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1 PROTOCOLO DE TRATAMENTO DO ESTADO DE MAL NÃO CONVULSIVO (EMNC) Diana Sousa, Rita Peralta, Carla Bentes, Luísa Albuquerque, José Pimentel (2014) 1. Definição O estado de mal não convulsivo (EMNC) é frequentemente de difícil diagnóstico, especialmente devido à grande variedade de etiologias e manifestações associadas. No entanto, este impõe uma abordagem rápida e eficaz. O EMNC pode ser definido como: “Múltiplas crises ou actividade epiléptica contínua no electroencefalograma (EEG) associadas a um correlato clínico não convulsivo (tipicamente, alteração cognitiva ou comportamental e/ou sinais motores minor), sem retorno ao estado de base” (Kaplan, 2003) 2. Prevalência - 5% dos doentes admitidos com alteração do estado mental no SU apresentam crises não convulsivas (Zehtabchi et al. 2013) - 14% dos doentes apresentam critérios para EMNC após estado de mal convulsivo considerado clinicamente controlado (DeLorenzo et al. 1996) 3. Classificação dos tipos de EMNC (adaptado de Hirsch & Gaspard, 2013) Eixo 1 - ESTADO DE CONSCIÊNCIA Preservado Alterado 1 Coma/estupor Eixo 2 - ACTIVIDADE MOTORA Intensa Subtil Ausente Eixo 3 - EEG Presença de critérios electro-encefalográficos para EMNC 2 - Actividade focal - Actividade generalizada Nota: Apurar a ocorrência de crises tónico-clónicas generalizadas prévias ao EMNC (EM subtil) 1 Incluindo alteração da consciência e/ou comportamento e/ou atenção/cognição (Ferro, 2006) 2 Beniczky S et al. Unified EEG terminology and criteria for nonconvulsive status epilepticus (2013)

Protocolo de Tratamento do Estado de Mal Não · PDF fileAlgoritmo de interpretação da avaliação electroencefalográfica: Adaptado de: P. Kaplan, F Drislane. ... , Diagnóstico

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PROTOCOLODETRATAMENTODOESTADODEMALNÃOCONVULSIVO(EMNC)

DianaSousa,RitaPeralta,CarlaBentes,LuísaAlbuquerque,JoséPimentel(2014)

1.DefiniçãoOestadodemalnãoconvulsivo(EMNC)éfrequentementededifícildiagnóstico,especialmentedevido à grande variedade de etiologias emanifestações associadas. No entanto, este impõeumaabordagemrápidaeeficaz.O EMNC pode ser definido como: “Múltiplas crises ou actividade epiléptica contínua noelectroencefalograma (EEG) associadas a um correlato clínico não convulsivo (tipicamente,alteraçãocognitivaoucomportamentale/ousinaismotoresminor), semretornoaoestadodebase”(Kaplan,2003)2.Prevalência- 5% dos doentes admitidos com alteração do estado mental no SU apresentam crises nãoconvulsivas(Zehtabchietal.2013)-14%dosdoentesapresentamcritériosparaEMNCapósestadodemalconvulsivoconsideradoclinicamentecontrolado(DeLorenzoetal.1996)

3.ClassificaçãodostiposdeEMNC(adaptadodeHirsch&Gaspard,2013)Eixo1-ESTADODECONSCIÊNCIA

PreservadoAlterado1Coma/estupor

Eixo2-ACTIVIDADEMOTORAIntensaSubtilAusente

Eixo3-EEGPresençadecritérioselectro-encefalográficosparaEMNC2

-Actividadefocal-Actividadegeneralizada

Nota: Apurar a ocorrência de crises tónico-clónicasgeneralizadaspréviasaoEMNC(EMsubtil)

1Incluindoalteraçãodaconsciênciae/oucomportamentoe/ouatenção/cognição(Ferro,2006)2BeniczkySetal.UnifiedEEGterminologyandcriteriafornonconvulsivestatusepilepticus(2013)

