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Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN
Projeto Patrimônio Cultural Imaterial de Mato Grosso do Sul: levantamento documental
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Educação de Mato Grosso do Sul – FADEMS
2006
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Coordenação:
Dr. Álvaro Banducci Júnior
Consultoria:
Ms. Arnaldo Romero
Dra. Lúcia Salsa Corrêa
Dra. Maria Adélia Menegazzo
Ms. Mirela Arcângelo da Motta Macedo
Ms. Saulo Monteiro de Souza
Pesquisadores:
Carolina Araújo Martins
Eduardo Bernardo Aguiar
Isabella Banducci Amizo
Maísa Areco de Oliveria
Marcel Ebner de Olveira
Paulo Cezar Souza Aragão
Suellen Alleine Rabelo
Valdir Aragão do Nascimento
Vânia Jucá
Vitor Hugo Prado Cavazzani
Assistente de pesquisa:
Ana Tereza Azevedo de Andrade Medeiros
Laís Domingues Fujyama
Natália Carvalho Baldo
Ricardo Grasse Martins
Thiago José da Cruz
Foto da capa: Cururueiros fazendo o giro em torno do mastro da festa de São João de Corumbá. Autor:
Álvaro Banducci Júnior
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PATRIMÔNIO IMATERIAL
Movidos pelas realidades circunstanciais que a nossa geografia mediterrânea nos impõe, somos há muito uma condensada porção sul-americana, ameríndia, ibérica, morena e cheia de contrastes de opulência e miséria, alegria e amargura. Talvez venha daí o nosso desprendimento sem faltar a dose de nostalgia. Temos o espaço de amplos horizontes do Planalto, talvez por isso sejamos tão sonhadores. Temos a vasta depressão da planície pantaneira, talvez por isso sejamos tão ensimesmados. Ao mesmo tempo, temos as alturas da grande Cordilheira a nos ventilar ares libertadores, talvez por isso sejamos tão idealistas, pois, prisioneiros, o sonho da liberdade é a mais cara das nossas esperanças. Estamos no centro, quem sabe venha daí a consciência da síntese e nela a receptividade congraçadora. Somos o coração da América, talvez por isso sejamos tão apaixonados.
Aline Figueiredoi
A epígrafe de Aline Figueiredo nos dá a medida da compreensão e da origem da cultura
imaterial de Mato Grosso do Sul. A partir de referenciais tangíveis, a autora constrói as
marcas paradoxais que, do imaginário, delineiam parte da nossa identidade. Essas marcas
fazem parte do nosso patrimônio imaterial.
Os dados obtidos pelo Inventário Nacional de Referências Culturais no Estado
possibilitarão complementar lacunas que, até então, impediam uma visão em profundidade
da cultura sul-mato-grossense, dada sua abrangência. Na definição de patrimônio cultural,
apresentada na Constituição de 1988, ao lado do patrimônio material, que abarca obras
arquitetônicas, urbanísticas e artísticas de inegável valor histórico e estético, temos o
conceito de patrimônio imaterial, de base antropológica, que compreende visões de mundo,
memórias, relações sociais e simbólicas, saberes e praticas; experiências diferenciadas nos
grupos humanos – fundamentos das identidades sociais.
Assim, toda e qualquer tentativa de leitura dos referenciais inventariados de uma cultura
deve, necessariamente, levar em consideração, segundo Chartier, o fato de que não há
relacionamentos simples entre “objetos ou formas culturais particulares e grupos sociais
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específicos”ii. Há que se considerar e reconhecer que na conformação de uma história
cultural “Todos os materiais portadores das práticas e dos pensamentos da maioria são
sempre mistos, combinando formas e motivos, invenção e tradições, cultura letrada e base
folclórica”iii .
Diferentes momentos da formação e da definição histórica e geopolítica do Estado de Mato
Grosso do Sul construíram o mapa dessa cultura imaterial, trazendo indiscutivelmente as
marcas do incessante processo de transculturação por que passa o território sul-americano
mais próximo, considerando-se nossas fronteiras secas com a Bolívia e o Paraguai.
O território do atual Mato Grosso do Sul foi palco da conquista colonial européia desde o
século XVI, percorrido por espanhóis aventureiros e ocupado por missões jesuíticas que, no
entanto, deixaram raros vestígios de sua presença. Estes assentamentos pioneiros (Santiago
de Xerez e Missões Itatins), sofreram a forte pressão de sociedades indígenas e dos
bandeirantes paulistas até por volta de meados do século XVIII, desaparecendo quase que
totalmente.
De acordo com Martinsiv (2002), durante os cinco séculos da presença européia em Mato
Grosso do Sul, houve acirrada resistência indígena à ocupação colonial do seu território,
revelando-se uma das mais obstinadas no país. Embora os resultados dessa resistência
possam ser considerados ineficientes, se considerarmos o desaparecimento de diversas
sociedades autóctones, portadoras de modelos comportamentais específicos, deixando
poucos vestígios arqueológicos representativos de seu modo de ser, por outro lado, hoje,
mais de cinqüenta mil índios vivem em Mato Grosso do Sul, constituindo-se na segunda
maior população indígena do Brasil, após a amazônica (MARTINS, 2002, p.12).
