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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LINDISLEY COTTEN DOS SANTOS QUEIRÓZ BENEFICIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA A PORTADORES DE DEFICIÊNCIA – CRITÉRIO DA MISERABILIDADE NA SUA CONCESSÃO

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Artigo sobre Assistência Social no Brasil. Análise a partir da Carta Magna , discutindo aspectos legais e sociais da concessão de beneficio de prestação continuada aos deficientes físicos sob o critério da miserabilidade .

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

LINDISLEY COTTEN DOS SANTOS QUEIRÓZ

BENEFICIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA A

PORTADORES DE DEFICIÊNCIA – CRITÉRIO DA

MISERABILIDADE NA SUA CONCESSÃO

Itajaí – SC

2008

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QUEIRÓZ, Lindisley Cotten dos Santos. Benefício da prestação continuada a portadores de deficiência – critério da miserabilidade na sua concessão. 2008. 35 páginas. Artigo Científico (Graduação em Serviço Social) – Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI – Itajaí, SC, 2008.

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo, verificar o panorama que norteia a assistência social, e não alcançar soluções,sendo assim, este artigo de estudo trata do benefício assistencial de prestação continuada a portadores de deficiência, previsto na Constituição como forma de assegurar-lhes as condições básicas de sobrevivência, e tem como análise a importância do papel da Assistência Social como fator de diminuição da pobreza e do aumento da qualidade de vida como expressão da cidadania, analisando suas ações no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e da sociedade, assim como expor sua transformação através de sua inclusão no texto constitucional. No entanto, a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) inova ao conferir à Assistência Social o status de política pública, direito do cidadão e dever do Estado.

Palavras-chaves: Assistência social; beneficio assistencial; prestação continuada; direito-fundamental, social; miserabilidade; LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social; Lei n. 8.742/93.

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1 INTRODUÇÃO

O benefício de amparo assistencial, comumente denominado

benefício de prestação continuada (BPC), foi introduzido no ordenamento jurídico

brasileiro pela Lei 8.742/1993, embora o texto constitucional já o tenha previsto em

1988. Tal benefício constitui uma das alternativas de se concretizar o bem de todos

(objetivo constitucional conforme o disposto no artigo 3°, IV, da Constituição da

República de 1988) à medida que auxilia idoso e portador de necessidade especial.

Os critérios, no entanto, para a sua obtenção, conforme definidos na

sua lei de regência, são bastante rigorosos. Este fato, por conseguinte, pode vir a

impossibilitar a verdadeira intenção do benefício da prestação continuada, qual seja

promover a dignidade das pessoas as quais se destina.

Neste viés, o presente estudo ater-se-á na análise de um benefício

da prestação continuada mais abrangente e com critérios menos restritivos. Abordar-

se-á, portanto, um benefício capaz de auxiliar mais as pessoas que dele necessitam

para sobreviver

Primeiramente, falar-se-á do histórico do benefício da prestação

continuada bem como de seus critérios para a concessão, de suas

incompatibilidades e dos princípios que o regem.

Em segundo momento, dissertar-se-á sobre a posição atual da

jurisprudência, que fixa critérios mais adequados a cada caso concreto (à real

necessidade) e critica o critério da renda per capita como razão de concessão do

benefício em comento.

1.1 UM BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

A prática da assistência ao outro está presente na história da

humanidade desde os tempos mais remotos.

Na Grécia e Roma antigas já havia registros de ações de assistência

social estatal, com a distribuição de trigo aos necessitados.

Sposati et al. (2007, p. 40 apud CARVALHO, 2008 p. 10 ) refere que

“com a civilização judaico-cristã, a ajuda toma a expressão de caridade e

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benemerência ao próximo, como força moral de conduta”. No intuito de conformar as

práticas de ajuda e apoio aos aflitos, grupos filantrópicos e religiosos começaram a

se organizar, dando origem às instituições de caridade “Na Idade Média, a forte

influência do Cristianismo, através da doutrina da fraternidade, incentivou a prática

assistencial com a difusão das confrarias que apoiavam ás viúvas, os órfãos, os

velhos e os doentes conforme Carvalho (2006, p.15 apud CARVALHO, 2008, p. 10)”.

Com a expansão do capital e a precarização do trabalho, a pobreza

se torna visível, incômoda e passa a ser reconhecida como um risco social. A

benemerência, como um ato de solidariedade, passa a se constituir em práticas de

dominação, que destituem o alvo das ações de caridade da condição de sujeito de

direitos.

Dentre tais práticas, citam-se as “Poor Laws” ou Leis dos Pobres,

políticas de natureza pública e caritativa, inauguradoras da primeira fase da

evolução da política social, disseminadas em grande parte dos países europeus

entre os séculos XVII e XIX. Conforme afirma Boschetti (2003) apud CARVALHO

(2008), estas legislações impunham um “código coercitivo do trabalho” e possuíam

caráter mais punitivo e repressivo do que protetor.

Segundo Castel (1998), apud CARVALHO, (2008), elementos

comuns nortearam tais legislações, dentre os quais, o estabelecimento do imperativo

do trabalho para todos os que não têm outros recursos para viver senão a força de

seus braços; a obrigação do pobre em aceitar o primeiro trabalho que lhe fosse

oferecido; o bloqueio da retribuição ao trabalho efetuado, que não poderia ser objeto

de negociações ou ajustes; a proibição da mendicância aos pobres válidos, vedando

a assistência aos indivíduos aptos para o trabalho, obrigando-os a se submeterem

aos trabalhos oferecidos.

Dentre as referidas leis, merece destaque a “Poor Law Amendment

Act”, implementada na Inglaterra em 1834. Esta lei marcou o predomínio, no

capitalismo, do primado liberal do trabalho como fonte única e exclusiva de renda e

relegou a já limitada assistência aos pobres ao domínio da filantropia (Boschetti,

2003, p. 56). Segundo Couto (2006, p. 63 apud CARVALHO, 2008, p.11), por essa

lei:

(...) os pobres abdicaram de seus direitos civis e políticos em troca de sua manutenção pela coletividade. Por meio de uma taxa, paga pelos cidadãos, e com a preocupação de que os pobres representavam um

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problema para a ordem pública e de higiene para a coletividade, o tratamento deveria ser feito pelas paróquias, que tinham a tarefa de controlá-los. Evitavam, assim, que as populações empobrecidas prejudicassem o funcionamento da sociedade e, ao atendê-las dessa forma, não criavam situações indesejáveis para a expansão do capitalismo e para o necessário sentimento de competição que deveria pautar a integração dos homens na vida social.

Nesse contexto, a assistência será incorporada pelo Estado sob

duas formas: “uma que se insinua como privilegiada para enfrentar politicamente a

questão social; outra, para dar conta de condições agudizadas de pauperização da

força de trabalho” (SPOSATI et al., 2007).

Contudo, essa apropriação da prática assistencial pelo Estado se

dará como expressão de benemerência, lançando-se para a seara das instituições

privadas de fins sociais, em especial os organismos atrelados às igrejas de

diferentes credos, as ações assistenciais. Ao Poder Público caberia somente

catalisar e direcionar os esforços de solidariedade social da sociedade civil.

No Brasil, até 1930 não se apreendia a pobreza enquanto expressão

da questão social, mas sim como uma disfunção pessoal dos indivíduos. Tal fato é

revelado pelo atendimento social dado aos indivíduos, os quais eram encaminhados

para o asilamento ou internação.

A pobreza era tratada como doença. Como afirma Sposati et al.

