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Uma análise discursiva das marcas de auto e correferência nos editoriais da Folha de S.Paulo aos 90 anos. Trabalho apresentado ALCAR 2015.
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1
Projees imaginrias do sujeito-Folha:
uma anlise discursiva das marcas de auto e correferncia
nos editoriais da Folha de S.Paulo aos 90 anos 1
OLIVEIRA, Cndida de (Mestre em Jornalismo) 2
Universidade Federal de Santa Catarina/SC
Resumo: O artigo apresenta uma anlise dos editoriais publicados na Folha de S.Paulo em 2011, ano que marca o
nonagsimo aniversrio do jornal, a fim de demonstrar como as marcas de auto e correferncia funcionam no
discurso jornalstico conferindo um dizer sobre o prprio sujeito que enuncia. Para tanto, ancora-se nos
pressupostos da teoria do Jornalismo e da Anlise do Discurso (AD) francesa. Considera-se que o discurso
jornalstico da Folha deriva de uma formao discursiva especfica: a formao discursiva da grande imprensa
brasileira (FDGIB); e proferido por um sujeito enunciador distinto: o sujeito-Folha, cuja imagem projetada no
discurso a de um lugar-social multifacetado. A partir da anlise, verificam-se cinco imagens da tradio, de mediadora autorizada (por ela mesma), de agente de denncia, de protetora dos interesses dos cidados e de lugar da
verdade a partir das quais o sujeito-Folha enuncia. Tais imagens se intercalam, sustentando o funcionamento discursivo do sujeito-Folha, interpondo a o poder de dizer e se fazer sujeito de uma ou de outra forma.
Palavras-chave: Folha de S.Paulo; auto e correferncia; discurso jornalstico; anlise do discurso; editoriais
Introduo
O trabalho apresenta uma anlise dos editoriais publicados na Folha de S.Paulo3 em
2011, ano que marca o nonagsimo aniversrio do jornal, a fim de demonstrar como as marcas
de auto e correferncia funcionam no discurso jornalstico conferindo um dizer sobre o prprio
sujeito que enuncia. Para tanto, ancora-se nos pressupostos da teoria do Jornalismo e da Anlise
do Discurso (AD) francesa, a partir das contribuies de Pcheux (1997; 2010). 4
A autorreferncia vem sendo considerada, em vrios estudos, como uma nova estratgia
discursiva pela qual o jornalismo tece novos padres de confiabilidade e credibilidade. Fausto
Neto (2006, 2008), por exemplo, afirma trata-se de uma das transformaes que incidem sobre
os modos de dizer do jornalismo e seu prprio lugar interpretativo. A nfase recai, portanto,
sobre o lugar discursivo que o jornalismo cria para si, como modo de reforar sua legitimidade
1 Trabalho apresentado no GT Histria da Mdia Impressa, do 10 Encontro Nacional de Histria da Mdia, 2015.
2 Graduada em Comunicao Social, Habilitao Jornalismo, pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul UNIJU/RS; Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC/SC. Endereo eletrnico: [email protected]
3 Neste trabalho, o nome do jornal ser substitudo somente por Folha. Quando precedido de sujeito (sujeito-
Folha) faz referncia ao sujeito que enuncia em nome do jornal. Em negrito (Folha) representa as marcas discursivas
de como o jornal denominado nos editoriais.
4 Os editoriais analisados constituem o corpus de uma pesquisa mais ampla, sendo apresentada aqui somente
parte desta anlise com uma sntese dos principais resultados sobre o tema em questo. Ver Oliveira (2012).
2
de intrprete da realidade.5
Mas h tambm a correferncia que, correspondendo a propriedade que tm duas
palavras ou sequncias de se referirem ao mesmo referente, segundo proposto por Charaudeau
e Maingueneau (2006, p. 142), pode indicar expresses que remetem para o prprio jornal e
suas prticas. Neste trabalho, observam-se as marcas de auto e correferncia identificadas como
formas pelas quais o jornal denomina a si prprio e realidade que envolve suas prticas, seu
fazer jornalstico.
Esse dizer sobre si tomado aqui em relao s noo de formaes imaginrias e de
formao discursiva (FD) inter-relacionadas6. Assim, considera-se que o discurso jornalstico da
Folha deriva de uma FD especfica: a formao discursiva da grande imprensa brasileira
(FDGIB); e proferido por um sujeito enunciador distinto: o sujeito-Folha, cuja imagem
projetada no discurso a do lugar-social que este sujeito imagina ocupar na sociedade e
apontam para a posio-sujeito que este assume no interior do dizer. 7
Deste modo, na sequncia do texto, caracteriza-se a FDGIB (apresentada aqui como
uma construo terico-metodolgica utilizada para entender como funciona o discurso da
Folha) e aborda-se a instaurao, no interior desta FD, da posio-sujeito a partir da qual o
sujeito-Folha enuncia. Em seguida, apresenta-se uma anlise das projees imaginrias do
sujeito-Folha aos 90 anos, enquanto lugar-social no qual ele imaginariamente se inscreve,
considerando-se as marcas de auto e correferncia identificadas nos editoriais.
5 Para Fausto Neto (2006), as estratgias de autorreferncia ganham formas atravs de indicaes diversas, desde
aquelas sobre as quais a cultura jornalstica imagina serem seus fundamentos (calcados nas ideologias jornalsticas) at outras nas quais se misturam a especificidade do jornalismo com formas de natureza mercadolgica.