Indubitavelmente, a presença dos povos indígenas – Guarani, Kaiowá, Terena, Kadiwéu,
Kinikinau, Guató e Atykum – se faz sentir na cultura local, resultado das trocas próprias do
contato, da proximidade, podendo ser reconhecida nas celebrações, nas formas de
expressão e nos ofícios, entre outras práticas, como se pode constatar no levantamento
realizado.
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Cerâmica terena e kadiwéu
Autora: Luciana Scanoni
No século XIX, o fato mais expressivo para o desenvolvimento histórico e cultural da
região foi a guerra com o Paraguai, trazendo em seus batalhões de soldados, brasileiros de
diversas regiões, que optaram por aqui permanecer após o fim da guerra. Este foi um dos
dados do processo migratório que veio a constituir a população do estado. Por outro lado, já
nas primeiras décadas desse século, o Pantanal e parte da área de Cerrado do então sul da
Província de Mato Grosso foram sendo ocupados por famílias e pioneiros procedentes de
Cuiabá, dos sertões das Minas Gerais (região do Triângulo mineiro) e do oeste e norte
paulista, conhecido como a “boca do sertão”, em especial a região de Franca.
Outro dado relevante para a cultura regional foi a construção da Estrada de Ferro Noroeste
do Brasil, concluída em 1914, que atraiu uma grande multidão de trabalhadores de todas as
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regiões brasileiras, sobretudo do Nordeste, e abriu caminho para as relações com a Bolívia,
o Peru e o Paraguai.
Com a estrada chegaram também os imigrantes japoneses, que participaram da sua
construção; os árabes, que viram a ferrovia como o meio adequado de promover o
deslocamento da rota de abastecimento do Centro-Oeste, reorientando-a a partir de Campo
Grande e os paraguaios, cuja presença sempre se fez sentir nas atividades ligadas à pecuária
e, dada a proximidade geográfica, em vários setores da vida social e cultural do estado.
Estes três segmentos constituem os maiores grupos de imigrantes estrangeiros,
desempenhando um papel de fundamental importância na cultura local, marcando presença
nas práticas sociais, nas celebrações, nos ofícios,e nas diversas formas de expressão.
Esses poucos aspectos são suficientes para se fazer uma primeira leitura das referências
culturais inventariadas no Estado de Mato Grosso do Sul, evidenciando a pluralidade de
suas fontes.
1. Orientações preliminares
O projeto Levantamento do Patrimônio Imaterial do Mato Grosso do Sul é um trabalho de
pesquisa, de base documental, que visa a identificação e a catalogação de bens do
patrimônio cultural imaterial do estado. O trabalho foi concebido com o objetivo de
proceder ao levantamento e mapeamento dos bens e práticas culturais do Mato Grosso do
Sul, registrados em documentos acadêmicos, históricos, técnicos e literários, que
constituam referências de valor e sentido simbólico significativos para os sujeitos e as
dinâmicas sociais nas quais estão inseridos.
Esse levantamento documental, em Mato Grosso do Sul, é o desdobramento de um
empreendimento de âmbito nacional, o Inventário Nacional de Referências Culturais, de
responsabilidade do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além
do IPHAN como agência financiadora, conta com o envolvimento da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, através da FADEMS.
Os objetivos principais do levantamento são:
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1) identificar e documentar bens culturais, de qualquer natureza, para atender à demanda pelo conhecimento de bens representativos da diversidade e pluralidade culturais dos grupos formadores da sociedade; 2) apreender os sentidos e significados atribuídos ao patrimônio cultural pelos moradores de sítios tombados, tratando-os como intérpretes legítimos da cultura local e como parceiros preferenciais de sua preservação” (Inventário Nacional de Referências Culturais, 2000: 08).
A orientação teórico-metodológica da pesquisa foi de base antropológica, buscando, diante
da diversidade de contextos e do patrimônio a eles associados, identificar e reconhecer os
bens culturais não apenas através de suas manifestações materiais, mas também em sua
dimensão simbólica. Abordou-se, assim, a cultura a partir de uma perspectiva mais ampla,
atentando-se para as representações, os sentidos e os valores impressos e vivenciados pelos
grupos aos bens relacionados.
2. Metodologia e procedimentos técnicos
Tendo em vista que esse trabalho se constitui em um levantamento preliminar, ainda que de
caráter exaustivo, dos bens culturais de Mato Grosso do Sul, visando a sistematização das
fontes e documentos disponíveis sobre a formação cultural do estado, optou-se por uma
metodologia de investigação de varredura. Assim, tomando-a como base, todo e qualquer
documento – livro técnico, literário, trabalho acadêmico, registro iconográfico, entre outros
– existente nos acervos e relacionado à temática da cultura imaterial do Mato Grosso do
Sul, seria objeto de atenção e análise. Com isso, garantiu-se um panorama diversificado dos
bens culturais do estado, abrangendo crenças, costumes, saberes e fazeres das sociedades
locais.
Em uma pesquisa de levantamento e identificação de bens do patrimônio imaterial, as
referências registradas podem não apresentar imediatamente os significados impressos
pelos grupos e contextos culturais dos quais fazem parte. Com a definição desse panorama
geral, entretanto, torna-se possível perceber as referências que merecem atenção e que,
lidas em suas associações e inter-relações, conforme indicado no banco de dados,
demonstram a dimensão mais ampla dos sentidos a elas agregados.
