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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV) ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ANA CAROLINA FIOCCHI ANA LAURA FERRARI CLARA EPPERLEIN JOÃO MORAES ABREU MARIA BEATRIZ GALVÃO PAULA PARNES RENAN BRIENZA SIMÕES RENATA LEAL PROGRAMA MAIS MÉDICOS ESTUDO DE CAMPO, DESCRIÇÃO E PERSPECTIVAS Brasília/São Paulo Junho de 2015

Programa Mais Médicos: estudo de campo, descrição e perspectivas

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Entre os dias 22 e 26 de Junho de 2015, 9 alunos de Graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas realizaram uma pesquisa de campo no Ministério da Saúde, afim de acompanhar o andamento do Programa Mais Médicos. Fomos recebidos no Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde (DEPREPS), acompanhando o trabalho das 5 áreas responsáveis pelo programa em âmbito federal.

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV)

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ANA CAROLINA FIOCCHI

ANA LAURA FERRARI

CLARA EPPERLEIN

JOÃO MORAES ABREU

MARIA BEATRIZ GALVÃO

PAULA PARNES

RENAN BRIENZA SIMÕES

RENATA LEAL

PROGRAMA MAIS MÉDICOS

ESTUDO DE CAMPO, DESCRIÇÃO E PERSPECTIVAS

Brasília/São Paulo

Junho de 2015

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1. Introdução

O presente trabalho visa descrever o Programa Mais Médicos e apontar os desafios envolvidos nessa política. É imprescindível, para tal compreensão, entender a cronologia que levou ao surgimento do Programa. 2. Breve histórico dos antecedentes do Programa Mais Médicos

Desde a década de 80, houve uma série de tentativas de estender o atendimento de saúde às áreas do interior do país, historicamente deficitárias. Destacam­se o Projeto Rondon (1968­89), o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS, 1976­88), o Programa de Interiorização do SUS (PISUS, 1993), o Programa Saúde da Família (PSF, 1994) e o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS, 2001­04). Porém, ainda em 2013, segundo dados do CFM/CREPEST , a taxa de médicos registrados por mil habitantes era de 1,01 1

no Norte e 2,67 no Sudeste em 2013 ­ sendo 3,62 no Rio de Janeiro, estado com maior taxa (exceto Distrito Federal), e 0,71 no Maranhão, o pior colocado.

Em 2011 o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação lançaram o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), que prevê atuação de profissionais egressos da graduação em medicina em Unidades Básicas de Saúde (UBS) com déficit de profissionais de Atenção Básica. Pelo PROVAB, estes profissionais ficam durante um ano na localidade escolhida e são supervisionados por um profissional da saúde ligado a uma instituição de ensino ou a uma secretaria estadual ou municipal, além de realizarem curso de especialização em Saúde da Família provido pela Rede UNA­SUS . Ainda mais importante, o programa garante 2

ao bolsista um bônus de 10% na nota para ingresso em vaga de residência em qualquer área de Medicina ­ diferencial considerável que atraiu 603 profissionais já na sua primeira edição, em 2012 . 3

Assim, dá­se o primeiro passo para ampliar o provimento da Atenção Básica no país, priorizando uma abordagem preventiva em detrimento do cenário atual, centrado na valorização social e salarial de cirugiões plásticos, ortopedistas, anestesistas e outros profissionais.

3. A criação do Programa Mais Médicos como resposta a demandas políticas

O PROVAB é considerado o embrião do que se tornou o Programa Mais Médicos (PMM). A lei que institui o PMM é de outubro de 2013, e surgiu da “janela de oportunidade” proporcionada pelas manifestações de junho daquele ano, que levantaram como uma das pautas a necessidade de melhorias na saúde pública ­ 58% os brasileiros consideravam a saúde o principal problema do país . Além disso, a Frente Nacional dos Prefeitos organizou a campanha Cadê o 4

Médico? no mesmo ano, com o objetivo de pressionar o Governo Federal para prover médicos nas diversas regiões do Brasil.

