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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA
COMARCA DE ITAPIRAPUÃ/GO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS,
presentado pelo Promotor de Justiça infra-assinado, com fundamento no artigo 129, incisos II
e III, da Constituição Federal; nos artigos 1º, II, 2º, 3º, 5º, I, 11 e 12, todos da Lei Federal
7.347/85; e nos artigos 6º, VI, 81, parágrafo único, incisos I, II e III, 82, I, 83, 84, caput e §§
3º e 4º, 87 e 91, todos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90), com
base no ICP 201500101105, propõe a presente:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA
ALTERA PARTE
em desfavor de CELG – Companhia Energética de Goiás,
sociedade de economia mista, inscrita no CNPJ: 01.543.032/0001-04, localizada na rua 02,
s/n, quadra: A-37, 505, Edifício Gileno Godoi, Jardim Goiás, CEP: 74.820-180, autorizada a
funcionar como empresa de energia elétrica pelo Decreto Federal n ˚ 38.868, de 13 de março
de 1.956, na pessoa de seu representante legal, pelas razões de fato e de direito que passa a
expor:
I - DOS FATOS
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Esta Promotoria de Justiça instaurou o ICP de nº
201500101105, que acompanha a presente ação, para apurar a cobrança excessiva e abusiva
da concessionária CELG, nos meses de janeiro e fevereiro de 2015, em desfavor dos
consumidores das cidades de Itapirapuã e Matrinchã.
Com efeito, nos meses de janeiro e fevereiro de 2015, dezenas
de consumidores dos municípios de Matrinchã e Itapirapuã compareceram a esta Promotoria
de Justiça, a fim de informar que a concessionária de energia elétrica CELG, ora requerida,
estava efetuando cobrança excessiva e abusiva.
Cite-se, como exemplo, o caso do consumidor ERLEY VEIGA
DOS SANTOS, que pagava em média R$ 223,00 pelo consumo de energia elétrica e, no mês
de janeiro de 2015, a CELG lhe cobrou R$ 1.519,41.
Com o fim de instruir o referido procedimento extrajudicial,
colheu-se termo de declaração do representante da CELG nos municípios de Matrinchã e
Itapirapuã e requisitaram-se informações junto à CELG e à AGR (Agência Goiana de
Regulação Controle e Fiscalização de Serviços Públicos).
Em resposta, a CELG informou que o serviço de leitura de
medidores é feito por empresa terceirizada e, em razão de descumprimento de cláusulas
contratuais, a CELG teria rescindido o contrato, o que levou a uma interrupção do serviço de
leitura.
Norival Pinto de Oliveira Júnior, representante da CELG em
Itapirapuã e Matrinchã, informou em depoimento (fls. 06/07) que a empresa terceirizada
interrompeu a leitura no dia 20 de agosto de 2014, de modo que a nova empresa contratada
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só retomou o serviço, na maioria das residências, no final de janeiro e início de fevereiro de
2015. Em outras casas, a leitura somente foi retomada no mês de fevereiro de 2015,
como é o caso da consumidora Anízia Ferreira de Brito (autos anexos).
Norival disse, ainda, que no período em que não houve a leitura
dos medidores (setembro de 2014 até o final de janeiro de 2015) a cobrança era feita de duas
formas: em algumas unidades consumidoras a CELG cobrava somente a taxa mínima, ao
passo que, em outras, a requerida cobrava pela média de consumo dos meses anteriores.
De acordo com Norival, a nova empresa contratada, nos meses
de janeiro e fevereiro de 2015, retomou o serviço de leitura das unidades consumidoras, de
sorte que a CELG fez o seguinte cálculo: apurou o número de KWH do mês de janeiro (ou
fevereiro, dependendo do consumidor) de 2015, diminuiu o número de KWH da última
leitura (agosto de 2014), descontou os valores pagos pelos consumidores durante os meses de
setembro a dezembro de 2014, incidiu o aumento em razão de bandeira tarifária e emitiu a
fatura.
Por exemplo, se em uma residência o medidor marcava, no mês
de agosto de 2014, 1500 KWH e, na leitura de janeiro (ou fevereiro) de 2015, o medidor
apontava 2500 KWH, a CELG apurou a diferença (1000 KWH), descontou o valor pago pelo
consumidor nos meses de setembro a dezembro de 2014 (lembre-se que nesses meses os
consumidores foram cobrados, ou por tarifa mínima, ou por média de consumo) e incidiu o
aumento de R$ 0,03 (três centavos) por KWH, referente ao sistema de bandeiras.
A CELG justificou o seu cálculo com base no art. 111, § 1º, da
Resolução Normativa nº 414 da ANEEL:
Art. 111. Caso a distribuidora não possa efetuar a leitura por motivo de situação de emergência ou de calamidade pública,
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decretadas por órgão competente, ou motivo de força maior, comprovados por meio documental à área de fiscalização da ANEEL, o faturamento deve ser efetuado utilizando-se a média aritmética dos valores faturados nos 12 (doze) últimos ciclos de faturamento, observado o disposto no § 1o do art. 89, desde que mantido o fornecimento regular à unidade consumidora. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)§ 1º No ciclo de faturamento subsequente ao término das situações previstas no caput, a distribuidora deve realizar o acerto da leitura e do faturamento. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
Em outras palavras, o art. 111, caput e § 1º, acima explicitado
determina que, em casos de situação de emergência, calamidade pública ou motivo de
força maior que impossibilite a leitura dos medidores, o faturamento deve ser feito com base
na média mensal e, posteriormente, quando a leitura for restabelecida, permite que a
concessionária cobre a diferença de todo o período em que não houve a leitura.