6 concepo de discurso como efeito de sentido entre locutores, produzido a partir de determinadas condies de produo que o sustentam (PECHEUX, 2010), articulam-se as noes de formaes imaginrias como aquelas que colocam em evidncia os protagonistas do discurso e o referente e de formao discursiva (FD), possibilitando-se assim estudar as condies de produo levando em conta a exterioridade e as determinaes
histricas que caracterizam o processo discursivo. A noo de FD nasce em Foucault (2008) e ressignificada por
Pcheux (1997) como sendo uma estrutura de dizer histrica e ideologicamente determinada, onde o sujeito est em
relao com o discurso e a ideologia a partir de uma posio, um lugar estabelecido pela estrutura de uma dada
formao social. A FD, determinada pelo interdiscurso (conjunto do dizvel historicamente definido, espao do j-dito
e a dizer), organiza o discurso determinando o que pode e deve ser dito, e tambm o que no pode e no deve ser dito.
7 Pcheux (1997) observa que todo discurso supe acionar lugares de fala nos quais os sujeitos participantes do
processo discursivo sero representados. Esse lugar, que social, representa a prpria subjetividade, sendo marcada
pela historicidade, pela ideologia e atravessada pelo inconsciente (PCHEUX; FUCHS, 2010). O lugar-social,
portanto, refere-se projeo imaginria que o sujeito faz de si, e no deve ser tomado como uma suposta
concretude, pois o sujeito sempre atravessado por desigualdades e contradies. A posio-sujeito, por sua vez,
representa o sujeito discursivamente. Assim, as formaes imaginrias comportam imagens dos lugares-sociais dos
interlocutores do discurso, nas quais os sujeitos imaginariamente se inscrevem, mas apontam para posies-sujeito
assumidas no interior do dizer. So as posies-sujeito que fazem o discurso significar, levando em conta o contexto
scio histrico e a exterioridade.
3
1 A constituio da formao discursiva da grande imprensa brasileira (FDGIB)
Entende-se por FDGIB uma estrutura de dizer especfica que abriga saberes
mobilizados por jornais ligados s grandes corporaes de mdia do pas, e que so
representativos tanto da instituio jornalstica8 quanto do sistema econmico capitalista
neoliberal, ambos mecanismos estruturantes que regulam as atividades dessas corporaes.
Conforme Resende (2007, p. 85), a grande imprensa brasileira consolida-se regulada pela
tendncia poltica burguesa de oposicionismo ao governo associada tendncia neoliberal que
tem o mercado como um agente que define como se deve falar nos jornais (grifos do autor).9
Entretanto, a grande imprensa brasileira tambm marcada por um forte trao
autoritrio, pois carrega em seu cerne um modelo inserido desde o perodo colonial, em que
jornais eram geridos como uma propriedade familiar em linhas de censura e autocensura.10 Isso
ajudou a consolidar a cultura autoritria e acrtica (KUCINSKI, 1998) que marca o jornalismo
brasileiro e dificulta a atuao dos jornalistas at hoje, revelando que os interesses da empresa
jornalstica nem sempre so condizentes com a instituio que ela representa.
Todavia, apesar das crticas, os jornais que compem a grande imprensa brasileira ainda
so considerados de referncia para o jornalismo praticado no Brasil.11 Observa-se ainda que a
imprensa brasileira teve importante papel na luta pela democracia no Brasil, tanto no perodo da
Primeira Repblica (1889-1930) quanto no perodo de redemocratizao. Por outro lado, a
grande imprensa apoiou a ditadura militar (1964-1985) (ROMANCINI; LAGO, 2007;
KUCINCKI, 1998). Para Fonseca (2011), justamente nesses perodos os grandes jornais
manifestaram uma baixa propenso ou mesmo uma reao contrria no que diz respeito a
debates sociais importantes. Aliado aos movimentos de modernizao e oligopolizao, que
ocorreram aps a redemocratizao, tais posicionamentos revelam o interesse dos jornais de
tentar manter o status quo de grande imprensa, de privilegiar os interesses da empresa 8 O estatuto de instituio do jornalismo deriva de todo um processo social e histrico que o legitima e o autoriza
a apresentar-se como intrprete da realidade. Esse estatuto est ligado existncia de toda uma ideologia jornalstica
(TRAQUINA, 2005) e de um fazer-saber especfico que permitem o reconhecimento pblico do jornalismo
enquanto instituio representativa do interesse pblico e do direito informao (SOUZA, 2008).
9 As regras de formao que caracterizam a FDGIB se constituem a partir do surgimento e reconfiguraes da
grande imprensa brasileira, processo que remonta ao incio sculo XX, quando os jornais passam da fase artesanal
industrial, impelidos a seguir uma lgica de mercado regulada por demandas tcnicas e operacionais que impem um
discurso mais formatado, baseado em preceitos como verdade e objetividade (RESENDE, 2007).
10 Conforme Mariani (2003) e Resende (2007), traos dos primeiros jornais (Correio Brasiliense e Gazeta do Rio
de Janeiro) contriburam para a instaurao de certo pudor no discurso jornalstico.
11 Em grande medida, porque persiste certa homogeneizao nas prticas jornalsticas dos grandes jornais, o que
provoca um certo apagamento da viso burguesa e mascara a ideologia neoliberal que subjaz nas publicaes.
4
enquanto organizao privada e capitalista.
Todavia, a grande imprensa brasileira no homognea, visto que composta por
distintos veculos jornalsticos. Assim, a FDGIB agrega em seu interior posies-sujeito
distintas, as quais so ocupadas pelos sujeitos que enunciam o discurso jornalstico desses
grandes veculos. Em relao ao jornalismo dirio e impresso, uma das posies-sujeito que
mais se destacam no interior da FDGIB a que sustenta o discurso jornalstico da Folha.
