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Curitiba 2013 Psicologia da Educação Fernanda Bordignon Luiz Gabriel Gomes de Luca Fabiana Bechara Fonseca PSE - BOOK.indb 1 10/05/13 16:09

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Curitiba2013

Psicologia da Educação

Fernanda Bordignon Luiz Gabriel Gomes de Luca

Fabiana Bechara Fonseca

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Editora faEl

Gerente Editorial Denise Gassenferth

Projeto Gráfico Sandro Niemicz

Edição Mariana Duarte

revisão Cláudia Helena Carvalho Weigert

diagramação Karina Silveira

Capa Sandro Niemicz

fotos da Capa Suat GursozluToriaYuralaits Albert

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Sumário

Apresentação | 5

1 A Psicologia da Educação | 9

2 A Psicologia do Desenvolvimento | 29

3 Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões | 49

4 Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem | 75

5 Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino | 111

6 Temas contemporâneos em Psicologia da Educação | 153

Referências | 171

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Apresentação

Vivemos em uma época em que a Educação ocupa um espaço de destaque. O conhecimento produzido para lidar com fenômenos como ensino e aprendizagem é de grande importância para melhorar a qualidade do trabalho daqueles se dedicam a trabalhar com Educação.

Longe de esgotar todas as polêmicas ou de responder às antigas e modernas questões que assolam a Educação em nosso tempo, a Psicologia pode, com base nos conhecimentos acumulados ao longo de seus anos de pesquisas e estudos, contribuir para fortalecimentos e transformações necessários aos diferentes contextos educacionais da modernidade.

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Psicologia da Educação

No capítulo 1, estudaremos o que é a Psicologia, qual seu objeto de estudo e a sua relação com Psicologia da Educação e a Psicologia do Desen-volvimento. Estas são áreas da Psicologia? Que tipos de contribuições cada uma pode nos oferecer? Essas são algumas perguntas que seremos capazes de responder ao estudarmos esse capítulo.

No capítulo 2, abordaremos aspectos filosóficos a respeito da condição humana para aprofundarmos nosso entendimento acerca dos principais fun-damentos do desenvolvimento da vida humana em suas diversas dimensões.

No capítulo 3, apresentaremos as principais contribuições da Psicologia do Desenvolvimento, em que são enfatizados diferentes aspectos ou dimen-sões. Na primeira parte, estudaremos as contribuições que salientam os aspec-tos cognitivos do desenvolvimento, começando pelos estágios de desenvolvi-mento cognitivo da criança e, posteriormente, ressaltando o desenvolvimento do juízo moral e da inteligência. Na segunda parte, é abordada a contribui-ção que enfatiza o papel dos aspectos sociais e culturais do desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento do pensamento e da linguagem. A ênfase nas variáveis biológicas que determinam o desenvolvimento é apresentada na ter-ceira parte. Por fim, veremos que o desenvolvimento psicológico humano consiste na integração entre aspectos biológicos, sociais e culturais.

No capítulo 4, estudaremos algumas contribuições da Psicologia sobre o que constitui o processo de aprendizagem. Veremos que esse não é um fenô-meno simples, mas algo que envolve muitos aspectos a serem considerados.

No capítulo 5, apresentaremos as características de uma contribuição da Psicologia denominada “Programação de Ensino”, infelizmente ainda pouco conhecida apesar de sua importância na Educação. Estudaremos aspectos relacionados ao contexto em que tal contribuição teve origem, conceitos fun-damentais, procedimentos a serem apresentados por um professor ao progra-mar ensino e algumas técnicas de ensino que podem ser utilizadas como meio para ensinar novos comportamentos.

No sexto e último capítulo, abordaremos alguns temas contemporâneos em Psicologia da Educação, como comunicação entre pais e filhos, educação de jovens e adultos e o problema da biologização das chamadas “dificuldades de aprendizagem”.

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Apresentação

Convidamos você, leitor, a nos acompanhar nessa exploração – que deve se configurar como um passo de uma longa caminhada rumo à melhoria e ao desenvolvimento contínuo da Educação –, em que buscamos a complementa-ção de todas as áreas, a fim de construirmos uma sociedade mais justa e feliz.

Boa leitura!

Fernanda Bordignon Luiz1

Gabriel Gomes de Luca2

Fabiana Bechara da Fonseca3

1 Graduada e mestranda (na área de concentração “Organizações, trabalho e aprendizagem”) em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Experiência em proposição e análise de objetivos de ensino, programação de condições de ensino, ensino de Psicologia, ensino de História. Graduanda em História na Universidade do Estado de Santa Catarina.

2 Graduado e Mestre (na área de concentração “Organizações, trabalho e aprendizagem”) em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Psicologia na Univer-sidade Federal de Santa Catarina e professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná. Experiência profissional em psicologia clínica, programação de ensino e análise do comportamento em diferentes tipos de organizações.

3 Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001), fez Pós-gradu-ação em Administração e Sistemas de Informação (2005) na Universidade Federal Fluminense. Como mais de 14 anos de experiência, atual principalmente em temas voltados à Educação a Distância. Mestre em Educação pela UNESA (2010), vem atuando como tutora no curso de Pegagogia da UNIRIO desde 2008.

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1 A Psicologia da

Educação

A Psicologia é uma área de conhecimento presente em dife-rentes contextos. Em nosso dia a dia, podemos ver psicólogos traba-lhando em escolas, hospitais, clínicas particulares, empresas, repar-tições públicas e em muitos outros lugares. A Psicologia é também parte do currículo de estudantes de cursos de graduação distintos, como Administração e Medicina. O conhecimento da Psicologia é muito relevante para profi ssionais de diferentes campos e não pode-ria faltar aos profi ssionais que trabalham com Educação. Mas o que estuda, afi nal, a Psicologia? Por que ela é tão importante? E Psicolo-gia da Educação, o que signifi ca?

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Psicologia da Educação

Neste capítulo, vamos entender qual o objeto de estudo da Psicologia e quais as contribuições dessa área de conhecimento para a Educação.

1.1 A Psicologia e seu objeto de estudoUma área do conhecimento é caracterizada pela organização do conhe-

cimento existente, ou em produção, acerca de um assunto ou fenômeno. A Psicologia, por exemplo, é uma área que produz conhecimento a respeito do fenômeno psicológico.

Existem diferentes formas de produzir conhecimento. A Ciência, a Filosofia, a Arte, a Religião e até mesmo o Senso Comum são processos de conhecer (BOTOMÉ; KUBO, 2002). O aspecto fundamental que difere um processo do outro é o método utilizado para produzir conhecimento.

Vamos imaginar uma mãe que observe que, por duas vezes, seu filho cho-rou ao ver a avó usando um vestido verde. Essa mãe, então, conclui que crian-ças de quatro anos (a idade de seu filho) não gostam de roupas verdes e conta para outras pessoas a sua descoberta. Essa mãe está produzindo algum tipo de conhecimento? Que conhecimento é esse? Ela está falando acerca do com-portamento de uma criança, o qual, por sua vez, é um fenômeno psicológico.

Assim, podemos afirmar que essa mãe produziu conhecimento a respeito do comportamento ao observar seu filho chorar diante do vestido da avó. O método por meio do qual ela chegou a tal conclusão é o do senso comum, uma vez que observou apenas uma criança, fê-lo em poucas situações e inferiu que foi a cor do vestido que a fez chorar, sem observar outros aspectos possíveis deter-minantes da ação da criança. O método utilizado pelo senso comum é pouco rígido nesse sentido, e o conhecimento produzido por meio de tal método nem sempre é confiável, mas não deixa de ser conhecimento produzido.

O conhecimento acerca do fenômeno psicológico é, portanto, produzido de diversas maneiras. Nesta disciplina, estudaremos principalmente aquele produzido por meio do método científico. Tal método, como o conhecemos hoje, não existia em outros períodos históricos, tendo surgido principalmente no século XIX. Apesar disso, o estudo acerca daquilo que é chamado psicó-logo é objeto de curiosidade há muito mais tempo.

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O que é, afinal, o fenômeno psicológico? A partir de diversos estudos, realizados por meio do método científico, podemos dizer que o fenômeno psicológico é o comportamento humano. Mas tal conceito não é simples-mente a ação de uma pessoa, ou aquilo que ela faz.

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Psicologia da Educação

Comportamento

Para a Psicologia, o conceito de comportamento é diferente daquele apresentado em geral nos dicionários. No dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010), por exemplo, comportamento é defi nido como “maneira de se comportar ou de se conduzir; conjunto de ações de um indivíduo, observáveis objetivamente”. Na Psicologia, o compor-tamento é defi nido como “interações entre aquilo que um organismo faz, o meio em que o faz e o que é produzido a partir desse fazer” (SKINNER, 2003; CATANIA, 1999; BOTOMÉ, 2001). Envolve, portanto, mais do que a ação que um organismo apresenta, mas as condições do ambiente antes e depois de tal ação.

O que isso quer dizer? Para entendermos melhor o conceito de compor-tamento, vamos observar o quadro a seguir, que representa um comporta-mento de uma pessoa em uma boate.

Quadro 1: Representação do comportamento de paquerar de uma pessoa em uma boate.

Situação antecedente Ação Situação consequente

- pessoas dançando em uma boate;

- pessoa especí-fica olhando em sua direção.

- piscar o olho. - aproximação da pes-soa para conversar.

Conforme consta no quadro anterior, a pessoa que apresenta o compor-tamento analisado está em uma situação em que, entre outros aspectos, há pessoas dançando em uma boate e uma delas está olhando em sua direção. A ação apresentada é piscar o olho; e, com isso, a outra pessoa se aproxima para conversar. Conhecemos esse comportamento como “paquerar”. Tal compor-tamento não é defi nido pela ação de piscar o olho, mas pela interação entre essa ação e o ambiente, antes e após a ação ocorrer.

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Qual a diferença entre ação e comportamento? Por que a ação “piscar o olho” não é simplesmente “paquerar”? Dois aspectos nos ajudam a respon-der a essas perguntas. Em primeiro lugar, se pensarmos no comportamento de paquerar, não é apenas um piscar de olhos que define o que está ocorrendo, certo? Segurar a mão de outra pessoa, dizer certos tipos de frases e olhar de certa maneira podem ser também ações que compõem o comportamento de paque-rar. Portando, piscar o olho é apenas um dos componentes do comportamento de paquerar, mas que também pode ser parte de outro comportamento.

Outro importante aspecto nos ajuda a entender a diferença entre ação e comportamento. Vamos imaginar que uma pessoa está sozinha em uma sala, em frente ao computador, e algo começa a pinicar seu olho esquerdo. Essa pessoa então pisca o olho e expulsa o cisco intruso. Esse comportamento, denominado “retirar o cisco do olho”, é representado no quadro que segue.

Quadro 2: Representação do comportamento de retirar o cisco do olho.

Situação antecedente Ação Situação consequente

- sala com computa-dor, livros, material de escritório;

- cisco no olho.

- piscar o olho. - retirada do cisco do olho.

Conforme representado nos dois quadros anteriores, a ação apresentada é a mesma, embora sejam parte de comportamentos muito diferentes. Quando dizemos que alguém está paquerando, não observamos apenas a ação dessa pes-soa, mas a interação entre as características do meio ou da situação em que ela se encontra e aquilo que ela produz a partir de tal ação. É por isso que o comporta-mento não é definido pela ação de alguém, mas pela interação entre aquilo que uma pessoa faz, o meio em que o faz e o que é produzido a partir desse fazer. Embora uma pessoa apresente a mesma ação, o que define seu comportamento é aquilo que acontece com o meio no qual realiza tal ação.

Como nomeamos um comportamento? O nome de um comportamento enfatiza em geral a sua consequência. Observe o quadro a seguir, onde são apresentadas as características do comportamento de uma criança em uma sala de aula.

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Psicologia da Educação

Quadro 3: Representação de um comportamento de uma criança em sala de aula.

Situação antecedente Ação Situação consequente

- professora aten-dendo outro aluno.

- criança faz uma pergunta à professora.

- professora inter-rompe o atendimento do aluno e responde à pergunta da criança;

- obtenção de atenção da professora.

Já sabemos que “fazer pergunta” é uma ação, e não um comportamento. Então, em qual interação a ação “fazer pergunta” está inserida? O que acon-tece a partir dessa ação? Conforme mostrado no quadro anterior, a criança obtém a atenção da professora; comportamento esse denominado “chamar a atenção”. Mesmo que a criança passe a gritar em vez de fazer pergunta, se a consequência é obtenção de atenção da professora, o comportamento recebe o mesmo nome. Por isso, dizemos que há classes (conjuntos) de comporta-mentos, que possuem a mesma função (consequência), mas podem ser apre-sentadas por meio de ações diferentes.

O conceito de comportamento não é algo simples. De acordo com Botomé (2001), quando um organismo age em um meio ou situação, as interações entre os componentes do comportamento estão se estabelecendo, podendo ser fortalecidas, enfraquecidas, aperfeiçoadas etc. As relações entre cada componente do comportamento estão o tempo todo em transformação. Então, vamos imaginar uma adolescente que conta para seu irmão mais velho que deixou de ir à escola pela manhã. No quadro que se segue, está represen-tado o comportamento do irmão.

Quadro 4: Representação de componentes de um comportamento que pode variar conforme propriedades da ação.

Situação antecedente Ação Situação consequente

- relato da irmã indicando que faltou à escola.

- Dizer: “Isso não é coisa que se faça, você pode repetir o ano”.

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Conforme mostrado no quadro anterior, diante do relato da irmã de que não foi à escola, o irmão apresenta uma frase. O ponto de interrogação na representação da consequência indica que há várias possibilidades dela, pois existem diferentes maneiras de dizer a mesma frase que alteram as consequ-ências produzidas. Qual o tom de voz usado pelo irmão? Qual o volume da voz? Que expressão facial ele fez ao dizer a frase? Se falou de maneira ríspida, o comportamento dele pode ser denominado “brigar com a irmã”. Nesse caso, a consequência pode ser aumento do desconforto da irmã, esta sentir-se enca-bulada ou mal, alívio do irmão por ter explicitado o que é certo fazer para a irmã, além da clareza desta acerca do que pode acontecer caso falte à aula. Se o irmão falou baixo, com tom de voz suave, chamamos o comportamento do irmão de “aconselhar a irmã”, que tem outros tipos de consequências, como sentimento de conforto da irmã diante da atitude do irmão.

Por meio do exemplo representado no quadro anterior, vemos que as ações que as pessoas apresentam não são caracterizadas apenas pela forma, mas por muitas outras variáveis ou propriedades. Quando a ação é “dizer algo”, ela envolve o tom de voz, o volume da voz, as expressões faciais, a velocidade da fala etc. Se a ação for “segurar algo”, isso abrange a força apli-cada, a duração, entre outros aspectos. Conforme exemplo apresentado por Botomé (2001), ao termos um copo de papel entre os dedos, há a possibi-lidade de apresentarmos diferentes comportamentos, alterando apenas uma propriedade da ação, a força. Aquilo que chamamos de “segurar o copo de papel” pode se tornar “amassar o copo de papel”. Para isso, fazemos o mesmo movimento, alteramos apenas a força com que seguramos o copo. Em cada exemplo, podemos identificar diferentes tipos de variáveis que podem carac-terizar comportamentos distintos.

Outro relevante aspecto que nos mostra como o comportamento não é um fenômeno simples é a necessidade de considerarmos as características do ambiente em que a ação é apresentada. Conforme Botomé (2001), o movi-mento de balançar a mão direita à altura do ombro pode ser “acenar para alguém”. O mesmo movimento sobre a superfície de uma porta seria cha-mado “limpar”. Se há algo escrito na porta, poderia ser denominado “apagar”, e assim por diante. Ou seja, apesar de uma pessoa apresentar uma mesma ação, as características do ambiente em que ela ocorre indicam qual o com-portamento que está sendo apresentado.

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Psicologia da Educação

O fenômeno psicológicoAgora que já temos claro que comportamento não é sinônimo de ação,

mas é caracterizado pela interação entre aquilo que um organismo faz, o meio em que o faz e o que é produzido por esse fazer, podemos caracterizar melhor o que constitui o objeto ou fenômeno da Psicologia.

Sabemos que o comportamento é um fenômeno psicológico, mas e os processos mentais? E aquilo que chamamos de pensamento? E os sentimen-tos? Tudo isso representa fenômenos psicológicos, afinal, não deixam de ser tipos de comportamentos. Os chamados processos mentais, como “lembrar”, “pensar”, “raciocinar”, também são interações entre aquilo que uma pessoa faz e o ambiente em que o faz. No quadro a seguir, é representado o compor-tamento de raciocinar.

Quadro 5: Representação do comportamento de raciocinar.

Situação antecedente Ação Situação consequente

- informações acerca de algo.

-concluir algo. - aumento da clareza acerca de algo;

- aumento da possibilidade de tomar decisões em relação a esse algo.

Os sentimentos também são comportamentos. Então, em vez de falar-mos em “inveja”, “ciúme” e “cobiça”, vamos falar em “invejar”, “enciumar” e “cobiçar”. Os verbos ajudam a entender os sentimentos como processos, e não algo que existe isoladamente e está dentro do organismo. Para ajudar a entender os sentimentos como comportamentos, vamos observar o quadro a seguir, que representa o comportamento de “enciumar-se” de uma criança.

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Quadro 6: Representação do comportamento de enciumar-se apresentado por uma criança.

Situação antecedente Ação Situação consequente

- crianças brincando no jardim de infância;

- presença do melhor amigo;

- outra criança chama o melhor amigo.

- dizer: “Ele é meu amigo, não seu!”.

- diminuição da probabilidade de a criança nova brincar com o amigo.

Conforme mostrado no quadro anterior, diante de um colega novo para brincar com seu melhor amigo, a criança diz “Ele é meu amigo, não seu!”. Essa frase tem a função de diminuir a possibilidade de perda do amigo. Este é o aspecto nuclear do “enciumar-se”: apresentar ações que têm a função de diminuir a possibilidade de perda de alguma “coisa” que é importante para a pessoa que demonstra ciúmes.

O que significa dizer que sentimentos são comportamentos? Significa que os sentimentos são constituídos e produzidos por interações que uma pessoa estabelece com o mundo. Ou seja, os sentimentos não são causas de comportamento, uma vez que eles próprios consistem em comportamentos que também são produzidos. A principal implicação dessa concepção a res-peito da relação entre sentimentos e comportamentos é que, se alguém explica o comportamento que alguém apresentou usando como causa o sentimento dessa pessoa, essa explicação é insuficiente. Por quê? Porque os sentimentos também precisam ser explicados!

E o que significa dizer que sentimentos constituem interações que as pessoas estabelecem com o mundo? Significa que as pessoas apresentam sen-timentos distintos, mesmo que elas estejam lidando com um mesmo tipo de situação. Por exemplo, no quadro anterior, aparece o comportamento de um menino que fica enciumado porque outro amigo seu poderá brincar com outra criança. Será que todas as pessoas apresentariam o comportamento enciumar-se nessa situação? A resposta para essa pergunta é: “Não”! Cada pessoa vai apresentar sentimentos diferentes nessa situação, uma vez que cada uma tende a estabelecer uma interação específica com ela.

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Nessa situação, o enciumar-se será apresentado apenas pelas pessoas que consideraram que a presença de uma nova pessoa constitui uma “possibilidade de perda de alguém importante”, e somente no caso de essas pessoas conside-rarem tal perda algo ruim, que mereça ser evitado. No caso de pessoas que não percebem tal situação como algo ruim, o enciumar-se não é apresentado.

O comportamento é multideterminadoNa Religião e na Filosofia, há muito tempo o comportamento é objeto

de estudo. O estudo do conceito de comportamento em diferentes períodos nos mostra que a descoberta de suas causas foi alvo de curiosidade de vários estudiosos. De acordo com Millenson (1967), Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) acreditava que as causas do comportamento eram entidades internas e abstra-tas, por exemplo, vontade. Apesar disso, Aristóteles não explicava o que faz com que uma pessoa tenha vontade de fazer algo.

No período Medieval, sob forte influência do cristianismo, os estudiosos atribuíram à alma a causa do comportamento. Nesse período, causas naturais deixaram de ser explicações para os fenômenos, e não foi diferente em rela-ção ao estudo do comportamento. Millenson (1967) examina que as almas

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sobrenatural, imaterial e insubstancial passaram a ser consideradas as causas do comportamento nesse período. Como decorrência disso, houve pouco desenvolvimento do estudo desse fenômeno na Idade Média, visto que essas causas eram consideradas algo além do universo humano e, por isso, pouco acessíveis ao estudo.

No século XVII houve a perda da força de explicações metafísicas do comportamento a partir da contribuição de Descartes (1596-1650). Para explicar o movimento do corpo humano, o filósofo e matemático usou como analogia figuras mecânicas dos jardins reais de Versalhes (MILLENSON, 1967). Tais figuras eram movidas por princípios hidráulicos; a água era bom-beada em tubos para impulsionar os membros à medida que os visitantes dos jardins passavam por cima de ladrilhos escondidos. Descartes sugeriu que animais e homens eram um tipo de máquina, sendo a água que impulsiona os membros das figuras reais equivalente a espíritos que fazem com que os nervos entrem nos músculos, causando expansão e contração, e o “pisar nos ladrilhos” equivalente a estímulos externos do ambiente que determinavam os movimentos corporais (MILLENSON, 1967). A contribuição de Des-cartes constituiu uma mudança na concepção daquilo que causava o com-portamento, pois já incluía, de certa forma, o ambiente como determinante, apesar de continuar defendendo que alguns tipos de comportamentos eram governados pela alma.

No século XVIII, um pesquisador escocês chamado Robert Whytt fez experimentos relacionados ao princípio do estímulo (MILLENSON, 1967). Ele observou a contração da pupila ao receber luz, descrevendo a relação entre um estímulo externo e uma ação do organismo, no caso contrair a pupila. Whytt demonstrou que reflexos eram eliciados em uma rã decapitada, e com isso a explicação de que a alma era causa do comportamento humano foi enfraquecida. No entanto, Whytt acreditava que a alma se difundia na medula e no cérebro, retendo o controle dos reflexos. Estímulos ambientes e alma eram considerados “causas” do comportamento.

No final do século XIX, uma descoberta mudou os rumos estudo do com-portamento. Ivan Pavlov (1849-1936), fisiologista russo, estava estudando as secreções digestivas por meio de um experimento em que introduzia cirurgi-camente um tubo na mandíbula de um cachorro, de modo a coletar o fluxo

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de saliva das glândulas. Em seguida, Pavlov colocava alimento na boca do ani-mal para medir a produção de saliva em função do alimento (MILLENSON, 1967). Em dado momento, Pavlov descobriu que o fluxo de saliva do cachorro quando o experimentador aparecia era semelhante ao produzido pela introdu-ção de alimento na boca do animal (MILLENSON, 1967; KELLER; SCHO-ENFELD, 1968). Havia, portanto, algo que ocorria no ambiente que poderia eliciar a saliva sem ser algo que naturalmente a elicia, como alimento na boca. Com isso, a clareza acerca de que a história de aprendizagem é um aspecto rele-vante no estudo do comportamento humano foi fortalecida.

De acordo com Millenson (1967), Pavlov não foi o primeiro a observar que alguns comportamentos dependem de uma história de aprendizagem. Outros pesquisadores já haviam chegado à mesma conclusão, mas Pavlov nomeou de reflexo condicional os comportamentos aprendidos por meio de associação entre dois estímulos do ambiente que ocorriam quase ao mesmo tempo. Os estudos de Pavlov são muito conhecidos na Psicologia devido à sua importância e contribuição para o estudo do comportamento, ainda que esse não fosse o seu objetivo quando descobriu esses processos.

No século XX, um psicólogo estadunidense chamado B. F. Skinner (1904-1990) contribuiu ainda mais para demonstrar a importância da his-tória da aprendizagem no comportamento humano. Foi a partir das contri-buições de Skinner que o conceito de comportamento, tal como vimos, foi desenvolvido. Mas o que causa, afinal, um comportamento?

Os estudiosos que citamos são apenas alguns exemplos entre tantos outros que estudaram o comportamento humano, buscando entender suas causas. Vimos que diversas causas de comportamento já foram consideradas, por dife-rentes pesquisadores, em contextos distintos: alma, espíritos, estímulos do meio. Em relação àquilo que determina um comportamento, há pelo menos dois aspectos que devemos considerar. Em primeiro lugar, quais, de fato, estudiosos da Psicologia já conseguiram comprovar o que determina o comportamento humano. A alma, por exemplo, já não é considerada causa de comportamento. Outro aspecto é a relação causal entre eventos. Será que ela existe?

Quando dizemos que uma criança lê com dificuldade por conta de estu-dar pouco, estamos dando uma explicação simplista e incompleta acerca de seu comportamento de ler. As características da maneira como foi ensinada na

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escola, a relação com a família, com colegas e outros aspectos, em conjunto, são determinantes desse comportamento. Se dizemos que uma pessoa faz algo de certa maneira pois sofre de mal funcionamento cerebral, também estamos explicando o comportamento dessa pessoa de maneira equivocada. Aquilo que é chamado de “mal funcionamento cerebral” também pode ser explicado pela combinação de diferentes fatores, não havendo apenas uma causa de comportamento. Tal fenômeno, como qualquer outro, é multideterminado.

Vimos que o comportamento é o fenômeno o qual a Psicologia estuda, o fenômeno psicológico. O comportamento é multideterminado e estudado há muito tempo, por diferentes estudiosos. Muitos destes não eram psicólogos. Isso porque a Psicologia foi consolidada como área de conhecimento apenas no século XIX. Vamos estudar, de forma sintética, um pouco da História da Psicologia, para entendermos o contexto em que foi desenvolvida e que rela-ções essa história tem com a maneira como a Psicologia é configurada hoje.

Breve histórico da PsicologiaComo vimos, muito antes de ser entendida como uma área de conhe-

cimento que estuda o comportamento, filósofos gregos já se dedicavam a entender questões da “alma” e do comportamento humano. A palavra Psico-logia tem sua origem na união das palavras psiché e lógos, significando “estudo da mente ou da alma”.

Desde a Grécia Antiga, a Psicologia vem se desenvolvendo e contri-buindo para a compreensão do “fazer humano”. Porém, somente na metade do século XIX, época em que assistimos à consolidação da ciência moderna, a Psicologia começou a se edificar como uma área de conhecimento, bus-cando observar, mensurar e comprovar fenômenos. Foi nesse período que a Psicologia aderiu ao método científico das ciências naturais, fundamentado na quantificação e matematização dos fenômenos. A Psicologia ficou, assim, mais próxima da Biologia e mais distante da Filosofia, se considerarmos o método de produção de conhecimento.

Assim como as demais áreas do conhecimento ditas humanas ou sociais, os estudiosos da Psicologia se dedicaram, durante o século XIX, a legitimar seus conhecimentos a partir dos pressupostos científicos em vigor. Para isso, houve muitos estudos baseados na observação e experimentação de comportamentos.

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Psicologia da Educação

Podemos citar as pesquisas do filósofo e físico Gustav Fechner (1801-1887) como um bom exemplo desses estudos, que tentaram comprovar que era possível, através de métodos científicos, estudar a mente humana. Alguns autores, como Goodwin (2005, p. 115), chegam a afirmar que “Fech-ner poderia ser considerado o primeiro psicólogo experimental”. Ao lado de Ernest Weber (1795-1878), como professor na conceituada Universidade de Leipzig, na Alemanha, Fechner produziu diferentes estudos psicofísicos, atra-vés dos quais concretizou a origem da psicologia experimental.

Na história da Psicologia, destaca-se a escola de Leipzig: foi lá que Wilhelm Wundt (1832-1920) fundou, em 1879, o primeiro Instituto de Psi-cologia, onde consolidou seus estudos, após ter passado por outras instituições alemãs. Nesse instituto, foi inaugurado por Wundt o primeiro laboratório de Psicologia Experimental, sendo esse um marco na história da Psicologia. Com isso, podemos dizer que o médico fisiologista Wundt foi o grande fundador da Psicologia Científica. Para ele, os psicólogos deveriam estudar a consciên-cia humana ‒ seus processos, suas combinações e suas relações ‒ através de métodos oriundos da Fisiologia e de práticas de observação (DAVIDOFF, 2001). Rapidamente, os estudos de Wundt e da escola de Leipzig ficaram famosos e ganharam adeptos em toda a Europa, Canadá e Estados Unidos, provocando a disseminação da Psicologia Científica.

É importante sinalizarmos que iniciativas como essa aconteciam em todo o mundo. Merecem destaque as pesquisas de William James (1842-1910), que se opunha às ideias de Wundt. Buscando uma psicologia mais prática, James estudava a consciência humana a partir de uma visão mais funcionalista e, apesar de também possuir um famoso laboratório nos Estados Unidos, baseava suas pesquisas na observação da vida humana.

Dica de leitura

Para entender como as chamadas ciências humanas se desenvolveram, sugerimos a leitura da obra Um discurso sobre as ciências, de Boaventura de Sousa Santos, publi-cada em Portugal pelas Edições Afrontamento em 1988 (15ª edição) e também no Brasil pela Editora Cortez (7ª edição em 2010).

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A Psicologia da Educação

Em 1913, John Watson lançou o Manifesto Behaviorista. Influenciado pela concepção de ciência da época, ele afirmava que a Psicologia deveria estudar apenas o comportamento, e não processos mentais e sobrenaturais. Ele não afirmava que tais processos não existiam, apenas indicava que não era possível estudá-los cientificamente, por isso não deveria ser objeto de estudo da Psicologia. O behaviorismo de Watson foi denominado posteriormente por Skinner de Behaviorismo Metodológico, pois enfatizava o método de estudo como importante para definir o que deveria ou não ser objeto da Psi-cologia (MATOS, 1995).

O behaviorismo de Watson teve avanços a partir de contribuições de Skinner, que contrapôs algumas de suas ideias. Uma delas foi a concepção de que o método de estudo é importante para indicar o que é ou não objeto de estudo da Psicologia. O behaviorismo de Skinner foi chamado por ele pró-prio de Behaviorismo Radical, pois, para esse autor, o que é nuclear no Beha-viorismo (ou seja, sua “raiz”; por isso, Behaviorismo Radical) é o objeto de estudo, o comportamento, e não o método para investigar esse fenômeno, como propunha Watson em décadas anteriores (MATOS, 1995). O conceito de comportamento teve um forte avanço a partir das contribuições de Skinner.

Outro autor que apresentou importantes contribuições à Psicologia foi Sigmund Freud (1856-1939), conhecido médico austríaco. Talvez o ponto mais importante das descobertas de Freud é que aquilo que as pessoas fazem é governado por instâncias inconscientes, ou seja, aspectos de que as pessoas não têm a devida clareza. A partir dessas descobertas, a resposta à pergunta “Por que alguém se comporta de alguma forma específica?” dificilmente pode ser apresentada pela própria pessoa que se comporta sem algumas distorções. Isso acontece porque nem sempre as pessoas têm clareza a respeito dos aspectos que influenciam seu comportamento. E, ainda pior, por decorrência de alguns pro-cessos, conforme as descobertas de Freud, há alto grau de probabilidade de que as pessoas relatem aspectos distorcidos que governam o seu comportamento.

O processo pelo qual isso acontece é decorrência da impossibilidade de a pessoa satisfazer todos os seus desejos em uma cultura repressiva, a qual impede que tais desejos sejam satisfeitos. Como isso acontece? As pessoas têm certos desejos que precisam ser satisfeitos de algum modo, mas nem sempre a sociedade aceita a ocorrência de tais desejos ou a maneira pela qual as pessoas

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Psicologia da Educação

tendem a satisfazê-los. Em certo sentido, a sociedade impede ou reprime que elas satisfaçam tais desejos. Contudo, o que acontece a partir disso é que o desejo da pessoa não desaparece, mas se torna inconsciente. E esses desejos, quando não satisfeitos, acabam por influenciar aquilo que as pessoas fazem sem nem mesmo elas terem consciência disso.

A história da Psicologia é composta de diversos estudiosos que se dedi-cam para desenvolver conhecimento acerca do fenômeno psicológico. Aquilo que deve ser objeto de estudo da Psicologia e métodos de observar o fenô-meno psicológico se constituíram em contradições em diferentes contextos. É fácil entender o porquê disso. Cada pesquisador foi influenciado por carac-terísticas de contextos distintos, que inclui períodos históricos diferentes. É por isso que, na Psicologia, há diferentes abordagens ou escolas psicológicas: cognitivismo, existencialismo, análise do comportamento, psicanálise, sócio--histórica, por exemplo. Em cada uma dessas abordagens, há profissionais que produzem conhecimento acerca do fenômeno psicológico, ainda que enfa-tizando aspectos distintos. Alguns salientam as emoções e os sentimentos; outros, a inteligência, a relação com a cultura ou o meio etc.

Dica de leitura

Para aprofundar o conhecimento acerca do desenvolvi-mento da Psicologia como área de conhecimento, pes-quise o livro A definição da psicologia, de F. S. Keller, publicado pela EPU Editora em 1979.

1.2 A Psicologia da EducaçãoJá sabemos que a Psicologia é uma área de conhecimento que produz e

organiza o conhecimento acerca do fenômeno psicológico, o comportamento humano. E a Psicologia da Educação? Com que fenômeno trabalha? É uma subárea da Psicologia? Vamos estudar alguns conceitos para entender o que é a Psicologia da Educação e também por que há tantos nomes que comple-mentam “Psicologia”, como Psicologia da Saúde, Psicologia Organizacional,

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A Psicologia da Educação

Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Escolar, Psicologia Hospitalar e assim por diante.

Em primeiro lugar, precisamos diferenciar os conceitos de campo de atuação profissional e de área de conhecimento. Como já vimos, uma área de conhecimento se caracteriza pela produção e organização do conhecimento a respeito de um fenômeno ou assunto. O campo de atuação profissional, segundo Botomé e Kubo (2002), tem como núcleo do conceito intervir nos problemas e nas necessidades sociais, mudar situações indesejáveis existentes. As possibilidades de atuação no que se referem às necessidades sociais são o que delimitam a intervenção, e não técnicas ou instrumentos conhecidos.

Quais as possibilidades de intervenção em escolas e organizações, por exemplo? A Psicologia, como campo de atuação profissional, intervém nesses contextos. É por isso que há os nomes Psicologia Organizacional, Psicologia Hospitalar, Psicologia Escolar etc.; são campos de atuação da Psicologia onde se realizam intervenções psicológicas em necessidades relacionadas a esses contextos. Mas e Psicologia do Desenvolvimento? É também um campo de atuação? E Psicologia da Educação?

A Psicologia do Desenvolvimento é um tipo ou subárea de conheci-mento em Psicologia, pois produz e organiza o conhecimento acerca do desenvolvimento humano. A Psicologia da Educação, por sua vez, é enten-dida por alguns autores como uma área independente da Psicologia e por outros como aplicação do conhecimento psicológico em Educação (COLL; PALACIOS; MARCHESI, 1996).

Segundo Coll, Palacios e Marchesi (1996), a pesquisa psicológica propor-ciona conhecimento, e este pode ser empregado tanto na educação como em outras áreas da atividade humana, sendo outro exemplo a saúde. Há autores que defendem que aquilo que caracteriza a Psicologia da Educação não é a natureza do conhecimento com o qual maneja, mas sua aplicação nos fenômenos educa-tivos. A Psicologia da Educação não tem um objeto próprio de estudo, continua tendo como objeto o comportamento humano, ainda que aqueles que ocorrem em contextos educacionais ou relacionados ao objetivo desse sistema.

Há, por sua vez, autores que caracterizam a Psicologia da Educação como uma disciplina-ponte entre a Psicologia e a Educação (COLL; PALACIOS;

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Psicologia da Educação

MARCHESI, 1996). No entanto, a educação não é uma área de conheci-mento, como a Psicologia. O que é, então, a educação?

Segundo Brandão (1981), a educação teria a função de transformar e manter a sociedade por meio da transmissão e do compartilhamento da cul-tura entre as gerações. Outros autores, como Sampaio (2002, p. 2), definem a educação como “um processo de vida, de construção, de experimentação”.

Postman e Weingartner (1974), ao denunciarem que a sobrevivência da espécie humana está ameaçada por um número crescente de problemas, examinam que algo pode ser feito para melhorar essa situação. Para aperfei-çoar o ambiente no qual vivemos, os autores indicam como meio a educação. Complementando a ideia de Postman e Weingartner (1974), Paulo Freire (1996) caracteriza a educação como forma de intervir no mundo, em oposi-ção à ideia de “transmissão de conteúdo ou informação”. Nesse sentido, que tipo de contribuição a Psicologia pode oferecer para que isso seja feito? É isso que estudaremos nos próximos capítulos desta disciplina.

Breve histórico da Psicologia da EducaçãoSeja como campo de atuação ou tipo de conhecimento em Psicologia,

podemos datar o surgimento da Psicologia da Educação para os primeiros anos do século XX, quando, no âmbito da Psicologia Científica (a partir da importância que passava a ser atribuída à infância e à necessidade de maior embasamento para as práticas e políticas educacionais), o interesse em pesqui-sas relacionadas aos processos inerentes à educação foi ampliado.

Alguns autores ainda acrescentam outros fatores que impulsionaram esse surgimento. Entre eles, podemos citar Pato (1984, p. 96):

O advento da Psicologia voltada para a educação escolar con-funde-se com as próprias origens da Psicologia Científica. As novas condições de trabalho geradas pela sociedade industrial capitalista, na passagem da economia do tipo liberal para a cen-tralização da produção nas empresas, requerem novos tipos de recrutamento de mão de obra e um certo número de aptidões e traços de personalidade que serão a condição de sua eficiência. Como vimos, a Psicologia nasce com a marca de uma demanda: a de prover conceitos e instrumentos “científicos” de medida que garantam a adaptação dos indivíduos à nova ordem social.