Portanto, a CELG alega que o fato de a empresa terceirizada,
responsável pela leitura dos medidores, ter descumprido o contrato e paralisado o serviço
configurou motivo de força maior, o que permitiu a incidência do art. 111 da REN 414 da
ANEEL.
Entretanto, percebe-se que a requerida CELG cometeu várias
irregularidades ao realizar o cálculo, o que torna a cobrança dos meses de janeiro e fevereiro
de 2015 abusiva e ilegal, conforme será melhor explicado ao longo desta peça inicial.
II – DO DIREITO
II.1 - DA CONFIGURAÇÃO DA RELAÇÃO DE
CONSUMO E INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
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A relação jurídica firmada entre a ré e os consumidores é uma
relação de consumo, logo, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, regido pela Lei
8.078, de 11 de setembro de 1990, para disciplinar esta relação jurídica.
Com efeito, o princípio da igualdade, insculpido explicita e
implicitamente em diversas partes da Constituição Federal (art. 3º, inciso I, art. 5 º, caput,
etc.), é um princípio nuclear a iluminar o operador do direito na busca de solução de conflitos
de interesses intersubjetivos surgidos na complexidade da vida moderna e na realização da
justiça. Portanto, este princípio aplica-se nas relações contratuais, buscando um equilíbrio de
forças entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da relação jurídica.
Na contramão desta expectativa, porém, a vida moderna nos
mostra que é impossível um equilíbrio de forças entre aqueles que exercem atividade
mercantil (fornecedores) e aqueles que adquirem um produto como destinatário final
(consumidor) e, por tal razão, o constituinte concedeu uma proteção especial aos
consumidores, prevista no art. 5º, XXXII, e art. 170, inciso V, da Constituição Federal, por
serem eles hipossuficientes e parte vulnerável da relação jurídica:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:V - defesa do consumidor;
O Código de Defesa do Consumidor é um microssistema
aplicado para reger relações jurídicas onde as partes contratantes estão em desigualdade de
forças para contratar e sua finalidade é fazer o equilíbrio desta relação de forças, impedindo
que a arbitrariedade e a injustiça reinem na sociedade.
O raciocínio mais equânime para identificar o consumidor é o
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que o analisa pelo ângulo de sua vulnerabilidade, ou seja, de sua fraqueza, de seu
desconhecimento técnico sobre aparelhos sofisticados, de seu desconhecimento jurídico e de
sua fragilidade perante o poderio econômico da outra parte. Esta é a interpretação teleológica
do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor.
Com efeito, nos termos do artigo 3º do Código de Defesa do
Consumidor, a requerida se enquadra como fornecedora, pois é pessoa jurídica de direito
privado que presta serviço de fornecimento de energia elétrica e desenvolve atividade de
comercialização deste serviço, ofertando e celebrando contratos de adesão com milhões de
consumidores no Estado de Goiás:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
No outro polo está o consumidor, pessoa natural ou jurídica
destinatária final dos serviços prestados, de modo que sua figura tem subsunção ao artigo 2º
do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Diante do exposto, inquestionável é a existência de relação de
consumo entre a requerida e os consumidores determinados e determináveis (aqueles que
firmaram contrato de prestação de serviço de energia elétrica) e os consumidores
indetermináveis (aqueles que não firmaram contrato, mas podem ser expostos à prática
abusiva), fazendo-se necessária a incidência das normas do CDC para reger o presente caso.
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II.2. - A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
O Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 6º, VIII, prevê,
para qualquer ação fundada nas relações de consumo, diversas garantias como a facilitação
da defesa, bastando para tanto que haja hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança
das alegações do autor:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;
Trata-se de aplicação do princípio constitucional da isonomia
em seu sentido material (tratar desigualmente os desiguais), pois o consumidor, como parte
reconhecidamente mais fraca e vulnerável na relação de consumo, tem de ser tratado de
forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdade real entre os partícipes da relação de
consumo. Neste sentido é a doutrina do Professor Nelson Nery Jr.:
“A inversão pode ocorrer em duas situações distintas: a) quando o consumidor for hipossuficiente; b) quando for verossímil sua alegação. As hipóteses são alternativas, como claramente indica a conjunção ou expressa na norma ora comentada. A hipossuficiência respeita tanto à dificuldade econômica quanto à técnica do consumidor em poder desincumbir-se do ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito”. (Código de Processo Civil Comentado, 4ª ed, Saraiva, 1999, p. 1806)
Na relação contratual entre a ré e seus consumidores
(determinados e indeterminados), estes se encontram em estado de hipossuficiência jurídica e
fática, visto que estão em situação de extrema desvantagem.
