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1 PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA, AR E SOLO Gregório Assagra de Almeida Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas. Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Jurista Consultor do Ministério da Justiça no anteprojeto de reforma da Tutela Coletiva. Mestre em Direito Processual Civil e Doutor em Direito Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor e Coordenador do Curso de Mestrado da Universidade de Itaúna. Professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Professor do Centro de Atualização em Direito (CAD). Professor do Curso ACarvalho. Coordenador Editorial do MPMG Jurídico. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais — DE JURE. SUMÁRIO. 1.Considerações introdutórias. 2. Proteção jurídica (noções conceituais). 3. Proteção jurídica no Estado Democrático de Direito. 4. Pós-positivismo jurídico e (neo)constitucionalismo como diretrizes fundamentais para a compreensão e a efetivação da proteção jurídica dos direitos fundamentais. 5. Proteção jurídica no âmbito da teoria dos direitos fundamentais. 6. Proteção jurídica e a superação no Brasil da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito individual e direito coletivo. 7. Proteção jurídica Ambiental como direito fundamental e a necessidade da compreensão e do desenvolvimento da idéia em torno de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista. 8. Ambiente natural e dano ambiental (noções conceituais). 9. Alguns aspectos da proteção jurídica do ambiente no sistema jurídico brasileiro: proteção jurídica coletiva material, administrativa e jurisdicional. 10. Proteção jurídica da Água. 11. Proteção jurídica do ar. 12. Proteção jurídica do solo. Conclusões. Referências bibliográficas. Palavras-chaves. Proteção jurídica; proteção jurídica ambiental; Estado Democrático de Direito; teoria dos direitos fundamentais; pós-positivismo jurídico; (neo)constitucionalismo; antropocentrismo clássico; antropocentrismo alargado; biocentrismo; cidadania coletiva biocentrista solidarista; proteção jurídica da água; proteção jurídica do ar; proteção jurídica solo. Resumo. A proteção jurídica ambiental é um dos principais desafios do novo milênio. A espécie humana e os outros tipos de vida estão em situação de risco de extinção. A criação de uma ordem jurídica mundial efetiva, dentro daquilo que é denominado de constitucionalismo mundial, é hoje um caminho sem volta. Os ecossistemas planetários estão entrelaçados, de sorte que a proteção jurídica, limitada ao plano nacional, é apequenada. A compreensão do novo paradigma do Estado Democrático de Direito e da teoria dos direitos fundamentais, revela-se como imprescindível para que se obtenha uma tutela jurídica ambiental mais ampla, efetiva e humanizada. Para tanto, os fundamentos teóricas, presentes no pós-positivismo jurídico e no (neo)constitucionalismo, são bases de apoio seguras para a construção de uma dogmática jurídica ambiental aberta, dinâmica e transformadora da realidade triste de degradação ambiental. A concepção de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista, de índole planetária, deve ser difundida. A proteção jurídica ambiental da água, do ar e do solo, constitui-se, em suas mais variadas formas, direito fundamental, em relação ao qual não é possível qualquer espécie de interpretação restritiva. 1. Considerações introdutórias Escrever, atualmente, um texto jurídico sobre o ambiente é um desafio que impõe a consulta e a pesquisa em outras áreas do conhecimento. O caráter interdisciplinar e transdisciplinar do Direito Ambiental e os problemas resultantes da sociedade do risco ambiental, própria do mundo massificado e globalizado, fizeram com que a compreensão da problemática da proteção jurídica

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de · PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA, AR E SOLO Gregório Assagra de Almeida ... ameaça de extinção da raça humana e de toda

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PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA, AR E SOLO

Gregório Assagra de Almeida Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de

Minas. Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Jurista Consultor do Ministério da Justiça no anteprojeto de reforma da Tutela

Coletiva. Mestre em Direito Processual Civil e Doutor em Direito Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor e Coordenador do Curso de Mestrado da

Universidade de Itaúna. Professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Professor do Centro de Atualização em Direito (CAD). Professor do Curso

ACarvalho. Coordenador Editorial do MPMG Jurídico. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais — DE JURE.

SUMÁRIO. 1.Considerações introdutórias. 2. Proteção jurídica (noções conceituais). 3. Proteção jurídica no Estado Democrático de Direito. 4. Pós-positivismo jurídico e (neo)constitucionalismo como diretrizes fundamentais para a compreensão e a efetivação da proteção jurídica dos direitos fundamentais. 5. Proteção jurídica no âmbito da teoria dos direitos fundamentais. 6. Proteção jurídica e a superação no Brasil da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito individual e direito coletivo. 7. Proteção jurídica Ambiental como direito fundamental e a necessidade da compreensão e do desenvolvimento da idéia em torno de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista. 8. Ambiente natural e dano ambiental (noções conceituais). 9. Alguns aspectos da proteção jurídica do ambiente no sistema jurídico brasileiro: proteção jurídica coletiva material, administrativa e jurisdicional. 10. Proteção jurídica da Água. 11. Proteção jurídica do ar. 12. Proteção jurídica do solo. Conclusões. Referências bibliográficas.

Palavras-chaves. Proteção jurídica; proteção jurídica ambiental; Estado Democrático de Direito; teoria

dos direitos fundamentais; pós-positivismo jurídico; (neo)constitucionalismo; antropocentrismo clássico; antropocentrismo alargado; biocentrismo; cidadania coletiva biocentrista solidarista; proteção jurídica da água; proteção jurídica do ar; proteção jurídica solo.

Resumo. A proteção jurídica ambiental é um dos principais desafios do novo milênio. A espécie

humana e os outros tipos de vida estão em situação de risco de extinção. A criação de uma ordem jurídica mundial efetiva, dentro daquilo que é denominado de constitucionalismo mundial, é hoje um caminho sem volta. Os ecossistemas planetários estão entrelaçados, de sorte que a proteção jurídica, limitada ao plano nacional, é apequenada. A compreensão do novo paradigma do Estado Democrático de Direito e da teoria dos direitos fundamentais, revela-se como imprescindível para que se obtenha uma tutela jurídica ambiental mais ampla, efetiva e humanizada. Para tanto, os fundamentos teóricas, presentes no pós-positivismo jurídico e no (neo)constitucionalismo, são bases de apoio seguras para a construção de uma dogmática jurídica ambiental aberta, dinâmica e transformadora da realidade triste de degradação ambiental. A concepção de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista, de índole planetária, deve ser difundida. A proteção jurídica ambiental da água, do ar e do solo, constitui-se, em suas mais variadas formas, direito fundamental, em relação ao qual não é possível qualquer espécie de interpretação restritiva.

1. Considerações introdutórias

Escrever, atualmente, um texto jurídico sobre o ambiente é um desafio que impõe a consulta e

a pesquisa em outras áreas do conhecimento. O caráter interdisciplinar e transdisciplinar do Direito

Ambiental e os problemas resultantes da sociedade do risco ambiental, própria do mundo

massificado e globalizado, fizeram com que a compreensão da problemática da proteção jurídica

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ambiental só adquira real sentido quando oxigenada pela orientação daqueles que pensam o

ambiente por outras áreas do conhecimento 1.

Filósofos, físicos, astrônomos, economistas, cientistas políticos, biólogos, químicos,

engenheiros, teólogos etc., estão, incessantemente, dedicando-se à questão ambiental e, vez ou

outra, também são levados a emitir opiniões que acabam por ingressar no âmago do Direito,

considerado, em tempos atuais, como a espinha dorsal da própria sociedade 2.

Em razão de tais fatores, a ciência jurídica e, em seu sentido mais restrito, a própria

dogmática jurídica, estão passando por uma verdadeira revolução paradigmática imposta, não há

dúvida, por força da necessidade, urgente e premente, de compreensão, de ampliação e de

efetivação do Direito Ambiental como direito fundamental e condição básica para salvaguarda da

casa comum: o Planeta Terra.

O reconhecimento do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, como direito

fundamental das gerações futuras; o reconhecimento do direito de todos ao ambiente

ecologicamente equilibrado, em uma nítida feição biocentrista; e o reconhecimento de deveres, à

coletividade, de defesa e de preservação ambiental, naquilo que é denominado de competência

material ou de implementação (art. 225 da CF/88 3), confirmam a assertiva anterior a respeito da

revolução paradigmática imposta à ciência jurídica. A mesma assertiva revolucionária, igualmente

1 LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo sustentam que estamos vivendo uma intensa crise ambiental, resultado de uma sociedade de risco. Essa crise foi deflagrada principalmente a partir da constatação de que as condições tecnológicas, industriais e formas de organização e gestão econômicas da sociedade estão em situação conflitiva com a qualidade de vida e isso adquiriu grande proporção — efeito estufa, que decorre da poluição de responsabilidade difusa, mudanças climáticas etc —, de forma que a proteção ambiental, de mera indagação nas décadas de 1960 e 1970, tornou-se um fato indeclinável neste início de terceiro milênio, propiciando o surgimento de uma conflituosidade social intensa, em decorrência da necessidade de proteção ao ambiente. Os juristas destacam que os movimentos ambientais tiveram muita influência no aprofundamento da discussão sobre o tema, gerando várias declarações internacionais que propiciaram a criação pelos Estados de normas de proteção ambiental. Afirmam que, diante dessa conflituosidade social intensa, tem surgido um novo direito, de terceira dimensão, denominado de Direito Ambiental, com característica de solidariedade. Para os autores, o Direito Ambiental tutela, de forma predominante, interesse ou direito difuso, indivisível, de natureza meta-individual e indeterminável quanto ao sujeito, indisponível no plano do seu objeto, que exige uma ação do tipo solidária. Novas tendências e possibilidades do direito ambiental no Brasil. In Os ‘novos’ direitos no Brasil: natureza e perspectivas (WOLKMER, Antonio Carlos e LEITE, José Rubens Morato — organizadores), p. 182-3. 2 Aduz BARRETO, Vicente de Paulo: “A modernidade da idéia dos direito humanos reside no fato de que, antes não acarretavam conseqüências jurídicas, mas hoje isso ocorre porque a natureza do estado democrático de direito pressupõe a igualdade moral de todos perante a lei, primeira exigência na construção de uma sociedade, que tem no direito a sua espinha dorsal (...)”. Perspectivas epistemológicas do direito no século XXI. In Constituição, sistemas sociais e hermenêutica (ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio Luiz — organizadores), p. 264. 3 Estabelece o art. 225, caput, da CF/88: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

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é confirmada pela necessidade de uma ordem jurídica mundial efetiva, apontada por alguns

doutrinadores como um constitucionalismo mundial ou como um direito constitucional mundial 4.

Como todos os ecossistemas 5 planetários, em suas integralidades, estão interligados, a

questão ambiental não possui fronteira e limite continental, exigindo a construção tanto de uma

ordem constitucional mundial efetiva, quanto de uma ética ambiental mundial que se fundamente na

concepção de em uma cidadania coletiva biocentrista solidarista 6.

O teólogo Leonardo Boff aponta três problemas, de dimensões planetárias, que exigem, com

urgência, uma ética mundial: a) a crise social; b) a crise do sistema de trabalho; c) e a crise

ecológica. Precisamente em relação à crise ecológica, adverte Boff que nas últimas décadas o ser

humano tem construído, por sua atividade irresponsável, o princípio da autodestruição, provocando

situação de risco irreparável à biosfera e às condições de vida da própria espécie humana. Esse

princípio da autodestruição faz convocar outro: o da co-responsabilidade por nossa existência como

espécie e como planeta 7.

Ao expressar a importância de uma alfabetização ecológica como desafio para a educação no

século 21, o físico Fritjof Capra, baseando-se na escola de pensamento do filósofo norueguês Arne

Naess, fundada no início da década de 1970, demonstra a importância da distinção entre a ecologia

rasa, de concepção antroprocêntrica, que considerada o ser humano como a fonte de todo valor,

acima e fora da própria natureza, atribuindo a essa uma função meramente instrumental ou utilitária,

e a ecologia profunda, que reconhece valor intrínseco a todos os seres vivos, compreendendo o ser

humano simplesmente “(...) como um dos filamentos da teia da vida. Assim, para a ecologia

4 Nesse sentido, FERRAJOLI, Luigi, A soberania no mundo moderno, p. 54-5. 5 Nos termos do art. 2º da Convenção sobre Diversidade Biológica, ecossistema é considerado como o complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico, que interagem como uma unidade funcional. É o que esclarece MILARÉ, Édis: “ECOSSISTEMA — Entende-se por ecossistema ou sistema ecológico qualquer unidade que inclua todos os organismos em uma determinada área, interagindo com o ambiente físico, de tal forma que um fluxo de energia leve a uma estrutura trófica definida, diversidade biológica e reciclagem de materiais (troca de materiais entre componentes vivos). O ecossistema é a unidade básica da Ecologia”. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 1073. 6 Sobre a idéia de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista, ALMEIDA, Gregório Assagra de, Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual. parte 2, p. 767. 7 Conclui BOFF, Leonardo: “(...) Se queremos continuar a aventura terrenal e cósmica, temos de tomar decisões coletivas que se ordenam à salvaguarda do criado e à manutenção das condições gerais que permitam à evolução seguir seu curso ainda aberto”. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos, p. 11-3.

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profunda, o mundo não é visto (...) como uma coleção de objetos isolados e sim como uma rede de

fenômenos indissoluvelmente interligados e interdependentes (...)” 8.

Para Fritjof Capra, as últimas décadas têm evidenciado uma situação de profunda crise

mundial complexa e multidimensional, que tem afetado todos os aspectos da vida humana “(...) a

saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia,

tecnologia e política (...)”. Diz Capra que essa crise, sem precedentes na história da humanidade,

possui dimensões intelectuais, morais e espirituais, e impõe-nos o enfrentamento da “(...) real

ameaça de extinção da raça humana e de toda a vida no planeta” 9.

Em uma entrevista alarmante, o economista inglês Nicholas Stern relatou à Revista Veja, de

08 de novembro de 2006, que se tudo continuar como está, o planeta irá sofrer uma perda entre 5º%

e 20º do PIB mundial, o que poderia chegar a sete trilhões de dólares, sendo certo que os países

mais pobres serão os mais atingidos 10. Mesmo se fizermos alguma coisa não iremos conseguir

evitar os efeitos que irão aparecer, dentro de quarenta e cinqüenta anos, na forma de desastres

naturais, tais como secas, enchentes e furacões progressivamente mais intensos, afirmou Nicholas

Stern, acrescentando, ainda, que é imprescindível a diminuição dos níveis da emissão global de

gases poluentes, tais como o metano, que é emitido pelas mineradoras, e o dióxido de carbono,

produzido por automóveis, fábricas e aviões. Essa redução de emissão de gases poluentes não

poderia demorar mais do que vinte anos. Complementa Stern: “(...) Se for feita, poderá diminuir

grandemente os riscos que o planeta corre. Calculamos que o custo de fazer essa redução de gases

corresponderia a cerca de 1º do PIB mundial nos próximos anos. O certo é que, se começarmos a

investir seriamente em tecnologias limpas, por volta de 2050 atingiremos um patamar de menor

agressão ao meio ambiente. Mas, claro, sempre pode demorar muito mais” 11.