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4.MorbilidadeeMortalidade- Resposta à primeira terapêutica antiepiléptica em apenas 15% dos doentes com EMNC(Treimanetal,1998)-EvidênciadequeoEMNCpoderáestarassociadoalesãoneuronal,particularmentenoscasosdeestadodemalsubtil(Hosford,1999)-Oestadodemalsubtilestáassociadoamortalidadeem51%a65%doscasos(DeLorenzoetal.1996;Treimanetal.1998)5.ProtocolodeatuaçãoMedidasgerais:

-Monitorização(SaO2,parâmetrosvitais,glicosecapilar)-Permeabilidadeeproteçãodaviaáreaeacessoendovenoso-Administraçãodebenzodiazepina(diazepam)comoterapêuticaantiepilépticainicial- História clínica, incluindo históriamedicamentosa (com particular atenção à possívelsuspensãodebenzodiazepinas),exameobjetivogeral,exameneurológico-Determinarseforamobservadascrisestónico-clónicasgeneralizadas-suspeitadeEMsubtil- Ressuscitação nutricional: Tiamina (100 mg) seguida de dextrose (50 ml de sorodextrosadoa50%)-Avaliaçãodaetiologia/factoresdesencadeantes/complicações-Paineldeavaliaçãolaboratorialdetriagem(vd.Anexo“perfilestadodemalconvulsivogeneralizado”)-EEG

• AprimeiraavaliaçãoEEGdeveserefectuadaassimquepossível• Frequênciadereavaliaçãoaponderarindividualmente

Algoritmodeinterpretaçãodaavaliaçãoelectroencefalográfica:

Adaptadode:P.Kaplan,FDrislane.NonconvulsiveStatusEpilepticus.Demosmedicalpublishing,2009

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-DIAGRAMASRESUMODOSPROTOCOLOSTERAPÊUTICOSPARAOSDIFERENTESTIPOS

DEEMNCEMSUBTIL

cEEG–monitorizaçãoEEGcontínua

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EMPARCIALCOMPLEXO(EMPC)

EMDEAUSÊNCIAS

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Resumodasorientaçõesdisponíveisparaterapêuticadoestadodemaldeacordocomasprincipaisguidelineseuropeiaserespetivoníveldeevidência

Legenda: EMC- estado de mal convulsivo; EMPC- estado de mal parcial complexo; UCI- Unidade deCuidados Intensivos: NCS - Neurocritical Care Society; EFNS - european Federation of NeurologicalSocieties;GPP-goodpraticepoint;SR-VLQ-strongrecommendation-verylowquality-Resumodascaracterísticasdosfármacosdeprimeiraesegundalinha3

FármacoAE Dosedecarga Dosedemanutenção

Efeitosadversospossíveisgraves Considerações t½*

(h)

1ªlinha

Fenitoína(PHT)

18-20mg/Kgevpodeserdadadoseadicional5-10mg/Kg

5-7mg/Kg/diadividoemtomas8/8h(p.o.oue.v.)

HipotensãoArritmias

Apenascompatívelcomsoluçãosalina

22-36

Valproatodesódio(VPA)

Bólus:20mg/Kgev(podeserdadadoseadicionalde20mg/Kg)

30-60mg/Kg/ddivididoemtomas6/6h

HiperamoniémiaPancreatiteTrombocitopeniahepatotoxicidade

5-20

Levetira-cetam(LEV)

Bolus:1000-3000mgev(2-5mg/Kg/minev)

Até3g/dia(p.o/ev)

Interaçõesfarmacológicasmínimas

6-8

2ªlinha

Diazepam4(DZP)

0.10mg/Kgevaté10mgou0.2mg/Kgaté20mgrectal

Perfusão:ponderaçãoindividualcasoacasoRepetirbólussenecessário

HipotensãoDepressãorespiratória

AgonistaGABARápidaredistribuição

20-100

3Baseadonas“GuidelinesfortheEvaluationandManagementofStatusEpilepticus”(NeurocriticalCareSociety,2012),“EFNSguidelineonthemanagementofstatusepilepticusinadult,EFNS”(2010)eHirsch&Gaspard(2013)4Administrarsobvigilânciadedepressãorespiratória.Garantirdisponibilidadedeventilaçãoinvasiva.