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2.1. Formação da equipe e seleção dos acervos
O trabalho de campo teve a duração de 6 meses e envolveu uma equipe de 21 pessoas,
sendo 1 coordenador; 5 consultores, profissionais qualificados de diferentes áreas do
conhecimento, sendo um voluntário; 10 técnicos, com distintas formações relacionadas ao
conteúdo do projeto, tais como historiadores, antropólogos, fotógrafos, entre outros, sendo
dois voluntários; e 5 bolsistas, acadêmicos dos cursos de Arquitetura, Ciências Sociais e
Letras e Música da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
O caráter multidisciplinar da equipe estimulou diferentes olhares e abordagens acerca do
objeto da pesquisa, possibilitando assim uma gama maior de bens patrimoniais
referenciados, pois, aspectos porventura desconsiderados num levantamento puderam ser
ressaltados em outros com enfoque distinto. Isso não significou que o mesmo material
tenha sido manipulado mais de uma vez, a partir de diferentes perspectivas, o que seria
ideal para um levantamento dessa natureza, pois não havia tempo hábil para tal
procedimento. No entanto, diferentes documentos puderam ter leituras distintas,
assegurando a diversidade das informações colhidas.
2.2. Critérios e técnicas de levantamento
Tendo em vista que estudos sistemáticos, de caráter acadêmico, do patrimônio cultural do
Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, somente começaram a ser produzidos a partir do
final da década de 1960, quando são criadas Universidades Estaduais em Cuiabá e Campo
Grande, a fragmentação das informações, a sua dispersão por obras diversas, fez com que a
pesquisa se concentrasse nesse período mais recente e, por outro lado, que não se
impusesse limitação rigorosa em termos cronológicos e espaciais em relação aos
levantamentos. Para se obter um quadro representativo dos bens culturais do Mato Grosso
do Sul foi necessário recorrer às mais diversas obras, tais como livros, periódicos,
monografias e teses acadêmicas, fotos, vídeos e outros documentos, localizadas em
diferentes acervos do estado, que abrangessem períodos os mais distintos da história e da
cultura do Mato Grosso do Sul, mesmo que para obter informações fragmentadas ou apenas
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indicações da presença de determinada manifestação cultural em determinado local,
comunidade ou período histórico.
2.2.1. Recorte espacial e seleção de acervos
Para realizar o trabalho, os técnicos e bolsistas contratados visitaram locais em que
houvesse produção intelectual sistematizada sobre bens culturais do Mato Grosso do Sul.
Bibliotecas [públicas e particulares], tais como a Biblioteca Pública Estadual do MS e a
Biblioteca da UFMS; os museus, como o Museu da Imagem e do Som – MIS/MS e o
Museu do Forte Coimbra; os arquivos de instituições públicas ou particulares, tais como:
Acervo Valmir Batista Corrêa e Academia Sul-mato-grossense de Letras, entre outros.
As instituições para a pesquisa foram selecionadas com base em sua localização no estado,
em seu alcance regional e na dimensão e importância de seu acervo. A fim de definir as
regiões a serem abrangidas pela pesquisa e os acervos respectivos, de tal forma que
pudessem representar a diversidade cultural de Mato Grosso do Sul, dividiu-se
primeiramente o estado em 5 regiões que apresentavam características próprias de
ocupação, economia e cultura. Em cada região selecionou-se os municípios a serem
visitados, a partir de critérios de relevância regional e de disponibilidade de acervos
significativos. Assim, definiu-se como áreas de ação da pesquisa as seguintes regiões (V
mapa p. 8), com os respectivos municípios: Bolsão (Três Lagoas e Paranaíba), Campo
Grande (Campo Grande), Fronteira (Ponta Porã), Grande Dourados (Dourados) e Pantanal
(Aquidauana e Corumbá).
No decorrer do trabalho evidenciou-se a necessidade de concentrar esforços em alguns
arquivos específicos, que se destacaram pelo volume e representatividade do material,
como foi o caso do acervo particular Valmir Batista Corrêa, localizado na cidade de Campo
Grande, que dispõe de 3.567 títulos, entre livros, anais, boletins, cadernos e revistas,
relatórios, mapas, fotos, projetos e outros, correspondendo à mais completa coleção do
estado especializada em temas mato-grossenses e sul-mato-grossenses. Com isso, e diante
da necessidade de otimizar os levantamentos, alguns acervos previamente selecionados
deixaram de ser visitados, como foi o caso das Bibliotecas Municipais de Ponta Porã, e de
Paranaíba.
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Ademais da decisão de ordem técnica, que preteriu acervos menores em função de outros
mais significativos, questões conjunturais impediram ou prejudicaram o acesso a muitos
dos arquivos previamente selecionados. Esse foi o caso da Biblioteca Pública Estadual
Gabriel Vandoni de Barros, localizada no Instituto Luis Albuquerque, em Corumbá,
considerada uma das principais bibliotecas de referências históricas e culturais de Mato
Grosso do Sul. Devido a problemas de ordem operacional, a biblioteca permaneceu fechada
ao público até o final do mês de julho. Mesmo depois de aberta, parte significativa do
acervo estava inacessível por falta de catalogação, impedindo a consulta.