No caso do Brasil, a degradação ambiental alcança o mar, os rios, os lençóis freáticos, a

Floresta Amazônica, o Pantanal Matrogrossente, a Mata Atlântica e, em geral, toda região costeira.

Os cortes sem controle, para o contrabando, de madeiras nobres, as queimadas delituosas, a

8 Alfabetização ecológica: o desafio para a educação do século 21. In Meio ambiente no século 21 (TRIGUEIRO, André — coordenação), p. 20-1. 9 O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente, p. 19. 10 Sobre o fato de os países pobres serem os mais atingidos, STERN, Nicholas apresentou as justificativas de suas conclusões à Revista Veja: “Por várias razões. Uma é a geografia: os países mais próximos à linha do Equador sofrerão duramente, porque são mais quentes. É onde estão os países mais pobres´, por um azar geográfico. Outro fator é a limitação das atividades econômicas desses países. Países mais pobres têm economia centrada em atividades agrícolas, setor mais vulnerável às mudanças climáticas que sofreremos. Em terceiro, os países pobres dispõem de menos dinheiro para investir em formas de se proteger contra os efeitos do aquecimento global. Nesses lugares, há menos dinheiro para gastar em infra-estrutura e na adaptação necessária para protegê-los”. Editora Abril, edição 1981, ano 39, n. 44, 8 de novembro de 1996, p. 11-5. 11 Revista Veja. Editora Abril, edição 1981, ano 39, n. 44, 8 de novembro de 1996, p. 11-4.

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contaminação por mercúrio de parte considerável da bacia amazônica 12, o uso indiscriminado, sem

controle adequado, de agrotóxicos na agricultura, a destruição do solo e subsolo pela exploração

gananciosa das grandes mineradoras, os desastres ecológicos provocados pela Petrobrás etc., são

alguns dos fatores que impõem uma radical mudança no plano do paradigma brasileiro da proteção

ambiental.

De acordo com Plauto Faraco de Azevedo, esta situação evidencia a insuficiência da ética

vigente, de base individualista e antropocêntrica, que se tornou incapaz de compreender a “(...)

íntima ligação entre todos os organismos vivos, em interconexão entre eles e com o meio

inorgânico, cujos recursos são exauríveis, razão por que sua utilização tem que ser prudente e

orientada por uma ética da solidariedade, em que sobressaia a responsabilidade transgeracional

(...)” 13.

Por tudo isso, a proteção jurídica ambiental constitui-se atualmente tema jurídico dos mais

relevantes, tanto para o direito internacional, quanto para o direito nacional. A principal razão dessa

relevância temática relaciona-se, certamente, com a sua inserção no plano de um direito

fundamental, em plena situação de risco: o direito à vida e a sua existência com dignidade, o que

abrange, no sistema constitucional brasileiro, as presentes e as futuras gerações (art. 225 da CF/88),

em conformidade com a orientação principiológica apresentada pela doutrina da teoria da eqüidade

intergeracional 14.

Daí a assertiva, inquestionável, no sentido de que a proteção jurídica ambiental é direito

fundamental 15, compondo-se um dos grandes núcleos de qualquer ordem jurídica democrática (art.

5º, caput, e seu § 2º c/c o art. 225, ambos da CF/88) 16.

12 AZEVEDO, Plauto Faraco, Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida, p. 87. 13 Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida, p. 90. 14A doutrina que formula a teoria da eqüidade intergeracional, fundamentando-a em vários documentos internacionais, afirma que são três os princípios que a informam: a) princípio da conservação de opções, pelo impõe-se o dever de cada geração de conservar a diversidade da base dos recursos naturais e culturais, de forma a não restringir ou e não diminuir as opções quanto à avaliação das futuras gerações, à solução dos seus problemas e à satisfação dos seus valores; b) princípio da conservação da qualidade, no sentido de cada geração deve manter a qualidade do planeta exatamente nas condições que o recebeu para que essas mesmas condições possam ser usufruídas pelas gerações futuras; c) princípio da conservação do acesso, o qual estabelece o dever de cada geração de assegurar aos seus integrantes o direito de acesso igual ao que foi legado das gerações passadas, bem como o dever de conservar esse acesso para as futuras gerações. Sobre o assunto, LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patrick de Araújo, Novas tendências e possibilidades do direito ambiental no Brasil. In Novos direitos no Brasil: natureza e perspectiva (WOLKMER, Antonio Carlos e LEITE, José Rubens Morato — organizadores), p. 249. Os autores, na página 251 do texto citado, confluem: “Talvez a mais importante contribuição da ‘teoria da eqüidade intergeracional’ seja o reconhecimento de que os ‘direitos planetários intergeracionais’ devem ser compreendidos sempre enquanto direitos coletivos, distintos de direitos individuais, no sentido de que as gerações mantêm esses direitos enquanto grupos em relação com outras gerações, passadas, presentes e futuras”. 15 Consta do item 5 da Carta de São Paulo, resultante das Conclusões do 6ª Congresso Internacional de Direito Ambiental, realizado em São Paulo, de 3 a 6 de junho de 2002: “O Direito Ambiental tem como objeto

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Apesar de a proteção jurídica ambiental constituir-se direito fundamental, a sua real dimensão

extrapola o direito à vida e a sua existência com dignidade, pois não se limita ao âmbito natural.

Também está consagrada, nas ordens jurídicas democráticas, a proteção jurídica do ambiente

artificial.

Contudo, este breve artigo somente abordará parte da tutela jurídica ambiental, limitadamente

ao plano de algumas dimensões do ambiente natural ou ecológico. Iremos tratar de três das mais

valorativas dimensões da proteção jurídica ambiental: a proteção jurídica da água; a proteção

jurídica do ar; e a proteção jurídica do solo.

A complexidade e a amplitude do tema, relacionadas com as mudanças de paradigmas que

estão sendo impostas à ciência jurídica, dificultam e desafiam os limites desta breve exposição. Só o

fato de a proteção jurídica ambiental da água, do ar e do solo, em sua dimensão restrita ao plano

nacional, não se constituir como suficiente para a obtenção de uma tutela jurídica integral e holística

de incursão planetária, demonstra as barreiras a serem enfrentadas no enfrentamento da temática.

Não restam dúvidas de que a falta de uma ordem constitucional mundial coesa e efetiva torna

a tutela jurídica ambiental, pela ótica exclusivamente nacional, apequenada diante dos grandes

impactos ambientais sem fronteiras locais, regionais, nacionais e continentais.

Para José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, dois pontos relativos ao Direito

Ambiental merecem especial destaque. O primeiro, relativo ao novo paradigma jurídico ambiental,

necessita, para ser aperfeiçoado, de operadores jurídicos sensíveis, com capacidade técnica para

compreender esse ramo complexo do saber jurídico. O segundo, relacionado com o problema da

proteção jurídica do bem ambiental, insere-se em outros sintomas da sociedade contemporânea, tais

como: “(...) necessidade de consciência ambiental, política ambiental globalizada, redefinição do

modelo econômico e de consumo, questões demográficas e culturais, entre outros” 17.

Não obstante todos esses fatores que dificultam uma abordagem objetiva, a temática é

palpitante e, em razão da sua importância para o próprio Direito atualmente, optamos por

apresentar, primeiramente, uma abordagem geral que engloba algumas premissas básicas para a

principal de tutela a vida, em todas as suas dimensões, que, por sua vez, é a fonte primária de outros bens jurídicos”. 16A respeito, escreveu COSTA NETO, Nicolao Dio de Castro e: “O direito ao meio ambiente caracteriza-se como um corolário do direito à vida, o que, alíás, evidencia a interrelação e indivisibilidade de todas as diversas dimensões de direitos fundamentais. A sua fundamentalidade, numa perspectiva antrocêntrica, decorre do reconhecimento de que uma sadia qualidade de vida, com a manutenção de padrões estáveis de dignidade e bem estar social, imprescinde de um ambiente saudável e equilibrado. Tal essencialidade relaciona-se também com a idéia de eqüidade intergeracional, segundo a qual deve-se assegurar às futuras gerações um meio ambiente em condições não piores do que aquelas em que a presente geração o recebeu”. Proteção jurídica do meio ambiente, p. 17. 17 Novas tendências e possibilidades do direito ambiental no Brasil. In Novos direitos no Brasil: natureza e perspectiva (WOLKMER, Antonio Carlos e LEITE, José Rubens Morato — organizadores), p. 283-4.

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compreensão da proteção jurídica, com destaque para os seguintes tópicos: proteção jurídica no

Estado Democrático de Direito; pós-positivismo jurídico e neo-constitucionalismo como diretrizes

fundamentais para a compreensão e a efetivação da proteção jurídica dos direitos fundamentais; e,

proteção jurídica no âmbito da teoria dos direitos fundamentais.

A idéia em torno de uma nova summa divisio, direito coletivo e direito individual, por nós

defendida no doutoramento como superadora da summa divisio clássica, direito público e direito

privado 18, também é abordada como premissa fundamental para a compreensão e a efetivação da

proteção jurídica ambiental nas três dimensões a serem abordadas. A necessidade da compreensão e

do desenvolvimento de uma visão sobre a uma cidadania coletiva biocentrista solidarista constitui-

se, também, uma das premissas reflexivas do texto.

Na seqüência, apresentamos a abordagem, em três tópicos, sobre a proteção jurídica

ambiental da água, do ar e do solo, respectivamente, em várias de suas dimensões. O texto é

finalizado com algumas conclusões extraídas das assertivas apresentadas no decorrer do trabalho.

2. Proteção jurídica (noções conceituais)

O vocábulo proteção vem do latim protectio, de protegere, que significa amparo, cobertura,

abrigo, auxílio ou assistência conferia às coisas, pessoas ou vidas em geral. De Plácido e Silva, ao

tecer comentários conceituais sobre o significado jurídico da expressão proteção legal, concebe-a

como sendo “(...) o amparo ou a assistência, que é determinada ou estabelecida pela regra legal,

em certas circunstâncias, para que se preservem pessoas e coisas, que lhes pertencem, dos males

que possam vir”. Complementa: “A proteção, assim, exprime o cuidado a ser tido ou o trato

vigilante a ser mantido para que nada de mal aconteça às pessoas ou coisas legalmente

protegidas” 19.

Proteção jurídica é expressão que possui significado de tutela jurídica. É o amparo,

conferido pelo Direito, a bens, materiais ou imateriais, ou a vidas, em todas as suas dimensões,

humanas ou não. Em razão disso, a expressão possui dimensão extremamente ampla, tanto que

poderemos falar em proteção jurídica nacional ou internacional, constitucional ou

infraconstitucional, material ou processual, individual ou coletiva, penal ou não-penal, jurisdicional

ou não-jurisdicional, forçada ou consensual, preventiva ou repressiva 20.

18 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual. Partes 1 e 2, 842 p. 19 Vocabulário jurídico, v. II e III, p. 485. 20 Ensina DINAMARCO, Cândido Rangel, que a expressão tutela significa ajuda, amparo, proteção. Nesse sentido, a tutela jurídica poderá ser material, quando decorre da fixação de normas de convivência, ou processual, também denominada de instrumental, quando poderá ser jurisdicional ou administrativa. Contudo,

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Apesar de o sentido gramatical da expressão proteção jurídica inclinar-se mais para a

dimensão preventiva, a proteção jurídica repressiva, seja por intermédio da tutela jurídica

ressarcitória na forma específica, seja por intermédio da tutela jurídica ressarcitória genérica ou em

espécie, seja pela tutela jurídica ressarcitória/compensatória, seja pela tutela jurídica do tipo

punitiva, constitui-se também como fundamental, pois relacionada, em grande parte, com a própria

necessidade de reparação ou de compensação dos danos decorrentes dos ilícitos causados pela ação

ou omissão humanas.

No plano jurisdicional, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagra o

acesso à justiça como direito constitucional fundamental, tanto para direitos individuais, quanto

para os direitos coletivos e assegura, expressamente, que essa proteção jurisdicional poderá ser

preventiva, nos casos de ameaça, ou repressiva, nos casos de lesão a direitos em geral (art. 5º,

XXXV, da CF) 21.

Especialmente no âmbito da proteção jurídica ambiental, a proteção jurídica preventiva deve

sempre se sobrepor e ser priorizada. A justificativa para tal assertiva relaciona-se com o fato de que

muitos danos ambientais são irreparáveis in natura. Nesses casos, de irreparabilidade in natura do

dano ambiental, a proteção jurídica repressiva, por medidas compensatórias, ressarcitórias na

forma genérica, ou punitivas, em suas variadas formas, constitui-se modo apequenado de tutela

jurídica.

Não obstante as considerações apresentadas, a real dimensão da proteção jurídica poderá

adquirir sentidos diversos quando contextualizada nos diferentes planos teóricos. Ela poderá ser

compreendida de um modo para a visão amparada somente em uma concepção centrada no

legalismo positivista, assemelhando-se ao sentido de norma posta, em que é ressaltada a soberania

do legislador ordinário, assumindo, contudo, outra dimensão, mais ampliativa, aberta, dinâmica e

adverte o autor: “A tutela jurisdicional, assim enquadrada no sistema de proteção aos valores do homem, não se confunde com o próprio ‘serviço’ realizado pelos juízes no exercício da função jurisdicional. Não se confunde coma jurisdição. A tutela é o ‘resultado’ do processo em que essa função se exerce. Ela não reside na sentença em si mesma como ato processual, mas nos ‘efeitos’ que ela projeta para fora do processo e sobre as relações entre pessoas (...)”. Fundamentos do processo civil moderno, p. 809-12. MARINONI, Luiz Guilherme, porém, apresenta posicionamento que ressalta a importância da compreensão da tutela dos direitos no plano da tutela material, assinalando que: “As normas de direito material que respondem ao dever de proteção do Estado aos direitos fundamentais — ‘normas que protegem o consumidor e o meio ambiente’, por exemplo — evidentemente prestam tutela — ou proteção — a esses direitos. É correto dizer, assim, que a mais básica forma de tutela dos direitos é constituída pela própria norma de direito material. A atividade administrativa — nessa mesma linha — também pode contribuir para a prestação de tutela aos direitos. A tutela jurisdicional, portanto, deve ser compreendida somente como uma modalidade de tutela dos direitos. Ou melhor, ‘a tutela jurisdicional e as tutelas prestadas pela norma de direito material e pela Administração constituem espécies do gênero tutela dos direitos”. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 145-6. 21 Prevê o art. 5º, XXXV, da CF/88: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.

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valorativa, quando enfocada pela ótica das concepções pós-positivistas 22, com especial destaque

àquelas que giram em torno do (neo)constitucionalismo, dentro do qual, a interpretação/subsunção

é substituída pela interpretação/ponderação, em atividade concretizadora e transformadora da

realidade social; a Constituição passa a ser a fonte depositária de princípios que irradiam o sistema;

e, a soberania do legislador ordinário passa a ser relativizada pela ênfase conferida ao sistema de

controle da constitucionalidade pelos Tribunais e Juízes 23.