(2007, p. 42 apud CARVALHO, 2008, p. 12):

(...) os pobres eram considerados como grupos especiais, párias da sociedade, frágeis ou doentes. A assistência se mesclava com as necessidades de saúde, caracterizando o que se poderia chamar de binômio de ajuda médico-social. Isto irá se refletir na própria constituição dos organismos prestadores de serviços assistenciais, que manifestarão as duas faces: a assistência à saúde e a assistência social. O resgate da história dos órgãos estatais de promoção, bem-estar, assistência social, traz, via de regra, esta trajetória inicial unificada.

Ressalte-se, inclusive, que o primeiro hospital construído no Brasil e

na América Latina foi a Santa Casa da Misericórdia de Santos, em 1543. Como se

sabe, os hospitais das Santas Casas de Misericórdia foram referência no

acolhimento dos pobres.

As organizações de beneficência mantinham a compreensão da

assistência como um gesto de benevolência e caridade para com o próximo. A partir

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da crise mundial do capitalismo (1929)1, o Estado se reposicionará frente a

sociedade, inserindo-se na relação capital-trabalho, o que será fundamental para a

acumulação, consolidação e expansão do capital. No caso brasileiro em especial, o

Estado passará progressivamente a reconhecer a pobreza como questão social e,

portanto, questão política a ser resolvida sob sua direção (SPOSATI et al., 2007, p.

42), conforme se verá a seguir.

1.2 A ASSISTÊNCIA COMO BENEMERÊNCIA ESTATAL (1930-1988)

Os anos de 1930 e 1943 podem ser caracterizados como os anos de

introdução da política social no Brasil. Conforme afirma Behring & Boschetti, o

Movimento de 1930, que culminou com a ascensão de Getúlio Vargas ao governo,

embora não tenha sido a Revolução Burguesa no Brasil, foi sem dúvida “um

momento de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais

tipicamente capitalistas no Brasil” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 105 apud

CARVALHO, 2008 p.13).

Iniciou-se com Vargas um processo de regulamentação das relações

de trabalho no país, cujo objetivo principal era transformar a luta de classes em

colaboração de classes, apontando uma estratégia legalista na tentativa de interferir

autoritariamente, ainda que via legislação, a fim de se evitar conflitos sociais.2

Neste período, dentre as medidas relacionadas à questão

social3nota de rodapé, podemos destacar:

1) Trabalho - seguiu-se a referência de cobertura de riscos

ocorrida nos países desenvolvidos, numa seqüência que parte

da regulação dos acidentes de trabalho, passa pelas

aposentadorias e pensões e segue com auxílios doença,

maternidade, família e seguro-desemprego.

1 Conforme sinalizado por Behring e Boschetti, (2006), a crise de 1929/1932 marcou uma mudança substantiva no desenvolvimento das políticas sociais, uma vez que consolidou a convicção sobre a necessidade de regulação estatal para seu enfrentamento. Este momento é reconhecido como de ampliação de instituições e práticas estatais intervencionistas (p. 91). No Brasil, a principal repercussão da crise foi uma mudança da correlação de forças nas classes dominantes, além da precipitação do que se ocasionou chamar de “Revolução” de 30, acontecimento este que trouxe conseqüências significativas para os trabalhadores (p. 104).2 Segundo Carone, “toda a legislação trabalhista criada na época embasava-se na idéia do pensamento liberal brasileiro, onde a intervenção estatal buscava a harmonia entre empregadores e empregados. Era bem vinda, na concepção dos empresários, toda iniciativa do Estado que controlasse a classe operária. Da mesma forma, era bem vinda, por parte dos empregados, pois contribuía para melhorar suas condições de trabalho (CARONE apud COUTO, 2006, p. 95).

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Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho e em 1932 a Carteira de

Trabalho. Segundo Behring e Boschetti, esta passará a ser o documento da

cidadania no Brasil, uma vez que “eram portadores de alguns direitos aqueles que

dispunham do emprego registrado em carteira”, o que contraria a perspectiva de

universalização de inspiração beverigdiana (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 106).

2) Previdência – criou-se os IAP’s (Institutos de Aposentadorias e

Pensões), expandindo-se o sistema público de previdência,

iniciado com as CAP’s3 (Caixas de Aposentadoria e Pensões),

cobrindo riscos ligados à perda da capacidade laborativa

(velhice, morte invalidez e doença), nas categorias estratégicas

de trabalhadores, mas com planos pouco uniformizados e

orientados pela lógica contributiva do seguro (BEHRING;

BOSCHETTI, 2006, p. 106).

3) Educação e Saúde – em 1930 foi criado o Ministério da

Educação e Saúde Pública, bem como o Conselho Nacional de

Educação e o Conselho Consultivo do Ensino Comercial. Até

então, não existia uma política nacional de saúde. A intervenção

efetiva do Estado se fará por dois eixos: a saúde pública (restrita

a campanhas sanitárias) e a medicina previdenciária (ligada aos

IAP’s, para as categorias que tinham acesso a eles).

Paralelamente à ação estatal, desenvolve-se a saúde privada e

filantrópica, no que se refere ao atendimento médico hospitalar (BRAVO apud

BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 107).

Conforme afirma Sposati (2007, p.12) “no pensamento idealizado

liberal permanecia a idéia moral pela qual atribuir benefícios ao trabalhador formal

era um modo de disciplinar e incentivar a trabalhar o trabalhador informal, tido por

vadio”.

Além disso, é importante ressaltar que o acesso às políticas sociais

da época só era proporcionado aos trabalhadores urbanos, encontrando-se em

posição desprivilegiada os trabalhadores rurais.

3 A primeira CAP foi criada em 1923, por meio da Lei Eloy Chaves, e dirigia-se aos ferroviários. AsCAP’s asseguravam como benefícios o direito à aposentadoria (velhice ou invalidez), a obtenção de socorro médico (para si e para sua família), o recebimento de pensão ou pecúlio pelos familiares, e a compra de medicamentos a preços reduzidos, sendo mantidas pela contribuição compulsória dos empregados e empregadores, sem a participação do Estado (COUTO, 2006, p. 96).

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Em 1º de julho de 1938, por meio do Decreto-lei nº 5256, Getúlio

Vargas instituiu o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), vinculado ao

Ministério de Educação e Saúde, chefiado pelo então Ministro Gustavo Capanema.

Este conselho era composto por sete membros “notáveis”, tendo como funções

primordiais a elaboração de inquéritos sociais, a análise das adequações de

entidades sociais e de seus pedidos de subvenções e isenções, além de dizer das

demandas dos mais desfavorecidos.

Nesse contexto, os “usuários”4 da assistência social não possuíam

voz ou qualquer direito de participação na consecução de eventuais

projetos/programas de enfrentamento à pobreza. Segundo Sposati (2007, p. 17 apud

CARVALHO, 2008, p.18):

A moral republicana liberal – mesclada à ditadura varguista – entende que os notáveis é que dialogariam com entidades sociais sobre os mais pobres. Nem pensar em relações democráticas ou na presença da voz dos usuários para dizer de si. Eles precisavam ser vocalizados por outros. É a grande e persistente desconfiança com o que dizem os usuários da assistência social que precisa ser rompida.

Criada em 1942, sob a coordenação da primeira dama Darcy

Vargas, a LBA será a primeira grande instituição nacional de assistência social.

Instalada em nível federal e registrada no Ministério da Justiça e

Negócios Interiores como entidade civil de finalidades não econômicas, a LBA terá

como objetivos básicos:

1) Executar seu programa, pela fórmula do trabalho em colaboração com o poder público e a iniciativa privada;

2) Congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ação no empenho de se promover, por todas as formas, serviços de assistência social;

3) Prestar, dentro do esforço nacional pela vitória, decidido concurso ao governo;

4) Trabalhar em favor do progresso do serviço social no Brasil (IAMAMOTO; CARVALHO, 2007, p. 250).

