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“As casas de cima” Ao subir a serra, a casa mantém a essência do morar de baixo, porém, a tradição não se apresenta de forma literal. “As casas de baixo” exemplo da gramática das casas à beira da praia em Icapuí. Exemplos de diagramas gera- dos através do software Agna. Vista panorâmica da Serra da Mutamba, Icapuí - CE Fotografias dos proje- tos citados em Iquique e Évora.. CASA DE MUTAMBA Os Tons do Morar MUTAMBA E SUA SERRA, ICAPUÍ, CEARÁ Distante 250km de Fortaleza rumo ao Rio Grande do Norte está Icapuí. Cidade caracterizada por longas faixas de praia de areias planas e mar calmo, que tem na pesca sua principal atividade econômica. Há algum tempo a pesca arte- sanal, principal atividade econômica da comunidade local, vem passando por um processo de recessão, devido à invasão das grandes empresas da indústria pesqueira. Isso tem levado muitos dos seus moradores a estabelecerem-se no centro administrativo da cidade, dedicando-se a outras atividades econômicas. Devido a essa migração, a cidade, portanto, vem experimentando um crescimento acelerado. A nossa idéia consiste na elaboração de um projeto de adensamento das casas para a região, possibilitando aos mo- radores estabelecerem-se próximo ao centro infra- estruturado, mas sem distanciar-se da forte “identidade do morar” na região. Essa busca da identidade, é na verdade o que norteia todo o processo de projeto. O qual iniciou-se com a pesquisa de campo, já baseada numa pesquisa anteriormente realizada pelo nosso orientador em sua tese de doutorado sobre o conjunto das casas tradicionais dos bairros de Mutamba e Ca- juais, em Icapuí. Na nossa pesquisa, fizemos entrevistas com os moradores das casas desse bairros, mas, principalmente, da Serra de Mutamba, bairro novo que tem passado por um pro- cesso de crescimento acelerado nos últimos anos e, por isso o local escolhido para nossa intervenção. A nossa intenção ao pesquisar as casas tradicionais de Icapuí, era justamente en- tender a forma de morar daquelas pessoas, para assim resga- tar no projeto a sua identidade com o lugar. Como parte do exercício da pesquisa, escrevemos um texto fenomenológico de cada casa estudada, para assim registrarmos o que ficou da essência das casas que visitamos.. A seguir, o texto que sintetiza essas primeiras impressões: Síntese das casas pesquisadas: REFERÊCIAS Em nosso processo projetual estudamos exemplos significati- vos de conjuntos residêciais afim de conhecermos novos métodos projetuais, técnicas, programas e etc. Dentre eles houveram dois que foram de grande importâncias para nosso caminhar, são eles o projeto do grupo Elemental em Iquique, no Chile e o projeto de Alvaro Siza na quintas da Malagueira na cidade de Évora, em Portugal. O primeiro privilegia a interação entre arquitetos e população atendida e a participação da população em todas as etapas de projeto e execução. O complexo de habitações atende a cerca de cem pessoas em um terreno de 5.000m² no centro da cidade de Iquique, Chile. Devido a pequena área do terreno, procurou-se o maior aproveitamento pos- sível do solo, optando assim por edifícios de dois pavimentos com possibilidade de crescimento. A possiblidade de cresci- mento aplica-se a 50% dos metros quadrados disponíveis, com isso cada residência pode alcançar até 70m². Esse índice de crescimento foi alcançado devido a grande porosidade do edifício, de forma que as ampiações necessárias são realiza- das dentro do projeto, evitando assim o crescimento desor- denado. As plantas iniciais contemplavam as partes mais caras e difícieis da edificação, como banheiro, cozinha e escada. O segundo projeto estudado foi realizado em um terreno de 27 hectares, na periferia da cidade de em Évora, Portugal. Grande parte da construção foi realizada e administrada pelos próprios moradores. O conjunto é composto por duas tipologias de casas-pátio, onde o pátio poderia ser frontal ou posterior e a edificação poderia ser térrea ou com primeiro andar, essa ampliação se dá