Sobre o momento da inversão do ônus da prova, é por oportuno
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
colacionar a doutrina do Professor Nelson Nery Jr.:
“O juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual para a produção desta prova já terá sido ultrapassado. Caberá ao fornecedor agir, durante a fase instrutória, no sentido de procurar demonstrar a inexistência de alegado direito do consumidor, bem como a existência de circunstâncias extintivas, impeditivas ou modificativas do direito do consumidor, caso pretenda vencer a demanda. Nada impede que o juiz, na oportunidade de preparação para a fase instrutória (saneamento do processo), verificando a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, alvitre a possibilidade de assim agir, de sorte a alertar o fornecedor de que deve desincumbir-se do referido ônus, sob pena de ficar em situação de desvantagem processual quando do julgamento da causa”(Código de Processo Civil Comentado, 4ª ed, Saraiva, 1999)
Diante do exposto, é imperiosa a inversão do ônus da prova,
cabendo à parte ré desconstituir as alegações fáticas e jurídicas consignadas nesta inicial.
II.3. – DA PRIMEIRA IRREGULARIDADE PRATICADA
PELA REQUERIDA
Como dito anteriormente, após contratação de nova empresa
terceirizada, a CELG, nos meses de janeiro e fevereiro de 2015, retomou o serviço de leitura
das unidades consumidoras e apurou o número de KWH do mês de janeiro (ou fevereiro,
dependendo do consumidor) de 2015, diminuiu o número de KWH da última leitura (agosto
de 2014), descontou os valores pagos pelos consumidores durante os meses de setembro a
dezembro de 2014 (lembre-se que nesses meses os consumidores foram cobrados, ou por
tarifa mínima, ou por média de consumo), incidiu o aumento em razão de bandeira tarifária e
emitiu a fatura.
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
A CELG realizou o seu cálculo com base no art. 111, § 1º, da
Resolução Normativa nº 414 da ANEEL, que autoriza a concessionária, em casos de situação
de emergência, calamidade pública ou motivo de força maior que impossibilite a leitura
dos medidores, a cobrar dos consumidores a média mensal e, posteriormente, quando a
leitura for restabelecida, permite que a concessionária cobre também essa diferença.
Portanto, a CELG alega que o fato de a empresa terceirizada,
responsável pela leitura dos medidores, ter descumprido o contrato e paralisado o serviço
configurou motivo de força maior, o que permitiu a incidência do art. 111 da REN 414 da
ANEEL.
Entretanto, tal afirmação não procede, pois o descumprimento
de contrato por empresa terceirizada não configura motivo de força maior, mas sim caso
de fortuito interno inerente aos riscos do negócio.
De fato, ao receber do Poder Público a concessão para fornecer
energia elétrica, a requerida deve, como atividade inerente à prestação de seus serviços,
realizar a leitura de forma regular, conforme art. 84 da REN 414 da ANEEL:
“Art. 84. A distribuidora deve efetuar as leituras em intervalos de aproximadamente 30 (trinta) dias, observados o mínimo de 27 (vinte e sete) e o máximo de 33 (trinta e três) dias, de acordo com o calendário de leitura.”
Assim, a terceirização do serviço de leitura consiste em uma
decisão gerencial da concessionária que, em razão da relação de consumo estabelecida com
os usuários (população), também assume solidariamente o risco de um eventual
descumprimento contratual, principalmente quando escolhe empresas desqualificadas e sem
estrutura adequada para fazer a leitura dos medidores.
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
Outro ponto que merece destaque é a distinção entre fortuito
interno e externo para fins de liberação da responsabilidade civil. Essa teoria está ligada à
ideia de atividade exercida pela empresa. Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível
e, por isso, inevitável que se liga à organização da atividade. O fortuito externo, por sua vez,
é o fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização da empresa. Somente o fortuito
externo tem o condão de eximir o agente de responsabilidade.
De acordo com o professor Pablo Stolze, a diferença entre
fortuito interno e externo é aplicável, especialmente, nas relações de consumo. O caso
fortuito interno incide durante o processo de elaboração do produto ou execução do serviço,
não eximindo a responsabilidade civil do fornecedor. Já o caso fortuito externo é alheio ou
estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço, excluindo a
responsabilidade civil.
Desse modo, o descumprimento contratual por parte da empresa
terceirizada configura fortuito interno, pois a leitura de medidores é atividade inerente ao
fornecimento de energia, razão pela qual não retira a responsabilidade da concessionária de
reparar eventual cobrança abusiva e prestar um serviço de qualidade.