Inicialmente voltada a congregar organizações assistenciais de boa

vontade e nucleada por todo o país para atendimento às famílias dos pracinhas a

4 Esta expressão é utilizada pela Lei no. 8.662, de 07 de junho de 1993 (Lei de Regulamentação daprofissão do assistente social) para denominar o alvo da assistência social (artigo 4º., XI).

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instituição passará, após 1946, a se dedicar à maternidade e à infância implantando

postos de serviços de acordo com interesses, apoios e conveniências, buscando a

legitimação do Estado junto aos pobres (FALEIROS, 2000, p. 85).

A LBA representou “a simbiose entre a iniciativa privada e a pública,

a presença da classe dominante enquanto poder civil e a relação benefício/ caridade

x beneficiário/ pedinte, conformando a relação entre Estado e classes subalternas”.

(SPOZATI et al, 2003, p. 46).

Uma breve análise das Constituições Republicanas – 1891, 1934,

1937, 1946 e 1967 – nos mostra o tratamento dispensado à assistência social, bem

como algumas de suas características principais. Nesse contexto, destacam-se os

seguintes dispositivos das normas constitucionais:

Constituição de 1891 – “Art. 71 - Os direitos de cidadão brasileiro

só se suspendem ou perdem nos casos aqui particularizados.

§ 1º - Suspendem-se:

a) por incapacidade física ou moral;”

Constituição de 1934 – “Art. 113 - A Constituição assegura a

brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos

concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade,

nos termos seguintes: (...) 34) A todos cabe o direito de prover à própria subsistência

e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na

forma da lei, os que estejam em indigência”;

“Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos

termos das leis respectivas:

a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços

especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação

procurarão coordenar”(...);

Constituição de 1937 - “Art. 127 – (...) Aos pais miseráveis assiste

o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação

da sua prole”;

“Art 136 - O trabalho é um dever social. O trabalho intelectual,

técnico e manual tem direito a proteção e solicitude especiais do Estado. A todos é

garantido o direito de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como meio

de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger,

assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa”.

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Constituição de 1946 – “Art 145 - A ordem econômica deve ser

organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a

liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Parágrafo único - A todos é assegurado trabalho que possibilite

existência digna. O trabalho é obrigação social”;

“Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social

obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da

condição dos trabalhadores:

XV - assistência aos desempregados.”

Constituição de 1964 – “Art 167 - A família é constituída pelo

casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos (...).

§ 4º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à

adolescência”.

Conforme se vê, até 1988 a assistência social não era prevista

constitucionalmente como um direito. As ações que lhe eram relacionadas

acabavam por serem realizadas de forma assistencialista e seletiva, direcionadas

aos indigentes, desvalidos, filhos de “pais miseráveis” – todos inaptos ao trabalho -

ou, simplesmente, visando a reinserção no mercado de trabalho formal (aos aptos

para o trabalho).

O “dever de trabalhar” permanecia sendo a base para o acesso a

maioria dos direitos sociais. À assistência restavam as ações residuais ligadas à

saúde ou previdência social; era, assim, tratada como uma espécie de “parente

pobre” no âmbito das políticas sociais.

Na década de 80, por meio dos debates que precederam a

instalação da Assembléia Nacional Constituinte, começou a se cristalizar a

imperatividade da inclusão da assistência social como política integrante da

seguridade social – uma espécie de sistema de proteção social em favor dos

desamparados – ao lado da previdência social e da saúde.

Múltiplas articulações e debates vão sendo realizados país afora. O

Serviço Social dá sua contribuição colocando sua força em campo para fortalecer o

nascimento dessa política no campo democrático dos direitos sociais (SPOSATI,

2007, p. 35 apud CARDOSO, 2008, p. 20).

Tendo por base Barroso Leite, o relator Senador Almir Gabriel afirma

que “o conceito de seguridade social envolve a idéia de cobertura da população

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inteira em relação aos direitos sociais, considerados dever do Estado,

independentemente da capacidade contributiva do indivíduo” (SPOSATI, 2007, p. 39

apud CARDOSO, 2008, p. 20).

ASSISTÊNCIA SOCIAL:

1) É imperativa a inclusão das políticas assistenciais na nova Carta Constitucional, já que mais da metade da população brasileira pode ser considerada candidata a programas assistenciais, como a única maneira de garantir os seus direitos sociais básicos. “Hoje é possível afirmar-se, sem receio de contestação, que o Brasil é realisticamente analisado, um país majoritariamente miserável, bem mais do que apenas pobre, ou mesmo indigente” (JAGUARIBE et al., 1986, p. 66);

2) Estaria, no momento, em situação de miséria cerca de 42% da população total do país. Se esse índice somar-se o que pode ser considerado como situação de pobreza tem-se mais 22%. Quase 65% da população brasileira pode, portanto, ser considerada pobre ou miserável (BRASILEIRO; MELLO, 1987).

Fonte: Comissão da Ordem Social da Assembléia Constituinte, 1988 (SPOSATI, 2007, p. 40).

O momento constituinte acelera articulações e, em outubro de 1988,

é promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, também

denominada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”, uma vez que

estrutura um regime democrático, consubstanciando objetivos de igualdade e justiça

social por via dos direitos sociais e da universalização das prestações sociais

(SILVA, 2000, p. 132). Pela primeira vez na história do país, à assistência será

reconhecido o status de direito social, o que causará grande impacto no campo das

políticas sociais, conforme se verá a seguir.

1.3 A ASSISTÊNCIA SOCIAL PÓS 1988

A Carta Magna de 1988 é considerada um divisor de águas no

campo dos direitos de cidadania. Conforme expresso em seu preâmbulo, a nova

ordem constitucional será destinada a assegurar o exercício dos direitos sociais

como um de seus valores supremos.

A cidadania passa a ser um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil (art. 1º, II, CRFB). Esta terá ainda como objetivo fundamental,

dentre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação

da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais.

Nesse contexto, o constituinte originário inovou ao destinar um

capítulo próprio aos direitos sociais e ao estabelecer um sistema de proteção social,

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por meio da seguridade social. Mais do que isso: atribuiu à assistência social, até

então, “parente pobre” das políticas sociais, sempre relegada à benemerência dos

seus agentes, o status de direito social:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (CRFB, 1988).

A assistência passa a integrar o tripé seguridade social, juntamente

com os direitos à saúde e à previdência social, deixando para trás seu caráter

subsidiário, de política complementar:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:I – universalidade da cobertura e do atendimento;II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;V – equidade na forma de participação no custeio;VI – diversidade da base de financiamento;VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados (CRFB, 1988).

Como se vê, a seguridade social assumiu, como sistema de

proteção social brasileiro, duas vertentes: uma contributiva (contrapartida dos

rendimentos do trabalho assalariado para sua garantia) e outra não contribuiu (para

todos os cidadãos que dela necessitem). A esta última vertente, víncula o direito

social à assistência:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:I – a proteção à família, á maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoaportadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,conforme dispuser a lei (CRFB, 1988).

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Uma vez filiada pela Carta Magna ao grupo dos direitos sociais, a

assistência social assume diversas características que nunca antes lhe foram

atribuídas. Para entendermos melhor a importância de tal realização, passaremos

agora ao breve estudo acerca do significado e das implicações jurídicas de sua

definição como direito social.

