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PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E DIDÁTICA: UMA QUESTÃO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS? Ao longo da história da humanidade a educação tornou-se indispensável e passou por diferentes configurações conforme o contexto e a cultura em que foi sendo construída. Por ser uma prática eminentemente humana, precisa acompanhar a evolução dos sujeitos, os quais são constituídos por ela e ao mesmo tempo constituidores dela. Entendida como uma ação intencional e política, a educação escolar assume a formação pessoal e profissional e garante, a cada geração, além da apropriação dos objetos cognitivos e culturais, a criação de novos conhecimentos e a modificação dos aspectos culturais da sociedade. Para isso, é imprescindível a formação inicial e continuada dos professores para todos os níveis e modalidades da educação formal; tema que ocupa as pautas das políticas públicas e dos espaços acadêmicos. Primeiramente, o texto “A DIDÁTICA NAS LICENCIATURAS E A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE” fala sobre as políticas públicas educacionais e as disciplinas pedagógicas, especialmente a didática, no currículo da formação profissional do professor e a importância da construção do trabalho docente reflexivo-crítico. O segundo texto, “DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR”, aborda a integração curricular a partir de uma pesquisa-ação realizada com professores e acadêmicos de um curso de licenciatura, tema decorrente da prática profissional integrada, cujos referenciais foram amplamente analisados, auxiliando na compreensão da relação teoria e prática em integração. Por fim, o texto “FORMAÇÃO DOCENTE HUMANIZADORA: REGISTROS DE UM PROJETO DE EXTENSÃO À LUZ DO PENSAMENTO FREIREANO” relata as reflexões realizadas acerca de um projeto de extensão, cuja formação de professores, na perspectiva freireana, ressalta a boniteza de sua obra e a contribuição dela para a educação, evidenciando a valorização dos sujeitos nesse processo. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 8746 ISSN 2177-336X

PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E DIDÁTICA: UMA QUESTÃO … · didática, no currículo da formação profissional do professor e a importância da construção do trabalho docente

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PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E DIDÁTICA: UMA QUESTÃO PARA

AS POLÍTICAS PÚBLICAS?

Ao longo da história da humanidade a educação tornou-se indispensável e passou por

diferentes configurações conforme o contexto e a cultura em que foi sendo construída.

Por ser uma prática eminentemente humana, precisa acompanhar a evolução dos

sujeitos, os quais são constituídos por ela e ao mesmo tempo constituidores dela.

Entendida como uma ação intencional e política, a educação escolar assume a formação

pessoal e profissional e garante, a cada geração, além da apropriação dos objetos

cognitivos e culturais, a criação de novos conhecimentos e a modificação dos aspectos

culturais da sociedade. Para isso, é imprescindível a formação inicial e continuada dos

professores para todos os níveis e modalidades da educação formal; tema que ocupa as

pautas das políticas públicas e dos espaços acadêmicos. Primeiramente, o texto “A

DIDÁTICA NAS LICENCIATURAS E A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE” fala

sobre as políticas públicas educacionais e as disciplinas pedagógicas, especialmente a

didática, no currículo da formação profissional do professor e a importância da

construção do trabalho docente reflexivo-crítico. O segundo texto,

“DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR”, aborda a integração curricular a partir de uma pesquisa-ação realizada

com professores e acadêmicos de um curso de licenciatura, tema decorrente da prática

profissional integrada, cujos referenciais foram amplamente analisados, auxiliando na

compreensão da relação teoria e prática em integração. Por fim, o texto “FORMAÇÃO

DOCENTE HUMANIZADORA: REGISTROS DE UM PROJETO DE EXTENSÃO À

LUZ DO PENSAMENTO FREIREANO” relata as reflexões realizadas acerca de um

projeto de extensão, cuja formação de professores, na perspectiva freireana, ressalta a

boniteza de sua obra e a contribuição dela para a educação, evidenciando a valorização

dos sujeitos nesse processo.

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A DIDÁTICA NAS LICENCIATURAS E A PROFISSIONALIZAÇÃO

DOCENTE

Luisa Cadorim Facenda

Universidade de Passo Fundo - UPF

Márcia Adriana Rosmann

IF Farroupilha – Campus Santo Augusto

Resumo: A prática docente nas licenciaturas vem enfrentando uma série de questões

que afetam diretamente o professor, especialmente o professor das disciplinas da área

pedagógica, nos cursos de licenciatura, respingando, muitas vezes, de forma negativa na

formação dos professores da educação básica. Entre tantas, podemos destacar o

engessamento dos cursos por ordem das políticas públicas e a sobrecarga de trabalho do

professor, em todos os níveis e modalidades de ensino, da educação infantil ao ensino

superior, exceto nas Instituições Federais, onde o professor atua quarenta horas com

dedicação exclusiva, aliviando um pouco sua carga horária. Nesse sentido,

especialmente ao se tratar de professores formadores, permanece a dificuldade em

conciliar o processamento do tripé ensino, pesquisa e extensão, pelo motivo de que os

requisitos impostos pelo próprio sistema de avaliação brasileiro imprimem numerosos

anseios em prol da melhoria nos resultados. Políticas públicas e educação é um tema

que vem sendo cada vez mais abordado nas pautas acadêmicas e governamentais, além

de preocupar a comunidade da escola básica, principalmente aos pais e aos alunos. Este

artigo, no entanto, vai abordar essas questões com maior profundidade, dando ênfase à

importância da disciplina de Didática, à profissionalização e ao trabalho docente, que

diante das inúmeras modificações sociais, culturais e econômicas, decorrentes do

avanço da ciência e da tecnologia, sobretudo com o advento da internet, precisam ser

tomados e realizados com muita responsabilidade e conhecimento, sem, no entanto,

esgotar as temáticas descritas. Vale destacar que as reflexões a seguir, são oriundas dos

encontros de um grupo de pesquisa, envolvendo docentes e de acadêmicos dos cursos

de licenciaturas de duas instituições, uma pública e uma particular/comunitária, dos seus

estudos e das suas práticas.

Palavras-chave: Licenciatura. Didática. Trabalho Docente.

1 Questões introdutórias: políticas públicas e educação

Ao considerar a questão legal e política da educação, a docência, e

principalmente a formação docente, que constitui tema relevante em diferentes países, o

presente artigo propõe-se discutir a prática pedagógica nas licenciaturas - e a partir dela

a profissionalização docente - no que tange a dimensão das disciplinas pedagógicas,

especialmente da disciplina de Didática. Assim, iniciamos o texto trazendo alguns

conceitos fundamentais sobre políticas públicas para que possamos entender o debate e

o embate delas na educação, mais especificamente sobre a profissionalização docente.

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Antes, porém, e de acordo com estudos realizados por Caimi (2004, p. 83-97),

vale destacar a exposição em períodos, a partir dos anos de 1930, sob a perspectiva de

diferentes concepções, presentes nas políticas públicas para a formação docente, a

saber: “1930-1950: a noção de prática como imitação; 1960-1970: a prática concebida

como treinamento; 1980: o esforço pela indissociabilidade entre teoria e prática; 1990: a

formação do professor como profissional reflexivo e a prática como ponto de partida e

de chegada”. Apoiadas em diferentes propostas e referenciais teóricos, foram ao longo

das últimas décadas, ainda que a passos lentos, acompanhando o desenvolvimento e a

evolução da sociedade.

Políticas públicas é sempre um tema atual na comunidade acadêmica e na

sociedade civil como um todo. Historicamente as políticas públicas para as licenciaturas

são elaboradas longe da realidade, tanto da docência acadêmica quanto da prática

pedagógica na educação básica, o que nem sempre reflete de forma positiva nessa etapa,

campo profissional dos licenciados. Analisando de forma positiva, as políticas

específicas sobre os currículos das licenciaturas estão cada vez melhores elaboradas,

considerando as diversidades e adversidades que caracterizam a sociedade atual.

Políticas públicas “[...] são programas de ação governamental visando a

coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de

objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. Assim, entendemos

que elas regulamentam e ao mesmo tempo regulam os currículos dos cursos de

licenciatura, por exemplo, pois, “[...] políticas públicas são implementadas por atores

políticos através de instituições públicas, em geral [...] estatais” (BUCCI, 2002, p. 241).

Para Abreu (1993, p. 5), as políticas públicas para a educação, são uma fração

(ou esfera) da política pública. A primeira referência quando se fala em políticas

públicas remete a “uma decisão ou de medidas políticas implementadas pelos aparelhos

estatais ou agências governamentais”, isto porque políticas públicas estão ligadas à

função reguladora do Estado, exercida basicamente no final do século XIX e início do

século XX, e cristalizada pelo senso comum que entende o Estado como um “Grande

Pai”. Nesse sentido, ao definir política educacional, é preciso ter o seguinte cuidado:

A política educacional também não pode receber uma definição terminal.

Como processo, ela se revela em cada época histórica, em cada contexto, em

cada momento dado da organização dos seres humanos em uma ou várias

formas concomitantes da ação humana, com uma dinâmica, uma força motora

própria, que a impulsiona e dita sua relação com as demais esferas do mundo

social (MARTINS, 1993, p. 08).

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Em amplos traços, pode-se caracterizar políticas públicas para área da educação

os programas governamentais (a relação de forças político-partidárias e de grupos

sociais no seio de projetos educativos mais amplos); a continuidade e continuísmo de

propostas; aportes em fenômenos como globalização e neoliberalismo, bem como suas

consequências no campo educacional. Nas escolas emergem aspectos como raça,

gênero, novas formas de comunicação, cultura jovem, violência, exclusão social e os

professores nem sempre estão preparados para fazer o enfrentamento. No entanto, pode-

se contar com políticas que dão aporte teórico-prático, tanto à formação de professores

(inicial e continuada) para atuar com tais temáticas, quanto para que as escolas possam

promover outras atividades envolvendo-as. (WITTMANN; GRACINDO, 2001, p. 11).

Uma política educacional é composta por “determinantes concretos”: medidas,

atos, ações articuladas que mudam as configurações do que já vinha sendo feito - como

alterações no elenco dos conteúdos por série em determinadas disciplinas, projetos de

amplo alcance, avaliações externas, etc. (MARTINS, 1993, p. 09). As intenções, por sua

vez, são indicativos de um projeto social ou político, manifestado, a priori, por uma

determinada ação. O referido plano político, ou plano de governo “define-se no interior

de uma proposta que, se majoritária eleitoralmente, deverá transformar-se em política

pública, porque não basta a aprovação eleitoral de propostas para que a população

assuma como suas as necessidades sociais e as soluções advogadas por planos

governamentais” (COLLARES; MOYSÉS; GERALDI, 1999, p. 214). Logo, uma

política pública educacional pode até ser (ou vir de) um plano de governo, porém, nem

todos os planos de governo tornam-se, de fato, uma política pública educacional.

