentes que participaram de nossos

treinamentos.

Fazendo uma referência ao Eduardo Carmello que

em sua palestra no Fórum Desenvolvendo Líderes

2013, falou sobre neuroeficiência, a Liderança Situa-

cional® II é neuroeficiente porque funciona na práti-

ca. A pessoa pode adotar o discurso de ser um líder

eficaz, admirado, respeitado, servidor, transformador,

catalisador, mas o sucesso internacional da Liderança

Situacional® II se deve a dar respostas concretas para

a mais crucial das perguntas do líder — “O que faço

para ajudar meu colaborador a atingir o objetivo?”

O importante para o participante do treinamento é

que ele saia em condições de aplicar os recursos e

ferramentas da liderança na prática para fazer a di-

ferença no desenvolvimento e desempenho de seus

colaboradores.

A Liderança Situacional® trabalha efetivamente

para que o colaborador tire nota 10, dentro do

conceito que o senhor falou em sua apresenta-

ção no Fórum Desenvolvendo Líderes 2013?

Sim, essa é a ideia. A Liderança Situacional® II, até

alguns anos atrás, não dizia especificamente que o

papel do líder é ajudar o colaborador a tirar nota 10,

mas sim, contribuir para o sucesso do colaborador. Po-

rém, Garry Ridge, CEO da WD-40, que foi aluno do Dr.

Blanchard e ouviu dele a história de que entregava as

perguntas da prova final aos alunos no primeiro dia de

aula, ficou muito impactado e decidiu adotar a prática

na sua empresa.

Esse foi um momento de inspiração. Contudo, toda

obra genial é fruto de 10% de inspiração e 90% de

transpiração, ou seja, é preciso colocar a ideia em

prática. O recado de Garry Ridge para seus dire-

tores e gerentes foi dado, de forma

simples e objetiva: o papel do líder é

contribuir para que cada colaborador

tire nota 10. A prática dessa ação eu

demonstrei na palestra e no artigo

publicado na edição 180 da Revista

T&D Inteligência Corporativa. Gra-

ças à contribuição de Garry Ridge,

coautor com Ken Blanchard do livro

“Helping People to Win at Work”, a Li-

derança Situacional® II pode hoje se

propor a ser a ferramenta que facilita

ao líder ajudar seus colaboradores a

tirarem nota 10.

Ken Blanchard foi criticado por

seus colegas de faculdade por entregar as per-

guntas da prova final no primeiro dia de aula.

O senhor acredita que esse modelo deveria ser

adotado pelas escolas tradicionais?

Quando eu era professor da FGV-SP, resolvi fazer

algo semelhante ao que o Blanchard fez, antes mesmo

de conhecê-lo pessoalmente. Em meu primeiro dia de

aula, preparei um questionário que cobria toda a ex-

tensão do programa que eu pretendia cumprir naque-

le semestre. A ideia era conhecer a base que os alunos

tinham e informei que a mesma prova seria aplicada

no último dia do semestre, ressaltando que o objetivo

era medir a diferença entre os dois resultados e que

eles aprenderiam todo o conteúdo. O resultado foi

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O papel do líder não é provar que é melhor que

seus liderados, mas trabalhar como um parceiro

que o aproveitamento daquela turma foi extraordiná-

rio. Se eu consegui fazer funcionar, porque outro não

conseguiria? É só ter o firme propósito de provar o que

os alunos sabem e criar condições para que realmente

eles saibam.

O papel do líder não é provar que é melhor que seus

liderados, mas trabalhar como um parceiro, que dá su-

porte aos seus colaboradores e os ajuda a ter sucesso.

Eu acredito que no ensino tradicional essa ideia pode-

ria ser adotada, desde que se tenha um programa do

que vai ser ensinado, sem romper o rigor acadêmico,

pois funciona como um pré-teste e um pós-teste em

que será medida a evolução dos alunos.

Como o senhor vê a área de Educação

Corporativa no Brasil?

Temos feito muitos progressos, pois 30 anos atrás,

investir no desenvolvimento de liderança era conside-

rado um luxo praticado por apenas algumas poucas

empresas, principalmente multinacionais.

Se fôssemos fazer uma comparação, há 30 anos

comprar um carro com ar condicionado era um luxo.

Hoje em dia, ele é um item praticamente imprescin-

dível. Eu vejo um número cada vez maior de empre-

sas no Brasil perceberem e se convencerem de que

investir no desenvolvimento de seus colaboradores

e, especificamente, de suas lideranças é essencial e

não opcional, não só para o crescimento, mas para sua

sobrevivência.

As Ken Blanchard Companies têm vários estudos

que mostram a conexão direta entre liderança e lucro,

quer dizer, líderes eficazes geram aumento da produti-

vidade, melhor gestão dos recursos, melhores resulta-

dos operacionais, maior crescimento organizacional e,

consequentemente, mais lucros.

Há preocupação e conscientização sobre a necessi-

dade de se desenvolver as lideranças, mas em muitos

casos ainda falta colocar em prática de uma maneira

eficaz. Sou favorável ao foco no desenvolvimento de ha-

bilidades de liderança. Acredito que algumas empresas

ainda não chegaram lá e ainda estão trabalhando com

base em tentativa e erro, mas ao menos estão tentando.

No momento em que elas adicionarem foco e de-

senvolverem algumas habilidades específicas — e não

digo que Liderança Situacional® II seja o único modelo

no mundo, por exemplo, tive contato recente com o

modelo de Zenger-Folkman das 16 competências dos

líderes extraordinários que recomenda capitalizar os

pontos fortes ao invés de corrigir os pontos fracos —

terão sucesso no desenvolvimento de seus líderes.

Os líderes de hoje já foram liderados no passado.

O senhor acha que a forma como foram liderados

influi em suas atividades como líderes? Como?

Eu acredito que existe um efeito cascata de estilo de

liderança, de padrões de comportamento que os líde-

res usam. Se alguém faz carreira numa organização e

os líderes que encontra ao longo da sua trajetória são

autoritários, protegem suas posições e não “abrem o

jogo” com os subordinados, ou manipulam as pessoas,

provavelmente esta é a escola em que ele vai estudar

e a cartilha pela qual ele vai se guiar quando tiver a

oportunidade de liderar outros, na maioria dos casos.

Além disso, existe a questão da sede de poder. Mui-

tas pessoas buscam uma posição de liderança porque

querem exercer o poder sobre os outros da mesma

forma como foi exercido sobre elas. Como não podiam

desforrar-se em seus superiores, eles se desforram em

seus colaboradores. Existe, pois, uma tendência de

muitos líderes adotarem com os outros, comporta-

mentos que foram anteriormente adotados com eles.

O Brasil hoje, infelizmente, vive uma séria crise de

liderança, principalmente na política. Há uma falta de

visão e de compromisso com o futuro, pois não é só

pensar em obras para serem entregues em um man-

dato. Isso é miopia. Educação, saúde e saneamento bá-

sico, por exemplo, não podem ser reformadas em um

único mandato. Os líderes políticos precisam parar de

pensar em si e atuarem como líderes servidores, que é

a sua verdadeira missão.