2 REFLEXÃO SOBRE O CONCEITO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

A assistência social é um dos direitos que compõe a seguridade

social do país. Conforme a Constituição Federal de 1988, a seguridade social

compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

sociedade, destinada a assegurar, além da assistência social, o direito à saúde e à

previdência. O Carta Magna previu a obrigatoriedade do Poder Público organizar a

seguridade social do país com base nos seguintes critérios:

Universalidade da cobertura do atendimento;

Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais;

Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços;

Irredutibilidade do valor dos benefícios;

Equidade na forma de participação do custeio;

Diversidade da base de financiamento;

Caráter democrático e descentralizado da administração,

mediante gestão quadripartite, com participação dos

trabalhadores, dos empregadores, dos aponsentados e do

governo nos órgãos colegiados.

Para Maia citado por França (2003, p. 317 apud ARNS, 2006, p. 64),

seguridade, ou seguridade social, significa o mesmo que segurança social, estando

a expressão consagrada em todas as legislações dos povos civilizados, tendo sido

incluída no texto da convenção firmada na I Conferência dos Estados da América,

reunida em Santiago, Chile, em 1936, que afirma que o seguro social obrigatório

constitui o meio mais racional e eficaz de assegurar aos trabalhadores a seguridade

social a que têm direito. Acolhida pelos países signatários

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Conforme visão de Branco in França (2003, p. 258-259 apud ARNS,

2005, p. 65) a segurança social é o modo indiscriminado de proteção estatal àqueles

que por qualquer insuficiência necessitam de amparo público, a fim de que não se

tornem nocivos à sociedade. Esta proteção varia de um país para outro, em

conformidade com os recursos econômicos de que disponha e os fatores políticos

sociais do momento.

O artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma

que todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, e à

realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a

organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Segundo Sposati (1995, p.2 apud ARNS, 2004, p. 65), nos países

capitalistas avançados, a seguridade social representou a conquista dos direitos

sociais e a possibilidade do exercício da cidadania para os diversos segmentos

sociais. A seguridade social, assim concretizada, deu nascimento na economia de

livre mercado ao chamado bem-estar social ou Estado Providência.

No Brasil, conforme definição da Constituição Federal de 1988, em

seu artigo 194, a seguridade social deve compreender um conjunto integrado de

ações de iniciativa tanto dos Poderes Públicos como da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A

própria Constituição estabeleceu distinções significativas destes direitos que podem

ser retiradas a partir da sua leitura.

Conforme estabelece o artigo 196 da Carta Magna, a saúde é direito

de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que

visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação,

podendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e também por

pessoa física ou jurídica de direito privado.

Já a previdência social, segundo a mesma Constituição, é

organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação

obrigatória, atendendo a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade

avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao

trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio

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reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do

segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Por fim, na assistência social, a Constituição Federal determina sua

prestação à quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade

social A assistência social, por definição constitucional, tem por objetivo a proteção à

família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças

e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a

habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de

sua integração à vida comunitária; a garantia de um salário mínimo de benefício

mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir

meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme

dispuser a lei.

Segundo Ferreira (1998, p. 232) a partir da Constituição Federal de

1988 a assistência passa a integrar formal e legalmente a política de seguridade

social, devendo, assim, constar do orçamento governamental, juntamente com a

saúde e a previdência. É o momento em que ganha perfil de política social pública,

direito do cidadão e dever do Estado, devendo seguir novas regras e parâmetros de

formulação e execução.

Sendo a seguridade social um modo de proteção estatal àqueles

que necessitam de amparo público, a Constituição Federal priorizou os direitos à

saúde, à previdência e à assistência como meios principais de se atingir este fim. No

Brasil, conforme análise da Constituição Federal, a aplicabilidade da seguridade

social deve respeitar, ao mesmo tempo a universalidade da cobertura do

atendimento e a seletividade e distributividade na prestação de benefícios e

serviços. A seletividade está vinculada ao ato ou efeito de selecionar ou escolher,

escolha criteriosa e fundamentada. Escolher um número ou um grupo, pela aptidão,

qualidade ou qualquer outra característica. A seletividade na previdência pode ser

vista pela necessidade de contribuição. Já a saúde obriga o acesso universal e

igualitário, enquanto a assistência social será prestada a quem dela necessitar.

Deve-se ter muita cautela ao avaliar o conceito de universalização e

seletividade. Para Boschetti (2003, p.36), o princípio da universalização, garantido

legalmente, indica que a assistência social deve ser entendida e implementada

tendo como horizonte a redução das desigualdades sociais. Isto não significa que os

direitos assistenciais devam ser garantidos a todos, pobres e ricos indistintamente,

Page 16: Projeto   Lin 2

mas que eles devem agir no sentido de buscar a inclusão de cidadãos no universo

de bens, serviços e direitos que são patrimônio de todos, viabilizando-se mediante a

vinculação orgânica da assistência social com as demais políticas econômicas e

sociais. A universalidade assume, assim, dois sentidos: o primeiro de garantir o

acesso aos direitos assistenciais a todos aqueles que estão dentro das categorias,

critérios e condições estabelecidos pela Lei, e o segundo de articular a assistência

às demais políticas sociais e econômicas, tendo como perspectiva a inclusão dos

cidadãos nos bens e serviços prestados pelas demais políticas sociais. Para a

autora, tal conceito difere da seletividade, cuja principal característica não é ter o

horizonte de superar-se, de buscar formas para ampliar o universo de atendimento.

Ao contrário, a seletividade rege-se pela intenção de eleger, selecionar, optar,

definir. Os objetivos da seletividade não são estabelecer estratégias para ampliar o

acesso aos direitos, mas definir regras e critérios para escolher, para averiguar

minuciosa e criteriosamente, quem vai ser selecionado, quem vai ser eleito para ser

incluído. A seletividade esgota-se em si mesma, em seus critérios de menor

elegibilidade, conforma-se com a redução e a residualidade nos atendimentos.

Já a focalização, para Boschetti (2003, p.38), contrariamente ao

pensamento corrente, não pode ser entendida apressadamente como sinônimo de

seletividade.

Em seu sentido vernacular, significa colocar em foco, fazer voltar a

atenção para algo que se quer destacar, salientar, evidenciar. Focalizar não significa

restringir o acesso aos direitos, mas no universo atendido, diferenciar aquelas que

necessitam de atenção especial para reduzir desigualdades. A focalização passa a

ser negativa quando, associada à seletividade, restringe e reduz as ações.

Segundo Boschetti (2003, p. 34-36 apud ARNS, 2004, p. 68), a

assistência apresenta uma particularidade. Diferentemente dos outros direitos,

indicados de forma genérica, ela recebe uma qualificação própria, de assistência aos

desamparados.

A assistência é, portanto, um direito legalmente garantido, mas ao

afirmar que será prestada a quem dela necessitar, assegura que é um direito de

todos os desamparados ou de todos que dela tiverem necessidade. Ao desdobrar

seus objetivos, o texto da Constituição Federal, para a autora, estabelece uma

distinção na aplicação do direito entre aqueles que são ou não capazes de trabalhar.