1 http://portal.cfm.org.br/images/stories/pdf/demografiamedicanobrasil_vol2.pdf 2 http://www.unasus.gov.br/page/una­sus/provab2012 3 http://www.unasus.gov.br/noticia/provab­2­tera­bolsa­federal­e­especializacao­em­saude­da­familia 4 http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/02/saude­e­o­principal­problema­do­brasil­diz­pesquisa.html

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Partindo desse cenário político, a implementação do Mais Médicos tornou­se prioridade da Presidência, tendo sido iniciada antes mesmo da criação do departamento que a gerencia, o DEPREPS (Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde). Como veremos a seguir, tal urgência possibilitou significativos e rápidos avanços, mas também criou problemas que um maior tempo de formulação e desenho da política teriam evitado.

4. Componentes do Programa Mais Médicos

Positivado pela Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, o site doProgramadeclara que este

“faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, que prevê mais investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez e ausência de profissionais.” 5

Em termos práticos, o Programa é muito mais amplo do que o Projeto Mais Médicos, sendo este último o mais difundido pela mídia e presente na opinião pública. São quatro as vertentes do Programa:

1) o Projeto Mais Médicos para o Brasil ­ programa de provisão, que visa ao suprimento do déficit de vagas em atenção básica à saúde, alocando médicos brasileiros e estrangeiros nos municípios participantes;

2) a anexação, em 2015, do PROVAB ao edital de adesão dos municípios do Programa Mais Médicos. Para a adesão dos médicos, manteve­se a possibilidade de optar pelo Projeto Mais Médicos ou pelo PROVAB.

3) o Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró­Residência), que objetiva universalizar as vagas de residência em Medicina Geral de Família e Comunidade, até 2018, para todo egresso de graduação em Medicina, estabelecendo­a como pré­requisito para o ingresso em residências mais concorridas e não consideradas prioritárias pelo governo;

4) O incentivo à abertura de cursos e vagas na Graduação de Medicina através de chamamento público estratégico, parte que cabe ao Ministério da Educação.

4.1 Projeto Mais Médicos para o Brasil

O primeiro edital do Projeto obteve pouca aderência de médicos brasileiros, que preencheram apenas 13% das vagas oferecidas. Por esse motivo, foi necessária a cooperação do 6

Ministério da Saúde com a OPAS (Organização Pan­Americana de Saúde), que possui uma parceria com o governo de Cuba em um programa de intercâmbio de médicos cubanos. A vinda desses profissionais ao Brasil, totalizando 11,5 mil médicos, causou polêmicas e resistência das entidades médicas ­ e atenção da opinião pública sobre o programa. Em 2015, porém, com a

5http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes­e­programas/mais­medicos 6 http://www.brasil.gov.br/saude/2014/12/mais­medicos­programa­levou­atendimento­para­mais­de­50­milhoes­de­pessoas

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incorporação do PROVAB ao PMM e redução dos atritos com as entidades médicas, todas as vagas do edital de abril foram preenchidas por brasileiros.

É importante detalhar que, às prefeituras, cabe o acompanhamento do trabalho, verificando se ocorre o cumprimento da jornada de 40 horas semanais dos médicos, a garantia da disponibilidade de infraestrutura para atendimento e os auxílios ­ alimentação e moradia ­ recebidos dos profissionais atrelados ao Projeto. Para o monitoramento da política, o MS conta com profissionais chamados "referências", que podem avaliar o andamento do projeto presencialmente e resolver eventuais problemas. A proporção ideal desse profissional é 1 referência para cada 50 médicos. Atualmente, entretanto, o projeto conta com 78 referências por todo o Brasil.

4.2 Pró­residência

Atualmente, a residência é a forma mais reconhecida e concorrida de se obter uma especialização médica. O Pró­residência se insere como objetivo a médio prazo do Programa Mais Médicos, tendo como meta garantir vagas de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade para todos os egressos da área da saúde até 2018, segundo a Lei 12.871/2013.