1.1 A instaurao da posio do sujeito-Folha no interior da FDGIB
A posio-sujeito que sustenta o discurso jornalstico da Folha instaura-se no interior da
FDGIB quando fundado o jornal Folha da Noite, em 1921, por iniciativa de Olival Costa,
Pedro Cunha e um grupo de jornalistas egressos do jornal O Estado de S. Paulo. Eles tinham
como objetivo atender a um pblico leitor mais amplo e de classes menos favorecidas, como os
operrios, embora isso acabe no ocorrendo.12
Essa instaurao representa uma fragmentao da forma-sujeito da FDGIB e um
questionamento dos saberes caractersticos dela13. A tomada de posio do grupo de jornalistas
dispostos a construir um novo jornal voltado para um outro pblico que no o atendido pelo O
Estado de S.Paulo contesta os saberes que determinavam o modo de fazer jornalismo na grande
imprensa da poca. Assim, abre-se espao no interior da FDGIB para a instaurao de uma
nova posio-sujeito que provoca uma reconfigurao dos saberes da referida FD, e vai se
relacionar de forma tensa/divergente com outra posio-sujeito inscrita no interior da FDGIB
a ocupada pelo jornal O Estado de S. Paulo. 14
Entretanto, essa nova posio-sujeito ocupada pelo sujeito-Folha reconfigura-se vrias
vezes. Desde sua fundao at hoje, a Folha passou por vrios grupos diferentes de
empresrios15 e vrias foram as alteraes em sua poltica editorial, especialmente aps o
12 Um boneco-smbolo o personagem Juca-Pato chegou a ser criado para identificar o segmento social que a Folha tinha pretenso de representar: o povo operrio. Porm traduzia mais a imagem da classe mdia baixa que
emergia em So Paulo na poca e que o jornal acabaria por atender.
13 A forma-sujeito corresponde ao sujeito histrico (ou universal) da FD. Articulada ao interdiscurso e por ele
determinada, ela permite ao sujeito identificar-se com a FD. A forma-sujeito representa o ideal de homogeneidade
dos saberes que caracterizam a FD e regula o que a FD determinada como vlido no discurso que a representa.
14 Essa nova posio-sujeito significa uma nova forma de enunciar sentidos no seio da FDGIB: saberes que at
ento estavam silenciados na FDGIB e recalcados no interdiscurso so reescritos na cena discursiva.
15 Jos Nabantino Ramos adquiriu os jornais em 1945 e criou, em 1949, a Folha da Tarde. Em 1960, integrou os
trs dirios num s passando a denomin-lo Folha de S.Paulo, o qual adquirido por Octavio Frias de Oliveira e
Carlos Caldeira em 1962.
5
processo de modernizao tecnolgica do jornal viabilizado durante parte do perodo ditatorial
(1968-1974). Em maio de 1978 criado o Conselho Editorial e formalmente elaborado o
primeiro documento que sinaliza a construo de um novo projeto editorial para o jornal. 16 O
discurso do jornal passa a ser delineado por uma tendncia editorial que exige cada vez mais
qualidade tcnica e informativa na produo do jornal. (LINS DA SILVA, 2005).
Vrias outras mudanas ocorreram no projeto editorial da Folha, construdo a partir de
1980.17 Com o movimento das Diretas-j, em 1984, e sob a influncia do marketing, a Folha
efetiva um realimento poltico, uma reorganizao de saberes e uma reconfigurao da posio-
sujeito assumida pelo sujeito-Folha, o que permite ao jornal ocupar um lugar de liderana e
destaque no cenrio nacional ao longo dos anos de 1980: os demais jornais brasileiros comeam
a se apropriar de caractersticas que antes eram exclusivas da Folha.18
A ideologia jornalstica que caracteriza o lugar-social no qual o sujeito-Folha se
inscreve, baseada nos princpios de pluralidade, crtica e apartidarismo, importada do modelo
norte-americano, mas tambm marcada pelo vis mercadolgico. 19 Esses e outros princpios
incorporados posteriormente, como a noo de servio pblico, de didatismo, e a necessidade
de se obter informaes exclusivas, inditas e de impacto, contribuem para dar legitimidade ao
discurso jornalstico da Folha.
16 Na gesto de Octvio Frias pai, a poltica editorial de Nabantino mantida, pois a tarefa era enfrentar as
dificuldades econmicas e conflitos polticos e sociais emergentes no perodo, marcado pelo golpe militar em 1964. A
Folha, assim como a maioria dos grandes jornais, decide apoiar a ditadura tendo em vista o modelo de
desenvolvimento que os militares propunham e que favorecia o crescimento da imprensa (ROMANCINI; LAGO,
2007). Aps 1974 que os dirigentes voltam-se linha editorial do jornal a fim de moldar uma poltica editorial
prpria, mas devido priso do jornalista Loureno Diafria, em 1977, isso s se efetiva a partir de 1978.
17 Para Lins da Silva (2005, p. 76), o Projeto Folha tal como conhecido hoje comea a tomar forma em 1981, quando circula um documento intitulado A Folha e Alguns Passos Que Preciso Dar. 18 A Folha de S.Paulo v, no processo de abertura democrtica, uma chance de reorganizar seu discurso.