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A Psicologia da Educação

Já nos últimos anos do século XIX, muitos pensadores da educação (como Herbart (1776-1841), estudioso alemão que trouxe grandes contri-buições para a área educacional, o precursor de uma psicologia experimental aplicada à Pedagogia) apontavam para o fato de que a Psicologia deveria pro-curar os meios para os objetivos definidos pela Pedagogia apoiada na Filosofia serem alcançados.

Ao longo do século XX, encontramos inúmeras pesquisas e estudos da Psicologia da Educação. Um dos primeiros psicólogos a propor suas bases foi Edward Lee Thorndike (1874-1949), que insistia na “necessidade de funda-mentar as propostas educativas sobre os resultados da pesquisa psicológica” (COLL; PALACIOS; MARCHESI, 1996, p. 9).

Nesse mesmo período, na Suíça, Édouard Claparède (1873-1940), médico e psicólogo, estudioso do desenvolvimento infantil, criava o Insti-tuto de Pesquisa Psicológica e Educativa Jean-Jacques Rosseau e militava em defesa de uma pedagogia científica cuja base seria a psicologia, bem como defendia a ideia de que os professores deveriam conhecer os métodos experi-mentais da Psicologia.

Apoiada em suas teorias e em seus instrumentos de mensuração, a Psico-logia Científica invade o cenário educacional e traz a ele grandes benefícios. Até 1940, como nos conta Coll, Palacios e Marchesi (1996), a Psicologia da Educação seria a principal ciência da Educação. No entanto, a partir da década de 1950, a Psicologia da Educação, diante do status conquistado, começa a se ocupar com fenômenos educacionais cada vez mais amplos e complexos e perde seu foco. Além disso, contaminada pelas oscilações e diver-gências causadas pelas diversas correntes da Psicologia Científica, a Psicologia da Educação cai no descrédito e enfraquece.

Essas divergências e as discordâncias acerca da definição da Psicologia da Educação permaneceram. Todavia, com o fortalecimento da Psicologia e da Educação na sociedade moderna (caracterizada por novos paradigmas cien-tíficos, multiculturalidades, novas formas de comunicação e relacionamento e transformações socioeconômicas de proporções globais), assistimos a várias tentativas de se reestruturar essa área de conhecimento – como um rótulo ou uma disciplina –, mas sempre pautadas no mesmo princípio.

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Psicologia da Educação

SínteseNeste capítulo, vimos que a Psicologia é uma área de conhecimento

que produz e organiza o conhecimento acerca do fenômeno psicológico. Tal fenômeno é o comportamento caracterizado pela interação entre aquilo que um organismo faz, o meio em que o faz e o que é produzido a partir desse fazer. Esse conceito inclui, portanto, “raciocinar”, “invejar”, “enciumar-se”, “deprimir-se”, “pensar”, entre muitos outros.

Observamos que o objeto de estudo da Psicologia, o comportamento, é estudado muito antes de a Psicologia configurar-se como área de conheci-mento. A formação de cada profissional e o contexto em que está inserido ao produzir conhecimento faz com que existam divergências de ênfases em distintos aspectos relacionados ao fenômeno psicológico, e é por isso que há diversas abordagens ou escolas psicológicas.

Onde há comportamento humano, há Psicologia. É por isso que existem tantos campos de atuação profissional na Psicologia, denominados Psicologia Organizacional, Psicologia Hospitalar, Psicologia Escolar, Psicologia Clínica, Psicologia do Trânsito etc. Por sua vez, a Psicologia da Educação é conside-rada por alguns autores como uma disciplina independente da Psicologia e, por outros, como aplicação do conhecimento psicológico na Educação. Nesta disciplina, estudaremos as contribuições da Psicologia para a Educação.

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2 A Psicologia do

Desenvolvimento

Como vimos até aqui, a Psicologia é uma área do conheci-mento que estuda o comportamento humano. Sua história como conhecimento científi co esteve alinhada às ciências naturais de forma a poder alcançar maior adequação com relação aos métodos de pesquisa utilizados.

Desse modo, os primeiros grandes psicólogos eram, em sua maioria, também médicos. Portanto, é natural que os primeiros estudos da Psicologia estejam relacionados aos processos de percep-ção e desenvolvimento humanos.

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Psicologia da Educação

A Psicologia do Desenvolvimento se definiu como a área que estuda o desenvolvimento1 humano. Foi, dessa maneira, um dos primeiros ramos da Psicologia Científica a se consolidar, estabelecendo, por sua vez, relações com outras disciplinas: Biologia, Medicina, Antropologia, Sociologia e, como estamos vendo, Educação.

Como é na infância que o desenvolvimento humano ocorre de modo mais intenso, os olhares da Psicologia do Desenvolvimento sempre estiveram muito atentos a esse período da vida. Portanto, é comum se encontrar, mesmo nos dias de hoje, psicólogos do desenvolvimento voltados exclusivamente para os estudos de crianças. Podemos, então, falar de uma Psicologia Infantil ou Psi-cologia da Infância quase como uma das designações da Psicologia do Desen-volvimento. Bee (1984) reforça que o estudo do desenvolvimento humano pri-vilegiou o estudo da criança e do adolescente, de maneira que muitos manuais de Psicologia do Desenvolvimento abordam apenas essa fase da vida.

Consideramos que isso é consequência tanto do trajeto histórico dessa área quanto da Psicologia de forma geral. A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre esse histórico.

2.1 A Psicologia do Desenvolvimento e a infância

A Psicologia do Desenvolvimento se fortaleceu ao final do século XIX, mais precisamente no despertar do século XX, acompanhando e possibilitando a estruturação e o reconhecimento da Psicologia como um saber científico.

Esse fortalecimento pode ser entendido como resultado da forte influência da Medicina nos estudos psicológicos acerca do desenvolvimento humano, uma vez que métodos reconhecidamente científicos – como a observação e a men-suração – podiam ser utilizados para a explicação dos fenômenos em questão.

No entanto, apesar do consenso acerca da compreensão do desenvolvi-mento como um processo contínuo e não restrito à infância, é esse período da vida que passa a ter destaque nas pesquisas da Psicologia do Desenvolvimento.

1 Desenvolvimento é o processo contínuo de evolução, transformação.

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A Psicologia do Desenvolvimento

Parece-nos evidente esse maior interesse da área na infância, pois, enten-dendo a Psicologia do Desenvolvimento como um ramo que se configura como uma forma de compreender a criança, o adolescente e o adulto através da des-crição de seus comportamentos e de suas mudanças psicológicas ao longo do tempo, ocorreriam, nessa fase da vida, as mudanças mais marcantes e intensas.

Todavia, aspectos socioeconômicos, éticos, políticos e até religiosos con-tribuíram de forma significativa para a relevância atribuída à infância no meio científico no início do século XX.

Até o século XVII, a criança apenas demandava cuidados especiais em seus primeiros anos de vida. A partir dos três anos de idade, aproximada-mente, passava a ser tratada como um pequeno adulto (RAPPAPORT, 1981). Assim, podemos afirmar que, naquele tempo, não havia uma ideia de infância ou de criança como atualmente.

A ideia ou conceito de criança ou de infância tal como conhecemos hoje foi sendo construída ao longo do tempo e é fruto da cultura em questão. Configura-se, assim, como uma representação social, ou seja, uma ideia social-mente compartilhada, situada histórica e culturalmente e construída a partir da união de diversas ideias, imagens e teorias conscientes e inconscientes.

Frota (2007, p. 147) comenta:Os dicionários da Língua Portuguesa registram a palavra infância como o período de crescimento que vai do nas-cimento até o ingresso na puberdade, por volta dos doze anos de idade. Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de 1989, “criança são todas as pessoas meno-res de dezoito anos de idade”. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), criança é considerada a pessoa até os doze anos incompletos, enquanto entre os doze e dezoito anos, idade da maioridade civil, encontra-se a adolescência.

Etimologicamente, a palavra infância vem do latim, infantia, e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade, atribuída à primeira infância, estende-se até os sete anos, que representaria a idade da razão. Percebe-se, no entanto, que a idade cronológica não é suficiente para carac-terizar a infância. É o que Khulmann Jr. (1998, p. 16) afirma categoricamente: Infância tem um significado genérico e,

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como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade, e a cada uma delas é associado um sistema de status e de papel.

Uma das obras mais conceituadas acerca do tema é a História social da criança e da família, de Philippe Ariès (1914-1984), publicada em 1978. Nessa obra, Ariès apresenta suas descobertas sobre a construção social da ideia de infância e de criança e situa o surgimento dessa construção social na modernidade, o que impulsiona uma série de mudanças na forma de se con-ceber essa fase da vida e influencia também os estudos na área da Psicologia.

Para esse famoso historiador, no entender de Frota (2007), com o advento da modernidade, o fortalecimento da família burguesa e a valori-zação da educação escolar, a infância passou a ocupar um espaço central e a demandar cuidados específicos, inaugurando, assim, novas exigências sociais.

Segundo Ariès (1978), antes da sociedade industrial, a duração da infân-cia estava atrelada ao tempo durante o qual a criança necessitava de cuidados físicos para viver. Após esse período, as crianças se misturavam aos adultos em suas diversas atividades, e assim aprendiam valores, habilidades e costumes. Por volta do século XVIII, com o surgimento da ideia de família a partir da união afetiva dos casais e destes com seus filhos, evidenciam-se alterações no tratamento das crianças, o que aponta para a necessidade de uma vida privada.

Paralelamente, nessa nova vida moderna, não fazia mais sentido apenas um modelo de aprendizagem social. Dessa forma, surge a preocupação com uma aprendizagem mais formal e sistematizada, o que origina a educação escolar. Como consequência, amplia-se a duração da infância e dá-se espaço à ideia de que a criança é um ser que necessita de maiores cuidados, portanto, precisa ser compreendido mais profundamente.

Outros autores, como Heywood (2004), discordam dessa visão de Ariès (1978), salientando que a ideia de infância já existia na Idade Média, pois muitas eram as preocupações da Igreja quanto ao desenvolvimento moral das pequenas gerações. Segundo aquele autor, já existiam, nos séculos XVII e XVIII, ações no âmbito da educação – também relacionadas à Igreja – nas quais as crianças eram alvo de atenção. Conforme Heywood (2004, p.

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36-37), já havia “uma consciência de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos”.

De fato, é possível encontrarmos, ainda no século XVIII, estudiosos que buscavam compreender a natureza infantil com premissas filosóficas famosas no campo educacional, como a de que a criança é uma tábula rasa – dissemi-nada pelo filósofo John Locke (1632-1704) – ou possui uma natureza boa, defendida por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Podemos dizer que a ideia moderna de infância, até os dias de hoje, transita entre dois extremos. De um lado, há uma visão quase medieval e romântica da criança como um ser ingênuo e inocente que demanda cuida-dos especiais; de outro, a visão que a entende como um ser imperfeito e inaca-bado que necessita de moralização e educação por parte da família e da escola.

Nesse sentido, devemos nos lembrar dos estudos de Sigmund Freud (1856-1939) acerca do desenvolvimento infantil: ele desconstrói a inocência infantil e aponta para o desenvolvimento da sexualidade desde os primeiros anos de vida da criança.

No Brasil, podemos dizer que a lógica de construção da ideia de criança seguiu o padrão europeu, instalando-se na sociedade colonial. Porém, Costa (1979) nos lembra que a ideia de uma família dedicada aos filhos era inconce-bível no Brasil-Colônia devido à organização social da época. Logo, a família moderna e, consequentemente, o sentimento de infância moderno passam a ser difundidos no Brasil somente no século XIX.

Segundo alguns autores, no Brasil devemos sempre lembrar que a cons-trução do conceito de criança passa também por outras questões de ordem social, como as ações sanitárias emergenciais, a valorização da educação for-mal por parte da Igreja e do Estado e ainda questões referentes às desigualda-des sociais. Isso faz surgir, por exemplo, a ideia do menor carente.

Portanto, podemos afirmar que, independentemente de quando surgiu a preocupação ou a conceituação desse período da vida humana chamado infância, foi no século XIX que o estudo mais sistemático dessa fase se con-cretizou e surgiram os primeiros estudos da Psicologia do Desenvolvimento tendo a criança como objeto de estudo.

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Dica de leitura

Para conhecer diversos aspectos acerca da história da infância do Brasil, sugerimos a leitura do livro organizado pela historiadora Mary del Piore: História das crianças no Brasil, publicado pela Editora Contexto em 2009.

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2.1.1 Os primeiros estudos da Psicologia do Desenvolvimento

A Psicologia do Desenvolvimento é centrada no desenvolvimento infan-til e tem seus primeiros estudos caracterizados pela descrição dos comporta-mentos típicos de cada faixa etária, os quais possibilitaram a criação de escalas capazes de medir e comparar o desenvolvimento das crianças.

Muitas foram as pesquisas e escalas criadas, mas nos cabe aqui destacar três grandes estudos: os trabalhos de Arnold Lucius Gesell (1880-1961), nos Estados Unidos; os de Alfred Binet (1857-1911), na França; e os ensaios de Granville Stanley Hall (1844-1924), também nos Estados Unidos. Em seus trabalhos, o psicólogo Gesell descreveu estágios para o desenvolvimento humano baseados no processo de maturação, que, segundo ele, era genetica-mente herdado e predefi nido.

As escalas e os padrões defi nidos pelo estudo de Gesell são, até os dias de hoje, base para testes médicos capazes de identifi car atrasos no desenvolvimento infantil.

Binet, por sua vez, concentrou seus esforços na descrição e medição dos padrões de inteligência, o que resultou na construção da famosa escala de coefi ciente intelectual (QI), que, ainda atualmente, possibilita o diagnóstico de défi cit intelectual em indivíduos.

Stanley Hall foi fundador do American Journal of Psychology e teve sua formação infl uenciada pela escola de Leipzig, onde estudou. Foi pioneiro no estudo da criança, por meio do qual buscou decifrar os comportamentos desta, e tornou-se também um estudioso da Psicologia Educacional. Stanley defendia a premissa de que a Psicologia do Desenvolvimento era o ponto de partida para os estudos na área da educação.

Seus estudos descritivos não foram passíveis de comprovação, de forma que ele passou a se preocupar com questões referentes ao relacionamento das crianças com os pais, os comportamentos de riscos e os aspectos emocionais

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dessa fase da vida. Hall foi um dos primeiros estudiosos a falar sobre a adoles-cência. Por isso, foi considerado um dos pais da Psicologia da Adolescência.

Diversos estudos da Psicologia do Desenvolvimento foram sendo rea-lizados. De forma didática, podemos agrupá-los em quatro fases, conforme sistematizaram Biaggio e Monteiro (1998).

Primeira fase

Corresponde ao período de 1920 a 1939, aproximadamente, marcado pelos estudos do desenvolvimento intelectual, da maturação e do crescimento. Apesar de se estudarem, nesse período, o envelhecimento e a adolescência, o estudo sobre a criança era o alvo das atenções e dos investimentos.

Segunda fase

Período compreendido entre 1940 e 1959. Por causa das guerras e de suas consequências, caracterizou-se pela escassez de investimentos em pesqui-sas. O interesse pelo estudo da criança ainda prevaleceu centrado no estabele-cimento das variáveis que afetam o desenvolvimento.

Terceira fase

Corresponde ao período de 1960 a 1989. As primeiras décadas foram marcadas por estudos fortemente influenciados por teorias Behavioristas e teorias da Aprendizagem Social. Posteriormente, houve o fortalecimento das Teorias Piagetianas no campo do desenvolvimento. Nos últimos anos, assis-tiu-se à chegada dos pressupostos cognitivistas à Psicologia do Desenvolvi-mento, reativando o interesse nas bases biológicas do comportamento.

Quarta fase

De 1990 aos dias de hoje. A Psicologia do Desenvolvimento assume uma posição interdisciplinar, e o estudo do desenvolvimento passa a conside-rar todo o ciclo da vida. Os objetos de estudo permanecem, mas se observa a utilização de novos paradigmas e métodos de pesquisa.

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Dica de filme

Para perceber os diferentes aspectos da evolução cientí-fi ca que infl uenciam todos os campos do saber e, princi-palmente, o surgimento de novos paradigmas e métodos de pesquisas, sugerimos que você assista ao fi lme Ponto de mutação, do físico, teórico e escritor Fritjof Capra.

Analisando a trajetória dos diversos estudos na área e levando em consi-deração a necessidade de mensurar e comprovar cientifi camente os resultados encontrados, podemos perceber a grande infl uência da psicometria nos estu-dos da Psicologia do Desenvolvimento.

A psicometria pode ser entendida como uma área que estuda as possibilidades de atribuição de medida aos fenômenos psicológicos, através da defi nição de modelos e padrões para a criação e o uso de testes, lançando mão de conceitos e técnicas estatísticas.

Um dos principais impulsionadores da psicometria foi Charles Spear-man (1863-1945), psicólogo inglês que ampliou os estudos sobre a inteligên-cia a partir da utilização de medidas estatísticas.

O uso dessas escalas, tanto no contexto clínico quanto no contexto educa-cional, marca a história da Psicologia, por contribuir com inúmeros benefícios, contudo, também levanta alguns questionamentos que merecem atenção.

A mensuração, a avaliação e o consequente diagnóstico possibilitados pelas escalas de desenvolvimento criadas são de grande valia para a defi nição de ações posteriores, não só de cunho clínico – um tratamento médico ou psicológico, por exemplo – como também de cunho educacional. Além disso, a constante utilização desses instrumentos permitiu, e permite, seu aprimoramento, impul-sionando novos estudos e assegurando a evolução da ciência psicológica.

Entretanto, a própria história da Psicologia do Desenvolvimento nos mos-tra que existem inúmeros cuidados a serem tomados. A utilização reducionista

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dessas escalas que, naturalmente, criam a ideia de “normal” e “anormal” pode trazer consequências desagradáveis e prejudiciais para todos os envolvidos.

Vale destacarmos que o conceito de normalidade é, a priori, estatístico, isto é, relaciona-se à curva normal. Através dessa curva, podem ser definidas pro-babilidades em relação a um evento, considerando a média e os desvios quanto às suas ocorrências. Assim, o sentido de normalidade está ligado ao conceito de frequência, de quantidade de ocorrências, àquilo que é comum à maioria.

Figura 1: Representação gráfica da variação de normalidade entre indivíduos.

Indivíduos com resultados

frequentes, próxi-mos à média

Indivíduos com resultados meno-res que a média,

mas ainda normais

Indivíduos com resultados dife-

rentes da maioria

Como podemos observar na figura anterior, a normalidade ou a anorma-lidade estão ligadas à relação entre o resultado alcançado pelo indivíduo e a fre-quência com que esse mesmo resultado acontece em uma população já estudada.

No entanto, socialmente, o conceito de normalidade passou a ser atre-lado ao conceito de saudável; por isso, os pontos fora da curval normal ou mais distantes de sua média adquiriram uma conotação negativa. Dessa maneira, um dos grandes desafios da Psicologia do Desenvolvimento reside na redução dos impactos negativos de suas descobertas, para buscar alterna-tivas e medidas que permitam a disseminação consciente e cuidadosa de suas teorias e de seus instrumentos.

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2.2 Principais abordagens do DesenvolvimentoComo vimos até aqui, as premissas de objetividade e cientificidade e as

exigências sociais de cada época influenciaram a evolução e a construção do conhecimento da Psicologia do Desenvolvimento. Antes de nos aprofundar-mos nos conceitos e nas teorias dessa importante área da Psicologia, é interes-sante refletirmos sobre nosso principal conceito: o desenvolvimento.

Já ensaiamos algumas definições para esse termo e, assim como fizemos em relação ao conceito de infância, não podemos perder de vista seu caráter histórico. Qualquer que seja o termo objeto de nosso estudo, sempre existirão muitas formas de entendê-lo. E, no processo de construção desse entendi-mento, utilizamos uma espécie de filtro, um conjunto de premissas básicas anteriores que, de certa maneira, norteiam essa tarefa. A esse filtro estamos atribuindo a designação “abordagem”.

De forma didática, vamos considerar uma abordagem quase como um conjunto de concepções filosóficas que nos permite melhor delimitar ou embasar o conceito ou a teoria que desejamos determinar. No caso em ques-tão, ao tentarmos definir o que é desenvolvimento humano, encontramos três grandes correntes: a inatista, a ambientalista e a sócio-histórica.

A abordagem inatista

Essa abordagem está fundamentada nas ideias racionalistas e tem como base as filosofias de René Descartes (1596-1650), Baruch Espinoza (1632-1677) e Immanuel Kant (1724-1804). A abordagem inatista privilegia a razão, em detrimento da experiência, como a única forma de se chegar ao conhecimento e considera que tudo existe a priori.

Dessa forma, as capacidades e características humanas básicas seriam ina-tas, ou seja, já estariam prontas e definidas desde o momento do nascimento do indivíduo – sua manifestação dependeria apenas do amadurecimento. Assim, ao nos debruçarmos sobre a questão do desenvolvimento, teríamos o enten-dimento de que esse seria um processo regido por leis próprias, um processo interno que não depende do conhecimento, da experiência ou da cultura.

Podemos encontrar teorias do desenvolvimento que partem desses pres-supostos e que, como consequência, apresentam uma expectativa limitada

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Psicologia da Educação

quanto ao papel da aprendizagem e da educação, uma vez que as capacidades humanas já seriam herdadas geneticamente.

A abordagem ambientalista

Pautada nas ideias empiristas e positivistas de Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e Augusto Comte (1798-1857), essa abor-dagem atribui exclusivamente ao ambiente a constituição das características e capacidades humanas, destacando a experiência como fonte de conhecimento e de formação de hábitos de comportamento.

O desenvolvimento humano, segundo essa forma de pensar, seria um processo determinado pelo meio, modelado e condicionado por ele.

Ao contrário do que acontece com a visão inatista, na visão ambienta-lista a educação ganha um destaque especial, sendo quase capaz de definir os comportamentos do indivíduo a partir da modelação e do condicionamento de seus comportamentos.

A abordagem sócio-histórica

Entendendo o homem como um ser construído pelas forças históricas e sociais, fruto da sociedade e da cultura em que está inserido, essa abordagem tem como fundamento os princípios do materialismo dialético de Karl Marx (1818-1883) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831).

Com base nessa concepção, o processo de desenvolvimento humano seria compreendido como uma transformação mútua entre a realidade e o homem. A educação teria um papel ativo na construção do homem, cen-trada em sua autonomia, problematizando e refletindo acerca da realidade e mediando a relação do homem com a cultura.

Existe uma abordagem correta?

Após percorrer cada uma das abordagens apresentadas, ficamos com uma questão: Qual seria a mais adequada? É possível vislumbrarmos verdades em cada uma delas e, ao mesmo tempo, apontarmos algo com que não con-cordamos em uma primeira instância.

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A Psicologia do Desenvolvimento

Isso ocorre porque apresentamos essas abordagens em seus formatos mais extremos. Na verdade, essas concepções coexistem e se mesclam (quando possível) em boa parte dos estudos da Psicologia do Desenvolvimento, e até mesmo em outras áreas da Psicologia.

Davidoff (2001, p. 51) enfatiza que “há séculos os cientistas vêm deba-tendo se a mais poderosa influência sobre o desenvolvimento das característi-cas específicas é a hereditariedade ou o ambiente”, todavia, até hoje, o que se sabe é que ambos determinam o desenvolvimento humano.

O que encontraremos nos estudos da Psicologia do Desenvolvimento são teorias que privilegiam uma ou outra abordagem, seja por pressupostos filosóficos ou por cortes metodológicos.

Além disso, podemos observar que, ao longo da expansão da ciência, algumas abordagens ganham mais força em determinados momentos histó-ricos, sendo posteriormente questionadas e superadas. Isso faz parte do pro-cesso de construção do processo de conhecer científico e, portanto, deve ser encarado de forma natural e positiva.

Assim, para darmos prosseguimento ao nosso estudo sobre a Psicologia da Educação, é preciso nos despirmos de verdades absolutas e procurarmos compreender o que cada cientista busca desvendar, refletindo de forma crítica acerca dos resultados encontrados.

2.3 Procedimentos e desafiosCom o propósito de melhor compreendermos os estudos e resultados

da Psicologia do Desenvolvimento, é preciso conhecermos os principais procedimentos utilizados em suas pesquisas, bem como termos clareza dos desafios enfrentados.

Dessa forma, nesta seção buscaremos apresentar alguns dos procedimentos mais empregados, vislumbrando suas vantagens e desvantagens. A partir disso, discutiremos alguns desafios que se impõem para essa área do saber psicológico.

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Psicologia da Educação

Principais procedimentos

Com a pretensão de descrever e explicar os comportamentos humanos nas diferentes fase da vida, a Psicologia do Desenvolvimento propõe-se a explicar como:

[...] a partir de um equipamento inicial (inato), o sujeito vai sofrendo uma série de transformações decorrentes de sua pró-pria maturação (fisiológica, neurológica e psicológica) que, em contato com as exigências e respostas do meio (físico e social), levam à emergência desses comportamentos. Por-tanto, a nossa ciência pretende:

a) Observar e descrever os fenômenos (exemplo: choro, agres-são, linguagem, solução de problemas, etc.).

b) Explicar os fenômenos. Explicar quais os processos subja-centes, quais os mecanismos psicológicos, internos, que atuam para possibilitar o aparecimento destes fenômenos comporta-mentais. (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981, p. 3).

Dessa forma, muitos são os procedimentos e métodos científicos que podem ser adotados nas pesquisas para que essas pretensões sejam alcançadas.

Para atender aos seus objetivos, a Psicologia do Desenvolvimento, como área que produz conhecimento por meio da Ciência, faz uso de métodos tra-dicionais de observação e descrição de fenômenos. Dessa forma, nessa área, há pesquisas cuja principal finalidade é a descrição de dado comportamento, tendo como resultado a elaboração de teorias que representam os modelos explicativos desses fenômenos comportamentais.

Os métodos de observação e o posterior registro de comportamentos através de técnicas descritivas detalhadas são, sem dúvida, os mais utilizados, principalmente na coleta de dados. Entretanto, esses métodos apresentam a desvantagem da impossibilidade de serem aplicados para fenômenos ou processos psicológicos não observáveis diretamente e para o estudo do desen-volvimento humano. Esse fato se configura como uma importante limitação, pois muitas são as variáveis internas que podem influenciar o desenvolvi-mento, as quais não seriam, por tais métodos, exploradas.

Assim, outros métodos precisavam ser empregados na tentativa de se assegurar o estudo mais aprofundado do desenvolvimento. A partir da influ-

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ência da metapsicologia de Sigmund Freud, métodos de investigação clínica e estudos longitudinais ganharam espaço nas pesquisas da área.

Os métodos de investigação clínica permitem o maior aprofundamento na compreensão dos fenômenos a partir da observação e da exploração das variáveis relacionadas ao indivíduo. Esse tipo de coleta de dados é bastante rico, todavia possui limitações quanto à possibilidade de se estabelecerem generalizações, por-que os resultados encontrados são muito específicos e individuais. Além disso, essas investigações demandam muito tempo e também investimento.

A necessidade de investimento aparece, inclusive, como uma desvanta-gem dos estudos longitudinais. Esse tipo de estudo tem como característica assegurar maior possibilidade de generalização e comparação, pois utiliza uma grande quantidade de indivíduos que são observados ao longo de um período de tempo. Contudo, os estudos longitudinais apresentam como limitação a frequente perda de indivíduos no decorrer do período de pesquisa.

Ao longo do tempo, métodos mais sofisticados, como os métodos corre-lacionais e os etológicos, também incrementaram as pesquisas sobre o desen-volvimento humano.

A partir do uso de métodos estatísticos de correlação, algumas limitações de outros métodos puderam ser reduzidas, facilitando, por exemplo, a com-paração de resultados oriundos de investigações clínicas.

Os estudos etológicos também contribuíram para as pesquisas da Psico-logia do Desenvolvimento. Tais estudos são desenvolvimentos com animais e, com base na aplicação de métodos científicos e estatísticos, há a transposição para a descrição e o entendimento dos fenômenos humanos. Muitas desco-bertas da Etologia2 foram migradas para a Psicologia e adaptadas e aprofun-dadas de modo a permitir significativos avanços para a área.

Desafios

Muitos são os desafios para a Psicologia do Desenvolvimento. De acordo com Frota (2007, p. 151):

Podemos ver que, numa perspectiva histórica de milhares de anos, em que predominou o total desconhecimento da

2 Etologia é o estudo do comportamento animal.

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Psicologia da Educação

criança, a Psicologia do Desenvolvimento Infantil encon-trou no seu início uma série de dificuldades para se impor como estudo sério, importante e necessário. Mas ela tem conseguido se firmar. Hoje, o estudo do desenvolvimento da criança é necessário e indispensável para quem deseja traba-lhar com essa fase da vida humana. Além disso, a perspectiva extremamente positivista assumida pela Psicologia do Desen-volvimento, que se preocupava principalmente em observar, medir e comparar as mudanças exibidas pelas crianças ao longo de sua trajetória de vida, foi substituída por uma pers-pectiva mais histórica. Hoje se estuda a criança e a infância como categorias construídas historicamente, o que nos abre possibilidades de compreendê-las de modo concreto, na sua expressão de vida.

Como vimos até aqui, um dos principais desafios da Psicologia do Desenvolvimento desde seu surgimento reside no fato de que as metodo-logias de estudo tradicionais – baseadas na observação direta e na descrição – não atendem mais às exigências e às características dos estudos da área, pois impossibilitavam o estudo de alguns fenômenos.

Além disso, Rappaport, Fiori e Davis (1981) e outros estudiosos tam-bém nos lembram que, mesmo a partir da utilização de diferentes métodos de pesquisa, não podemos esquecer que todos os métodos possuem limitações no que se refere à melhor adequação aos estudos dos fenômenos do desen-volvimento humano, colocando em questionamento a validade científica dos resultados encontrados. Assim, apresenta-se para a Psicologia do Desenvol-vimento um grande desafio metodológico. Cabe aos estudiosos dessa área a busca e a adequação de diversos métodos e estudos que permitam a melhor compreensão do desenvolvimento humano em toda a sua complexidade.

Com a emergência de novos paradigmas científicos e diante da influ-ência de abordagens mais sistêmicas, torna-se necessário considerar diversos contextos e variáveis que se articulam, influenciando e sendo influenciadas pelo desenvolvimento humano. Como vimos, cada vez mais a análise do con-texto histórico dos indivíduos deve ser incorporada aos estudos da área. A consideração desses contextos pode dificultar generalizações e comparações para a construção do conhecimento da área, todavia enriquece as pesquisas; além disso, a partir da emprego de métodos mais flexíveis, oriundos de outras ciências humanas, esses estudos podem alcançar maior validação.

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Logo, é demandada uma maior preocupação quanto aos padrões meto-dológicos utilizados, bem como um estudo mais aprofundado acerca das limitações e adequações possíveis para cada um dos métodos aplicados nas pesquisas da Psicologia do Desenvolvimento.

Outro grande desafio para a área reside na constante ampliação de seu objeto de estudo. Segundo Davidoff (2001, p. 418-419):

[...] a psicologia do desenvolvimento é agora definida em ter-mos de todo o ciclo da vida. Ela abrange a investigação do crescimento da estrutura física, o comportamento e o fun-cionamento mental desde qualquer ponto do tempo após o nascimento até qualquer ponto do tempo antes da morte.

O fato de englobar todo o ciclo vital aponta para a necessidade de se repensar a metodologia de pesquisa, como já citamos, mas também demons-tra ampliação da Psicologia do Desenvolvimento, trazendo-lhe novas exigên-cias e desafios, especialmente diante de sua interseção com as áreas da saúde e da educação.

Assim, outros desafios se colocam, tal como ressalta Mota (2005, p. 110): “esses desafios envolvem, sobretudo, o caráter multidisciplinar dessa disciplina, fazendo com que psicólogos do desenvolvimento precisem encon-trar uma linguagem que facilite a comunicação entre profissionais de diferen-tes áreas de atuação”.

Logicamente, assistimos ao surgimento de novas perguntas e até mesmo de novos objetos de estudos relacionados ao desenvolvimento que se apresen-tam como desafios a essa área, ainda considerada recente.

Portanto, há muito a ser feito para a efetiva consolidação e estruturação da Psicologia do Desenvolvimento. No entanto, é necessário reconhecer que há diversas contribuições feitas pelos estudiosos dessa área para muitas outras áreas do conhecimento, especialmente para a Educação.

A dimensão política

Não poderíamos encerrar este capítulo sem uma pequena reflexão acerca da dimensão sociopolítica da Psicologia do Desenvolvimento, pois, como vimos, sua trajetória esteve atrelada ao surgimento de diferentes conceitos e categorias historicamente construídos, como a infância e a família. Dessa

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Psicologia da Educação

maneira, devemos analisar de forma crítica a relevância e a aplicação dadas aos resultados alcançados pela área.

Assim como os conceitos utilizados por essa área, seus resultados e suas teorias também são historicamente situados. Assim, devemos ter o cuidado de, ao empregá-los, contextualizá-los e até adaptá-los ou atualizá-los.

Precisamos também levar em consideração que os resultados encontra-dos buscavam responder às exigências da época em que foram obtidos. Logo, não estariam isentos de interesses de políticos, religiosos ou mesmo econô-micos. Dessa forma, assim como em qualquer área, as pesquisas e as teorias da Psicologia do Desenvolvimento não podem ser meramente transpostas aos diversos campos de atuação para os quais contribui sem as devidas reflexões e análises acerca dos impactos sociais e culturais que possa causar.

SínteseEste capítulo foi dedicado à Psicologia do Desenvolvimento. Iniciamos

nosso estudo conceituando essa área básica do saber psicológico: vimos que ela pode ser entendida como um tipo de conhecimento em Psicologia que estuda o desenvolvimento humano, sendo esse um processo contínuo de evolução.

Através da exploração de sua trajetória, percebemos que seu campo de atuação foi se ampliando, de forma que seus estudos, inicialmente centrados no desenvolvimento infantil, passaram a considerar todo o ciclo da vida.

Depois, discutimos a relação entre a Psicologia do Desenvolvimento e a ideia de infância. Identificamos a influência da valorização da família e da infância como um dos fatores que impulsionaram o aprimoramento da área. Além disso, passamos por concepções a respeito da criança, como as de Locke, Rosseau e Freud, e falamos um pouco sobre a questão da infância no Brasil, situando, assim, a consolidação do sentimento moderno de infância e o fortalecimento e incremento da Psicologia do Desenvolvimento no final do século XIX e início do século XX.

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Partimos, então, para a apresentação dos primeiros estudos na área, cuja principal característica era a descrição dos comportamentos típicos, por meio da produção de escalas capazes de mensurar e comparar o desenvolvimento das crianças. Conhecemos, desse modo, os estudos de Gesell, Binet e Hall.

Fechando o breve histórico sobre a Psicologia do Desenvolvimento, lis-tamos as quatro fases de sua trajetória, organizadas por Biaggio e Monteiro, e percebemos a estreita relação dessa área com a psicometria.

Seguimos nossa leitura chegando às abordagens que norteiam os estu-dos psicológicos: a inatista, a ambientalista e a sócio-histórica. Compreen-demos cada uma delas de forma didática e concluímos que não há uma abordagem certa ou errada, mas a adotada, pelo cientista, como uma opção filosófica ou metodológica.

Percebemos que, quando falamos sobre o desenvolvimento humano, tanto a influência biológica ou genética quanto a influência do meio devem ser consideradas.

Por fim, discutimos os procedimentos e métodos utilizados pela Psicolo-gia do Desenvolvimento e reconhecemos suas limitações, que se configuram como um grande desafio para a área, ao lado das exigências modernas e dos desafios do trabalho multidisciplinar. Finalmente, encerramos esta etapa lem-brando a dimensão sociopolítica da Psicologia.

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3 Principais abordagens do desenvolvimento:

estudos com ênfase em diferentes dimensões

Nos capítulos anteriores, vimos que o contexto em que um pesquisador está inserido (a época e o lugar) interferem no conhe-cimento que ele produz. As principais abordagens do desenvolvi-mento partiram de estudiosos distintos, com formações em diferen-tes áreas e que estavam inseridos em contextos diversos. É por isso que temos contribuições acerca do desenvolvimento humano que enfatizam diferentes dimensões ou aspectos.

Neste capítulo, vamos estudar algumas dessas contribuições e suas relações com a Educação. Para entendermos tais contribuições, é relevante também compreendermos um pouco da história dos pesquisadores que as elaboraram.

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3.1 Ênfase nos aspectos cognitivos com base na teoria de Jean Piaget

Um pouco da história de vida de Piaget

Jean William Fritz Piaget nasceu em Neuchâtel, uma pequena cidade na Suíça francesa, em 1896. Aos dez anos, publicou em uma revista de Histó-ria Natural seu primeiro artigo científico, que tratava do comportamento de um pássaro albino. Trabalhou como voluntário no setor de classificação da coleção de zoologia do Museu de Ciências Naturais de Neuchâtel. (PALAN-GANA, 2001).

Piaget licenciou-se em Ciências Naturais na Universidade de Neuchâtel (1915) e, em 1918, obteve doutorado em Zoologia, com tese sobre moluscos da região Valois, na Suíça. De acordo com Palangana (2001), Piaget teve interesse em leituras ainda na adolescência nas áreas de Filosofia, Lógica e Religião, que foram determinantes no desenvolvimento de seu interesse pela Epistemologia.