Há pouca prioridade de investimentos para as licenciaturas (FREITAS, 2005) e

as políticas existentes são de caráter compensatório para atender à demanda desenfreada

de formação de professores em massa, com custos reduzidos e com comprometimento

da qualidade de formação. Nestas condições os cursos de licenciatura já existentes

também se encontram num contexto de resistência cujas ações são gestadas nas próprias

condições de trabalho sendo que delas emergem novas possibilidades de organizações

coletivas. Talvez a legislação não seja a única a determinar regras que se sedimentam

em ideias que parecem ser inquestionáveis, mas a ela acaba influenciando as atitudes de

profissionais da educação.

As pesquisas de Silva et al. (2006) mostram que o espaço-tempo da formação e

do trabalho docente está diretamente afetado pelo atual contexto político neoliberal. O

sistema vigente, tanto pelas políticas públicas como pelo modelo comportamental da

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sociedade, produz efeitos prejudiciais à saúde e ao ambiente escolar. As condições

infraestruturais de atuação docente são inadequadas e insuficientes e o parco resultado

produzido pelo seu trabalho, ligeiramente demonstrado pelas avaliações internas e

externas, têm causado insatisfação, pessoal e social. Além disso, e especialmente aos

professores formadores, permanece a dificuldade em conciliar o processamento do tripé

ensino, pesquisa e extensão, por ter de destinar maior atenção à pesquisa, ao considerar

os requisitos impostos pelo próprio sistema, pela Coordenação de aperfeiçoamento de

pessoal de nível superior - Capes, por exemplo.

O reconhecimento de que as universidades e as demais instituições de ensino

superior precisam repensar seu atual modelo de formação de professores e buscar uma

nova cultura institucional das licenciaturas. Essa noção de nova cultura institucional dos

cursos de formação de professores deve ser entendida como a capacidade de as

universidades, especialmente as públicas, responderem, de maneira qualitativa, aos

desafios propostos pela nova conjuntura política e socioeconômica brasileira. Assim,

cabe às universidades públicas e privadas, assumir o desafio e o compromisso social de

formar, de maneira diferenciada, profissionais da educação capazes de atuar como

agentes de mudança na escola básica, no Brasil.

2 O currículo nas licenciaturas e as disciplinas da área pedagógica

A partir de 1980 a educação básica passou por diversas e significativas

mudanças. Inúmeras políticas forma elaboradas e implementadas, com vistas a melhoria

da qualidade do ensino e da aprendizagem. A universalização do ensino fundamental, os

investimentos para sua qualificação e que passou a ter matrícula obrigatória; o aumento

da oferta de matrículas para o ensino médio e para a educação infantil na rede pública de

ensino; o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais para a educação básica, as

quais consolidaram importantes características dos debates nacional e internacional

sobre a educação, nos remete a pensar e construir a formação de professores com

dinâmicas que o tempo atual exige e com grandes responsabilidades.

Logo, a superação da fragmentação do currículo das licenciaturas, por meio da

integração da prática educativa aos componentes curriculares é um dos principais

aspectos recomendado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, e vai ao encontro das

políticas da educação básica. Entende-se que a intenção da legislação vigente é a de que

as IES busquem melhorar a profissionalização docente no sentido de articular os

conteúdos específicos das licenciaturas com as metodologias apropriadas, desde o

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momento em que o acadêmico entra na Instituição. É preciso que as disciplinas teóricas

e práticas sejam desenvolvidas de forma articulada, no decorrer de todo o curso.

Nenhum professor consegue criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações

didáticas eficazes para a aprendizagem e para o desenvolvimento dos alunos

se ele não compreender, com razoável profundidade e com a necessária

adequação à situação escolar, os conteúdos das áreas do conhecimento que

serão objeto de sua atuação didática, os contextos em que se inscrevem e as

temáticas transversais ao currículo escolar (Brasil, 2001, p. 20).

Diante disso, é imprescindível a utilização de metodologias que estimulem a

observação, a criatividade e a reflexão, evitando a apresentação de soluções prontas e

buscando atividades que desenvolvam habilidades necessárias para solução de

problemas. Nesse momento entra em cena a Didática do professor da disciplina de

Didática. Outro fator importante a ser considerado, para a formação de professores, é a

história da educação sempre relacionada aos aspectos atuais, sem ficar estanque, um

conhecimento vago, apenas história. Aos acadêmicos devem ser apresentados novos

desafios, para que busquem retratar a realidade a ser enfrentada como sujeito e como

profissional, no exercício da docência.

A concepção do currículo dos cursos de licenciatura precisa considerar a

premissa da articulação entre a formação acadêmica e o mundo do trabalho. Essa

articulação decorre dos conhecimentos que devem ser construídos nas diferentes

disciplinas e na prática real de trabalho do acadêmico: a sala de aula da educação básica.

Além disso, proporcionar a flexibilização curricular e a ampliação do diálogo entre as

diferentes áreas de formação. A interdisciplinaridade e o raciocínio crítico devem ser

construídos pelo uso de técnicas metodológicas que tragam a realidade educacional à

sala de aula acadêmica, proporcionando reflexão, discussão e avaliação, para a

construção das disciplinas e consequentemente da profissionalização docente.

A pesquisa articulada ao ensino das disciplinas pedagógicas é uma importante

ferramenta nos cursos de formação de professores, especialmente porque o ensino é

uma tarefa complexa, especificamente humana. Nesse sentido, Pimenta e Anastasiou

afirmam que:

[...] é preciso considerar a importância dos saberes das áreas de

conhecimento (ninguém ensina o que não sabe), dos saberes

pedagógicos (pois o ensinar é uma prática educativa que tem

diferentes e diversas direções de sentido na formação do humano),

dos saberes didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação

e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas), dos

saberes da experiência do sujeito professor (que dizem do modo como

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nos apropriamos do ser professor em nossa vida). (PIMENTA;

ANASTASIOU, 2002, p. 70).

Desse modo, considera-se que as práticas cotidianas contribuem para que os

saberes acerca do ensinar sejam revisitados, redirecionados e transformados, o que torna

a pesquisa um núcleo fundante na ressignificação do trabalho docente nos cursos de

licenciatura e no processo de quem está em formação, cuja profissionalização se faz a

partir do “pesquisar o que ensinar”, nas licenciaturas pelos formadores de professores e

na educação básica pelo acadêmico licenciado.

Acerca dessa premissa, considerada por (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.

189) como uma “nova tendência”, e que valoriza a pesquisa no processo de ensino e

aprendizagem, pois é sabido que o ensino requer o domínio de métodos pelo docente,

podemos dizer que a docência das disciplinas pedagógicas, especialmente da Didática,

exige responsabilidade metódica e científica. A primeira consiste em delinear a prática

pela prática docente, e a segunda consiste no despertar dos conhecimentos necessários

para a própria docência de cada disciplina.

É importante, ainda, ressaltarmos que a prática é aqui entendida como ação

intencional, ou seja, é a ação pretendida institucionalmente com o processo educativo. A

cientificidade ilumina o trabalho docente e oferece, portanto, “instrumentos e esquemas

para análise e investigação, que permitem investigar as práticas e ao mesmo tempo pôr

as teorias em questionamento, uma vez que são explicações sempre provisórias da

realidade” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 179).

Diante disso, voltamos à discussão sobre a importância da pesquisa no ensino e

da aprendizagem com pesquisa. A formação docente nestes termos, e diante da

legislação vigente e das mudanças sociais, econômicas e culturais, provocadas pelo

desenvolvimento da ciência e da tecnologia, tem provocado docentes e acadêmicos a

investirem cada vez mais no conhecimento científico da sua área e a investigarem suas

próprias práticas a luz das teorias educacionais, especialmente da Didática. Autores

como Schön (1992), Sacristán (1992), Contreras (1997), Pimenta (2001), Freire (2011),

entre outros tem denominado essa tendência investigativa “epistemologia da prática” ou

“epistemologia da práxis”. Retomaremos essa questão no terceiro tópico.

É preciso, então, a formação de um profissional que tenha vivências na escola

básica, desde a infância, com a adolescência e jovens/adultos, e conheça seu cotidiano,

suas construções, sua realidade. É interessante conceber um profissional que, ao assumir

seu trabalho com alunos adolescentes, por exemplo, possa compreender questões da

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infância e da fase adulta, pois, apesar de agir em um momento específico da

escolarização, essa etapa faz parte de um conjunto maior: a educação básica.

2.1 A disciplina de Didática em questão

A educação, em sua amplitude, é um processo inerente à sociedade humana, no

entanto, algumas instituições assumiram a responsabilidade de desenvolvê-la

intencionalmente, com objetivos e finalidades, que são: os sistemas educativos que

envolvem as escolas e seus desdobramentos em órgãos dos sistemas de ensino, em

instituições de formação de profissionais, de pesquisa (PIMENTA; ANASTASIOU,

2002, p. 64). Libâneo (1991) apresenta a ideia da presença do pedagógico na sociedade

como um todo, ao reconhecer a presença de ações pedagógicas que extrapolam a

educação formal e não formal.

Quando falamos nas origens do campo da Didática moderna, seu histórico,

concepções e abordagens, não podemos deixar de citar João Amós Comênio (1592-

1670). Pensador tcheco, considerado o “pai da didática moderna”, e também da moderna

história da educação, dedicou sua vida à construção da Didáctica Magna, cuja obra

deveria expandir-se ao máximo possível, levando o conhecimento de “tudo para todos”

e respeitando a inteligência, aptidões, sentimentos e limites das crianças. Desse modo,

podemos considerar que a partir da grande obra:

[...] o pensador realiza uma racionalização de todas as ações educativas, indo

da teoria didática até as questões do cotidiano da sala de aula. A prática

escolar, para ele, deveria imitar os processos da natureza. Nas relações entre

professor e aluno, seriam consideradas as possibilidades e os interesses da

criança. O professor passaria a ser visto como um profissional, não um

missionário, e seria bem remunerado por isso. E a organização do tempo e do

currículo levaria em conta os limites do corpo e a necessidade, tanto dos

alunos quanto dos professores, de ter outras atividades. (FERRARI, 2016, p.

1/4).

Para além de uma disciplina técnica, a Didática vem sendo objeto teórico de

grande reflexão. Assim, ela contribui para mudar o pensamento do professor e a ter

cumplicidade com a escola, pois ele nunca deixa de ser importante na sala de aula, é

aquele que ajuda os alunos. Mesmo em tempos de grandes avanços científicos e

tecnológicos, de mídias importantes como a internet, o trabalho docente é fator relevante

para o desenvolvimento da educação formal. Na prática pedagógica atual o processo de

planejamento da educação escolar tem sido alvo de constante indagação. A Didática,

enquanto teoria do ensino, possibilita ao professor esses momentos que são cruciais ao

desenvolvimento de uma educação qualitativa.