Mapa do Mato Grosso do Sul com a localização das regiões, municípios, terras indígenas e
comunidades quilombolas pesquisados.
De outro lado, muitos acervos importantes de Campo Grande, como a coleção de Mato
Grosso do Sul, da Biblioteca da UFMS, e o acervo do Instituto Histórico e Geográfico de
Mato Grosso do Sul, encontravam-se em situação de mudança para novos espaços,
dificultando o acesso às obras. Tal contexto, ainda que limitador, não comprometeu os
resultados do trabalho, pois, conforme foi mencionado, coleções importantes para a
pesquisa, puderam ser catalogadas a partir de outros arquivos.
2.2.2. Recortes temático e cronológico
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Considerando o caráter de levantamento abrangente de bens culturais, não houve, como
determinação metodológica da pesquisa, um recorte temático que a delimitasse, senão
aquele previamente definido pela condição mesma do projeto: a de identificação de
“referências culturais” de Mato Grosso do Sul. Mesmo assim, com base nesse critério, a
pesquisa abrangeu temas os mais diversos, tais como religiosidade, sociabilidade, domínio
técnico, saberes, festividades, entre outros.
Preparação do couro para confecção de laço
Autor: Álvaro Banducci Júnior
Do ponto de vista cronológico, o trabalho foi conduzido de forma a avaliar tanto a
documentação atual quanto referências do passado, disponíveis e acessíveis nos acervos
pesquisados. Os técnicos e bolsistas do projeto, foram instruídos a coletar os dados a partir
das referências mais recentes em direção às mais antigas, até o limite do início do séc. XX.
Como houve o caso de publicações de interesse da pesquisa, datadas do final do séc. XIX,
também puderam ser incluídas.
A orientação fundamentou-se no princípio de que quanto mais recente a referência de um
bem cultural, maior a possibilidade de estar presente na memória e na vivência de um
determinado grupo e, mesmo em caso de a manifestação ser de origem remota, as
informações mais recentes podem fornecer uma perspectiva mais fidedigna de seu formato
e de seus significados contemporâneos.
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De qualquer modo, houve uma preocupação em estender os levantamentos aos registros do
passado, de tal modo a abranger obras reconhecidamente marcantes de cronistas e viajantes
do séc. XIX, que nesse período visitaram o Sul do então Estado de Mato Grosso. Muitas
manifestações culturais, que ainda estão presentes na memória e na cultura de grupos
sociais do estado, como as populações indígenas, estão referenciadas em documentos
desses pioneiros e, em alguns casos, não são objeto de interesse de estudos
contemporâneos. Assim, ao incluir o período de final do século XIX, permitiu-se que
referências de escritores como Taunay e Guiddo Boggiani, além de outros cronistas,
pudessem ser contempladas no trabalho.
2.2.3. Catalogação
O processo de catalogação das obras e dos bens de referência cultural do Mato Grosso do
Sul seguiu as determinações técnicas do IPHAN. Assim, com base nas prerrogativas do
INRC, seguiu-se a metodologia de levantamento e enquadramento de dados e seu registro
em formulários específicos, que obedeceram a 3 ordens de entrada e registro de
informações, conforme o formato do banco de dados do Inventário, sendo:
1. Referências Culturais, que contém os dados sobre os bens catalogados, com nome,
descrição, identificação do documento de origem, categorização conforme normas
da INRC, entre outros;
2. Referências Documentais, que registra as referências das fontes documentais
pesquisadas, segundo normas da ABNT, com pequena descrição de seu conteúdo;
3. Contatos intituições e contatos pessoas, que contém informações sobre as
intituições públicas e particulares pesquisadas, bem como sobre os responsáveis
pelos acervos dessas instituições.
Como parâmetro metodológico para a análise e o enquadramento dos bens culturais, 05
(cinco) categorias, previamente elencadas pelo INRC (Cf. Inventário Nacional de
Referências Culturais. INCR, 2000, Manual de Aplicação. Departamento de Identificação e
Documentação, IPHAN/Min), serviram de base para a pesquisa, sendo elas:
1. Celebrações, que incluem os principais ritos e festividades associados à religião, à
civilidade, aos ciclos do calendário, entre outros;
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2. Formas de expressão, que corresponde às formas não-lingüísticas de comunicação
associadas a determinado grupo social ou região, como é o caso do cordel, da catira,
das variantes do Boi, das modas de viola, da cerâmica, entre outras;
3. Ofícios e modos de fazer, que abrange as atividades desenvolvidas por atores
sociais reconhecidos como conhecedores de técnicas e de matérias-primas que
identificam um grupo social ou uma localidade, como a culinária de uma
determinada região, o ofício de benzedeiras, a confecção de panelas de barro, entre
outros;
4. Edificações, que inclui as representações sociais associadas a determinadas
edificações ou estruturas de pedra e cal, que lhes atribui significação histórica e
simbólica, servindo de referência para um grupo social, como é o caso da Igreja de
N.Sa. Aparecida, a Casa de Cora Coralina, entre outras;
5. Lugares, compreendidos como os espaços que possuem sentido cultural para uma
determinada população.