Postulados teóricos das descobertas de Jean Piaget: o desenvolvimento da inteligência e do pensamento na criança

Conforme Palangana (2001), autora de uma obra na qual sintetiza os postulados teóricos e epistemológicos tanto de Piaget quanto de Vygotsky, a formação de biólogo de Piaget teve influência nos postulados formulados por este a respeito do desenvolvimento humano, nos procedimentos metodoló-gicos que utilizou para suas descobertas e também na ideia de que a maneira como o ser humano passa a conhecer o mundo é influenciada por mecanis-mos de equilíbrio orgânico. Outra influência é a orientação desse desenvol-vimento para uma maior adaptação da criança perante as exigências do meio no qual ela se encontra. Mas Piaget também identificou, posteriormente, a natureza lógica do pensamento humano e tentou, por meio de sua teoria, sin-tetizar as variáveis lógicas e biológicas no desenvolvimento do conhecimento humano (PALANGANA, 2001).

Outras influências da formação de biólogo de Piaget podem ser percebi-das nos métodos de investigação que ele utilizava. Interessado em saber como o ser humano conhece o “mundo”, considerava o método filosófico especu-

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Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões

lativo demais. E a Biologia, por sua vez, não viabilizava experimentações. De acordo com Palangana (2001), foi na Psicologia que Piaget encontrou a possi-bilidade de realizar experimentações que garantissem caráter científico às suas investigações. Trabalhando durante dois anos na Universidade de Sorbonne, em Paris, com Binet e Simon, na realização de testes de inteligência, Piaget considerava as respostas erradas que as crianças apresentavam mais interes-santes que as corretas e identificou que crianças de mesma idade tendiam a apresentar erros semelhantes.

Com base nessas constatações, Piaget concluiu que o raciocínio das crianças era qualitativamente diferente do raciocínio dos adultos. Palangana (2001) des-taca que, a partir disso, Piaget rejeitou os testes e as classificações de inteligência desenvolvidas por Binet e Simon e inferiu que a lógica é um processo desenvol-vido de modo gradativo ao longo da vida de uma pessoa. O programa piagetiano consistiu fundamentalmente na investigação da gênese desses processos.

A obra de Piaget, segundo Palangana (2001), foi construída em um contexto em que o conhecimento psicológico era ainda influenciado pelo dualismo cartesiano, por meio do qual o ser humano era “cisado” em corpo e mente ou corpo e alma. Esse dualismo determinava a ênfase atribuída pelos psicólogos em relação a variáveis endógenas, nas quais o sujeito predomina sobre o objeto, e exógenas, em que o objeto sobrepõe o sujeito. Influenciado também pelo método clínico, Piaget utilizou como técnica de produção de conhecimento diálogos entre ele e as crianças e investigou o raciocínio delas por meio da linguagem que elas apresentavam. Tais diálogos eram consti-tuídos por perguntas orientadas pelos objetivos que Piaget queria alcançar (PALANGANA, 2001).

A partir de suas investigações com crianças, Piaget formulou o que ele denomina de estágios de desenvolvimento cognitivo, sugerindo que o pen-samento da criança se desenvolve sequencial, contínua e gradualmente. De acordo com Palangana (2001), compreender o desenvolvimento desse pro-cesso envolve avaliar as interações que a criança estabelece com o meio, identi-ficando as transformações endógenas e exógenas. De acordo com as descober-tas de Piaget, ao interagir com o meio, a criança passa a construir “esquemas” a respeito da realidade, cada vez mais complexos e orientados para uma maior adaptação dela ao meio no qual ela se encontra. A lógica das ações apresen-

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Psicologia da Educação

tadas pelas crianças no meio é constituída pelas organizações realizadas pela criança em relação a diferentes noções, tais como causalidade, manutenção dos objetos, relações entre eles etc. Essa organização é desenvolvida inicialmente na dimensão concreta e, posteriormente, adquire a noção abstrata.

Conforme as descobertas de Piaget, há dois atributos universais no desenvolvimento do pensamento humano. Um deles é a organização do mundo. O outro, a adaptação. É por meio de novas experiências que a pessoa adapta seu pensamento ao mundo. Isso acontece através de dois processos, a assimilação e a acomodação. No primeiro, os objetos identificados pela criança são classificados por ela em estruturas já construídas. Esse processo é ilustrado pela situação na qual a criança já construiu a ideia do que é um cachorro e vê um cachorro, classificando-o como tal. Na acomodação, os objetos percebidos pela criança são entendidos por ela como constituintes de novas categorias que ela ainda não possui. A partir dessa nova percepção, a criança produz um novo esquema, produzindo, portanto, uma alteração nas categorias que ela desenvolveu para adaptar-se ao meio (PALANGANA, 2001). A acomodação é ilustrada pela situação na qual uma criança que já possui a ideia de “cachorro” vê um cavalo, não o classifica como cachorro e constrói uma nova categoria: a de “cavalo”.

A equilibração, outro importante processo caracterizado e investigado por Piaget, é talvez o seu principal postulado. Nesse processo a criança não consegue lidar com alguma circunstância por meio das categorias que ela já construiu, e disso decorre um desequilíbrio, superado pela construção de novas categorias e estruturas de pensamento, produzindo uma nova situação de equilíbrio. Como, por meio desse processo, a criança acaba produzindo estruturas e categorias gradualmente mais complexas, Piaget o denomina de “equilibração majorante”. Com base nas interações que a criança vai estabele-cendo com o meio e a consequente organização que faz desse ambiente, Pia-get formula quatro estágios básicos de desenvolvimento pelo qual ela passa. Conforme tais estágios, relacionados a idades específicas, o pensamento da criança é constituído por certos processos de raciocínio e de pensamento que gradualmente tornam-se mais complexos. Os estágios formulados por Piaget são apresentados no quadro a seguir.

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Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões

Quadro 1: Representação dos estágios de desenvolvimento descritos por Piaget e faixa etária aproximada na qual eles se desenvolvem.

Estágio de desenvolvimento Faixa etária aproximada

Sensório-motor Do nascimento aos 2 anos

Pré-operacional De 2 a 7-8 anos

Operações concretas De 7-8 a 11-12 anos

Operações formais A partir de 11-12 anos

Tais estágios são percebidos por meio de evidências de que a criança já dis-põe de certas estruturas e esquemas a respeito do mundo. Essas evidências são identificadas com base nos comportamentos apresentados pelas crianças. No estágio sensório-motor, que ocorre do nascimento aos dois anos, a criança não constrói representações simbólicas do mundo. O nome desse estágio é decor-rente da maneira pela qual a criança percebe e age sobre o mundo, sempre por meio de percepção sensorial e de suas ações motoras. A grande conquista desse estágio e que constitui o processo indicador de que o desenvolvimento cogni-tivo está passando para o estágio seguinte consiste na ideia de “permanência do objeto”. Quando a criança não raciocina por meio desse conceito, ela apresenta dificuldade para lidar (pensar, raciocinar sobre) com um objeto na ausência dele. E, quando a criança passa a raciocinar com o conceito de “permanência do objeto”, obviamente ela passa a ter a capacidade de lidar com tal objeto na ausência dele. Como exemplo, ela começa a querer objetos que não estão dire-tamente acessíveis e lembra-se de pessoas e objetos que estão ausentes.

De acordo com Palangana (2001), no estágio pré-operacional, que ocorre dos 2 aos 8 anos, a principal conquista consiste na capacidade simbó-lica, pela qual a criança passa a distinguir o significante (palavras, símbolos) do significado (objetos). Mas, nesse período, ela ainda não consegue refazer seu pensamento, o que indica certa rigidez em seu raciocínio. Outra carac-terística nuclear desse período de desenvolvimento cognitivo constitui o que foi denominado por Piaget de “conduta egocêntrica” ou “autocentrada”. De acordo com essa característica, a criança “vê” o mundo simplesmente a partir de sua própria perspectiva e, consequentemente, tem dificuldade de enxergar o mundo por meio da perspectiva da outra pessoa.

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Psicologia da Educação

Um exemplo da conduta egocêntrica é quando a criança diz que tem um irmão, mas, quando questionada a respeito de quantos irmãos seu irmão tem, ela responde dizendo que ele não tem irmãos. A característica egocêntrica ainda revela o motivo pelo qual a criança dificilmente percebe como necessá-rio justificar aquilo que faz. A descentração, processo gradualmente conquis-tado ao longo desse estágio, consiste na capacidade da criança de enxergar o mundo a partir da perspectiva do “outro”. Ainda outras características apre-sentadas pela criança nesse estágio são o antropomorfismo e o animismo. De acordo com a primeira dessas características, a criança atribui características de pessoas a objetos; e, conforme a segunda, ela atribui vida a seres inanima-dos (PALANGANA, 2001).

Palangana (2001, p. 26) também caracteriza o estágio de desenvolvi-mento cognitivo denominado operações concretas, que ocorre durante os 7 aos 12 anos:

[...] o estágio das operações concretas [é] assim denominado porque a criança não consegue trabalhar com proposições, ou seja, enunciados verbais. Dessa maneira, os procedimen-tos cognitivos não envolvem a possibilidade de lógica inde-pendente da ação. As ações empreendidas pela criança são no sentido de organizar o que está imediatamente presente, encontrando-se, pois, presa à realidade concreta.

Ainda de acordo com a autora, uma das principais conquistas desse perí-odo faz referência a uma maior socialização da criança. Nesse estágio, além da criança tentar compreender o pensamento alheio, ela tende a apresen-tar seus pensamentos e, por meio disso, fazer-se compreender, por mais que ainda tenda a considerar o seu próprio pensamento como aquele mais verda-deiro. Nesse período, o nível de reversibilidade do pensamento é alcançado: a criança consegue descrever o seu próprio pensamento e avaliá-lo, viabilizando que ela transforme seu pensamento. Apesar disso, nesse estágio, acontece o processo denominado de “conservação”, em que alguns aspectos do pensa-mento são mantidos como estáticos. Nesse estágio, segundo a autora, há o “[...] abandono do pensamento fantasioso; o consequente aparecimento da necessidade de comprovação empírica das elaborações mentais (uma vez que, neste estágio, a criança dispõe de estruturas lógico-formais); e a diminuição das atitudes egocêntricas” (PALANGANA, 2001, p. 28).

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Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões

No período das operações formais (a partir dos 12 anos), o adoles-cente passa a distinguir o “real” e o “possível”. Nesse estágio, ele já raciocina a respeito do mundo avaliando possibilidades que contrariam sua experiência perceptiva. Se, no período pré-operatório e no estágio de operações concre-tas, a criança pensa principalmente sobre o mundo por meio de raciocínios indutivos, no estágio de operações formais o adolescente adquire a capacidade de pensar por meio de raciocínios dedutivos e passa a apresentar o que é denominado “análise combinatória”, que envolve a possibilidade de relacio-nar, virtualmente, quaisquer elementos, ampliando as possibilidades de racio-cínio estabelecidas nos processos de assimilação e acomodação. Isso envolve, consequentemente, a criação de novas lógicas, além das já existentes. O ado-lescente, ainda no período de operações formais, passa a realizar processos antes não efetuados, tais como relações de implicação, disjunção, exclusão, incompatibilidade e implicações recíprocas, e desenvolve também o raciocí-nio proposicional, passando a elaborar hipóteses e apresentando o “espírito experimental” (PALANGANA, 2001).

A contribuição de Jean Piaget a respeito do desenvolvimento do juízo moral na criança

Piaget foi um investigador contumaz do desenvolvimento da inteligên-cia na criança, mas as investigações que ele empreendeu não se resumiram aos processos cognitivos relativos ao desenvolvimento da inteligência. Um importante exemplo disso consiste nas investigações realizadas por ele a res-peito do desenvolvimento do juízo moral ao longo da vida de uma criança. Os resultados de tal investigação foram compilados no livro Le julgement moral chez l’enfant, publicado em 1932. Por um lado, essa obra consistiu em algo isolado na teoria de Piaget, pois ele pouco voltaria a examinar esse processo. Mas, segundo La Taille, Oliveira e Dantas (1992), esse livro se tor-nou um dos clássicos da Psicologia contemporânea, especialmente em relação ao desenvolvimento infantil e ao desenvolvimento da moralidade.

Piaget investiga o desenvolvimento moral da criança partindo da defini-ção de que a moral consiste em um conjunto de regras e, principalmente, no respeito que uma pessoa tem em relação a elas. O autor investiga o desenvol-vimento de tal processo em jogos nos quais precisam ser estabelecidas regras: bola de gude, para meninos; amarelinha, para meninas. Conforme La Taille,

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Psicologia da Educação

Oliveira e Dantas (1992), Piaget investiga o desenvolvimento do juízo moral na criança por meio de jogos por três motivos:

2 pela própria existência das regras e pela possibilidade de avaliar o respeito que a criança tem a elas;

2 pela possibilidade de a criança modificar as regras, atuando como “legisladora”;

2 pela necessidade de a criança estabelecer acordos com outras crian-ças sobre as regras que deverão orientar o jogo.

Piaget jogava com as crianças, pedia para que elas lhe ensinassem o jogo e, utilizando o método de diálogo, questionava-as a respeito de quem tinha lhe apresentado a regras, se estas poderiam ser modificadas etc.

Com base nessas investigações, Piaget identificou três fases pelas quais passavam o desenvolvimento do juízo moral na criança: a anomia, a hete-ronomia e a autonomia. Na primeira fase, a da anomia, apresentada costu-meiramente até os cinco ou seis anos pelas crianças, a criança tende a não respeitar as regras. Por exemplo, a criança brinca de bola de gude mais para satisfazer suas necessidades individuais do que se estivesse em um jogo cole-tivo, como efetivamente está.

Na heteronomia, apresentada dos cinco ou seis anos até os nove ou dez anos, a criança tende a seguir regras. Mas ela (e aí está o núcleo dessa fase de desenvolvimento do juízo moral na criança) considera as regras como algo imutável, propostas por forças extremas e que estão “aí” desde sempre, e não como produto de “contratos” estabelecidos entre as pessoas. Disso decorre que a criança ainda não se percebe como uma legisladora e considera que qualquer mudança nas regras constitui uma trapaça. Entretanto, essa carac-terística é apresentada principalmente quando ela é questionada a respeito das regras e de suas origens. Nos jogos, é comum as crianças introduzirem mudanças nas regras, em benefício próprio. Segundo La Taille, Oliveira e Dantas (1992), há aí uma aparente contradição: a criança considera a regra algo que não pode ser modificado, mas, na prática, a modifica sem consulta prévia aos outros envolvidos. Os autores destacam que essa (aparente) contra-dição pode ser explicada pelo fato de a criança não perceber que as regras têm

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influência sobre as outras pessoas e que são produzidas por pessoas, as quais precisam ser consultadas no caso de alguma modificação.

Na autonomia, as crianças tendem a seguir as regras e as entendem como produto de acordos mútuos entre os agentes envolvidos com a regra. Nessa etapa, conforme La Taille, Oliveira e Dantas (1992), é comum aos adolescen-tes considerarem-se legisladores, avaliarem as regras e modificá-las. Tais proces-sos, nessa fase da vida de uma pessoa, costumam ser realizados coletivamente.

Com essas descobertas a respeito do desenvolvimento moral da criança nos jogos de regras, Piaget passou a investigar o juízo moral da criança em relação a algumas regras morais. A investigação de tais processos, a que La Taille, Oliveira e Dantas (1992) se referem como “dever moral”, deu-se por conta da hipótese formulada por Piaget de que, se a criança lida com regras a partir de características específicas em jogos de regras, ela deve agir dessa mesma maneira com regras morais, tais como “não roubar”, “não mentir” etc. Tais investigações são descritas por esses mesmos autores.

Segundo La Taille, Oliveira e Dantas (1992), Piaget realizou essas inves-tigações por meio de atividades nas quais a criança desempenha o papel de “juiz”. Na descrição dos autores, um dos dilemas morais apresentados por Piaget às crianças consistia no seguinte: uma criança quebra 10 copos sem querer; outra quebra um copo em uma ação ilícita; e, então, Piaget pergun-tava às crianças qual das duas era mais culpada.

Contudo, Piaget descobriu que a fase de heteronomia é também apre-sentada pela criança em relação à percepção de seus deveres morais. Ele, entretanto, não investigou a fase de anomia, pelas dificuldades metodológicas dessa empreitada, uma vez que as crianças, nessa fase do desenvolvimento moral, são ainda muito pequenas. A heteronomia, conforme La Taille, Oli-veira e Dantas (1992), é apresentada pelas crianças em relação aos seus deve-res morais por meio de três características:

2 obedecer a regra, e quem a apresentou é considerado pela criança como algo bom;

2 as regras são seguidas ao “pé da letra”;

2 o julgamento feito pela criança é orientado pela consequência dos atos, e não pela intenção de quem os realizou.

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Essas três características são denominadas de “realismo moral” (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992). De acordo com estas, a criança rea-liza seus julgamentos morais sem entender a função das regras. O desenvolvi-mento da autonomia em relação ao desenvolvimento moral da criança con-siste na superação do “realismo moral”, processo que costuma acontecer por volta dos nove ou dez anos. Quando superado, consequentemente, a criança (nos dias de hoje, o pré-adolescente) identifica não só a função das regras, mas também as entende como produto de deliberações coletivas, passíveis de mudança (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992).

O desenvolvimento do conceito de “justiça” nas crianças é outro con-ceito investigado por Piaget. Segundo La Taille, Oliveira e Dantas (1992), enquanto o dever é algo que se cumpre, a justiça é algo que se faz. O dever consiste em algo praticamente pronto, constituído por conjuntos de regras que devem ser seguidas. A justiça, por sua vez, um conceito bem mais com-plexo do que o anterior, envolve a decisão e a ação de alguém a respeito do que acontece com uma pessoa quando ela age de uma forma específica, den-tro ou fora de seus deveres. E, assim como em relação ao conceito de moral e dever, Piaget também identificou estágios do desenvolvimento do conceito de justiça constituídos pela heteronomia e autonomia.

A heteronomia, em relação à justiça, é traduzida pelo fato de as crianças entenderem a justiça como sinônimo de lei e de autoridade (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992). Assim, um dos aspectos que constituem a heteronomia consiste na “justiça imanente”, pela qual a criança considera que todo e qualquer ato fora das regras será necessariamente castigado. Tal tipo de raciocínio, apresentado costumeiramente até os oito anos de idade, é ilus-trado pelo fato de a criança achar que qualquer coisa de ruim que aconteça a alguém que cometeu um delito faz parte da sanção aplicada a ela, mesmo que tal acontecimento nada tenha a ver com a aplicação de uma sanção.

Nas investigações que realizou, Piaget também identificou uma distin-ção entre o que chamou de sanção expiatória e sanção por reciprocidade. A primeira delas consiste em aplicar uma sanção que nada ou pouco tem a ver com a ação que constituiu o delito; a segunda, em sanção relacionada ao delito cometido. La Taille, Oliveira e Dantas (1992) exemplificam esses dois tipos de sanções da seguinte maneira: a sanção expiatória consistiria em tirar

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a sobremesa de alguém que mentiu, enquanto a sanção por reciprocidade envolveria excluir alguém do grupo por ter mentido. Essa última seria sanção por reciprocidade porque a mentira é incompatível com a vida em grupo.

Piaget identificou que, quanto menores as crianças, maior a indicação delas de sanções expiatórias como aquelas mais justas. Crianças menores tam-bém consideram que há maior justiça quanto maior e mais “pesada” é a san-ção. Outra descoberta de Piaget em relação ao conceito de justiça consiste, por exemplo, no fato de que crianças menores consideram as ordens paternas (vindas, portanto, de “autoridades”) como justas. Crianças de seis anos, por sua vez, já começam a considerar injustas algumas ordens maternas, mas não consideram correto uma criança não seguir tais ordens. De acordo com La Taille, Oliveira e Dantas (1992), é como se as crianças percebessem a injus-tiça, mas não considerassem correto se opor às ordens. Por sua vez, crianças de oito e nove anos, que provavelmente já se encontram em outro estágio, consi-deram correto uma criança se opor a regras injustas apresentadas por adultos.

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Influenciado por sua formação de biólogo e pelo contexto histórico e social em que viveu, Piaget construiu vasta obra relacionada fundamental-mente no desenvolvimento da inteligência, dos processos de pensamento e, em menor escala, nos juízos morais. Suas descobertas foram, em geral, orien-tadas pelo conceito de equilibração, pelo qual a criança desenvolve novas estruturas cognitivas quando se depara com uma nova situação em que os esquemas por ela construídos são insuficientes para lidar com tal situação.

A partir desse postulado central, Piaget formulou diversos estágios de desenvolvimento cognitivo. Tais estágios, vale lembrar, não são estanques ou estáveis; pelo contrário, os estágios descritos por Piaget passaram, ao longo do século XX, a ser vistos não como uma linha reta, mas sim como uma espiral, em que a “passagem” de um estágio para outro é reversível e descon-tínuo. Ou seja, a criança não desenvolve todas as características que consti-tuem uma nova etapa concomitantemente. E, além disso, é possível que a criança “regrida” algumas vezes para estágios anteriores, mesmo depois de já ter desenvolvido características que indicam que ela passou para um estágio posterior. A obra de Piaget, por todas essas características, é uma importante contribuição à Psicologia da Educação e do Desenvolvimento, adquirindo a função de subsídio para intervenções de psicólogos e professores até a atuali-dade. Vamos conferir um exemplo?

Um exemplo contemporâneo de estudo baseado em contribuições de Piaget

Em 1933, foi publicado um estudo de Piaget que consistia nos resul-tados e na interpretação de um questionamento feito à criança, sob a forma de conversa, utilizando perguntas pré-elaboradas que continham variáveis cujos valores o pesquisador queria descobrir (PIAGET, 1998). Em 2005, uma réplica desse estudo foi publicada, tendo sido caracterizada a concep-ção de “tempo” que crianças de sete a dez anos apresentam. Oliveira (2005) investigou o que crianças pensam a respeito do passado e como relacionam os conteúdos que aprendem na disciplina de História às ideias que têm do passado. Um exemplo de dado obtido pela autora diz respeito ao raciocínio das crianças de diferentes faixas etárias ao tentarem explicar se e por quê, na época do Descobrimento do Brasil, seu pai, avô e bisavô estavam vivos.

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Na interpretação dos resultados desse estudo, Oliveira (2005) examina que, para a criança, o lugar e a cronologia não são o mais importante, mas, sobretudo, a causalidade entre os acontecimentos, a cadeia estabelecida entre pessoas de diferentes tempos e lugares. O estudo de Oliveira (2005) é uma contribuição no sentido de viabilizar que professores de História, principal-mente os de séries iniciais, tenham mais clareza acerca da concepção de tempo de crianças dessa faixa etária, da maneira como elas raciocinam historicamente e dos tipos de objetivos de ensino que podem ser propostos a essa faixa etária.

Dica de leitura

Vale a pena ler o capítulo “O tempo, a criança e o ensino de História” publicado por Oliveira (2005) em: ROSSI, V. L. S.; ZAMBONI, E. Quanto tempo o tempo tem! 2. ed. Campinas, SP: Alínea. p .145-172. Nele, são apresentadas as falas das crianças para explicar as perguntas feitas pela autora, além dos resultados e da interpretação acerca da percepção do tempo de crianças de diferentes faixas etárias.

3.2 Ênfase nos aspectos sociais e culturais com base na teoria de Vygotsky

Um pouco da história de vida de Vygotsky

Lev Semenovich Vygostky nasceu em 1896, em Orsha, na Bielo-Rússia, e faleceu vítima de tuberculose em 1934. Conviveu durante 14 anos com a doença e morreu com apenas 37 anos. Mesmo assim, produziu uma vasta contribuição acerca do desenvolvimento humano. Rego (2011) destaca que Vygostky era de origem judaica e que isso propiciava um ambiente desafiador em relação ao aspecto intelectual e estável no que se refere ao aspecto econô-mico. Seu pai trabalhava em um banco e em uma companhia de seguros, e sua mãe era professora por formação, mas se dedicava à criação dos filhos.

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De acordo com Rego (2011), Vygostky aprendeu diversas línguas, o que possibilitou seu contato com obras de diferentes países. Estudou Direito e Literatura na Universidade de Moscou de 1914 a 1917. No final do curso, apresentou um trabalho que constituía um estudo de Hamlet, de Shakespe-are, intitulado A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tal estudo deu origem, em 1925, ao livro Psychology of art, publicado apenas em 1965, na Rússia.

Vygostky estudou ainda História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii. Após alguns anos, fez cursos na Faculdade de Medicina de Moscou e de Kharkov, devido ao seu interesse no estudo do desenvolvimento psicológico e, sobretudo, das anormalidades físicas e mentais. Esse interesse começou quando Vygostky teve contato com crianças que possuíam defeitos congênitos, como cegueira, retardo mental severo e afasia, no trabalho de formação de professores (REGO, 2011).

Rego (2011) ainda destaca que um importante aspecto relacionado à formação de Vygostky é que ele não estava inicialmente interessado em elabo-rar uma teoria do desenvolvimento infantil. A infância é um meio para enten-der e explicar o comportamento humano em geral, e tal período, segundo Vygotsky, corresponde à pré-história do desenvolvimento cultural, pois é nele que ocorre o desenvolvimento da fala e do uso de instrumentos.

O contexto histórico no qual estava inserido teve forte relação com o conhecimento produzido. Isso porque, no início do século XX, a União Sovi-ética estava imersa em um ideal revolucionário, que trazia a esperança de progresso para a população. A época da vida de Vygotsky em que ele produ-ziu conhecimento foi pós-revolução bolchevique, em 1917. Segundo Rego (2011), isso contribuiu para que ele se envolvesse na elaboração de uma abor-dagem renovadora da psicologia e da ciência soviética.

Em tal sociedade, a ciência era muito valorizada, pois havia a ideia de que os avanços científicos trariam a solução para os problemas econômicos e sociais que o país vinha sofrendo (REGO, 2011). Novas ideologias eram incentivadas pelo governo soviético, e a produção acadêmica nesse período era alta. Além disso, tinha em comum a preocupação com o desenvolvimento de abordagens históricas para a pesquisa de diferentes fenômenos. A abordagem

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de Vygotsky enfatiza justamente o papel da cultura no desenvolvimento da criança, o que vai ao encontro da teoria dialético-materialista de Karl Marx.

Por conta da influência que teve em seus estudos, Rego (2011) destaca que, durante o governo Stalin (1922-1953), as teorias de Vygotsky foram consideradas “idealistas” pelas autoridades soviéticas. A partir de 1932, suas obras começaram a receber críticas por conta desses “ideais”. A defesa de que o homem é influenciado pelo meio e que também o influencia, não agradava os adeptos de Stalin. Devido à censura do governo stalinista, as obras de Vygotsky tiveram sua publicação proibida na União Soviética no período de 1936 a 1956 (REGO, 2011). Por conta disso, sua produção foi ignorada no Ocidente, e foi a partir de 1956, data da reedição soviética do livro Pensa-mento e linguagem, que ele começou a ser redescoberto. A primeira edição de Vygotsky foi publicada no Ocidente em 1962. No Brasil, suas ideias che-garam ainda mais tarde, principalmente a partir de 1984, com a publicação de A formação social da mente.

O desenvolvimento do pensamento e dos demais processos psicológicos superiores como produto de interações históricas e sociais

A teoria de Vygotsky foi desenvolvida em um contexto que ele próprio denominou como “crise da Psicologia”, que consistia na cisão do ser humano entre mente e corpo ou corpo e alma, feita em séculos anteriores e que ainda influenciava a Psicologia do início do século XX. Dessa cisão, era originada a vertente das investigações dos estudos desenvolvidos pelos psicólogos, que variavam da análise de processos determinados puramente pelo ambiente a processos relativos à consciência. Essa cisão do ser humano acarretava alto grau de dificuldade em explicar a relação entre tais processos e em explicar os processos ditos “superiores”. A Psicologia desenvolvida por Vygotsky tinha como um de seus objetivos a superação dessa cisão, e ele objetivou a supe-ração dela por meio da investigação da influência de processos culturais no desenvolvimento de processos psicológicos (PALANGANA, 2001).

A investigação da relação entre processos culturais e psicológicos foi determinada pelo interesse de Vygotsky na situação política e social de seu país. Além disso, o autor foi influenciado pelas ideias de Kornilov, que tinham

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objetivos semelhantes, e por Blonsky, que, segundo Palangana (2001, p. 90), “[...] acreditava que as funções mentais complexas só poderiam ser entendi-das através da análise do desenvolvimento humano”. Tal autor influenciou Vygotsky por meio de seu entendimento de que os processos psicológicos só podem ser efetivamente compreendidos quando avaliados dentro de uma cultura. Outras influências sobre a obra de Vygotsky e sobre seus postulados teóricos e epistemológicos envolviam os estudos que ele fazia a respeito de Sociologia, Antropologia e, posteriormente, Linguística, área do conheci-mento a que Vygotsky se dedicou principalmente ao avaliar a relação entre a linguagem e o desenvolvimento do pensamento.

O pensamento de Vygostsky, ele próprio influenciado pelo contexto his-tórico no qual estava inserido, tinha como um de seus pilares a investigação de processos psicológicos a partir de ideia de que tais processos devem ser compreendidos como histórica e socialmente localizados. A teoria na qual ele baseou seus postulados foi a dialética-materialista, fundada por Hegel e refe-rendada por Karl Marx. Essa concepção constitui uma superação das ideias naturalistas, pelas quais a natureza influencia o homem.

A dialética materialista consiste em um avanço nessa concepção, pois entende que, além da natureza influenciar o homem, o homem também age sobre esta, modificando-a e sendo transformado por ela. Conforme Palan-gana (2001), apesar de essa concepção não ser exatamente uma novidade mesmo na época de Vygotsky, tendo sido orientadora para o trabalho de outros psicólogos, a “novidade” instaurada por esse autor consistiu em con-siderar tal concepção, inclusive, como um dos principais pressupostos para explicar o desenvolvimento de processos psicológicos superiores. O nome do livro Formação social da mente: o desenvolvimento de processos psicoló-gicos superiores (VYGOTSKI, 2007), talvez o mais proeminente da carreira de Vygotsky, consiste em uma explicitação dessa concepção.

A investigação que Vygotsky realiza a respeito dos processos psicológicos superiores com base nessa “nova” concepção é orientada por três princípios gerais, segundo Palangana (2001). O primeiro princípio geral consiste na ideia de que os processos psicológicos não podem ser tratados como objetos, mas sim como processos. Essa distinção fudamenta-se em entender que os processos psicológicos não podem ser estudados apenas com base na iden-

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tificação dos aspectos que os compõe, mas principalmente na forma como eles são desenvolvidos. Disso decorre que a psicologia de Vygotsky, de acordo com Palangana (2001), é uma psicologia desenvolvimentista, uma vez que tem por objetivo descrever a origem dos processos psicológicos. Mas, além de o método de Vygotsky ser orientado pela Psicologia do Desenvolvimento, ele não exclui métodos experimentais, nos quais o pesquisador proporciona ao sujeito investigado condições para ele apresentar atividades que, ao serem observadas, viabilizem a descrição da origem e do desenvolvimento dos pro-cessos psicológicos superiores.

O segundo princípio dos estudos empreendidos por Vygotsky con-siste na distinção entre “descrição” e “explicação”. Tal distinção foi feita por Vygotsky por ele rejeitar os pressupostos dos estudos feitos por psicólogos associacionistas, que investigavam processos psicológicos com base na descri-ção de semelhanças externas do comportamento, sem se preocuparem com a investigação do que determinava (ou explicava a ocorrência de) tais processos. Vygotsky enfatizava a importância e a necessidade de serem construídas expli-cações, e não apenas descrições dos processos psicológicos, ainda que ele não abandone as descrições, mas as subordine às explicações de sua origem e de seu desenvolvimento (PALANGANA, 2001).

Por fim, o terceiro princípio orientador das investigações empreendidas por Vygotsky fundamenta-se na investigação das origens dos processos que esse autor denomina “fossilizadas”. Tais processos consistem naqueles que já são apresentados de forma quase natural pelas pessoas, o que dificulta a des-coberta de suas origens. Assim, cabe ao pesquisador construir condições que viabilizem a descoberta das origens desses processos. Conforme Palangana (2001), somente agindo a partir desse princípio é que o pesquisador estaria revelando a natureza histórica desse processo. De acordo com frase apresen-tada pela autora, “[...] estudar um comportamento historicamente significa estudá-lo em sua dinâmica de transformação” (PALANGANA, 2001, p. 95).

Nesse sentido, a perspectiva orientadora das investigações empreendidas por Vygotsky consiste na elucidação do desenvolvimento dos processos psi-cológicos com base, principalmente, na interação entre o desenvolvimento físico e o ambiente, histórico e social, no qual as crianças apresentam tais processos, produzindo as funções do pensamento. O quanto as variáveis rela-

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tivas à maturação biológica são mais importantes que as variáveis relativas ao meio social no qual as crianças se encontram? Para Vygosty, segundo Palan-gana (2001), as variáveis relativas à maturação biológica são preponderantes apenas no início da vida de uma pessoa. Posteriormente, a ênfase recai sobre a interação social que a criança estabelece com outras pessoas e com o meio físico no qual ela se encontra. Com esse entendimento, Vygotsky contraria as visões maturacionais, nas quais os comportamentos a serem apresentados pelas crianças são determinados por sua maturação biológica, em que há pouca influência do meio no qual a criança vive.

De acordo com Vygotsky, os processos elementares são determinados de forma mais direta pela maturação biológica; os processos psicológicos supe-riores, pelas interações sociais com o mundo no qual a criança vive. Vygotsky destaca que dois processos são particularmente importantes como evidência da natureza social do desenvolvimento dos processos psicológicos superiores: o uso de instrumentos e a linguagem (PALANGANA, 2001; VIGOTSKI, 2007). No início da vida de uma pessoa, a atividade humana é regulada principalmente pela maturação biológica e pelo uso de instrumentos, que mediam a interação da criança com seu mundo. Palangana (2001) destaca que, para Vygotsky, esses instrumentos são constituídos por duas naturezas distintas: a física e a simbólica. Tais instrumentos, mesmo sendo de naturezas distintas, constituem aspectos que mediam a interação que a pessoa estabe-lece com o mundo.

Contrariando a concepção de que o uso de instrumentos e os processos simbólicos constituem processos distintos, Vygotsky os compreende como processos que não podem ser investigados ou entendidos isoladamente. Pelo contrário, para o autor, conforme Palangana (2001), o desenvolvimento de formas complexas de comportamento envolve, justamente, a constituição de uma unidade dialética entre o uso de instrumentos e os símbolos e a conver-gência entre a atividade prática e a linguagem.

O processo de linguagem é, portanto, um dos mais importantes pelos quais uma pessoa passa a interagir com o mundo. A linguagem que é apre-sentada a uma criança faz com que ela identifique os aspectos importantes do mundo daqueles que não o são, facilitando a “organização” que a pessoa faz do mundo. Com isso, ela passa a agir de maneira diferenciada em relação ao

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mundo no qual se insere, em um processo pelo qual é evidenciada a natureza social do desenvolvimento humano. Posteriormente, a própria criança passa a ser capaz, sozinha, de distinguir tais aspectos do mundo, agindo de modo diferenciado em relação a estes (VIGOTSKI, 2007). Por meio desse processo, segundo Palangana (2001), a criança interfere sobre o mundo e, posterior-mente, sobre o próprio comportamento. As palavras da autora sintetizam a importância da linguagem no desenvolvimento do pensamento da criança:

A aquisição de um sistema lingüístico organiza, pois, todos os processos mentais da criança, dando forma ao pensamento. Mas, isso não é tudo. Além de indicar um objeto do mundo externo, a palavra também especifica as principais caracterís-ticas deste objeto, generalizando-as para, em seguida, rela-cioná-las em categorias. Daí a importância da linguagem para o desenvolvimento do pensamento: ela sistematiza a experi-ência direta da criança e serve para orientar seu comporta-mento, propiciando-lhe condições de ser tanto sujeito como objeto deste comportamento. (PALANGANA, 2001, p. 99).

A linguagem, nesse sentido, tem um papel importante na maneira como a criança interage com seu mundo. Tal papel não se resume apenas em representar o mundo, mas tem implicações diversas, inclusive nas ativi-dades desenvolvidas pelas crianças, quando ação e fala parecem se confundir em um mesmo processo. Mas a relação entre fala e ação é transformada ao longo da vida de uma pessoa. E, mesmo considerando as influências sociais e históricas no desenvolvimento da linguagem e do pensamento, Vygotsky, segundo Palangana (2001), identifica algumas etapas básicas pelas quais a criança passa. Vygotsky não considera, ao encontro de suas concepções, que tais etapas são fruto de maturação biológica ou aparecem na mesma época para todas as crianças; mas as considera etapas básicas que costumam aconte-cer por conta das interações que as crianças estabelecem com o ambiente no qual vivem, em especial, com outras pessoas.

Inicialmente, por exemplo, a fala acompanha a ação que as crianças apresentam. Esse “acompanhamento” acontece até por volta dos três anos de idade. Vygotsky denomina essa fase de “fala social”. Após os três anos, ocorre uma mudança temporal na relação entre fala e ação: a fala tende a ser apresentada anteriormente à ação. Nessa etapa, a fala envolve o planejamento de uma ação, ainda não realizada. É denominada por Vygotsky como “fala

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egocêntrica”. Após os seis anos, a criança internaliza a fala, apresentando a “fala interior”, na qual ela adquire a função de autorregulação, viabilizando à criança controlar seu comportamento, entre eles, seu pensamento.