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Ao extrapolar a simples a elaboração de um plano de ensino e de aula, o

professor demonstra seu cuidado e compromisso, assumidos a partir da sua

profissionalização, em dar sua matéria com direcionamento para alcançar as finalidades

da educação, prescritas nas políticas públicas e ensejadas pela sociedade, e

concretização dos princípios firmados no projeto pedagógico da escola, além do

desenvolvimento do saber pessoal e profissional de cada aluno.

Desta forma, a prática pedagógica crítica se traduz por um trabalho realizado

pelo professor e pelo aluno, atuando de acordo com um objetivo comum.

Implica na presença do sujeito crítico, capaz de desenvolver uma prática

pedagógica que procura, de um lado, superar a relação pedagógica

autoritária, paternalista e, de outro, busca uma ação recíproca entre professor

e aluno (VEIGA, 2011, p. 22).

E para ser um bom professor, reconhecido profissionalmente por seus saberes e

sua identidade, é preciso ter autonomia, se atualizar, fazer uso das ferramentas

disponíveis e sempre buscar informações novas (desenvolver autonomia e curiosidade

científicas). Selecionar os conteúdos (não aceitá-los como conhecimentos prontos e

acabados), saber o tom da linguagem que vai utilizar e refletir criticamente sobre cada

aula desenvolvida. Observar o sistema organizacional da escola e de cada professor,

analisar o currículo da escola para organizar o planejamento, e por fim, mas não menos

importante, saber avaliar o ensino e a aprendizagem, de si e dos alunos.

3 Profissionalização e trabalho docente em questão

O que identifica um professor como profissional da educação? O professor

torna-se profissional quando requer maior qualificação. (PIMENTA; ANASTASIOU,

2002). Para além da formação inicial, realizada em cursos de licenciatura, a

profissionalização docente importa a formação continuada, especialmente aquela

realizada em serviço, onde a escola se torna o principal e o mais importante contexto

para tal. (ANTÓNIO NÓVOA, 1992/1995). Assim ocorre, além da valorização do

trabalho docente, a construção e o fortalecimento da identidade desse profissional, tão

frágil em tempos de grandes instabilidades na sociedade.

A profissionalização, por ser permanente, é processual. Ganha força e

credibilidade quando valoriza o coletivo, cuja intencionalidade e envolvimento político

do professor são constantes. “O processo de profissionalização assim configurado

possibilita a busca de pistas e indícios individuais e coletivos, num posicionamento

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investigativo, que pode ir envolvendo o coletivo e ir se „alastrando‟ nas instituições”

(PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 116).

O espaço-tempo do curso de licenciatura, princípio da profissionalização, é

imprescindível para a apropriação dos saberes da área de formação, inerentes à condição

da docência em todos os níveis e modalidades de ensino. A tomada de consciência

reflexiva sobre a prática, a predisposição para mudanças e o enfrentamento da realidade

educacional são fatores imprescindíveis a esse processo. Não raro, a profissionalização

docente requer atitude e bom senso.

Nesse processo é necessário dar voz ao professor, presenciar a subjetividade

e a singularidade como elementos distintos, possibilitar a interação dos

diferentes sujeitos no processo, ouvir as dúvidas, os pares, lidar com os

confrontos, estabelecer o diálogo de cada um consigo mesmo e entre os

sujeitos do processo educativo, analisar o contexto social, compreender

determinantes da historicidade, dar espaço para as surpresas, os sustos, as

constatações. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 116).

A profissão de professor é dotada de um caráter dinâmico, uma prática social

complexa, modificadora do pensar e agir dos sujeitos. Diante do enfrentamento e da

análise crítica da realidade, confrontada com a teoria, é que a profissão se constrói e se

modifica, com base em sua história de vida, cultura e saberes. “A profissão de professor

emerge em um dado contexto e momento histórico, tomando contornos conforme

necessidades apresentadas pela sociedade, e constrói-se com base nos significados

sociais que lhe são dados” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 189). Embora o

prestígio social profissional dele anda pouco elevado, essa mesma sociedade requer uma

profissionalização a altura das suas modificações, com estabilidade e dinamismo

necessários ao espaço-tempo atual.

É notório que uma forma de construir e manter essas características profissionais

é o investimento que se faz, o professor e o Estado, em formação continuada. O

fortalecimento de sua identidade profissional - e também pessoal, dado seu prestígio

pouco elevado - ocorre, principalmente, a a partir das reflexões realizadas acerca da sua

prática pedagógica, cuja feitura não deve distanciar-se da realidade concreta da escola e

dos aspectos sociais, culturais e econômicos que a circundam. “A identidade não é um

dado imutável nem extremo, mas se dá em processo, na construção do sujeito

historicamente contextualizado” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 189). O ideal,

ainda, é que tais reflexões ocorram no coletivo escolar.

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As ações reflexivas decorrentes da prática pedagógica, por assumirem caráter

teórico, são a base para a efetivação da formação continuada. É importante compreender

que “a teoria e a prática não existem isoladas, uma não existe sem a outra, mas

encontram-se em indissolúvel unidade. Uma depende da outra e exercem uma influência

mútua, não uma depois da outra, mas uma e outra ao mesmo tempo” (VEIGA, 2011, p.

18). A disciplina de Didática, por ser de natureza teórico-prática, possibilita a inserção

do acadêmico, e depois dele já professor, nessa logística tendência denominada por

Schön (1992), e outros autores, de “epistemologia da prática docente”, ou ainda,

“epistemologia da práxis”, ocupando, inclusive, grande parte da pauta dos debates

educacionais, especialmente no que tange a formação inicial e continuada dos

professores.

Nesse movimento é importante clarear que “refletir”, não se trata apenas de uma

ação do profissional docente, mas é um importante e indispensável conceito de sua

profissionalização. Por conta da cultura que caracteriza o ser humano, e por caracterizá-

lo a partir de determinados contextos, ele é reflexivo por natureza. Porém, a

reflexividade é manifestada em diferentes graus ou níveis, podendo ou não ocasionar

mudanças no seu ser, dependendo da intencionalidade e historicidade do seu pensar e

fazer, que, aliás, é um processo contínuo, duradouro e permanente (GHEDIN, 2010, p.

129).

A compreensão da tendência reflexiva, enquanto conceito de “professor

reflexivo” e sua execução teórico-prática, se transforma em um conhecimento resultante

da ação, por esta estar embebida de teoria, e, isso reforça a tese de unidade da teoria e

da prática. Esse “movimento intelectual do professor deve conduzi-lo à autonomia

emancipadora da crítica”. Quando a “epistemologia da prática” ou a “epistemologia da

práxis” for uma constante no trabalho docente, sua profissionalização se efetiva de fato,

pois ele passa a dar “sentido e significado ao seu ser e fazer pedagógico num dado

contexto histórico” (GHEDIN, 2010, p. 129-130). É importante ressaltar que todo esse

movimento não ocorre solitário, mas se constrói no coletivo, e mais, levando em

consideração toda a comunidade escolar.

Considerações: perspectivas e possibilidades em Didática

As mudanças da e na sociedade, decorrentes especialmente a partir do

desenvolvimento científico e tecnológico; as novas exigências para o campo de trabalho

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e de perfil docente e os desafios para a educação neste século nos remetem ao

pensamento e à efetivação da formação docente como aliada para a melhoria da

qualidade da educação. Além disso, pensar e desenvolvê-la em uma perspectiva

educacional humanizadora fortalece a ideia da construção de uma sociedade mais

consciente e humanamente mais solidária.

Entendemos que se o curso de formação de professores estiver dirigido por

e para uma prática pedagógica crítica, que reflete sobre suas próprias ações, com vistas

às transformações sociais necessárias, possibilitará, então, ao professor maior segurança

para lidar com as relações pessoais e pedagógicas que ocorrem na sala de aula e na

escola de um modo em geral. Se professores formadores e acadêmicos - e esses, depois,

com seus alunos relacionarem seus conhecimentos, com aqueles já construídos pela

humanidade, poderão melhorar os já existentes e construir novos, e assim, “estariam de

fato consolidando seu poder de contribuir para a transformação da sociedade” e

construindo a humanidade no ser.

Currículos bem estruturados, construídos no coletivo escolar e comunitário,

visionários das diversidades sociais, econômicas e culturais, com objetivos e finalidades

em acordo com os novos moldes do mundo do trabalho, e o trabalho docente realizado

de modo crítico e construtivo, só trarão resultados muito positivos à educação. Logo, e

diante de tudo isso, e a partir da efetivação da “epistemologia da prática”, cuja

profissionalização docente fortalece seus saberes e sua identidade, o planejamento de

ensino e de aprendizagem do professor tornar-se-á uma ação essencial, intencional e

comprometida com a qualificação da educação em todos os níveis e modalidades.

REFERÊNCIAS

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democrático. Revista Proposta, no. 59 – dezembro / 1993, Rio de Janeiro: FASE, 1993.

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Gestão da Educação (1991-1997). Brasília/DF: Mec/Inep/Comped, 2001.

_____________________________________ 1 Registramos o agradecimento às pessoas ligadas à Coordenação de Ações Inclusivas da Reitoria do

Instituto Federal Farroupilha pelo trabalho de prover acessibilidade aos livros solicitados.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8758ISSN 2177-336X

14

1 Disponível em <https://moodle.org>. Acesso em dez. 2015.

1 Para esse estudo utilizamos um Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem e Correio eletrônico para

potencializar as interações. 1 MOODLE é o acrônimo de "Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment" - sistema

modular de ensino a distância orientado a objetos. Ou ainda, um Sistema de Gerenciamento de

Aprendizagem em trabalho colaborativo (SGA), disponível para download em: http://www.moodle.org. 1 “Lançado em 2007, o sistema Rede e-Tec Brasil visa à oferta de educação profissional e tecnológica a

distância e tem o propósito de ampliar e democratizar o acesso a cursos técnicos de nível médio, públicos

e gratuitos, em regime de colaboração entre União, estados, Distrito Federal e municípios”. Acessado em:

portal.mec.gov.br. 1 Além de pesquisador faço parte do grupo de professores do curso de LC, o que demarca ainda mais a

dinâmica de pesquisa-ação. 1 Resolução CNE/CP n. 02/2002 estabelece a carga horária dos cursos de Licenciatura e define que essa

prática deve possuir um total de 400 horas distribuídas ao longo do curso. 1 Os textos estão listados na Figura 1. A análise das discussões realizadas nesses encontros não é intenção

neste artigo. 1 Posterior a apresentação do texto no evento e os diálogos estabelecidos, um professor me abordou

questionou: Trabalho em uma instituição que a maioria dos professores estão sobrecarregados com aulas.