A jurisprudência colacionada a seguir exemplifica o caso da
CELG:
Ementa: Apelação Cível. Prestação de Serviços. Energia Elétrica. Ação de indenização por dano moral. Sentença de Procedência. Concessionária alega legalidade no corte de energia. Agente da arrecadação que teria que teria falhado ao não repassar os valores pagos pela autora. Culpa de terceiro. Erro que não justifica a suspensão da energia. Fortuito interno. Corte do fornecimento de energia elétrica indevido. Dano moral caracterizado. Sentença mantida. Recurso não provido.(TJ-SP - Apelação APL 00163980720098260196 SP
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0016398-07.2009.8.26.0196 (TJ-SP); Data de publicação: 08/05/2013)
Chegando à conclusão de que o caso não se trata de força
maior, mas sim de fortuito interno, o cálculo referente ao período em que não houve a leitura
deve ser feito com base no art. 113 da REN 414/2010 da ANEEL, afastando-se o art. 111 da
mesma resolução:
Art. 113. A distribuidora quando, por motivo de sua responsabilidade, faturar valores incorretos, faturar pela média dos últimos faturamentos sem que haja previsão nesta Resolução ou não apresentar fatura, sem prejuízo das sanções cabíveis, deve observar os seguintes procedimentos: (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)I – faturamento a menor ou ausência de faturamento: providenciar a cobrança do consumidor das quantias não recebidas, limitando-se aos últimos 3 (três) ciclos de faturamento imediatamente anteriores ao ciclo vigente; e (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)II – faturamento a maior: providenciar a devolução ao consumidor, até o segundo ciclo de faturamento posterior à constatação, das quantias recebidas indevidamente nos últimos 36 (trinta e seis) ciclos de faturamento imediatamente anteriores à constatação. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
Como se vê, o supramencionado artigo determina que, quando
houver erro de faturamento, a concessionária somente pode cobrar dos consumidores os 03
últimos ciclos anteriores ao ciclo vigente, ou seja, só pode cobrar os últimos 90 dias de
consumo, prazo este contado retroativamente da data em que se restabelecer a leitura,
conforme art. 113, § 8º, V, da REN 414 da ANEEL:
§ 8º Nos casos de faturamento pela média de que trata o caput, quando da regularização da leitura, a distribuidora deve: (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
V – caso o valor obtido no inciso III seja positivo: (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)a) dividir o valor apurado no inciso III pelo número de dias decorridos desde a última leitura até a leitura da regularização; (Incluída pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)b) providenciar a cobrança do consumidor, observado o §1o, do resultado da multiplicação entre o apurado na alínea “a” e o número de dias decorridos desde a última leitura até a leitura da regularização, limitado ao período de 90 (noventa) dias. (Incluída pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
No caso concreto, a CELG restabeleceu o serviço de leitura de
algumas unidades consumidores no final de janeiro e início de fevereiro de 2015, de modo
que, de acordo com o art. 113, § 8º, V, da REN 414/2010 da ANEEL, a requerida somente
pode cobrar dos consumidores os 90 dias anteriores à data do restabelecimento da leitura.
Por exemplo, no caso do consumidor José da Penha de Amorim
(fl. 02 dos autos anexos), a CELG, no meses de setembro a dezembro de 2014, cobrou pela
média mensal e, no dia 22 de janeiro de 2015, retomou o serviço de leitura. Na fatura
referente ao mês de janeiro de 2015, resta claro que a CELG, além de incidir o aumento
proporcionado pelo sistema tarifário de bandeiras, cobrou os KWH consumidos entre os
meses de setembro a dezembro de 2014, descontados o que foi pago (média mensal), quando,
na verdade, poderia cobrar dos consumidores somente o consumo dos 90 dias anteriores à
retomada da leitura, ou seja, poderia cobrar apenas o que foi gasto pelo consumidor do dia 22
de outubro de 2014 a 22 de janeiro de 2015, descontados o que foi pago (média mensal).
Neste ponto, é importante frisar que, para se calcular o
consumo realizado nos 90 dias anteriores à data do restabelecimento da leitura, é preciso
fazer uma média entre o consumo total de KWH medido desde a última leitura (agosto de
2014) até regularização (janeiro ou fevereiro de 2015, dependendo do caso), chegando a uma
média do que foi gasto em KWH por dia, conforme art. 113, § 8º, da REN 414 da ANEEL:
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
§ 8º Nos casos de faturamento pela média de que trata o caput, quando da regularização da leitura, a distribuidora deve: (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)I – verificar o consumo total medido desde a última leitura até regularização e calcular o consumo médio diário neste período; (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)II – realizar o faturamento utilizando o resultado da multiplicação do consumo médio diário, obtido no inciso I, por 30 (trinta) dias, observado o disposto no art. 98; (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)III – calcular a diferença total de consumo, obtida pela subtração entre o consumo total medido no período e os consumos faturados pela média nos ciclos anteriores e o consumo faturado no inciso II; (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)IV - caso o valor obtido no inciso III seja negativo, providenciar a devolução ao consumidor, observados os §§ 2o e 3o, aplicando sobre a diferença calculada a tarifa vigente à época do primeiro faturamento pela média do período, utilizando a data do referido faturamento como referência para atualização e juros; (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)V – caso o valor obtido no inciso III seja positivo: (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)a) dividir o valor apurado no inciso III pelo número de dias decorridos desde a última leitura até a leitura da regularização; (Incluída pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)b) providenciar a cobrança do consumidor, observado o §1o, do resultado da multiplicação entre o apurado na alínea “a” e o número de dias decorridos desde a última leitura até a leitura da regularização, limitado ao período de 90 (noventa) dias. (Incluída pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
Portanto, tratando-se de fortuito interno que não exime a
responsabilidade da CELG quanto à falta de leitura, deve-se aplicar ao caso as normas do art.
113 da REN 414 da ANEEL, de sorte que a requerida, ao contrário do que fez (cobrar desde
setembro de 2014), somente pode cobrar dos consumidores o consumo de KWH relativo aos
90 dias anteriores à data da retomada da leitura na unidade consumidora (janeiro ou fevereiro
de 2015, dependendo do caso), descontado o que já foi efetivamente pago por cada
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
consumidor.