O debate em torno, de um lado, do pensamento sistemático 24 , que vê o direito como sistema

e, de outro, do pensamento problemático 25, para o qual o direito também é problema, interfere,

igualmente, no sentido e na dimensão da conceituação da tutela jurídica.

A própria compreensão dos paradigmas do Estado Democrático do Direito e da teoria dos

direitos fundamentais, influencia, diretamente, na análise e na compreensão do sentido da proteção

jurídica, principalmente a ambiental, como direito fundamental.

Faz-se necessário, por isso, o estudo, ainda que de forma breve e pontual, de algumas dessas

diversas facetas do Direito.

3. Proteção jurídica no Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito é um novo paradigma, fundado em uma nova legitimidade

no plano do direito constitucional e da ciência política. O Direito assume função transformadora e,

22 DINIZ, Antonio Carlos e MAIA, Antônio Cavalcanti descrevem, com precisão, as dimensões conceituais do pós-positivismo: “O pós-positivismo pode ser descrito, em grandes linhas, como um novo paradigma concebido no âmbito da teoria jurídica de contestação às insuficiências`, aporias e limitações do juspositivismo formalista tradicional, que reflete em larga medida uma ideologia jurídica herdada do Estado de Direito de Direito do XIX. O próprio termo ‘pós-positivismo’ (também conhecido como não-positivismo ou não-positivismo principiológico) possui um ‘status’ provisório e genérico, enquanto categoria terminológica, posto que seu emprego não é de todo pacífico, mesmo entre os autores que partilham de suas teses axiais (...). Suas bases filosóficas são ecléticas, e remetem a uma constelação de autores que possuem ponto de contato com as idéias de Gustav Radbruch tardio, passando pelos influxos da teoria da justiça de John Raws, incorporando ainda elementos da filosofia hermenêutica, bem como aportes da teoria do discurso de Habermas (...)”. No quadro da concepção pós-positivista, afirmam que seriam destacáveis cinco aspectos: 1º) o deslocamento da agenda, com ênfase à importância dos princípios gerais do Direito e à dimensão argumentativa na compreensão da funcionalidade do direito no âmbito das sociedades democráticas atuais, bem como o aprofundamento no papel que deve ser desempenhado pela hermenêutica jurídica; 2º) a importância dos casos difíceis; 3º) o abrandamento da dicotomia descrição/prescrição; 4º) a busca de um lugar teórico para além do jusnaturalismo e do positivismo jurídico; 5º) o papel dos princípios na resolução dos casos difíceis. In Dicionário de filosofia do direito (BARRETTO, Vicente de Paulo — coordenador), p. 650-4. 23 Com a análise das várias facetas do (neo)constitucionalismo, como modelo teórico em construção, conferir CARBONELL, Miguel (org.), Neoconstitucionalismo (s). 24 A respeito do pensamento sistemático, CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 25 Sobre o pensamento problemático, VIEHWEG, Theodor, Tópica e jurisprudência.

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diversamente das Constituições Liberais e das Sociais, a legitimidade transformadora do Estado

Democrático de Direito, e do Direito em si, surge da própria Constituição 26.

Constitui compromisso do Estado Democrático de Direito, operacionalizar um verdadeiro

rompimento com as concepções capitalistas, portanto burguesas, do Estado Liberal Individualista,

ainda impregnadas no Welfare State. A sua finalidade é a transformação da realidade social, com a

implantação, em processo democrático dinâmico e constante, da igualdade material. Não é um

rompimento com os direitos fundamentais individuais, conquistados a partir da Revolução Francesa

de 1789, mas com a concepção liberal individualista burguesa. Rompimento com a dominação

político-ideológica da classe burguesa. Rompimento com as estruturas do Estado Liberal, ainda

impregnadas no Estado Social, que impedem a efetiva socialização do Direito e do Estado e a

transformação da realidade social 27.

A democracia e a igualdade neste contexto, não têm concepção simplesmente formal, como

no Estado Liberal de Direito. Assumem conteúdo substancial e estão ligadas à necessidade de

efetivação dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, individuais e coletivos. Os direitos

à democracia, à informação e ao pluralismo transformaram-se em direitos fundamentais de quarta

dimensão, que vinculam os governantes e operadores do direito, tornando o sistema jurídico aberto,

dinâmico e modificador da realidade social 28. O sistema jurídico, no Estado Democrático de

Direito, interage com os demais sistemas de dimensão internacional, naquilo que representam novas

conquistas aos direitos fundamentais. Portanto, há plena abertura para a criação de uma ordem

jurídica mundial transformadora e protetora dos direitos fundamentais, incluindo o direito do

ambiente.

Como ressaltou Antonio E. Pérez Luño, o Estado Democrático de Direito surge de um

enfoque diferente, voltado para superar as imprecisões, ambigüidades e as insuficiências

transformadoras do Estado Social de Direito 29.

26 É o que afirma STRECK, Lenio Luiz: “O Estado Democrático de Direito é ‘um novo paradigma’ porque foi engendrada ‘uma nova legitimidade’ no campo do direito constitucional e da ciência política, no interior da qual o Direito assume a tarefa de transformação, até mesmo em face da crise do modelo do Estado social, quando as políticas públicas começaram a se tornar escassas, questão que colocava em risco a realização dos direitos sociais e fundamentais. Daí que se altera a configuração do processo de legitimação: ao contrário das Constituições liberais ou meramente sociais, a legitimidade, agora, advém da própria Constituição (Vallalón), que exsurge de um processo de refundação da sociedade”. Hermenêutica e concretização da Constituição: as possibilidades transformadoras do Direito, In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, n. 1, p. 690. 27 ALMEIDA, Gregório Assagra de, Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual, p. 55. 28 No sentido de que os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo são de quarta dimensão (geração), BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, p. 524-5. 29 Derechos humanos, Estado de derecho y Constitucion, p. 229.

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A proteção jurídica no Estado Democrático de Direito é ampla e irrestrita, integral e holística,

a direitos individuais e coletivos. Este novo paradigma de Estado não se contenta com a simples

declaração de direitos, pois o seu objetivo é transformação com justiça da realidade social, em que o

plano da efetivação dos direitos traça uma das suas principais metas.

A interpretação da Constituição no Estado Democrático de Direito, além de ser aberta e

pluralista, em coerência com aquilo que Peter Häberle denomina de sociedade aberta dos

intérpretes da constituição 30, necessita levar em consideração também o momento da aplicação

como modo adequado de entender o próprio texto constitucional 31.

A proteção jurídica aos direitos coletivos em sentido amplo, principalmente os de dimensão

ambiental, é prioridade e condição de legitimidade do Estado Democrático de Direito. O Estado não

deve criar obstáculos a esses direitos; ao contrário, necessita atuar para viabilizá-los, seja

aperfeiçoando a legislação, com a finalidade de ampliar o campo de seu reconhecimento, seja

administrando com a atenção voltada para a sua efetivação, seja tornando a Justiça realmente

efetiva na sua apreciação. Com o advento do Estado Democrático de Direito, houve alteração na

relação entre Direito e Política. Agora, é a política que se subordina ao Direito e torna-se a ser

instrumento de sua realização 32.

O Estado Democrático de Direito incorpora os direitos fundamentais de primeira e de

segunda dimensão. Porém, vai além. Ele incorpora também os direitos fundamentais de terceira

30 Sustentou HÄBERLE, Peter: “Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elemento cerrado ou fixado com ‘numerus clausus’ de intérpretes da Constituição”. Hermenêutica constitucional — a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição, p. 13. 31 É o que esclarece STRECK, Lenio Luiz: “(...) o texto da Constituição só pode ser entendido a partir de sua aplicação. A ‘applicatio’ é a norma (tização) do texto constitucional. A Constituição será, assim, o resultado de sua interpretação (portanto, de sua compreensão como Constituição), que tem o seu acontecimento (Ereignis) no ato aplicativo, concreto, produto da intersubjetividade dos juristas, que emerge da complexidade das relações sociais (...)”. Ontem, os Códigos; hoje, as Constituições: o papel da hermenêutica na superação do positivismo pelo neoconstitucionalismo. In Direito constitucional contemporâneo: estudos em homenagem ao professor Paulo Bonavides (ROCHA, Fernando Luiz Ximenes e MORAES, Filomeno —coordenadores), p. 541. 32 STRECK, Lenio Luiz: “(...) a inserção da justiça constitucional no contexto da realização dos direitos fundamentais-sociais deve levar em conta, necessariamente, o papel assumido pela Constituição no interior do novo paradigma instituído pelo Estado Democrático de Direito. Não há como discordar, assim, dos argumentos de Ferrajoli, quando afirma que, no Estado Democrático de Direito, ‘houve uma alteração na relação entre a política e o Direito. Com efeito, o Direito já não está subordinado à política como se dela fosse um mero instrumento, mas, sim, é a política que se converte em instrumento de atuação do Direito, subordinada aos vínculos a ela impostos pelos princípios constitucionais: vínculos negativos, como os gerados pelos direitos às liberdades que não podem ser violados; vínculos positivos, como os gerados pelos direitos sociais, que devem ser satisfeitos”. ”. Hermenêutica e concretização da Constituição: as possibilidades transformadoras do Direito, In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, n. 1, p. 711.

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dimensão, relacionados com a fraternidade, com a solidariedade, incluindo a proteção ao ambiente,

ao consumidor, à ordem urbanística etc., bem como outras dimensões de direito fundamentais:

quarta e até quinta dimensão, conforme classificação de determinado setor da doutrina 33. Isso

porque o sistema jurídico no Estado Democrático de Direito é aberto e dinâmico e, assim,

acompanha e impõe transformações sociais na busca da justiça material. Novos valores e direitos

que surgem da dinâmica social são integrados pelo sistema 34 .

4. Pós-positivismo jurídico e (neo)constitucionalismo como diretrizes fundamentais para a

compreensão e a efetivação da proteção jurídica dos direitos fundamentais

A alteração de paradigma no plano do Direito para um estudo fundado mais no plano

constitucional e de base principiológica, valorativa e transformadora, o positivismo jurídico tem

sido superado, aos poucos, por aquilo que genericamente é denominado por parte da doutrina de

pós-positivismo 35 .

A expressão pós-positivismo é equívoca e poderá guardar vários significados, tendo em vista

a sua ampla abertura conceitual. Contudo, a doutrina que tem enfrentado o tema faz a análise do

assunto a partir da guinada do direito constitucional e da inserção dos seus princípios como

diretrizes fundamentais da ordem jurídica democrática. O pós-positivismo abrangeria todas as

concepções de pensamento que procuram valorizar os princípios como mandamentos de otimização

de uma ordem jurídica democrática, pluralista e aberta de valores. As concepções mais atuais em

torno do (neo)constitucionalismo estão inseridas dentro do gênero pós-positivismo 36.

33 Defendendo a existência de direitos fundamentais de quarta e quinta dimensões, WOLKMER, Antonio Carlos, Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos ‘novos’ direitos. In Os ‘novos’ direitos no Brasil (WOLKEMR, Antonio Carlos e LEITE, José Rubens Morato — organizadores), p. 1-30. 34 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual, parte 1, p. 240. 35 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual, parte 1, p. 278. 36 A respeito, formulando crítica ao positivismo e demonstrando sua incompatibilidade com o (neo)constitucionalismo, escreveu STRECK, Lenio Luiz: “Daí a possibilidade de afirmar a existência de uma série de oposições/incompatibilidades entre o neoconstitucionalismo (ou, se assim se quiser, o constitucionalismo social e democrático que exsurge a partir do segundo pós-guerra) e o positivismo jurídico. Assim: a) o neoconstitucionalismo é incompatível com o positivismo ideológico, porque este sustenta que o direito positivo, pelo simples fato de ser positivo, é justo e deve ser obedecido, em virtude de um dever moral. Como contraponto, o neoconstitucionalismo seria uma ‘ideologia política’ menos complacente com o poder; b) o neoconstitucionalismo não se coaduna com o positivismo enquanto teoria, estando a incompatibilidade, neste caso, na posição soberana que possui a lei ordinária na concepção positivista. No Estado constitucional, pelo contrário, a função e a hierarquia da lei têm um papel subordinado à Constituição, que não é apenas formal, e, sim, material; c) também há uma incompatibilidade entre neoconstitucionalismo com o positivismo visto como metodologia, porque esta separou o direito e a moral, expulsando esta do horizonte jurídico (...)”. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do

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Diz a doutrina, ao estudar o tema, que o pós-positivismo não visa a desconstrução da ordem

jurídica, mas a superação do conhecimento convencional com base nas idéias de justiça e de

legitimidade, inserindo, para tanto, os princípios constitucionais, expressos ou implícitos, como a

síntese dos valores consagrados na ordem jurídica 37. A nova concepção tem influenciado

decisivamente a constituição de uma hermenêutica constitucional inovadora.

O pós-positivismo coloca o constitucionalismo em substituição ao positivismo legalista, com

profundas mudanças em alguns parâmetros, dentre elas convém destacar: valores constitucionais no

lugar da concepção meramente formal em torno da norma jurídica; ponderação no lugar de mera

subsunção; e fortalecimento do Judiciário e dos Tribunais Constitucionais quanto à interpretação e

aplicação da Constituição, em substituição à autonomia inquebrantável do legislador ordinário 38.

A metodologia do pós-positivismo inseriu a hermenêutica como o capítulo mais relevante

para o novo direito constitucional, iniciando-se a superação da metodologia clássica, que pregava a

interpretação-subsunção, por uma nova interpretação constitucional criativa: a interpretação-

concretização 39.

Já o denominado (neo)constitucionalismo é a expressão utilizada para representar uma nova

forma de estudar, interpretar e aplicar a Constituição de modo emancipado e desmistificado. A

finalidade é superar as barreiras impostas ao Estado Constitucional Democrático de Direito pelo

positivismo meramente legalista, gerador de bloqueios ilegítimos ao projeto constitucional de

transformação com justiça da realidade social 40.

O (neo)constitucionalismo objetiva superar justamente essas barreiras interpretativas impostas

pelo positivismo legalista. Lenio Luiz Streck entende que a superação de tais obstáculos poderá ser

viabilizada em três frentes: a) por intermédio da teoria das fontes, haja vista que a lei já não é mais a

única fonte — a Constituição passa a ser fonte auto-aplicativa; b) por uma substancial alteração da

teoria da norma, imposta pela nova concepção dos princípios, cuja problemática também tem

relação com a própria fonte dos direitos; c) por uma radical mudança no plano hermenêutico-

positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In Constituição, sistemas sociais e hermenêutica (ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz — organizadores), p. 155. 37 Nesse sentido, BARROSO, Luís Roberto: “(...) o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade”. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas (BARROSO, Luís Roberto — organizador), p. 28. 38 Sobre o assunto, ALEXY, Robert, El concepto y la validez del derecho, p. 159-61. 39 Nesse sentido, BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, p. 592. 40 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual, parte 1, p. 35.

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interpretativo para passar do paradigma da interpretação para compreensão para a compreensão

para a interpretação 41.