Todo mundo sempre está ocupado fazendo alguma coisa. Nesse caso, é possível desenvolver essa

proposta? Em que momento?” Respondi que se trata de uma exigência que precisamos fazer para que seja

reservado tempo para esses estudos em nossas instituições. Caso contrário, deixamos de lado nossa

principal ferramenta de trabalho, a reflexão fundamentada. 1 Importante ressaltar, mais uma vez, que o DPDLiC não se trata apenas do Habitat Digital e sim

contempla toda a proposta de estudos e os encontros presenciais. 1 No livro intitulado “Estágio Curricular Obrigatório e Prática como Componente Curricular: que prática

é essa?” de Vera Rejane Coelho e Marilane Maria Wolf Paim e no artigo intitulado “A prática como

componente curricular na formação de professores” de Júlio Emilio Diniz-Pereira, encontramos uma

reflexão acerca dos distanciamentos e aproximações entre essas práticas. 1 “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa” (VIGOSTKI,

2003, p. 74).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8759ISSN 2177-336X

15

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR

Adão Caron Cambraia

IF Farroupilha - Campus Santo Augusto

Maristela Stolz Brizzi

Universidade Regional do Noroeste do RS - UNIJUÍ

Resumo: A dinâmica de integração curricular está direcionada para a sua relação com o

desenvolvimento profissional, particularmente, no contexto do Curso de Licenciatura

em Computação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha -

Campus Santo Augusto. Para tal, se organizou um grupo de pesquisa-ação para discutir

e refletir sobre a integração curricular desenvolvida no componente curricular de Prática

do Ensino da Computação. Esse espaço foi denominado de Desenvolvimento

Profissional Docente na Licenciatura em Computação (DPDLiC). As interações e

discussões aconteceram em reuniões presenciais e a distância. Essas interações foram

gravadas em áudio e transcritas. As postagens no ambiente virtual também serviram de

material para análise. Este texto é, portanto um recorte dessa pesquisa-ação e está

organizado em dois tópicos. O primeiro, apresenta a organização do Habitat Digital do

DPDLiC – enfatizando o envolvimento dos participantes de forma voluntária, o que

caracteriza um movimento de pesquisa-ação. O segundo tópico, são contribuições sobre

a concepção dos professores referente ao conceito de integração curricular postadas e/ou

discutidas no DPDLiC, que auxiliaram na compreensão das práticas e teorias envolvidas

no movimento e desenvolvimento desse processo. A preocupação deste texto foi

descrever e analisar um primeiro ciclo da pesquisa-ação, a criação do DPDLiC e esforço

para promover um coletivo que compartilha suas preocupações, discussões, descobertas

e criações. Esse ciclo perpassou pelo planejamento, intervenção, observação e reflexão

sobre o DPDLiC. Tratou-se da criação de uma base para permanentes interações entre

os professores da LC. Com o DPDLiC estruturado se espera a continuidade desse

processo. Esse é um espaço que precisa ser exigido pelos professores, pois somos

profissionais da reflexão, profissionais da escrita, seres inacabados em permanente

desenvolvimento.

Palavras-chave: Desenvolvimento Profissional Docente. Licenciatura. Pesquisa-ação.

Introdução

Para entender como se criou e instituiu um processo de Desenvolvimento

Profissional Docente (DPD) no curso de Licenciatura em Computação (LC) do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (IF Farroupilha) campus Santo

Augusto é que se organizou espaços coletivos com interlocução presencial e a distânciai,

um protótipo que se denominou de Desenvolvimento Profissional Docente na

Licenciatura em Computação (DPDLiC). Com esse espaço em rede, foi possível

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8760ISSN 2177-336X

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identificar um entrelaçamento de linguagens (oral e escrita) que ocorreu nesse processo

e suas contribuições para esse processo formativo.

Os excertos analisados nesse texto foram retirados do Habitat Digital da

comunidade (WENGER, WHITE, SMITH, 2009) identificados com a sigla “HD” e dos

encontros presenciais, identificados como “PRES”. Trata-se de um estudo para entender

como esse processo interativo proporciona novas formas de comunicação,

compartilhamento de relatos/ideias/argumentos, contribuindo com a constituição de um

professor reflexivo/pesquisador com autonomia para produção do currículo.

Com isso, se constituiu um grupo de pesquisa-ação como ciência educativa

crítica (CARR & KEMMIS, 1988) com vistas a desenvolver estudos, planejamentos,

discussões e ações coletivas pertinentes à realização de uma integração curricular,

potencializando a interlocução entre os sujeitos para entender o que eles sabem e

aprendem nesse processo. Este artigo é um recorte de uma pesquisa de maior

abrangência e está organizado em dois tópicos, o primeiro apresenta a organização do

Habitat Digital do DPDLiC. O segundo tópico, são contribuições sobre a concepção dos

professores referente ao conceito de integração curricular postadas e/ou discutidas no

DPDLiC, que auxiliaram na compreensão das práticas e teorias envolvidas no

movimento e desenvolvimento desse processo.

1 O Habitat digital para o DPDLiC

O DPDLiC foi construído de acordo com as discussões e reflexões do grupo.

Nos primeiros encontros foram discutidos, planejados e pensados os projetos

integradores. Desses encontros, com o incentivo do pesquisador, surgiram as propostas

de criação de um habitat digital para quem desejasse escrever sobre suas práticas. Nos

espaços presenciais também se disponibilizou um tempo para socialização de relatos das

práticas com o intuito de avançar na concretização das atividades de integração

curricular.

Uma das ferramentas utilizadas para criação do Habitat Digital para a

comunidade foi o MOODLEii, pois a maioria dos professores da LC conhecem e

utilizam esse ambiente nas aulas dos cursos da Rede e-Tec Brasiliii

. Além desse

ambiente também se considerou o correio eletrônico institucional (utilizado por todos os

professores) como uma forma de interação que facilitou a partilha das diferentes

concepções sobre a integração curricular. Então, não foi necessário desenvolver

atividades de familiarização e/ou treinamento com o ambiente. A proposta não foi

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8761ISSN 2177-336X

17

forçar o uso da internet, mas proporcionar o compartilhamento de reflexões, opiniões e

concepções sobre a integração curricular na prática docente, potencializando uma

interação entre os sujeitos.

Para isso, se promoveu encontros presenciais (terças-feiras), para organizar e

acompanhar o andamento das atividades, que posteriormente, passaram para as quartas-

feiras (momento destinado para reuniões de professores). Esses encontros são

pertinentes para desenvolver um trabalho mais articulado e que proporcione uma maior

reflexão sobre a prática. Essa demanda é destacada na fala da Professora 6: “Eu acho

que isso de sentar numa terça-feira é um avanço, mas nem todos vão poder estar aqui,

ai darei uma outra ideia, memória dos encontros, onde podemos pensar sobre o que já

se avançou. A gente vai registrar”(PRES), e a professora 7 complementa “podemos

criar um fórum”(PRES). Então, “se todas as primeiras terças feiras do mês ficar

instituído que nós vamos discutir [...], vamos fazer como se fossem grupos de estudos.

Bom, hoje foi socializado um texto; no próximo encontro nós vamos discutir esse texto”

(Professora 7, PRES). Ambas as professoras destacam a importância de se proporcionar

encontros para estudos e reforçam a importância de manter e ampliar o registro de

relatos sobre as práticas docentes. Então, essa dinâmica formativa não foi colocada em

movimento pela obrigação de fazê-la, mas pela necessidade de mudanças percebida pelo

grupo de professores, que conforme Carr e Kemmis (1988) uma condição básica para

que ocorra uma pesquisa-ação é o envolvimento do próprio grupoiv

.

No Habitat Digital se disponibilizou textos estudados nos encontros presenciais,

projetos integradores, memória do trabalho desenvolvido nas turmas e fóruns para

estudos-discussões. Para que os professores se sentissem à vontade no ambiente, se

postou uma mensagem de boas vindas, em que se fez uma exposição dos objetivos do

projeto. Se destacou a importância em construir espaços coletivos para promover o

desenvolvimento da integração curricular e, por conseguinte, o desenvolvimento de

professores. Em outras palavras, se trata de proporcionar um Desenvolvimento

Profissional Docente (DPD) que ocorra de “dentro para fora” - para teorizar sobre a

complexidade da prática docente e torná-la compartilhável -, como Fiorentini e Crecci

(2013) definem o DPD, em que “remete também ao processo ou movimento de

transformação dos sujeitos dentro de um campo profissional específico. Um processo,

portanto, de vir a ser, de transformar-se ao longo do tempo ou a partir de uma ação

formativa” (FIORENTINI, CRECCI, 2013, p. 13).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8762ISSN 2177-336X

18

O DPD vem sendo defendido na área da educação como essencial à constituição

dos conhecimentos profissionais, pois desenvolvem análises de práticas, que inter-

relacionam formação docente e mudança curricular. Na concepção de Chistopher Day

(2001, p.16), permite uma permanente atualização pedagógica e científica, contribui

para renovar mentalidades. Esse intento ficou expresso na mensagem de recepção dos

professores no Habitat Digital, que serviu para destacar o objetivo da criação do

DPDLiC: “A formação de professores é complexa. A maioria dos desafios que

encontramos em nossa prática não foram e nem poderiam ser abordados ou discutidos

em nossa formação inicial, pois geralmente são casos singulares, característicos da

cultura, do espaço e da turma de alunos que interagimos e desenvolvemos nossas

atividades didático-pedagógicas. O trabalho de integração curricular é um exemplo

disso, pois é algo novo, não possuímos modelos de como proceder, precisamos

construir a nossa caminhada. Este contexto exige a formação de um professor-

pesquisador, o diálogo com o Outro para uma reflexão partilhada, um diálogo com a

teoria para não cairmos em um pragmatismo puro (achar que nossa prática está

correta e seguir sem reflexão). Esse espaço é um convite para que cada professor tenha

a pesquisa como inerente a sua prática docente”.

Com essa mensagem esperamos que cada professor se sinta a vontade nesse

ambiente e sujeito no processo de ensino e aprendizagem, contribuindo na construção

do componente curricular das Práticas do Ensino da Computaçãov (PEC),

compartilhando suas reflexões e assim, enfrentando “os limites do trabalho prescrito

para tornar a tarefa suportável e para realizá-la da melhor maneira possível quando as

prescrições são falhas” (PERRENOUD, 2002, p.11). Trata-se de um espaço coletivo

para permanentes interações, de forma a construir autonomia e superar os desafios que a

sociedade contemporânea impõe, sabendo que “a autonomia e a responsabilidade de um

profissional dependem de uma grande capacidade de refletir em e sobre sua ação”

(PERRENOUD, 2002, p.13).