Ladeira Cruz e Cunha
14
Autora: Isabella Banducci Amizo
Com base nesses preceitos técnicos e metodológicos, os pesquisadores procederam ao
levantamento dos bens culturais, nas fontes documentais, e registraram-nos segundo sua
denominação, o período e local de manifestação, sua categoria e a fonte pesquisada. A
esses dados segue uma descrição do bem cultural, com o objetivo de caracterizá-lo de
acordo com o contexto em que se manifesta. Tendo em vista a fragmentação de muitas das
informações sobre os bens coletados, optou-se por manter a referência ao bem, ainda que
incompleta.
Os bens, as fontes e as instituições foram catalogados em arquivos separados,
denominados, respectivamente, Anexo 1, Anexo 2 e Anexo 3. O formulário Anexo 3,
conforme dito anteriormente, possui as informações sobre os acervos pesquisados e seus
responsáveis. O formulário Anexo 2 registra as fontes documentais. Cada documento
cadastrado vem acompanhado de um código, disposto na coluna “localização”, que indica o
acervo ao qual pertence. Nesse espaço encontram-se referências tais como: IHG08, MIS09
etc., que indicam tratar-se de documentos encontrados nos acervos do Instituto Histórico e
Geográfico do Mato Grosso do Sul e do Museu da Imagem e do Som [No item 3 está a
relação completa dos acervos e seus respectivos códigos).
No formulário Anexo 1, no qual se encontram os bens catalogados, com as respectivas
descrições, as colunas “contatos inventariados” e “documentos inventariados” fazem
referência respectivamente aos acervos e às obras pesquisados. Desse modo, na coluna
“contatos inventariados”, os códigos que indicam o acervo de origem de cada bem são os
mesmos encontrados na coluna “localização” do formulário Anexo 2, ou seja: IHG08,
FIC10 etc. A coluna “documentos inventariados”, por seu lado, remete às fontes que se
encontram no Anexo 2. Os códigos de referência indicam o formulário em que se encontra
a fonte [Anexo 2] seguido da localização da fonte nesse formulário [doc 1, doc 2 etc.].
Assim, cada bem disposto no Anexo 1, possui a referência da obra pesquisada [Anexo 2
doc x] e do acervo em que foi encontrado [IHG08 etc.]. Referências acerca do mesmo bem
podem ter sido coletadas em mais de uma obra e, do mesmo modo, em mais de um acervo,
o que justifica o aparecimento, em alguns casos, de vários códigos para um mesmo bem,
indicando sua incidência em mais de um documento pesquisado.
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2.3. Comunicação da equipe
A fim de evitar duplicidade no levantamento documental, já que os pesquisadores estariam
dispersos por acervos e municípios do estado, havia a necessidade de uma ferramenta de
comunicação que fosse, ao mesmo tempo, ágil, rápida e de fácil acesso. Para tanto, foi
criado um grupo de discussão na internet, disponível no endereço
Através desse grupo virtual, eram enviados avisos, recados e informações sobre os acervos
pesquisados, relatórios, reuniões e novas deliberações, que deveriam ser de conhecimento
de toda a equipe. A partir desse mecanismo, os membros da equipe poderiam tanto enviar
quanto receber notícias sobre as dificuldades encontradas durante a pesquisa; observações
sobre as condições de trabalho e o volume de material encontrado para o levantamento em
cada acervo visitado; além de sugestões de ação.
Como forma de manter toda a equipe informada acerca dos livros que estavam sendo
fichados por cada membro, criou-se um blog, cuja atualização consistiu em aspecto crucial
para o andamento da pesquisa. Nesse blog havia um espaço destinado a cada pesquisador,
que ali deveria postar uma listagem dos documentos por ele analisados.
A atualização do blog era feita da seguinte forma: sempre, ao iniciar o trabalho em um
acervo, deveriam ser conferidos os livros já registrados nas listagens dos outros
pesquisadores para que, dessa forma, não houvesse duplicidade no fichamento dos
documentos. Entretanto, quando encontrado um livro já fichado por outro pesquisador, seu
registro deveria ser feito apenas no anexo “fontes documentais inventariadas”, sem lançá-lo
no blog, apenas para que houvesse conhecimento da disponibilidade da obra naquele
acervo. Assim, deveriam ser lançados no blog apenas os livros que estavam sendo fichados
ou que se pretendiam fichar, não lançados por outro pesquisador.
Para visualizar as listas lançadas: http://www.pimaterial.blogspot.com/
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Além da comunicação via internet, eram realizadas reuniões quinzenais da equipe, a fim de
se expor e discutir informações e dúvidas que não haviam sido sanadas através dos e-mails
do grupo.
3. Caracterização dos acervos
A partir de referências obtidas no início da execução dos trabalhos, os acervos foram
ordenados, segundo critério de prioridade, com base na relevância de seus acervos e sua
importância regional. Assim, as bibliotecas e arquivos a serem visitados foram previamente
classificados como prioridade 1 e 2, que orientaram a ordem das visitas ou mesmo a
decisão da não visita ao acervo.