Aos municípios compete garantir a estrutura necessária para o exercício do programa de 7

residência e para a contínua formação do profissional da saúde. Além disso, o munícipio deve possuir mais de cinquenta mil habitantes, ser referência em saúde para a região na qual se insere e garantir a capacitação contínua dos preceptores.

Mesmo que essa especialização não seja a mais almejada pelos médicos no presente momento, como atesta a ociosidade de vagas (cerca de 60%), o art. 200 da Constituição Federal determina que compete ao Sistema Único de Saúde (SUS) “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”. E uma vez que esta especialidade é de suma importância para a constituição dos profissionais do SUS, o governo busca inseri­la na carreira dos médicos, tornando­a pré­requisito para as residências mais procuradas. Através desse contato com a especialidade, o governo visa a longo prazo modificar a cultura da comunidade médica, de forma a aumentar a valorização do médico de família e do acompanhamento preventivo.

Uma das principais críticas ao projeto se deve ao fato da comunidade médica ter considerado o programa como um serviço civil obrigatório, devido à nova barreira entre a graduação e as especialidades mais buscadas. Porém, o programa se distancia dessa visão na medida em que se trata de formação continuada, ou seja, uma especialização através de residência e aprendizado na prática.

4.3 Mais vagas para graduação em medicina

Outro eixo do Programa Mais Médicos diz respeito a chamamentos públicos para a abertura de novos cursos de graduação em medicina e em outras área de saúde por instituição de educação superior privada. Esse processo, que cabe ao Ministério da Educação (MEC) regular e aplicar, institui uma mudança de direção: antes, para a abertura de um curso de graduação em

7 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1248_28_06_2013.html

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medicina, a iniciativa deveria partir dos entes privados interessados. Com a aprovação da lei, o MEC passa a selecionar os municípios aptos a receber novos cursos e realiza o chamamento.

Esta iniciativa faz sentido se observarmos a concentração de cursos de graduação em medicina, principalmente ao longo da costa litorânea, e, mais notadamente, no Sul e Sudeste. Ademais, existem também grandes disparidades na oferta desses cursos dentro de cada estado, concentrados principalmente em grandes centros urbanos.

A seleção dos municípios aptos é pensada estrategicamente, afim de interiorizar médicos em localidades necessitadas. Os critérios para a seleção envolvem "a relevância e a necessidade social da oferta de curso de Medicina" para a cidade e a região, conforme a Lei 12.871/2013, 8

demonstrada por indicadores, além da estrutura física adequada nas redes do SUS. Cabe às Prefeituras garantir essa estrutura e outros programas de saúde necessários ao funcionamento da graduação. Além disso, a qualidade dos serviços da unidade hospitalar atrelada ao curso será conferida pelo MEC a fim de autorizar ou não sua abertura e continuidade.

5. Modelos internacionais similares ao Programa Mais Médicos

Com o objetivo de verificar os modelos internacionais e como eles se comparam com o Programa Mais Médicos, cabe uma rápida análise de países com sistemas de saúde similares ao brasileiro ­ ainda que tal modelo público, gratuito e universal não exista em nenhum outro país com mais de 100 milhões de habitantes. O trabalho de Oliveira revela que outros países 9

praticam políticas de incentivo à interiorização de médicos no país, envolvendo estímulos monetários e processos de educação continuada. O grupo escolheu dois exemplos citados durante a visita técnica ao DEPREPS: Austrália e EUA.

A Austrália possui uma grande área rural, e para incentivar a atividade médica nessas regiões foram criados dois programas: Overseas Trained Doctors (OTD) e o Rural clinical Training and Support (RCTS). OOTD é um programa em que médicos estrangeiros são alocados em áreas que o governo australiano considera vulneráveis. O médico estrangeiro conta com aulas de aprimoramento técnico e com uma remuneração financeira que varia de acordo com a região em que o candidato irá trabalhar. Já o programa RCTS visa ao aumento da atuação de médicos em áreas rurais através de estágios promovidos pelas universidades. Atualmente 90% das escolas médicas da Austrália participam do programa e também há um esforço para que universitários estudem em campus regionais perto das respectivas regiões de origem.