Page 17: Projeto   Lin 2

O amparo, a habilitação e a garantia de um salário mínimo destinam-

se especificamente àqueles cuja situação não os permite trabalhar: maternidade,

infância, adolescência, velhice, deficiência. Àqueles que não se inserem nestas

situações o objetivo é outro, não assistir, mas promover a integração ao mercado de

trabalho. Para as pessoas consideradas aptas ao trabalho, jovens, homens e

mulheres em idade e condições de trabalhar, a assistência social, segundo Boschetti

(2003, p. 236 apud ARNS, 2004, p. 69), implementada com recursos públicos

federais assumiu outro objetivo, o de buscar a promoção e integração em atividades

laborativas, seja pela inserção no mercado de trabalho formal ou informal. Os

projetos mantidos pela assistência social para esta população direcionam-se

exclusivamente para geração de ocupação e/ou qualificação profissional. Nesta

lógica, a inclusão em processos de socialização e manutenção de rendimentos,

deve se dar via inserção no mercado de trabalho ou em atividades produtivas.

Ainda no contexto da seguridade social, torna-se importante

destacar que para França (2003, p. 458-459) a assistência social e a seguridade

social possuem naturezas e técnicas completamente distintas. O seguro social

garante o direito a prestações reparadoras ao se verificar o evento previsto, antes

que os danos possam determinar o estado de indigência, de privação.

Para Ferreira (1998, p. 47 apud ARNS, 2004 p.71) se todos os

homens são iguais perante a lei, merecem as mesmas oportunidades de

desenvolver e prosperar. Todavia, fatores econômicos, calamidades públicas, prole

numerosa, infortúnios pessoais ou deficiências orgânicas e mentais o impedem de

viver condignamente, provendo o sustento com o fruto do próprio trabalho. Como se

trata de uma anormalidade, esses desajustes requerem conserto. O papel da

assistência é a adaptação ou o reajuste do homem.

A Lei Orgânica da Assistência Social, Lei 8742/93, que

regulamentou a Constituição Federal na área, já em seu artigo 1.º afirma que a

assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, sendo política de

seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada por meio

de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para

garantir o atendimento às necessidades básicas. Trata também da necessidade da

assistência social realizar-se de forma integrada às políticas setoriais, visando o

enfrentamento da pobreza, a garantia, novamente, dos mínimos sociais, o

provimento de condições para atender contingências sociais e a universalização dos

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direitos sociais. Não define, entretanto, o conceito de mínimos sociais ou

necessidades básicas, sendo este um fator de constantes discussões sobre o tema.

Para Pereira (1999, p.110) a satisfação de necessidades sociais no

campo da assistência social não se resume à distribuição de bens materiais voltada

para a dimensão biológica do cidadão. A assistência social também deve estar

associada à oferta de recursos não-materiais ou intangíveis, voltada para a

dimensão cognitiva e emocional do cidadão, oferta esta que muitas vezes incide no

campo dos direitos individuais, como o direito à autonomia, à informação, à

convivência familiar e comunitária, à segurança, ao desenvolvimento intelectual, às

oportunidades, participação e controle de decisões e ao usufruto do progresso. A

política de assistência social é a política da seguridade social que visa a melhoria

das condições de vida e de cidadania da população pobre brasileira, mediante três

procedimentos básicos: participação no estabelecimento e provimento de mínimos

socialmente satisfatórios como direito de todos; inclusão social de segmentos

situados abaixo da linha de pobreza; manutenção da inclusão e estímulo ao acesso

a patamares superiores de vida e de participação social, mediante o

desenvolvimento de ações junto a segmentos sociais vulneráveis à exclusão.

Para Sposati (1999, p. 87) propor mínimos sociais é estabelecer o

patamar de cobertura de riscos e de garantias que uma sociedade deseja a todos os

seus cidadãos. Ainda para Sposati (1999, p. 88-89), discutir mínimos sociais está

muito distante de convalidar uma proposta minimalista. Haverá os que darão um

foco reducionista aos mínimos sociais, como ocorre com o salário mínimo. Admitir e

propor mínimos não significa adotar um pacto de conformismo com um baixo padrão

de vida. Trata-se sim, de tomar por referência as piores situações detectadas, não

para padronizá-las, mas para detectar um limiar de viver, produzido por uma dada

sociedade, no sentido de superá-lo, sendo importante conhecer este limiar, o que é

bastante distinto de adotá-lo como padrão. Pode-se partir, para a autora, de cinco

patamares de padrão de vida para propor mínimos sociais: sobrevivência biológica,

ou o limite de subsistência no limiar da pobreza absoluta; condição de poder

trabalhar, ou para ser empregado e poder manter-se; qualidade de vida, ou o

conjunto de acesso a um padrão de vida através de serviços e garantias;

desenvolvimento humano, ou a possibilidade de desenvolver capacidades humanas,

o que coloca em evidência o padrão educacional adotado em uma sociedade e a

universalização do acesso a todos; necessidades humanas, atendendo não só às

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necessidades gerais como as necessidades especiais, garantindo tanto a igualdade

como a equidade.

Há em questão, para Sposati (1999, p. 94 apud ARNS, 2004, p.75),

duas concepções de assistência social. Uma que a concebe como a política para os

que não conseguem ser consumidores no mercado, os pobres. E outra que é

derivada do entendimento do constituinte que alçou a assistência social ao estatuto

de seguridade social, o que supõe definir riscos, as coberturas de proteção social de

que se ocupa, como ocorrem na previdência e na saúde. Entendendo-a como

política universal da seguridade social, segundo Sposati (1999, p. 95-96) cinco

seguranças básicas podem ser vistas como de responsabilidade da assistência

social: a segurança do convívio social, inclusive o familiar; segurança de acolhida,

inclusive aos abandonados, tanto pela via familiar como pela comunitária

institucionalizada; segurança de rendimento, como condição de satisfação de um

dado padrão de atenção às necessidades sociais, tendo como alternativa os

programas de renda mínima; a segurança da equidade como condição de

atendimento aos portadores de necessidades especiais; a segurança da travessia,

ou seja, de construção de possibilidades de tornar o cidadão alcançável pelas várias

políticas sociais e econômicas, o que implica um conjunto de políticas de apoio.

Silva e Stanischi (1999, p. 83) afirmam que definir os mínimos

sociais implica em escolher parâmetros não apenas à sobrevivência dos indivíduos,

mas ao conjunto de condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento.

Ao fazer uma análise crítica sobre o conceito de assistência social,

Pereira (1996, p. 11-12) afirma que o que tem tornado a assistência um fenômeno

conceitualmente problemático, face aos cânones técnico-científicos, é o adjetivo

social que complementa a imprecisão, o desprestígio e a largueza interpretativa do

adjetivo social têm transformado a assistência em alvo de preconceitos.

Pereira (1996, p. 16-17 apud ARNS, 2004, p. 74) continua sua

análise com a afirmação de que quase nunca a assistência social é considerada

pelo que é, mas pelo que aparenta ser ou pelo mau uso político que fazem dela,

onde estão ocultas relações de poder, de antagonismos e reciprocidades

socioeconômicas de difícil visualização e decodificação. Converteu-se, dessa forma,

numa palavra cristalizada e não num conceito. Diferentemente das demais políticas

públicas, para Barbosa (1993) citado por Pereira (1996, p. 16-17) a assistência

social passou a ser concebida e requerida como uma ação que se organiza e

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funciona não em torno de uma problemática, de uma proposta ou de um serviço,

mas de uma clientela. A assistência, para Pereira (1996, p. 16-17), não tem

propostas nem serviços especializados a oferecer, não são, na visão corrente, as

necessidades apresentadas por esta clientela que a determinam e a definem, são os

recursos disponíveis. Se não há recursos, e geralmente não há, na opinião dos

governantes a assistência social terá que se adequar a essa limitação e, por isso,

ser altamente seletiva e rigorosa nos seus critérios de elegibilidade, ratificando,

dessa forma, a função estigmatizadora que lhe é previamente conferida.