pelo número de quartos. As diversas variações possíveis das residências permitem tanto a uniformização da produção do conjunto como a opção por parte dos moradores de adequam os espaços às suas ne- cessidades. Como elemento organizador do bairro foram utilizados aquedutos pelos quais são distribuídas as instala- ções hidráulicas e elétricas. Neste projeto é marcante a preo- cupação em manter um forte vínculo entre a modernidade e a tradição, através instrumentos conceituais e operativos da cultura moderna e pela adoção de soluções característi- cas do modo de vida que a linguagem arquitetônica do lugar. Nosso partido arquitetônico sofreu diversas influencias destes dois projetos aqui apresentados, como a preocupação com a linguagem arquitetônica tradicional do lugar, o usos de tipologias, o incentivo a ampliação ordenada do espaço, dentre outros diversos. Mais do que referências bibliográficas, estes dois projetos assumiram o papel de norteadores de nossas decisões projetuais. Após a fase de reconhecimento, partimos para a etapa de compilação dos dados – fotos, croquis, impressões – recolhidas anteriormente e os comparamos a fim de reconhecer padrões no modo de vida existente em Mutamba. Com Base na teoria geral dos sistemas e na teoria das redes, nas quais o tempo e a permanência das coisas é algo intrínseco ao ser vivo tão importante quanto à própria existência, julgamos necessário para o desenvolvimento de um projeto que contemplasse as aspirações dos habitantes a identificação da hierarquia presente nas relações entre cômodos, dimensões, materiais construtivos dentre outros. Para isso usamos uma ferramenta computacional. O agna (software livre) foi escolhido devido a sua praticidade e clareza com que ex- pressa graficamente dados. No nosso caso, dados referentes às infor- mações das casas. Ao analisarmos os croquis das plantas baixa das diversas casas, nota- mos algumas diferenças na conexão entre os cômodos. Para tornar- mos essa descoberta palpável e sujeita a avaliações atribuímos valores a essas conexões. Porta larga; vão; porta e janela interna = 2 Porta estreita = 1 Sem ligação = 0 Introduzindo tais dados no agna, obtivemos resultados importantes, como mostrados na figura x, na qual podemos identificar de acordo com a ênfase dada a seta, a “força” das relações internas da casa. Feito isso em todas as casas levantadas, notou-se a existência de um eixo comum a elas formado pelos cômodos, alpendre, estar, refeição e preparo. SÍNTESE DAS CASAS DE ICAPUÍ O que de mais forte ficou das casas que estudamos, das famílias que con- hecemos, foi a idéia de que ali as pessoas vivem bem. Alguns em melhores condições, outros nem tanto, mas “viver em Icapuí com uma certa dificuldade é, ainda assim, viver bem”. As pessoas não querem sair de lá. Isso representa para nós um grande de- safio: projetar casas para quem não quer sair das suas é um exercício real- mente instigante. E se fosse mesmo ser executado um plano habitacional para que regularização da situação daquelas pessoas? E se fossem mesmo ser demolidas as casas situadas no terreno delimitado? Será que D. Francisca amaria a casa nova assim como ama a sua, construída a muito custo pelo seu marido quando chegaram a Icapuí? Questões que nos instigam mais ainda a captar, entender, decifrar as necessidades daquelas pessoas. E de outras que ainda estão por vir... a Serra de Mutamba cresce de gente. Após algum tempo da visita in loco e das entrevistas e conversas, os dados são compilados, desdobrados, digeridos e, assim, transformados em informa- ção. A partir daí as principais percepções começam a se repetir nessas inter- pretações e a informação, enfim, parece ter sido assimilada. As pessoas com as quais conversamos são completamente diferentes. Reconhecer o “igual” nessa diferença é a grande descoberta, é o que nos es- timula o tempo inteiro durante a pesquisa. E o “igual” não se apresenta assim distintamente. Foi na semelhança, na potencialidade, e na possibilidade que o identificamos na maior parte das vezes.