O acesso ao habitat digital ocorreu antes do primeiro encontro presencial e teve

como finalidade proporcionar um reconhecimento do ambiente e da proposta de

estudos, bem como disponibilizar esse espaço para relatar sobre as atividades

desenvolvidas nas PEC. Também, para se escolher textos e definir os grupos para

discutir, compartilhar e apresentar reflexões. Então, se disponibilizou na biblioteca do

habitat digital textos referentes a cada encontro e também complementares para que

pudéssemos acessar em qualquer momento e de qualquer local. O intuito de selecionar e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8763ISSN 2177-336X

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disponibilizar esses materiais foi promover novas discussões sobre a integração

curricular, que é desenvolvida na Licenciatura em Computação através da PEC.

No primeiro encontro presencial, conforme Figura 1, foi apresentada uma

proposta de estudos para apreciação. Assim, nos organizamos em grupos e escolhemos

um texto para apresentarvi

. No habitat digital se disponibilizou um espaço para

compartilhar experiências e discussões sobre a PEC. Também foi possível acessar a

agenda do dia, um fórum para escrever sobre nossas concepções de integração

curricular e a proposta de elaboração de um artigo para compor um livro sobre

experiências com a PEC na LC (entendemos a escrita como uma ferramenta

fundamental para o desenvolvimento profissional docente).

No processo de escrita do artigo, com relato do trabalho desenvolvido, também

se caracterizou como momento formativo no DPDLiC, pois nos possibilitou novas

leituras, escritas, reflexões e compartilhamento das produções. Para tal, se propôs esse

desafio para cada professor ou grupo de professores. Esse convite foi ampliado para

professores de outros cursos de LC do Brasil. Mas, conforme e-mail de um dos

convidados: “as coisas complicaram-se e o mais cedo que eu consigo terminar é no dia

10 de junho, que é feriado e que, depois do fim de semana, me dará um dia inteiro sem

telefones e sem reuniões todas para ontem”. Em um e-mail posterior o professor desiste

de escrever o capítulo, com a justificativa da falta de tempo. O que nos leva a entender,

de acordo com Barroso (2013), que se vive em uma autonomia “meramente

instrumental” em detrimento de uma “autonomia substantiva” (domínio da organização

e do currículo) que permita aos professores serem autores e os alunos e comunidade

participarem da construção de uma instituição pautada em seus interesses e

necessidades. Isso ocorre muito pela sobrecarga de trabalho docente, como se

transpareceu no excerto anterior.

Se percebeu que a definição do prazo para o encerramento do texto não

provocou um “parar” para pensar. Então, para desencadear um processo reflexivo pela

escrita, o professor precisa estar comprometido com seu texto, envolvido com o

problema de uma forma que não exista outra coisa mais importante para realizar. Com

isso, se encontra tempo para esse exercício reflexivo. Com isso, o livro recebeu

contribuições de outros cursos de LC e é composto por quatro artigos de sete convites

realizados, demonstrando como o processo de escrita para que ocorra um

desenvolvimento profissional docente se torna algo quase inviável pelo volume de

afazeres e tarefas diárias que os professores precisam desenvolver em suas instituições.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8764ISSN 2177-336X

20

No grupo de professores da LC do IF Farroupilha que participaram do DPDLiC,

foi disponibilizado um espaço para que postassem a ideia inicial do artigo, conforme

Figura 1. No entanto, as ideias eram discutidas na sala dos professores em momentos de

intervalo ou em conversas na sala do café. Algumas propostas de artigo foram

compartilhadas por correio eletrônico, o que foram analisadas e respondidas na tentativa

de aperfeiçoá-las. Participaram sete professores da LC do IF Farroupilha, dois do Curso

de Tecnologia em Agronegócios, dois estudantes da LC e a bolsista de Iniciação

Cientifica, vinculada a essa pesquisa. Os textos foram escritos coletivamente,

totalizando onze artigos: sete artigos locais e quatro de LC de outros IFs.

Figura 1 – Agenda do primeiro encontro presencial, publicada no ciberespaço.

Também, se disponibilizou um texto, intitulado “Prática docente universitária e a

construção coletiva de conhecimentos: possibilidades de transformações no processo de

ensino-aprendizagem”, de autoria de Maria Amélia de Santoro Franco. Além deste

texto, se discutiu a proposta de pesquisa e formação do grupo de pesquisa-ação através

de um texto que seria apresentado no XXXIV Congresso da Sociedade Brasileira de

Computaçãovii

, intitulado: “A formação continuada de professores num curso de

Licenciatura em Computação: a integração curricular no desenvolvimento profissional”

na tentativa de envolver, cada vez mais, os professores nas discussões sobre a temática.

Nesse texto, foi socializado a ideia de criar o DPDLiC para realizar estudos e

discussões de forma permanente na licenciatura. Esse material foi disponibilizado para

os professores com o intuito de esclarecer a proposta de realizar uma pesquisa-ação.

Em resposta ao texto, o professor 4, salientou que “o uso das comunidades

virtuais viriam como uma ferramenta integradora e de construção coletiva do

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8765ISSN 2177-336X

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conhecimento, auxiliando no desenvolvimento de trabalhos conjuntos entre as

disciplinas[...]”(HD) e o professor 7, afirmou que “é uma iniciativa para melhorarmos

as nossas PPIs [sigla utilizada no PPC 2013 para as Práticas do Ensino da

Computação]. Elas precisam ser documentadas”(HD). Em ambas as afirmações, o

professor reforça a importância desse processo interativo e levanta questões importantes

para a criação e o desenvolvimento do DPDLiC: a participação e o compartilhamento de

reflexões através do relato e documentação das atividades planejadas e desenvolvidas.

Além disso, se destaca a importância em superar a fragmentação, que é discutida

no texto citado anteriormente, sobre a cisão entre disciplinas do Núcleo Básico,

Pedagógico e Específico da Computação, que conforme o professor 4 precisamos

ampliar as discussões para “linkar, interagir um pouco mais as disciplinas da

Pedagogia com a Informática, associando o uso das tecnologias educacionais em rede

nos estudos propostos”(HD). Ao mesmo tempo que, o professor percebe essa

dificuldade de ligação entre as disciplinas técnicas e pedagógicas sugere uma ampliação

do “uso das tecnologias educacionais em rede nos estudos propostos”, deixando claro

que precisamos incorporar esses recursos tecnológicos na formação docente e ampliar

esse trabalho para nossa prática docente. Com esse intuito que se criou o DPDLiCviii

que

é visualizado na Figura 1.

Nesse ambiente, diversos Fóruns foram propostos com a intenção de promover

uma maior interação. Assim, questões desde “O que entende por Prática Pedagógica

Integrada?”, “A relação da formação com o mundo do trabalho”, fóruns para que se

disponibilizar concepções sobre integração curricular, para sugerir modificações e para

realização de relatos sobre essa prática, uma espécie de memória descritiva das

atividades e dificuldades encontradas em sala de aula. No próximo tópico se analisa as

respostas atribuídas ao fórum “O que entende por Prática Pedagógica Integrada?” bem

como as interlocuções presenciais a esse respeito ocorridas no DPDLiC.

2 As interações para reconstrução da integração curricular nas PEC

A proposta de pensar a integração curricular no coletivo está presente no curso

de LC. Com intensão de promover um maior diálogo e consequentemente, uma maior

integração curricular que o DPDLiC foi criado. Nesse espaço ocorre uma interação

pela linguagem escrita e oral, permitindo uma análise e reflexão das ações e discussões,

gerando novas compreensões sobre o processo de integração curricular desencadeado

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8766ISSN 2177-336X

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nessas práticas. Entender a dinâmica de organização das PEC, superar as dificuldades,

construir novas possibilidades na incerteza são desafios para qualquer professor. Neste

tópico, se busca construir uma reflexão sobre algumas concepções e os posicionamentos

em relação a essa prática. Trata-se de esforço de entendimento sobre como o professor

da LC pensa a PEC, a partir de alguns relatos e declarações pontuais realizadas em

reuniões e dos textos postados em Fóruns no Habitat Digital do DPDLiC.

Ao mesmo tempo em que se desenvolve uma integração curricular, se percebeu

a importância em realizar estudos de forma contínua, pois precisamos compreender

melhor essa dinâmica, conforme relato: “para mim não está claro, mas penso que seria

um momento em que alguns professores de disciplinas e/ou áreas diferentes reúnem-se

para propor atividades para os estudantes trabalhar e utilizar os conhecimentos de

várias áreas de forma „macro‟ " (Professor 3, HD). Demonstrando uma concepção de

integração curricular ligada a ideia de interdisciplinaridade, ou um desejo de realizar

uma interdisciplinaridade, pois percebe-se, neste excerto, a necessidade de superar a

ideia do trabalho interdisciplinar como uma soma de disciplinas que reúnem-se para

desenvolver atividades para os alunos.

Já o professor 6, afirma: “não consigo perceber a diferença entre essas práticas

e os estágios, parece que realizamos duas coisas iguais em paralelo”(PRES), o que é

compreensível, pois em ambas as situações se percebe uma tentativa de aproximação

reflexiva com a prática, deixando que se crie interpretações de que são atividades que se

justapõe. Mas, pelo contrário são trabalhos que se complementam, de um lado

possibilitando um trabalho reflexivo de aproximação com a escola desde o primeiro

semestre e de outro um trabalho de aproximação com a sala de aula para iniciar o

exercício da docência, geralmente nos quatro últimos semestresix

. Destes últimos

excertos analisados se percebe a necessidade de novos estudos e aprofundamentos

práticos e teóricos para entendermos esse processo e concretizar as PEC.

O professor 4 após explicar sobre a dificuldade em estabelecer uma ligação entre

as disciplinas Pedagógicas e da Computação, reforça que um “fator importante a ser

trabalhado é associar atividades como as PPIs entre as disciplinas [...], seja na

elaboração de pesquisas, trabalhos, artigos [...] é um desafio, mas, seria algo

importante para a construção do conhecimento de forma coletiva”(HD).

Transparecendo nesse excerto, a compreensão do caráter interdisciplinar também

presente na PEC. Ou seja, mesmo ao ser organizada por professores de um único

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8767ISSN 2177-336X

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Núcleo, a responsabilidade em promover uma interdisciplinaridade permanece.

Exigindo a criação de espaços como o DPDLiC para a concretização dessas ações.