Os arquivos e instituições pesquisados foram os seguintes:
Campo Grande -Acervo particular Álvaro Banducci Júnior (2) [ABJ19]
-Acervo particular Valmir Batista Corrêa (1) [VBC20 e VBC20A]
-Arquivo Histórico Municipal – ARCA (1) [ARCA02]
-Biblioteca Central da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1) (arquivos dos
cursos de Jornalismo, Ciências Sociais, Letras, Artes Visuais e História) (2) [UFMS13]
-Biblioteca Pe. Félix Zavattaro, da Universidade Católica Dom Bosco (1) [UCDB11]
-Biblioteca da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal –
UNIDERP (2) [UNIDERP18]
-Biblioteca Pública Estadual Dr. Isaías Paim (1) [BPE04]
-Biblioteca Pública Municipal Ana Luiza Prado Bastos (Horto) (2) [BPM05]
-Acervo do Instituto Histórico Geográfico – IHG (1) [IHG08]
-Museu da Imagem e do Som – MIS (1) [MIS03]
-Coordenadoria do Fundo de Investimentos Culturais / Secretaria de Cultura e Fundação de
Cultura – FIC (2) [FIC10]
Corumbá -Biblioteca Pública Estadual Gabriel Vandoni de Barros (Instituto Luis Albuquerque – ILA) (1) [ILA07] -Biblioteca do Museu do Forte Coimbra (1) [FC06]
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Dourados -Biblioteca Central da Universidade Federal da Grande Dourados (1) [UFGD12] -Biblioteca Central da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2) [UEMS14] -Centro de Documentação Regional (2) [CDR15] Aquidauana -Biblioteca Manoel Fontilhas, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Aquidauana CPAQ/UFMS (1). [CPAQ16] Três Lagoas -Biblioteca Pública Municipal Rosário Congro (BTL01) -Biblioteca Dom Aquino Correia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Três Lagoas CPTL/UFMS (BTL09) Rio de Janeiro -Fundação Biblioteca Nacional (1) [BN17] 3.1. Condições dos acervos
Os acervos pesquisados apresentaram grande variedade em suas instalações. Alguns
apresentam sistema informatizado, como é o caso das bibliotecas da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, Universidade Católica Dom Bosco – UCDB – e Universidade
para o Desenvolvimento da Região do Pantanal – UNIDERP, nas quais há sistematização das
obras por palavras-chave, o que facilita sua localização. No entanto, outras não apresentam
nem mesmo a catalogação de seu acervo, como é o caso do Museu da Imagem e do Som –
MIS, que não possui registro de grande parte das fotografias e vídeos, assim como o Instituto
Histórico Geográfico – IHG, que não segue normatizações bibliográficas. Outras, ainda, não
possuem profissionais qualificados para o atendimento ao público e a organização do acervo.
A maioria dos acervos permite o contato direto do público com as obras. Entretanto, há
alguns em que o acesso aos títulos é dificultado, por ser intermediado por um funcionário da
instituição. Nos acervos particulares, o acesso demonstrou ser mais restrito, demandando
tempo em função da disponibilidade dos proprietários.
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Em que pese essa dificuldade, é nos acervos particulares que se encontra o maior número de
obras referentes às diretrizes do projeto e da temática regional, de modo geral. O acervo
particular Walmir Batista Corrêa, por exemplo, é uma biblioteca temática especializada em
assuntos mato-grossenses e sul-mato-grossenses, contendo 3567 títulos. Já a Universidade
para o Desenvolvimento do Pantanal – UNIDERP, apesar de seu extenso acervo, não possui
um número significativo de obras relacionadas às manifestações culturais do estado,
sobretudo relacionadas ao patrimônio imaterial. O mesmo ocorre com a Biblioteca do Forte
Coimbra que, apesar de possuir um importante arquivo de documentos e registros acerca das
atividades do Forte, não apresenta obras de interesse ao projeto, além de encontrar-se em
péssimo estado de conservação.
A situação em que se encontravam determinados acervos foi uma das principais dificuldades
encontradas no decorrer dos levantamentos. Tanto a biblioteca do Fundo de Investimentos
Culturais – FIC, quanto o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul – IHG,
estavam em processo de mudança de endereço, estando suas obras temporariamente
inacessíveis para consulta. Já a biblioteca do Instituto Luís Albuquerque – ILA, apesar de
possuir um acervo significativo, com muitas obras raras, encontrava-se fechada até o final do
mês de julho, por determinação da Fundação de Cultura do MS, pois não havia condições
ideais de funcionamento. Após aberto ao público, constatou-se que acervo não estava
organizado de maneira adequada, o que dificultou o acesso às obras.
4. Caracterização dos bens
Levantados os dados disponíveis em, aproximadamente, 267 fontes consultadas, entre
livros (c. 179), trabalhos acadêmicos (23), coleções de fotografias (12) e vídeos (4), além
de relatórios, revistas e catálogos, deu-se prosseguimento ao trabalho de organizar os bens
numa primeira tabela.
Deve-se considerar o fato de que as fontes bibliográficas e iconográficas são discursivas e
que nelas está referenciado apenas o que já foi abrigado sob o modo descritivo-documental.
Nessa condição, de um total de 626 bens referenciados, foram excluídos, porque
considerados incompletos ou incompatíveis com o escopo do projeto, aproximadamente
300 bens, que poderão ser tratados como ponto de partida para um próximo trabalho de
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descrição, uma vez que as fontes estão ali apontadas. Além disso, houve o agrupamento de
bens correlatos, o que implicou nova redução dos itens da tabela, que totalizou 294 bens
referenciados.