Sobre o mesmo assunto, a AGR (Agência Goiana de
Regulação Controle e Fiscalização de Serviços Públicos), na nota técnica nº 0004/2015,
ao analisar caso semelhante ocorrido na comarca de Iporá/GO, reconheceu a falta de
leitura por empresa terceirizada não se trata de motivo de força maior, mas sim de risco
inerente à sua atividade, de modo que o cálculo da diferença de consumo de todas as
unidades consumidoras afetadas pela ausência de leitura deve ser feito tomando como base o
art. 113 da REN 414 da ANEEL:
“Em análise a manifestação da Distribuidora, contida na correspondÊncia DR 111/15 de 02 de fevereiro de 2015, quanto ao enquadramento no artigo 111 da REN 414/2010, constata-se que a mesma interpreta equivocadamente o problema tentando enquadrá-lo como motivo de força maior, ou seja, fatos externos independente de sua vontade. Porém, no nosso entendimento, reforçado pela posição da Superintendência de Regulação dos Serviços Comerciais, contida no ofício 203/2014-SRC/ANEEL, o enquadramento correto é no artigo 113 da REN 414/2010, já que o fato foi decorrente de falta de leitura e faturamento sem previsão nesta norma. Quanto à alegação de força maior entendemos não ser cabível, pois a CELG D é a detentora da concessão da distribuição de energia elétrica no Estado de Goiás e responde pelos atos das empresas por ela contratadas.”
Por fim, para não restar dúvida quanto à falha na prestação do
serviço de leitura, transcreve-se ofício nº 0200/2015-SRD/ANEEL remetido pelo
Superintendente de Regulação dos Serviços de Distribuição da ANEEL ao diretor de
regulação da CELG, no dia 02 de abril de 2015:
“Nesse contexto, o fato ocorrido não se trata de caso de força maior, uma vez que a contratação de empresas terceirizadas para prestação de serviços técnicos comerciais é uma decisão
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
gerencial da empresa e faz parte do risco do negócio. Considerando que o serviço de faturamento é de extrema relevância para qualquer empresa, esperava-se que a distribuidora adotasse ações de gerenciamento de contrato mais eficientes.”
E a ANEEL continua:
“Diante do exposto, solicitamos que o procedimento seja reformado, devendo a distribuidora aplicar o cálculo descrito no art. 113 da REN 414/2010, para que seja corrigido o faturamento incorreto decorrente da aplicação errada do art. 111 neste caso, incluindo a devolução corrigida de valores faturados a maior e o correto parcelamento de valores faturados a menor.”
Desse modo, a requerida deve refazer o cálculo referente ao
período em que não houve a leitura, limitado a 90 dias, utilizando, para tanto, as disposições
art. 113 da REN 414/2010 da ANEEL.
II.4. - DA SEGUNDA IRREGULARIDADE PRATICADA
PELA REQUERIDA
Ainda sobre o art. 113 da REN 414/2010, a referida norma
também dispõe outras exigências para a concessionária desidiosa que não faz corretamente a
leitura dos medidores.
Com efeito, se mesmo após fazer o cálculo com base no art. 113
da REN 414/2010 houver créditos a receber, a concessionária é obrigada a parcelar o valor
apurado, nos termos do art. 113, § 1º, da REN 414/2010:
§ 1º Na hipótese do inciso I, a distribuidora deve parcelar o pagamento em número de parcelas igual ao dobro do período
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
apurado ou, por solicitação do consumidor, em número menor de parcelas, incluindo as parcelas nas faturas de energia elétrica subsequentes. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
Aplicando o dispositivo acima ao caso concreto, como a
requerida deixou de fazer a leitura por 05 meses (setembro de 2014 até o final de janeiro de
2015), caso haja crédito a ser recebido, deveria parcelar a dívida em 10 vezes, sem juros.
Assim, a requerida, além de realizar cálculo errado, incluindo
aumento abusivo na fatura, cobrou todo esse valor, em parcela única, na fatura referente ao
mês de janeiro de 2015, quando, na verdade, era obrigada a parcelar a dívida, nisso
consistindo mais um ato ilegal praticado pela CELG.
II.5. – DA TERCEIRA IRREGULARIDADE PRATICADA
PELA REQUERIDA
Inicialmente, cumpre salientar que as bandeiras tarifárias,
sistema adotado a partir de 1º janeiro de 2015, permite que flutuações nas despesas com
contratação de energia das usinas térmicas (mais cara) sejam repassadas mensalmente aos
consumidores. De acordo com a Aneel1, os valores cobrados pelo sistema de bandeiras são:
BANDEIRA CONDIÇÕES TARIFA
Bandeira verde condições favoráveis de geração de energia
A tarifa não sofre nenhum acréscimo
Bandeira amarela condições de geração menos favoráveis
A tarifa sofre acréscimo de R$ 0,025 para cada
quilowatt-hora (kWh) consumidos
Bandeira vermelha condições mais custosas de A tarifa sobre acréscimo de
1 Dados colhidos no sítio: “http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=758”.
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geraçãoR$ 0,055 para cada quilowatt-hora kWh
consumidos
Por outro lado, como dito anteriormente, após a contratação de
nova empresa terceirizada, a CELG apurou, em cada unidade consumidora, o número de
KWH do mês de janeiro (ou fevereiro) de 2015, diminuiu o número de KWH da última
leitura (agosto de 2014), descontou os valores pagos pelos consumidores durante os meses de
setembro a dezembro de 2014 (lembre-se que nesses meses os consumidores foram cobrados,
ou por tarifa mínima, ou por média de consumo), incidiu o aumento em razão de bandeira
tarifária e emitiu a fatura.
Diante disso, além da irregularidade explicada nos itens
anteriores desta ação civil pública, a requerida praticou outro ato ilegal, ou seja, incidiu o
aumento das bandeiras tarifárias nos valores pretéritos cobrados.