Projeto enviado ao 2º concurso de idéias para habitação de interesse social

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A escolha de intervir no terreno localizado no município de Icapuí, a alguns quilômetros de Fortaleza, capital do Ceará, partiu de uma relação sócio-afetiva que nosso orientador estabelecia com o lugar, o que resultou na sua tese de doutorado sobre a elaboração da gramática de formação das casas em Icapuí. A intervenção pretendia envolver a equipe desde a própria produção do programa de necessidades, que contaria com o contato direto com os moradores da região e a posterior vivência do lugar, até a efetuação do projeto ao nível de estudo preliminar.

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Page 1: Projeto enviado ao 2º concurso de idéias para habitação de interesse social

“As casas de cima”Ao subir a serra, a casa mantém a essência do morar de baixo, porém, a tradição não se apresenta de forma literal.

“As casas de baixo” exemplo da gramática das casas à beira da praia em Icapuí.

Exemplos de diagramas gera-dos através do software Agna.

Vista panorâmica da Serra da Mutamba, Icapuí - CE

Fotografias dos proje-tos citados em

Iquique e Évora..

CASA DE MUTAMBAOs Tons do Morar

MUTAMBA E SUA SERRA, ICAPUÍ, CEARÁ

Distante 250km de Fortaleza rumo ao Rio Grande do

Norte está Icapuí. Cidade caracterizada por longas faixas de

praia de areias planas e mar calmo, que tem na pesca sua

principal atividade econômica. Há algum tempo a pesca arte-

sanal, principal atividade econômica da comunidade local,

vem passando por um processo de recessão, devido à

invasão das grandes empresas da indústria pesqueira. Isso

tem levado muitos dos seus moradores a estabelecerem-se

no centro administrativo da cidade, dedicando-se a outras

atividades econômicas. Devido a essa migração, a cidade,

portanto, vem experimentando um crescimento acelerado.

A nossa idéia consiste na elaboração de um projeto de

adensamento das casas para a região, possibilitando aos mo-

radores estabelecerem-se próximo ao centro infra-

estruturado, mas sem distanciar-se da forte “identidade do

morar” na região.

Essa busca da identidade, é na verdade o que norteia

todo o processo de projeto. O qual iniciou-se com a pesquisa

de campo, já baseada numa pesquisa anteriormente realizada

pelo nosso orientador em sua tese de doutorado sobre o

conjunto das casas tradicionais dos bairros de Mutamba e Ca-

juais, em Icapuí. Na nossa pesquisa, fizemos entrevistas com os

moradores das casas desse bairros, mas, principalmente, da

Serra de Mutamba, bairro novo que tem passado por um pro-

cesso de crescimento acelerado nos últimos anos e, por isso

o local escolhido para nossa intervenção. A nossa intenção ao

pesquisar as casas tradicionais de Icapuí, era justamente en-

tender a forma de morar daquelas pessoas, para assim resga-

tar no projeto a sua identidade com o lugar.

Como parte do exercício da pesquisa, escrevemos um

texto fenomenológico de cada casa estudada, para assim

registrarmos o que ficou da essência das casas que visitamos..

A seguir, o texto que sintetiza essas primeiras impressões:

Síntese das casas pesquisadas:

REFERÊCIAS

Em nosso processo projetual estudamos exemplos significati-vos de conjuntos residêciais afim de conhecermos novos métodos projetuais, técnicas, programas e etc. Dentre eles houveram dois que foram de grande importâncias para nosso caminhar, são eles o projeto do grupo Elemental em Iquique, no Chile e o projeto de Alvaro Siza na quintas da Malagueira na cidade de Évora, em Portugal.            O primeiro privilegia a interação entre arquitetos e população atendida e a participação da população em todas as etapas de projeto e execução. O complexo de habitações atende a cerca de cem pessoas em um terreno de 5.000m²  no centro da cidade de Iquique, Chile. Devido a pequena área do terreno, procurou-se o maior aproveitamento pos-sível do solo, optando assim por edifícios de dois pavimentos com possibilidade de crescimento. A possiblidade de cresci-mento aplica-se a 50% dos metros quadrados disponíveis, com isso cada residência pode alcançar até 70m². Esse índice de crescimento foi alcançado devido a grande porosidade do edifício, de forma que as ampiações necessárias são realiza-das dentro do projeto, evitando assim o crescimento desor-denado. As plantas iniciais contemplavam as partes mais caras e difícieis da edificação, como banheiro, cozinha e escada.O segundo projeto estudado foi realizado em um terreno de 27 hectares, na periferia da cidade de em Évora, Portugal. Grande parte da construção foi realizada e administrada pelos próprios moradores. O conjunto é composto por duas tipologias de casas-pátio, onde o pátio poderia ser frontal ou posterior e a edificação poderia ser térrea ou com primeiro andar, essa ampliação se dá pelo número de quartos. As diversas variações possíveis das residências permitem tanto a uniformização da produção do conjunto como a opção por parte dos moradores de adequam os espaços às suas ne-cessidades. Como elemento organizador do bairro foram utilizados aquedutos pelos quais são distribuídas as instala-ções hidráulicas e elétricas. Neste projeto é marcante a preo-cupação em manter um forte vínculo entre a modernidade e a tradição, através instrumentos conceituais e operativos da cultura moderna e pela adoção de soluções característi-cas do modo de vida que a linguagem arquitetônica do lugar.Nosso partido arquitetônico sofreu diversas influencias destes dois projetos aqui apresentados, como a preocupação com a linguagem arquitetônica tradicional do lugar, o usos de tipologias, o incentivo a ampliação ordenada do espaço, dentre outros diversos. Mais do que referências bibliográficas, estes dois projetos assumiram o papel de norteadores de nossas decisões projetuais.