O (neo)constitucionalismo propõe, assim, a superação do paradigma do direito meramente

reprodutor da realidade para um direito capaz de transformar a sociedade, nos termos do modelo

constitucional previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (arts. 1º, 3º, 5º, 6º

etc.). Esta superação deve ser realizada a partir do Estado Democrático de Direito, de forma a

proporcionar o surgimento e a implementação de ordenamentos jurídicos constitucionalizados 42.

O plano da efetivação concreta dos direitos constitucionais, individuais e coletivos, é o ponto

central para o (neo)constitucionalismo 43. A implementação material desses direitos, especialmente

no plano coletivo, que é potencializado, transformará a realidade social, diminuindo as

desigualdades quanto ao acesso aos bens e valores inerentes à vida e à dignidade da pessoa humana.

Para isso, é imprescindível a construção de novos modelos explicativos, superando as amarras

construídas em um passado de repressão e de liberdade limitada, por valores não mais subsistentes

no cenário da sociedade atual.

A própria interpretação do texto constitucional no plano do neoconstitucionalismo deve ser

compreendida a partir da sua aplicação (efetivação). Como disse Lenio Luiz Streck, a Constituição

será o resultado de sua interpretação, que tem o seu conhecimento no plano do ato aplicativo como

produto da intersubjetividade dos juristas que emerge da complexidade das relações sociais 44.

41 Escreve STRECK, Lenio Luiz: “(...) Da incindibilidade entre vigência e validade e entre texto e norma, características do positivismo, um novo paradigma hermenêutico-interpretativo aparece sob os auspícios daquilo que se convencionou chamar de giro lingüístico-hermenêutico. Esse ‘linquistic turn’, denominado também de giro ‘lingüistico-ontológico’, proporcionou um novo olhar sobre a interpretação e as condições sob as quais ocorre o processo compreensivo. Não mais interpretamos para compreender e, sim, compreendemos para interpretar, rompendo-se, assim, as perspectivas epistemológicas que coloca (va)m o método como supremo momento da subjetividade e garantia da segurança (positivista) da interpretação”. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In Constituição, sistemas sociais e hermenêutica (ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz — organizadores), p. 159. 42 Nesse sentido, escreve STRECK, Lenio Luiz: “(...) Em síntese, o fenômeno do neoconstitucionalismo proporciona o surgimento de ordenamentos jurídicos constitucionalizados, a partir de uma característica especial: a existência de uma Constituição ‘extremamente embebedoura’ (persuasiva), invasora, capaz de condicionar tanto a legislação como a jurisprudência e o estilo doutrinário, a ação dos agentes públicos e ainda influenciar diretamente nas relações sociais”. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In Constituição, sistemas sociais e hermenêutica (ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz — organizadores), p. 160. Também CARBONEL, Miguel (org.), Neoconstitucionalismo (s). 43 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual, parte 1, p. 186. 44 Diz ainda STRECK, Lenio Luiz: “Ora, a construção das condições para a concretização da Constituição implica o entendimento da ‘Constituição como uma dimensão que banha todo o universo dos textos jurídicos, transformando-os em normas, isto porque a norma é sempre produto da atribuição de sentido do intérprete, o

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5. Proteção jurídica no âmbito da teoria dos direitos fundamentais

A compreensão da proteção jurídica com base na teoria dos direitos e garantias

constitucionais fundamentais é um dos temas mais importantes, senão o mais importante, para uma

dogmática jurídica crítica, do tipo criativa e transformadora, pois é justamente a partir da teoria dos

direitos e garantias constitucionais fundamentais, consagrada expressa ou implicitamente em

determinada ordem jurídica, que devem ser construídos os modelos explicativos, vinculatórios da

conduta do legislador, do administrador, do juiz e, mesmo até do particular, apesar de nesta última

hipótese haver discussão doutrinária e jurisprudencial, principalmente no Direito Comparado 45.

Como afirmado por Robert Alexy, podem ser formuladas, a respeito dos direitos

fundamentais, várias teorias de tipos bem diferentes, tais como: a) teorias históricas, para explicar o

surgimento dos direitos fundamentais; b) teorias filosóficas, voltadas para a fundamentação dos

direitos fundamentais; c) teorias sociológicas, a respeito da função dos direitos fundamentais no

sistema social. Conclui Alexy não existir disciplina no âmbito das ciências sociais que não esteja

em condições de analisar algo referente à problemática dos direitos fundamentais, a partir dos seus

pontos de vista e com os seus métodos 46.

Contudo, apesar de existirem planos teóricos diversos sobre o estudo da teoria dos direitos e

garantias constitucionais fundamentais, isso não significa inexistência de relação de conexão entre

eles 47. Pelo contrário, sempre há relação de conexão, e a compreensão adequada, na atualidade, dos

que ocorre sempre a partir de um ato aplicativo, que envolve toda a historicidade e a faticidade, enfim, a situação hermenêutica em que se encontra o jurista/intérprete. Por isto, Gadamer vai dizer que o entender contém sempre um fator de ‘applicatio’. Entender sem aplicação não é um entender”. Ontem, os Códigos; hoje, as Constituições: o papel da hermenêutica na superação do positivismo pelo neoconstitucionalismo. In Direito constitucional contemporâneo: estudos em homenagem ao professor Paulo Bonavides (ROCHA, Fernando Luiz Ximenes e MORAES, Filomeno — coordenadores), p. 541. 45 A respeito do tema, escreveu CANARIS, Claus-Wilhelm: “Quando, há quinze anos, por acasião do simpósio da Associação dos Professores de Direito Civil, em Aachem, anunciei que profereria uma conferência sobre o tema ‘Direitos Fundamentais e direito privado’, alguns colegas questionaram-me, irritados, sobre os motivos pelos quais havia optado justamente por este tema, uma vez que a controvérsia científica a seu respeito já estaria definitivamente esgotada. Desde então, a situação alterou-se substancialmente: a problemática encontra-se hoje virtualmente em todas as bocas”. Direitos fundamentais e direito privado, p. 19. No Brasil, SARMENTO, Daniel escreveu obra específica sobre o assunto, analisando as principais teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. In Direitos fundamentais e relações privadas, p. 223-73. 46 Teoría de los derechos fundamentales, p. 27. 47 É o que também fez ressaltar ROBERT, Alexy, ao afirmar que as teorias histórico-jurídicas e as teorias dos direitos fundamentais de outros Estados podem, dentro do respectivo marco de interpretação histórica e de interpretação comparativa, exercer um papel importante na interpretação dos direitos fundamentais da Lei Fundamental. Diz Alexy que uma conexão com as teorias teórico-jurídicas resulta, por exemplo, do fato de que nelas o que se trata é, dentre outras coisas, das estruturas possíveis e necessárias dos direitos fundamentais, ou seja, de uma teoria formal geral dos direitos fundamentais. O fato de determinados direitos fundamentais terem vigência significa que estão dadas todas as estruturas necessárias, bem como algumas das possíveis, dos direitos fundamentais. Por isso, uma teoria sobre determinados direitos fundamentais válidos pode se beneficiar, por um lado, dos conhecimentos teóricos-jurídicos e, por outro, contribuir a eles através de

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direitos e garantias constitucionais fundamentais, pressupõe um estudo interdisciplinar e

multidisciplinar, evitando-se a análise meramente racionalista fechada, própria de um positivismo

legalista ultrapassado e incompatível com as conquistas e valores constitucionais mais atuais das

sociedades democráticas.

A teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, no plano da sua positivação

constitucional, é uma teoria voltada para o direito positivo de determinada ordem jurídica,

constituindo-se em uma teoria de caráter dogmático. Portanto, o desenvolvimento desse tema faz

parte da dogmática jurídica, que é a própria ciência jurídica em sentido mais restrito 48.

Os direitos e garantias constitucionais fundamentais compõem o núcleo de uma Constituição

democrática e pluralista e possuem tanto dimensão subjetiva, a qual se liga às pessoas individuais

ou coletivas titulares dos direitos, quanto objetiva, constituindo-se, neste caso, parâmetro básico

para a interpretação e concretização da própria ordem jurídica e da fixação dos parâmetros e valores

do próprio Estado Democrático de Direito 49.

Como principais diretrizes principiológicas e interpretativas, relativas aos direitos e garantias

constitucionais fundamentais, decorrentes da dupla conjugação de caráter subjetivo e objetivo,

destacam-se, como exemplos, a imprescritibilidade, a aplicabilidade imediata; a imunidade em

relação ao poder reformador constituinte derivado; imunidade em relação ao legislador

infraconstitucional; o caráter pétreo desses direitos 50; a interpretação aberta e extensiva; a não-

taxatividade ou não limitação; a proteção integral etc.

Escreveu Peter Häberle que os direitos fundamentais são a expressão de um ordenamento

livre e realizado e, ao mesmo tempo, são o pressuposto para que este ordenamento se reconstitua

continuamente pelo exercício dos direitos. O conteúdo e os limites aos direitos fundamentais devem

análises de sua matéria. Assim, é precisamente para compreender esse tipo de conexões que é importante diferenciar o que está conectado. Teoría de los derechos fundamentales, p. 28. 48 Esclarece ALEXY, Robert ser possível fazer distinção entre 03 (três) dimensões da dogmática jurídica: a analítica; a empírica; e a normativa 48. Diante dessas três dimensões, o caráter da ciência jurídica, atualmente concebida como ciência prática e, portanto, voltada para os casos concretos, resultaria um princípio unificante. A ciência jurídica precisa cumprir a sua tarefa prática e, para isso, faz-se necessário a vinculação das três dimensões mencionadas, de forma a constituir a ciência jurídica uma disciplina integrativa pluridimensional. Conclui Alexy que a vinculação das dimensões analítica, empírica e normativa é condição imprescindível da racionalidade da ciência jurídica como disciplina prática, Teoría de los derechos fundamentales, p. 29. 49 Nesse sentido, escreve LUÑO, Antonio E. Perez que o horizonte do constitucionalismo atual dos direitos fundamentais desempenha dupla função: a) no plano subjetivo, eles seguem atuando como garantias das liberdades individuais, sendo que a esse papel clássico soma-se agora a defesa dos aspectos sociais e coletivos da subjetividade; b) no plano objetivo, eles assumem uma dimensão institucional a partir da qual seus conteúdos devem funcionar visando a consecução dos fins e valores proclamados constitucionalmente. Los derechos fundamentales, p. 25. 50 MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos fundamentais: conceito, função e tipos, p. 79-96.

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ser visualizados, diz Häberle, através de uma visão de conjunto que conceba esses direitos como

constitutivos de um sistema unitário 51.

Antonio E. Perez Luño, de maneira mais direta e precisa, sustenta que a concepção dos direitos

fundamentais determina a própria significação de poder público e revela, de forma a demonstrar a

íntima relação entre o papel consignado a esses direitos e a maneira de organizar e exercer as

funções estatais. Para o autor, os direitos fundamentais são a primeira garantia com que os cidadãos

de um Estado de Direito contam para que os sistemas, jurídico e político, orientem-se, em seu

conjunto, pelo respeito e pela promoção da pessoa humana; primeiramente, em sua dimensão

individual, como se deu no Estado Liberal de Direito e depois, acrescentada a exigência de

solidariedade como resultado do componente social e coletivo da vida humana, como Estado Social

de Direito 52. Diz Perez Luño que, em sua significação axiológica objetiva, os direitos fundamentais

representariam o resultado do acordo básico das diferentes forças sociais, conquistado a partir de

relações de cooperação, encaminhadas diante de metas comuns. Em sua dimensão subjetiva, os

direitos fundamentais determinam o estatuto jurídico dos cidadãos, tanto em suas relações com o

Estado, quanto em suas relações entre si 53.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, reconhece tanto os direitos

fundamentais em sentido formal, quanto os direitos fundamentais em sentido material, tendo em

vista o rico teor da cláusula aberta sobre os direitos e garantias constitucionais prevista no § 2º do

art. 5º, da CF/88, que estabelece: ‘os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em

que a República Federativa do Brasil seja parte’.

Tecidas essas considerações, conclui-se, no plano da dogmática jurídica, que direitos

fundamentais são todos os direitos, individuais ou coletivos, previstos expressa ou implicitamente,

em determinada ordem jurídica e que representam os valores maiores nas conquistas históricas dos

indivíduos e das coletividades, os quais giram em torno de um núcleo fundante do próprio Estado

Democrático de Direito, que é justamente o direito à vida e à sua existência com dignidade, estando

aqui incluída a proteção jurídica ambiental, na sua condição de direito fundamental.

6. A Proteção jurídica e a superação da summa divisio direito público e direito privado

pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito individual e direito coletivo

51 La libertad fundamental en el Estado constitucional, p. 55-6. 52 Los derechos fundamentales, p. 20. 53 Los derechos fundamentales, p. 21-2.

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Na nossa tese de doutoramento, sustentamos a concepção de que a summa divisio Direito

Público e Direito Privado não foi recepcionada pela Constituição da República Federativa do

Brasil, de 1988. A summa divisio constitucionalizada no País é Direito Coletivo e Direito

Individual. Chegamos a esta conclusão porque o texto constitucional de 1988 rompeu com a

summa divisio clássica ao dispor, no Capítulo I do Título II — Dos Direitos e Garantias

Fundamentais, sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos 54.

Para o constitucionalismo democrático, os direitos e garantias constitucionais fundamentais

contêm valores que devem irradiar todo o sistema jurídico, de forma a constituírem-se a sua

essência e a base que vincula e orienta a atuação do legislador constitucional, do legislador

infraconstitucional, do administrador, da função jurisdicional e até mesmo do particular, conclui-se

que no contexto do sistema jurídico brasileiro a dicotomia Direito Público e Direito Privado não se

sustenta. Outros argumentos de fundamentação tanto constitucional, quanto teórica que dão

embasamento para a tese.

Apesar da autonomia metodológica e principiológica do Direito Coletivo brasileiro, não se

sustenta que o Direito Coletivo brasileiro seja um novo ramo do Direito; como não se sustenta que o

Direito Individual, que compõe a outra dimensão da summa divisio constitucionalizada no País, seja

um outro ramo do Direito. Na verdade, o Direito Coletivo e o Direito Individual formam a summa

divisio consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No Direito Coletivo

existem ramos do Direito, tais como o Direito do Ambiente, o Direito Coletivo do Trabalho, o

Direito Processual Coletivo e o próprio conjunto, em regra, do que é denominado de “Direito

Público”, que estaria dentro do Direito Coletivo, existindo, contudo, exceções. Da mesma forma, no

Direito Individual há vários ramos do Direito como o Direito Civil, o Direito Processual Civil, o

Direito Individual do Trabalho, o Direito Comercial etc.