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Midazolam4(MDZ)

0.2mg/Kgaté10mg(IM)0.2mg/Kgintranasal

NãoaplicávelRepetirbólussenecessário

HipotensãoDepressãorespiratória

RápidaredistribuiçãoMetabolizaçãorenal

1.8-6.4

Fenobarbi-tal(PB)4

20mg/KgevPodeserdadadoseadicional5-10mg/Kg

1-4mg/Kg/d(p.o/ev)divididoemtomascada6-8h

HipotensãoDepressãorespiratória

53-118

Lacosamida(LCM)

200-400mgIVem5minutos

400-600mg/dev(divididoemtomacada12h)

ProlongamentoPRhipotensão

InteraçõesfarmacológicasmínimasExperiêncialimitada

12–16

Topiramato(TPM) 100mg2idpo/ng

400-800mg/dpo(divididoem2-3tomasdiárias)

Acidosemetabólica

Nãodisponívelformulaçãoev

20-30

Clonaze-pam(CZP)4

1mgIV(<0.25mg/min).Dosetotalmax.10mg

DepressãorespiratóriaHipotensão

Cuidadoespecialemidosos,glaucoma,DPOC

*tempomédiodesemi-vidadeeliminação.Variaçãoseinsuficiênciadeórgão(responsávelpelaclearancedofármaco)enaspopulaçõespediátricaegeriátrica

AEanestésico Dosedecargaedemanutenção(titulardeacordocomoEEG)

Efeitosadversosgraves

Considerações

Midazolam(MDZ)

Carga:0.2mg/Kgevcada5minatémaxde2mg/Kg(velocidade2mg/min)Perfusão:0.05-2mg/Kg/hev(deacordocomref.7e8,até2.9mg/Kg/h)Recorrênciadecrises:bólus0.1-0.2mg/Kgeaumentarperfusão0.005-0.1mg/Kg/h

Depressãorespiratóriahipotensão

TaquifilaxiaapósusoprolongadoRápidaredistribuiçãoEliminaçãorenal

Pentobarbital

Carga:5-15mg/Kgev(doseadicionalpossível5-10mg/Kg)(infusãoa<50mg/min)Perfusão:0.5-5mg/Kg/hRecorrênciadecrises:bolus5mg/Kgeaumentarperfusão0.5-1mg/Kg/hc/12h

HipotensãoDepressãorespiratóriaDepressãocardíacaIleusparalítico

Requerventilaçãomecânica

Propofol(PO)

Carga:1-2mg/Kgevcada5matémax.10mg/kgPerfusão:20-200mcg/Kg/min(se>48hlimitara<80mcg/kg/min)Recorrênciadecrises:bólus1mg/Kgetitulaçãodaperfusãoouaumentar

HipotensãoDepressãorespiratóriaInsuficiênciacardíacaRabdomiólise

RequerventilaçãomecânicaAjustaraportecalórico

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perfusão5–10mcg/kg/mincada5min AcidosemetabólicaInsuficiênciarenal

Tiopental(TP)

2-7mg/Kg(<50mg/min)Perfusão0.5-5mg/Kg/hRecorrênciadecrises:bólusde1-2mg/Kgeajustedaperfusãoem0.5-1mg/Kg/hcada12h