A contribuição paradigmática e fundamental da obra de Vygotsky con-siste na necessidade de o ambiente no qual a criança se insere ser considerado como um dos aspectos, talvez o principal, que interferem no desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Enquanto Piaget, influenciado por sua formação de biólogo, investigava o desenvolvimento psicológico principal-mente por meio do processo de equilibração (que é uma derivação de proces-sos de equilíbrio biológico), Vygotsky enfatiza o ambiente no qual a criança se insere. Tal influência é, segundo esse último autor, exercida inclusive no desen-volvimento do pensamento da criança e em sua linguagem. Por tudo isso, a obra de Vygotsky é amplamente utilizada por educadores, professores e psi-cólogos, que passaram a “olhar” os processos de desenvolvimento não apenas considerando a criança, mas principalmente a interação entre ela e seu meio.

Obras de Vygotsky e ano de publicação no Brasil

2 A formação social da mente, Martins Fontes, 1984.

2 Pensamento e linguagem, Martins Fontes, 1987.

2 Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (por Vygotsky, Luria e Leontiev), Ícone/Edusp, 1988.

2 Estudos sobre a história do comportamento, Artmed, 1997.

2 Desenvolvimento psicológico na infância, Martins Fontes, 1999.

2 Psicologia da arte, Martins Fontes, 2001.

2 Psicologia pedagógica, Artmed, 2003.

2 Teoria e método em psicologia, Martins Fontes, 2004.

2 Imaginação e criação na infância, Ática, 2009.

2 Construção do pensamento e da linguagem, Martins Fontes, 2011.

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Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões

O que diz Vygotsky a respeito da teoria de Piaget

Vygotsky e Piaget foram contemporâneos e tiveram interesse seme-lhante: entender a gênese dos processos psicológicos. Vygotsky reconheceu isso e, apesar de apontar divergências entre suas ideias e as de Piaget, enfatizou a riqueza do método clínico utilizado por este ao estudar o processo cognitivo individual. Além disso, Vygotsky escreveu o prefácio para a edição russa de dois livros de Piaget: A linguagem e pensamento na criança e O raciocínio da criança (REGO, 2011).

3.3 Ênfase nos aspectos ontogenéticos e filogenéticos com base na Psicologia Evolucionista do Desenvolvimento

No primeiro capítulo, vimos que o comportamento é multidetermi-nado. Isso significa que não existe uma única causa para sua ocorrência, mas diversos aspectos que a determinam. Por isso, dizemos que o comportamento é um fenômeno multicausal ou multideterminado.

Existem pelo menos três conjuntos de aspectos que determinam o com-portamento humano. Um deles é o conjunto de variáveis relacionadas à cul-tura em que um indivíduo está inserido. Outro conjunto está ligado à história de vida de uma pessoa, e, por fim, há um conjunto denominado de variáveis filogenéticas, que são aquelas relacionadas à história de evolução da espécie. A Psicologia Evolucionista tem papel importante no estudo das variáveis onto-genéticas e filogenéticas que determinam o comportamento humano.

Breve histórico da Psicologia Evolucionista

De acordo com Hattori e Yamamoto (2012), o estudo da Psicologia com base em uma vertente evolucionista surgiu com a própria teoria da evolução, proposta por Charles Darwin na publicação A origem das espécies, de 1859. No último livro escrito por Darwin, A expressão das emoções nos homens e nos animais, de 1871, são mostradas as semelhanças na expressão de emoções entre diferentes espécies, inclusive a espécie humana. Segundo a professora Maria Lucia Seidl-de-Moura, pós-doutora em Psicologia Evolucionista, em entrevista a Freitas e Lamas (2010, p. 165), “a Psicologia Evolucionista com

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Psicologia da Educação

essa denominação é relativamente recente, embora haja, há muito tempo, uma preocupação com uma visão evolucionista e com o entendimento do comportamento humano”.

Ainda de acordo com a mesma autora, mesmo que a Psicologia Evolu-cionista tenha recebido essa denominação na década de 1990, a visão evo-lucionista e a compreensão do comportamento humano já vinham sendo objeto de preocupação de outras disciplinas, como a Etologia, a Sociobiologia e a Ecologia Comportamental. O marco fundador da Psicologia Evolucio-nista é a publicação da obra A mente adaptada, lançada originalmente em inglês The adapted mind, em 1992, de Leda Cosmides, John Tooby e Jerome Barkow, que, segundo a professora, apresenta as bases de uma visão psicoló-gica e evolucionista do comportamento humano. Conforme Hattori e Yama-moto (2012), tal obra reuniu pela primeira vez a contribuição de psicólogos evolucionistas em uma única publicação, a qual contou com as ideias de A. T. C. Feistner, B. J. Ellis, D. M. Buss, J. H. Barkow, M. Wilson, M. Daly, R. M. Nesse, R. Wright, S. Kaplan, S. A. Pinker, W. C. McGrew, entre outros.

Principais contribuições da Psicologia Evolucionista

Uma das principais contribuições da Psicologia Evolucionista está relacio-nada com a identificação de variáveis biológicas que determinam o comporta-mento humano. Segundo Shaffer e Kipp (2012), Arnold Gesell (1880-1961) acreditava que o desenvolvimento humano é, em grande parte, um processo de maturação biológica. Assim como as plantas, crianças desenvolveriam seus com-portamentos de acordo com um padrão preestabelecido pelos genes. A ideia de Gesell já foi rejeitada pelos psicólogos desenvolvimentistas; apesar disso, a con-tribuição acerca das influências biológicas na determinação do comportamento humano é uma variável importante no estudo do desenvolvimento humano.

De acordo com Shaffer e Kipp (2012), a etologia apresenta algumas suposições: uma delas é a de que todas as espécies de animais (entre elas a espécie humana) nascem com alguns comportamentos “biologicamente pro-gramados”, que são (1) produtos da evolução e (2) adaptativos à medida que contribuem para a sobrevivência (LORENZ, 1937, 1981; TINBERGEN, 1973 apud SHAFFER; KIPP, 2012). As características dos comportamentos “biologicamente programados” provavelmente evoluíram como resultado do processo de seleção natural.

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Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões

Os etologistas têm como objeto de estudo as respostas instintivas que todos os membros da espécie apresentam e podem conduzir os indivíduos pelos mesmos caminhos desenvolvimentais (SHAFFER; KIPP, 2012). Por exemplo, o choro do bebê é uma resposta instintiva, pois tem como conse-quência o aumento da probabilidade de sobrevivência do bebê ao chorar, já que o choro é sinal de que ele precisa de algo. Para os cuidadores, o choro do bebê é desconfortável, e os etologistas indicam que eles estão biologicamente “programados” para responder aos sinais do bebê. Os etologistas consideram dois tipos de consequências produzidas pelo choro do bebê. Uma delas é garantir as necessidades de sobrevivência, e a outra é o contato do bebê com outro ser humano para formar apego emocional primário (BOWLBY, 1973 apud SHAFFER; KIPP, 2012).

Apesar de estudarem as respostas instintivas, os etologistas não excluem o processo de aprendizagem no desenvolvimento dessas respostas. Ainda que o choro do bebê seja um comportamento filogeneticamente selecionado que aumenta a probabilidade de o bebê criar um laço de afeto com outro ser humano, para que isso ocorra é necessário um processo de aprendizagem, já que o bebê precisa aprender a discriminar as características dos familiares e de estranhos antes de criar um vínculo com o cuidador (SHAFFER; KIPP, 2012). Além disso, o modo como tal vínculo ocorre está relacionado com variáveis ontogenéticas e culturais. Martins e Vieira (2010, p. 69) destacam a existência “[...] de tarefas de desenvolvimento comuns aos seres humanos e que são solu-cionadas de diferentes maneiras, dependo do contexto sociocultural”.

No sentido de destacar a importância de variáveis ontogenéticas no desen-volvimento humano, estão autores que trabalham com a Psicologia Evolucio-nista do Desenvolvimento (PDE). Tal subárea é uma intersecção entre a Psico-logia do Desenvolvimento e a Psicologia Evolucionista (MARTINS; VIEIRA, 2010). De acordo com Martins e Vieira (2010), alguns desses autores afirmam que é possível atribuir um papel importante para a ontogênese no estudo do comportamento humano, sem perder de vista a perspectiva evolucionista. Segundo os autores, aqueles comportamentos apresentados por pessoas na fase adulta, sobretudo a possibilidade de reprodução, depende da maneira como ocorreu o desenvolvimento dos indivíduos até a maturidade sexual.

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Psicologia da Educação

Um dos aspectos destacados por Martins e Vieira (2010), que parece demonstrar a importância das variáveis ontogenéticas no desenvolvimento do comportamento humano, diz respeito aos sistemas de crenças compar-tilhados. Tais sistemas, conforme os autores, podem influenciar o desenvol-vimento infantil. Ainda que exista a variável filogenética que coloca a neces-sidade de cuidar dos filhos recém-nascidos, há outras variáveis importantes que interferem no desenvolvimento dessas crianças, como as características do contexto cultural que é mediado pelos pais e cuidadores primários (MAR-TINS; VIEIRA, 2010).

De acordo com Maria Lucia Seidl-de-Moura, em entrevista a Freitas e Lama (2010, p. 168), “a psicologia evolucionista não oferece técnicas para o trabalho clínico ou educacional, mas vai dar informação sobre limites e possibilidades das pessoas [...]”. O entendimento das características de cada espécie e os valores adaptativos dos comportamentos são elementos funda-mentais para a compreensão e intervenção no comportamento humano. Tal-vez a maior contribuição da Psicologia Evolucionista seja oferecer subsídios para que a intervenção no comportamento humano seja eficaz e produtiva.

Dica de leitura

Para conhecer mais acerca do desenvolvimento da espécie humana, sugerimos a leitura de: LEAKEY, R. E. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

3.4 Desenvolvimento psicológico humano: integração entre aspectos biológicos, sociais e culturais

O desenvolvimento humano, como vimos, envolve conjuntos de aspec-tos distintos: aqueles denominados biológicos, relacionados com a história filogenética de nossos comportamentos; os ontogenéticos, que envolvem a história de vida de cada organismo; e os culturais e sociais, como as caracte-rísticas do contexto em que alguém vive.

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Principais abordagens do desenvolvimento: estudos com ênfase em diferentes dimensões

Vimos que não há apenas um tipo de variável que determina o comporta-mento humano. Então, quando dizemos que dois gêmeos (portanto, com carac-terísticas biológicas muito semelhantes), criados pelos menos pais, deveriam apresentar comportamentos semelhantes (personalidade parecida), estamos sendo incoerentes com o conhecimento já produzido sobre o que determina o comportamento humano e o desenvolvimento psicológico de uma pessoa. Dois irmãos gêmeos, apesar de serem geneticamente iguais e às vezes serem criados por uma mesma família, passam por experiências diferentes em sua história de vida. Cada uma dessas experiências interfere em seu desenvolvimento.

O desenvolvimento psicológico humano é caracterizado pela integração entre aspectos biológicos, culturais e sociais. Nas diferentes subáreas da Psico-logia, são apresentadas contribuições que enfatizam cada um desses aspectos. Isso não significa que os outros aspectos sejam excluídos como importan-tes determinantes do desenvolvimento humano pelos pesquisadores de cada subárea da Psicologia. Como vimos, nas diversas abordagens é destacada a importância dos aspectos de diferentes âmbitos no desenvolvimento humano.

SínteseÉ muito comum encontrarmos obras de Psicologia do Desenvolvimento e

discutirmos quem está certo ou errado. Como vimos, toda pesquisa é feita por alguém que está inserido em um contexto no qual são valorizados certos aspec-tos e oferecem determinados tipos de condições para o trabalho de pesquisa.

Na maioria das vezes, não faz sentido confrontar uma abordagem com outra como se houvesse uma mais certa e outra mais errada. Como vimos, Vygotsky foi fortemente influenciado pelo ambiente em que viveu e afirmou que as variáveis biológicas influenciam muito o desenvolvimento do indivíduo ainda cedo; mas a importância dessas variáveis vai sendo substituída pelas variá-veis histórico-sociais. Piaget, por sua vez, influenciado por sua formação de bió-logo e pelo contexto histórico e social no qual viveu, investigou principalmente o que ele chamou de maturação biológica. Por fim, estudamos as contribuições da Psicologia Evolucionista para o desenvolvimento, que consistem, sobretudo, na caracterização de comportamentos humanos filogeneticamente herdados.

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Psicologia da Educação

O trabalho com educação envolve principalmente o comportamento humano. Conhecer os diferentes aspectos que o determinam é um pré-requi-sito fundamental para que o resultado desse trabalho se configure como um sucesso. As contribuições de diferentes pesquisadores acerca do desenvolvi-mento psicológico humano são subsídios para caracterizar as limitações e pos-sibilidades que as pessoas apresentam e podem ser informações importantes que nos ajudam a trabalhar com educação.

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4Contribuições da

Psicologia para a Educação:

Aprendizagem

Talvez não haja, em Educação, um conceito mais importante do que aprendizagem. Tal conceito é também muito importante na Psicologia, pois está relacionado com seu objeto de estudo, o comportamento. Assim como outros fenômenos, a aprendizagem é objeto de estudo de diferentes profi ssionais inseridos em contextos distintos. É por isso que não há apenas uma concepção de aprendi-zagem na Psicologia. Neste capítulo, estudaremos o que é aprendi-zagem no senso comum e o que foi produzido acerca desse conceito por Vygotsky, Piaget e estudiosos da Análise do Comportamento.

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Psicologia da Educação

Dica de leitura

Ainda que Sigmund Freud não tenha escrito especifica-mente a respeito de aprendizagem, algumas de suas con-tribuições nesse sentido podem ser encontradas no livro Freud e a educação, de Maria Cristina Kupfer, escrito com linguagem simples e que nos traz algumas ideias de Freud acerca da educação e da aprendizagem.

4.1 O conceito de aprendizagem no senso comum

Já sabemos que o conceito de aprendizagem não é consenso. Vimos, no primeiro capítulo, que o conhecimento acerca de qualquer fenômeno é produzido de diferentes formas, que são processos de conhecer, como ciência, arte, senso comum, entre outros. Como muitos outros fenômenos, a aprendi-zagem é estudada em contextos distintos e sob influência de diferentes aspec-tos. Por isso, temos concepções diversas acerca do que é aprendizagem. Uma delas é a formulada no senso comum, que iremos examinar por meio do que é descrito no dicionário.

No dicionário, consta como definição de aprendizagem “aprendizado”, que, por sua vez, é o “ato ou efeito de aprender”. Na definição de “aprender”, há exemplos do uso desse mesmo verbo na Literatura, como podemos ver na transcrição dessa definição apresentada no Novo dicionário Aurélio da lín-gua portuguesa (FERREIRA, 1986, p. 148). Tal definição se propõe a deixar claro o que é aprender no senso comum e nos ajuda como ponto de partida para entendermos no que esse conceito se caracteriza.

1. tomar conhecimento de: “comecei a aprender a parte do presente que há no passado e vice-versa.” (Machado de Assis, Páginas Recolhidas, p. 165.) 2. reter na memória, mediante o estudo, a observação ou a experiência: aprende línguas estran-geiras com facilidade; “tentei aprender coisas, e acabei por esquecer umas poucas que sabia.” (Geir Campos, O vestíbulo, p. 26) T.i. 3. tornar-se apto ou capaz de alguma coisa em

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

consequência de estudo, observação, experiência, advertên-cia, etc.: aprendi a falar português em seis meses. Bit. i. 4. Aprender (3): “aprendi com meu pai a amar e compreender a velha Olinda” (Sousa Bandeira, Evocações e outros escritos, p. 61); “as meninas aprendem a cozinhar o peixe para o almoço” (James Amado, Chamado do Mar, p. 15) Int 5. Tomar conhe-cimento de algo, retê-lo na memória, em consequência de estudo, observação, experiência, advertência, etc.: aprende com mais facilidade que o irmão.

Vamos examinar as frases a seguir e relacioná-las com as definições apre-sentadas no dicionário.

2 “Aprendi na aula da Biologia que há diferentes Reinos, e um deles é o Reino Animal.”

2 “Nas aulas de História, os alunos aprendem a respeito do que os seres humanos fizeram em diferentes épocas.”

2 “Aprendi que Psicologia estuda o comportamento humano.”

Nessas três sentenças, o verbo “aprender” está sendo usado no mesmo sentido da primeira e da segunda definição encontradas no dicionário: “tomar conhecimento de” e “reter na memória”. A maneira pela qual uma pessoa toma conhecimento e retém algo na memória também é considerada na quinta definição apresentada no dicionário: “[...] em consequência de estudo, observação, experiência, advertência etc.”. Ainda que isso não seja explicitado nas frases apresentadas, essas três definições fazem referência ao mesmo sen-tido de “aprender”.

Nas sentenças (1) e (3), as conjugações do verbo “aprender” poderiam ser substituídas por “tomar conhecimento”. A frase (2) representa algo mais amplo, “a respeito do passado”, mas também nesse caso o sentido é o mesmo apresentado pelas outras duas frases. “Tomar conhecimento de” e “reter na memória” são boas definições de “aprender”? Deixam claro a que processo esse processo se refere? Alguém que repete a informação que lhe foi dita na escola, como a informação que consta na frase (1), é alguém que aprendeu algo? Todas essas perguntas seremos capazes de responder ao longo de nosso estudo neste capítulo.

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Psicologia da Educação

Vamos agora examinar a definição 3 apresentada no dicionário acerca do que é “aprender”: “3. tornar-se apto ou capaz de alguma coisa em con-sequência de estudo, observação, experiência, advertência etc.”, e o exemplo apresentado na definição 4: “aprendi com meu pai a amar [...]”. O sentido de “aprender” nessas definições não envolve informação como nas outras, pois há outro verbo como complemento: “aprendi a amar”.

Temos pelo menos duas maneiras usuais em que o verbo “aprender” é usado no senso comum. Em uma delas, o complemento é um tipo de infor-mação “aprendi que [...]”; e, em outra, o complemento é outro verbo e, se necessário, com um complemento. O que isso quer dizer? Quando existe outro verbo depois de “aprender”, há um comportamento. Vamos estudar a concepção de aprendizagem para Piaget, Vygotsky e pesquisadores de uma subárea da Psicologia, a Análise do Comportamento, e identificar os avanços que eles trazem em relação à definição de senso comum.

4.2 A concepção de aprendizagem de Jean Piaget

Assim como Vygotsky o faz no livro A formação social da mente, Palangana (2001) examina a relação entre desenvolvimento e aprendizagem a partir do conhecimento produzido por Jean Piaget. Para a autora, o entendi-mento que os pesquisadores e educadores têm a respeito dessa relação deter-mina práticas educacionais distintas. Segundo Palangana (2001), examinar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem é uma empreitada de cunho mais epistemológico (referente à relação entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido) do que psicológico. Com base nisso, fica a pergunta: Para Piaget, qual a relação entre aprendizagem e desenvolvimento?

Para responder a essa pergunta, Palangana (2001) distingue três teorias.

2 aquelas que enfatizam o desenvolvimento como produto da matu-ração biológica e que, consequentemente, privilegiam o sujeito, e não o objeto;

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

2 as teorias que enfatizam a aprendizagem e, por decorrência, atribuem maior ênfase aos processos de aprendizagem que aos de desenvolvimento;

2 as teorias interacionistas, nas quais o conhecimento que uma pes-soa tem acerca do mundo não é proveniente nem do sujeito nem do objeto, mas da interação estabelecida entre eles.

A autora destaca que a teoria de Piaget é interacionista, pois ele ressalta que o conhecimento que os sujeitos têm do mundo provém de processos de equilibração, os quais ocorrem quando o sujeito lida com o mundo a par-tir de certos “esquemas” insuficientes para compreender a realidade. Há aí, portanto, uma ênfase muito grande na interação do sujeito com seu mundo. Entretanto, Piaget diz que a interação entre o sujeito e o meio é realizada com base em mecanismos de adaptação e organização, o que aproxima Piaget de uma concepção inatista. Palangana (2001) conclui que a teoria de Piaget é interacionista com fortes tendências relativas ao sujeito.

A ênfase de Piaget aos processos relativos ao sujeito é, segundo Palan-gana (2001), determinada pelo seu interesse em identificar como uma pessoa conhece o mundo. Esse processo a que Piaget denomina “conhecer” envolve organizar o mundo, estruturá-lo e explicá-lo a partir de experiências. Disso decorre que o conhecimento é um produto da ação de alguém sobre algum objeto constituinte do mundo. E essa ação não envolve apenas perceber pas-sivamente o objeto, mas agir sobre ele, o que evidencia a ideia de Piaget de que a origem sensorial do conhecimento não é apenas incompleta como falsa (PALANGANA, 2001).

Ao agir sobre um objeto, uma pessoa é capaz de identificar características do objeto, mas vai além disso. Ela é capaz de produzir conhecimento a partir das características identificadas. Palangana (2001) destaca que Piaget concebe dois processos básicos de ação pelos quais uma pessoa conhece um objeto com base na interação que estabelece com ele. Um desses processos consiste na experiência física, ilustrada pela avaliação do peso de um objeto ao uma pessoa lidar com ele. Piaget chama esse processo de “abstração empírica” ou “abstração simples”.

O outro processo pelo qual uma pessoa produz conhecimento ao lidar com um objeto consiste no que Piaget chama de experiência lógico-matemá-

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Psicologia da Educação

tica. Essa experiência não envolve o lidar direto com o objeto, mas percepções que o sujeito produz a respeito do objeto que vão além de características que podem ser diretamente acessadas. O exemplo apresentado por Palangana (2001) consiste na criança que conclui que a ordem dos elementos de um conjunto é um aspecto irrelevante para medir a quantidade de elementos desse conjunto. Segundo a autora, Piaget denomina as ações dessa natureza como “abstrações reflexivas e construtivas”, e são aquelas que mais direta-mente evidenciam como a ação de um sujeito interfere no objeto.

A interação entre esses dois processos viabiliza à pessoa conhecer o mundo de maneira cada vez mais complexa. Manipulando os objetos, a pes-soa acaba por descobrir características dele. Nesse nível de conhecimento, a que Piaget chamou de “abstração simples ou física”, a ênfase maior está na influência que o objeto exerce sobre o sujeito. A natureza desse processo é, portanto, exógena. O produto dessa interação consiste em uma mudança per-ceptual que viabiliza ao sujeito concluir algo a respeito do objeto, estabelecer relações inicialmente pouco perceptíveis. Nesse nível de conhecimento, que, como vimos, é chamado por Piaget de “abstração reflexiva ou construtiva”, a ênfase do processo está no sujeito; e é, por isso, um processo endógeno. De acordo com uma síntese apresentada por Palangana (2001, p. 74), “o processo de conhecimento obedece, pois, uma linha evolutiva que parte da ação consciente e conduz ao pensamento formal, ou seja, ao conhecimento lógico-matemático”.

A partir das diferentes formas pelas quais uma pessoa conhece o mundo, Piaget (2001) diferencia desenvolvimento, aprendizagem e conhecimento. Aprender algo envolve saber fazer algo. Conhecer envolve a compreensão de algum objeto, atribuindo significado a ele. Já o desenvolvimento é relacio-nado a processos de maturação, que, por sua vez, são ligados basicamente a processos fisiológicos. Segundo Palangana (2001), portanto, há também para Piaget diferenças entre o aprender e a equilibração. Enquanto a equilibração envolve a organização de esquemas para lidar com o mundo, qualquer apren-dizagem ocorre com base em elementos “não aprendidos”, ou seja, qualquer aprendizagem se dá devido ao organismo já apresentar certos esquemas a res-peito do mundo.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

Com base nisso, é possível questionar: Para Piaget, a aprendizagem decorre de fatores externos ou internos ao organismo? Conforme as desco-bertas realizadas por esse autor, a resposta a essa pergunta envolve processos que viabilizam concluir que nenhum dos dois lados, o externo ou o interno, é suficiente para respondê-la de maneira satisfatória. O processo de equili-bração é o conceito de Piaget pelo qual a distinção entre inatismo (os fatores internos) e empirismo (os fatores externos) na explicação da aprendizagem é superada. O processo de equilibração não é interno nem externo. Piaget o entende como um produto da interação da criança com o meio no qual ela se encontra, como um processo em que a criança lida com o mundo e o reinter-preta conforme suas necessidades (PALANGANA, 2001).

Ao lidar com o mundo, a criança o faz com base em esquemas que ela já possui. Eventualmente, tais esquemas são insuficientes para “dar conta” da situação, produzindo desequilíbrio. Disso decorre uma reorganização nos esquemas e na organização que a criança fez do mundo. Esse é o núcleo, como vimos, do processo de equilibração. Os esquemas que a criança cons-trói acerca do mundo constituem, portanto, produto de processos de apren-dizagem. Mas as generalizações que as crianças e as pessoas em geral fazem dos esquemas não envolvem aprendizagem, mas sim processos de desenvolvi-mento (PALANGANA, 2001).

Piaget distingue também tipos de aprendizagens a que ele denomina “aprendizagem em sentido estrito” e “aprendizagem em sentido amplo”. A primeira é constituída por aprendizagens derivadas diretamente da experiên-cia da pessoa com o mundo. Já a segunda envolve deduções que a pessoa faz. Isso acontece, segundo Piaget e destacado por Palangana (2001), a partir dos sete ou oito anos de idade. Por volta dessa idade, a criança passa a produzir conhecimentos que não são diretamente derivados de sua experiência com o meio, mas fruto de raciocínios que passa a apresentar e que produzem novos conhecimentos. Onde estaria a aprendizagem nesses processos? E onde estaria o desenvolvimento? Para Piaget, aprendizagem consistiria na produção de novos conteúdos, enquanto o desenvolvimento envolveria a construção de novas formas de pensamento e de raciocínio. O desenvolvimento de novas formas de pensamento e raciocínio viabilizam, obviamente, a aquisição de novos conteúdos, que consistem em novas aprendizagens.

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Psicologia da Educação

As descobertas de Piaget a respeito da relação entre aprendizagem, conhe-cimento e desenvolvimento têm implicações na motivação de uma criança para aprender. Segundo o autor, se a aprendizagem for relacionada a alguma neces-sidade do sujeito, menos haverá necessidade de uso de fatores motivacionais e externos para produzir tal aprendizagem. Por sua vez, quando o conteúdo a ser aprendido não envolve uma necessidade da criança, há maior necessidade de uso de fatores externos e o conhecimento produzido será menos determinado pelo sujeito e mais pelas características do objeto. Piaget enfatiza, a partir disso, a relevância das necessidades da criança serem levadas em conta nos processos educacionais. Por um lado, porque a necessidade é indicativa por si só de que a criança já dispõe das formas cognitivas que viabilizarão a aprendizagem. Por outro, porque a aprendizagem consiste na maneira pela qual a necessidade apresentada pela criança será satisfeita. (PALANGANA, 2001).

O processo de desenvolvimento do pensamento de uma criança até o pensamento hipotético-dedutivo, que constituem processos relacionados aos quatro estágios de desenvolvimento psicológico que já examinamos, envolve quatro grandes fatores, segundo Piaget. São eles: a maturação, a experiên-cia física, as transmissões culturais e o fator da equilibração (PALANGANA, 2001). É a equilibração que determina os demais processos, visto que é por meio desse processo que a criança assimila novos conteúdos eventualmente insuficientes para lidar com a realidade, o que acaba por produzir desequilíbi-rio e determina a reorganização ou construção de novos esquemas. Essas reor-ganizações, segundo Piaget, são realizadas até a criança apresentar o raciocínio lógico-dedutivo (PALANGANA, 2001).

Em síntese, para Piaget, a aprendizagem pode ser entendida como uma decorrência dos processos de desenvolvimento. Os conteúdos aprendidos, de acordo com essa teoria, só são aprendidos se relacionados às estruturas que a criança possui. Nesse sentido, conforme Palangana (2001), o desenvolvi-mento de uma criança tende a explicar sua aprendizagem, mas o inverso não costuma ser verdadeiro. A ênfase de Piaget parece recair, portanto, em aspec-tos endógenos, de desenvolvimento, mas parece poder ser relativizada quando constatado que as estruturas de raciocínio são uma decorrência das interações que a criança estabelece com o meio, interações governadas principalmente pelo processo de equilibração. Feita tal constatação, o caráter interacionista da teoria de Piaget é evidenciado.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

Dica de leitura

Para conhecer mais a contribuição de Piaget para a Educa-ção, sugerimos a leitura do livro Psicologia e pedagogia, escrito pelo autor. Essa obra é composta de dois textos, um escrito em 1935 e outro em 1965, para o tomo XV da Enciclopédia francesa, dedicado à educação.

4.3 A concepção de aprendizagem de Lev Vygotsky: a zona de desenvolvimento proximal

Qual é a contribuição de Lev Seminovitch Vygotsky para os processos de ensino e aprendizagem? Como foi examinado no terceiro capítulo, a con-tribuição fundamental de Vygotsky em relação ao desenvolvimento de pro-cessos psicológicos consiste em compreender tais processos como inseridos em uma cultura do qual eles fazem parte. Mas como esse pressuposto básico a partir do qual é erguida a teoria de Vygotsky pode ser aplicado aos pro-cessos de ensinar e aprender? E qual a influência do desenvolvimento nos processos de ensinar e aprender? No livro A formação social da mente, que, como vimos, talvez seja a obra mais proeminente da rápida carreira do autor, Vygotsky apresenta informações que viabilizam responder, pelo menos em parte, a essas perguntas. O autor examina três concepções consideradas por ele como superadas e propõe o conceito de zona de desenvolvimento proximal como o que supera tais concepções. Vamos conferir o que Vygotsky tem a dizer a respeito de tudo isso?

No início de um dos capítulos de A formação social da mente, Vygotsky é taxativo: “Os problemas encontrados na análise psicológica do ensino não podem ser corretamente resolvidos ou mesmo formulados sem nos referirmos à relação entre o aprendizado e o desenvolvimento em crianças em idade escolar” (VIGOTSKI, 2007, p. 87). O autor destaca que a relação entre aprendizado e desenvolvimento é provavelmente o principal problema teórico no que se refere aos processos educacionais. Ele enfatiza a existência de falta de clareza teórica, inclusive no entendimento do que consiste cada

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Psicologia da Educação

um desses conceitos, “aprendizado” e “desenvolvimento”. E, dessa falta de clareza teórica, decorreram diversas explicações fantasiosas e equivocadas a respeito da relação entre os dois processos.

Vygotsky analisa três posições teóricas que examinaram tal relação. A primeira é, segundo o autor, aquela na qual o aprendizado é independente dos processos de desenvolvimento. Vygotsky classifica as ideias de Piaget e os sistemas classificatórios da inteligência construídos por Binet como exem-plos dessa posição teórica. Segundo Vygotsky, de acordo com essa concepção, o desenvolvimento de uma criança ocorre principalmente por conta de sua maturação, e qualquer condição oferecida para que ela aprenda algo que vai além desse desenvolvimento é entendida como inútil. Conforme o autor, os pesquisadores e educadores orientados por essa posição teórica resumem seu trabalho em identificar quais as fases da vida de uma criança em que certos tipos de aprendizados específicos podem ser desenvolvidos. De acordo com a síntese que Vygotsky faz dessa posição teórica, o aprendizado segue e trilha do desenvolvimento, sem interferir nele.

Na segunda posição teórica a respeito da relação entre aprendizado e desenvolvimento que é criticada por Vygotsky, aprendizado é desenvolvi-mento. Um exemplo dessa teoria consiste naquelas em que o que é apren-dido consiste em reflexos que gradativamente substituem repostas inatas. Esses reflexos envolvem uma ampla variedade de processos, desde, por exem-plo, a leitura até a resolução de problemas matemáticos. Essa posição, de acordo com Vygotsky, é baseada na teoria do psicólogo americano William James, para quem o resultado de processos educativos consistia na formação de novos hábitos. Vygotsky distingue a primeira posição teórica da segunda porque, para a primeira, o aprendizado acontece (e só é possível) após a matu-ração, enquanto para a segunda aprendizado e desenvolvimento são processos coincidentes (VIGOTSKI, 2007).

Na terceira posição teórica, exemplificada pelas ideias de Koffka, há uma relação mútua e interdependente entre os processos de aprendizado e desenvol-vimento. De acordo com ela, existem processos de desenvolvimento que envol-vem a maturação do sistema nervoso, os quais, por sua vez, são influenciados pelos processos de aprendizado. Vygotsky destaca que há algumas importantes “novidades” nessa posição teórica. Entre elas, a ideia de que desenvolvimento e

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aprendizado não são processos excludentes, mas intercambiáveis. Outra novi-dade é a relação de que o desenvolvimento determina o aprendizado, assim como o aprendizado determina o desenvolvimento. A mais importante novi-dade dessa posição teórica é a ênfase atribuída aos processos de aprendizado.

A proposição dessa terceira posição teórica, de acordo com Vygotsky, apresenta implicações para um antigo problema em educação: O quanto o desenvolvimento de um aprendizado específico interfere em outros apren-dizados específicos? Por exemplo, o estudo de problemas de matemática interferem na resolução de problemas lógicos apresentados no cotidiano de uma criança? Quanto? De acordo com diversas pesquisas realizadas, é só em casos bem específicos que existe uma relação de determinação entre aprender alguma atividade específica e a capacidade para fazer outras coisas. Vygotsky cita Thorndike, que, ao investigar adultos, revelou, por exemplo, que, após eles serem ensinados a estimar o comprimento de linhas curtas, não houve melhora na capacidade deles em estimar o comprimento de linhas longas. Essas evidências revelam que a interferência de um aprendizado sobre outros só acontece quando esses aprendizados específicos apresentam elementos comuns entre si (VIGOTSKI, 2007).

Vygotsky destaca que, na terceira posição teórica a respeito da relação entre aprendizado e desenvolvimento, exemplificada pela teoria de Koffka e na qual aprendizado e desenvolvimento se inter-relacionam, há outro enten-dimento: o de que o aprendizado de alguma atividade específica interfere em alguma medida em quaisquer outros aprendizados. Nesse sentido, à revelia das descobertas feitas por autores como Thorndike, para os autores orientados pela terceira posição teórica descrita por Vygotsky, o aprendizado nunca é especí-fico. É por conta disso que o aprendizado não coincide com desenvolvimento para os autores dessa posição teórica, uma vez que, quando alguém aprende uma nova capacidade, há interferência em outras aprendizagens. Segundo ana-logia que Vygotsky faz a respeito do entendimento dos autores dessa terceira posição teórica, quando o aprendizado acontece, a criança dá um passo para a frente. Mas, pela relação que existe entre aprendizagens específicas e outros aprendizados, a criança dá dois passos à frente no seu desenvolvimento.

Vygotsky, no livro A formação social da mente, é taxativo ao dizer que essas três concepções a respeito da relação entre aprendizado e desenvolvi-

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mento estão equivocadas. Porém o exame delas, segundo o autor, é impor-tante, pois viabiliza chegar a uma solução para esse problema. Tal solução, conforme Vygotsky, envolve avaliar a relação geral entre aprendizado e desen-volvimento e a relação disso com o aprendizado escolar (VIGOTSKY, 2007).

Segundo o autor, ao entrar na vida escolar, a criança já desenvolveu diversos aprendizados pré-escolares relacionados ao que ela irá aprender na escola. Por exemplo, ela já lidou com quantidades, com operações de soma e divisão. Vygotsky também cita processos do tipo imitar e seguir instruções de adultos como exemplos de processos pelos quais a criança produz aprendiza-dos antes de ingressar na vida escolar. Com esses exemplos, o autor conclui que “aprendizado e desenvolvimento estão interligados desde o primeiro dia de vida de uma criança” (VIGOTSKI, 2007, p. 95). Ele destaca que há uma grande diferença entre o aprendizado pré-escolar e o escolar. Conforme o autor, tal diferença não recai apenas na formalização e na sistematização feita no aprendizado escolar, como era proposto por pesquisadores como Koff ka. Há no aprendizado escolar, segundo Vygotsky algo consideravelmente novo. É nesse ínterim que o autor formula o conceito de zona de desenvolvimento proximal, pelo qual tenta explicar a relação entre aprendizado e desenvolvi-mento e suas relações com o aprendizado escolar.

“ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL é a distân-cia entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desen-volvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.”

Vamos entender melhor no que consiste a zona de desenvolvimento proximal? Vygotsky destaca um fato consensual no senso comum: avaliar o aprendizado de uma criança envolve simplesmente avaliar o que a criança já é capaz de fazer sozinha. Vygotsky denomina a descoberta desses processos de “nível de desenvolvimento real”. Mas, para ele, esse é um dado secundário do desenvolvimento de uma criança. O dado mais importante são os proces-sos que a criança passa a realizar com auxílio de outras pessoas. Ele cita um

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exemplo: após a apresentação de diversos testes, são identificados aqueles que a criança já acerta sem auxílio de outras pessoas. Mas há ainda outras desco-bertas a serem feitas: Quais dos exercícios apresentados nesses testes a criança é capaz de realizar com o auxílio de outra pessoa? E de que tipos de auxílios a criança necessita? Segundo Vygotsky, esses dados são mais reveladores do nível do desenvolvimento de uma criança do que os dados relativos ao que a criança já é capaz de fazer. E é justamente isso que constitui o nível de desen-volvimento proximal.