O Estado Democrático de Direito, na hipótese, especialmente o brasileiro (art. 1º da CF/88),

está dentro da sociedade 55, regido pela Constituição, com função de proteção e de efetivação tanto

do Direito Coletivo, quanto do Direito Individual. É um Estado, portanto, da coletividade e do

54 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito coletivo brasileiro — autonomia metodológica e a superação da summa divisio direito público e direito privado pela summa divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual, parte 1, p. 35-42. Também: ALMEIDA, Gregório Assagra de, Direito material coletivo, p. 22-57. 55 No mesmo sentido, sustentando que o dualismo clássico (Estado e sociedade) não subsiste no Estado Democrático de Direito, ZIPPELIUS, Reinhold: “A distinção entre Estado e sociedade provém de uma época histórica durante a qual a centralização do poder político na mão de um soberano absoluto e respectiva burocracia dava origem à novação de que o Estado constituía uma realidade autónoma em face à sociedade”. Teoria geral do Estado, p. 158.

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indivíduo ao mesmo tempo 56. Com isso, conclui-se que existem dimensões do que é denominado,

pela concepção clássica, de “Direito Público”, também dentro do Direito Individual, como é o caso

do Direito Processual Civil, de concepção individualista 57.

O Direito Coletivo e o Direito Individual formam dois grandes blocos do sistema jurídico

brasileiro, integrados por vários ramos do Direito. Entretanto, no Brasil, não se insere o Direito

Constitucional dentro da summa divisio constitucionalizada. O Direito Constitucional está acima e

representa o ponto de união e de disciplina da relação de interação entre esses dois grandes blocos.

A Constituição, que estrutura o objeto formal do Direito Constitucional, é composta tanto de

normas, garantias e princípios de Direito Coletivo, quanto de normas, garantias e princípios de

Direito Individual.

7. Proteção jurídica ambiental como direito fundamental e a necessidade de compreensão

e do desenvolvimento da idéia em torno de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista

Por um longo período, o ser humano acreditava que os recursos naturais eram inesgotáveis;

foi precisamente com os problemas decorrentes da sociedade massificada, a qual tem como causa a

Revolução Industrial do Século XVIII, que a sociedade, por intermédio dos seus corpos

intermediários (associações e outras entidades), começou a tomar consciência da necessidade da

tutela ambiental e tratou de se movimentar. Mais precisamente após a Segunda Grande Guerra

Mundial é que essa consciência ecológica começa a se intensificar, provocando a tomada de

medidas pelas autoridades competentes rumo à tutela jurídica do ambiente. Não há um divisor de

águas dessa tomada de consciência, como também não há um movimento único que possa ser

apontado como a tomada de consciência da necessidade da tutela jurídica do ambiente. A questão

ambiental, diretamente ligada ao direito à vida e a sua existência com dignidade, atinge branco e

preto, rico e pobre, tem tido influência constante para a revisitação de muitos conceitos clássicos

que em torno do Direito 58.

56 ZIPPELEUS, Reinhold: “(...) no processo de formação da vontade estadual cada indivíduo surge, perante os outros, na posição de igual e livre. Mas a orientação do Estado não tem de ser marcada pelo egoísmo dos interesses particulares que domina a vida social, mas em vez disso — deve-se concluir — pelo justo equilíbrio daqueles interesses”. Teoria geral do Estado, p. 159. 57 Também é inquestionável que a Constituição contém tanto normas de “Direito Público”, quanto de “Direito Privado” e, assim, não é tecnicamente, nem metodologicamente adequado, o enquadramento do Direito Constitucional como um dos capítulos do Direito Público, conforme assim o faz a summa divisio clássica. 58 Escreveu GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover “Surgem, agora, a nível de massa, e por via substancial — enquanto o direito burguês concebia, normalmente, posições adquiridas por via formal e colocava o indivíduo, isoladamente considerado, no centro do sistema — interesses difusos: ou seja, aspirações espalhadas e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referidas à ‘qualidade de vida’. Necessidades e interesses, esses, que sofrem constantes investidas e agressões, também de massa, e que põem

20

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 já estabelecia: “Toda pessoa tem

direito a um nível de vida próprio a garantir sua saúde, seu bem-estar e de sua família”.

Todavia, foi a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em

1972, em Estocolmo, na Suécia, que o direito ao ambiente como qualidade de vida passou a ser

reconhecido como direito fundamental universal. Consta do Princípio 1 dessa Declaração: O homem

tem um direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num

ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Ele tem o dever solene de

proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Esse princípio, como se

nota da sua redação, teve influência direta na elaboração do art. 225 da CF/88.

Para a evolução dessa consciência mundial foi de extrema importância a Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, Brasil, dos

dias 3 a 14 de julho de 1992. Nessa conferência, houve o comparecimento de representantes de

países de quase todo mundo, ocasião em que aprovaram e firmaram 27 (vinte e sete) princípios.

Nessa Conferência Rio/92 foi reafirmada a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

Humano, que havia sido realizada em Estocolmo, na Suécia, aos 16 de junho de 1972.

Depois disso, outros encontros internacionais têm ocorrido, podendo ser citada a reunião da

Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que se reuniu na cidade de Johannesburgo,

África do Sul, do dia 26 de agosto aos 04 de setembro de 2002, sendo que várias questões foram

discutidas nessa reunião, até mesmo questões relacionadas com ajuda à África do sul na sua luta

pela erradicação da pobreza, pela paz e pelo desenvolvimento sustentável.

O Brasil tem lugar de destaque, tanto no plano legislativo, já que temos uma legislação

vanguardista, especialmente no plano constitucional, quanto no plano doutrinário. Antônio Herman

de Vasconcelos Benjamin 59 afirma que a tutela jurídica do ambiente no Brasil pode ser explicada

por três modelos ou fases históricas: a) a primeira é a fase da exploração desregrada ou laissez-

faire ambiental, que prevaleceu sobre todo período colonial e imperial e em grande parte do período

republicano, o que se deu até a década de 60 do século passado — nesta fase não havia

propriamente proteção jurídica ao ambiente; b) a segunda é a fase da proteção fragmentária ou

taxativa, na qual alguns bens ambientais passaram a receber a proteção jurídica, o que teve início

em meados da década de 60 do Século passado, com o Código Florestal (Lei 4.771, de 15.09.1965),

Código de Proteção à Fauna (Lei 5.197, de 03.01.1967), Código de Mineração (Decreto-lei 227, de

28.02.1967) etc.; c) a terceira e atual é a fase da proteção holística ou integral, que tem início com a

à mostra a existência de outros conflitos meta-individuais, nem sempre reconduzíveis ao contraste autoridade-indivíduo”. A tutela jurisdicional dos interesses difusos, in Revista de Processo, n. 14-15, p. 27. 59 Introdução ao direito ambiental. In Direito ambiental na visão da Magistratura e do Ministério Público (SOARES JÚNIOR, Jarbas e GALVÃO, Fernando — coordenadores), p. 15-8.

21

Lei 6.938, de 31.08.1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), sendo de se destacar, nesta

lei, a instituição dos princípios e dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (arts. 1º/4º),

a instituição de um Sistema Nacional de Proteção ao Meio Ambiente (arts. 6º/8º), a incorporação do

estudo de impacto ambiental (art. 9º), a fixação do regime da responsabilidade ambiental objetiva

para os danos ambientais e a consagração da legitimidade ativa do Ministério Público para o

ajuizamento de uma espécie de ação civil pública para a reparação de danos ambientais (§ 1º do art.

14). Essa terceira fase consagrou-se com a CF/88 60 (arts. 5º, LXXII, 129, III, 225 e, dentre outros,

o inciso VI do art. 170, com sua redação ampliada agora por força da Emenda Constitucional

42/2003). Após a CF/88 vários outros diplomas legislativos vieram para garantir a proteção integral

do meio ambiente no País (Lei 9.433, de 8.01.1997, que instituiu a Política Nacional dos Recursos

Hídricos; Lei 9.605, de 12.02.1998, que passou a dispor sobre sanções penais e administrativas

derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; Lei 9.795, de 27.04.1999, que

instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental etc. Nesta terceira fase houve uma radical

mudança de direção com a consagração da proteção holística ou integral do meio ambiente, no

sentido de que, em se protegendo o meio ambiente como um todo, protegem-se as suas

particularidadess É o que se extrai inclusive de texto expresso de dispositivo da Constituição (Art.

225) 61.

Assim, estabelece o art. 225, caput, da CF/88: “Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações”.

Como se observa, o texto constitucional brasileiro protege qualquer tipo de vida, quando

estabelece: todos têm direito. Há aqui o rompimento com a visão exclusivamente antroprocentrista

da tutela jurídica, tendo em vista que, de alguma forma, o dispositivo constitucional reconhece

60 Em verdade, entende-se que a fase da tutela ambiental holítisca ou integral só se consagrou no Brasil na Constituição de 1988. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) foi um grande avanço, mas no plano infraconstitucional. A ação civil pública nela prevista (art. 14, § 1º) só tinha caráter repressivo e o único legitimado ativo era o Ministério Público. Por outro lado, a Carta Constitucional de 1969 só garantia o acesso à justiça em relação aos direitos individuais. Portanto, a verdadeira fase holística e da proteção integral surge com CF/88 (arts. 5º, XXXV, LIII, 129, III, 225 etc.). 61 Registra-se que há no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n. 99/2003, de autoria do Deputado do PT-SP, Wagner Rubinelli, que prevê a criação no Brasil da Justiça Ambiental, composta por um Tribunal Superior Ambiental, por Tribunais Regionais Ambientais e por Juízes Ambientais. A PEC n. 99/2003 ainda cria no País o Ministério Público Ambiental. Apesar de ser louvável a iniciativa e a tentativa de ampliar a proteção ao ambiente no País, entende-se que não há necessidade de criação de mais uma estrutura burocrática no âmbito da Justiça brasileira. O mais adequado e mais simples é a especialização dos Juizes de primeiro grau e dos Tribunais, conforme já ocorre em relação ao Ministério Público no que tange às denominadas promotorias de defesa do ambiente.

22

direitos da própria natureza 62. Nesse sentido, diz Antônio Herman V. Benjamin 63 que a tutela

ambiental tem, aos poucos, abandonado a rigidez de suas origens antropocêntricas para incorporar

uma visão mais ampla, de caráter biocêntrico (ou mesmo ecocêntrico), no sentido de amparar a

totalidade da vida e suas bases. Dentro dessa visão do biocentrista, defendida por vários

pensadores, a flora, a fauna e a biodiversidade seriam igualmente sujeitos de direitos e, por isso,

merecem proteção pelo Direito. Essa visão está presente, desde 1982, na Organização das Nações

Unidas, tanto que a sua Assembléia Geral, por intermédio da Resolução n. 37/7, manifestou-se:

“Toda forma de vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua utilidade para o

homem, e, com a finalidade de reconhecer aos outros organismos vivos este direito, o homem deve

se guiar por código moral de ação” 64.

A preocupação do legislador Constituinte de 1988 com a importância da proteção jurídica do

ambiente foi tanta que ele não se contentou em distribuir regras de competência formal (ou

legislativa — arts. 24, VI, VII e VIII e art. 30, I e II, ambos da CF) e material (implementação —

23, III, IV, VI,VII e 225, ambos da CF), que são concorrentes entre todas as esferas do sistema

federativo (União, Estado, Distrito Federal e Município). Ele conferiu também ao Poder Público em

geral e à própria coletividade a competência material ou de implementação ao impor que a

coletividade, ao lado do poder público, tem o dever de defender e de preservar o meio ambiente

para as presentes e gerações futuras (art. 225 da CF) 65.

No plano das conquistas sociais, a tutela jurídica do ambiente está inserida dentro dos direitos

fundamentais de terceira dimensão. Norberto Bobbio sustentou que dentro dos direitos humanos de

terceira dimensão (geração), o mais importante seria o reivindicado pelos movimentos ecológicos,

pois nele está o direito de viver em um ambiente não poluído 66.

Contudo, a concepção clássica de cidadania, restrita, geralmente, ao direito de eleger ou de

ser eleito (votar e ser votado), enfim, vinculada ao exercício de direitos políticos, é individualista e

própria de um Estado Liberal de Direito e incompatível com a concepção de proteção jurídica

ambiental como direito fundamental. Atualmente, no estágio de evolução dos povos, há a

necessidade de mudança de paradigma para a compreensão e o desenvolvimento da concepção em

62 ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito ambiental, p. 25. 63 Introdução ao direito ambiental brasileiro. In Direito ambiental na visão da Magistratura e do Ministério Público (SOARES JÚNIOR, Jarbas e GALVÃO, Fernando — coordenadores), p. 20. 64 Novas tendências e possibilidades do Direito Ambiental no Brasil. In Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas (WOLKMER, Antonio Carlos e LEITE, José Rubens Morato — organizadores), p. 213. 65 Diante da redação do texto constitucional, conclui-se que o cidadão tem o direito constitucional e o dever de ajuizar ação popular ambiental para a defesa e preservação do ambiente (art. 5º, LXXIII, c/c o art. 225, ambos da CF/88).

66 A era dos direitos, p. 6.

23

torno do cidadão coletivo, titular de direitos indivisíveis que transcendem tanto a esfera individual,

quanto a dimensão territorial de cada país. A própria idéia em torno dos direitos fundamentais

precisa ser ampliada para uma dimensão que ultrapasse o antropocentrismo clássico e rígido 67.

Para se constituir uma teoria geral da cidadania coletiva solidarista do tipo biocentrista,

obriga-se ao rompimento com o antropocentrismo clássico. Impõe-se, portanto, a compreensão do

Direito por intermédio de uma visão holística que permita a tutela e o respeito a todo tipo de vida,

atendidas as necessidades relativas à sobrevivência das espécies 68.

Essa teoria geral da cidadania coletiva solidarista do tipo biocentrista impõe a constituição

de um modelo teórico de cidadão coletivo que não se limite às fronteiras territoriais de cada nação,

mas que adquira caráter e dimensão mundial, em sintonia com a casa comum, habitat de todos: o

Planeta Terra. Essa concepção de cidadania coletiva solidarista/biocentrista tem amparo na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Os seus fundamentos estão: a) no art. 1º,

que consagra o princípio democrático e a dignidade da pessoa humana; b) o art. 3º que estabelece

como objetivos da República Federativa do Brasil a solidariedade coletiva; c) no Capítulo I do

Título II, que arrola do Direito Coletivo como espécie de direito constitucional fundamental; e o art.

225, que garante a todos e, portanto, sem vinculação absoluta ao ser humano, o direito ao ambiente

ecologicamente equilibrado.