Uma visada geral sobre os dados permite constatar três elementos indiscutíveis de origem e
formação da cultura sul-mato-grossense: as etnias indígenas, o Pantanal e as fronteiras. Na
definição do que é próprio dessa cultura, o trânsito entre os três elementos referenciadores e
outros, decorrentes de processos migratórios e do contato transfonteiriço, constituem o
marco referenciador daquilo que poderá ser legitimado como cultura local.
Um dos fatores mais sensíveis do processo de transculturação porque passa a cultura sul-
mato-grossense, principalmente nas regiões fronteiriças, é a língua, mais especificamente o
trilingüismo: português, espanhol e guarani. Há que se considerar o fato de que se
encontram em situação fronteiriça com o Paraguai as cidades de Porto Murtinho, Bela
Vista, Nioaque, Bonito, Jardim, Ponta Porã, Caracol, Antonio João, Aral Moreira, Laguna
Carapã, Amambaí, Coronel Sapucaia, Paranhos e Tacuru. Além disso, pelo último censo,
são 370.000 descendentes de paraguaios em Mato Grosso do Sul, 180.000 só em Campo
Grande. A população indígena soma 68.000, dentre os quais, 40 mil os que falam e/ou
entendem o idioma guarani.
A leitura dos bens inventariados demonstra que uma série considerável de registros
referentes a narrativas populares, que foram enquadrados na categoria “Formas de
Expressão”, e que podem ser definidos como mito, lenda, entre outros, são um espaço
privilegiado de expressão, organização e representação das práticas culturais. Com o
objetivo de delimitar a extensão e o limite dessas narrativas estabeleceu-se as seguintes
conceituaçõesv:
a. Lendas: narrativas que remetem a episódios históricos ou a fatos passíveis de terem
ocorrido, na forma de revisões simbólicas que informam acerca dos eventos ou suas
circunstâncias. São narrativas localizadss no tempo e no espaço. As lendas, ainda que
sirvam como entretenimento, fornecem instrução prática sobre assuntos diversos.
b.. Mitos: narrativas ligadas ao universo religioso ou sobrenatural, localizadas em regiões e
tempos fora do alcance humano. Os mitos possuem deidades ou personagens extraídos da
natureza (animais, astros, plantas etc.) dotados de poderes sobrenaturais, que desempenham
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o papel de heróis civilizadores ou demiurgos, intermediários entre os poderes de cima
(celestial) e os de baixo (humanidade). Uma das características dessa modalidade de
narrativa é a de servir como explicação do mundo e dos fenômenos sociais e naturais
c. Contos (ou causos): narrativas, detentoras de legados culturais, que inspiram deleite,
surpresa e diversão e que não são feitas primariamente para instrução ou orientação
espiritual.
Na composição do banco de dados foram consideradas apenas as narrativas que
apresentaram uma relação mais nítida com as práticas culturais ou que indicaram compor
parte dos saberes dos grupos referenciados, estando associadas a temas como relações de
trabalho, relações de parentesco, personificação de valores (luta entre o bem e o mal),
ciclos da natureza e relação homem-natureza, produzidos dentro de um contexto regional,
com as cores que lhe são próprias. Essas narrativas revelam a multiplicidade de vozes que
constituem a imagem e a diversidade da cultura local.
Em alguns casos, optou-se por manter as expressões do universo fantástico, mesmo não
estando associadas aos elementos apontados acima, mas que permitiram ampliar o retrato
de um dado patrimônio para além de suas manifestações mais evidentes. Este é o caso da
cultura dos ervais, na fronteira com o Paraguai, cuja referência nesta pesquisa está nas
atividades dos ervateiros, em seus instrumentos de trabalho, no consumo da erva-mate, na
forma de chimarrão ou tereré, e, da mesma forma, nas crenças relativas à flora e à fauna
locais, nas lendas sobre relações de trabalho, entre outros. Essas narrativas apontam para
uma associação mais íntima, rica e complexa entre o trabalhador e o ambiente dos ervais,
expressas nessas leituras singulares do ambiente natural e social, que se materializam na
forma de representações e afetividades.
Excluiu-se do banco de dados as narrativas definidas como lendas urbanas, que constituem
histórias de caráter fabuloso, difundidas largamente no contexto urbano, que possuem
comumente conteúdo sensacionalista e referem-se a aspectos da vida urbana como um
todo, independente da região em que se propaga.
Outra referência marcante revelada pela leitura do banco de dados são as festas e
celebrações, que aparecem ligadas à religião, à civilidade, aos ciclos do calendário,
constituindo atividades de renovação das relações sociais e religiosas das diferentes
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populações e etnias do estado. Os festejos são momentos para a retomada do equilíbrio
tanto da natureza quanto do homem. Em Mato Grosso do Sul, as festas demonstram seguir
o calendário tradicional dos eventos religiosos (Festa do Divino Espírito Santo; Festa de
São Pedro; Festa de Iemanjá, entre outras) e cívicos e constituir celebrações singulares, não
relacionadas com outros festejos do país, tais como acontece com as diversas manifestações
festivas e ritualísticas dos povos indígenas.