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E por que a zona de desenvolvimento proximal é uma informação mais “preciosa” para professores e educadores do que os processos que constituem a zona de desenvolvimento real? Para Vygotsky, porque a zona de desenvolvi-mento real consiste naqueles processos de desenvolvimento que já amadure-ceram. Segundo analogia apresentada pelo autor, são os “frutos” do processo de desenvolvimento. Já os processos integrantes da zona de desenvolvimento proximal constituem aqueles processos que estão se desenvolvendo, amadu-recendo. São “brotos” ou “sementes”. A zona de desenvolvimento real é uma informação acerca do passado de uma criança, enquanto a zona de desen-volvimento proximal é uma informação a respeito do futuro da criança e, consequentemente, mais importante do que aquela.

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O conceito de zona de desenvolvimento proximal produz sérias implica-ções no papel dos educadores. Primeiramente, cabe a estes avaliarem o nível de aprendizado de uma criança com base na zona de desenvolvimento pro-ximal, e não somente na zona de desenvolvimento real. Segundo, o papel da escola parece consistir justamente na construção de condições que auxiliem ao máximo que os processos que constituem a zona de desenvolvimento pro-ximal sejam transformados em processos que compõem a zona de desenvolvi-mento real (VIGOTSKI, 2007).

Vygotsky, no livro A formação social da mente, ilustra um caso que revela a função da noção de zona de desenvolvimento proximal. Segundo ele, durante longo tempo foi consenso que crianças com “retardo” no desenvolvi-mento não apresentavam pensamento abstrato, apenas pensamento concreto. Com base nesse pressuposto, as práticas dos educadores em relação a esses sujeitos envolviam apenas atividades com exercícios concretos. De acordo com Vygotsky, isso é um erro. Para ele, é justamente porque essas crianças ainda não apresentam o pensamento abstrato que os educadores devem enga-jar-se na construção de atividades que viabilizem o desenvolvimento desse aprendizado (VIGOTSKI, 2007).

É com base nisso que Vygotsky (2007, p. 103) conclui:Desse ponto de vista, aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especifica-mente humanas.

Resumindo, o aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção de que os processos de desenvolvimento não coinci-dem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal.

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Dica de leitura

O livro Vygotsky: contexto, contribuições à psicolo-gia e o conceito de zona de desenvolvimento proxi-mal, de Andréa Vieira Zanella, é uma importante fonte de informação a respeito da obra de Vygotsky e, em especial, do conceito de zona de desenvolvimento pro-ximal e suas implicações para a educação. Há nessa obra, também, uma extensa carcterização do contexto no qual Vygotsky produziu sua obra. Vale a pena!

4.4 A concepção de aprendizagem para a Análise do Comportamento

A Análise do Comportamento é uma subárea ou tipo de conhecimento em Psicologia que apresenta uma importante contribuição acerca do conceito de aprendizagem. O principal teórico da Análise do Comportamento é Bur-rhus Frederic Skinner, que formulou o conceito de comportamento estudado no primeiro capítulo.

Skinner nasceu em 1904, em Susquehanna, uma cidade do estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Formou-se em Letras – Inglês no Colégio de Hamilton, ao norte do estado de Nova Iorque. Logo após formado, tentou seguir carreira de escritor, mas não obteve sucesso e acabou por desistir após dois anos. Posteriormente, interessado pelas ideias de Pavlov a respeito dos reflexos condicionais, cursou pós-graduação em Psicologia, desenvolvendo pesquisas experimentais com sujeitos infra-humanos, com base nas quais identificou certas leis que regem o comportamento dos organismos, em espe-cial como as consequências produzidas por aquilo que as pessoas fazem inter-ferem no comportamento delas. Já como professor, lecionou na Universidade de Minnesota, entre 1936 e 1945, na Universidade de Indiana, de 1945 a 1947 e, posteriormente, na Universidade de Harvard, onde trabalhou até seu falecimento, em 1990 (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998).

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Publicou extensa obra relativa a diversos tipos de processos comporta-mentais, orientando-se pelo pressuposto de que o comportamento que os organismos apresentam são constituídos e determinados pelas interações que eles estabelecem com o meio em que se inserem. Conforme as contribuições de Skinner, isso não significa que o ambiente no qual um organismo se insere é aquilo que determina o comportamento que as pessoas apresentam, mas que a maneira como as pessoas se comportam são uma decorrência da interação que elas estabelecem com o meio, o que envolve, por exemplo, a percepção que têm dos diferentes aspectos que constituem o ambiente no qual se inserem.

Entre as obras publicadas por Skinner, uma delas é O comportamento dos organismos, de 1938, uma extensa revisão de dados experimentais a respeito de como aspectos externos ao organismos influenciam naquilo que os organismos fazem. Walden II, de 1948, é um romance no qual Skinner postula a possibilidade de uma sociedade construída sob os moldes da Análise Experimental do Comportamento. Ciência e comportamento humano, de 1953, é provavelmente o livro mais célebre de Skinner. Baseado em diversas palestras que ministrou, o autor apresenta os fundamentos básicos da Análise do Comportamento e examina uma ampla variedade de processos, desde os básicos, como os reflexos condicionais e incondicionais, até os amplos, como educação, religião, cultura, política, entre muitos outros. O comportamento verbal, escrito em 1957, talvez seja a obra mais controversa (e mal interpretada) escrita por Skinner. Nele, o autor analisa como os aspectos que constituem o comportamento verbal que as pessoas apresentam. Em Sobre o behaviorismo, de 1974, Skinner rebate diversas críticas feitas à Análise do Comportamento, as quais, infelizmente, são apresentadas ainda hoje e que, em geral, são resultado da má interpretação ou mesmo do preconceito acerca do conhecimento pro-duzido por Skinner (GIOIA, 2004). Em Tecnologia do ensino, livro lançado originalmente em 1968, Skinner postula algumas possíveis contribuições da Análise do Comportamento para processos educacionais. Nessa obra, ao autor examina, entre diversos aspectos, por que os professores costumam fracassar e quais são as contingências de ensino que aumentam ou diminuem a probabili-dade de os estudantes se tornarem mais autônomos e criativos.

Ainda que B. F. Skinner seja provavelmente o mais conhecido repre-sentante da Análise do Comportamento, a produção dessa subárea não se resume a sua contribuição. Há, ainda hoje, muitos pesquisadores estudando

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e aprofundando o conhecimento produzido por ele; um exemplo de conheci-mento diz respeito ao processo de aprender. É por isso que, neste subtópico, não estudaremos a concepção de aprendizagem para Skinner, mas sim para a Análise do Comportamento, que, além da contribuição de Skinner, inclui estudos de outros pesquisadores dessa subárea.

O conceito de aprendizagem na Análise do Comportamento

Aprendizagem é um substantivo que faz referência a algo estanque. É por isso que analistas do comportamento utilizam o verbo “aprender”, que faz alusão a um processo. O mesmo ocorre em relação a “ensino”, que estudare-mos mais adiante. A que se refere, então, o processo de aprender?

Aprender é um processo no qual aquele que aprende apresenta um novo comportamento, ou seja, que não era capaz de exibir anteriormente. O con-junto de comportamentos que uma pessoa é capaz de apresentar é denomi-nado “repertório comportamental”. Por isso dizemos que, ao aprender algo, o aprendiz passa a ser capaz de exibir um comportamento que não fazia parte de seu repertório comportamental. Vamos imaginar uma criança que está aprendendo a “escrever todas as letras do alfabeto”. A cada nova letra que ela é capaz de escrever, há um novo comportamento em seu repertório, pois agora ela é capaz de “escrever a letra a”, por exemplo.

No quadro 1, a seguir, é representado o comportamento de uma pes-soa que aprendeu uma nova relação com o ambiente. As características da situação com a qual a pessoa lida envolvem a situação-problema, caracterís-ticas do próprio organismo, recursos para lidar com a situação e aquilo que a resulta da situação-problema. A pessoa apresenta ações que produzem como consequências a resolução da situação-problema, além de outros resultados, como resolução de prejuízos ou sofrimento e experiência para lidar com novas situações-problema. Vemos que as características da situação antecedente (ou meio com o qual o organismo lida) são alteradas na situação consequente (produtos ou resultados das ações do organismo).

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Quadro 1: Representação do comportamento de quem “aprendeu” uma relação com o ambiente e que possibilita identificar o tipo de relação entre o que esse

organismo faz e o ambiente em que o faz.

Características da situação antecedente

Características das ações do organismo

Características dos produtos ou resultados das ações do organismo

– situação-problema para o organismo ou para a sociedade com a qual o organismo se relaciona

– características gerais do organismo: físicas, repertório, interesses etc.

– recursos disponíveis para o organismo lidar com a situação-problema

– prejuízos ou sofri-mento resultantes da situação-problema e do desempenho do organismo diante da situação-problema

– (. . .)

– estabelecer as carac-terísticas do problema a ser resolvido

– explicitar alternati-vas de solução apro-priadas ao problema

– escolher qual a melhor alternativa de solução de acordo com suas caracte-rísticas, os recursos disponíveis e os resultados de interesse

– apresentar ações precisas correspon-dentes ao melhor procedimento para solucionar o problema

– (. . .)

– situação-problema resolvida (desaparece ou diminui) – orga-nismo obtém resultados de interesse (dos quais necessita) – comunidade (ou sociedade) obtém resultados de interesse

– pouco desgaste do organismo

– experiência acumulada para lidar com novas situações--problema (ou com a mesma)

– redução de prejuí-zos ou de sofrimento

– aumento da probabilidade de, em circunstâncias (ou situa-ções) semelhantes, apresentar desempenhos parecidos

– (. . .)

Fonte: KUBO; BOTOMÉ, 2001.

No quadro 2, adiante, consta a representação do comportamento de uma pessoa que não aprendeu a lidar com uma situação-problema. As carac-terísticas da situação com a qual a pessoa se depara (situação antecedente) são as mesmas apresentadas no comportamento de quem aprendeu algo. No entanto, as ações que a pessoa exibe não são eficazes para produzir como resultado o desaparecimento da situação-problema.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

Quadro 2: Componentes do comportamento comum de um organismo que ainda “não aprendeu” e que permitem identificar o tipo de relação entre o que

esse organismo faz e o ambiente em que apresenta tal ação.

Características da situação antecedente

Características da ação do organismo

Características dos produtos ou resultados da ação do organismo

– situação-problema para o organismo ou para a sociedade com que o orga-nismo se relaciona

– características gerais do organismo: físicas, repertório, interesses etc.

– recursos dispo-níveis para o orga-nismo lidar com a situação-problema

– prejuízos ou sofri-mento resultantes da situação-problema e do desempenho do organismo diante da situação-problema

– (...)

– apresentar ações que conhece ou com as quais está acostumado

– testar “soluções” diversas (ensaio e erro), sem critérios ou com critérios inadequados

– variar as ações de acordo com crité-rios irrelevantes ou inadequados

– repetir uma mesma ação, múltiplas vezes

– variar as dimensões (força, forma, latência, frequência etc.) de um mesmo tipo de ação

– (...)

– a situação-problema perma-nece inalterada ou insuficiente-mente alterada para o indivíduo ou para a sociedade com que o organismo se relaciona

– alterações nas características do organismo: desgaste físico, cansaço, desânimo, diminui-ção de autoconfiança etc.

– alto custo para obter algum grau de solução para a situação--problema: muito tempo, muito desgaste, pouco acú-mulo de “experiência” etc.

– (...)

Fonte: KUBO; BOTOMÉ, 2001.

Para aumentarmos o nosso entendimento acerca do que é nuclear no com-portamento de quem “aprendeu algo” e de quem “não aprendeu”, vamos exa-minar um exemplo de forma minuciosa. Imaginemos uma pessoa que precisa se locomover para trabalhar todas as manhãs. A situação-problema com a qual ela se depara é a distância do local do trabalho, as características do trajeto para

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chegar até lá, as decorrências do uso de diferentes meios de transporte, e assim por diante. Os recursos disponíveis são os próprios meios de transporte, a dis-ponibilidade desses meios, as possibilidades de carona com vizinhos, colegas de trabalho etc. Como parte da situação antecedente, estão também as caracterís-ticas do organismo, nesse caso, da pessoa que precisa ir trabalhar.

Essa pessoa é alguém que tem possibilidade de caminhar todas as manhãs antes de trabalhar? Quais são suas condições físicas? É alguém que sabe diri-gir ou andar de bicicleta? Quais os interesses dessa pessoa? Quer se exercitar todas as manhãs para ir ao trabalho? Quanto tempo gostaria de levar para chegar ao destino? Em cada uma dessas perguntas, há aspectos relacionados às características de uma pessoa (físicas, de repertório e interesse, por exemplo). Além das características da situação-problema, das características do próprio organismo e dos recursos disponíveis para lidar com a situação-problema, a situação antecedente também envolve os prejuízos e sofrimento resultante da situação-problema e das ações do organismo para lidar com esta.

No exemplo que estamos examinando, são várias as consequências envolvidas no comportamento de uma pessoa que não se locomove para ir ao trabalho ou o faz de maneira pouco apropriada. A mais óbvia é não chegar ao trabalho, mas há muitas outras decorrências de uma locomoção pouco apro-priada (atrasos, desconto no salário, demissão, menor produtividade etc.) que envolvem prejuízo e sofrimento para a pessoa e são também parte da situação--problema com a qual ela lida.

Agora que examinamos com minúcia uma de situação antecedente (parte do comportamento de uma pessoa que aprende uma nova relação, nesse caso, locomover-se para trabalhar), vamos ver dois exemplos. O primeiro se refere às características de ações que fazem parte de uma relação de aprendizagem, e o segundo se configura como uma relação de quem não aprendeu a lidar com a situação-problema.

Alguém que estabelece uma relação de aprendizagem identifica as carac-terísticas da situação-problema a ser resolvida. Utilizando o exemplo que esta-mos examinando, é alguém que identifica os aspectos que já listamos que fazem parte de tal situação: características da situação-problema, característi-cas do próprio organismo, recursos disponíveis para lidar com ela, prejuízos resultantes dessa situação. Além de reconhecer as características da situação-

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-problema, a pessoa explicita alternativas de solução apropriadas, como “ir de ônibus”, “aprender a dirigir”, “pegar carona com o vizinho”, “ir de bicicleta”, “ir caminhando”, e assim por diante.

Outra ação realizada por uma pessoa que aprendeu uma relação com o ambiente é escolher, entre as alternativas explicitadas, a melhor solução con-siderando as características da situação-problema. Após a escolha, a pessoa apresenta tal ação, que produz como consequência a resolução da situação--problema, no caso a locomoção ao trabalho com sucesso, que gera menos prejuízo possível ao organismo; há a obtenção de resultados de interesse, tal como chegar no horário, fazer exercícios físicos (se a ação for ir caminhando ou de bicicleta), economia de dinheiro ou de tempo, entre outros possíveis aspectos resultantes de cada escolha.

Além disso, em outra situação-problema que envolva locomoção, por exemplo, é mais provável que a pessoa lide de maneira eficaz, já que passou por essa experiência com sucesso. Isso significa que há o aumento da proba-bilidade de, em outras situações semelhantes, a pessoa apresentar comporta-mento semelhante.

Como seria, usando esse mesmo exemplo, o comportamento de uma pessoa que “não aprendeu”? Nesse caso, como vimos, a situação antecedente é a mesma apresentada no comportamento de quem aprendeu uma nova rela-ção, ou seja, a pessoa precisa chegar ao trabalho, ela tem certas características físicas, certos interesses, certo repertório comportamental (dirige veículos de determinados tipos ou não, por exemplo) etc. As ações de uma pessoa que ainda “não aprendeu” são aquelas que ela já está acostumada a apresentar, ou que já conhece, como “ir de ônibus” sem avaliar os prejuízos e as vantagens desse meio de transporte.

Vamos imaginar que os horários de ônibus são pouco compatíveis com o horário de trabalho, mas mesmo assim a pessoa decide por essa ação. Ou então, exemplificando uma ação que corresponde a “ensaio e erro”, um dia a pessoa vai de ônibus, outro caminhando, outro de carona com alguém etc. Mais uma vez, ela não considera as características da situação antecedente para tomar tais decisões.

Pode ser também que a pessoa decida por lomocover-se de carro, con-siderando que é um meio de conseguir status no trabalho. Esse é um critério

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adequado para produzir consequências signifi cativas para ela, ou seja, consi-derar esse aspecto e deixar de considerar outros trará diminuição de prejuízo e sofrimento e eliminará a situação-problema? Essas são algumas das ações apresentadas por uma pessoa que “não aprendeu” uma relação com o meio. Vamos ver que tipos de consequências essas ações produzem.

As ações apresentadas por uma pessoa que “não aprendeu” não alteram ou alteram insufi cientemente a situação-problema. Por exemplo, escolher se loco-mover de ônibus, sendo essa a maneira pela qual está acostumada a se locomo-ver, sem considerar os horários de ônibus, pode ter como consequência atraso na chegada ao local de trabalho, desgaste físico, desânimo, entre outros. Assim, ainda que a pessoa chegue ao trabalho, as decorrências do uso de um meio de transporte sem considerar as características do meio podem trazer consequências pouco gratifi cantes. Ao testar o melhor meio de transporte por meio de “ensaio e erro”, é provável que haja alto grau de desgaste, “perda de tempo”, entre outros custos que poderiam ser evitados em uma relação em que há aprendizagem.

Podemos dizer, então, que uma pessoa que lida com as situações-pro-blema da maneira que denominamos “não aprendeu” de fato não aprende? Não há aprendizagem nesse caso?

Qualquer nova relação com o meio se confi gura como “aprendi-zagem”. Os dois exemplos mostrados nos quadros anteriores ilustram o que seria uma “aprendizagem ideal”. Apesar disso, uma pessoa que apresenta comportamentos que trazem malefícios a ela mesma e que não altera as situações-problema com as quais precisa lidar também “aprendeu” esses comportamentos.

O processo de aprender pode ocorrer por meio de ensino (intermédio de outra pessoa) ou de interação do aprendiz com o ambiente sem mediação de outra pessoa. Vamos imaginar a situação em que uma criança ganhou de seu pai um videogame, mas nem ela nem seu pai sabem como manuseá-lo. O pai explica que lerá o manual e mais tarde ensinará a criança a jogar. A criança, curiosa, pega o videogame e começa a mexer. Aperta o botão para ligá-lo (ela já estabeleceu essa relação por meio de experiências anteriores, ou seja, já apresenta esse compor-tamento em seu repertório). Aos poucos ela aprende que, se fi zer o bonequinho

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“comer” as bolinhas azuis, ganha uma nova “vida”. Após algumas tentativas, a criança estabelece uma nova relação com o meio, ou seja, com o videogame, as regras do jogo, as bolinhas azuis, o bonequinho, os botões do controle etc.

Quando o pai chega para explicar a essa criança as regras do jogo e o que precisa fazer para jogar, ela diz ao pai que não é mais necessário, pois já “aprendeu”. A relação entre “bolinha azul”, “apertar o botão que faz o bone-quinho ‘comer’ as bolinhas” e obter como consequência “uma vida” foi for-talecida. A criança apresenta um novo comportamento e dizemos, portanto, que houve aprendizagem. Nesse caso, não foi necessária a intermediação do pai ou de outra pessoa, ou seja, não ocorreu o processo “ensinar”.

Segundo Skinner (1972, p. 239):[...] os homens aprendem uns com os outros sem serem ensi-nados. Pode ter acontecido alguma vez que um homem tenha aprendido a usar uma enxada olhando outro usá-la, mas nem por isso o lavrador teve as funções de professor. Foi só quando a crescente eficiência do aprendiz tornou-se importante para o lavrador que este se torna professor e modifica seu compor-tamento para facilitar a aprendizagem.

A afirmação do autor, escrita no contexto de exame acerca do que carac-teriza aquilo que faz um professor, mostra-nos que aquele que ensina não é apenas um modelo, mas alguém que apresenta comportamentos com certas características para que ocorra a aprendizagem de outra pessoa.

O que caracteriza o processo “ensinar”? Qual a relação entre esse processo e o “aprender”? Segundo Skinner (1972), o ensino se define pelas mudanças ocorridas no comportamento do aprendiz. Não há ensino, portanto, se não existe aprendizagem.

No quadro 3, a seguir, constam os componentes constituintes do com-portamento de ensinar. As características dos aprendizes, que incluem aqueles comportamentos que eles já são capazes de apresentar, seus interesses etc., cons-tituem a situação antecedente, assim como os objetivos propostos pelo professor e os materiais, os recursos disponíveis e as condições de ensino. É principalmente com esses aspectos que o professor lida quando apresenta ações que compõem o comportamento de ensinar. Que ações são essas? Não há uma lista com certas ações a serem apresentadas por um professor que caracterizem o “ensinar”.

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Ao ensinar alguém a manejar uma enxada, seguindo o exemplo apresen-tado por Skinner (1972), um professor pode mover o instrumento mais deva-gar ou exagerar os seus movimentos de forma que o aluno possa imitá-lo, pode repetir certo movimento até que o aluno seja capaz de fazê-lo, pode indicar ao aluno quais enxadadas ele apresentou corretamente, pode também manejar o ambiente, por exemplo, identificando raízes mais fáceis de serem cavadas, de modo que o aluno obtenha sucesso. Como podemos observar, são muitas as ações que podem ser efetuadas por um professor ao ensinar. Mas elas consti-tuem esse comportamento com a condição de produzir como consequência a apresentação do comportamento do aprendiz descrito como objetivo de ensino.

Quadro 3: Representação de componentes constituintes do comportamento de ensinar que exemplificam a relação entre cada um dos componentes indicada pela seta.

Situação antecedente Ações do professor Situação consequente

Objetivos de ensino definidos (des-crição do desempenho final do aprendiz ou de outras concepções de objetivos do professor) caracte-rísticas dos aprendizes:

2 capacidade de desempenho ini-cial dos aprendizes;

2 interesses;

2 etc.

2 recursos disponíveis, materiais e condições de ensino

Quaisquer ações do professor

2 Desempenho do aprendiz, de acordo com objetivos defi-nidos pelo professor

2 Outros desempenhos do aprendiz

Fonte: KUBO; BOTOMÉ, 2001.

Vimos que, para que o ensino aconteça, é necessário que ocorra aprendi-zagem de outra pessoa. Ou seja, é preciso que o aprendiz apresente um com-portamento que não fazia parte de seu repertório comportamental. Por isso, também são constituintes, do comportamento de ensinar, as características do repertório dos aprendizes.

Por exemplo, um estudante de matemática resolve problemas que envol-vem equações de primeiro grau, mas não é capaz de resolver equações de

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segundo grau. O comportamento de ensinar do professor envolve caracterizar aquilo que o aprendiz já é capaz de fazer, sob o risco de propor como objetivo de ensino um comportamento que o aluno já apresenta ou um comportamento que tem como pré-requisito outro que o aluno ainda não possui. Um exemplo disso seria o professor propor como objetivo de ensino a esse aprendiz “resolver equações de primeiro grau” (um comportamento que ele já é capaz de apresen-tar) ou propor “resolver equações de segundo grau” como objetivo de ensino a um aluno que ainda não aprendeu a resolver equações de primeiro grau.

Processos básicos pelos quais os organismos aprendem

Já sabemos o que caracteriza aprender e ensinar para a Análise do Com-portamento. Aprender, como vimos, significa estabelecer uma nova relação com o meio, ou seja, apresentar um comportamento que até o momento não fazia parte do repertório comportamental. De que maneira os organismos aprendem novos comportamentos? Como ocorre esse processo?

Existem cinco processos básicos pelos quais os organismos aprendem novos comportamentos. São básicos, portanto não são exclusivos dos seres humanos. Tais processos são chamados de “contingências de reforçamento”. A palavra “contingência” significa “possibilidade” e indica algo que é possível, em oposição a algo que é necessário.

Conforme estudamos, o comportamento se caracteriza pela interação entre aquilo que um organismo faz, o meio em que o faz e o que é produzido a partir desse fazer (SKINNER, 2003; CATANIA, 1999; BOTOMÉ, 2001). O meio com o qual o organismo lida é denominado de situação antecedente ou estímu-los antecedentes. As ações que um organismo apresenta são também chamadas de respostas, e aquilo que é produzido por meio das respostas de um organismo recebe o nome de situação consequente ou estímulos consequentes.

Quando falamos em contingência em relação ao comportamento, o termo faz referência à natureza das relações entre cada um dos componentes do comportamento, ou seja, a relação entre os estímulos antecedentes, as res-postas e os estímulos consequentes. As contingências de reforçamento carac-terizam o modo como uma determinada consequência afeta a probabilidade de ocorrência de respostas semelhantes àquela que a produziu.

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Psicologia da Educação

As cinco contingências básicas de reforçamento são:

2 contingência de reforço positivo;

2 contingência de reforço negativo;

2 contingência de punição positiva;

2 contingência de punição negativa;

2 extinção.

No processo denominado contingência de reforço positivo, a resposta apresentada por um organismo produz como consequência um estímulo gra-tificante. Como efeito básico, ocorre o fortalecimento das relações entre os componentes do comportamento (estímulos antecedentes, respostas e estí-mulos consequentes).

Vamos retomar o exemplo da criança que aprendeu a jogar videogame sem a ajuda do pai. Para ela, naquela situação, obter como consequência pontos e uma “vida” por meio de seus movimentos no controle do aparelho é algo gratificante. O processo pelo qual a criança aprendeu a jogar tal jogo no videogame é denominado contingência de reforço positivo. A apresentação de um estímulo gratificante (a “vida”) fortaleceu as relações entre as caracte-rísticas do jogo, as respostas que a criança apresenta (certos movimentos no controle do videogame) e as consequências produzidas. A probabilidade de ela apresentar o mesmo comportamento é aumentada.

Outro exemplo de comportamento no qual é configurada contingência de reforço positivo é apresentado por uma criança que chora quando a mãe se afasta dela. Ao ver a criança chorando, essa mãe a pega no colo, dando afeto. O afastamento da mãe é o estímulo antecedente para a resposta da criança de chorar, que produz como consequência o afeto da mãe. Com isso, a relação entre o estímulo antecedente “afastamento da mãe”, a resposta de chorar e a obtenção de afeto como consequência dessa resposta são fortalecidas. A criança muito provavelmente irá chorar quando a mãe se afastar dela e ela desejar obter afeto.

Ao observarmos o comportamento da mãe de segurar a criança no colo quando esta chora, é produzido como consequência dessa resposta da mãe a eliminação do choro da criança. Para a mãe, o choro da criança é um estí-

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mulo aversivo, e a mãe apresenta uma resposta que elimina tal estímulo. O comportamento da mãe é um exemplo de comportamento em que é estabe-lecida a contingência de reforço negativo.

Estímulo aversivo é algo que deixa o organismo em situação de desconforto, diminuindo a frequência de resposta que o produziu e aumentando a probabilidade de ocorrência de respostas que o elimina.

A contingência de reforço negativo é o processo no qual um estímulo aversivo é retirado, aumentando a probabilidade de ocorrência da resposta que eliminou tal estímulo.

Vamos imaginar que estamos estudando em uma biblioteca e há duas pessoas conversando na mesa ao lado. O barulho que ouvimos nos deixa em situação de desconforto; é, portanto, um estímulo aversivo. Ao “solicitarmos silêncio” para as duas pessoas, ocorre a eliminação do barulho. A resposta que apresentamos, de pedir silêncio, foi fortalecida. Nas situações seguintes em que há alguém conversando na biblioteca, é alta a probabilidade de que a resposta “solicitar silêncio” seja apresentada. Quando essa relação ocorre pela primeira vez, dizemos que aprendemos um novo comportamento.

Não existe um estímulo gratifi cante por si só. A qualidade “gra-tifi cante” sempre está em uma relação. Por exemplo, o chocolate pode nos parecer um estímulo gratifi cante. Mas, mesmo para aqueles que gostam muito de chocolate, depois de comer certa quantidade ele deixa de ser gratifi cante e pode até ser aversivo.

Vamos agora pensar em um exemplo de aprendizagem em uma situação escolar na qual o processo é de contingência de reforço negativo. A professora de uma turma de alunos todos os dias confere se cada um fez a tarefa de casa. Caso um aluno não a tenha feito, a professora pergunta a ele algo a respeito do assunto que está sendo estudado. Esse aluno, o Paulo, sente-se muito des-

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confortável quando precisa falar na frente de todos os colegas. No quadro 4, a seguir, é representado o comportamento de Paulo.

Quadro 4: Representação do comportamento de Paulo aprendido por contin-gência de reforço negativo.

Estímulos antecedentes Resposta Estímulos consequentes

- tarefa a ser realizada;

- possibilidade de falar em público a respeito do assunto que está sendo estudado

- fazer tarefa de casa

- eliminação da possibili-dade de falar em público a respeito do assunto que está sendo tratado;

(...)

A possibilidade de falar em público, que para Paulo é um estímulo aver-sivo, é eliminada quando ele faz a tarefa de casa. A relação entre os estímulos antecedentes (tarefa e possibilidade de falar em público), a resposta de fazer a tarefa de casa e a consequência de eliminar a possibilidade de falar em público são fortalecidas. É aumentada, portanto, a probabilidade de Paulo apresentar a resposta de fazer a tarefa de casa. O estímulo aversivo “possibilidade de falar em público” foi eliminado, por isso o processo no qual Paulo aprendeu esse novo comportamento é contingência de reforço negativo.

Na mesma turma de Paulo, há uma menina, Isabela, que não vê problema em falar em público. Pelo contrário, para ela a possibilidade de falar em público é um estímulo reforçador. No dia em que não trouxe a tarefa e a professora fez perguntas a ela acerca do assunto que estavam estudando, Isabela sentiu-se muito bem. A apresentação do estímulo “possibilidade de falar em público” diminuiu a frequência da resposta de Isabela de fazer a tarefa de casa. Por meio desse exemplo, vemos que aquilo que é aversivo para uma pessoa pode ser gra-tificante para outra. A professora utiliza esse método com o objetivo de que os alunos façam as tarefas de casa. No entanto, vemos que esse procedimento não é eficaz para todos. Mais adiante, estudaremos algumas consequências de apresentar comportamentos que configuram contingência de reforço negativo.

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O termo reforço apresentado nos processos de contingência de reforço positivo e contingência de reforço negativo faz referência ao aumento da probabilidade de respostas semelhantes, já que há o for-talecimento da relação entre os componentes do comportamento. Os termos positivo e negativo fazem referência, respectivamente, à apre-sentação e eliminação do estímulo, e não à qualidade dele.

A contingência de punição positiva é o processo no qual é apresentado ou produzido um estímulo aversivo que diminui a probabilidade de ocorrência de respostas semelhantes àquela que produziu esse estímulo aversivo. Nesse pro-cesso, a relação entre os componentes do comportamento não é enfraquecida. O comportamento é suprimido, o que signifi ca que ele deixa de ocorrer na presença do estímulo aversivo ou do agente punidor. Como as relações entre os componentes do comportamento não são enfraquecidas, na ausência do estí-mulo aversivo ou do agente punidor o comportamento volta a acontecer.

Vamos examinar a situação de uma criança que apresenta um compor-tamento considerado por seus pais como inadequado, por exemplo, bater no irmão mais novo. Quando essa resposta ocorre, ela ganha uma “bronca” dos pais, que é um estímulo aversivo para essa criança. As respostas apresentadas por ela de bater no irmão têm sua ocorrência diminuída. Na ausência dos pais, no entanto, a criança volta a bater no irmão. Os pais apresentaram um estímulo aversivo como consequência à resposta de bater no irmão, por isso o comportamento da criança é confi gurado contingência de punição positiva.

Outro exemplo de comportamento no qual é confi gurada contingência de punição positiva pode ser ilustrado da seguinte maneira: Lucas trabalha em uma empresa de informática. Ele precisa consertar computadores durante suas oito horas de expediente. Em geral, seu chefe está por perto e cobra dos funcionários que eles façam seu trabalho, e, nas ocasiões em que eles fazem outra coisa que não algo que faz parte do trabalho, como navegar na internet e jogar jogos, o chefe grita e exige que os funcionários fi quem mais tempo trabalhando além do expediente. A possibilidade de trabalhar depois do expediente é um estímulo aversivo para Lucas, e a ocorrência das respostas

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de navegar da internet e jogar jogos no computador diminuem. No entanto, quando o chefe (agente punidor, nesse caso) não está presente, tais respostas voltam a acontecer. Por isso a relação entre os componentes do comporta-mento no processo de contingência de punição positiva não é enfraquecida.

Caso o chefe de Lucas descontasse certa porcentagem do salário dos funcionários cada vez que os visse apresentando outros comportamentos que não aqueles que fazem parte do que é considerado consertar computadores, haveria a retirada de um estímulo gratifi cante (dinheiro) e, com isso, a dimi-nuição da ocorrência dessas respostas. Esse é um exemplo de comportamento no qual é confi gurada contingência de punição positiva.

O processo no qual é eliminado um estímulo reforçador, diminuindo a probabilidade de ocorrência de respostas semelhantes àquela que eliminou tal estímulo reforçador, é denominado contingência de punição negativa. O comportamento é também suprimido, isto é, não ocorre na presença do agente punidor. Quando o agente punidor está ausente, no entanto, o com-portamento volta a acontecer.

O termo punição apresentado nos processos de contingência de punição positiva e contingência de punição negativa faz referên-cia à diminuição da probabilidade de respostas semelhantes na presença do agente punidor. Os termos positivo e negativo fazem alusão, respectivamente, à apresentação de um estímulo aversivo e à eliminação de um estímulo gratifi cante.

Aquilo que conhecemos como “castigo” pode ser considerado contingên-cia de punição negativa. Uma pessoa que fi ca de castigo tem como consequên-cia de sua resposta, considerada inadequada pelo agente punidor, a eliminação de estímulos gratifi cantes, ou seja, a possibilidade de fazer coisas de que gosta, como sair com os amigos, ver televisão, jogar videogame, e assim por diante.

A contingência de extinção é o processo no qual nenhum estímulo é eli-minado ou produzido pela resposta de um organismo. Ao apresentar uma res-posta, esta não tem nenhum efeito sobre características do ambiente que afetam sua probabilidade de ocorrência. Dessa forma, as relações entre os componentes

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do comportamento (estímulos antecedentes, respostas e estímulos consequen-tes) são enfraquecidas e o comportamento vai deixando de acontecer.

Quando ligamos para uma pessoa de que gostamos, ela nos atende e temos com ela uma conversa agradável. O comportamento “conversar com tal pessoa” é confi gurado contingência de reforço positivo, uma vez que há a apresentação de um estímulo gratifi cante e é aumentada a probabilidade de voltarmos a ligar para essa pessoa novamente. Agora vamos imaginar que essa mesma pessoa, que sempre atendeu nossos telefonemas, não mais os atende. Primeiramente, ligamos mais uma vez, e mais outra... e, quem sabe, ainda outra e outra vez. Mas, se em nenhuma dessas vezes a pessoa nos atende, começamos a estabelecer uma nova relação com o meio. As consequências das respostas que apresentamos não são mais as mesmas de antes. Com isso, a relação entre o estímulo antecedente, a resposta de ligar para a pessoa e o estímulo consequente vai sendo enfraquecida até que ocorre extinção, ou seja, não ligamos mais para aquela pessoa.

A extinção é a contingência de reforçamento em que as relações entre os componentes do comportamento são enfraquecidas. Deve-mos cuidar para não confundir “supressão de comportamento” com “extinção”. Quando há supressão de comportamento, a relação entre os componentes ainda existe e o comportamento volta a ocorrer.

Implicações das contingências de reforçamento na educação

Quais as decorrências de um aluno, por exemplo, passar grande parte de sua vida inserido em um contexto educacional em que a contingência mais frequente é a de reforçamento positivo? Em outro exemplo, o que aconteceria com um aluno que teve sua vida educacional constituída predominantemente por contingências de punição positiva? Essas perguntas apresentam um pres-suposto: o de que as contingências de reforçamento, às quais uma pessoa foi submetida ao longo de sua vida, têm implicações sobre ela. No contexto educacional, isso não é diferente. Um aluno que teve uma vida educacional predominantemente com contingências de reforçamento positivo tende a ser

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muito diferente de outro que teve uma vida educacional com contingências de reforçamento negativo ou punição? Todas essas questões indicam a neces-sidade de se examinar quais as implicações das diferentes contingências de reforçamento para a aprendizagem dos alunos.

Um importante aspecto a ser analisado diz respeito ao papel que um estí-mulo pode ter. Vimos que os estímulos são aspectos relacionados com uma res-posta e que não podemos afirmar que um estímulo é aversivo ou reforçador sem olhar para a relação que ele estabelece. Para uma criança, a possibilidade de falar em público pode ser um estímulo reforçador; para outra, um estímulo aversivo.

Vimos em um exemplo a situação de uma menina que deixava de fazer as tarefas porque assim a professora fazia perguntas, dando a ela a oportunidade de falar para toda a classe. Ao planejar condições para aumentar a probabilidade de que os alunos fizessem as tarefas, a professora provavelmente considerou que a possibilidade de falar em público é um estímulo aversivo para todos eles e isso faria com que aumentasse a ocorrência da resposta de fazer a tarefa.

No mesmo sentido, quando uma criança recebe uma “bronca” dos pais, essa “bronca” pode ser um estímulo aversivo para essa criança, diminuindo a probabilidade de apresentação de respostas semelhantes àquelas que produzi-ram tal estímulo. Os pais dão a “bronca” muito provavelmente considerando que a ocorrência dessa resposta da criança irá diminuir. No entanto, para uma criança carente de atenção dos pais, uma “bronca” pode ser um estímulo reforçador, pois pode ser uma das poucas ocasiões em que os pais lhe dão atenção. Nesse caso, há o aumento da frequência da resposta e a “bronca” é um estímulo reforçador.