8. Ambiente natural e dano ambiental (noções conceituais)

A Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu

art. 3º, I, o conceito de ambiente natural: ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

67 Sobre o antropocentrismo escreve MILARÉ, Édis: “Antropocentrismo é uma concepção genérica que, em síntese, faz do Homem o centro do Universo, ou seja, a referência máxima e absoluta de valores (verdade, bem, destino último, norma última e definitiva etc.), de modo que ao redor desse ‘centro’ gravitem todos os demais seres por força de um determinismo fatal. Tanto a concepção quanto o termo provêm da Filosofia”. Acrescenta o autor: “O Movimento Ambientalista, não obstante a grande diferença entre as posições políticas, sociais e econômicas dos seus integrantes, rechaça unanimente as posições antropocêntricas. São conhecidos os excessos de algumas ONGs, excessos obviamente passíveis de críticas; todavia, é ponderável seu papel na busca e na manutenção do equilíbrio ecológico”. Direito do ambiente, p. 86-7. 68 Esclarece MILARÉ, Édis: “A consideração aprofundada do sentido e do valor da vida sacudiu o jugo do antropocentrismo. Sendo a vida considerada o valor mais expressivo do ecossistema planetário (já que não se conhecem outras possíveis e eventuais formas de vida em outros astros, nos moldes em que a concebemos), concentrou-se grande ênfase no seu valor. Por isso, nas duas últimas décadas a Bioética estruturou-se para responder a questões práticas, ligadas a valores, principalmente em face das questões suscitadas pela Biotecnologia”. E mais: “Com o foco voltado para a vida e todos os aspectos a ela inerentes, surgiu o ‘biocentrismo’. O valor passou a ser um referencial inovador para as intervenções do Homem no mundo natural. No dizer do médico suíço-alemão Albert Schweitzer, Prêmio Nobel da Paz, ‘sou vida que quer viver e existo em meio à vida que quer viver ( ...)’”. Direito do ambiente, p. 88.

24

formas. Contudo, no plano doutrinário, o conceito de ambiente é bem amplo e engloba o ambiente

natural, o ambiente artificial e o ambiente cultural 69.

O ambiente natural é composto pelos sistemas ecológicos, os quais abrangem as comunidades

bióticas (plantas, animais e microorganismos), e as condições abióticas (água, ar e terra). Já o

ambiente artificial e o cultural são aqueles constituídos pela conduta humana e se relacionam com a

saúde e outras condições sociais decorrentes da produção humana, as quais acabam afetando a

convivência social. Assim, o ambiente artificial abrange todo espaço urbano construído pela

conduta humana, enquanto o ambiente cultural é o decorrente da relação existente entre o ser

humano e o ambiente em que vive e, assim, abrangeria o paisagismo, os monumentos históricos, os

bens artísticos, turísticos, estéticos, históricos, arqueológicos, bem como, o urbanismo, o ambiente

do trabalho etc. Daí ser mais adequado o emprego da expressão direito ambiental no lugar de direito

ecológico.

Por outro lado, a referida Lei 6.938/81 estabelece um conceito bem amplo de dano ambiental

ao considerá-lo como sendo a degradação da qualidade ambiental que produz alteração

desfavorável das características do meio ambiente (art. 3º II).

Agiu corretamente o legislador, pois seria impróprio e muito perigoso estabelecer, em sede de

tutela jurídica ambiental, que intimamente está ligada, em grande parte, ao direito à vida humana ou

de outras espécies, uma definição fechada ou restritiva de dano ambiental. A própria compreensão

de ambiente, especialmente o natural ou ecológico, é dinâmica e se transforma de forma incessante

por força da evolução do conhecimento humano.

O que se nota é que o art. 3º, I, da Lei 6.938/81, fixa uma espécie de conceito legal

indeterminado sobre o dano ambiental, de sorte que fica por conta da doutrina e, especialmente, dos

operadores do direito (estes concretamente), o preenchimento ou a integração do conceito legal

indeterminado sobre o dano ambiental 70 . Contudo, considerando que a proteção jurídica ambiental

é direito fundamental, a concepção do dano ambiental nunca poderá ser restrita, devendo abranger

todos os aspectos materiais ou imateriais, aqui englobando, inclusive, o dano moral coletivo.

69 MAZZILLI, Hugo Nigro, A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 41. 70 O juiz, valendo-se de todas as cláusulas gerais tuteladoras do ambiente (função social da propriedade; função social da empresa e do contrato; meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito humano fundamental; dever de proteção e de preservação do meio ambiente etc.), irá preencher, concretamente, diante da hipótese deduzida jurisdicionalmente, o conceito legal indeterminado sobre o dano ambiental, conferindo a esta conceituação legal a função instrumentalizadora no plano da tutela reparatória integral do dano ao meio ambiente natural, artificial e cultural, na sua qualidade de garantia constitucional fundamental (art. 225 c/c o § 2º do art. 5º da CF).

25

O STJ, todavia, decidiu recentemente, por uma de suas turmas, por maioria de votos, que o

dano moral restringe-se ao plano individual, a pessoas determinadas 71. Essa orientação

jurisprudencial, que não deve prevalecer, contraria a concepção de cidadania coletiva, neste texto

defendida, bem como a própria teoria dos direitos fundamentais, consagrada na CF/88 (Título II,

Capítulo I).

9. Alguns aspectos da proteção jurídica do ambiente no sistema jurídico brasileiro:

proteção jurídica coletiva material, administrativa e jurisdicional

A proteção jurídica material coletiva deverá ser integral e pode ser implementada pela via do

direito penal, do administrativo ou coletivo. Também poderá ser ampliada com o aperfeiçoamento

do sistema normativo constitucional ou infraconstitucional (competência formal ou legislativa), que

é de competência concorrente, nos termos dos limites fixados na Constituição (art. 60, § 4º, 22, IV,

XII, XXVI, 24, VI, VII, VIII, e 30, I e II, todos da CF), de todos os entes federativos.

Dentro dessa proteção jurídica material coletiva são protegidos todos os bens ambientais: a)

naturais (solo, subsolo, ar, fauna, flora etc); b) artificiais (patrimônio cultural e histórico). Como o

direito ao ambiente é considerado direito humano fundamental, aplicável aqui o princípio da não-

taxatividade ou da tutela jurídica material ampla ou aberta previsto no art. 5º, § 2º, da CF/88.

A proteção jurídica administrativa coletiva poderá ser levada a efeito por todos os entes da

federação, na forma prevista na Constituição e na legislação infraconstitucional, estando inserida na

competência material ou de implementação desses entes federativos, constituindo-se forma de

competência concorrente (arts. 23, III, IV, VI ,VII e 225, ambos da CF).

Essa proteção jurídica administrativa coletiva é objeto da atuação do SISNAMA (Sistema

Nacional do Meio Ambiente), dentro da esfera da distribuição de atribuições de seus órgãos. É o

que estabelece o art. 6º da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981: “Os órgãos e entidades da União,

dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações

instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental,

constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente — SISNAMA (...)”.

Para a fixação de sanções administrativas, nos casos de infrações administrativas ambientais,

a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre as espécies de infrações, fixa as sanções e

disciplina o processo administrativo, garantindo o contraditório (arts. 70/76).

71 Consta da decisão do STJ: “Ementa. Processo civil. Ação civil pública. Dano ambiental. Dano moral coletivo. Necessária vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, de caráter individual. Incompatibilidade com a noção de transindividualidade (indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação. Recurso especial improvido” (REsp 598282/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Relator para o acórdão, Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, d. j. 02/05/2006, d. p no DJ 01/06/2006).

26

Para a proteção processual jurisdicional coletiva existem vários instrumentos: ação civil

pública (de conhecimento, cautelar ou de execução); mandado de segurança coletivo; ação popular;

e o mandado de injunção coletivo, além das ações diretas do controle abstrato e concentrado da

constitucionalidade.

Por força do princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum, previsto

no art. 83 do CDC, que é aplicável à ação civil pública, por força do art. 21, da LACP, qualquer

pedido, desde que o mais adequado, poderá ser formulado: declaratório, condenatório, constitutivo,

mandamental, executivo, constitutivo, cautelar, bem como qualquer ação ou procedimento poderão

ser utilizados, desde que se configure como o mais adequado e eficiente diante da situação

concretamente ventilada.

A Lei 7.347/85 (LACP), que veio a dispor expressamente sobre o cabimento de ação civil

pública para a proteção do ambiente (art. 1º, I), tem campo amplo de aplicabilidade para a defesa e a

preservação do ambiente, não sendo adequada, assim, qualquer interpretação restritiva na utilização

da ação civil pública ambiental como instrumento constitucional (art. 129, III, da CF). Todas as

espécies de ameaça de degradação (ameaça de lesão ou de impacto) ou de degradação (a lesão ou

impacto em si) ao ambiente natural, artificial ou cultural poderão ser objeto de apreciação

jurisdicional pela via da ação civil pública. Nesses casos, a proteção ao ambiente é enquadrada

como espécie de proteção a interesses ou direitos difusos. Podem ser citadas como exemplos de

ações civis públicas ambientais, as destinadas ao combate preventivo ou repressivo à poluição

sonora, visual, atmosférica, da água, do lençol freático, do solo, subsolo, do meio ambiente de

trabalho, além das ajuizadas para proteção à fauna, à flora, ao patrimônio cultural e artificial etc. É

cabível o ajuizamento de ação civil pública ambiental por improbidade administrativa, como uma

das formas de combater atos de improbidade administrativa que ameaçam ou causam lesão ao meio

ambiente em geral.

As ações penais por danos ao ambiente, apesar do caráter repressivo, visam, de alguma forma,

tutelar o ambiente e, por isso, teriam, pelo que pensamos, um caráter também coletivo: tutela

jurisdicional repressiva de direito difuso.

Convém registrar, porém, que o direito ao ambiente não deve ser concebido como sendo

direito de dimensão exclusivamente difusa. É possível que um dano ao ambiente venha a afetar

diretamente o indivíduo em sua esfera particular, hipótese em que estaríamos diante de um direito

difuso de dimensão também individual. Em razão dessa dimensão também individual, é possível

que o indivíduo, atingido em sua esfera particular, venha buscar a tutela jurisdicional que lhe seja

adequada (art. 5ª, XXXV, da CF), sendo que, se ele mover uma ação pedindo a tutela inibitória para

cessar o ilícito, como no caso de atividade poluidora da empresa que lhe atinge diretamente por

27

residir ao lado da empresa, a demanda, em sendo julgada procedente, irá tutelar, reflexamente,

direito ou interesse difuso — a ação é individual, mas os efeitos da decisão final são potencializados

pela indivisibilidade fática que irá compor o objeto material da prestação jurisdicional.

10. Proteção jurídica da água

O termo água, originário do latim aqua, é a substância líquida, inodora e insípida, presente

em grande abundância na natureza, no seu estado líquido, geralmente nos rios, lagos, mares, ou nos

aqüíferos subterrâneos e, no seu estado sólido, formado pelo gelo ou pela neve, ou, no seu estado

vaporizado visível, na atmosfera, constituindo a neblina e as nuvens ou, ainda, em seu estado de

vapor invisível, presente sempre no ar 72.

Da superfície do globo terrestre, mais de 2/3 é composta por oceanos, sendo que é

justamente neles que estão localizados mais de 94% da água existente no Planeta. Em razão disso,

Paulo de Bessa Antunes chega a afirmar que a denominação Terra para o nosso Planeta é equívoca

e o nome próprio seria Planeta Água 73.

De acordo com a classificação mundial das águas, formulada com base em suas

características naturais, são apontadas três espécies de águas: a) água doce, como sendo a que

apresenta teor de sólidos totais dissolvidos inferior a mil mg/l; b) água salobra, cujo teor de sólidos

totais dissolvidos situa-se entre mil a 10 mil mg/l; c) água salgada, em que o teor de sólidos totais

dissolvidos é superior a 10 mil mg/l 74.

No sistema jurídico brasileiro, conforme Resolução nº 357, de 17 de março de 2005, do

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), as águas do território pátrio são classificadas,

de acordo com a sua salinidade (art. 2º), em: a) água doce, com salinidade inferior ou igual a 0,5%;

b) salobra, com salinidade entre 0,5% a 30%; c) salina, com salinidade superior a 30%.

Há quem classifique as águas, levando-se em consideração a sua localização no solo. As

águas subterrâneas são as que estão situadas no subsolo. Já as águas superficiais estão na superfície

72 Nesse sentido, afirma FREIRE, Laudelino que água é: “(...) a substância líquida e insípida, encontrada em grande abundância na natureza, em estado líquido nos mares, rios, lagos; em estado sólido, constituindo o gelo e a neve; em estado de vapor visível, na atmosfera, formando a neblina e as nuvens e em estado de vapor invisível sempre no ar”. Grade e novíssimo dicionário da língua portuguesa, v. 1, p. 328. Com análise de vários conceitos sobre água, conferir GRANZIERA, Maria Luiza Machado, Direito de águas: disciplina jurídica das águas doces, p. 25-7. 73 Direito ambiental, p. 795. 74 A respeito, REBOUÇAS, Aldo da, Água doce no mundo e no Brasil. In Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação (REBOUÇAS, Aldo da; BRAGA, Benedito; Tundisi, José Galizia — organizadores), p. 1.

28

da terra, dividindo-se em internas, como em relação aos rios, lagos e mares interiores e, externas,

no que tange ao mar territorial, alto-mar e águas contíguas 75.

Os estuários são formados pela junção dos rios com o mar e se localizam nas proximidades

dos oceanos, e são considerados como a foz de determinado rio, decorrente da mistura das águas

fluviais com as águas marinhas 76.

Há, também, quem faça a distinção entre o termo água, como elemento natural, que se

desvincula de qualquer uso ou utilização, do termo recurso hídrico, considerado como sendo a água

como bem econômico, utilizável para esse fim 77.

O certo é que, elemento natural vital tanto para a espécie humana, quanto para outras

espécies de vida, a água doce é considerada atualmente como recurso natural fundamental,

elemento essencial para manutenção da vida humana no Planeta Terra 78, o que é confirmado pelos

os itens 1, 2 e 12 da Carta Européia da Água: “1. Não há vida sem água. A água é um bem

precioso, indispensável a todas as atividades humanas; 2. Os recursos hídricos não são

inesgotáveis. É necessário preservá-los, controlá-los e, se possível, aumentá-los; (...) 12. A água

não tem fronteiras. É um bem comum que impõe uma cooperação internacional”.

Como explica Eduardo Coral Viegas, aproximadamente 97% água do Planeta Terra é

salgada, que é de difícil aproveitamento para o consumo humano. Dos outros 3%, constituídos de

água doce, 2% estariam localizados nas calotas polares, em estado de gelo. O restante, 1%, conta

com grande parte no subsolo, em quantidade, relativamente considerável, em camadas bem

profundas, sendo que o pequeno percentual de água doce utilizável que ainda resta, está distribuído,

no nosso Planeta, de forma muito desigual 79, o que certamente contribui para crescimento constante

dos problemas relativos à utilização da água doce.

75 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de direito ambiental brasileiro, p. 110. 76 SIRVINSKAS, Luís Paulo, Manual de direito ambiental, p. 143. 77 A respeito, REBOUÇAS, Aldo da, o qual ainda complementa: “(...) Entretanto, deve-se ressaltar que toda a água da Terra não é, necessariamente, um recurso hídrico, na medida em que seu uso ou utilização nem sempre tem viabilidade econômica”. Água doce no mundo e no Brasil. In Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação (REBOUÇAS, Aldo da; BRAGA, Benedito; Tundisi, José Galizia — organizadores), p. 1. Todavia, em sentido oposto, manifesta-se GRANZIERA, Maria Luiza Machado: “(...) discordamos dessa definição e da argumentação efetuada. O Código das Águas não menciona o termo ‘recursos hídricos’ quando se refere aos usos da água. Nos termos do art. 37, ‘o uso das águas públicas se deve realizar sem prejuízo da navegação ...’. O art. 43, que dispõe sobre as derivações, para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, utiliza a expressão ‘águas públicas’. Direito de águas: disciplina jurídica das águas doces, p. 27. 78 Escreve REBOUÇAS, Aldo da: “A água doce é elemento essencial ao abastecimento do consumo humano e ao desenvolvimento de suas atividades industriais e agrícolas e é de importância vital aos ecossistemas — tanto vegetal como anima — das terras emersas”. Água doce no mundo e no Brasil. In Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação (REBOUÇAS, Aldo da; BRAGA, Benedito; Tundisi, José Galizia — organizadores), p. 1. 79 VIEGAS, Eduardo Coral, Visão jurídica da água, p. 24.