Procissão de São Pedro
Autora: Isabella Banducci Amizo
Mesmo as celebrações tradicionais sofrem, em suas manifestações regionais, interferências
das diferentes leituras populares, que promovem mudanças na forma de conceber,
organizar e significar as festas, embora, em muitos casos, o sentido religioso ou a expressão
ritual permaneçam pouco alterados. É o caso da Festa de São João de Corumbá, que passa
por um processo de hibridação, apresentando-se como uma “festa junina carnavalesca”,
onde os limites entre o sagrado e o profano podem não ser facilmente visualizados.
Também relevante é a Festa de São Benedito da Tia Eva, uma leitura local da festa
religiosa pela Comunidade de São Benedito, fundada por uma mulher negra, filha de
escravos, que chegou à região em 1905.
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Já a Festa de Nossa Senhora de Caacupé, retomada local da Festa de Nossa Senhora da
Conceição, agrega elementos religiosos, relações de trabalho e práticas sociais que têm sua
origem nas relações inter-étnicas travadas no contexto dos ervais, na fronteira sul do
estado, quando foram estreitados o contato do trabalhador brasileiro com o paraguaio, de
origem espanhola, e o guarani. Muito ligadas às práticas religiosas locais, sobretudo as
pantaneiras, estão as formas de expressão como as danças do cururu e do siriri, animadas
pela viola de cocho, reco-reco, ganzá, acompanhadas de versos conhecidos ou
improvisados que remetem ao cotidiano do homem pantaneiro. Essas manifestações estão
relacionadas ao universo festivo tanto religioso quanto profano.
Andor de São João de Corumbá
Autor: Álvaro Banducci Júnior
Ofícios e modos de fazer remetem sobremaneira às práticas do homem da região do
Pantanal, constituindo, para além delas, um léxico específico, onde se nota a hibridação de
palavras a partir do guarani, do espanhol e do português, expressão também das relações
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sociais desses trabalhadores. A matéria-prima abundante na região pantaneira é responsável
pela grande variedade de técnicas artesanais, de diferentes origens como a salsaparrilha,
taboca ou taquara, urubamba, taboa e madeira. Com grande freqüência são referenciadas a
tecelagem de algodão e lã, e as rendas (ñaduti).
Cerâmica terena
Autora: Luciana Scanoni
Importante na produção artesanal é a cerâmica indígena (guató, kadivéu e terena) com suas
marcas e técnicas características, além da cerâmica produzida pelos não-índios, peças
ornamentais e utilitárias que mesclam elementos da flora e da fauna da região. Não se deve
relegar a produção do artesanato em couro, associada à pecuária e suas práticas.
Na culinária também encontramos os três elementos de origem influenciando os produtos:
a cultura indígena, a região pantaneira e as fronteiras. Assim, o milho e a mandioca são
comumente associados aos pratos regionais, bem como o peixe e a carne bovina,
abundantemente produzida. São exemplos dessa associação o churrasco com mandioca, o
caldo de piranha, a chipa, a saltenha e a sopa paraguaia.
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Dentre os bens inventariados, os lugares e as edificações apresentaram-se em um número
relativamente reduzido. Ressalte-se a Ladeira Cunha e Cruz, em Corumbá (por onde passa
a procissão de São João), a feira livre, e a feira das índias, ambas em Campo Grande. Por
outro lado, as edificações também estão presentes no imaginário popular, associadas aos
costumes e às diversas práticas sociais e religiosas, como a igreja da Comunidade de São
Benedito da Tia Eva, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Aquidauana; o rancho
pantaneiro, a choça ou beira-chão; as capelas, entre outras.
Rancho pantaneiro
Autor: Álvaro Banducci Júnior
Conforme assinalado, ao classificar os bens e agrupá-los, quando necessário, buscou-se
uma forma de organização assentada nas categorias pré-determinadas pelo INRC/IPHAN.
No entanto, as representações do mundo social, construídas pelas comunidades e descritas
nos textos/documentos consultados, embora demonstrem um desejo de descrição muito
próximo da realidade, são contrapostos aos relatos memorialistas sempre determinados
pelos interesses do narrador e de seu grupo social. Daí a importância de se apresentar o
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dado e a fonte numa mesma planilha, permitindo que se identifique o enunciador e o lugar
da enunciação do discurso localizado e referenciado.
Assim sendo, o INRC/MS deve ser considerado como um ponto de partida para pesquisas
descritivas, ou seja, que possam servir de referência para futuras e mais aprofundadas
investigações, inclusive com levantamentos empíricos, que venham a complementar as
informações referenciadas e possam garantir a excelência do material relativo à cultura
regional em Mato Grosso do Sul.
i FIGUEIREDO, Aline. Por uma identidade Ameríndia. In: Catálogo do VI Salão de Artes Plásticas de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, 1987. ii CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel/ Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p. 134 iii idem, ibidem. iv MARTINS, Gilson. Breve painel etno-histórico de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Edufms/Inep, 2002, p.12. v. Nas conceituações foram utilizadas as seguintes referências: BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 2003; CAMPBELL, J. O vôo do pássaro selvagem. São Paulo: Rosa dos Tempos, 1997; LÉVI-STRAUSS. C. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 2000; e VAN GENNEP, A. La formacion de las leyendas. Buenos Aires, Editorial Futuro, 1943.