O que acontece se a professora que utilizamos como exemplo deixa de conferir se cada aluno fez a tarefa de casa? Eles vão manter a frequência desse comportamento? É bastante provável que não, pois muitos alunos estão sob controle das consequências estabelecidas pela professora para fazer a tarefa de casa. Se ela deixa de conferir, pode ocorrer extinção do comportamento de “fazer as tarefas de casa” de muitos alunos.

O Paulo, que examinamos em exemplo anterior, faz as tarefas para livrar-se da consequência aversiva “possibilidade de falar em público” e não está sob controle de consequências naturais que as respostas que compõem aquilo que é chamado “estudar” produzem. Maior clareza acerca dos fenômenos, capa-

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

cidade de fazer contas no dia a dia e possibilidade de lidar melhor com as situa-ções do cotidiano não são estímulos considerados quando o comportamento de estudar é apresentando como contingência de reforço negativo.

Um aluno que apresenta comportamentos para livrar-se de uma possível punição (contingência de reforço negativo) e deixa de ter comportamentos inadequados por estar sob controle de possibilidade de que seus compor-tamentos sejam sequenciados com consequências aversivas (contingência de punição positiva), ou ainda que deixa de exibir comportamentos inadequados para não perder consequências gratifi cantes (contingência de punição nega-tiva), está sob controle de aspectos que não são produzidos naturalmente pelas respostas que apresenta. Essas três contingências, de reforço negativo, de punição positiva e de punição negativa são processos considerados por Sidman (2003) como coerção.

De acordo com Sidman (2003), podemos fazer com que crianças aprendam punindo-as por não aprender, e isso é feito com alta frequência. No entanto, muitas que aprendem dessa maneira crescem menosprezando professores, odiando a escola e evitando o trabalho de aprender. No futuro, essas crianças expostas ao ensino coercitivo provavelmente seguirão o mesmo modelo ao se tornarem pais ou professores.

Para saber mais acerca das consequências do uso da coerção, sugerimos a obra Coerção e suas implicações, de Murray Sidman.

SínteseAo examinarmos a defi nição de aprendizagem apresentada em dicioná-

rios, temos acesso ao que costumeiramente as pessoas entendem como pro-cesso de aprender. Quem trabalha com educação precisa ter acesso a outro tipo de informação, àquela que diz respeito ao processo de aprender de modo a considerar muitos outros aspectos que não são enfatizados (e nem é o obje-tivo) pelo senso comum.

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Psicologia da Educação

A maneira como os educadores definem o que é aprender interfere no pro-cesso desenvolvido pelos aprendizes. Por isso, o conhecimento acerca de diferen-tes contribuições relacionadas à aprendizagem pode ser um meio de transformar tal conhecimento em comportamentos significativos na prática educativa.

Neste capítulo, vimos que, para Piaget, a aprendizagem é decorrência dos processos de desenvolvimento. Os conteúdos só são aprendidos se relacionados às estruturas que a criança possui. Por isso, o desenvolvimento de uma criança tende a explicar sua aprendizagem, mas o inverso não costuma ser verdadeiro.

A ênfase de Piaget recai, portanto, em aspectos endógenos de desenvolvi-mento. Mas tal ênfase parece ser relativizada quando constatado que as estru-turas de raciocínio são uma decorrência das interações que a criança estabelece com o meio, governadas principalmente pelo processo de equilibração. A partir dessa constatação, o caráter interacionista da teoria de Piaget é evidenciado.

A contribuição de Vygotsky, enfatizando o papel do contexto histórico e social na aprendizagem do aluno, é de grande importância para que os edu-cadores não olhem apenas a criança, mas identifiquem também aspectos do meio que interferem em seu desenvolvimento e em sua aprendizagem. Com base nas ideias de Vygotsky, fica difícil dizer que uma criança tem problemas de aprendizagem, uma vez que quem usa tal expressão parece estar obser-vando apenas crianças. As contribuições de Vygotsky superam esse equívoco e ajudam os educadores a entender que talvez seja o contexto no qual uma criança se insere é que tem problema de ensino e aprendizagem.

Tal entendimento é também o mesmo para os analistas do comporta-mento, para os quais aprendizagem significa apresentação de um novo com-portamento. O comportamento é caracterizado pelas interações entre aquilo que um organismo faz, o meio em que o faz e o que é produzido a partir desse fazer. Quando um organismo estabelece uma nova relação com o meio, dizemos que ele aprendeu.

As contribuições de analistas do comportamento nos ajudam a orientar nossos próprios comportamentos como educadores, já que o ensino é um pro-cesso que não ocorre isoladamente, mas depende de aprendizagem. Aquilo que constitui o processo de ensinar também foi objeto de exame de analistas do com-portamento, além de diferentes processos pelos quais os organismos aprendem, que são as contingências de reforçamento. O conhecimento acerca desses pro-

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Contribuições da Psicologia para a Educação: Aprendizagem

cessos nos ajuda a avaliar o quanto um comportamento pode ser produtivo e sig-nificativo e quanto nosso sistema de ensino pode ser coercitivo se permitirmos.

Esperamos que o conhecimento sobre a concepção de aprendizagem des-sas diferentes contribuições sejam matérias-primas para você intervir da melhor maneira no processo de educação. E também esperamos que seu estudo a res-peito das contribuições da Psicologia acerca desse conceito não se limite ao que apresentamos neste capítulo, pois ainda há muito o que descobrir!

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5Contribuições da

Psicologia para a Educação:

programação de ensino

Há uma contribuição da Psicologia que pode ser de grande importância para o aumento da efi cácia de nosso sistema educacio-nal. Tal contribuição consiste em um conjunto de conhecimentos que vem sendo produzido desde a década de 1960, constituindo o que é denominado programação de ensino. A principal “persona-gem” da história do desenvolvimento da programação de ensino no Brasil é Carolina M. Bori. De acordo com Nale (1998), Carolina Martuscelli Bori (1924-2004) foi professora, orientadora, admi-nistradora, assessora e, principalmente, um “ser político profunda-mente preocupado com o social”.

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Psicologia da Educação

Nesse mesmo artigo, no qual examina o papel dessa autora na programa-ção de ensino no Brasil, Nale (1998) nos conta:

Em 1971, procurei Carolina Bori para expor um projeto de pesquisa que pretendia desenvolver como trabalho de dou-torado. O projeto tinha como objeto de estudo um curso programado individualizado na área de Biologia, destinado a alunos do primeiro ano de um curso de graduação em Psicolo-gia. Mostrei a Carolina os tópicos de conteúdo que pretendia abordar no programa em questão. Alguns anos depois, ouvi mais de uma vez Carolina dizer a terceiros que não tinha visto ainda uma lista de tópicos de conteúdo vinculando tão inti-mamente Biologia e Psicologia. Na ocasião, Carolina apenas perguntou-me: “Bem, esses conteúdos estão ótimos, mas isto é informação! Quais os objetivos desse curso, que comporta-mentos você pretende ensinar a seus alunos?” Insisti: queria que aprendessem aqueles conteúdos, que eram fundamentais para a formação do psicólogo ‒ conhecer um pouco do que se sabia sobre as bases genéticas da deficiência mental e das psi-coses, os métodos para estudar a influência da hereditariedade e do meio sobre características comportamentais e muitos outros temas que estabeleciam vínculos entre Biologia e Psico-logia. Carolina, já um pouco impaciente, retrucou com algo que na minha cabeça ficou registrado assim: Isto é informação! Você não modifica comportamento de ninguém meramente trans-mitindo informação. E foi além: Biologia é uma Ciência muito mais antiga e bem estabelecida do que Psicologia. Por que você não usa o Curso de Biologia para ensinar a seus alunos de Psicolo-gia comportamentos típicos de um cientista? [...].

Neste capítulo vamos conhecer alguns pressupostos que guiaram essa autora, de modo a compreender suas propostas relacionadas à educação. Carolina Bori orientou muitos alunos; com isso, aquilo que foi iniciado prin-cipalmente por ela na década de 1960 foi sendo disseminado por várias partes do Brasil. O que hoje conhecemos como “programação de ensino” é uma contribuição da Psicologia que teve início a partir das ideias e intervenções de Carolina, mas foram desenvolvidas por várias pessoas, muitas das quais tiveram a oportunidade de conviver com essa autora.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

5.1 Breve história da programação de ensino no Brasil

“As contribuições de Carolina M. Bori nasceram com seu trabalho vol-tado para tornar o ensino mais científico e relevante a partir das descobertas da Ciência, particularmente da Psicologia [...]” (KUBO; BOTOMÉ, 2001, p. 1). Na década de 1960, Carolina Bori e outros pesquisadores começaram a investigar e testar procedimentos nos quais o aluno seria o centro do trabalho de ensino. Tal ideia teve início na Universidade de São Paulo, dando impulso à proposição de uma nova maneira de ensinar Psicologia, que foi aplicada na Universidade de Brasília (KUBO; BOTOMÉ, 2001).

De acordo com Kerbauy (2004): Carolina Bori intermediava contatos com a administração da universidade [de São Paulo] para importar equipamentos em tempos difíceis. Fazia congressos com grupos de colaborado-res e divulgava os princípios de Análise do Comportamento pelo Brasil. Neste sentido, no início do advento dessa área de estudo, propiciou condições para a vinda do professor Keller, fato fundamental para a Psicologia no Brasil [...].

Carolina contribuiu para a expansão da Análise do Comportamento no Brasil. Segundo Kerbauy (2004), ela enfatizou o estudo a respeito do ensino programado individualizado (PSI). Segundo Nale (1998):

Carolina queria enfatizar que um objetivo deve representar uma classe de comportamentos que faça sentido na vida da pessoa, seja como profissional, seja como cidadão, e não um desempenho isolado, que os alunos emitem apenas em situa-ções típicas de ensino-aprendizagem, na escola.

Vamos conhecer, neste capítulo, uma contribuição da Psicologia deno-minada atualmente de “programação de ensino”, que se originou sobretudo das contribuições de Carolina Bori, importante personagem da História da Psicologia no Brasil.

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Psicologia da Educação

Para conhecer mais acerca da contribuição de Carolina Bori não apenas relacionada a programação de ensino, mas sobretudo para a história da Psicologia no Brasil, sugerimos a leitura dos seguintes arti-gos que compõem um número da Revista Psicologia USP, de 1998, que tratam de contribuições e relatos da relação dos autores com a pesquisadora.

AB’SABER, A. N. Carolina Bori: a essência de um perfi l. Revista Psicologia USP, São Paulo, v. 9, n. 1, 1998.

KERBAUY, R. R. A presença de Carolina Martuscelli Bori na psicologia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cogni-tiva, São Paulo, v. 6, n. 2, dez. 2004.

GUEDES, M. do C. Carolina Bori: retratos. Revista Psicologia USP, v. 9, n. 1, p. 225-236, 1998.

MAGALHÃES, L. E. de. Carolina Bori. Revista Psicologia USP, São Paulo, v. 9, n. 1, 1998.

MORAES, G S. Carolina Bori, presença no Nordeste. Revista Psicologia USP, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 113-116, 1998.

NALE, N. Programação de ensino no Brasil: o papel de Carolina Bori. Revista Psicologia USP, São Paulo, v. 9, n. 1, 1998

5.2 O papel do conhecimento em educação No primeiro capítulo, estudamos brevemente o que caracteriza a educa-

ção para alguns autores. Paulo Freire (1996) a considera uma forma de inter-vir no mundo, uma ideia que se opõe à de “transmissão de conhecimento”. Outros autores, como Postman e Weingartner (1974) indicaram a educação como uma maneira de aperfeiçoar o ambiente no qual vivemos. Estes auto-res denunciaram, já na década de 1970, que a sociedade apresenta diversos problemas que comprometem a sobrevivência da espécie humana. Eles citam criminalidade, doenças mentais, delinquência entre adolescentes de classes

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

abastadas, fraudes em grandes empresas, suicídio, violência e muitos outros problemas nunca antes vimos até esse período. Podemos acrescentar precon-ceito, corrupção, guerras e outros problemas que parecem crescer em nossa sociedade. A maneira pela qual podemos intervir na sociedade para mudar essa condição é a educação.

No mesmo sentido da contribuição de Paulo Freire (1996) e Postman e Weingartner (1974), Botomé (1981) complementa tais ideias ao caracterizar como papel da educação a capacitação de pessoas para viverem melhor, pro-duzir benefícios sociais e intervir no mundo de modo a atender as necessida-des da sociedade.

De acordo com Sossai (1977), a escolha acerca daquilo que se pretende com a educação é algo que sempre foi de interesse de responsáveis pela orien-tação de outras pessoas. Por isso, os objetivos educacionais tiveram diferen-tes papeis dependendo do contexto em que foram elaborados. A educação medieval, segundo Sossai (1977), era voltada aos valores humanistas e de ordem filosófica e religiosa. O sistema educacional sofreu diversas modifi-cações, e, sobretudo por conta das características de uma nova sociedade, agora industrializada, a educação passa a ser direcionada para o “mundo das máquinas”. Apesar disso, ainda há a necessidade de discutir o qual é o papel da educação em uma sociedade industrializada, mas também com muitos problemas, como denunciaram Postman e Weingartner (1974).

Independentemente das características da sociedade e do contexto em que o ensino é planejado, há um ponto de partida para definir aquilo que será ensinado. Quem decide o que é ensinado tem certas concepções sobre o que é importante como objetivo de ensino. Mas qual o ponto de partida que ajuda a garantir aquilo que Kubo e Botomé (2001) indicam como consensual no ensino: a educação deve capacitar as pessoas a agirem de maneira que, a partir daquilo que elas fazem, sejam produzidas como resultado consequências sig-nificativas para a sociedade e para elas mesmas?

Para que as pessoas sejam capazes de intervir de modo a produzir tais resultados, certas características precisam ser um orientador no processo de ensinar. De acordo com Botomé (1981), para que um ensino seja voltado à capacitação de aprendizes para intervir nas diferentes situações do cotidiano, três características fundamentais precisam ser consideradas:

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Psicologia da Educação

2 O que é necessário produzir como resultado das ações dos apren-dizes quando estes estiverem “formados” (ou seja, fora do contexto de ensino).

2 Aspectos da realidade com os quais os aprendizes lidarão quando estiverem “formados”.

2 Ações que precisam ser apresentadas para lidar com os aspectos da realidade com os quais os alunos precisarão lidar após “formados” de forma a produzir resultados signifi cativos para a sociedade e para si próprios.

É relevante destacarmos que nem todo benefício produzido é de uso direto, imediato ou mecânico na sociedade. Um exemplo disso é a produção de conhecimento científi co, que em algumas situações é uti-lizado para orientar intervenções práticas na sociedade décadas depois.

Capacitar as pessoas para intervirem em aspectos da realidade de modo a produzir benefícios para ela e para as outras pessoas, como vimos, é um importante papel da educação. Mas qual o papel do conhecimento em tal capacitação? Botomé (1981) examina que o conhecimento constitui matéria--prima para viabilizar novas formas de intervir em aspectos da sociedade, mas, para isso, é preciso capacidade de transformar esse conhecimento em com-portamentos signifi cativos para realizar as modifi cações sociais de valor, de interesse ou necessárias à melhoria das condições existentes na vida humana.

Uma vez que o conhecimento produzido é matéria-prima para a defi -nição de comportamentos a serem desenvolvidos pelas pessoas, ele não pode ser um fi m em si mesmo em educação. Ao encontrarmos no dicionário a defi nição de aprender como “tomar conhecimento de”, como vimos no capítulo 4, estamos fazendo referência a um “aprender” que signifi ca repetir conhecimento. O papel do conhecimento é mais do que aumentar a clareza das pessoas acerca dos aspectos ou fenômenos do meio, é possibilitar que elas venham a intervir em tais aspectos da melhor maneira de acordo com o conhecimento produzido.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

Há um grande risco em considerar o conhecimento ou a informação como fim em si mesmos na educação. A concepção “bancária” da educação é denunciada por Freire (1979), ao este examinar as relações entre educador e educandos. Segundo o autor, tal concepção consiste em um processo em que os educadores “depositam conteúdos” nos educandos, como se estes fossem “vasilhas”, sendo tarefa do educador enchê-las de tais “conteúdos”. Os “con-teúdos”, por sua vez, ao serem apresentados aos alunos, são, na maioria das vezes, desconectados do contexto do qual fazem parte. Por exemplo, quando se considera que estudantes do nível básico de ensino precisam aprender os nomes das revoluções que ocorreram no Brasil em determinado período his-tórico ou que os alunos de Ciências precisam decorar os nomes de plantas ou animais, estamos ensinando quais comportamentos a esses alunos?

Esse tipo de ensino, que enfatiza a “transmissão ou repasse de conhe-cimento”, dificilmente garantirá que o estudante seja capaz de intervir em aspectos da sociedade, produzindo benefícios para si mesmo e para as pessoas em geral. Na figura a seguir, há uma representação do ensino, que tem como ponto de partida o conteúdo ou as informações existentes. Os processos apre-sentados pelo professor consistem em decidir quais conteúdos serão ensinados e quais procedimentos serão utilizados para “transmitir” tal conhecimento. A figura 1, a seguir, pode ajudar também a ilustrar a concepção “bancária” de educação, denunciada por Paulo Freire (1979).

Figura 1: Etapas básicas (esquematicamente) dos comportamentos usualmente apresentados ao se planejar e realizar o ensino em escolas.

O que é considerado ou decididoEtapas

Ponto de partida

Decisão

Decisão

Resultado

“Conteúdo” existente e conhecido

O que precisa ser ensinado

Procedimentos para “transmitir o conteúdo”

PROFISSIONAL “FORMADO”

Fonte: KUBO; BOTOMÉ, 2001, p. 15.

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Psicologia da Educação

De acordo com Kubo e Botomé (2001), o esquema representado na figura 1 corresponde aos comportamentos mais usuais apresentados pelos educadores ao planejar e realizar ensino. Em algumas situações, os objetivos de ensino são formulados de forma a propor um verbo e um complemento correspondente ao conteúdo a ser abordado. Quando isso é feito, Ribes (1976 apud KUBO; BOTOMÉ, 2001) denomina que ocorre o que é chamado de “comportamen-talizar informações existentes nos livros”, pois são meramente alocadas infor-mações consideradas como “conhecimento” sob a forma de ações observáveis.

O conhecimento é matéria-prima a partir da qual são derivados com-portamentos a serem desenvolvidos pelos aprendizes. Na figura 2, adiante, é apresentada uma sequência de comportamentos a serem realizados pelo professor ou pela pessoa nesse papel, cujo aspecto orientador do ensino são comportamentos a serem apresentados pelos aprendizes em seu cotidiano ou ambiente profissional (nesse caso, não serão mais aprendizes).

A figura 2 representa uma alternativa oposta à apresentada na figura 1, na qual o ponto de partida do ensino são os conteúdos ou as informações acerca de um fenômeno. Em uma concepção de ensino orientada pelo desenvolvi-mento de comportamentos significativos para o aprendiz e para a sociedade, o ponto de partida são as necessidades sociais relacionadas ao objetivo da aula. Segundo Kubo e Botomé (2001), o professor pode fazer a pergunta: “O que o profissional deve estar apto a fazer para...?”, de modo a orientar a proposição de objetivos de ensino, considerando que o complemento da pergunta são as próprias necessidades identificadas pelo professor. O “profissional” citado na pergunta também se refere à pessoa em seu cotidiano. Se falarmos no nível básico de ensino, o professor identifica o que precisa ser ensinado para que o aluno, em seu cotidiano, seja capaz de lidar com os diferentes aspectos que constituem suas necessidades.

Após descobrir aquilo que as pessoas precisarão fazer (ações) para lidar com as necessidades sociais (situações antecedentes) a fim de produzir bene-fícios para elas mesmas e para outras pessoas, é preciso identificar aquilo que será necessário ensinar ao aluno para que ele seja capaz de desenvolver tais comportamentos. Por exemplo, se identificamos que, para avaliar as informa-ções de textos de jornais e revistas, o estudante necessita ser capaz de interpre-tar informações, o professor terá de ensinar esses dois comportamentos: “ava-liar as informações de textos de jornais e revistas” e “interpretar informações”.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

Quais recursos temos disponíveis para nos ajudar a realizar os comporta-mentos identificados como objetivos de ensino? O conhecimento produzido acerca de diferentes fenômenos é matéria-prima para o desenvolvimento de comportamentos a serem apresentados em nosso ambiente cotidiano e pro-fissional. Por exemplo, o professor que irá ensinar seus alunos a interpretar informações consultará aquilo já se conhece a respeito desse processo, assim como identificará também o que já foi produzido sobre o processo de avaliar informações de textos de jornais e revistas. Da mesma maneira, um professor de Engenharia Química poderá identificar necessidades sociais relacionadas à tal área de atuação e utilizar o conhecimento produzido para propor novos comportamentos a serem desenvolvidos pelos seus alunos.

Figura 2: Caracterização de uma sequência de comportamentos de professores para caracterizar uma sequência (geral) de ações ao planejar e realizar ensino.

O que é considerado ou decididoEtapas

Ponto de partida

Decisão

Decisão

Decisão

Resultado

O que a comunidade necessita?

O que o pro�ssinal deve estarapto a fazer para...

O que é necessário ensinar para o alunoser capaz de fazer...

Quais:- Informações existentes?- Informações produzir?

- Outras condições?

Pro�ssional “Formado”

Fonte: KUBO; BOTOMÉ, 2001, p. 15.

Como vimos, a educação é caracterizada por Freire (1996) como uma forma de intervir no mundo, uma ideia que se opõe à educação como “trans-missão de conhecimento”. O papel da educação, segundo Botomé (1981), é capacitar as pessoas a viverem melhor, produzindo benefícios sociais e inter-vindo no mundo de modo a atender as necessidades da sociedade. Para que

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Psicologia da Educação

tal capacitação seja realizada, uma alternativa é utilizar o conhecimento não como um fim em si mesmo, mas como matéria-prima para o desenvolvi-mento de comportamentos significativos para as pessoas.

5.3 A contribuição da Análise do Comportamento em relação ao conceito de objetivos de ensino

Quando Carolina Bori questionou Nivaldo Nale, conforme a trans-crição apresentada na introdução deste capítulo (NALE, 1998), acerca dos comportamentos que ele gostaria de ensinar aos seus alunos, Carolina des-tacava que conteúdos não são objetivos de ensino. Como vimos, conteúdos são informações que devem ser matéria-prima para o desenvolvimento de comportamentos significativos, os quais precisam ser constituídos por conse-quências benéficas para as pessoas.

O conhecimento de Biologia para estudantes de Psicologia, conforme Nale (1998) destaca que tinha interesse em ensinar, pode ser muito relevante para o desenvolvimento de comportamentos de intervenção de psicólogos, pois auxiliam a identificar os limites e as possibilidades de atuação em deter-minadas situações, por exemplo. Mas esses conteúdos não são objetivos de ensino. Como caracterizamos um objetivo de ensino? Carolina Bori sugeriu a Nivaldo Nale que este ensinasse a seus alunos de Psicologia comportamentos típicos de um cientista. Já temos aí uma dica do que são objetivos de ensino. São comportamentos!

Para entendermos melhor o que são objetivos de ensino, vamos relem-brar o que constitui o processo de ensinar, conforme vimos no capítulo 4.

No quadro, a seguir, constam as características dos componentes do comportamento de ensinar os objetivos de ensino. Na primeira coluna estão descritas as situações com as quais o professor lida ao planejar ensino. Entre as ações apresentadas pelo professor, está a de “propor os comportamentos signi-ficativos que deverão constituir os objetivos de ensino” (em destaque). Entre as decorrências, há o aprendiz capaz de apresentar comportamentos que pro-duzam como consequência solução de situações-problema da comunidade.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

Quadro 1: Componentes do comportamento “ensinar”, com características desses componentes e partes da sequência de ações que um professor precisa

apresentar para “desenvolver ensino-aprendizagem.

Características da situação antecedente

Características das ações do organismo

Características dos produ-tos ou dos resultados das

ações do organismo

– situação-problema para o organismo ou para a socie-dade com a qual o orga-nismo se relaciona

– características gerais do organismo: físicas, reper-tório, interesses etc.

– recursos disponíveis para o organismo lidar com a situação-problema

– prejuízos ou sofrimento resultantes da situação--problema e do desempe-nho do organismo diante da situação-problema

– (...)

– recursos de ensino exis-tentes: materiais, tempo, técnicas, ambientes etc.

– (...)

– descrever as situa-ções-problema existen-tes nos ambientes nos quais o aprendiz vai atuar

– (...)

– propor os comporta-mentos significativos que deverão constituir os objetivos de ensino

– explicitar as aprendi-zagens necessárias para a consecução dos com-portamentos-objetivos

– (...)

– dispor as condições e os meios de ensino para desenvolver a aprendi-zagem dos comporta-mentos-objetivos

– (...)

– “aprendiz” apto a apresentar condutas para a solução das situa-ções-problema da comunidade

– situações-problema da comuni-dade resolvidas ou atenuadas

– diminuição do montante de pro-blemas sociais

– alta probabilidade de o aprendiz voltar a apresentar comportamen-tos iguais ou semelhantes perante situações equivalentes ou simila-res

– satisfação e autoconfiança (do “aprendiz”)

– melhoria na qualidade das inte-rações sociais na comunidade

– (...)

– novos comportamentos (obje-tivos) com alta probabilidade de generalização

– (...)

Fonte: KUBO; BOTOMÉ, 2001, p. 19.

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Psicologia da Educação

Objetivos de ensino são comportamentos, por isso, devem ser propostos de modo a se referirem a:

2 aquilo que uma pessoa faz (ação);

2 as características do meio ou situação com os quais uma pessoa lida;

2 o que precisa ser produzido por meio daquilo que a pessoa faz.

Tais objetivos também são denominados, na concepção que estamos estudando, como “comportamentos-objetivos”.

De acordo com Botomé (1981), objetivos de ensino fazem alusão àquilo que uma pessoa faz fora do âmbito de ensino, ou seja, em seu ambiente coti-diano e profissional. Mas, além dessa característica fundamental, que já vimos ao estudarmos o papel do conhecimento em educação, há outras característi-cas a serem consideradas para que um objetivo seja formulado de maneira a aumentar a chance de que a aprendizagem seja significativa. Vamos ver quais são essas características?

Um aspecto a ser considerado é o grau de clareza do verbo utilizado para referir-se ao comportamento-objetivo. Verbos como “perceber” e “enten-der” podem fazer alusão a processos importantes, mas são pouco claros para ajudar o professor a verificar a aprendizagem do aluno. O que caracteriza o “perceber algo”? A resposta a tal pergunta, que constitui a consequência a ser produzida, não é consensual; portanto, é indicado que o professor use outros verbos para referir-se a processos semelhantes, como “identificar”, “caracteri-zar”, “avaliar”, entre outros, dependendo do que precisa ser produzido como resultado da ação que o aluno apresenta.

Botomé (1981) examina algumas características que, nessa concepção de objetivo de ensino, constituem equívocos. Uma delas já conhecemos: propor objetivos em forma de itens de conteúdo. O conteúdo é matéria-prima para o desenvolvimento de comportamentos, e não um objetivo de ensino. Ainda assim, “objetivos” formulados como “Revolução Francesa”, “animais inverte-brados”, “equações de primeiro grau” etc. são ainda muitas vezes propostos como se fossem objetivos de ensino.

Outra característica destacada por Botomé (1981) que constitui um engano em objetivos de ensino é concebê-los na forma de intenções de

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

professores. Por exemplo, “levar o aluno a conhecer as diferentes formas de sociedades” é uma frase que expressa aquilo que um professor pretende, e não o que o estudante fará fora do âmbito de ensino. Outro exemplo de “objetivo” proposto de maneira equivocada, ainda relacionado ao que faz o professor, é em forma de atividades de professores. “Apresentar conceitos” e “expor os principais aspectos” são exemplos de atividades de professores que não cons-tituem objetivos de ensino.

Há ainda o engano indicado por Botomé (1981) ao descrever as carac-terísticas de um objetivo de ensino que se refere à descrição de ações (respos-tas) dos alunos como se fossem o objetivo. Assim como descrever as ações dos aprendizes fora do contexto escolar também constitui um equívoco em relação à formulação de objetivos de ensino. As ações que os aprendizes deverão apresentar em seu contexto cotidiano são apenas parte do comporta-mento-objetivo. É preciso incluir as características das situações com as quais o aprendiz irá lidar e também aquilo que deverá ser produzido (modificado) no ambiente em que a ação é apresentada. Descrever apenas a ação do apren-diz não garante que ele seja capaz de lidar com as situações-problema com as quais se defronta.

Ainda outro equívoco apresentado em objetivos de ensino, conforme Botomé (1981), que diz respeito à formulação de atividades de ensino como se fossem objetivos de ensino. Tais atividades são um meio para ensinar com-portamentos propostos como objetivos de ensino. Um exemplo de atividade de ensino é “discutir acerca de ”. Em geral, aquilo que é importante como comportamento-objetivo não é a discussão em si, mas o que é produzido a partir dela, tal como “argumentar”, “aumentar a clareza acerca de”, entre outros. As atividades de ensino são construídas pelo professor como um meio para que os aprendizes desenvolvam os comportamentos propostos como objetivos de ensino e não podem ser confundidas com o próprio objetivo, sob o risco de ensinarmos comportamentos relevantes em sala de aula, mas não aquilo que é preciso aprender para lidar com os aspectos da sociedade de modo a produzir benefícios.

Propor objetivos de ensino de maneira clara pode ter decorrências fun-damentais no processo de ensino-aprendizagem. Dalis (1970 apud SOSSAI, 1977) realizou uma pesquisa na qual avaliou o quanto a precisão dos objeti-

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Psicologia da Educação

vos de ensino interferem na aprendizagem dos aprendizes. Em tal pesquisa, os participantes foram divididos em três grupos. Em um deles os objetivos de ensino foram propostos de forma precisa e explicitados aos alunos. Em outro, elaborados de maneira vaga e também explicitados aos estudantes. No terceiro grupo, os objetivos de ensino não foram apresentados aos aprendizes. A partir desse estudo, o pesquisador contatou que a aprendizagem foi mais eficaz no grupo para o qual os objetivos de ensino foram apresentados e que não houve diferença significativa entre os grupos para os quais os objetivos de ensino apresentados eram vagos e aqueles que para os quais não foram apresentados objetivos de ensino.

A clareza acerca daquilo que caracteriza um objetivo de ensino é um passo importante para quem programa ensino, pois a maneira como é pro-posto aquilo que será ensinado pode aumentar muito a qualidade do processo de ensinar. Quando não se sabe o que é necessário produzir como resultado do ensino, a educação corre o risco de não cumprir o seu papel.

Antes de estudarmos quais os processos a serem apresentados pela pessoa que programa ensino, vamos ver mais alguns conceitos que podem ajudar nessa tarefa.

5.4 Competência, aptidão, habilidade: graus da capacidade de atuar

Em diversos lugares e contextos, ouvimos termos como “competência”, “habilidade”, “aptidão” ou “atitude” para referir-se àquilo que as pessoas pre-cisam aprender. Em empresas, é comum o uso dessas nomenclaturas, e a sigla CHA (conhecimento, habilidades e atitudes) corresponde ao que é denomi-nado de “competência”. Em Educação, por sua vez, encontramos por exem-plo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Ensino Fundamen-tal e Médio, os termos “competências” e “habilidades” para fazer referência àquilo que os alunos precisam aprender em cada disciplina.

Ao falarmos em programação de ensino, estamos usando o termo com-portamento-objetivo (ou objetivo de ensino) para fazer alusão àquilo que os estudantes aprendem por meio de ensino ou intervenção de outra pessoa. Por que não são usados em geral os termos “habilidades” e “competências”, tal

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

como apresentados em documentos como os PCNs? Na verdade, esses termos são usados, mas não no mesmo sentido que acabamos de conhecer.

Uma pessoa, ao aprender certos comportamentos, pode apresentá-los com diferentes graus de perfeição ou desempenho. Por exemplo: uma criança que ainda não é capaz de ter o comportamento de escrever de forma a pro-duzir uma letra legível apresenta o comportamento de escrever, embora com grau de perfeição diferente do comportamento de escrever que ela precisará exibir (com letra legível). Os termos “habilidade”, “competência” e “aptidão” fazem referência a alguns desses graus de perfeição de comportamentos.

Botomé e Kubo (2002) apresentam cinco graus de perfeição ou refina-mento de cada comportamento que constitui a capacidade de qualquer pes-soa para atuar na sociedade, seja como profissional, seja no cotidiano. O pri-meiro grau é “informação” ou “conhecimento”, o menos refinado em relação ao grau de perfeição de um comportamento. Como vimos, apenas o acesso ao conhecimento não garante que as pessoas aprendam a intervir em aspectos da realidade na qual estão inseridas. Em uma aula em que o professor apresenta a interpretação de um texto (o conhecimento apenas), o aluno provavelmente aprenderá a repetir tal informação. O mesmo acorre com aprendizes de uma aula de História cujo professor apenas expõe diversas características de fatos e processos históricos.

O segundo grau de perfeição da capacidade de atuar, segundo Botomé e Kubo (2002), é denominado “aptidão”. Quando dizemos que alguém é apto em certo comportamento, quer dizer que essa pessoa é capaz de apresentá-lo, embora com um grau de perfeição inferior ao grau “competência”. Por sua vez, “habilidade” se refere a um grau mais perfeito do que “competência”, embora ainda não seja o grau mais sofisticado de capacidade de atuar de alguém em relação a determinado comportamento. Tal grau é denominado “perícia”, e, quando falamos que alguém é perito em algo, queremos dizer que é capaz de apresentar certo comportamento com alto grau de perfeição.

Os cinco graus da capacidade de atuar representam o processo de trans-formar as informações em comportamentos e indicam o grau de refinamento com que uma pessoa pode modificar o meio no qual se encontra de acordo com as necessidades deste, produzindo, como decorrência, um novo ambiente. Existem aspectos principais envolvidos nessa transformação, na organização

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Psicologia da Educação

do que é preciso para ensinar aos aprendizes de um curso ou disciplina a fim de que eles sejam capazes de intervir em aspectos da realidade ao término de sua formação (ou da disciplina que cursaram). O primeiro aspecto diz respeito ao conteúdo (informação ou conhecimento) a ser transformado em capacidade de atuar. O segundo se refere ao tempo disponível para ensinar aos alunos tais comportamentos; e o terceiro aspecto consiste nos diferentes graus de perfei-ção dos comportamentos apresentados pelos aprendizes após a intervenção do professor. Na figura 3, a seguir, são representados esses três aspectos.

Figura 3: Representação gráfica dos três aspectos a serem considerados para organizar o que ensinar a um aluno de um curso e dos cinco graus do processo

de transformar as informações em capacidade de atuar na sociedade.

Capacidade de Atuar

Tempo

“Grade Curricular”

Transformarconhecimentoem capacidadede atuar

Perícia

Habilidade

Competência

Aptidão

Informação ASSUNTOS(”CONTEÚDOS”)

Fonte: BOTOMÉ; KUBO, 2002, p. 8.

Os termos “habilidade”, “competência” e “aptidão”, nesse sentido, fazem referência a três dos cinco principais graus de perfeição da capacidade de atuar de uma pessoa. O uso desses termos, para referir-se ao grau de perfeição dos comportamentos-objetivos que os estudantes apresentam, pode ser uma contribuição no sentido de aumentar a linguagem para denominar o mesmo comportamento, apresentados de maneira diferente (por exemplo, perito em escrever texto dissertativo ou apto a escrever um texto dissertativo). Isso não significa que, ao programar ensino, o professor tenha como exigência que os alunos desenvolvam os comportamentos-objetivos propostos no mais alto

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

grau de perfeição (perícia). Mas estabelecer um grau mínimo de perfeição dos comportamentos a serem desenvolvidos pode fazer valer o papel da educação: intervir nos aspectos da realidade de modo a produzir benefícios para si e para outras pessoas.

5.5 Cinco princípios básicos da programação de ensino

Ao planejar e executar ensino, o professor (ou alguém nesse papel) pre-cisa considerar alguns princípios básicos que são fundamentais:

2 Pequenos passos

2 Ritmo individual

2 Resposta ativa

2 Feedback imediato

2 Avaliação do procedimento de ensino

Princípio dos pequenos passos

Ao programar ensino, vimos que uma das etapas apresentadas pelo pro-fessor consiste em propor atividades de ensino para desenvolver os compor-tamentos-objetivos intermediários selecionados após análise de comporta-mentos. Ao aplicar tais atividades, o professor solicita a apresentação de um desses comportamentos-objetivos, em relação ao qual podem ser atribuídos diversos valores, que constituem o desempenho do aprendiz na atividade construída. Se o desempenho for próximo daquele que o professor considera como comportamento desenvolvido, outro comportamento pode ser ensi-nado. Esse comportamento-objetivo precisa ser o mais próximo possível do comportamento-objetivo anterior, que o aluno acabou de apresentar. Essa é a característica do princípio dos pequenos passos.