29

Por tudo isso e, em razão daquilo que é denominado de a crise da água, fomentada pela

poluição ambiental desregrada, pelo aumento da população mundial e pelo desperdício na utilização

da água, conforme descreve Eduardo Coral Viegas 80, a temática relativa à proteção jurídica da água

compõe o principal núcleo da própria proteção jurídica ambiental, constituindo-se em espécie de

tutela de bem jurídico ambiental fundamental de uso comum (art. 225, caput, da CF/88).

Eduardo Coral Viegas também aponta algumas conseqüências relacionadas com a crise

mundial em todo da água, tais como: o risco de guerra pela água; o aumento das doenças e das

mortes; o encarecimento dos recursos hídricos; e a limitação de alimentos. Para o enfrentamento

dessa complexa problemática, o autor afirma que se faz necessária uma efetiva política mundial e

nacional em torno da água, com a aplicação eficiente da legislação de proteção do ambiente e,

especialmente, de proteção dos recursos hídricos. O investimento em saneamento básico, a redução

da poluição ambiental, a recomposição das áreas atingidas, o envolvimento comunitário nas

medidas de proteção e de preservação da água e o pagamento pela água como forma de reduzir o

seu consumo seriam mecanismos imprescindíveis para a superação das crises 81.

O uso errado, inadequado, e sem controle da água doce, constitui-se, igualmente, um dos

grandes problemas mundiais, alcançando a grande maioria dos países, especialmente os mais

pobres, incluindo o Brasil. Do percentual de água doce do mundo, 73% são utilizados na

agricultura, 21% na indústria, enquanto 6% seriam utilizados como água potável 82. Para se ter uma

idéia em torno de algumas desproporções em torno do uso da água, observa-se que um cidadão

norte-americano chega a consumir 300 vezes mais água do que um cidadão ganense. Por outro lado,

aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas não têm acesso a água potável e cerca de 2 bilhões ainda

não dispõem de instalações sanitárias 83. Em razão disso hoje, para enfrentar a problemática entre

demanda e escassez da água, impõe-se a implementação de medidas adequadas no plano do sistema

de gestão das águas; o reúso da água surge como uma das grandes alternativas debatidas atualmente 84.

O Brasil é rico em água doce. O maior rio do mundo, que é o Rio Amazonas, e o maior

aqüífero subterrâneo, que é o Guarani, estão no território brasileiro. Por isso, o País possui uma das

80 Nesse sentido, VIEGAS, Eduardo Coral, Visão jurídica da água, p. 34. 81 VIEGAS, Eduardo Coral, Visão jurídica da água, p. 35-56. 82 É o que destaca ANTUNES, Paulo de Bessa, acrescentando: “(...) A água dita potável é de qualidade muito precária, pois, nos países pobres do chamado Terceiro Mundo, mais de 80% das doenças e mais de um terço da taxa de mortalidade são decorrência da má qualidade d´água utilizada pela população para o atendimento de suas diversas necessidades”. Direito ambiental, p. 795-6. 83 ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito ambiental, p. 796. 84 Sobre o tema, MANCUSO, Pedro Caetano Sanches; SANTOS, Hilton Felício dos, Reuso de água.

30

maiores bacias hídricas do Planeta Terra, de forma que, aproximadamente, 15% da água doce do

mundo estão situadas no território brasileiro 85.

Rompendo com a orientação do sistema anterior, a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 conferiu à água a natureza de bem público de titularidade da União e dos Estados 86.

Nesse sentido, estabelecem os seus artigos 20, III, e 26, I. Prevê o primeiro dispositivo: “Art. 20.

São bens da União: (...) III — os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu

domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendem a

território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. Já

o segundo dispositivo estabelece: “Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I — as águas

superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma

da lei, as decorrentes de obras da União”.

No que se refere às águas marinhas, estabelece a Constituição: “Art. 20. São bens da

União: (...) V — os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI

— o mar territorial (...)”. A plataforma continental é composta pelo leito e o subsolo da áreas

submarinas, as estendem-se para além do mar territorial, alcançando até duzentas milhas marítimas,

que são contadas da linha de base seu mar territorial, indo até a borda exterior da margem

continental. Já o mar territorial compreende toda água localizada até a faixa de doze milhas

marítimas de largura, cuja medição é feita a partir do baixo-mar do literal continental e insular

brasileiro 87.

Como o Estado existe em prol da própria sociedade e considerando o teor do art. 225 da

CF/88, a água é bem fundamental, de uso comum, de titularidade difusa.

Em relação à competência legislativa ou competência formal, dispõe o art. 22, IV, da

CF/88, que compete privativamente à União legislar sobre águas, energia, informática,

telecomunicações e radiodifusão. Por outro lado, o art. 24, VI, da CF/88, confere competências

concorrentes à União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre o ambiente, sendo que os

Municípios também estariam legitimados constitucionalmente para legislarem sobre assuntos de

interesse local (art. 30, I,da CF/88), suplementando a legislação federal e estadual no que couber.

Diante contradição entre os dispositivos constitucionais, há quem afirme que a melhor interpretação

85 VIEGAS, Eduardo Coral, Visão jurídica da água, p. 56. 86 Em razão dessa orientação constitucional, conclui VIEGAS, Eduardo Coral: “Analisando-se sistematicamente a Carta Magna, é possível afirmar que a retirada das águas da titularidade privada para sua inclusão integral como próprio estatal está associada com o princípio regente na Lei Maior de 1988 de que a propriedade, embora assegurada (art. 5º, XXII), atenderá sua função social (art. 5º, XXIII)”. Visão jurídica da água, p. 78. 87 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de direito ambiental brasileiro, p. 113.

31

é a que impõe a prevalência, em matéria de competência legislativa para legislar sobre águas, dos

art. 24, VI, e 30, I e II, da CF/88 88, especialmente quando os recursos hídricos estiverem

relacionados diretamente com a defesa do ambiente 89.

Contudo, a competência constitucional material ou de implementação é concorrente entre

União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, VI, da CF/88), abrangendo não só o poder

público em geral, mas também a própria coletividade, no termos do art. 225, caput, da CF/88.

Mesmo que o ente federal não tenha exercido a competência legislativa, a ele é conferida

competência material para a defesa e a preservação das águas, sendo que a aferição se o bem

protegido é de gerência da União (art. 20, III, da CF/88) ou do Estado (art. 26, I, da CF/88), é

fundamental para que seja aferida a competência para a aplicação das sanções previstas no sistema 90.

O plano infraconstitucional, a legislação brasileira é rica ao estabelecer a proteção jurídica

da água doce no País. Além do Código de Águas, regido pelo Decreto 24.643, de 10 de Julho de

1934, o qual deve ser contextualizado com a orientação presente na CF/88, convém destacar no País

as seguintes leis: a) Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de

Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e

regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal e alterou o art. 1º da Lei 8.001, de 13

de março de 1990, que modificou a Lei 7.990, de 18 de dezembro de 1989; b) Lei nº 9.966, de 28 de

abril de 2000, que veio a dispor sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada

por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional,

além de prever outras providências; c) Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, que a criou a Agência

Nacional de Águas (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos

Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,

estabelecendo outras providências. No novo Código Civil de 2002, a água, seguindo orientação

semelhante ao CC/1916, é disciplinada no Capítulo dos Direitos de Vizinhança (arts. 1289/1296).

Além dos referidos diplomas específicos, dos documentos internacionais que o Brasil seja

signatário, e da legislação de natureza regulamentar, tais como os Decretos 3.692/2000, 4.136/2002,

4.871/2003, 4.895/2003, e a Resolução 357/2005 do CONAMA, os outros diplomas de natureza

geral, que compõem a proteção jurídica do ambiente no Brasil, também são aplicáveis no plano da 88 Nesse sentido, sustenta FIORILLO, Celso Antonio Pacheco: “Diante dessa celeuma, em que não restou claro ser competência da União legislar sobre a matéria águas ou caber a ela somente a edição de normas gerais, temos que a melhor interpretação é extraída com base no art. 24, de modo que a competência para legislar sobre normas gerais é atribuída à União, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal legislar complementarmente e ao Município suplementarmente, com base no art. 30, II, da Constituição Federal”. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 111. 89 Nesse sentido, VIEGAS, Eduardo Coral, Visão jurídica da água, p. 132-3. 90 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de direito ambiental brasileiro, p. 112.

32

proteção jurídica da água, com especial destaque para: A Lei nº 4.771/65, que institui o Código

Florestal; a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente; a Lei nº

9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades

lesivas ao ambiente; a Lei nº 7.347/85, que dispõe sobre a Ação Civil Pública, o inquérito civil e o

termo de ajustamento de conduta, bem como, por força do art. 21 da LACP, a parte processual da

Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Ressalta Maria Luiza Machado Granziera que os instrumentos da Política Nacional das

Águas podem ser classificados levando-se em consideração duas finalidades básicas: os de

planejamento, em que estão inseridos o plano, a classificação, o enquadramento e o sistema de

informação; e os de controle, tais como a outorga, o licenciamento ambiental e a cobrança, cuja

função seria evitar-se a ocorrência de dano ambiental 91.

Considerando que a proteção jurídica da água é direito constitucional fundamental inerente

ao direito à vida e a sua existência com dignidade, todos os instrumentos processuais,

administrativos ou jurisdicionais, desde que adequados concretamente, devem ser utilizados.

Considerando que os conflitos e problemas relacionados com a água tendem a aumentar, os

papéis do Ministério Público e do Poder Judiciário tornam-se extremamente importantes para a

eficiência da proteção jurídica da água no País, impondo-se a especialização e a reestruturação

dessas instituições para a defesa de tão importante missão constitucional 92.

11. Proteção jurídica do ar

O vocábulo ar, do grego aér e do latim aere, é definido por Aurélio Buarque de Holanda

Ferreira como “camada gasosa que envolve a Terra; atmosfera (...)” 93. Elemento natural vital, o

ar, assim como a água, é bem ambiental de uso comum fundamental para manutenção de vidas no

Planeta, principalmente a vida humana.

Como explica Édis Milaré, o recurso natural do ar está ligado, estreitamente, aos

denominados processos vitais de respiração e fotossíntese, “à evaporação, à transpiração, à

oxidação e aos fenômenos climáticos e meteorológicos (...)” e, por tudo isso, possui tanto

significação biológica (ou ecológica), quanto econômica. Conclui o autor: “(...) Enquanto corpo

receptor de impactos, é o recurso que mais rapidamente se contamina e mais rapidamente se

recupera — dependendo, evidentemente, de condições favoráveis”. A sua disponibilidade e uso

fazem parte dos programas de gerenciamento ambiental, não obstante o seu caráter etéreo, sendo

91 GRANZIERA, Maria Luiza Machado, Direito de águas: disciplina jurídica das águas doces, p. 213. 92 VIEGAS, Eduardo Coral, Visão jurídica da água, p. 133. 93 Novo dicionário da língua portuguesa, p. 152.

33

que o controle da sua qualidade está diretamente relacionado com as funções ecológicas e terrestres

por ele exercidas no plano da vida terrestre 94.

A poluição do ar, que é resultado de mudanças nas características físicas, químicas ou

biológicas normais da natureza, talvez seja, nos dias atuais, o problema ambiental que possui a mais

alta dose de impacto negativo sobre a sobrevivência da vida no Planeta, gerando danos ao ser

humano, à fauna, à flora e aos materiais, atingindo principalmente o bem-estar da população,

conforme bem esclarece Édis Milaré, acrescentando que a poluição do ar constitui-se no retrato

“(...) negativista da civilização industrial, que condiciona fortemente o nosso estilo de vida.

Milhões de toneladas/dia de emissões de elementos sólidos e gasosos alteram, passageiramente ou

de forma estável, as condições de vida e influenciam nas atividades produtivas. O monóxido de

carbono (CO) é o poluente característico dos grandes centros urbanos, sempre presente apesar de

incolor, insípido e inodoro”. Para o autor, em sendo o ar um recurso vital e mutável, as condições

atmosféricas precisam ser não só monitoradas constantemente, como amplamente divulgadas 95.

O smog, o efeito estufa, a redução da camada de ozônio e as chuvas ácidas, são apresentados

pelos especialistas como efeitos da poluição atmosférica.

O smog, presente nos grandes centros urbanos, é composto por uma massa de ar estagnado,

formada por vários gases, vapores de ar e fumaça, que atinge diretamente o pulmão humano, por

conseqüência, outros órgãos vitais 96.

O efeito estufa constitui-se no isolamento térmico da terra, decorrente da presença de certos

gases na atmosfera, gerando o aquecimento global da temperatura na superfície da Terra, em razão

da enorme concentração de gases tóxicos gerados pela queima de combustíveis fósseis, florestas e

pastagens, sendo certo que a destruição da camada de ozônio 97, por absorver os raios solares

ultravioletas, agrava o quadro 98.

94 Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 269. 95 Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 270. 96 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de Direito ambiental brasileiro, p. 142. 97 A respeito da redução da camada de ozônio, assinala MILARÉ, Édis: “(...) o ozônio da atmosfera vem sendo eliminado pelo cloro presente em compostos que, em geral, são quimicamente estáveis e perduram suspensos. Com isso, há excessiva incidência da radiação ultravioleta, que poderá acarretar vários males à saúde humana e a outras formas de vida. Embora acordos internacionais prevejam para 2010 a eliminação de clorofluorcarbonetos (CFCs) nos países em desenvolvimento, como é o Brasil, não se pode postergar a adoção de medidas restritivas à sua produção e uso, conhecidas que são as ameaças ao planeta Terra. O uso do CFC como propelente deve ser totalmente restringido, conforme estabelece a Portaria 647 do Ministério da Saúde, de 20.06.1989, ressalvados os casos de uso medicinal”. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 272. 98 Nesse sentido, FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, o qual acrescenta que os gases retidos na atmosfera conservam a temperatura, sendo essa a razão do nome efeito estufa “(...) em analogia à situação de uma estufa que conserva calor”. Curso de Direito ambiental brasileiro, p. 142-3.

34

As chuvas ácidas são apontadas como um fenômeno corrosivo que atinge não só os metais,

sendo letal para a vida lacustre, além de prejudicar as florestas e os solos e a própria saúde humana.