Em outras palavras, nas faturas do mês de janeiro (ou fevereiro,
dependendo do caso) de 2015, a CELG cobrou a diferença apurada nos meses de setembro a
dezembro de 2014 e incidiu, também nesse período, o aumento da tarifa de bandeiras que
entrou em vigor somente em 1º de janeiro de 2015.
O próprio representante da CELG em Matrinchã e Itapirapuã,
Norival Pinto de Oliveira Júnior, quando ouvido nesta Promotoria de Justiça, reconheceu a
falha:
Além disso, houve um adicional de bandeira vermelha, que poderia ser cobrado a partir de janeiro de 2015. (...) O declarante alega que a CELG cometeu um erro, pois o adicional de bandeira vermelha e o reajuste de dezembro de 2014 incidiram na diferença dos meses anteriores.
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Trata-se, portanto, de cobrança indevida que deve ter a
merecida reparação civil.
II.6. – DO PAGAMENTO EM DOBRO
Como dito anteriormente, existe entre a requerida e os milhares
de consumidores uma relação de consumo, razão pela qual as normas do CDC devem ser
aplicadas no caso em epígrafe.
De fato, as condutas ilegais praticadas pela requerida se
enquadram como prática abusiva no artigo 39, V, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Visando coibir tal prática, o art. 42, parágrafo único, do CDC
determina que a quantia cobrada indevidamente deve ser restituída em dobro, acrescida de
juros e correção monetária:
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Nesse sentido, ficou patente o dever da requerida em refazer o
cálculo referente ao período em que não houve a leitura, limitado a 90 dias, utilizando, para
tanto, as disposições do art. 113 da REN 414/2010 da ANEEL. Caso a CELG constate que o
consumidor pagou valor a mais daquele apurado, deve a requerida restituir, em dobro e com
juros, a quantia cobrada indevidamente, nos termos da legislação consumerista.
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Como se não bastasse, o art. 113, § 2º, da REN 414/2010 da
ANEEL determina essa mesma obrigação:
§ 2º Na hipótese do inciso II, a distribuidora deve providenciar a devolução das quantias recebidas indevidamente acrescidas de atualização monetária com base na variação do IGP-M e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês calculados pro rata die, em valor igual ao dobro do que foi pago em excesso, salvo hipótese de engano justificável. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
Portanto, após refazer os cálculos, caso apure que o consumidor
pagou a mais, a requerida deve ressarcir, em dobro e com juros, o valor pago a maior.
II.7. – DO DANO MORAL COLETIVO
Conforme narrado acima, a requerida praticou conduta abusiva
ao cobrar, de maneira excessiva e em uma só parcela, dívida indevida de todos os
consumidores da Matrinchã e Itapirapuã.
Em razão disso, dezenas de consumidores compareceram a esta
Promotoria de Justiça para reclamar da cobrança indevida. Muitas famílias de baixa renda
nem sequer têm condições financeiras de pagar tal dívida. Diversos consumidores tiveram
que cortar gastos com alimentos para pagar a fatura de energia cobrada abusivamente.
Portanto, a única maneira de coibir e reparar esta prática
abusiva é condenar a ré a pagar uma quantia em dinheiro por causar dano moral coletivo
(difuso).
A cada dia a sociedade evolui e se torna mais complexa, assim
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como os diversos produtos e serviços existentes no mercado. O consumidor é forçado a
confiar no fornecedor, ou seja, ele precisa acreditar que as informações que lhe são passadas
são verdadeiras e respeitam o seu patrimônio moral e material. Por exemplo, quando vamos a
uma farmácia, confiamos que o medicamento comprado não possua nenhum vício nem
prejudique a saúde de nenhum consumidor.
Assim, os princípios da confiança e o da boa-fé objetiva são um
valor cultural espraiado na sociedade, um valor coletivo, através dos quais esperamos que o
serviço prestado de fornecimento de energia elétrica seja adequado, contínuo e cobrado com
valores justos e devidos.
Em outras palavras, a moral coletiva é um valor cultural que
orienta o comportamento dos homens e lhes dá a paz de espírito, a tranquilidade para confiar
que o outro não lhes prejudicará. A moral coletiva é um valor metaindividual. Assim, o
fornecedor que lese a moral coletiva (difusa) deve ser condenado a ressarcir uma quantia em
dinheiro com a finalidade de evitar que outros venham querer lesá-la novamente.
A Constituição Federal, no seu artigo 1º, inciso III, elegeu como
fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e, no dizer de
Raul Machado Horta, este princípio é vetor de interpretação das normas constitucionais, o
que ele denomina de Constituição Plástica. Concretizar o princípio da dignidade da pessoa
humana, também, é proteger o consumidor, sendo este um direito fundamental insculpido no
artigo 5º, XXXII, da CF/88 e considerado cláusula pétrea.
O constituinte, ao prever instrumentos processuais como a ação
civil pública para a proteção dos interesses coletivos em sentido amplo, inquestionavelmente,
por uma questão de lógica jurídica, tinha o intento de amparar a moral coletiva (difusa).