Vamos imaginar que um professor de Educação Física, ao ensinar seus alunos a jogar futebol, elaborou uma atividade de ensino na qual eles tenham de ficar em posições fixas e chutar a bola para outro colega que também está parado. O estudante que recebe a bola precisa pará-la com o pé antes de

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Psicologia da Educação

chutá-la para outro colega. Essa é uma atividade de ensino elaborada pelo pro-fessor para desenvolver em seus alunos o comportamento de segurar a bola com os pés. Durante o jogo de futebol, é pouco provável que os jogadores estejam parados ao receber a bola de outro jogador. Mas, para ensinar esse comporta-mento, os estudantes já precisam ser capazes de parar a bola com os pés. Ensinar os alunos a “parar a bola quando estão em movimento” é ensinar um comporta-mento mais sofisticado do que “parar a bola quando estão parados”.

O princípio dos pequenos passos é fundamental para que o estudante apresente a menor quantidade de erros possíveis, já que o erro pode trazer consequências pouco produtivas ao processo de aprendizagem. O erro pode ocorrer, mas em situação que o aprendiz ainda se mantenha engajado para aprender. O professor solicita a apresentação de um comportamento apenas quando o mais próximo deste já foi desenvolvido.

Princípio do ritmo individual

Outra característica a ser considerada pela pessoa que programa ensino é denominada princípio do ritmo individual. Cada aprendiz possui um ritmo de aprendizagem diferente do outro, ainda que possamos ter uma “média” de ritmo em uma turma de alunos, por exemplo. Nessa média, há pessoas que apresentam um ritmo mais rápido e outras mais lento de aprendizagem. Por isso, o ritmo de aprendizagem de cada um precisa ser observado e levado em conta se quisermos garantir que os aprendizes desenvolvam os comportamen-tos-objetivos propostos.

Se por, exemplo, os alunos levam mais tempo para ler um texto do que o professor tinha planejado para aplicar tal atividade, é preciso que a progra-mação da aplicação de atividades de ensino seja reavaliada. É melhor garantir a aprendizagem de menos comportamentos-objetivos que o proposto do que aplicar atividades que corresponderiam ao ensino de cada objetivo, mas os alunos não desenvolverem os comportamentos-objetivos com desempenho mínimo necessário para lidarem com as situações com as quais se deparam em sua vida fora da escola.

O princípio da resposta ativa está relacionado às características das ati-vidades de ensino propostas pelo professor. Quanto mais o aprendiz atuar nessas atividades, maior a chance de desenvolver o comportamento-objetivo

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

proposto. Por exemplo, um professor de Matemática propôs como objetivo de ensino que seu aluno solucione problemas de lógica. Caso opte por uma atividade na qual o estudante apenas observe o professor a solucionar proble-mas desse tipo, é pouco provável que o aluno desenvolva tal comportamento. As atividades que envolvem resposta ativa do estudante são mais eficazes para desenvolver os comportamentos propostos como objetivos a serem aprendi-dos por meio dela.

Do mesmo modo, dificilmente alguém aprende a dirigir apenas obser-vando os comportamentos de outra pessoa que compõem o dirigir desta. É preciso que o aprendiz se comporte, ou seja, apresente esses comportamentos. Ainda com base no comportamento de dirigir, as aulas chamadas de teóricas são importantes para, entre outros aspectos, que os alunos se comportem ao dirigir de acordo com as leis de trânsito e de modo a garantir a sua segurança, a de outros motoristas e a de pedestres. Mesmo uma aula com esse obje-tivo pode ser programada de forma que o aprendiz não fique apenas sentado ouvindo o professor, mas tenha comportamentos mais próximos daqueles que irá apresentar na realidade ao dirigir veículos.

Princípio do feedback imediato ou consequenciação imediata

No capítulo 4, estudamos as contingências de reforçamento. Uma delas é a extinção, você se lembra? Ela é caracterizada pelo enfraquecimento das rela-ções entre os componentes de um comportamento até que ele deixe de ser apre-sentado. Isso acontece quando as respostas não são mais consequenciadas. Por isso, é muito importante que os comportamentos do aprendiz (aqueles que são de interesse serem desenvolvidos, claro) sejam consequenciados pelo professor nas atividades de ensino. Esse é o princípio básico de programação de ensino, denominado princípio do feedback imediato ou consequenciação imediata. Ao aluno apresentar o comportamento-objetivo intermediário proposto pelo pro-fessor, este deve sinalizar ao estudante qual foi seu desempenho. Mesmo que o comportamento do aprendiz ainda não tenha atingido o grau de desempenho proposto pelo professor, é relevante que este indique uma consequência para o aluno, a fim de que esse comportamento não seja extinto. Inclusive, outros comportamentos que compõem o estímulo “solicitação do professor” podem ter as relações entre seus componentes enfraquecidas.

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A consequência a ser apresentada pelo professor à resposta do aprendiz precisa ser imediata. Por exemplo, se o professor aplica uma prova, é mais eficaz que ele a devolva corrigida rapidamente, para que o aluno avalie seu desempenho e possa retificá-lo. Indicar o mais imediatamente possível para o estudante como foi o desempenho do seu comportamento é um aspecto que aumenta a chance dele desenvolver o comportamento-objetivo. As consequ-ências apresentadas por alguém que ensina o comportamento do aprendiz são consequências artificiais. O que isso significa?

Ao ensinar alguém a dirigir, por exemplo, o instrutor pode indicar ao aluno que ele esqueceu de parar na esquina onde não tinha preferencial. Essa consequência ajuda o aluno a identificar aquilo que precisa aperfeiçoar em seu comportamento, mas é uma consequência artificial. Assim como no caso de o aluno ter parado na mesma esquina e o professor ter dito: “Muito bom, você parou na esquina”. Essas consequências são artificiais, pois não são pro-duzidas pela ação do organismo, ou seja, na ausência do professor, elas não ocorrem. Este não estará mais junto ao aprendiz quando este obtiver a car-teira de motorista. O aluno precisa aprender a ficar sob controle das consequ-ências naturais do comportamento de dirigir conforme as regras de trânsito. Consequências naturais são aquelas produzidas pela ação do organismo, por exemplo, um acidente de trânsito evitado.

São as consequências naturais que devem controlar o comportamento das pessoas. Por quê, então, um professor precisa apresentar feedback a seus alunos se eles devem aprender comportamentos orientados por consequ-ências naturais? O uso de feedback pelo professor ajuda o estudante a, por etapas, desenvolver o comportamento-objetivo. Esperar que um aprendiz de autoescola fique sob controle dos carros que possam vir de outra rua pode ser perigoso e desastroso em um processo de aprendizagem. É melhor iniciar processo de ensino utilizando consequências artificiais e ir substituindo-as aos poucos e por consequências naturais das ações que os aprendizes apresentam.

Princípio da avaliação do procedimento de ensino

O quinto princípio básico de programação de ensino se refere à avalia-ção do procedimento. Após aplicar as atividades de ensino e caracterizar o desempenho dos alunos, a pessoa que programa ensino pode avaliar o proce-dimento utilizado e verificar quais características desse procedimento (ou das

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atividades de ensino) podem não ter sido eficazes para garantir o desempe-nho mínimo estabelecido para seja considerado que o aprendiz desenvolveu o comportamento-objetivo. Quando o professor identifica características no procedimento empregado que podem ter dificultado a aprendizagem do estu-dante, pode aperfeiçoar o procedimento.

Os princípios “feedback imediato ou consequência imediata” e “avaliação de procedimento de ensino” são processos a serem apresentados pelo pro-fessor (ou por alguém nesse papel) ao programar ensino. Mas esses não são os únicos processos a serem apresentados por ele. No tópico a seguir, vamos conhecer e caracterizar aquilo que um professor precisa fazer para programar e executar a programação de ensino.

5.6 Processos apresentados pelo professor ao programar ensino

Ao programar ensino, o professor apresenta uma sequência de compor-tamentos que, em conjunto, aumentam a chance de o aluno obter sucesso, ou seja, aprender comportamentos significativos para lidar com diferentes aspectos do mundo no qual está inserido. Autores que produziram conheci-mento acerca desses processos (BOTOMÉ, 1981; MATOS, 2001; KIENEN, 2008) indicam duas etapas gerais que constituem aquilo que é chamado de programar ensino. Uma delas consiste na elaboração do programa de ensino; e a outra, na aplicação do programa de ensino.

A elaboração do programa de ensino é composta de, basicamente, oito etapas gerais:

2 Propor objetivo geral

A proposição do objetivo geral em um programa de ensino se refere à escolha do comportamento-objetivo a ser ensinado. É aquilo que o professor identificou como atuação do aluno a ser apresentada em seu cotidiano ou ambiente profissional e que, em geral, é abrangente. Por exemplo, ao pro-gramar o ensino do comportamento de dirigir um carro, vemos que envolve muitos outros comportamentos, como “ligar o carro”, “pisar na embreagem”, “identificar a função de cada comando do veículo”, “trocar as marchas” etc. O

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comportamento de dirigir requer todos esses e outros comportamentos, por isso dizemos que tal comportamento é mais abrangente que os outros.

O comportamento-objetivo, por ser abrangente, precisa ser ensinado em etapas. Essas etapas constituem os comportamentos-objetivos intermediários. A identificação destes consiste em outra etapa a ser apresentada pelo professor ao elaborar um programa de ensino.

2 Decompor o objetivo geral em objetivos intermediários

Após ter proposto o objetivo geral, com base nos aspectos do ambiente com os quais o aprendiz irá lidar após formado, naquilo que precisa ser produ-zido por meio de suas ações e nas ações que o aluno terá de apresentar, a pessoa que programa ensino precisará identificar quais comportamentos intermedi-ários compõem o comportamento-objetivo geral. Por exemplo, uma criança que precisa aprender a organizar o local onde ela brinca, necessita aprender comportamentos intermediários que compõem tal objetivo, como identificar o lugar onde cada brinquedo precisa ser guardado, alocar os brinquedos em suas embalagens, colocar os brinquedos nos seus seus respectivos locais etc.

A identificação de comportamentos-objetivos intermediários é chamada de decomposição de comportamento-objetivo geral em objetivos intermediá-rios. Tal etapa é importante já que o objetivo geral de ensino (comportamento--objetivo geral) costuma ser abrangente e precisa ser ensinado por partes. Por exemplo, ao ensinar alguém a costurar uma roupa, é preciso ensinar os com-portamentos intermediários que compõem o costurar, ou seja, segurar a roupa, avaliar qual o melhor tipo de costura a ser utilizada, escolher a cor da linha, enfiar a linha na agulha e assim por diante. Quando o aprendiz é capaz de apre-sentar os comportamentos intermediários, ele é capaz de costurar uma roupa.

Os comportamentos intermediários podem ter entre eles uma relação de cadeia comportamental. Tal relação está ligada à sequência em que os comportamentos são apresentados. Por exemplo, ao costurar uma roupa, é preciso primeiro escolher a cor da linha, para depois enfiar a linha na agulha. Esses dois comportamentos estão em uma relação de cadeia comportamental.

Outro exemplo pode ser observado no comportamento de dirigir um carro manual. Primeiramente, é preciso abrir a porta do veículo, depois sen-tar-se no lugar do motorista, ligar o carro, pisar na embreagem, posicionar a

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primeira marcha. Esses comportamentos estão em cadeia comportamental, pois precisam ser apresentados em uma sequência específica, na qual cada comportamento produz como consequência uma condição que viabiliza a apresentação do outro comportamento.

Outro aspecto que a pessoa que programa ensino precisa considerar são os comportamentos pré-requisitos para o desenvolvimento dos comporta-mentos-objetivos propostos. Que comportamentos são esses?

Vamos imaginar que uma criança pequena ganhe de presente da tia um brinquedo em que umas das tarefas é descobrir qual banana é madura e qual é verde. Se essa criança ainda não é capaz de distinguir as cores, ela não desen-volveu um comportamento pré-requisito para descobrir qual banana é verde e qual é madura.

Outro exemplo podemos observar em aulas de Matemática, que já comentamos. Um aluno que está desenvolvendo o comportamento de resol-ver equações de primeiro grau precisa ser capaz de resolver as quatro opera-ções básicas – adição, subtração, multiplicação e divisão. Esses são comporta-mentos são pré-requisitos para que o comportamento de resolver equações de primeiro grau seja apresentado.

Em aulas de História, podemos pedir a um estudante que escreva um texto relacionando às características de um período histórico específico, a par-tir da interpretação de uma fonte histórica que ele mesmo irá escolher. Caso esse aluno não saiba quais as características de uma fonte histórica, não será capaz de utilizá-la como fonte de informação para escrever seu texto, pois provavelmente não conseguirá encontrá-la.

De que maneira um professor descobre quais são os comportamentos pré-requisitos para o desenvolvimento do comportamento-objetivo proposto? Botomé (1997) sugere que o professor faça a pergunta “O que o aprendiz precisa ser capaz de fazer para realizar esse comportamento?”. A resposta a essa pergunta consiste em um comportamento pré-requisito. Tal compor-tamento pode ser algo que o aprendiz já é capaz de fazer ou não. Se não for, a pessoa que programa ensino utiliza mais uma vez a mesma pergunta, para descobrir que comportamento é pré-requisito deste. Por exemplo, uma professora está ensinando seus alunos a caracterizarem a vegetação de deter-minada região geográfica. Para isso, eles precisam ser capazes de, entre outros

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Psicologia da Educação

comportamentos, “distinguir diferentes tipos de vegetação”. Caso os estudan-tes já apresentem tal comportamento, a professora pode começar o ensino pelo comportamento “caracterizar a vegetação de determinada região”.

Para que o ensino seja efi ciente e efi caz, cabe ao professor construir ativi-dades que viabilizem o desenvolvimento tanto de comportamentos que estão em cadeia como comportamentos pré-rrequisitos àqueles que são objetivos de ensino.

2 Analisar cada comportamento-objetivo intermediário

O que signifi ca “analisar comportamento”? Para que esse processo é importante? Para caracterizarmos esse processo, é necessário examinarmos o que os termos “análise” e “comportamento” signifi cam. “Analisar” é um verbo que faz referência à separação de algo em partes. Em Química, falamos em análise de substâncias. Por exemplo, estudamos que o sal de cozinha é com-posto de uma substância formada pela síntese de dois elementos químicos, o sódio e o cloro. Ao realizarmos a análise da substância NaCℓ, os elementos são separados.

Como vimos anteriormente, o comportamento é caracterizado pela interação entre aquilo que um organismo faz (ação ou resposta), o ambiente em que o faz (situação antecedente ou estímulo antecedente) e aquilo que é produzido a partir desse fazer (situação consequente ou estímulo conse-quente). Ao elaborar um programa de ensino, o professor precisa reconhecer as características de cada um dos componentes que constituem os compor-tamentos intermediários que ele identifi cou ao decompor o objetivo geral.

Assim como as substâncias químicas não são simplesmente a soma de dois ou mais elementos, um comportamento também não corresponde à soma de seus componentes, mas à interação que esses componentes estabelem entre si.

Por que é importante analisar comportamentos intermediários ao pro-gramar ensino? Ao analisar comportamentos, a pessoa que programa ensino identifi ca as situações (aspectos do meio ou estímulos) com as quais seus aprendizes lidam, aquilo que precisa ser produzido como consequência para

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produzir benefícios ao próprio aluno e para as outras pessoas e que tipos de ações precisam ser apresentadas para produzir tais consequências.

A identificação das ações ou respostas a serem apresentadas pelo apren-diz é de grande importância para viabilizar à pessoa que programa ensino a avaliação do quanto cada aluno é capaz de apresentar tais respostas. Por exemplo, se o comportamento-objetivo proposto por um professor de Mate-mática é resolver equações de primeiro grau, a identificação de cada resposta a ser apresentada pelo estudante para resolver tal equação possibilita que o professor verifique qual dessas respostas o aluno já é capaz de apresentar e quais ainda precisa aprender.

A identificação da situação antecedente (aspectos da situação com os quais o aprendiz lida) é muito importante para que o aluno estabeleça a rela-ção entre a resposta que ele está aprendendo e a situação em que apresentá--la produzirá uma consequência gratificante. Usando o mesmo exemplo da equação de matemática, um estudante que aprende a resposta de resolvê-la, mas não estabelece a relação entre tal resposta e as situações nas quais usá-la, irá produzir a resolução de problemas com os quais lida no cotidiano, apren-der apenas uma mera atividade.

Outro relevante destaque referente ao processo de analisar comporta-mentos realizado pelo professor diz respeito à identificação de consequên-cias a serem produzidas relacionadas aos aspectos da situação com as quais o aprendiz lida em seu cotidiano e no âmbito profissional. Em primeiro lugar, essa identificação pode ampliar a clareza da pessoa que programa ensino em relação a outras respostas que produzem tais consequências.

Outro aspecto está ligado à clareza do aprendiz acerca daquilo que ele precisa estar sob controle ao apresentar tais respostas. Por exemplo, se um professor costuma apresentar consequências artificiais aos comportamentos de seus alunos de resolver equações matemáticas, mas não indica quais as con-sequências de resolver problemas em seu ambiente cotidiano ou profissional, é provável que o aluno fique apenas sob o controle da aprovação ou do elogio do professor. Identificar as consequências que constituem o comportamento--objetivo é um pré-requisito para ensinar o estudante a ficar sob controle das consequências naturais do comportamento-objetivo proposto.

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2 Selecionar comportamentos-objetivos intermediários a serem ensinados

É bem provável que sejam muitos os comportamentos-objetivos inter-mediários propostos e analisados pelo professor a partir da decomposição do comportamento-objetivo geral. Cabe a ele selecionais quais, entre os objeti-vos intermediários, são mais importantes a serem ensinados. Os critérios a serem usados pelo professor ao fazer tal seleção são vários: tempo disponível, necessidades sociais, relações com outros comportamentos importantes etc.

2 Dividir unidades de ensino

Após selecionar os comportamentos-objetivos intermediários a serem ensinados, o professor precisa organizar a maneira como serão ensinados. Ele pode agrupar comportamentos semelhantes e propor uma unidade de ensino, uma aula, por exemplo. Cada unidade é, em geral, proposta de modo que seja ensinado um comportamento-objetivo mais geral e aqueles intermediá-rios que o compõem. Se pensarmos em curso de culinária, por exemplo, em cada unidade de ensino pode ser ensinada a elaboração de um prato dife-rente (objetivo geral), cujos comportamentos-objetivos intermediários são, por exemplo, “separar os ingredientes”, “avaliar a qualidade dos ingredientes”, “misturar ingredientes” e assim por diante. Depois de dividir as unidades de ensino, poderão ser propostas as atividades para que os comportamentos intermediários e o objetivo geral sejam ensinados.

2 Propor atividades de ensino

Após ter dividido os comportamentos-objetivos geral e intermediários em unidades de ensino, o professor terá uma listagem dos comportamentos--objetivos que serão desenvolvidos nas diferentes unidades de ensino que irão constituir o programa. Mas como tais comportamentos-objetivos são desen-volvidos? Pela atividades de ensino que o professor propõe. Essas atividades consistem em condições oferecidas ao professor para que o aprendiz apresente as ações que constituem o comportamento-objetivo. Às vezes, uma simples pergunta é uma condição oferecida para que o aluno realize a ação. Mas há comportamentos-objetivos bem mais complexos que envolvem que o profes-sor proponha condições de ensino mais complexas e sofisticadas. A constru-ção de “estudos de caso” constitui um exemplo de condição de ensino que o professor pode oferecer.

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

É importante lembrar: as condições de ensino proporcionadas pelo pro-fessor precisam ser coerentes com o comportamento-objetivo a ser desenvol-vido. Essas atividades de ensino, ao serem propostas pelo professor, podem ser tanto identificadas por ele quanto construídas. O primeiro caso acontece quando é de conhecimento geral que certos tipos de atividades de ensino são eficientes para o desenvolvimento de alguns comportamentos-objetivos específicos. Mas nem sempre há alto grau de conhecimento a respeito disso, e, nessas ocasiões, cabe ao próprio professor construir condições de ensino a serem oferecidas e nas quais caberá ao aprendiz apresentar ações que consti-tuem o comportamento-objetivo a ser desenvolvido.

2 Propor um sistema de consequenciação de comportamentos

As atividades não são constituídas apenas pela condição oferecida pelo professor e na qual o aprendiz irá apresentar ações constituintes do com-portamento-objetivo. Além da condição antecedente à ação do aluno, uma atividade de ensino é também composta de aspectos relacionados às consequ-ências das ações a serem apresentadas pelos aprendizes. Essas consequências também envolvem uma decisão a ser feita pelo programador de ensino: qual consequência será apresentada ao comportamento do aluno?

Essa decisão é complexa porque envolve a natureza do comportamento--objetivo e as características das ocorrências dos comportamentos apresenta-dos pelos aprendizes, que nem sempre são previsíveis (e nem precisam ser). Em relação à natureza do comportamento-objetivo, há uma importante distinção relacionada ao aspecto temporal do que é produzido pela ação do aprendiz: a consequência de um comportamento pode ser produzida em curto, médio e longo prazos.

Se a consequência for produzida em curto prazo, isso talvez já seja sufi-ciente para desenvolver o comportamento-objetivo. Mas, se não for, cabe ao professor programar a apresentação de consequências que indiquem ao aprendiz se o desempenho que ele apresentou foi correto, e o quanto foi. Veremos mais acerca disso no tópico “Avaliação do desempenho de um apren-diz”. Por ora, vale destacar que outra importante consequência a ser exibida pelo professor consiste em destacar ao aluno o que ele conseguirá fazer com a apresentação de ocorrências do comportamento-objetivo em sua vida coti-diana, social e profissional.

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2 Avaliar o produto das etapas anteriores

Tendo proposto o sistema de consequenciação para os comportamen-tos a serem apresentados pelo aprendiz, a primeira grande etapa constituinte da programação de ensino é o planejamento do programa. Após essa etapa, vale a pena ao programador avaliar o “todo”, ou seja, o programa planejado. Há incoerências? Aspectos a serem reformulados? Há necessidade de algo ser complementado? Essa etapa é um cuidado adicional que cabe ao programa-dor realizar em relação à consistência do programa antes da aplicação do pro-grama de ensino.

A aplicação do programa de ensino consiste em cinco etapas gerais:

2 Avaliar do repertório de entrada dos aprendizes

No capítulo 4, estudamos que não há ensino se não ocorrer aprendi-zagem no aluno. Estamos considerando o conceito de aprendizagem como a apresentação de um comportamento novo, que até o momento não fazia parte do repertório do aprendiz. Isso signifi ca que, se o professor propor como objetivo de ensino um comportamento que os alunos já são capazes de apresentar, não podemos dizer que aprenderam.

Apresentar um novo comportamento envolve também o aper-feiçoamento de algum comportamento que o aprendiz já possui. Um aluno que está aprendendo a escrever as letras do alfabeto, por exem-plo, e escreve as letras de forma mais “perfeita” que antes também apresenta um novo comportamento. E, consequentemente, podemos dizer que esse aluno aprendeu.

Ao planejar ensino, o professor precisa descobrir quais comportamen-tos-objetivos intermediários (em relação ao objetivo-geral) o aprendiz já é capaz de apresentar. Para isso, é necessário caracterizar o repertório compor-tamental do aprendiz. Não há uma regra a qual o professor precisa seguir para realizar tal caracterização, principalmente devido às diferenças entre os possíveis comportamentos a serem ensinados.

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Por exemplo, não é indicado que um pai, ao ensinar um filho a andar de bicicleta, diga a ele que comece a andar para verificar se consegue apresentar esse comportamento, pois isso poderia causar danos ao filho que ainda não aprendeu (pode se machucar, sentir medo etc). Mas é interessante que um professor de Português faça um ditado a seus alunos para avaliar que tipos de palavras eles têm dificuldade de escrever antes selecionar os objetivos de ensino propostos relacionados à escrita de novas palavras. Dependendo das características dos comportamentos a serem ensinados, o professor (ou pes-soa nesse papel) planeja a maneira mais adequada de avaliar o repertório de entrada dos aprendizes.

Um dos aspectos que constituem a situação antecedente que compõe o comportamento de ensinar são as características do repertório dos apren-dizes. Por isso é fundamental que tais características sejam identificadas. O professor pode apresentar quaisquer ações que produzam como consequência a clareza acerca do repertório comportamental dos alunos.

Ao caracterizar o repertório do aprendiz, o professor (ou alguém nesse papel) identifica o repertório de entrada do aluno em relação ao compor-tamento que ele vai ensinar. Por exemplo: um professor de História propôs como objetivo de ensino que seus alunos avaliem implicações do período brasileiro denominado “República Velha” no período contemporâneo. Esses estudantes são capazes de caracterizar o período “República Velha”? Sabem identificar aspectos da atualidade que provavelmente têm forte influência de outros períodos históricos? Ao caracterizar os comportamentos que os alunos já são capazes de apresentar (repertório comportamental), o professor identi-fica quais comportamentos intermediários propostos como objetivos os estu-dantes já aprenderam. A partir disso, pode avaliar quais, entre todos os com-portamentos intermediários de ensino propostos, necessitam ser ensinados.

2 Aplicação de atividades de ensino

No que consiste a aplicação das atividades de ensino? Tal processo, que constitui parte dos processos básicos a serem realizados por um professor, envolve aquilo que mais diretamente é entendido por “ensinar” no senso comum. Você lembra que o senso comum entende o ensinar como as ativi-dades que um professor realiza, certo? Agora, você já tem clareza que ensinar envolve a identificação das situações com as quais o aprendiz irá lidar, todo o

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planejamento do que precisa ser ensinado, entre outras etapas básicas. Parte dessas etapas abrangem mais diretamente a transformação dos comportamen-tos que o aprendiz é capaz de apresentar. Mas isso não é “ensinar” como o senso comum costuma entender. É apenas uma parte do ensinar: aplicar atividades de ensino.

Uma atividade de ensino, como vimos, é constituída por três componen-tes: uma condição oferecida pelo professor para que o aprendiz apresente uma ocorrência do comportamento-objetivo, a própria ação que o aluno realiza e a consequência produzida pela ação deste. Esse entendimento do que é uma ati-vidade de ensino e do que envolve sua “aplicação” abrange alguns pressupostos. Entre eles: cabe ao professor construir condições para aumentar a probabilidade de o aprendiz apresentar as ações que constituem o comportamento-objetivo. Isso envolve a avaliação do repertório do aprendiz e a identificação daquilo que Vygotsky denomina “zona de desenvolvimento proximal”.

Outro pressuposto é que a atividade de ensino é composta de uma ação a ser apresentada pelo aluno. Nesse sentido, tal concepção de atividade de ensino traz consigo a ideia de que o aprendiz deve ser ativo durante o pro-cesso de produção de conhecimento, e não passivo, como alguém que apenas recebe acriticamente o conhecimento pronto que outras pessoas produziram. Ainda, outro pressuposto é a necessidade de apresentação de consequências para o comportamento do aprendiz.

No capítulo 4, ao examinarmos as contribuições de Piaget a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento, vimos que o aprendiz se engaja mais em atividades que são diretamente relacionadas a alguma neces-sidade que ele apresenta. Quando isso acontece, provavelmente aquilo que é produzido pelas ações do aluno em uma atividade de ensino são suficien-tes para que a aprendizagem seja efetivada. Mas Piaget também destaca que, quando o aprendiz não percebe a função da aprendizagem sendo desenvol-vida, é necessária a apresentação de fatores externos para mantê-lo motivado.

Em parte, é isso que o professor precisa garantir na apresentação de con-sequências ao aluno. É importante, como vimos ao examinarmos o processo “análise dos comportamentos-objetivos”, que a explicitação da consequência do comportamento-objetivo revela o aspecto que cabe ao aprendiz produzir na rea-lidade na qual se insere por meio de suas ações. O problema é que nem sempre

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o aluno percebe isso. Há casos também em que a consequência de um compor-tamento só são produzidas em longo prazo. Como proceder em relação a isso?

Cabe ao professor apresentar consequências artificiais para o compor-tamento do aprendiz, de forma que a aprendizagem seja “instalada”. Poste-riormente, é tarefa do professor garantir que o aluno passe a perceber, cada vez com mais clareza, o que aquele comportamento que ele está aprendendo produzirá em sua vida cotidiana e social e na realidade na qual ele vive. Por exemplo, quando um professor oferece condições que viabilizam ao estudante aprender algumas regras de redação dissertativa, o professor, como consequ-ência a ser apresentada ao comportamento do aprendiz, pode destacar a ele a função dessa aprendizagem. Por exemplo: possibilidade de avaliar informa-ções de jornais e revistas e identificar problemas em tais informações.

2 Avaliação do desempenho dos aprendizes

Após a aplicação da atividade de ensino, que envolve a condição ofere-cida pelo professor, a apresentação da ação pelo aprendiz e da consequência a essa ação (que pode ser naturalmente produzida por ela ou manejada pelo professor), cabe ao professor avaliar o desempenho do aluno. Se este apresen-tou um desempenho coerente com a descrição do comportamento-objetivo, obviamente a atividade de ensino foi suficiente para produzir aprendizagem. Nessa situação, o professor pode oferecer novas condições aos aprendizes que viabilizem o desenvolvimento de outros comportamentos-objetivos.

Mas e se o aluno não teve um desempenho satisfatório? Nesse caso, cabe ao professor identificar isso e oferecer novas condições de ensino que pro-piciem ao aprendiz apresentar outra ocorrência do comportamento-objetivo. Essas novas condições envolvem desde a simples solicitação feita pelo professor para o aprendiz apresentar novamente uma ocorrência do comportamento--objetivo até uma “dica” relacionada ao que o aluno não considerou ao realizar as atividades ou, mesmo, a construção de uma nova atividade de ensino.

Em casos extremos (mas que costumam ser muito frequentes), cabe ao professor avaliar se ele não solicitou a apresentação de um comportamento--objetivo muito mais complexo do que aqueles os quais os aprendizes são capazes de apresentar. Quando isso acontece, o professor deixou de orientar sua atuação pelo conceito de “zona de desenvolvimento proximal”. O que fazer então? Em alguns casos, cabe ao professor decompor ainda mais o com-

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portamento-objetivo e identificar comportamentos intermediários mais sim-ples que aqueles que estão sendo solicitados aos alunos. Após fazer isso, cabe ao professor planejar e aplicar atividades que viabilizem o desenvolvimento desse comportamento-objetivo recém identificado. Para que tudo isso? Para garantir, o melhor possível, que as atividades realizadas pelo professor resul-tem em aprendizagens por parte dos estudantes.

2 Proposição de novas atividades de ensino (caso necessário)

Depois de avaliar o desempenho dos aprendizes, é possível que alguns (ou mesmo o aprendiz, se for apenas um) não tenham sido capazes de apre-sentar os comportamentos-objetivos intermediários propostos. Quando isso ocorre, o professor propõe novas atividades de ensino considerando caracte-rísticas da atividade que aplicou anteriormente as quais julga que devam ser alteradas para aumentar a chance de os alunos desenvolverem o comporta-mento proposto como objetivo.

2 Avaliação da eficiência e da eficácia

A eficiência e a eficácia são dois conceitos básicos para o professor ou o edu-cador avaliarem quão produtivo e significativo foi e é o seu programa de ensino. Mas, antes de examinarmos no que consiste cada um desses conceitos e quais as características dos processos “avaliar a eficiência de um programa de ensino” e “avaliar a eficácia de um programa de ensino”, vale a pena tentarmos responder à pergunta: Para que um professor deve realizar esses dois tipos de avaliações?

A resposta é, teoricamente, simples: porque as atividades que um pro-fissional ou um educador realizam só valem a pena serem realizadas caso elas produzam os resultados a que foram propostas. Quando nós examinamos o que é ensinar e caracterizamos como o processo em que alguém, no papel de professor, produz aprendizagens produtivas e significativas nos alunos, há aí um pressuposto importante, que tem relação direta com os processos de ava-liar a eficiência e a eficácia de um programa de ensino: o “ensinar” só acontece quando o aluno “aprende”.

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Dessa concepção a respeito do que é ensinar, decorre que o professor pre-cisa prestar atenção às aprendizagens que estão sendo produzidas nos estudantes a partir das atividades que ele próprio realiza. Por consequência, o professor que está mais orientado para aquilo que ele próprio faz do que para as aprendizagens do aprendiz está caindo em um equívoco. Mas, sendo orientado, observando atenta e constantemente as aprendizagens dos alunos, é possível ao professor decidir com alto grau de clareza quais as atividades que ele realiza que mere-cem ser continuamente realizadas e quais as que, por não estarem produzindo aprendizagens ou por estarem produzindo aprendizagens pouco significativas, devem ser aperfeiçoadas, alteradas ou até mesmo abandonadas.

Essa avaliação a respeito do quanto um aluno aprendeu com as atividades realizadas pelo professor consiste no princípio básico dos processos “avaliar a eficiência e a eficácia de um programa de ensino”. Vamos exemplificar esse raciocínio. Imagine uma professora que apresenta um filme aos alunos a res-peito de alguma cultura diferente daquela em que estes estão inseridos, com o objetivo de os estudantes perceberem que há diversas culturas no mundo e que ‒ ainda mais importante ‒ todas elas devem ser respeitadas. Entretanto, a professora percebe que, ao final do filme, os alunos estão ainda mais pre-

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conceituosos em relação às outras culturas que não a deles próprios. Será que essa atividade (apresentar o filme simplesmente) deve ser mantida como relevante para a aprendizagem que a professora quer desenvolver? Ou será que essa atividade precisa ser alterada (usar outro filme) ou aperfeiçoada (antes de apresentar o filme, a professora realiza um exame sobre em que os estudantes devem prestar atenção no filme ou, depois do filme, ela faz um debate com os alunos a respeito do filme)? Ou será que tal atividade deve ser abandonada?

Essa decisão será tomada com maior grau de clareza se a professora rea-lizar os processos “avaliar a eficiência e a eficácia de um programa de ensino”. Mas no que eles consistem? E o que é eficiência? E eficácia? Vamos estudar o primeiro desses conceitos: a eficiência. Nós já avaliamos que, quando um professor programa ensino, ele propõe certos comportamentos-objetivos, que consistem naqueles comportamentos que o aprendiz não apresenta e que, por serem importantes em suas vidas cotidianas, devem ser aprendidos. A efici-ência de um programa de ensino ocorre quando os aprendizes efetivamente passam a ser capazes de apresentar os comportamentos que foram elencados pelo professor como comportamentos-objetivos.

Em nosso exemplo da professora que passa um filme para os alunos perce-berem a diversidade cultural existente no mundo e respeitarem quaisquer cultu-ras, o processo de ensino poderá ser considerado eficiente se, após tal atividade, os estudantes efetivamente conseguirem apresentar esses comportamentos. Rea-lizar tal avaliação é importante para que o professor não fique desenvolvendo atividades que não produzem aprendizagens nos alunos ou que geram compor-tamentos pouco produtivos, pouco significativos. Às vezes, por anos a fio.

Se um aprendiz passa ser capaz de apresentar os comportamentos que foram explicitados como comportamentos-objetivos, o professor pode ficar um pouco tranquilo: seu programa de ensino já pode ser considerado eficiente. Mas a avaliação dos resultados produzidos por um programa de ensino pode ser ainda mais sofisticada. E isso envolve avaliar no que consiste a eficácia de um programa de ensino. Nós já vimos que um comportamento-objetivo é proposto para que os aprendizes sejam capazes de lidar com alguma situação apresentada em sua vida cotidiana. Por decorrência, o que é importante nesse raciocínio é que os comportamentos-objetivos propostos pelo professor real-

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Contribuições da Psicologia para a Educação: programação de ensino

mente viabilizem aos alunos lidarem com as situações que são apresentadas em sua vida cotidiana.

Mas será que os comportamentos-objetivos realmente viabilizam isso? Responder a essa pergunta consiste em availar a efi cácia de um programa de ensino. Nós já vimos que, se um aprendiz passa a ser capaz de apresentar os comportamentos elencados como comportamentos-objetivos, já é possí-vel caracterizar o programa de ensino como efi ciente. Mas uma “coisa” é o aprendiz ter os comportamentos que foram elencados como comportamen-tos-objetivos no próprio contexto de ensino; outra, bem mais complexa e signifi cativa, é apresentá-los na sua vida cotidiana. E outra ainda é o aprendiz resolver as situações-problema que constituem sua vida cotidiana e social.

No primeiro caso, em que o aprendiz é capaz de apresentar os comportamentos-objetivos no próprio contexto de ensino, o pro-grama de ensino pode ser considerado efi ciente. Mas ele só poderá ser considerado efi caz no segundo caso: quando o aprendiz, além de ter os comportamentos elencados como comportamentos-objetivos no contexto de ensino, também os apresentar em sua vida cotidiana.

E a avaliação da efi cácia vai ainda mais longe. Ela envolve, além da ava-liação do quanto o aprendiz está apresentando os comportamentos elencados como comportamentos-objetivos em sua vida cotidiana, avaliar se tais compor-tamentos efetivamente viabilizam ao estudante lidar de uma forma produtiva com as situações que orientaram a proposição do comportamento-objetivo. Nesse sentido, avaliar a efi ciência envolve responder, basicamente, a uma per-gunta: Será que os aprendizes conseguem apresentar os comportamentos elen-cados como comportamentos-objetivos após as condições de ensino oferecidas pelo professor? E avaliar a efi cácia de um programa de ensino requer responder a, pelo menos, duas perguntas. Primeira: Será que os aprendizes apresentam os comportamentos elencados como comportamentos-objetivos em sua vida cotidiana? Segunda: Será que os comportamentos que foram propostos como comportamentos-objetivos, ao serem apresentados na vida cotidiana dos alu-nos e nos contextos nos quais eles se inserem, realmente viabilizam a transfor-mação da situação-problema em uma direção mais signifi cativa?