Assim, conforme postagem no Habitat Digital, a PEC “são espaços formativos

que possibilitam que os estudantes possam, pela mediação de algum sujeito, integrar os

conteúdos estudados no curso entre eles e, também, relacioná-los com o cotidiano”

(Professor 2). Nesse excerto, se percebe que o papel da mediação docente é

fundamental, pois, trata-se da possibilidade de ativação das Zonas de Desenvolvimento

Proximal (ZDP). Na ZDP se soluciona determinados problemas com a ajuda dos outros,

pois se compartilha novas ideias, conceitos e reflexões. Com isso, vai se construindo

pequenos “andaimes”, que, progressivamente é compartilhado entre os sujeitos,

estabelece-se uma rede interativa de aprendizagem.

Nesse contexto, é que se desenvolve atividades com projetos integradores, que é

uma proposta inspirada nos projetos de trabalho (HERNÁNDEZ & VENTURA, 1998).

Conforme esses autores, a função do projeto é favorecer a criação de estratégias de

organização dos conhecimentos escolares em relação a:

1)O tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes conteúdos

em torno de problemas ou hipóteses que facilitam aos alunos a construção de

seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos

diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio. (HERNANDÉZ &

VENTURA, 1998, p. 61)

Na maioria dos semestres se valoriza uma interlocução dos futuros docentes com

experiências relacionadas ao espaço da escola. Assim, se faz contatos com professores

que já atuam na área para aplicação de entrevistas aliadas a estudos teóricos e,

semestralmente, através do Seminário Integrador (SI) se proporciona que as reflexões

sejam compartilhadas com colegas e professores do curso, transformando em

aprendizagens as interações sociais, pois conforme Vigostki, o indivíduo somente

aprende imerso no caldo da cultura.

Geralmente, se segue algumas etapas para o desenvolvimento do projeto: a)

apresentação da proposta de estudos aos alunos (temáticas); b) formulação do problema

de pesquisa por grupos de alunos, auxiliados pelos professores; c) identificação e

seleção de materiais de pesquisa – visitas a escolas, bibliotecas; d) estudo e análise dos

materiais coletados; e) sistematização dos trabalhos através de um artigo ou resumo; f)

apresentação do artigo no SI. Embora, não exista um documento que prevê essa

organização, essa tem sido nossa principal forma de organização dessas atividades.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8768ISSN 2177-336X

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Conforme reunião para organização dos projetos, o professor 1 destaca que:

“Assim, sempre no início do semestre vamos pensar as PEC. Trata-se de 50 horas por

semestre. Então, a gente vai sentar aqui e vai perguntar: que disciplinas podem se

envolver nas PEC? Entendem, isso que a gente vai fazer. Esse grupo vai se articular e

geralmente vai ser um da área técnica e um da área especifica [para orientar cada

turma]. Pode ter todos os professores do semestre. Pode ter dois no mínimo, entende

professora 7? NO PPC anterior, nós tínhamos definido como as disciplinas de

„Tecnologias Educacionais na Educação‟ e „História da Educação‟. Como a gente

retirou a disciplina de Tecnologias Educacionais do PPC e a gente estava iniciando o

semestre, ficou „Introdução a Informática‟ que se aproximava mais. Essas duas. Nada

impede que o próximo semestre na hora de pensar o projeto a gente pense envolvendo

todas áreas. Depende do projeto que a gente vai pensar”. Nesse excerto fica claro a

importância do movimento na construção do projeto. Para tal, em cada semestre se

propõe novas articulações, mantendo o fio condutor, que é a temática de cada semestre,

mas as articulações entre as disciplinas são modificadas (podendo ser as mesmas

disciplinas ou outras que planejam e desenvolvem o projeto). Ainda, como se trata de

uma nova turma de alunos com características diferentes, a elaboração do conhecimento

é singular, pois cada grupo elabora uma pesquisa que permeia a temática definida para o

semestre e que é, posteriormente, socializada no grande grupo, geralmente através do

seminário integrador.

[...] como nos sonhos, a oralização da escrita lhe dá sentido, os muitos

sentidos que muitas possíveis leituras irão desvendar, ou melhor configurar,

pois só a virtual oralização faz do escrever um ato de significar. A escrita se

configura como rebus, isto é, como passagem da materialidade da letra para a

significância que lhe confere a oralidade (MARQUES, 2001, p. 38).

O DPDLiC foi criado para potencializar a escrita seguida de discussões orais e

reflexão dos professores envolvidos com a LC. Nesse espaço ocorre uma interação pela

linguagem escrita e oral, permitindo uma análise e reflexão das discussões, gerando

novos entendimentos das práticas, pois, de acordo com Vigostki (2003), o

desenvolvimento do ser humano ocorre nas relações sociais que os indivíduos

estabelecem com o meio em que vivem e esse meio oferece um conjunto de sentidos e

significados que são internalizadosx pelos professores. Para o autor, a interação social é

o veículo fundamental para a internalização do conhecimento social, histórico e

culturalmente construído. Assim, cada professor dá um sentido próprio para um

conjunto de signos que o meio social lhe oferece, ou seja, se apropria dos mesmos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8769ISSN 2177-336X

25

Considerações

O processo de interação em rede no DPDLiC através da escrita e da oralidade

proporcionou uma sistematização e criou uma dinâmica que potencializou os diferentes

significados sobre a integração curricular, de forma a propiciar um trabalho coletivo.

Nesse texto, observou-se que a internalização é alavancada pelo entrelaçamento da

oralidade e escrita coletiva, que ora se escreve para organizar o pensamento, ora pela

oralidade se comunica essa escrita, criando novos sentidos e significados.

A preocupação deste texto foi descrever e analisar um primeiro ciclo da

pesquisa-ação, a criação do DPDLiC, um esforço para promover um coletivo que

compartilha suas preocupações, discussões, descobertas e criações. Esse ciclo perpassou

pelo planejamento, intervenção, observação e reflexão sobre o DPDLiC. Tratou-se da

criação de uma base para permanentes interações entre os professores da LC. Com o

DPDLiC estruturado se espera a continuidade desse processo. Esse é um espaço que

precisa ser exigido pelos professores, pois somos profissionais da reflexão, profissionais

da escrita, seres inacabados em permanente desenvolvimento.

Nesse processo dialógico se desencadeou um desenvolvimento do currículo, um

trabalho mais significativo de integração curricular, principalmente por causa da

disponibilidade docente em estudar, pensar e discutir novas alternativas, o que

proporcionou um desenvolvimento profissional docente. Ou seja, ao desenvolver o

currículo se desenvolveu os professores e ao desenvolver os professores se desenvolveu

o currículo, uma espécie de efeito “bola de neve”, que é assunto para um próximo texto.

REFERÊNCIAS

BARROSO, João. Autonomia das escolas públicas: escolher ou participar? JL (Jornal

de Letras), Out. 2013, acessado no endereço:

http://inquietacoespedagogicasii.blogspot.com.br/2013/10/autonomia-das-escolas-

publicas-escolher.html, dia 14/08/2015, as 11:37.

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aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora, 2001.

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Barreto; Solange Castro Afeche. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8771ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO DOCENTE HUMANIZADORA: REGISTROS DE UM PROJETO

DE EXTENSÃO À LUZ DO PENSAMENTO FREIRIANO

Leonardo Matheus Pagani Benvenutti

Evandro de Godoi

IF Farroupilha – Campus Santo Augusto

Resumo: Realizar uma reflexão sobre a formação docente inspirada em ideais freirianos

de educação através de registros do projeto de extensão “Construindo itinerários

mediatizados pelas ideias de Paulo Freire: EEEF 29 de Outubro e IF Farroupilha” é o

tema central deste texto. Iniciamos com a exposição da existência de um projeto anterior

que culminou na necessidade deste, “Interlocuções com Paulo Freire”, denotando seu

caráter processual, de continuidade da proposta anterior, porém, com um novo contexto,

de ir além do nosso espaço acadêmico em busca de elementos e experiências que

proporcionassem maiores interlocuções e interlocutores. Para tanto, lançamos mão de

parceria entre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha

Campus Santo Augusto e a Escola Estadual de Educação Fundamental 29 de Outubro.

Posteriormente analisamos os três módulos do projeto que consistiram na análise

histórica das instituições, leituras de obras referentes ao pensamento freiriano e, por fim,

de leituras de Paulo Freire. Em seguida apontamos caminhos à formação docente crítica,

coerente com a concepção por nós defendida: a construção de espaços formativos que

dialoguem com a realidade do trabalho pedagógico e com os saberes construídos no

percurso da formação inicial. Trabalhamos a relação indissociável entre pesquisa,

ensino e extensão presentes como políticas públicas, mas, além disso, como

compromisso de responsabilidade e ética com os sujeitos do ato educativo, indicada

através da formação inicial e continuada dos participantes do projeto, que, ao exemplo

do legado freiriano, aprendem ao ensinar e ensinam ao aprender, contextualizando,

criticando, superando a si enquanto profissionais da educação, sobretudo cidadãos

sujeitos de suas histórias.

Palavras-chave: Trabalho educativo. Itinerários formativos. Diálogo.

Introdução

Refletir sobre a formação docente com viés crítico, transformador, de caráter

humanizador, pensado sob a luz das ideias de Paulo Freire, é o objeto de estudo deste

trabalho. Procuramos analisar os trabalhos desenvolvidos em 2015 no projeto de

extensão intitulado “Construindo itinerários mediatizados pelas ideias de Paulo Freire:

EEEF 29 de Outubro e IF Farroupilha” (CITFREIRE), no qual participaram docentes,

técnicos administrativos em educação e acadêmicos do Curso de Licenciatura em

Computação do Instituto Federal Farroupilha Campus Santo Augusto (IF) e docentes da

Escola Estadual de Educação Fundamental 29 de Outubro (EEEF29).

Para tal tarefa lançamos mão de registros efetuados no decorrer das ações

previstas e encontros com o intuito de sistematizarmos criticamente as atividades

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8772ISSN 2177-336X

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realizadas, que consistiram em leituras críticas de obras referentes a Paulo Freire e de

autoria do próprio, culminando em círculos de cultura, presenciais e virtuais, que foram

estabelecidos entre as pessoas que participaram do projeto. Caracteriza-se, portanto,

como um trabalho de relato e avaliação qualitativa, interpretativa.

No primeiro momento contextualizaremos o objeto de estudo, relatando a

existência de um projeto anterior, precursor, que tornou a elaboração do CITFREIRE

possível. Após, apresentaremos o projeto CITFREIRE, refletindo e avaliando as

atividades, organizadas em módulos, devido às questões didático-metodológicas.