Conforme Lins da Silva (2005, p. 103), um ms aps a votao das Diretas-J, o Projeto Folha reestruturado, consolidando princpios editoriais do jornal com questes tcnicas e organizacionais. O documento (...) intitulado A Folha depois das Diretas-j seria o mais importante de todo o processo de definio do projeto. Ele a matriz, a partir da qual os documentos seguintes sero apenas verses atualizadas. J, para Kucinski (1998), o que se seguiu foi uma rejeio do projeto editorial anteriormente traado por Cludio Abramo, cuja diretriz era apresentar a Folha
como um espao de pluralidade opinativa e instituir alianas com a sociedade. Para o autor, o marketing inverteu a
lgica do jornalismo: a Folha passou a no falar mais em nome do interesse pblico, mas em nome do interesse de
seu leitorado com vistas a atingir seus prprios interesses.
19 Lins da Silva (2005, p. 128) reconhece que no h nada de revolucionrio no que o projeto prope. Ao contrrio, pode-se dizer que a Folha retoma e revigora no Brasil princpios elementares de sustentao ideolgica do
jornalismo norte-americano, reforando a chamada ideologia burguesa do jornalismo. O pluralismo e o apartidarismo so necessrios no porque eles representam uma objetividade eticamente desejvel nem porque eles
signifiquem que o jornal capaz de representar o real sem deformaes, mas apenas porque o pblico que consome o
jornal composto por pessoas com diferentes vises de mundo (...). A lgica no tica nem poltica. apenas
mercadolgica (LINS DA SILVA, 2005, p. 130).
6
O Projeto Folha representa, assim, um marco de institucionalizao de uma lgica
empresarial mais ampla e de profissionalizao jornalstica para o mercado de jornais no Brasil.
Porm, diferentemente do modelo norte-americano, dissimula a objetividade inscrevendo-se na
lgica de mercado. este posicionamento que orienta o tom do discurso da Folha, chegando
a ser intimista (BERGER, 1998) na forma como trata os assuntos e temas que aborda.
Entretanto, desse cenrio de reconfiguraes do Projeto Folha que a Folha foi
constituindo um certo saber sobre o fazer jornal, instaurando uma posio-sujeito slida no
interior da FDGIB. Esse saber se manifesta e se materializa nas edies do jornal, na forma
como os temas so apresentados em cadernos, com traos visuais especficos, indicando a
existncia de uma arquitetura prpria construda pela Folha e tambm a existncia de um
pblico distinto.20 As reformulaes e referncias ao projeto editorial (e grfico) funcionam
como mecanismos de autoafirmao e consagrao da posio do sujeito-Folha, sendo tambm
o que o distingue a Folha dos demais grandes jornais da imprensa brasileira. Nesse processo,
importa compreender como a imagem desse sujeito construdo discursivamente no jornal.
2 O lugar-social do sujeito-Folha aos 90 anos a partir dos editoriais
Nos editoriais, o sujeito-Folha enuncia sobre si, projetando uma imagem discursiva
sobre o que a Folha, sobre o lugar-social que ela imagina ocupar. Trabalha-se aqui com a
noo de formaes imaginrias, trabalhada na Anlise do Discurso (AD)21. Nesse sentido,
reitera-se que no se trata de entender o que o sujeito-Folha diz, mas sim acompanhar o
processo discursivo em pauta para compreender como esse discurso, ao funcionar de uma
maneira e no de outra, produz efeitos de sentidos indicadores do lugar-social a partir do qual
este sujeito enuncia, e da posio-sujeito na qual o sujeito-Folha assume no interior do dizer.
Dito de outro modo, o imaginrio que o sujeito-Folha faz de si mesmo indica a posio-
20 A posio-sujeito representa discursivamente o lugar-social institucional do sujeito-Folha e as marcas
discursivas que a caracterizam aparecem em todo o corpo do jornal, desde a primeira at a ltima, por meio de
marcas que remetem ao projeto editorial e ao jornal. A forma de organizar os assuntos e temticas que aborda, seja no
formato e organizao dos cadernos, na diviso dos temas ou gneros jornalsticos; as cores, o design e as imagens,
todos esses elementos so pensados visando atingir o leitor e ajudam a configurar a imagem da Folha enquanto uma
instituio jornalstica legtima.
21 Segundo a AD, as formaes imaginrias tm a ver com o processo de interpelao do sujeito, pela ideologia e
pelo inconsciente. Assim, considera-se que a imagem projetada no discurso no resulta de estratgias previamente
estabelecidas pelo sujeito, com intenes ou suposta concretude de lugares sociais. Deve-se pensar o lugar como um
imaginrio sobre ele, uma projeo que remete, por sua vez, posio-sujeito inscrita em uma FD com a qual o
sujeito se identifica.
7
sujeito que ele assume ao enunciar e remete ao lugar-social construdo discursivamente a partir
do qual a Folha realiza sua prtica discursiva. Interessa, portanto, compreender a construo
discursiva de um imaginrio para o sujeito-Folha. A anlise apresentada a seguir tem incio com
a identificao de certa regularidade que aponta um modo de funcionamento do discurso. Essa
regularidade se d no nvel de organizao da estrutura lingustica e se refere s marcas de auto
e correferncia enquanto mecanismos que acionam a projeo imaginria do sujeito-Folha.
Neste recorte, a autorreferncia marca grande parte das sequncias discursivas (SDs)
que o compem, designando o sujeito do discurso da Folha a partir de seu nome prprio
abreviado e em negrito (Folha), representando a forma utilizada pelo prprio jornal para se
referir a ele mesmo, conforme orienta seu Manual de Redao (FSP, 2007, p. 70). As marcas de
correferncia so representadas por termos como jornal, peridico, publicao, pronomes
demonstrativos este, esta etc.