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Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º,
inciso X, reza, de certa forma, que o consumidor dever ser indenizado pelo dano moral
sofrido, pois a imposição do respeito à moral é uma das garantias do respeito à dignidade
humana. O Código de Defesa do Consumidor caminha nesse sentido, conforme artigo 6º,
inciso VI:
Art. 6 º. São direitos básicos do consumidor:VI – a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. (grifo nosso)
No mesmo sentido, a Lei 7.347/85, no seu artigo 1º, estipula
que a proteção do consumidor ocorre no âmbito patrimonial e moral, prevendo a existência
de um fundo de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor reza, no seu artigo 4º,
inciso VI:
Art. 4 º A política Nacional das Relações de Consumidor tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de eventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores; (grifo nosso)
O princípio da coibição do abuso deve ser eficientemente
aplicado para fazer cessar a prática abusiva da ré, pois a condenação em dano moral coletivo
(difuso) é a melhor atitude para melhorar o serviço e impedir a indústria da indenização e o
abarrotamento do Poder Judiciário com infindáveis indenizações.
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Diante do exposto, a condenação da ré a indenizar o dano moral
coletivo é imprescindível para a efetiva defesa coletiva do consumidor e para inibir futuras
práticas abusivas da ré e de outros fornecedores.
II.6. – DO VALOR DA CONDENAÇÃO EM DANO
MORAL COLETIVO
O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade são vetores
para a fixação do valor em que deve ser condenada a ré a indenizar o dano moral coletivo,
uma vez que não se pode estipular um montante arbitrário.
Assim, o valor a ser indenizado deve ser necessário e suficiente
para coibir o abuso e incentivar a ré a cumprir os seus deveres anexos, quais sejam, dever de
lealdade, de informação, de boa-fé objetiva, de confiança e respeito com os seus
consumidores.
De acordo com as informações prestadas pela CELG, Itapirapuã
conta com 3.423 (três mil, quatrocentos e vinte e três) unidades consumidoras cadastradas na
CELG, ao passo que Matrinchã possui com 1.922 (um mil, novecentos e vinte e duas
unidades consumidoras), de sorte que o valor do dano moral coletivo pode ser estimado pelo
número de unidades consumidoras lesadas (3.423 + 1.922 = 5.345) multiplicado por R$
200,00 (duzentos reais).
Segundo o cálculo acima, o valor do dano moral a ser pago pela
CELG é de R$ 1.069.000,00 (um milhão e sessenta e nove mil reais).
A condenação a indenizar pelo dano moral coletivo causado
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
pela requerida no valor de R$ 1.069.000,00, na tentativa de coibir essas práticas abusivas, é
um valor quase simbólico, considerando o seu lucro obtido com a cobrança abusiva.
II.7. – DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
O pedido de liminar é deferido pelo Poder Judiciário quando
presentes os requisitos da fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e do perigo da demora
(periculum in mora), e encontra amparo legal no artigo 12 da lei 7.347/85 e no artigo 84, §
3º, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia em decisão sujeita a agravo.
Art. 84 Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
Conforme narrado acima, a requerida praticou conduta abusiva
ao cobrar, de maneira excessiva e em uma só parcela, dívida indevida de todos os
consumidores da Matrinchã e Itapirapuã.
Em razão disso, dezenas de consumidores compareceram a esta
Promotoria de Justiça para reclamar da cobrança indevida. Muitas famílias de baixa renda
nem sequer têm condições financeiras de pagar tal dívida, de sorte que diversos
consumidores tiveram que cortar gastos com alimentos para pagar a fatura de energia
cobrada abusivamente.
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Assim, o fumus boni iuris está presente, pois a conduta da ré é
lesiva aos princípios da transparência, da lealdade, da confiança, da boa-fé objetiva e da
informação, que são princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor.
O periculum in mora também está presente, pois a interrupção
no fornecimento de energia elétrica acarreta lesão ao patrimônio dos consumidores, além
causar danos à vida, à saúde e a dignidade do consumidor.
Os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora estão
presentes e justificam a concessão da liminar por parte do Poder Judiciário para coibir estas
práticas abusivas perpetradas pela empresa Ré.
II.8. – DA MULTA PESSOAL NO CASO DE
DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL
Para que as decisões judiciais (liminares ou de mérito) sejam
cumpridas, notadamente tratando-se de obrigação de fazer e não fazer, faz-se necessária a
estipulação de multa. Trata-se de uma coação de caráter econômico, com objetivo de
dissuadir o devedor inadimplente de descumprir a obrigação. A imposição de obrigação de
fazer (ou não fazer) só tem efetividade prática com a imposição de multa diária.
O fundamento legal da imposição pecuniária encontra-se no
artigo 84, § 4º, do CDC:
Art. 84 Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz
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conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Assim, para que o Estado-Juiz não fique desmoralizado em
razão de eventual não cumprimento da decisão judicial, faz-se necessária a fixação de multa
pecuniária para o efetivo cumprimento das decisões judiciais, realizando-se o poder-dever do
Estado no exercício preponderante da jurisdição.
Cabe ressaltar, contudo, que para garantir a efetividade da
execução da decisão judicial, a doutrina e jurisprudência pátrias já pacificaram entendimento
no sentido de que a multa estipulada seja paga pessoalmente pelo gestor da pessoa jurídica.
Isso é possível graças ao Poder Geral de Cautela atribuído ao
Juiz no art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC:
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
Aliás, o Poder Judiciário do Estado de Goiás já vem aplicando
esse entendimento, conforme notícia extraída no sítio do Ministério Público do Estado de
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Goiás:
Acolhendo parcialmente pedido do Ministério Público, o juiz Marlon Rodrigo Alberto dos Santos aplicou esta semana multa pessoal ao prefeito de Santo Antônio do Descoberto, David Leite da Silva, por omissão no cumprimento de sentença judicial proferida em ação civil pública instaurada pelo MP. A sentença de 2009 determinava que o município deveria deixar de jogar lixo no atual lixão, recuperando a área degradada, e fazer funcionar aterro sanitário, entre outras obrigações.