Apesar de todas estas limitações, a partir da Constituição Federal a

assistência social se tornou não só um direito social, mas também um direito

previsto na seguridade social do país. Seu conceito, todavia, passa por uma

dificuldade severa de tangibilização, de um lado pelo estigma sócio-cultural

enraizado na sociedade pela sua má utilização, onde se tem o assistencialismo e o

clientelismo e, de outro, pela amplitude constitucional, legal e doutrinária de sua

abrangência, o que dificulta a sua garantia, principalmente por se viver num país

marcado pelas desigualdades sociais, onde a demanda por políticas que garantam

uma vida digna é extremamente elevada.

A Constituição Federal de 1988 afirma que as ações governamentais

na área da assistência social serão realizadas e organizadas com base em duas

diretrizes:

Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação

e a normas gerais à esfera federal, e a coordenação e execução

dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem

como às entidades beneficentes e de assistência social.

Participação da população, por meio de organizações

representativas na formulação das políticas e no controle das

ações em todos os níveis.

Da leitura das diretrizes se depreende que a responsabilidade pela

implementação de políticas sociais que buscam a garantia da assistência social se

desloca da esfera federal para as esferas estaduais e municipais. Ou seja, a mesma

Constituição Federal que previu o Estado Social, previu, mediante a

descentralização, a necessidade da redefinição dos papéis do Governo Federal,

Estadual e Municipal na política de assistência social. Para Berro (2003, p. 68) a

descentralização envolve uma questão de redistribuição de poder e deslocamento

Page 21: Projeto   Lin 2

dos centros decisórios, diferente da desconcentração que é entendida como a

delegação de competências sem deslocamento do poder decisório.

A forma de organização e gestão para se atingir este fim foi

contemplada apenas seis anos depois da publicação da Constituição Federal de

1988, com a Lei 8742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A Lei Orgânica

repete os preceitos da Constituição Federal, trazendo como objetivos da assistência

social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o

amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado

de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e sua

integração à vida comunitária; bem como a garantia de 1 (um) salário mínimo de

benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não

possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. A

este último benefício, denomina de Benefício da Prestação Continuada (BPC).

3 ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE O BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO

CONTINUADA

A origem do beneficio da prestação continuada está intrinsecamente

relacionada com as intenções da Constituição da República. Sabe-se que esta está

calcada na dignidade da pessoa humana, sendo, inclusive, reputada de Constituição

Cidadã.

A criação deste benefício, pois, remonta ao artigo 203, V da

Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Tem-se, por conseguinte, desde 1988, a previsão de um meio apto a

amparar (ou melhor, tentar amparar) algumas pessoas geralmente mais

necessitadas, os idosos e os deficientes físicos.

O próprio artigo 203 supracitado previu expressamente a

necessidade de criação de um dispositivo legal para versar acerca de um benefício

às pessoas portadoras de necessidades especiais e aos idosos. Neste sentido, fez-

Page 22: Projeto   Lin 2

se necessária a edição da Lei Federal nº 8.742 de 03 de dezembro de 1993. Ela foi

regulamentada, sobretudo pelo Decreto 1.744/95 e alterada pelas Leis 9.720 e

10.689/2003.

O beneficio da prestação continuada, consiste, portanto, em um dos

meios de se concretizar alguns objetivos da República Federativa do Brasil, quais

sejam, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a

marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de

todos, (artigo 3° da Constituição da República do Brasil,(1988). É, pois, instrumento

da Assistência Social.

Faz-se necessário citar que o benefício da prestação continuada

possui uma terminologia mais adequada: benefício assistencial. Muitos autores o

chamam de ‘benefício do amparo social’.

Deve-se ressalvar que há autor que amplia a destinação do

benefício assistencial. Incluindo, nela o indígena não amparado por nenhum sistema

de previdência social; e o estrangeiro, naturalizado e domiciliado no Brasil, que não

receba pensão ou aposentadoria de seu país de origem e até mesmo o indigente.

Neste viés, houve, recentemente, uma tentativa de alargar a

abrangência do benefício assistencial. A Defensoria Pública da União apresentou ao

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome proposta para melhor

atuação em conjunto pela promoção do Benefício Assistencial de Prestação

Continuada, para que se pudesse incluir os indigentes no âmbito de destinação

deste benefício.

No que tange aos idosos, inicialmente, o artigo 20 da lei 8.742/93

dispunha que o benefício assistencial destinava-se a eles com mais de 70 anos

quando não possuíssem meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la

provida por sua família. Este limite de idade passou a ser 67 anos. Com o advento,

do Estatuto do Idoso (lei 10.741/03) tem-se que a idade passou a ser de 65 anos,

conforme artigo 34 da Lei Federal nº 10.74 de 2003.

No que concerne à pessoa portadora de deficiência tem-se, para

que faça jus ao benefício em comento, que seja incapacitada para o trabalho e sem

condições de se sustentar ou até mesmo de ser sustentada pela família (com

impossibilidade de vida independente).

Page 23: Projeto   Lin 2

É forçoso dizer que não há limite de idade para as pessoas

portadoras de necessidades especiais, existindo limite apenas para os idosos (mais

de 65 anos).

A deficiência é constatada mediante apresentação de Laudo de

Avaliação, devidamente elaborado por peritos do INSS, bem como por peritos do

SUS, ou até mesmo por peritos de algumas entidades com reconhecimento técnico

(como a APAE).

Assim sendo, o portador de deficiência que preencha essas

condições deverá dirigir-se pessoalmente ou através de seu representante ao posto

de benefícios do INSS mais próximo de sua residência e preencher o requerimento

relativo ao benefício da prestação continuada apresentando os documentos exigidos

pelo posto.

Ademais, para que os idosos e as pessoas portadoras de

necessidades especiais possam receber o benefício assistencial têm de, além dos

requisitos referidos acima, possuírem renda per capita de até ¼ do salário mínimo e

não podem estar recebendo nenhum benefício da Previdência Social.

No que se refere à renda per capita de ¼ do salário mínimo tem-se

para divisão da renda familiar que é considerado o número de pessoas que vivem

sob o mesmo teto, assim entendido: cônjuge, (a) companheiro(a), pais, filhos e

irmãos não emancipados, de qualquer condição, menores de (vinte e um) anos ou

inválidos.

Ressalta-se que o benefício pode ser pago a mais de um membro da

família, desde que comprovadas todas as condições exigidas e que, mesmo assim,

ainda se tenha a renda per capita de ¼ do salário mínimo.

Neste caso, o valor do amparo assistencial concedido a outros

membros do mesmo grupo familiar passa a fazer parte do cálculo para apuração da

renda mensal familiar. O beneficio assistencial é intransferível, não gerando direito a

pensão a herdeiros ou sucessores.

Estabelece-se também a Lei nº 8.742/93 que, uma vez cumpridos

os requisitos para a concessão do benefício da prestação continuada, o primeiro

pagamento deverá ocorrer no prazo de quarenta e cinco dias.

O benefício possui caráter provisório, sendo sua concessão revisada

a cada dois anos, devendo ser cancelado caso seu titular venha a superar a

situação de deficiência ou vulnerabilidade social em que se encontra.

Page 24: Projeto   Lin 2

Para finalizar, um dado que deve ser acrescido é que o benefício da

prestação continuada equivale a um salário mínimo. Enquanto persistirem os

requisitos que implicaram a sua concessão este valor será pago mensalmente.

Entretanto, a ausência de quaisquer de seus pressupostos ensejam a sua extinção.