O olhar deslocado ento para os vocbulos ou expresses que se fazem presentes no
discurso atribuindo valores ou avaliaes sobre o jornal e suas prticas. A partir disso, foram
estabelecidos cinco blocos de SDs que, uma vez analisadas, permitiram identificar um
imaginrio multifacetado, constitudo por 5 imagens diferentes. Para fins de exemplificao,
apresentado neste trabalho apenas um quadro sntese com as principais marcas discursivas
identificadas nas 34 SDs que foram analisadas de modo individualizado. Vejamos:
Imagem Principais marcas Descrio do imaginrio
BL
OC
O 1
:
Tra
di
o
renovar compromisso editorial bsico; jornalismo crtico, pluralista e partidrio;
projeto editorial; aniversrio de 90 anos; tradicionalmente
Compromisso; Confiana; Forte;
Consolidado; Tradio
bom jornal; informaes corretas; orientao por critrios; foco em problemas; Bom jornal
autocrtica; desconforto; jornalismo crtico; retificao/erramos; no advoga em causa
prpria
Seriedade/Maturidade/
Responsvel; Lder
autonomia; no depende de publicidade governamental; jornalismo livre; interpelao
jornalstica de agentes pblicos; apontar erros, cobrar compromissos, revelar
irregularidades; fiscalizar autoridades; apartidarismo
Autonomia; Quarto Poder;
Jornalismo livre; Jornalismo
neutro/imparcial
leitor que acompanha transformaes; inovao; mudana; leitor com diversas
inclinaes; ponto de vista da Folha
Prximo ao leitor/ Representante
do leitor; Formadora de opinio
BL
OC
O 2
:
Med
iadora
au
tori
zada
esta Folha defende/defendeu; J se defendeu neste espao; este jornal defendeu; saudado
pela Folha; esta Folha j se manifestou mais de uma vez contra; como esta Folha tem
defendido
Defensora de causas; Mediadora;
Intercede apontando direes
como afirmaram ontem em artigo neste jornal, porm Centralizadora
o jornal lembrava; no editorial j reconhecia; divulgado neste final de semana Reiteradora de rumos
pesquisa Datafolha; Informaes srias e legtimas
BL
OC
O 3
:
Agen
te d
e
den
n
cia
revelado por esta Folha em junho; testemunhada por reportagem; registros revelam;
como mostrou reportagem na Folha; esta Folha revelou num primeiro momento; na
ltima sexta o jornal noticiou; como revelou a/esta Folha; a Folha mostrou
Testemunha dos fatos;
Revelao; Expe/mostra
denncia; esquema irregular; pior escndalo; suspeitas, indevido, se no ilcito; confusa,
se no suspeita; no se trata de levantar suspeitas, mas; pontos obscuros; verdade
A Folha no apenas revela, ele
denuncia em nome da verdade
disse; negou; confirmou; entrevista por escrito; citaes entre aspas Afirmao baseada em Provas
8
BL
OC
O 4
:
Pro
teto
ra d
os
inte
ress
es d
os
cidados
contribuinte brasileiro; dinheiro pblico; constituio;
um anseio evidente da opinio pblica; cidado; direito de conhecer; interesses do
consumidor; o consumidor sabe; acesso livre; acesso pblico; oficialmente assegurado;
direito dos cidados
Interesses dos cidados/
Contribuintes/ Consumidores;
Direito informao;
Interesse pblico
s no deu certo porque foi flagrada e exposta por esta Folha; agora se sabe, graas
reportagem da Folha; a pedido do jornal; aps iniciativa desta Folha
Protagonista; Influente = em
favor do cidado; Articulador
BL
OC
O 5
:
Lugar
da
ver
dade
como constatou reportagem da Folha; comprova levantamento feito pela Folha; o fato
constatado em reportagem desta Folha; reportagem da Folha traz constatao
preocupante; os dados tabulados por esta Folha confirmam o que j se intua;
Verificao in loco; Autenticao
Lugar do bvio; Objetividade
a realidade flagrada em reportagem nesta Folha, mais uma prova o que se constata;
fatos incontestes; a crena foi atropelada pelos fatos; os fatos desmentem idealizaes Certeza dos fatos; Objetividade
Quadro-Sntese O imaginrio do sujeito-Folha atravs da auto e correferncia Fonte: Oliveira (2012, p. 195-196).
BLOCO 1: a Folha da tradio. Essa imagem construda discursivamente pela
reiterao dos princpios editoriais que norteiam a publicao, remetendo para o lugar da
organizao jornalstica que tem no compromisso o elo para representar a relao com a
sociedade brasileira e com seu leitorado. Elementos j-ditos so mobilizados pelo trabalho da
memria discursiva22, indicando um lugar historicamente constitudo e legitimado pela sua
trajetria que convocada cena discursiva pela aluso do dizer ao aniversrio de 90 anos do
jornal. Essa relao de sentidos projeta a imagem de um jornal consolidado, pois detentor de um
projeto editorial slido, de princpios um jornalismo crtico, pluralista e apartidrio que j
so bsicos prtica jornalstica que realiza. 23
Alm disso, projetado o imaginrio do que seja um bom jornal: aquele que, alm de
publicar informaes corretas, possui critrio que o permite assim ser. A correferncia
Folha pelo uso da expresso deste jornal retoma o enunciado anterior pela repetio,
associando ao sujeito o sentido de bom jornal, qualificando-o. Ou seja, a prpria Folha se
autodenomina como sendo bom jornal. O critrio para ser bom jornal, no dizer da Folha,
focalizar problemas coletivos e fiscalizar a atuao dos agentes pblicos. Entretanto, os
enunciados que dizem da necessidade de fiscalizar... e disso decorrer a atitude de permanente
interpelao jornalstica das autoridades, faz emergir no discurso sentidos derivados da
concepo de jornalismo como Quarto Poder, que tem como funo proteger a sociedade de
22 A noo de memria discursiva um dos constructos tericos da AD. Armazenada no nvel do interdiscurso,
ela contm tudo aquilo que j foi dito e faz irromper no fio do discurso (intradiscurso) palavras e expresses que j
foram ditas, retomando-as, repetindo-as, refutando-as ou ressignificando-as, dependendo do contexto em que o
discurso proferido.