Esclarece Celso Antonio Pacheco Fiorillo que a ocorrência de chuvas ácidas “(...) é creditada à

presença de ácido sulfúrico no ar, resultante de reações com os compostos de enxofre provenientes

da queima de carvão mineral nas formas industriais e sistemas de aquecimento doméstico (...)” 99.

Entre os vários instrumentos administrativos eficientes para a prevenção da poluição

atmosférica, Paulo Affonso Leme Machado destaca: a) os padrões de qualidade do ar; b) as normas

de emissão; c) o monitoramento da qualidade do ar; d) o licenciamento; e) a revisão do

licenciamento; f) a informação periódica da fonte emissora; g) a fiscalização pela autoridade

pública, pelos empregados da fonte poluidora e pelas associações 100.

A competência para legislar sobre o ar é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal

(art. 24, VI, da CF/88), sendo que os Municípios também possuem competência para as questões de

interesse local, em competência suplementar à legislação federal e estadual (art. 30, I e II, da

CF/88).

A competência material ou de implementação para a defesa e preservação do ar é tanto do

poder público em geral (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), nos termos do art. 23, VI,

da CF/88, quanto da coletividade em geral (art. 225, caput, da CF/88).

Apesar de a Constituição Federal ter conferido ampla proteção ao ar, no plano

infraconstitucional ainda não existe, adverte Édis Milaré, uma legislação específica que discipline a

matéria de forma ampla e sistematizada 101. Contudo, algumas leis e normas administrativas

merecem destaque na proteção jurídica do ar no Brasil: a) a Lei nº 8.723/93, que instituiu a

obrigação dos fabricantes de motores e veículos automotores e os fabricantes de combustíveis a

reduzirem os níveis de emissão de monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, hidrocarbonetos,

álcoois, aldeídos, fuligem, material particulado e outros compostos poluentes nos veículos

comercializados no País; b) a Lei nº 9.294/96, que veio a dispor sobre a proibição de fumar em

locais coletivos fechados, privados ou públicos; c) a Lei nº 10.203/2001, que autorizou os governos

estaduais e municipais a estabelecer, em planos específicos, normas e medidas adicionais de

controle da poluição do ar para veículos automotores; d) a Resolução CONAMA 18/86, que

instituiu o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores; e) A Resolução

CONAMA 05/89, que instituiu o Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (Pronar); f) A

Resolução CONAMA 03/90, que ampliou o monitoramento e o controle dos poluentes

atmosféricos, estabelecendo novos padrões de qualidade do ar e um plano de emergência para 99 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de Direito ambiental brasileiro, p. 143. 100 Direito ambiental brasileiro, p. 528. 101 Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 274.

35

episódios críticos de poluição; g) a Resolução CONAMA 08/90, que fixou limites máximos de

emissão de poluentes do ar para processos de combustão externa em fontes fixas de poluição.

Convém destacar, ainda, que, além dos referidos diplomas específicos e dos documentos

internacionais que o Brasil faça parte, os outros diplomas infraconstitucionais de natureza geral, que

compõem a proteção jurídica do ambiente no Brasil, são igualmente aplicáveis no plano da proteção

jurídica do ar no Brasil, tais como: Lei nº 4.771/65, que instituiu o Código Florestal; a Lei nº

6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente; a Lei nº 9.605/98, que dispõe

sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao ambiente; a

Lei nº 7.347/85, que dispõe sobre a Ação Civil Pública, o inquérito civil e o termo de ajustamento

de conduta, bem como, por força do art. 21 da LACP, a parte processual da Lei nº 8.078/90, que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Em síntese, para a efetivação da proteção jurídica do

ar, na sua condição de direito constitucional fundamental inerente ao direito à vida e a sua

existência com dignidade, todos os instrumentos processuais, administrativos ou jurisdicionais,

desde que adequados concretamente, devem ser utilizados de forma eficiente e articulada,

sobressaindo, no plano dessa proteção, a importância do trabalho a ser desempenhado pelas

instituições de defesa ambiental, especialmente o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Como direito fundamental, o ar atmosférico é indisponível, pois, na sua qualidade de massa

gasosa, não é suscetível de apropriação 102; é elemento natural vital, assim como a água,

constituindo-se em bem ambiental de uso comum fundamental para manutenção de vidas no

Planeta, principalmente da vida humana, sendo o seu uso, a sua defesa, a sua preservação e o seu

controle permanente pelos poderes públicos, direito e dever fundamental básico que compõe um dos

núcleos centrais da teoria dos direitos fundamentais, o direito à vida e sua existência com dignidade

(art. 225, caput, c/c o art. 5º, caput, e seu § 2º, da CF/88).

12. Proteção jurídica do solo

O vocábulo solo, derivado do latim solu, em sua dimensão ambiental natural, é definido por

Aurélio de Buarque de Holanda Ferreira como sendo: “(...) 1. Porção da superfície terrestre onde

se anda, se constrói, etc.; terra; chão: o solo pátrio. 2. O solo (1) considerado quanto a suas

qualidades geográficas e produtivas. 3. Parte superficial, não consolidada, do mando do

intemperismo, a qual encerra matéria orgânica e vida bacteriana, e possibilita o desenvolvimento

da plantas. 4. Material da crosta terrestre, não consolidado, que ordinariamente se distingue das

102 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 274.

36

rochas, de cuja decomposição em geral provém, por serem suas partículas desagregáveis pela

simples agitação da água (...)” 103.

Adverte, porém, Édis Milaré que a expressão uso do solo não é unívoca, possuindo mais de

um sentido, conforme orientações presentes na geologia, na agricultura, na física, na geografia ou

no próprio direito. Assim, ora a expressão solo é utilizada com o significado de recurso natural, ora

com o significado de espaço social, sendo que esses dois aspectos são objeto de intervenções

antrópicas muito intensas. Aduz ainda Milaré que, no âmbito da visão da ecologia, solo possui sua

vida própria, além de conferir suporte aos biomas e ecossistemas peculiares, “(...) por exemplo, o

mundo de fungos e decompositores, que renunciam à superfície aberta para adentrarem camadas

internas da terra e prepararem elementos necessários à perpetuação da vida que se expande fora.

É vida subterrânea, muitas vezes ligada aos fenômenos da morte e da decomposição da matéria

orgânica” 104.

O solo, na sua qualidade de bem ambiental natural, sofre influência de vários fatores,

constituindo-se, nas palavras de Édis Milaré, “(...) uma escura e silenciosa usina onde se

desenvolvem tantas atividades e relações necessárias à vida que se movimenta na superfície”, de

forma que nele está inserido o segredo da sua produtividade e regeneração e a própria vida dos

biomas dele depende em forte escala, do mesmo modo que dele também dependem “(...) os

habitatis das espécies animais e a variedade da paisagem, as grandes florestas e as plantações de

subsistência” 105.

São apontados como formas de agressão ao solo em razão do seu uso indevido: a) agricultura

predatória; b) mineração; c) desmatamentos e queimadas; d) emprego intensivo de adubos

químicos; e) certas formas mecanizadas de revolvimento da terra; f) presença de defensivos

agrícolas que, meso antes de se lançarem à poluição hídrica, atingem o próprio solo; g) a erosão

gerada por fatores eólicos, hidráulicos ou mecânicos 106 .

Como no caso da tutela jurídica do ar, a competência para legislar sobre o solo é concorrente

entre a União, Estados e Distrito Federal (art. 24, VI, da CF/88), sendo que os Municípios também

possuem competência para as questões de interesse local, em competência suplementar à legislação

federal e estadual (art. 30, I e II, da CF/88). Já a competência material ou de implementação para a

defesa e preservação do solo é tanto do poder público em geral (União, Estados, Distrito Federal e 103 Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1068. 104 Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 290-1. 105 Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 291. 106 Nesse sentido, MILARÉ, Édis, que acrescenta: “Florestas homogêneas, monoculturas, pecuária extensiva alteram igualmente os aspectos físico-químicos e a fertilidade, reduzindo o potencial edafológico. Do mesmo modo, a satisfação intensiva temporária de uma economia ou exploração setorial reverte em prejuízos duradouros para a economia global e a sociedade”. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 291.

37

Municípios), nos termos do art. 23, VI, da CF/88, quanto da coletividade em geral (art. 225, caput,

da CF/88).

Fora do plano da tutela jurídica integral e holística, consagrada constitucionalmente em

relação ao ambiente em geral (art. 225 da CF/88), incluindo a água, o ar, o solo e outros bens

ambientais naturais e artificiais, existem, no plano infraconstitucional, várias leis e normas

administrativas que conferem proteção jurídica ao solo, especialmente: a) a Lei nº 8.171/91, que

instituiu a Política Agrícola; b) a Lei nº 7.802/89, alterada pela Lei nº 9.974/2000 e regulamentada

pelo Decreto 4.074/2002, que dispõe, entre outras providências previstas, sobre o destino o destino

final dos resíduos de agrotóxicos e de componentes afins; c) a Lei nº 4.771/65, que instituiu o

Código Florestal e, dentre outras providências, estabeleceu a proibição de uso de fogo nas florestas,

de forma a proteger a qualidade do ar e do solo; d) a Lei nº 6.766/79, alterada pelas Leis 9.785/01 e

10.932/04, que estabelece os princípios gerais de ordenação do uso e ocupação do solo para fins de

parcelamento; e) a Lei nº 10.257/2001, intitulada de Estatuto da Cidade, que regulamentou os

artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana e

outras providências; f) a Lei nº 9.055/95, regulamentada pelo Decreto 2.350/97, que passou a

disciplinar a extração, a industrialização, a utilização, a comercialização e o transporte de

asbesto/amianto, bem como dos produtos que o contenham; g) a Resolução CONAMA 316/02, que

dispõe sobre procedimentos e critérios para o tratamento térmico de resíduos; h) o Decreto 3/99,

que dispõe sobre as condutas que podem ocasionar a contaminação ou a degradação do solo,

estabelecendo sanções administrativas aplicáveis (arts. 41/43 e art. 51); i) a Resolução CONAMA

258/99, que estabelece que as empresas fabricantes e as importadoras de pneumáticos estão

obrigadas a coletar e dar destinação final ambientalmente adequada aos pneus inservíveis existentes

no território nacional; j) a Resolução CONAMA 307/02, alterada pela Resolução CONAMA

348/04, que dispõe sobre as diretrizes, os critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos

sólidos da construção civil. Outras Resoluções importantes do CONAMA podem ser mencionadas,

tais como as de número: 273/00; 05/93; 06/91; 06/88; 313/02; 283/01 etc.

Acrescentam-se aos referidos diplomas legais, os documentos internacionais que o Brasil

adote, bem como outros diplomas de natureza geral, que compõem a proteção jurídica do ambiente

no Brasil, aplicáveis no plano da proteção jurídica do solo no País, principalmente: a Lei nº

6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente; a Lei nº 9.605/98, que dispõe

sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao ambiente; a

Lei nº 7.347/85, que dispõe sobre a Ação Civil Pública, o inquérito civil e o termo de ajustamento

de conduta, bem como, por força do art. 21 da LACP, a parte processual da Lei nº 8.078/90, que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

38

Em síntese, para efetiva proteção jurídica do solo, na sua condição de direito constitucional

fundamental inerente ao direito à vida e a sua existência com dignidade, todos os instrumentos

processuais, administrativos ou jurisdicionais, desde que adequados concretamente, devem ser

utilizados.

O solo é bem ambiental essencial para a vida nas suas variadas dimensões e espécies, seja na

sua condição de espaço social destinado à raça humana, seja como recurso natural necessário para a

vida circulante na superfície, de sorte que a sua proteção e a sua preservação constituem-se em

direito e dever fundamental que se fundam no o art. 225, caput, c/c o art. 5º, caput, e seu § 2º, da

CF/88.

Conclusões

1. O direito ambiental é hoje a base e o fundamento, de dimensão nacional e internacional,

para unir nações e povos em uma busca incessante e solidária para a proteção, preservação e

restauração dos ecossistemas e das raízes culturais e históricas da humanidade.

2. A proteção jurídica ambiental é, em regra, espécie de tutela jurídica difusa por excelência,

pautada no direito e no interesse de toda a humanidade na proteção e na preservação dos diversos

ecossistemas planetários.

3. O ambiente é o mais típico interesse ou direito difuso, constituindo-se como espécie de

interesse ou direito transindividual fundamental, de natureza essencialmente coletiva.

4. A transindividualidade ambiental abrange tanto o ambiente em sua dimensão ecológica ou

natural (a biosfera, que abrange o conjunto dos ecossistemas e comunidades planetárias, que

compõem a hidrosfera — água, que cobre mais ou menos 71% da superfície do globo —, a litosfera

— solo e rochas, que formam mais ou menos 29% da superfície da Terra — e a atmosfera), quanto

em sua dimensão artificial , que é resultado da criação humana (patrimônio cultural e histórico).

5. Contudo, o direito ao ambiente não pode ser apontado como direito de dimensão

exclusivamente difusa, tendo em vista que é possível que um dano ao ambiente venha a afetar

diretamente o indivíduo em sua esfera particular, hipótese em que estaríamos diante de um direito

difuso de dimensão também individual.

6. A compreensão em torno do Estado Democrático de Direito e da própria teoria dos direitos

fundamentais é imprescindível para o estudo, o aperfeiçoamento e a efetivação da proteção jurídica

ambiental.

7. As orientações teóricas, presentes no âmbito do pós-positivismo jurídico e do

(neo)constitucionalismo, também devem pautar os estudos sobre a proteção jurídica ambiental, na

sua condição de direito fundamental.

39

8. A superação da visão clássica da cidadania, de dimensão individualista, faz-se necessária,

de forma a ser permitida a construção da idéia de uma cidadania coletiva biocentrista solidarista, de

índole planetária.

9. As concepções biocentrista e holística da proteção jurídica ambiental estão consagradas no

art. 225 da CF/88, em sua conjugação com o art. 5º, caput e seu § 2º.

10. A água é elemento natural vital tanto para a espécie humana, quanto para outras espécies

de vida, sendo que, das suas espécies, a água doce, em risco de escassez, é considerada, atualmente,

como recurso natural fundamental para a sobrevivência da raça humana, elemento essencial para

manutenção da vida humana no Planeta Terra, inserido-se como um dos mais básicos direitos

fundamentais.

11. Elemento natural vital, o ar, assim como a água, é bem ambiental de uso comum

fundamental para manutenção de vidas no Planeta, principalmente a vida humana, constituindo o

seu uso, a sua defesa, a sua preservação e o seu controle permanente pelos poderes públicos, direito

fundamental básico que compõe um dos núcleos centrais da teoria dos direitos fundamentais, o

direito à vida e sua existência com dignidade (art. 225, caput, c/c o art. 5º, caput, e seu § 2º, da

CF/88).

12. O solo é bem ambiental essencial para a vida em muitas de suas dimensões, seja na sua

condição de espaço social destinado à raça humana, seja como recurso natural necessário para a

vida circulante na superfície, de sorte que a sua proteção e a sua preservação constituem-se direitos

e deveres fundamentais que se amparam no o art. 225, caput, c/c o art. 5º, caput, e seu § 2º, da

CF/88.

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