Importante salientar que existem, anualmente, 12 prestações, pois o

benefício assistencial não permite o 13° salário.

A negativa ao benefício da prestação continuada, desde que

cumpridos todos os requisitos para a sua concessão, possibilita o acionamento ao

poder Judiciário, com a finalidade de concedê-lo. A ação é proposta perante a

Justiça Federal ou Estadual (caso não se tenha Justiça Federal na comarca).

4 O CRITÉRIO DA MISERABILIDADE

O benefício assistencial de prestação continuada, em relação aos

portadores de deficiência, deve ser tratado à luz dos preceitos assegurados pelo

Estado social Brasileiro que, de conformidade com sua base legal e princípios

norteadores, assegurou ao indivíduo, mediante a prestação de recursos materiais

essenciais, uma existência digna.

De acordo com as diretrizes do Estado Social, a assistência social

surgiu com o fim de diminuir as desigualdades sociais, prover os mínimos sociais ou

seja: atender as necessidades básicas dos cidadãos, servindo a quem dela

necessitar, conforme previsto na LOAS. Assim, a concessão do benefício

assistencial de prestação continuada tornou-se o instrumento pelo qual o legislador

constitucional possibilitou a inserção social e a garantia de uma existência digna às

pessoas deficientes de baixa renda. O mínimo existencial ou, conforme a Lei n.

8.742/93, o mínimo social, seria baseado no direito às condições mínimas para a

existência humana digna, fruto de uma ação prestacional positiva do Estado.

Tal lei determina, em seu art. 1º, que a assistência social deverá

prover os mínimos sociais, visando ao atendimento de necessidades básicas, pois

se trata de um direito do cidadão e um dever do Estado.

Dessa forma, o Estado tem o dever de promover os recursos

materiais essenciais, garantindo o mínimo social e as necessidades básicas para

uma vida digna. Entretanto, é mister não confundir essas duas garantias, que tentam

afastar o cidadão da condição de pobreza. A garantia do mínimo social estaria ligada

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às condições mínimas para que se possa conceber a idéia de existência humana

digna. Já as necessidades básicas seriam algo fundamental ao homem, na sua

qualidade de ser social (cidadão). Analisando a questão, o jurista Potyara A. P.

Pereira faz uma comparação e explica a diferença entre as duas garantias: “Mínimo

e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o primeiro tem

conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com

patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, o

segundo não. O básico expressa algo fundamental , principal, primordial , que serve

de base de sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta. Por

conseguinte, a nosso ver, o básico que na LOAS qualifica as necessidades a serem

satisfeitas (necessidades básicas) constitui o pré-requisito ou as condições prévias

suficientes para o exercício da cidadania em acepção mais larga. Assim, enquanto o

mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, tal como propõe a

ideologia liberal, o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o

terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados”.

Ao ponderar a diferença entre as garantias do mínimo social e as

necessidades básicas, verifica-se que estas não são imutáveis, ou seja, tendem a se

alterar em razão da ação coletiva dos cidadãos, do avanço da ciência, da

escolaridade, do grau e perfil da produção econômica, das forças políticas etc.

Canotilho pondera a respeito do mínimo social: “Os direitos sociais,

pelo contrário, pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do

Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do

possível (Vorbehalt des Möglichen), para traduzir a idéia de que os direitos sociais

só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social

sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica.

Para atenuar essa desoladora conclusão adianta-se, por vezes, que a única

vinculação razoável e possível do Estado em sede de direitos sociais se reconduz à

garantia do mínimo social. Segundo alguns autores, porém, esta garantia do mínimo

social resulta já do dever indeclinável dos poderes públicos de garantir a dignidade

da pessoa humana, e não de qualquer densificação jurídico-constitucional de direitos

sociais. (sic) Assim qualquer direito social concreto (direito ao trabalho, direito à

saúde, direito à habitação), mas apenas o cumprimento do dever de socialidade

imposto pelo respeito à dignidade da pessoa humana e pelo direito ao livre

desenvolvimento da personalidade”.

Page 26: Projeto   Lin 2

Entretanto, o critério de uma renda per capita inferior a 1/4 do salário

mínimo para traduzir o que seria miserabilidade foi contrariado pelo governo federal,

visto que, mediante a Lei n. 9.533, de 10 de dezembro de 1997, foi estabelecido o

programa federal de garantia de renda mínima, em que, para a identificação das

famílias pobres, utiliza-se critério diferente do adotado pela assistência social até

então. Por meio desse programa, municípios, com o apoio financeiro do governo

federal, garantiriam renda mínima às famílias carentes, entendidas como aquelas

cuja renda per capita seja inferior a meio salário mínimo. Com a edição do referido

programa, dentre outros, o governo se posicionou a respeito de quais famílias

necessitam de amparo da assistência social, adotando uma postura mais coerente

com os princípios do Estado democrático social de Direito.

Nesses termos, não é o Texto Constitucional brasileiro que fixa

critérios de miserabilidade, e sim uma lei infraconstitucional, pois, se assim o fizesse

a Constituição, estaria negando seu núcleo essencial. Entretanto, o legislador

infraconstitucional, ao editar a Lei n. 8.742/93, restringiu em demasia a concessão

do benefício, ao prever limite tão expressivo. Tratando-se de um critério objetivo,

regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social, o Instituto Nacional do Seguro

Social, sendo o órgão administrativo competente para analisar os requerimentos do

amparo assistencial, utiliza-se de tal parâmetro para conceder, ou não, o benefício

assistencial de prestação continuada às pessoas portadoras de deficiência física ou

mental.

4.1 O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA VIA ADMINISTRATIVA

Conforme responsabilidade conferida ao Instituto Nacional do

Seguro Social, é de sua competência verificar o preenchimento das condições

necessárias para a concessão, ou não, do benefício assistencial de prestação

continuada, conforme regula o Decreto n. 1.744/9516.

O indeferimento na via administrativa muitas vezes dá-se em razão

de o portador de deficiência possuir uma renda familiar per capita que ultrapassa o

limite fixado na LOAS, ou melhor, por não ser considerado miserável, para fins

assistenciais. A autarquia, ao negar a concessão do benefício, fundamenta sua

decisão no critério objetivo estabelecido pelo § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/93,

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justificando que a renda da família ultrapassa o permitido legalmente. As

informações prestadas junto ao INSS devem refletir as condições miseráveis em que

o deficiente e sua família sobrevivem.

Quando negado o benefício, o requerente pode entrar com um

recurso administrativo, junto ao INSS, pedindo a revisão da decisão. Desta cabe

recurso ao Conselho de Recursos da Previdência Social, órgão de controle

jurisdicional responsável pelo processamento e julgamento de recursos, conforme o

Decreto n. 3.048, de 6/5/1999.

O recurso interposto contra a decisão que negou a concessão do

benefício obedece aos princípios normativos que regulam todo e qualquer processo

administrativo, como o de isonomia, legalidade, devido processo legal, contraditório

e ampla defesa, fundamentação e publicidade da decisão exarada. Processado e

julgado o recurso, pode a parte, não satisfeita sua pretensão, buscar a via judicial.

Entretanto, não há a exigência de esgotamento da via administrativa para que o

postulante busque o Poder Judiciário, visto que o art 5º, XXXV, da Constituição

assegura que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça

a direito, e, conforme a Súmula n. 213 do Tribunal Federal de Recursos, já extinto, o

exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de

natureza previdenciária, pois no Direito brasileiro não há coisa julgada na esfera

administrativa.