Perfeitamente possível, portanto, a estipulação de multa pessoal
a ser paga pelo representante legal da requerida em caso de descumprimento de decisão
judicial, seja de mérito, seja em tutela antecipada.
III – DOS PEDIDOS
III.1. – Dos Pedidos em Sede de Tutela Antecipada
Ante o exposto, o Ministério Público requer seja concedida
tutela antecipada inaudita altera parte para:
1) determinar que a CELG se abstenha de suspender o
fornecimento da energia elétrica de todas as unidades consumidoras de Itapirapuã e
Matrinchã pelo não pagamento das faturas de janeiro e fevereiro de 2015, sob pena de multa
diária e PESSOAL a ser imposta contra o presidente da CELG de R$1.000,00 (um mil
reais);
2) determinar que a CELG se abstenha de cobrar as faturas de
janeiro e fevereiro de 2015, até que novo cálculo seja feito com base no art. 113 da REN
414/2010 da ANEEL, sob pena de multa diária e PESSOAL a ser imposta contra o
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
presidente da CELG de R$1.000,00 (um mil reais);
III.2. – Dos Pedidos em Sede de Mérito
Ante o exposto, o Ministério Público requer em sede de mérito:
1) o recebimento da presente petição;
2) a isenção de custas e emolumentos e outros encargos, nos
termos do artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 18 da Lei de Ação Civil
Pública;
3) a citação da ré CELG – Companhia Energética de Goiás,
Sociedade de Economia Mista, inscrita no CNPJ: 01.543.032/0001-04, localizada na rua 02,
quadra A-37, 505, Edifício Gileno Godoi, Jardim Goiás, CEP: 74.820-180, autorizada a
funcionar como empresa de energia elétrica pelo Decreto Federal n ˚ 38.868, de 13 de março
de 1.956, na pessoa de seu representante legal;
4) o julgamento procedente e a confirmação dos pedidos feitos
em sede de antecipação de tutela, quais sejam:
1) determinar que a CELG se abstenha de suspender o fornecimento da energia elétrica de todas as unidades consumidoras de Itapirapuã e Matrinchã pelo não pagamento das faturas de janeiro e fevereiro de 2015, sob pena de multa diária e PESSOAL a ser imposta contra o presidente da CELG de R$1.000,00 (um mil reais);
2) determinar que a CELG se abstenha de cobrar as faturas de janeiro e fevereiro de 2015, até que novo cálculo seja feito com base no art. 113 da REN 414/2010 da ANEEL, sob pena de multa diária e PESSOAL a ser imposta contra o presidente da CELG de R$1.000,00 (um mil reais);
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
5) a condenação da requerida para que corrija o valor cobrado a
maior nas faturas referentes aos meses de janeiro e fevereiro de 2015, devendo refazer o
cálculo conforme o art. 113 (e seus parágrafos) da REN 414/2010 e se abster de incidir o
sistema tarifário de bandeiras nos KWH consumidos antes de 1º de janeiro de 2015;
6) a condenação da requerida para que, caso a CELG constate
que o consumidor pagou valor a mais daquele apurado, restitua, em dobro e com juros, a
quantia cobrada indevidamente, nos termos da legislação consumerista;
7) a condenação da requerida para que, após refazer o cálculo
com fundamento no art. 113 da REN 414/2010 da ANEEL, caso apure crédito a ser recebido
do consumidor, parcele o pagamento em 10 (dez) vezes, podendo incluir as parcelas nas
faturas de energia elétrica subsequentes;
8) a condenação da ré a pagar indenização por dano moral
coletivo pela prática abusiva no valor de R$ 1.069.000,00 (um milhão e sessenta e nove mil
reais) a ser destinado ao Fundo Municipal de Defesa do Consumidor;
9) seja determinada a publicação do edital, às expensas da
requerida, nos moldes do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor, na imprensa oficial,
bem como nos prédios do Fórum local, Prefeitura Municipal e Câmara Municipal;
10) A inversão do ônus da prova em favor dos consumidores,
nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor;
11) Protesta provar o alegado por todos os meios de prova
admitidos em direito, especialmente, depoimento pessoal dos dirigentes da requerida, oitiva
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAPIRAPUÃ-GO
de testemunhas, juntada de documentos, perícias, sem prejuízo dos meios que eventualmente
se fizerem necessários à completa elucidação dos fatos articulados nessa petição;
Dá-se à causa, para todos os fins, o valor de R$ 1.069.000,00
(um milhão e sessenta e nove mil reais).
Testemunhas:
1 – Norival Pinto de Oliveira Júnior, qualificado à fl. 06;
2 – José da Penha Amorim, qualificado à fl. 02 dos autos
anexos;
3 – Cleomar Gonçalves de Araújo, qualificado à fl. 07 dos autos
anexos;
4 – José Maria dos Santos, qualificado à fl. 10 dos autos
anexos;
5 – Luzia Costa Santos, qualificado à fl. 18 dos autos anexos;
Itapirapuã, 15 de abril de 2015
LUCAS ARANTES BRAGAPromotor de Justiça