Trabalharemos na ideia de avaliar o projeto apontando aspectos positivos,

aprendizagens, bem como pontos que não tomaram os rumos idealizados, nem por isto

negativos. Conhecer os limites e possibilidades da realização concreta dos objetivos faz

parte da formação permanente que acreditamos necessária enquanto educadores-

educandos. Ao final, teceremos uma síntese apontando, considerando nossas limitações,

caminhos à formação docente para a humanização inspirada no pensamento freiriano,

possibilidades contemporâneas engajadas em processos emancipatórios. Concordamos

com Paulo Freire no tocante que

[...] a nossa luta, como mulher, como homem, como negro, como negra,

como operária, como brasileiro, norte-americano, francês ou boliviana, em

que pesem os diferentes e importantes condicionamentos de sexo, de cor, de

classe, de cultura, de história que nos marcam, é a que, partindo da

concretude condicionante, converge na direção do SER MAIS, na direção

dos objetivos universais, Ou, para mim, pelo menos, não tem sentido a luta

(2013, p. 260).

A realização destas atividades vem ao encontro da intenção de reforçarmos a

relação indissociável entre atividades de pesquisa, ensino e extensão, pois, embora em

termos estruturais se trate de um projeto de extensão, ele engloba outras dimensões

educativas. Caracteriza-se como extensão por ser realizado com professores e

acadêmicos da LC e comunidade externa, em espaços internos e externos ao IF, em

atividades substancialmente de pesquisa, de re-conhecer ideias, formar saberes

concernentes à educação e, por consequência das práticas de socialização, ensinar e

aprender os conhecimentos constituídos nas relações entre as leituras e as experiências

contextuais dos participantes. Tal relação está expressa como política pública no Artigo

207 da Constituição Federativa do Brasil de 1988 ao expor que “as universidades gozam

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8773ISSN 2177-336X

29

de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e

obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

O IF, criado posteriormente ao supracitado marco legislativo, legitima o

princípio ao apontar que

Ao falarmos em indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão

pretendemos ressaltar que cada uma dessas atividades, mesmo que possa ser

realizada em tempos e espaços distintos, tem um eixo fundamental: constituir

a função social da instituição de democratizar o saber e contribuir para a

construção de uma sociedade ética e solidária (BRASIL, 2014b, p. 52).

Acreditamos que o envolvimento dos acadêmicos da LC nas atividades tem

grande importância em termos de integralidade educativa, ou seja, de desenvolvimento

humano, profissional e cultural ao passo que estes sujeitos podem conscientizar-se da

complexidade de relações teórico-práticas que envolvem a escola e a formação de

educadores, "afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido,

interpretado, escrito e reescrito" (FREIRE, 2011, p. 95).

De interlocuções a itinerários: Gênese do CITFREIRE

A ideia de estudar a obra de Paulo Freire para além do espaço formal do Curso

de Licenciatura em Computação (LC) do IF emergiu a partir da curiosidade de discentes

e docentes que perceberam que no espaço dos componentes curriculares, devido à

necessidade de trabalhar outras ideias e conhecimentos, dificilmente se aprofunda, se

pesquisa rigorosamente o trabalho de tão significativo pensador do século XX, que

embora tenha publicado até a década de 90, permanece atual sendo reinventado

contemporaneamente por trabalhadores de diversos âmbitos.

Então, como grupo de estudo, que envolveu também egressos da LC,

caracterizado por aproximadamente 13 pessoas, no qual estávamos incluídos, foi

constituído o projeto de extensão “Interlocuções com Paulo Freire”, que buscou

caminhar no sentido de re-conhecer a vida e obra de Freire, consequentemente se

caracterizando também como espaço de formação integral, voltado aos diversos valores

defendidos por este educador. Como estratégia metodológica estabelecemos leituras

para serem feitas individualmente e, mensalmente, constituíamos círculo de cultura para

socializar aprendizados, dúvidas e chaves de leitura envolvendo as obras escolhidas.

O projeto “Interlocuções com Paulo Freire” (INTERFREIRE) foi desenvolvido

em 2013 e 2014, de caráter aberto, com entradas e saídas de componentes, sendo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8774ISSN 2177-336X

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sempre receptivo à entrada de participantes, mesmo no decorrer das atividades

previstas, conseguindo propiciar críticos diálogos envolvendo as seguintes obras: A

história das ideias de Paulo Freire e a atual crise de Paradigmas, de Afonso Celso

Scocuglia (2006), Pedagogia do Oprimido (2013a) e Cartas à Cristina (2013b), ambos

de autoria de Paulo Freire. A partir dos diálogos alguns membros sistematizaram ideias

e elaboraram artigos científicos que foram apresentados em eventos de caráter local,

regional e nacional. A participação nos eventos veio a contribuir com mais

conhecimentos, maior introdução à comunidade acadêmica e a certeza de não

isolamento do grupo, de pertencimento e esperança por saber que outras e outros

também trilham suas caminhadas à luz das ideias freirianas.

Quanto à organização do INTERFREIRE é importante ressaltar que a escolha

das obras e o trabalho de mediação dos diálogos se deram de forma participativa, sendo

que a opção por dadas obras foi votada e em cada encontro uma pessoa diferente

mediava as falas, portanto a horizontalidade nas relações foi percebida como uma

atitude democrática e responsável. Outro ponto importante é que todos participantes

sentiam-se convidados a dizer a sua palavra, propiciando, assim, que os círculos não se

transformassem em “aulas” de um “para” outros, mas em momentos privilegiados de

interlocução entre a leitura de mundo com as leituras de Freire. Tal movimento

evidenciou-se no decorrer da execução das atividades, onde para além do roteiro de

leituras, sempre alguma situação da experiência dos participantes era problematizada,

possibilitando dessa forma outras interlocuções com a realidade prática dos envolvidos;

a exemplo, situações de sala de aula, assuntos estavam em evidência na sociedade e

mídia, dentre outros. Essas características, por considerarmos construtivas, mais tarde

permaneceram como estratégias utilizadas no CITFREIRE.

O último círculo de cultura do INTERFREIRE aconteceu na EEEF29, situada na

Comunidade 16 de Março - Pontão/RS, local recentemente denominado Assentamento

16 de Março, território conquistado através da luta do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra em conhecida ocupação da Fazenda Annoni, que completou trinta

anos em 2015. Esta escola, criada em 1985 por educadores acampados, atualmente é

composta por membros da comunidade e da zona urbana, tendo seu projeto e práticas

pedagógicas construídas coletivamente em torno de um desejo de emancipação dos

sujeitos através do conhecimento de sua história de lutas e o compromisso com outra

forma de ser/estar no mundo, num horizonte de transformação da sociedade que

percebemos ser condizentes com o legado freiriano,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8775ISSN 2177-336X

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[...] apontando para um projeto que integra o conhecimento escolar aos

saberes/fazeres da vida em comunidade, pautado pelo trabalho como

princípio educativo. A Escola também foi representante da Região Sul no

evento Rio +20, que aconteceu no ano de 2012, por ter uma proposta

pedagógica de estímulo à sustentabilidade (BRASIL, 2015, p. 2).

A EEEF29, após contato facilitado através de uma docente participante do

INTERFREIRE, acolheu os membros e, durante o círculo de cultura, demonstrou

interesse em participar do projeto. Os educadores desta escola relataram que sentiam a

necessidade de estudar a obra de Freire com o intuito de lhes propiciar bases teóricas

para refletir sobre as ações realizadas na escola. A entrada dos membros da EEEF29,

constituída pela quase totalidade de docentes da escola, ampliou nossos horizontes,

demandou uma organização maior e um programa a ser reconstruído.

Portanto, partindo do objetivo de continuarmos estudando as ideias de Paulo

Freire, agora com um maior número de participantes e uma instituição externa,

coletivamente criamos o CITFREIRE, que significou “construir outros itinerários”

dando visibilidade a práticas pedagógicas e iniciativas as quais situamos dentro de uma

proposta ora emancipadora, ora resistente a mudanças e tensões de uma escola que por

ser estadual deve adequar-se aos dispositivos legais da política educacional, porém com

as fortes marcas de sua constituição histórica, percebidas na sua organização curricular,

na sua proposta pedagógica (BONAMIGO, 2007) e nas relações entre os sujeitos no

cotidiano escolar.

CITFREIRE: Caminho comum para diversos pensares

O referido projeto foi selecionado para desenvolvimento através de processo

específico (BRASIL, 2014a) que propiciou recursos materiais básicos para as atividades

previstas. A questão propulsora, que buscamos avançar na(s) resolução(ões), foi a

seguinte: “Qual é a importância, enquanto educandos e educadores em formação inicial

e continuada, de dialogarmos mediatizados pelas ideias de Paulo Freire?” (BRASIL,

2015). Para garantir espaços de diálogo sobre essa e demais questões organizamos as

atividades a serem realizadas.

Mantivemos a ideia do projeto INTERFREIRE de encontros mensais, porém,

devido à distância geográfica entre o IF e a EEEF29 (aproximadamente 150

quilômetros), combinamos que em um dado mês o círculo de cultura se daria de forma

fracionada, em dois grupos, um nas dependências do IF e outro na EEEF29, sendo que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8776ISSN 2177-336X

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no outro mês se realizaria o círculo do grande grupo, nas dependências da EEEF29, por

questões de logística e recursos materiais. Além dos espaços físicos, com a finalidade de

prover acessibilidade a um membro cegoxi

, facilitar a comunicação à distância entre os

participantes e servir como repositório de mídias foi estabelecido um espaço virtual

educativo (EVA), utilizando a plataforma gratuita Moodlexii

. Este espaço dinamizou as

relações entre os participantes, foi possível participar de diálogos envolvendo chaves de

leitura freirianas, além da escrita de documentos que sintetizavam os encontros mensais.

Uma questão que nos preocupou durante a elaboração da proposta de projeto foi

a de que alguns membros novos já tinham experiências de leitura de trabalhos de Paulo

Freire, contudo a maioria não tinha esta experiência específica (embora alguns

vivenciem a educação humanizadora em seus trabalhos), então, visando unir pessoas

com saberes múltiplos a partir de um itinerário comum, mas com diversas

possibilidades, o CITFREIRE foi organizado metodologicamente em três módulos.