Pautando-se pelo critério da renda familiar per capita inferior a 1/4

do salário mínimo, o INSS indefere a concessão do benefício, fazendo com que as

pessoas que se julgam lesadas busquem a intervenção do Judiciário para fazer valer

a garantia constitucional. E, em virtude de o critério regulado pela LOAS limitar em

demasia o acesso ao benefício, deu-se ensejo à propositura de muitas ações

judiciais para discutir o indeferimento administrativo do benefício assistencial. Assim,

em razão de o limite estabelecido pela Lei n. 8.742/93 ser fielmente observado pelo

INSS, muitas pessoas vêem o Poder Judiciário como o meio de garantir o

cumprimento da norma constitucional, que garante o benefício assistencial aos

portadores de deficiência sem condições econômicas de viver com dignidade. O

processo judicial torna-se, dessa forma, a via mais eficaz para garantir condições

mínimas de sobrevivência, conforme regulado pela Constituição cidadã.

4.2 O PODER JUDICIÁRIO NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO

Page 28: Projeto   Lin 2

No intuito de buscar a concretização da norma constitucional que

garante uma vida digna a todos os cidadãos, portadores de deficiência procuram a

via judicial para garantir a ordem de concessão do benefício assistencial de

prestação continuada indeferido administrativamente pelo Instituto Nacional do

Seguro Social. Entretanto, primeiramente, o Poder Judiciário teve de se manifestar

quanto à deficiência do potencial beneficiário, pois, mesmo com a promulgação da

Constituição de 1988, e com a posterior edição da Lei Orgânica da Assistência

Social, em 7 de dezembro de 1993, ainda faltava definir o que seria portador de

deficiência que assegurasse o direito ao benefício. Já existia a previsão

constitucional que garantia o amparo, entretanto, faltavam os critérios para regulá-lo.

A concessão do benefício somente se tornou viável após o advento

Decreto n. 1.744, de 8 de dezembro de 1995, o que ocorreu apenas em janeiro de

1996. Assim, a renda mensal vitalícia prevista no art 139 da Lei n. 8.213/91,

posteriormente revogado pelo art 15 da Lei n. 9.528, de 10/12/97, continuou sendo

devida àqueles que atendiam aos requisitos de tal Lei, até dezembro de 1995.

Resolvido o problema quanto às deficiências que seriam amparadas

pelo benefício, com a regulamentação dada pelo Decreto, o conflito instalou-se com

a fixação do critério da miserabilidade, pois a camada da população que vive em

condições de miséria, mas que iguala ou ultrapassa um pouco o limite previsto pela

LOAS, vê obstaculizado seu direito à garantia de uma vida digna, como prevê a

Constituição. Em virtude do indeferimento do benefício na via administrativa, as

pessoas buscam apoio no Poder Judiciário para que sejam analisadas outras

condições da família, e não somente a renda per capita, visto que outras situações

demonstram as reais necessidades econômicas. Coadunando com tal reclamação, a

jurisprudência dos tribunais tem sido unânime no sentido de reconhecer a validade

de outros recursos para aferir a miserabilidade, pois a impossibilidade da própria

manutenção, por parte dos portadores de deficiência e dos idosos, que autoriza e

determina o benefício assistencial de prestação continuada, não se restringe à

hipótese da renda familiar per capita mensal inferior a 1/4 do salário mínimo,

podendo caracterizar-se por outras circunstâncias concretas. Em conformidade com

jurisprudência do STJ, decisão da Turma de Uniformização do Juizado Especial

Federal do TRF da 4ª Região fundamentou-se em outros critérios para aferir a

miserabilidade do possível beneficiário, como a realização de perícia

socioeconômica. Em face de várias decisões já firmadas nesse sentido, a questão

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foi sumulada pela Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais dos

Juizados Especiais Federais da 4ª Região: Súmula n. 11: A renda mensal, per

capita, familiar, superior a 1/4 do salário mínimo não impede a concessão do

benefício assistencial previsto no art. 20, § 3,º da Lei n. 8.742 de 1993, desde que

comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante18. O Conselho

Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), criado em

1999 para acompanhar e avaliar o desenvolvimento da Política Nacional para

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, luta para que seja verificada a

situação de carência do portador de deficiência e pede nova redação ao § 3º do art.

20 da Lei n. 8742/ 93, mediante a apreciação de projetos de lei19 sobre o benefício,

já em tramitação no Congresso Nacional. Assim, aos tribunais tem sido atribuída a

tarefa de garantir, quando viável, a concessão do benefício assistencial às pessoas

de baixa renda portadoras de deficiência. A matéria posta à apreciação do

Judiciário, referente ao óbice para a concessão do benefício na esfera

administrativa, prende-se à discussão a respeito da inconstitucionalidade, ou não, do

critério da miserabilidade, regulado na LOAS.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição, como norma reguladora de todo ordenamento

jurídico, ao consagrar em seu texto os direitos fundamentais, e, principalmente, os

sociais, buscou proteger a pessoa portadora de deficiência de baixa renda,

garantindo-lhe o recebimento de um salário mínimo, no intuito de lhe assegurar, de

forma concreta, o direito à igualdade e à dignidade, princípios norteadores do Estado

de Direito. Entretanto, a LOAS reduziu expressivamente as camadas sociais que

seriam beneficiadas pelo amparo constitucional, ao prever o limite da renda per

capita familiar inferior a 1/4 do salário mínimo.

Ao operador do Direito não é possível ignorar que a dignidade

humana, como o mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar ao

indivíduo, compreende não só a potencialidade de autodeterminação consciente e

responsável da própria vida, mas, sobretudo, a garantia de condições sociais e

econômicas que permitam o pleno desenvolvimento de sua personalidade.

Em virtude de inúmeras demandas levadas a juízo, o julgamento de

uma ação direta de inconstitucionalidade viria finalizar os debates. Contudo, a

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decisão, ao ser julgada improcedente, confirmando a constitucionalidade do critério

da miserabilidade tal como expresso na LOAS, deu margem a grandes discussões.

O controle de constitucionalidade abstrato, exercido nesse caso pelo

Supremo Tribunal Federal, deu-se antes da vigência da lei que passou a regular o

efeito vinculante das decisões proferidas em ADIns, razão por que os demais

tribunais não eram obrigados a decidir da mesma forma que o STF. A força

vinculativa de uma norma deixa de existir a partir do momento em que, por mudança

do Estado de Direito ou de fato, a norma declarada compatível com a Constituição

passar a ser com ela incompatível. Uma norma não pode apresentar-se contrária à

Lei Maior do Estado, sob pena de inconstitucionalidade. Assim, toda e qualquer

norma do ordenamento jurídico deve estar conforme o texto constitucional e de

acordo com ele deve ser interpretada. Nesse sentido, mesmo havendo uma norma

infraconstitucional e uma decisão proferida pelo STF ordenando a aplicação do

critério da renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, os tribunais

decidem pela interpretação da lei conforme o estabelecido na Constituição.

A necessidade de amparo aos deficientes, segundo a garantia do

Estado (social) de Direito, reflete a essência da norma constitucional, que busca

uma vida digna e sadia a seus cidadãos. Nesse diapasão, não é permitido a

qualquer norma negar seu texto e, muito menos, aos aplicadores do Direito

impedirem sua concretização. Assim, toda e qualquer norma infraconstitucional,

independentemente da situação social, deve ser interpretada conforme a

Constituição. Se assim não for, a lei estará fadada à inconstitucionalidade, devendo,

portanto, ser afastada do ordenamento jurídico, sob pena de falência do Estado

democrático e, principalmente, social de Direito.

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