Após a fase de reconhecimento, partimos para a etapa de compilação dos dados – fotos, croquis, impressões – recolhidas anteriormente e os comparamos a fim de reconhecer padrões no modo de vida existente em Mutamba. Com Base na teoria geral dos sistemas e na teoria das redes, nas quais o tempo e a permanência das coisas é algo intrínseco ao ser vivo tão importante quanto à própria existência, julgamos necessário para o desenvolvimento de um projeto que contemplasse as aspirações dos habitantes a identificação da hierarquia presente nas relações entre cômodos, dimensões, materiais construtivos dentre outros.

Para isso usamos uma ferramenta computacional. O agna (software livre) foi escolhido devido a sua praticidade e clareza com que ex-pressa graficamente dados. No nosso caso, dados referentes às infor-mações das casas.

Ao analisarmos os croquis das plantas baixa das diversas casas, nota-mos algumas diferenças na conexão entre os cômodos. Para tornar-mos essa descoberta palpável e sujeita a avaliações atribuímos valores a essas conexões.

Porta larga; vão; porta e janela interna = 2Porta estreita = 1Sem ligação = 0

Introduzindo tais dados no agna, obtivemos resultados importantes, como mostrados na figura x, na qual podemos identificar de acordo com a ênfase dada a seta, a “força” das relações internas da casa.

Feito isso em todas as casas levantadas, notou-se a existência de um eixo comum a elas formado pelos cômodos, alpendre, estar, refeição e preparo.

SÍNTESE DAS CASAS DE ICAPUÍ

O que de mais forte ficou das casas que estudamos, das famílias que con-

hecemos, foi a idéia de que ali as pessoas vivem bem. Alguns em melhores

condições, outros nem tanto, mas “viver em Icapuí com uma certa dificuldade

é, ainda assim, viver bem”.

As pessoas não querem sair de lá. Isso representa para nós um grande de-

safio: projetar casas para quem não quer sair das suas é um exercício real-

mente instigante. E se fosse mesmo ser executado um plano habitacional para

que regularização da situação daquelas pessoas? E se fossem mesmo ser

demolidas as casas situadas no terreno delimitado? Será que D. Francisca

amaria a casa nova assim como ama a sua, construída a muito custo pelo seu

marido quando chegaram a Icapuí? Questões que nos instigam mais ainda a

captar, entender, decifrar as necessidades daquelas pessoas. E de outras que

ainda estão por vir... a Serra de Mutamba cresce de gente.

Após algum tempo da visita in loco e das entrevistas e conversas, os dados

são compilados, desdobrados, digeridos e, assim, transformados em informa-

ção. A partir daí as principais percepções começam a se repetir nessas inter-

pretações e a informação, enfim, parece ter sido assimilada.

As pessoas com as quais conversamos são completamente diferentes.

Reconhecer o “igual” nessa diferença é a grande descoberta, é o que nos es-

timula o tempo inteiro durante a pesquisa. E o “igual” não se apresenta assim

distintamente. Foi na semelhança, na potencialidade, e na possibilidade que o

identificamos na maior parte das vezes.