HipotensãoDepressãorespiratóriaDepressãocardíaca

RequerventilaçãomecânicaMetabolizadoempentobarbital

Medidasdesuporteediagnóstico-Terapêuticaetiológica-Terapêuticadefactoresagravantes6.Referências-BeniczkyS,HirschLJ,KaplanPW,PresslerR,BauerG,AurlienH,BrøggerJC,TrinkaE.UnifiedEEG terminology and criteria for nonconvulsive status epilepticus. Epilepsia. 2013; 54 Suppl 6:28-9- Brophy GM, Bell R, Claassen J, Alldredge B, Bleck TP, Glauser T, Laroche SM, Riviello JJ Jr,Shutter L, SperlingMR, Treiman DM, Vespa PM; Neurocritical Care Society Status EpilepticusGuideline Writing Committee. Guidelines for the Evaluation and Management of StatusEpilepticus,NeurocritCare.2012;17(1):3-23-DeLorenzoRJ,HauserWA,TowneAR,BoggsJG,PellockJM,PenberthyL,GarnettL,FortnerCA,Ko D. A prospective, population-based epidemiologic study of status epilepticus in Richmond,Virginia.Neurology.1996;46(4):1029-35.- Fernandez A, Lantigua H, Lesch C, Shao B, Foreman B, Schmidt JM, Hirsch LJ, Mayer SA,Claassen J. High-dose midazolam infusion for refractory status epilepticus. Neurology. 2014;82(4):359-65.- Ferro J, Pimentel J. Neurologia - Princípios, Diagnóstico e Tratamento, Lidel, 2006 (ISBN9789727573684)- Hirsch LJ, Gaspard N. Status epilepticus. Continuum (MinneapMinn). 2013; 19 (3 Epilepsy):767-94.- Hosford DA. Animal models of nonconvulsive status epilepticus. J Clin Neurophysiol. 1999;16(4):306-13- Kaplan P & Drislane F (eds). Nonconvulsive Status Epilepticus. New York: Demos MedicalPublishing.2009-KaplanPW.Nonconvulsivestatusepilepticus.Neurology.2003;61(8):1035-6.- Meierkord H, Boon P, Engelsen B, Göcke K, Shorvon S, Tinuper P, Holtkamp M; EuropeanFederationofNeurologicalSocieties.EFNSguidelineonthemanagementofstatusepilepticusinadult.EurJNeurol.2010;17(3):348-55- TreimanDM,Meyers PD,WaltonNY, Collins JF, CollingC, RowanAJ,HandforthA, Faught E,Calabrese VP, Uthman BM, Ramsay RE, Mamdani MB. A comparison of four treatments forgeneralizedconvulsivestatusepilepticus.VeteransAffairsStatusEpilepticusCooperativeStudyGroup.NEnglJMed.1998;339(12):792-8.- ZehtabchiS,AbdelBakiSG,OmurtagA,SinertR,ChariG,MalhotraS,Weedon J, FentonAA,Grant AC. Prevalence of non-convulsive seizure and other electroencephalographicabnormalitiesinEDpatientswithalteredmentalstatus.AmJEmergMed.2013;31(11):1578-82

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Anexo1

Perfildeavaliaçãoanalíticaurgente“EstadodeMalConvulsivoGeneralizado”

1.AcederàinterfaceeletrónicadepedidosdeanálisesdoHospitaldeSantaMaria

2.UrgênciaàPerfisàEstadodemalconvulsivogeneralizado

3.Retirarouadicionarparâmetrosconformeadequado,deacordocomocontextoclínico

Esteperfilincluiasseguintesavaliaçõesanalíticas:

-Hemograma

-Creatinina,ureia

-Glicose

-Gases(electrólitos,oximetria,pH)

-Cálcio,Magnésio

-ALT,AST,bilirrubinatotal

-Tempodeprotrombinaetempodetromboplastinaparcialactivado(APTT)

-ProteínaCreactiva

-Tóxicosnaurina(opiáceos,anfetaminas,canabinóides,cocaína)

-Benzodiazepinaseantidepressivostricíclicosnaurina

-Doseamentodeanti-epilépticos(fenitoína,ácidovalpróico,carbazepina,fenobarbital)