O primeiro módulo consistiu na contextualização histórico-cultural das

instituições participantes do projeto, abrangendo a análise histórica da EEEF29 e do IF

através de relatos de experiência e estudo de publicações selecionadas pelos membros,

como forma de cada grupo conhecer a história do outro e permitir que o outro fale de si,

conte sua história, sua caminhada, princípio freiriano, de respeito à voz e à história de

cada sujeito (FREIRE, 2011). Foi muito tocante o relato de membros do projeto que

participaram de movimentos históricos da luta pela reforma agrária brasileira na década

de oitenta, as diversas situações de opressão, de precariedade material, mas também de

importantes lições de coletividade, dignidade, resistência e projetos sociopolíticos

menos injustos, menos condizentes à lógica de acumulação de bens e desigualdades

ainda tão latentes em nosso tempo. Acrescenta-se ainda a validade do processo reflexivo

ao pensarmos a história do IF enquanto uma conquista, ainda em construção, também

situada nas tensões inevitáveis no cenário das políticas públicas. Os institutos federais

nascem por força de lei ao transformar escolas técnicas e demais instituições já

existentes (BRASIL, 2008) que também torna cada instituição, embora inserida em uma

dinâmica de padronização em nível federal, possuidora de uma história prévia, que se

evidencia no cotidiano das vivências pedagógicas.

O segundo módulo foi dedicado à análise de obras sobre o pensamento freiriano,

pois concordamos em iniciar os estudos pelo trabalho de pesquisadores que trilham

caminhos de pesquisa semelhantes ao nosso, porém a mais tempo, com maior rigor

metódico, afim de contextualizarmos as ideias de Freire, compreendermos melhor o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8777ISSN 2177-336X

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contexto em que determinadas obras foram escritas. É importante pontuar que

compreendemos os riscos de introduzir o estudo através das posições de terceiros, da

forma que podemos condicionar nossa atenção ou opinião sobre aspectos trabalhados

nas obras destes, como por exemplo, a organização didática de Scocuglia em abordar

“[...] o primeiro, o segundo e o terceiro Paulo Freire” (2006, p. 26, grifos do autor)

conforme momentos históricos de publicações e desenvolvimento de temas. Tal

separação, na obra do autor, de forma alguma significa uma linearidade estanque, mas

uma organização da evolução do pensamento de Freire, que, por ser “um homem do seu

tempo” soube desenvolver suas ideias livre de determinismos e dialogando sempre com

o movimento da sociedade em suas diversas esferas.

Optamos por este módulo com a criticidade e respeito necessárias ao árduo

trabalho de pesquisadores como Scocuglia, sem o qual talvez não conseguiríamos

estabelecer reflexões satisfatórias e contextualizadas das obras posteriormente

estudadas. A partir de Scocuglia, por exemplo, obtivemos subsídios para coletivamente

optar por quais obras seriam escolhidas para leitura. Cabe salientar, portanto, que neste

módulo alguns membros leram Scocuglia (2006), enquanto outros, que já o haviam

estudado no decorrer do INTERFREIRE, optaram por analisar a obra A pedagogia da

libertação Em Paulo Freire (FREIRE, A., 2001), importante registro de pesquisadores

que analisaram a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2013a). Deste modo os

participantes que já haviam percorrido caminhos de pesquisa em educação através do

INTERFREIRE puderam continuar a estudar novas obras, não obrigatoriamente

retornando à obra de Scocuglia.

O terceiro módulo foi dedicado às leituras de Paulo Freire. O grande grupo

optou pelo estudo das obras Pedagogia da Autonomia (2011) e Cartas a Cristina

(2013b), algo que denotou a dinamicidade do projeto, pois nos primeiros momentos de

início das atividades foram sugeridos determinados títulos diferentes. Alguns

participantes já haviam iniciado a leitura de Cartas a Cristiana durante o

INTERFREIRE, porém de modo introdutório ou parcial, então eles puderam retomar as

leituras, trazer novos elementos aos diálogos. Alguns membros, com maior

disponibilidade de tempo, conseguiram efetuar a leitura das duas obras, enquanto outros

analisaram capítulos que lhes chamaram a atenção. Nosso interesse, do ponto de vista

formal, mensurável, foi de que todos membros conseguissem ler as obras por completo,

mas acima disso, com vista à qualidade, de caráter menos objetivo, das leituras,

reflexões, elementos a serem levados ao grande grupo, aos pares. Portanto, foi

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8778ISSN 2177-336X

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facultativa a “meta” de leitura das obras completas. Alguns participantes, por exemplo,

fizeram leituras coletivas de capítulos, excertos, seguidas de diálogo, algo muito

interessante em termos de consciência crítica colaborativa do que em quantificação de

páginas lidas. Com isso não pretendemos negar o desejo de bons resultados em termos

mensuráveis, de o quanto cada participante conseguiu avançar nas leituras, “é equívoco

pretender confronto dicotômico entre qualidade e quantidade, pela razão simples de que

ambas as dimensões fazem parte da realidade e da vida. Não são coisas estanques, mas

facetas do mesmo todo” (DEMO, 1994, p. 9).

A formação, a pesquisa, precisa de respeito ao tempo próprio das pessoas, de re-

trabalhar ideias, construir novos arranjos e concepções, também de respeito à

disponibilidade e dedicação dos sujeitos. Em termos avaliativos, é possível constatar

que alguns participantes, a princípio dispondo de condições materiais e temporais de

estudar mais, acabaram por estudar menos, por razões diversas, contudo assumimos este

risco procurando desafiar o grupo a desempenhar as atividades propostas.

Após estes módulos, um seminário foi realizado para apresentação de sínteses,

sistematizações, avaliações do projeto, além do diálogo acerca de duas cartas

pedagógicas (CAMINI, 2012) escritas coletivamente e compartilhadas no EVA. O

projeto e algumas reflexões envolvendo temas emergidos (educação e tecnologias

digitais, autoridade, liberdade, democracia, direitos humanos) foram socializadas em

eventos científicos do Instituto Federal Farroupilha (Pré-Mostra da Educação

Profissional e Tecnológica do IF e VI Mostra da Educação Profissional e Tecnológica

do Instituto Federal Farroupilha) , bem como no XVII Fórum de Estudos Leituras de

Paulo Freire, em Santa Maria/RS e no VIX Seminário Nacional Diálogos com Paulo

Freire, em Igrejinha/RS.

Caminhos à formação docente inspirada em Freire

Em pesquisa recente, Gatti; Barreto; André (2011) realizaram estado da arte das

políticas voltadas à formação docente. Compreendemos, a partir do estudo, que são

muitos os desafios que estão imbricados nos processos de formação. Todavia, é

perceptível o avanço da questão enquanto uma preocupação no plano das políticas

educacionais mais amplas, tornando possível que se criem alternativas para a formação

docente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Com a intenção, considerando o caráter inicial de nossa imersão na temática da

formação enquanto processo de humanizar-se, de apontar caminhos à formação docente

inspirada na obra freiriana, gostaríamos de expor alguns de seus saberes que nos são

caros, “a coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço” (FREIRE, 2011, p.

101) e, também, referindo-se à Marx, “[...] da necessária radicalidade que me faz

sempre desperto a tudo o que diz respeito à defesa dos direitos humanos” (IDEM, p.

98). Nesse sentido pensar uma formação docente humanizadora requer que assumamos

que tal tarefa aconteça para além dos espaços e momentos reservados à formação.

Pensando nisso, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, mais que

compromisso das instituições formadoras, deve ser evidenciada como resultado de um

itinerário formativo efetivamente humanizador. É impossível realizar qualquer prática

isenta de uma intencionalidade e ao mesmo tempo de um impacto no seu entorno.

Constituir-se docente no mundo implica assumir que as práticas que nos constituem

dialoguem com a realidade em níveis micro e macro.

Os relatos aqui trazidos são delimitados a um espaço acadêmico pensado para

cumprir a tarefa da indissociabilidade entre o corpo de conhecimentos que são

construídos no percurso formativo e a realidade com a qual nos relacionamos e

afetamos. O espaço em questão, projeto de extensão, buscou proporcionar aos

participantes em torno do objeto de estudo acadêmico, as leituras de Paulo Freire,

aprendizado da realidade abordada, a EEEF29, os elementos que proporcionassem

avançar qualitativamente numa formação onde o diálogo com a realidade é condição

sem a qual a formação se tornaria menos significativa. Evidenciamos esta premissa no

relato dos alunos do curso de Licenciatura que em momentos de reflexão puderam

perceber que na referida escola em estudo se concretizavam práticas identificadas com o

ideal freiriano de educação.

Da mesma forma os educadores da EEEF29, em seu itinerário de formação

continuada, relataram que muitas vezes as demandas de atividades para executar a

proposta pedagógica da escola esbarram na inviabilidade de realizar estudo aprofundado

de alguma obra ou autor. No entanto, refletiram que o espaço formativo dialógico criado

proporcionou que percebessem suas práticas em interlocução com o referencial freiriano

ainda que de uma maneira tácita, ratificando a premissa já citada de Freire de coerência

entre o que se escreve e o que se faz. Pouco adiantaria uma escola que trouxesse

explícito referenciais humanistas e progressistas se na concretização de seus atos não há

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8780ISSN 2177-336X

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o esforço de corresponder a teoria e a prática, de superar a burocratização, inevitável,

domesticadoras das ideias e da possibilidade de criar algo novo.

A reflexão a que nos propomos aponta para uma perspectiva de que tanto a

formação inicial como a continuada trazem consigo um desejo de transformação da

escola que temos. Aproximar tais itinerários, tarefa a qual nos propusemos, oportuniza

que este sonho de transformação seja partilhado, motivado pela experiência de quem já

está na prática a mais tempo e as ideias de quem está iniciando seu trajeto de

educador/a. Acerca dessa concepção de formação concordamos com Freire:

A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe colocam o

dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua

atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação,

sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente', se

bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação

permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua

prática. (1997, p.19)

Breves Considerações

Avaliamos o itinerário construído até o momento como um espaço de

possibilidades, sujeito às contradições e aos percalços que emergem. Constituir espaços

de diálogo e reflexão requer valorização de momentos muitas vezes considerados

simples, como reuniões, situações desafiadoras no espaço escolar, que conduzem os

educadores a pensar formas alternativas de administrar as demandas. Sem tirar o mérito

dos grandes eventos acadêmicos de formação, apostamos aqui que pensar e investigar a

prática cotidiana de ensino transforma qualitativamente o trabalho pedagógico.

Nesse contexto, consideramos de alto valor e enriquecedora a parceria entre as

instituições formadoras, especialmente dos seus estudantes em formação inicial com os

profissionais já no exercício da sua carreira; essa concepção é fundamentada na práxis

de Freire, onde “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensinar ao aprender”.

A profissionalização docente carece desses espaços-tempos coletivos de interação, que

são, aliás, momentos de intensos estudos e calorosas reflexões, indispensáveis à

educação em todos os níveis e modalidades.

REFERÊNCIAS

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8781ISSN 2177-336X

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8782ISSN 2177-336X

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