23 A Folha defende o apartidarismo no sentido de rechaar todo alinhamento com partidos polticos, grupos econmicos ou correntes de opinio, retomando o jornal como contraposio ao poder partidrio e ideolgico. Essa idealizao, construda discursiva e historicamente como se fosse possvel uma prtica jornalstica neutra e imparcial,
mantida pela posio de pretensa iseno/objetividade assumida pela Folha.
9
eventuais abusos de autoridades dos demais poderes do Estado Democrtico de Direito. Assim,
a folha se apresenta como vigilante do exerccio de poder.
H tambm um esforo para construo da imagem da Folha como um lugar que
abriga o controverso na antecipao imaginria da sociedade como lugar de multiplicidade.
Entretanto, o enunciado de abrigar diversidade e opinies contraditrias resvala para seu
prprio ponto de vista, reduzindo o espao do contraditrio no jornal, o que, por outro lado,
indica-o como formador de opinio. O mesmo movimento discursivo de
deslizamento/substituio acontece quando da imagem da sociedade passa-se para o leitor
(leitorado). A imagem de ser um lugar de pluralidade reivindicada pelo jornal aparece pela
busca de proximidade com o leitor, motivado pelo objetivo de atender as demandas que lhe
chegam deste. Verifica-se assim que a pluralidade que o jornal diz defender restrita aos
interesses do leitorado do jornal e do prprio jornal.
Nas sequncias deste primeiro bloco, o imaginrio do sujeito-Folha projetado a partir
do trabalho de memria que faz emergir no fio do discurso concepes de jornalismo que foram
sendo constitudas ao longo da criao e implementao e das reconfiguraes do Projeto
Folha, isto , a partir das reconfiguraes discursivas desse sujeito, em consonncia com a
posio de aderncia ao discurso jurdico, sob o qual se constitui historicamente o prprio
discurso jornalstico. Desta forma, a imagem discursiva da Folha, construda nos editoriais a
partir a reiterao do projeto editorial e valores que diz defender, diz de um lugar de fala
baseado na tradio: um lugar consolidado, forte, de seriedade, de autonomia, um bom jornal,
de proximidade para com o leitor, de representao do leitor, um lugar de confiana, enfim. Essa
a imagem da tradio, do lugar-social construdo discursivamente para o sujeito-Folha.
BLOCO 2: a Folha mediador autorizado. No conjunto de sequncias discursivas
deste bloco, a presena das expresses esta Folha defende/defendeu, j se defendeu, neste
espao, esta Folha tem defendido cria uma regularidade no dizer do jornal que parece,
inicialmente, construir uma imagem da Folha como defensora de causas.24 A reiterao do
posicionamento ou ponto de vista por ela defendido a mostra como interessada em
determinadas questes que aborda e julga ser importante manifestar sua posio. Quando a
Folha manifesta seu ponto de vista, posicionando-se, ela demarca seu lugar de mediao, de
24 As causas referem-se aos diferentes assuntos tratados que esto inseridos em uma pauta mais abrangente, representando temas sociais que, se no interessam a toda sociedade, so de interesse de grande parcela desta.
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negociao entre os que se identificam com esse ponto de vista trazido cena e os que no se
identificam. Porm, ao colocar em cena seu posicionamento, pela reiterao do que diz
defender, ela d visibilidade somente a determinados atores sociais.
Reivindicando a legitimidade da instituio jornalstica atravs de mecanismos que
dizem da organizao neste/este jornal, esta Folha e outras expresses que fazem
referncia aos espaos de opinio (neste espao) , a Folha se apresenta como mediadora
autorizada a fazer a representao de alguns posicionamentos e no de outros, delimitando o
mbito do poltico. Provoca-se um efeito de fechamento do espao onde so dispostas essas
foras sociais, fazendo prevalecer uma ou outra representao que se mostra ento como
construo de realidade distinta da representao de outros. O feito de sentido desse arranjo
de foras, pelas condies de produo discursiva, resulta na legitimao da prpria Folha
como locutor autorizado, fortalecendo a posio-sujeito na qual se inscreve.
A intertextualidade, muito presente nos editoriais medida que a Folha remete seu dizer
para outros materiais jornalsticos veiculados no interior do jornal, tambm uma forma de
mostrar que a Folha embasa seu posicionamento. Faz assim um duplo movimento, retomando o
j-dito e reforando-o, reiterando seu prprio posicionamento como um rumo, uma direo a ser
tomada em relao ao assunto pelo qual intercede. Tais efeitos vo apontando para um lugar que
autentica/autoriza a si mesmo a enunciar do modo como enuncia, corroborando para a imagem
de mediadora autorizada.