Já os Estados Unidos criaram dois programas:NationalHealth Service Corps (NHSC) e o Conrad 30 Program. O NHSC é um projeto para profissionais que se disponham a trabalhar em comunidades carentes prestando serviços de atenção primária, oferecendo em troca programas de pagamento da dívida contraída pelos alunos de medicina no financiamento do curso nas universidades. Já o programa Conrad 30 é oferecido a médicos estrangeiros que estejam estudando medicina nos Estados Unidos. Trata­se de uma opção de permanecer no país após o termino do programa de intercâmbio se esses profissionais atuarem em áreas carentes.

8 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011­2014/2013/Lei/L12871.htm> 9 OLIVEIRA, Felipe Proenço, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. p. 4­10.

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Desta forma, fica nítido que o Mais Médicos não é um programa inédito em termos internacionais, adotando uma série de mecanismos e estratégias consolidadas em países desenvolvidos.

6. Desafios do Programa Mais Médicos

Com a oportunidade de estudar o Programa Mais Médicos em detalhes, o grupo pôde identificar três fatores que aparecem como desafios à eficiência e à implementação das próximas fases da política pública.

Primeiramente, as metas e prazos estipulados no planejamento são ambiciosos ­ pretende­se abrir cerca de 12,4 mil vagas em Residência Médica em Família e Comunidade até 2018 e cerca de 11,5 mil vagas na graduação de medicina até 2026 . Manter as metas e concluir 10

o planejamento no prazo estabelecido é um desafio para o programa, especialmente considerando a responsabilidade compartilhada com os municípios, já descrita. Uma vez que a "ponta" da política pública é gerida por esse ente, não é competência exclusiva do Ministério da Saúde garantir o provimento direto dessas vagas. Ademais, ainda que o momento de maior atrito político com as entidades médicas tenha cessado, o cenário político pode reservar obstáculos para a concretização das finalidades previstas para 2018, o que comprometeria o objetivo estrutural do Programa Mais Médicos, conferindo­lhe caráter meramente emergencial e paliativo.

Além disso, a própria avaliação de efeito e impacto do programa ainda não é possível, tendo em vista a ausência de indicadores consolidados ­ temos apenas pesquisas de opinião realizadas pela UFMG , sujeitas à assimetria de informação médico­paciente e outros problemas 11

metodológicos para fins de avaliação de impacto. No entanto, o tempo de vida relativamente curto do PMM é um dos responsáveis, inclusive por conta da sua origem acelerada em meio à instabilidade popular de 2013, que impossibilitou um sistema de monitoramento desenhado de forma integrada à política.

Por último, a comunicação com a sociedade também foi considerada um desafio, visto que parte da população é resistente ao programa pelo fato de não obter informações sobre o seu funcionamento pleno. Em particular, as críticas ao caráter emergencial/paliativo do Projeto não se sustenam quando analisamos o Programa como um todo. Apesar de a área de Logistica da SGTES já estar desenvolvendo um canal de comunicação com a sociedade, deve­se ampliar a efetividade desse diálogo.

Desta forma, é evidente que o Programa Mais Médicos constitui um ousado passo na direção de superar as dificuldades históricas do poder público em fornecer atendimento de saúde de qualidade nas regiões afastadas das metrópoles e periferias das grandes cidades. Os dados atuais revelam avanços importantes, ainda que seja necessário um monitoramento mais rigoroso; mas o verdadeiro sucesso do Programa só será atingido ao se concretizar a universalização das vagas em Residência Médica em Família e Comunidade, com a valorização destes profissionais e

10 www.blog.saude.gov.br/index.php/35513­mais­medicos­atende­100­da­meta­de­expansao­em­2015 11 Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/570­destaques/ 34395­infografico­pacientes­aprovam­programa­de­expansao­do­atendimento­medico­revela­ufmg

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consequente adequação da formação médica às necessidades do SUS, como dispõe a Constituição Federal.