Observa-se com isso o efeito de unidade discursiva da posio assumida pela Folha no
interior do dizer. Ou seja, nos editoriais, constri-se um efeito de homogeneidade para a Folha e
consequemente para o discurso que produzido no jornal. Assim, se uma voz no condizente
com a posio do sujeito do discurso jornalstico da Folha emerge em outros espaos da
publicao, nos editoriais trabalhada uma reorientao desta voz em favor da voz unssona da
Folha. Isso mostra que nos editoriais s h espao para uma opinio a do jornal. O imaginrio
da Folha, nos editoriais, ento permeado pela centralizao.
BLOCO 3: a Folha agente de denncia. Novamente possvel encontrar, no conjunto
de sequncias discursivas analisadas, uma rede discursiva de formulaes que instaura uma rede
dispersa de repetibilidade, envolvendo diferentes expresses que funcionam como uma mesma
famlia parafrstica revelado por esta Folha, testemunhada pela reportagem da Folha,
esta Folha revelou, num primeiro momento, o jornal noticiou, como revelou a/esta
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Folha, esta Folha mostrou. Os sentidos gerados por essa rede discursiva constroem a
imagem da Folha como um agente que, em seu papel de testemunha dos fatos, mostra, revela os
pontos obscuros de fatos denominados esquemas, atos ilcitos, geradores de
escndalos. Observa-se que outras expresses tambm fazem parte desta famlia parafrstica
e, desse modo, emergem no dizer apontando para um lugar assumido pelo sujeito do discurso
que tem como desejo, ao dizer que revela irregularidades e denuncia malfeitos de
governantes e autoridades pblicas, instituir verdades a respeito do que julga ser uma conduta
tica na poltica25.
Algumas marcas especficas, como o uso da locuo adversativa mas, por exemplo,
funcionam como uma negao do dito anterior, reconduzindo a assertiva na mesma direo que
inicialmente negada. Da mesma forma, o uso da expresso se no, resignificando o dito
anterior, age antecipando e guiando a um pr-julgamento a respeito do assunto abordado. Os
efeitos de sentido gerados por tais operadores discursivos permitem identificar a posio-sujeito
assumida no interior do dizer. Por isso, neste bloco, a imagem da Folha de agente de denncia,
apesar de afirmar que no faz denncia (FSP, 2007).
A narrativa construda em discurso relatado marcado, identificado pelo uso das aspas,
e do discurso relatado indireto, sinalizado por formas como o termo disse (AUTHIER-
REVUZ, 2004), caracterizam o espao delimitado para a fala do outro, demonstrando o esforo
em se distinguir declaraes que no so do jornal, o que nos conduz a pensar na tentativa
(ilusria) de construo da homogeneidade de seu dizer. O discurso relatado marcado funciona
no discurso da Folha como um discurso de prova, que vem dar autenticidade narrativa, o que
caracterstica do prprio discurso jornalstico, visto que se apoia no que dito pelo outro.26
BLOCO 4: a Folha protetora de interesses do cidado. Neste bloco de sequncias
discursivas, diferentes expresses formam uma cadeia parafrstica discursiva que produz como
efeito de sentido a exaltao das aes/prticas jornalsticas da Folha em relao aos interesses
25 Esta conduta tica sugerida pelo que a Folha discursiviza como sendo a prtica social atravs da qual se
exerce um cargo de poder, seja ligado a instituies poltico-partidrias, a estruturas governamentais e do judicirio, a
entidades sociais representativas ou, ainda, ligadas a outras atividades sociais diversas.
26 Authier-Revuz (2004) explica que a marca explcita da heterogeneidade no discurso delimita e circunscreve o
lugar do outro, como que para afirmar que o outro no est em todos os lugares. Sobretudo, ao instituir a diferena do outro, esse gesto reivindica ao restante desse discurso uma certa homogeneidade, remetendo o dizer para o domnio do sujeito-falante que colocado como o prprio dono de seu dizer. Designando o lugar do outro
atravs dessas marcas que o sujeito se empenha em fortalecer o estatuto do um da aparente unicidade da lngua, do discurso, do sentido ainda que ilusria, pois a heterogeneidade constitutiva de todo discurso.
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dos cidados, designados pelo prprio termo e por outros como contribuintes e consumidores.
No gesto de interpretao do sujeito desse discurso projetado discursivamente um imaginrio
sobre o quo influente e articulador o trabalho realizado pelo jornal, no sentido de promover
eventos que supe atender aos interesses desses cidados. Tais formulaes produzem como
efeitos de sentido a ideia de que o trabalho jornalstico da Folha nico e exclusivo, e que as
informaes se tornam pblicas somente porque ela toma iniciativa.
Por outro lado, o dizer projeta uma imagem que diz do papel da Folha enquanto
protagonista na defesa dos interesses do cidado. A meno Constituio retoma sentidos que
so relacionados aos direitos de cidadania. Em nome da opinio pblica, a Folha fala em defesa
dos interesses dos contribuintes. Posiciona-se a favor dos consumidores, reivindicando para si o
lugar de protetora e porta-voz destes. A Folha apresenta-se como principal protagonista atuando
em defesa dos interesses do contribuinte brasileiro. Ela refora essa imagem de protagonismo,
destacando a atuao/o papel do jornal em tornar pblicas, fazer-saber informaes que antes
estavam ocultas, mas que sendo pblicas podem contribuir para a precauo dos cidados em
relao ao tema tratado. A Folha assume tambm o lugar de articulista, agente de iniciativa, que
influencia e tem poder de interveno para garantir o acesso pblico de informaes
confidenciais, evocando aqui o valor do interesse pblico. Esse dizer inclinado a elogiar o
prprio veculo jornalstico e sua atuao no espao social constri uma imagem do sujeito
como protetor dos interesses do cidado. Essa imagem ajuda a sustentar a funo enunciativa de
porta-voz que seu dizer pretensamente assume.27
BLOCO 5: a Folha lugar da verdade. Observando-se o conjunto das marcas
discursivas referentes s SDs desse bloco, identifica-se outra famlia de vocbulos que
formulam uma cadeia de parfrases mobilizada para designar o trabalho jornalstico da Folha.
Em todas as SDs analisadas pelo menos um destes verbos confirmar, constatar, comprovar
se faz presente atravs de cognatos fazendo emergir vrios sentidos que se intercalam e
sobrepem em relao ao que est sendo dito. Tais designaes contribuem para dar
autenticidade ao que est sendo dito, reforando a Folha como uma instituio jornalstica que
se baseia no princpios da objetividade e da verdade. Constri-se, assim, uma imagem de
empresa jornalstica com um determinado modo de fazer jornalismo que lhe d legitimidade
27 A funo de porta-voz nos editoriais da Folha analisada de forma especfica em Oliveira (2012), visto que se
trata de um funcionamento especfico do sujeito-Folha que remete um outro lugar-social (de cidado) que, no
entanto, este sujeito no tem legitimidade para ocupar.
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para poder dizer o que diz. O funcionamento discursivo provocado por tais termos produz como
efeito uma certa estabilidade e firmeza ao dizer, remetendo a um lugar de certeza, que busca
pretensamente estabelecer a verdade dos fatos.
Em alguns editoriais, o efeito de pretensa objetividade emerge de forma explcita.
Projeta-se no discurso o imaginrio de quem tem domnio e convico a respeito do que est
sendo falado, um lugar que no contribui para a construo de evidncias, mas capaz de dar a
conhecer, por meio de investigao jornalstica, o que se apresenta como bvio ou o que j
era previsto, o que j se intua. A notcia revestida assim de um carter de obviedade, j que os
fatos so denominados como incontestes, como aquilo que desmente as idealizaes. Nessa
perspectiva, possvel afirmar que a Folha enuncia no de um lugar que busca ser o mais
objetivo possvel (FSP, 2007, p. 46), mas de uma posio que, buscando a objetividade,
determina a verdade dos fatos.
Tais caractersticas, enquanto elementos constitutivos do dizer jornalstico, fazem parte
de um imaginrio que prprio deste discurso e est presente na imprensa, de uma forma ou de
outra, em todo e qualquer jornal de referncia. No discurso jornalstico da Folha, essa marca
produz como efeito de sentido, a ideia de que os fatos falam por si e imprensa s cabe report-
los. Os efeitos de objetividade gerado pela imagem do sujeito-Folha como lugar da verdade so,
mais precisamente, o de evidncia da visibilidade dos fatos e de literalidade associados
iluso de informatividade (MARIANI, 1998, p. 63). So eles que contribuem para reforar a
imagem do jornal como sendo uma legtima organizao jornalstica que tem como funo
desambiguizar o mundo (id ibidem), pois nunca pode haver um fato diferente do que foi
relatado. Contudo, uma imagem que trabalha no sentido de apagar a posio-sujeito que o
enunciador desse discurso assume ao enunciar.28
Consideraes Finais
A partir das SDs analisadas, verifica-se que o sujeito-Folha apresenta-se ancorado em 5
imagens da tradio, de mediadora autorizada (por ela mesma), de agente de denncia, de
protetora dos interesses dos cidados e de lugar da verdade. H uma preponderncia de
regularidades discursivas que remetem s imagens do sujeito como agente de denncia e como
28 De acordo com Solosky (1999) a marca da objetividade serve para desviar a ateno para o fato de que o
jornalismo realiza uma abordagem poltica e ideolgica, ajudando a cristalizar assim a viso de que a lealdade do
leitor e o controle monopolstico do mercado baseiam-se na eficcia da cobertura jornalstica que o jornal realiza.
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protetor dos interesses dos cidados, ou seja, como aquela que influencia o debate pblico, que
fiscaliza aes de governantes e agentes polticos como se estivesse frente dos trs poderes,
que aponta e expe cena pblica as irregularidades que violam uma tica poltica que parece
estar no seu horizonte. Por outro lado, o lugar de mediadora autorizada por si mesmo e lugar da
verdade revelam outras faces para esse sujeito.
A primeira imagem da tradio corresponde imagem a partir da qual a Folha
deseja ser vista. Neste caso, observa-se a imagem do sujeito-Folha discursivamente alinhada
existncia do projeto editorial, demarcando assim junto ao pblico e demais interlocutores o
lugar institucional do jornal. Assim, nos editoriais, as formas de dizer do sujeito-Folha reforam
um saber-dizer e um fazer-saber especfico capaz de levar o leitor a confiar no ponto de vista
que apresentado para compreenso dos acontecimentos. Esse dizer exibe para o pblico a voz
institucional que reafirma crenas em torno da profisso, fazendo emergir no fio do discurso o
valor da tradio. A autoridade e a legitimidade so conferidas assim ao profissional ou veculo
de jornalismo, servindo como um sustentculo para a credibilidade do mesmo. Nesse processo,
portanto, a Folha se autopromove e garante sua legitimidade.
As demais imagens, construdas na iluso de transparncia das palavras, representam
imagens que se relacionam com a primeira de forma tensa, ora afirmando-a, ora contradizendo-
a, mostrando como de fato esse sujeito se configura, isto , como realmente . Essas imagens se
intercalam, sustentando o funcionamento discursivo do sujeito-Folha, fazendo interpe-se a o
poder de dizer e se fazer sujeito, de uma ou de outra forma.
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