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Voltemos à primeira pergunta que orientou esta discussão a respeito da avaliação da eficiência e eficácia de um programa de ensino: Para que um professor deve realizar esses dois tipos de avaliações? Você se lembra da res-posta (“porque as atividades que um profissional ou um educador realizam só valem a pena serem realizadas caso elas produzam os resultados a que foram propostas”) e de que ela é, teoricamente, simples? Por que teoricamente? Por-que na Educação brasileira dificilmente são garantidas as condições para que o professor consiga de fato avaliar a eficiência e a eficácia. Fazer isso envolve tempo, às vezes dinheiro (uma vez que avaliar a eficácia requer, em alguns casos, produzir conhecimento por meio de pesquisa), além de clareza a res-peito da necessidade desses processos serem realizados.

Existem, obviamente, mais condições para os professores avaliarem a eficiência do que a eficácia, uma vez que a primeira é avaliada no próprio contexto de ensino, identificando se o aprendiz é capaz de apresentar os com-portamentos elencados como comportamentos-objetivos. A eficácia envolve identificar se tais comportamentos são apresentados no contexto de vida na qual o aprendiz se insere e os resultados produzidos por esses compor-tamentos. É, de fato, um processo complexo, mas vale a pena ao professor não perdê-lo de vista. Vamos pensar por meio de exemplos: uma professora de Literatura ensina seus alunos a interpretarem obras literárias. Depois de algum tempo, ela pergunta se algum deles leu alguma obra literária e se a interpretou. Ao fazer isso, a professora não deixa de estar avaliando a eficácia de seu programa de ensino, já que, por meio dessa pergunta, ela consegue ava-liar se os estudantes estão apresentando um comportamento que foi elencado como comportamento-objetivo no contexto social e no cotidiano dos alunos.

5.7 Algumas técnicas de ensino de novos comportamentos

Existem algumas técnicas de ensino de novos comportamentos, elabo-radas principalmente por analistas do comportamento, que podem ajudar o professor no processo de ensinar os comportamentos propostos como objeti-vos de ensino. Nem todos os comportamentos podem ser ensinados por meio do uso de tais técnicas. Elas foram criadas para facilitar o desenvolvimento de novas relações com o meio (ou seja, novos comportamentos), mas é preciso

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que a pessoa que programa ensino faça uma avaliação sobre a melhor maneira de ensinar o comportamento proposto. Se uma dessas técnicas for um meio eficaz de desenvolver tal comportamento, ela pode ser usada.

As técnicas de ensino são procedimentos muito utilizados que foram padronizados; por isso, essas técnicas possuem uma descrição de comporta-mentos a serem apresentados pela pessoa que programa ensino.

Vamos estudar três técnicas de ensino, também chamadas de técnicas de modificação de comportamento, denominadas “encadeamento de trás para a frente”, “modelagem” e “fading, transferência de estímulos ou atenuação ”.

Encadeamento de trás para a frente

O procedimento denominado encadeamento de trás para a frente consiste em ensinar passo a passo a apresentação de um comportamento; primeiramente é ensinado o último passo, depois o penúltimo, o antepenúl-timo e assim por diante. Por exemplo, ao ensinarmos uma pessoa a martelar, basicamente os comportamentos intermediários a serem apresentados são: posicionar o prego sobre a mesa, colocar o prego na posição correta, segurar o martelo e martelar o prego. Pode ser mais eficaz solicitar que a pessoa martele o prego e que as outras etapas já tenham sido feitas por outra pessoa: o prego já está posicionado e a ponta está martelada.

No que a técnica de encadeamento de trás para a frente ajuda a desenvol-ver novos comportamentos? Há pelo menos dois aspectos relevantes a serem considerados para responder a essa questão. Em primeiro lugar, ao apresentar a última etapa de um comportamento mais geral, é produzida como consequ-ência da ação apresentada pelo aprendiz aquilo que indica o sucesso do com-portamento. Para a pessoa que está aprendendo a martelar, ela “martelou”. Por sua vez, ao apresentar o comportamento, é aumentada a probabilidade de o aprendiz se engajar na aprendizagem de comportamentos semelhantes. Além disso, ao exibir a última etapa de um comportamento, o aprendiz pode ficar sob controle da consequência natural daquilo que está aprendendo.

Outro aspecto relevante relacionado à técnica de encadeamento de trás para a frente está relacionada à situação com a qual o aluno lida ao apre-sentar a última etapa. Por exemplo, vamos imaginar que uma criança com necessidades especiais esteja desenvolvendo o comportamento de se vestir.

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Ao apresentar as etapas de trás para a frente, como colocar o cinto primeira-mente, além de perceber que foi capaz de se vestir, provavelmente aprenderá que o cinto é colocado depois da calça, pois, ao colocar o cinto, a calça era um estímulo presente.

Ao empregar a técnica de encadeamento de trás para a frente, a pes-soa que programa ensino precisa ter explicitado cada etapa que constitui o comportamento-objetivo a ser ensinado.

Modelagem

O procedimento denominado modelagem é muito usado para desen-volver novos comportamentos. Para exemplificar tal procedimento, Skinner (2003) utiliza o exemplo de uma argila que vai sendo moldada e modifi-cada em estágios sucessivos até atingir determinada forma, que é diferente da inicial, formando um novo objeto. É possível, porém, sempre retornar à condição inicial. O mesmo pode ocorrer com o comportamento; é possível aperfeiçoá-lo em estágios sucessivos.

Em tal procedimento, a pessoa que programa ensino consequencia as respostas (ações) apresentadas pelo aprendiz, de modo que elas sejam substi-tuídas por outras cada vez mais próximas daquela que compõe o comporta-mento-objetivo que está sendo ensinado. Por exemplo, ao ensinar um apren-diz a arrumar a cama, a pessoa que programa ensino apresenta consequência para as repostas de pegar o cobertor, colocá-lo em cima da cama, esticar o lençol (mesmo que ele não fique suficientemente esticado.), arrumar o traves-seiro etc. Dessa maneira, o aprendiz vai aperfeiçoando o seu comportamento, até ser capaz de apresentá-lo com grau suficiente de perfeição.

Fading, transferência de estímulos ou atenuação

A técnica denominada fading, transferência de estímulos ou atenuação consiste em um procedimento para facilitar a aprendizagem constituído pelo manejo do estabelecimento da relação entre um estímulo e uma resposta, e tal estímulo vai sendo gradualmente substituído pelo professor por outros cada vez mais semelhantes àqueles com os quais o aprendiz irá lidar no cotidiano.

Río (1996) apresenta um exemplo dessa técnica utilizada para facilitar o aprendizado de leitura. Nesse caso, podem ser usados estímulos especiais,

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como cartolinas que contenham sílabas separadas, letras grandes e coloridas e assim por diante. À medida que a criança começa a apresentar o compor-tamento de ler, o professor vai substituindo os estímulos por outros cada vez mais semelhantes àqueles encontrados no cotidiano.

Outro exemplo de uso dessa técnica pode ser observado no ensino do comportamento de escrever as letras do alfabeto. O professor apresenta as letras tracejadas, e o aluno precisa escrevê-las. A cada nova atividade, o pro-fessor mostra os tracejados cada vez mais espaçados ou mais fracos, até que a criança seja capaz de escrever as letras sem a ajuda de nenhuma “dica”.

As técnicas de ensino podem ser muito úteis para o desenvolvimento de novos comportamentos, mas é preciso sempre estar atento ao comporta-mento a ser ensinado, para posteriormente identificar qual a melhor maneira de ensiná-lo.

Dica de leitura

Para saber mais a respeito de técnicas de modificação de comportamento, sugerimos o livro: RIBES INESTA, E. Técnicas de modificação do comportamento aplicado ao atraso no desenvolvimento. Sao Paulo: EPU, 1980.

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Psicologia da Educação

Alguns exemplos de programas de ensino e intervenção

Dica de leitura

Para conhecer um exemplo de relato de experiência de programação de ensino para crianças de Educação Infantil, recomendamos a leitura do livro: TEIXEIRA, A. M. S. Análise de contingências em programação de ensino infantil: liberdade e efetividade na educação. Santo André, SP: ESETec, 2006. Outro exemplo de estudo que envolve programação de ensino, no qual foi realizada a avaliação de um programa de ensino para ensinar uma criança, encontra-se nesta obra: VETORA-ZZI, A. et al. Avaliação de um programa para ensinar comportamento empático para crianças em contexto clí-nico. Interação em Psicologia, Curitiba, 2005, v. 9, n. 2, p. 355-369, 2005.

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SínteseO conhecimento produzido acerca do que constitui “programação de

ensino” é uma contribuição da Psicologia que pode nos auxiliar de maneira significativa no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Neste capítulo, vimos de maneira breve como essa contribuição foi origi-nada, dando destaque para as ideias que Carolina Bori desenvolveu. Podemos observar que, em todo o processo de programar ensino, não é perdido de vista um aspecto nuclear: aquilo que é ensinado às pessoas não são conteúdos (nem quando propomos que seja, pois, nesse caso, as pessoas aprendem, entre outros comportamentos, a repetir o conhecimento produzido!), mas comportamen-tos. Tais comportamentos são denominados objetivos de ensino ou comporta-mentos-objetivos, propostos pelo educador a partir de necessidades sociais ou aspectos com os quais os aprendizes lidam na realidade em que vivem.

Orientar o ensino considerando a contribuição sobre o que constitui “programar ensino” é uma alternativa para transformar a concepção “ban-cária” de educação, conforme expressão utilizada por Freire (1979), em uma educação que capacita os aprendizes a melhorarem o mundo onde vivem.

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6 Temas contemporâneos

em Psicologia da Educação

Neste livro, já realizamos diversos exames relacionados a uma ampla diversidade de aspectos relativos à Psicologia da Edu-cação. No primeiro capítulo, por exemplo, caracterizamos a Psico-logia como uma área do conhecimento e defi nimos o seu objeto de estudo. No segundo capítulo, examinamos aspectos gerais da Psicologia do Desenvolvimento, com ênfase nos primeiros experi-mentos constituintes dessa subárea do conhecimento. No terceiro, estudamos os postulados fundamentais de três teorias que consti-tuem a Psicologia do Desenvolvimento: a teoria de Piaget, a teoria de Vygotsky e a teoria evolucionista. No quarto capítulo, analisa-mos o conceito de aprendizagem para três teorias: novamente para as de Piaget e de Vygostky e para a Análise do Comportamento. No quinto, caracterizamos o processo de programação de ensino.

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No presente capítulo, examinaremos alguns aspectos contemporâneos da Psicologia da Educação. Esses aspectos são relacionados à interação entre pais e filhos, com ênfase na comunicação, à Educação de Jovens e Adultos e à medicalização das dificuldades de aprendizagem e suas implicações. Vamos examinar esses processos?

6.1 Comunicação entre pais e filhos: um tema contemporâneo em Psicologia da Educação

A ênfase apresentada ao longo desta obra foi relacionada ao exame de processos psicológicos que constituem e interferem em processos educacio-nais. O contexto de educação formal, as escolas, foi obviamente o mais prio-rizado na realização dos exames que fizemos ao longo deste livro. Mas o pro-cesso “educação” não acontece apenas nas escolas. Ele acontece em qualquer contexto no qual existe a possibilidade de uma pessoa passar a apresentar novas interações com o ambiente no qual se encontra. O termo “educação” tem sido utilizado até mesmo em relação a processos de desenvolvimento de comportamentos em organizações de trabalho, como empresas privadas e ins-tituições públicas. Outro contexto – importantíssimo – no qual a “educação” é apresentada é o interior das famílias, principalmente porque a família é o primeiro núcleo social de uma criança; por isso, é o contexto que viabiliza as primeiras interações que a criança estabelece com seu mundo. Isso indica a necessidade de analisarmos alguns aspectos relativos à interação entre pais e filhos. Optamos por um deles: a comunicação entre pais e filhos. Essa escolha foi determinada pelo grau de implicação que tal processo têm no desenvolvimento das crianças.

O livro Comunicação entre pais e filhos: a linguagem do sentir, de autoria de Maria Tereza Maldonado (1983), consiste em uma preciosa obra a respeito da relação entre pais e filhos, com ênfase no processo de comunicação entre eles. Apesar de ser da década de 1980 (a primeira edição é de 1981), tal publicação ainda apresenta ideias que, de certa maneira, são bem atuais. Antes de examinar de maneira específica esse processo, a autora desconstrói alguns mitos a respeito da relação entre pais e filhos que costumeiramente atrapalham o processo de desenvolvimento de uma criança.

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Entre os mitos examinados por Maldonado (1983), estão aqueles rela-cionados ao que é considerado ser um bom pai. As pessoas costumam con-siderar que “bons pais” são os que tudo fazem pelos filhos. Será mesmo? A autora argumenta que tais mitos produzem pouca autonomia na criança. Além disso, quando os pais se comportam sob orientação desses mitos, é provável que a criança desenvolva pouca tolerância à frustração. Por ganhar tudo de seus pais, sem esforçar-se e engajar-se por conseguir aquilo que quer, a criança não aprende a tolerar as situações nas quais seus desejos não são imediatamente satisfeitos.

Há ainda outros “mitos”, como o da “família perfeita” e o de que “quando se ama alguém, não se pode sentir raiva e irritação”. Em famílias orientadas por essas concepções, é provável que seus integrantes não percebam os pro-blemas existentes na própria família. Como decorrência, as pessoas tendem a esconder os problemas, fingir que eles não existem. E o pior, sentem-se cul-padas quando apresentam sentimentos incoerentes com a ideia (ou, melhor dizendo, o mito) da família perfeita. Se um filho fica com raiva de seu pai porque ele não o deixou ficar acordado até tarde, é frequente que o filho se sinta mal e culpado por ter ficado com raiva do pai. A alternativa para esses mitos, consiste na ideia de que problemas existem em quaisquer famílias e que o importante não é que eles não existam, mas, sim, que as pessoas saibam lidar com os problemas de uma forma produtiva e significativa.

Educar uma criança envolve respeitar sua singularidade e compreender sua perspectiva, sem projetar nela expectativas contrárias às suas característi-cas (MALDONADO, 1983). Entender a perspectiva de uma criança requer clareza de que ela possui necessidades, desejos e dificuldades próprias. Um problema cometido em relação a isso acontece quando os pais exigem que seus filhos aprendam algo em um tempo muito menor do que aquele que estes precisam. Nesse caso, os pais não percebem as dificuldades da criança e, por decorrência, não a auxiliam a superá-las. Entender a perspectiva de uma criança, entretanto, nem sempre é um processo fácil para os pais. Às vezes, as crianças não têm clareza suficiente a respeito daquilo que desejam e necessi-tam. Mas cabe aos pais identificarem esses aspectos, de tal modo que elas se sintam compreendidas e percebam que podem contar com seus pais.

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Um dos aspectos nucleares da obra de Maria Tereza Maldonado (1983) consiste nas implicações de diferentes formas de comunicação entre pais e filhos. As formas examinadas pela autora são as seguintes: dar ordens, amea-çar, dar lições de moral, dar sugestões, persuadir, negar percepções, consolar e dar falso apoio, distrair, fugir do problema, criticar e ofender, ridicularizar e apelidar depreciativamente, elogiar, fazer perguntas e enviar mensagens con-traditórias. Devido à importância da comunicação entre pais e filhos, apre-sentaremos a partir de agora um resumo da avaliação que a autora faz de cada uma dessas formas de comunicação.

A primeira forma de comunicação examinada por Maria Tereza Maldo-nado (1983) consiste em dar ordens. A autora destaca que é inevitável que ordens sejam apresentadas pelos pais em relação às crianças. Em algum grau, elas são positivas. O problema é seu excesso, que acaba diminuindo a força que a regra tem e tolhe a autonomia e a independência da criança, aumentando a probabilidade de rebeldia por parte desta. Além do excesso de ordens, outro aspecto que faz com que as regras sejam pouco seguidas, e, consequentemente, torna essa forma de comunicação inútil, é o grau de firmeza com que elas são apresentadas. Quando o pai ou a mãe de uma criança titubeiam (ou se contra-dizem) ao darem uma ordem, a criança tende a perceber e costuma não segui-la.

Há outras características para que uma ordem seja uma forma benéfica de comunicação entre pais e filhos. Em geral, ordens afirmativas são mais eficientes que ordens negativas. Dizer “largue a planta” é mais produtivo que dizer “não mexa na planta”. Outra característica de ordens produtivas envolve apresentá-las de modo a propiciar que as crianças tomem algumas decisões. É mais benéfico dizer “Filha, com que roupa você vai à escola?”, dando algum grau de liberdade à criança, do que dizer “Vamos, filha, coloque a roupa para ir à escola” (MALDONADO, 1983).

Usada costumeiramente para mostrar que a fonte de poder de uma rela-ção está com os pais, as ameaças são outra forma típica de comunicação entre pais e filhos. Tal como com as ordens, ameaçar continuamente provoca desgaste: a criança deixa de dar crédito às ameaças. As ameaças têm também a probabilidade (alta!) de se tornarem um cabo de guerra, em que criança e pais tentam mostrar quem tem mais poder (MALDONADO, 1983).

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Além disso, a forma da ameaça também tem implicações no comporta-mento das crianças. Algumas ordens são relacionadas a consequências tempo-ralmente longínquas. Por exemplo: “Se você não fizer os deveres, o papai não vai te dar presente no Natal”. Ameaças como essas costumam ser inúteis, pois a criança ainda não tem a noção de tempo muito bem formulada. Ameaças que envolvem perda de afeto (“Se você não comer o que está no prato, mamãe vai ficar chateada”) aumentam a insegurança da criança. Ameaças desastrosas (“Não brinque longe da mamãe, senão o monstro vai te pegar”) também pro-duzem insegurança e ansiedade.

Ameaças fazem a criança prestar atenção em outros aspectos que não aqueles relevantes na realização de uma ação. Por exemplo, ela só “raspa o prato” para a mãe não ficar chateada, e não para nutrir-se bem e ter energia. Alem disso, a criança que é frequentemente ameaçada logo aprende a fazer as coisas como moeda de troca para alguma outra coisa. Quais são as alternativas para o uso de ameaças? São duas pelo menos. A primeira consiste em indicar à criança as reais consequências de suas ações, “Se ficar sem comer, vai ficar com fome, hein?!”. E a segunda, em mostrar alternativas agradáveis: “Vamos sair da praia porque está na hora do almoço e hoje tem uma comida de que você gosta muito” (MALDONADO, 1983).

E quais as implicações de dar lições de moral? Maldonado (1983) ilus-tra essa forma de comunicação entre pais e filhos a partir da fala de uma mãe após uma briga entre dois irmãos: “Nossa, o que está acontecendo? Os irmãos devem sempre se amar, não devem ter raiva um do outro, vocês tem que ser unidos, assim é que é bonito”. O problema desse tipo de comuni-cação, segundo a autora, é que ela costuma ser apresentada sob a forma de “máximas inquestionáveis”. Disso decorre que agir e sentir algo diferente do que a lição de moral preconiza se torna um problema, promovendo culpa e ansiedade nas crianças. Além disso, às vezes as lições de moral são apresen-tadas por pais que se usam como “modelo”: “O certo é fazer como eu faço”. E isso acaba por fazer a criança agir para atingir um modelo em geral ina-tingível, produzindo frustração. Quando os pais querem indicar uma regra moral à criança, a alternativa indicada por Maldonado (1983) consiste em examinar com a criança as implicações concretas de uma situação. Por exem-plo: “Não acho justo colocar no prato um monte de comida que você não vai comer, porque depois essa comida vai ter que ser jogada fora, ninguém

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vai poder aproveitá-la” (p. 52). Isso é muito diferente de dizer “Criança boa-zinha sempre raspa o prato”, não é mesmo?

A forma de comunicação dar sugestões, assim como as outras que já examinamos, apresenta implicações positivas ou negativas dependendo da maneira e do contexto no qual se insere. As implicações negativas costumam advir das sugestões que são apresentadas com o tom “Eu sei o que é melhor para você”, que gera resistência, desconsidera aquilo que a pessoa está sen-tindo e, em geral, ignora a individualidade da pessoa. Por exemplo, se uma filha adolescente destaca que quer fazer amizades com um grupo de meni-nas, mas não sabe como, às vezes é melhor avaliar com a adolescente o que está produzindo tal dificuldade do que simplesmente apresentar uma lista de sugestões de como ela deve fazer isso.

Outra possível decorrência de dar sugestões é aumentar a dependência da criança. Mas Maldonado (1983) destaca que sugestões são importantes quando dão alternativas à criança ou indicam possibilidades de que ela ainda não tinha se dado conta.

A forma de comunicação persuadir é exemplificada pela seguinte situação: Criança: “Não adianta, não vou deixar o dentista mexer no meu dente”.

Mãe: “Mas você não quer ficar bom da dor de dente? O dou-tor precisa mexer no seu dentinho, senão a dor vai piorar”. (MALDONADO, 1983, p. 54).

Segundo a autora, a persuasão tende a ser inútil quando há fortes sen-timentos envolvidos. Se um pai tenta persuadir seu filho a comer verduras, mas a aversão deste por tal tipo de comida é muito grande, a persuasão tende a não funcionar. Porém, tende a ser eficaz quando vai ao encontro daquilo que a criança quer. Em vez de tentar persuadi-la, Maldonado (1983) sugere como alternativa entender a criança em relação àquilo que ela está sentindo, aumentando a segurança dela e fazendo-a superar suas dificuldades.

A forma de comunicação negar percepções é aquela em que os pais con-trariam algo que o filho esteja sentindo ou percebendo. Quando uma criança se machuca, por exemplo, ela tende a chorar por, pelo menos, dois motivos: pela própria dor e para comunicar às demais pessoas que se machucou. Se o pai fala “Já passou, filho, não está mais doendo”, ele nega aquilo que o filho

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está sentindo, o que pode provocar a perda de confiança no pai e fazer com que a criança busque quem a entenda. Quando um pai indica que entende o que está acontecendo com seu filho (“Filho, você se machucou, deve estar doendo, né?”), este se sente mais compreendido e tende a chorar menos do que choraria caso seu pai negasse sua percepção (MALDONADO, 1983).

E no que consiste a forma de comunicação consolar e dar falso apoio? Segundo Maldonado (1983, p. 60), naquela que pode ser exemplificada pela seguinte situação:

Criança: “Puxa, pai, o Marquinhos brigou comigo, ele disse que nunca mais vai querer ver minha cara...”.

Pai: “Não liga para isso, você vai ver como amanhã mesmo ele vem te procurar de novo”.

O problema dessa forma de comunicação é que, além de a criança per-ceber a falsidade envolvida nela, diminuindo a confiança que ela tem em seu pai, seu sentimento é negado, como se não fosse importante. A decorrência disso é que a criança não se sente compreendida, dificultando que ela lide com a situação.

Essa é a mesma implicação da forma de comunicação distrair e fugir do problema, ilustrada pela situação em que uma criança fala “Ah, mamãe, o passarinho está tão quietinho, ele está doente, acho que vai morrer” e sua mãe responde “Ora, não fique pensando nisso, vem cá brincar com a boneca nova que a vovó deu” (MALDONADO, 1983, p. 62). Com essa forma de comu-nicação, as situações não são resolvidas ou processadas, apenas mascaradas, produzindo como decorrência negativa o fato de a criança não se sentir aco-lhida pelos pais quando tem algum problema. Entretanto, em alguns casos, distrair constitui uma ajuda genuína. Quando os pais, por exemplo, desta-cam que entendem o problema pelo qual a criança está passando, indicam que ela pode procurá-los quando sentir isso novamente e sugerem alguma brincadeira. O exemplo apresentado pela autora é o seguinte: Denise estava com dor de barriga, e sua mãe lhe deu um remédio, que não curou a dor de barriga imediatamente. Aí, sua mãe sugeriu: “É preciso esperar um pouco até o remédio fazer efeito, mas quem sabe se a gente ler esse livrinho de histórias vai ajudar você a esquecer da dor?”.

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Criticar e ofender é outra forma de comunicação entre pais e filhos. Ela é tão frequente quanto ineficaz: dificilmente uma crítica ofensiva modifica o comportamento de alguém. Pelo contrário, o uso constante de críticas tende a fazer com que a pessoa continue a apresentar o comportamento criticado, com a função de mostrar que a pessoa que critica está errada. A pior implica-ção da crítica é o que ela tende a produzir na autoimagem de alguém (a forma como uma pessoa se percebe): a pessoa passa a se perceber como inferior e sem valor. Isso diminui seu desempenho em diversas ocasiões; não apenas em crianças, mas em adultos também.

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Outro problema das críticas é que elas costumam ser constituídas por generalizações exageradas. O que é criticado é a pessoa, e não algo que ela faz: “Você é sempre agressivo”, “Você é chata demais” (MALDONADO, 1983, p. 67). Segundo a autora, é como se fosse tirada uma fotografia, dificultando que as pessoas percebam as modificações desenvolvidas pela pessoa criticada. Com isso, as pequenas melhoras não são percebidas. Isso cria ressentimentos, pois a pessoa continua sendo vista pelos outros da maneira “velha”, sem que elas percebam que a pessoa mudou.

Assim como criticar e ofender, ridicularizar e apelidar depreciativa-mente também produzem implicações catastróficas na autoimagem. Não é uma forma de comunicação especificamente apresentada na relação entre adultos e crianças; as crianças também a utilizam entre si (confira a dica de

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leitura). Entre as crianças, ridicularizar e apelidar depreciativamente tem por função a agressão ao outro. Apresentada por um adulto em relação a uma criança, a função é a de estimular. É o caso do professor que, para estimular uma criança que não aprende tão depressa quanto as outras, a chama de “tar-taruga”. O tiro, entretanto, costuma “sair pela culatra”. Esse tipo de prática é um dos constituintes daquilo que atualmente tem sido chamado de bullying.

Dica de leitura

Para conhecer a avaliação de um programa de interven-ção antiviolência escolar, recomendamentos a leitura do artigo: MENDES, C. S. Prevenção da violência escolar: avaliação de um programa de intervenção. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 45, n. 3, p. 581-888, 2011.

Para saber mais acerca da caracterização do bullying, sugerimos a leitura do artigo: FRANCISCO, M. V.; LIBÓRIO, R. M. C. Um estudo sobre bullying entre escolares do Ensino Fundamental. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 22. n. 2, p. 200-207, 2009.

E elogiar, será que é uma boa forma de comunicação? Depende do modo como é apresentada. E depende também do que é elogiado, se a pessoa ou algo que ela fez. Elogiar a pessoa em vez de algo que ela fez (“Você é muito inteligente”) produz como decorrência negativa uma superexigência: a pessoa age para manter o rótulo que lhe foi imposto, e não por que aquilo que ela fez de importante. Esse processo está longe de ser tranquilo, pois a perda dos rótulos explicitados nos elogios (inteligente, bonita etc.) é aversiva para a criança e, consequentemente, produtora de ansiedade. É muito diferente, por exemplo, quando um pai diz “Você tirou nota 10, filho! Como você é inteligente!” ou quando diz “Você tirou 10, filho? Que legal! Você deve ter aprendido um monte, não?”. Nesse último caso, o pai não cria uma supere-xigência no filho e, além disso, indica a este por que é importante tirar notas 10: aprender, mais e mais.

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É diferente, por exemplo, quando a criança é elogiada por seu esforço em vez de ser elogiada por sua inteligência. Nesse último caso, é provável que a criança se comporte de modo a manter o rótulo de inteligente, ten-dendo a fazer principalmente aquelas coisas das quais ela já é capaz. De acordo com pesquisas recentes (disponíveis no site http://www.updateordie.com/2012/04/17/o-que-acontece-quando-voce-fica-elogiando-a-inteligen-cia-de-uma-crianca), quando uma criança é elogiada pelo seu esforço, há maior probabilidade de ela tentar realizar coisas das quais ainda não é capaz. Além disso, tende a sofrer menos quando não atinge algum objetivo.

Fazer perguntas, outra forma de comunicação entre pais e filhos, é um importante meio de comunicação, mas, quando apresentada em excesso, pode cansar a criança e ser vista por ela como um interrogatório. A implica-ção disso é a invasão de sua privacidade. Qualquer pessoa quer manter parte de sua vida apenas para si, e interrogatórios às vezes são percebidos como tentativas de uma pessoa ultrapassar tal limite. O ideal, embora difícil de ser realizado, é que os pais identifiquem quais os aspectos da vida de seus filhos que eles gostariam de manter apenas para si e evitar perguntas excessivas em relação a eles.

A última forma de comunicação examinada por Maria Tereza Maldo-nado (1983) consiste em enviar mensagens contraditórias. São exemplos: quando os pais dizem gritando aos filhos para eles não gritarem; quando solicitam que os filhos mantenham seu quarto arrumado, mas o quarto dos pais é uma bagunça; ou quando os pais pedem para os filhos os chamarem de maneira civilizada, mas só os atendem quando estes berram ou esperneiam. O problema disso é claro: a criança dificilmente sabe como agir. Aos pais, a implicação negativa disso é que os filhos tendem a aprender comportamentos contrários aos desejados e que são importantes.

Quais as alternativas para uma boa comunicação entre pais e filhos? Diversas já foram ilustradas. O elogio, por exemplo, deve ser apresentado à ação da criança e com indicação da consequência daquilo que ela fez, e não por meio de classificação (mesmo que positiva) da criança. A frequência de alguns tipos de comunicações também precisa ser avaliada, uma vez que, às vezes, a forma de comunicação é produtiva, mas deixa de sê-la quando apre-sentada em excesso. São exemplos: dar ordens, lições de moral, sugestões etc.

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Outra importante forma de comunicação consiste em deixar claro para a criança que os pais a entendem e que ela pode contar com eles quando algum problema for percebido pela criança. Isso aumenta a segurança da criança, diminuindo os problemas que ela sente. Além do aumento da segurança, outros critérios orientadores para a boa comunicação entre pais e filhos é o desenvolvimento da autonomia e da independência da criança. Por todas essas contribuições, reiterar a leitura da obra de Maria Tereza Maldonado nunca é demais: vale a pena ler o livro Comunicação entre pais e filhos: a linguagem do sentir.

6.2 Educação de jovens e adultos: um tema contemporâneo que envolve contribuições da Psicologia

A educação de jovens e adultos é um tema que merece atenção particu-lar. Não apenas por ser muito notável na atualidade, mas, sobretudo, porque a educação dessas pessoas possuem características específicas, visto que elas constituem um grupo mais amplo de diversidade (cada um possui histórias de vida muito diferentes, tipos de formação distintos, interesses variados, entre outros). A educação de crianças jovens em idade escolar também envolve considerar as diferentes características de cada aprendiz, mas estas não são tão divergentes como ao tratar de educação de jovens e adultos, pois ao menos algumas delas são homogenizadas, como a idade dos alunos agrupados em turmas e a fase de desenvolvimento geral em que estão.

Ainda que hoje seja claro que a educação de jovens e adultos envolve considerar as características desses sujeitos e, por isso, não pode ser uma trans-posição da educação comum, inicialmente era assim que se pensava tal educa-ção. De acordo com Haddad e Di Pierro (2000), as características próprias da educação de jovens e adultos começaram a ser reconhecidas no período entre 1958 e 1964. Nesse contexto (anterior ao golpe civil militar), houve diversas campanhas e programas no campo da educação de jovens e adultos, além de eventos nos quais ocorriam discussões acerca dessa temática. Segundo os autores, a partir da identificação de características peculiares da educação de

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jovens e adultos é que foi iniciado o tratamento específico nos planos peda-gógico e didático.

Marzo e Figueras (1990 apud SALVADOR et al., 1999) destacam três âmbitos a serem considerados ao nos referirmos à educação de adultos: edu-cação básica, formação ocupacional profissional e incentivo.

A educação básica tem como objetivo alfabetizar as pessoas que, por diferentes razões, não aprenderam a ler e a escrever durante o período de sua infância. Tal âmbito educacional possibilita que alunos de diferentes níveis de educação e de cultura geral tenham acesso à educação básica, e é também parte da formação necessária para o acesso a outros estudos.

A formação ocupacional profissional ou formação para o trabalho é em geral procurada pelas pessoas. É alta a variabilidade desse tipo de forma-ção, visto que há pelo menos dois aspectos a serem considerados: um deles diz respeito à quantidade de ocupações existentes e outro está relacionado com o tipo de formação, se inicial ou permanente. Esse âmbito está em contínua transformação, no qual é preciso haver uma orientação especializada, para descobrir a melhor maneira de formar de modo mais específico as pessoas a quem se dirige.

O incentivo ou formação para o desenvolvimento pessoal e social tem como objetivo potencializar as capacidades da pessoa por meio de uma for-mação que promova as suas potencialidades individuais e sociais, a partici-pação, a solidariedade, a pesquisa de recursos, a organização de atividades culturais e de lazer etc.

Considerando tais âmbitos, podemos identificar que não é objetivo da educação de jovens e adultos, conforme comentam Salvador et al. (1999), compensar o “tempo perdido”, como é comumente atribuído a esse tipo de educação. Especificamente no que se refere à educação de adultos, sua função é caracterizada pela capacitação pessoal e social de cada um. Os autores também citam alguns aspectos que demonstram ainda outros tipos de benefícios ofereci-dos pela educação de adultos: capacitação profissional, adaptação às mudanças sociais (que implica a modificação de valores e comportamentos), aproveita-mento do tempo livre de forma enriquecedora e produtiva, de modo a superar o isolamento e a solidão de pessoas e integrá-las em um projeto social.

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Segundo Salvador et al. (1999), a formação de adultos é caracterizada fortemente pela natureza ideológica, que a relaciona com valores de justiça social, de igualdade de oportunidades, de compromisso com outras pessoas e de solidariedade. Considerar esses aspectos é um passo importante para que a educação de jovens e adultos seja coerente com as necessidades dessas pessoas.

Dica de leitura

Para saber mais sobre a trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil, sugerimos a leitura do artigo: HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 14, p. 108-130, 2000.

6.3 A biologização das dificuldades de aprendizagem: a perversidade de um equívoco

Ao longo deste livro, examinamos diversas teorias em Psicologia. São elas: o construtivismo de Jean Piaget, o sociointeracionismo de L. S. Vygotsky e a Análise do Comportamento, baseada principalmente no behaviorismo radical de B. F. Skinner. Apesar da existência de certas divergências, há um aspecto comum nessas teorias: o interacionismo. A teoria de Vygotsky tem como um de seus postulados básicos que até mesmo processos psicológicos superiores, como o pensamento, são desenvolvidos a partir das interações que a criança estabelece no contexto no qual está inserida (VIGOTSKI, 2007).

A teoria de Jean Piaget só não é interacionista à primeira vista (PALAN-GANA, 2001). Uma vez que Piaget descreve os estágios de desenvolvimento cognitivo de uma criança, parece que esse autor entende tais fases como pro-dutos naturais de maturação biológica, nas quais a interação da criança com seu meio não é um aspecto fundamental para a constituição desses estágios. Mas esses estágios só ocorrem na vida de uma criança por conta do processo de equilibração, que envolve as necessidades desta, as estruturas e os esquemas

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que ela já construiu da realidade e, principalmente, o quanto tais esquemas e estruturas são suficientes para a criança compreender e lidar com a realidade. A equilibração acontece quando os esquemas e as estruturas são insuficientes para isso (PALANGANA, 2001). Ou seja, o processo de equilibração, que consiste no processo básico da teoria de Jean Piaget, é constituído pela interação que a criança estabelece com o meio, evidenciando o caráter interacionista dessa teoria.

E a Análise do Comportamento? Há críticas feitas a esse tipo de conhe-cimento em Psicologia que a caracterizam como ambientalista demais. Mas essas críticas resultam mais de uma análise equivocada e às vezes preconceitu-osa a respeito de tal teoria. A própria noção do que é comportamento – uma interação entre o que o organismo faz e o meio no qual o faz (BOTOMÉ, 2001; CATANIA, 1999; SKINNER, 2003) – evidencia o caráter interacio-nista da Análise do Comportamento. Por tudo isso, é possível dizer que, se há alguma expressão que pode ser orientadora para definir a Psicologia, essa expressão é “interação”.

Analisar e lidar com processos educacionais envolve a todo momento a avaliação das interações entre o aluno e contexto no qual ele se insere. Quais são as variáveis relacionadas ao aprendiz? Diversas. Entre elas, seus interesses, suas necessidades, seu repertório comportamental, sua autoimagem, os processos constituintes da zona de desenvolvimento proximal etc. E quais as variáveis relacionadas ao contexto no qual o aluno se insere? A escola onde estuda, a estrutura física dessa escola, seu professor, os objetivos de ensino propostos pelo professor, seus colegas, seus pais, o valor que seus pais atribuem à educação, a expectativa dos pais em relação ao filho, as características das verbalizações que os pais lhe apresentam, as consequências decorrentes de cada um dos compor-tamentos apresentados pelo aluno, seus irmãos, entre muitas outras variáveis. Cada uma dessas variáveis (e das demais que não foram citadas) estabelece inte-rações entre si, determinando, promovendo, facilitando, dificultando, criando condições para a ocorrência de processos psicológicos.

Infelizmente, é comum que a análise de processos educacionais descon-sidere parte dessas variáveis, produzindo análises incompletas e, por vezes, equivocadas. Vamos pensar o seguinte: há um aluno que costuma estudar muito e obter notas altas. Por quê? Responder a essa pergunta envolve avaliar a interação entre muitos aspectos: interesse da criança em relação ao que ela

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gosta de fazer e estudar, consequências que ela produz ao estudar e ao apre-sentar cada um dos comportamentos-objetivos propostos pelos professores, condições físicas da escola, a interação dela com os colegas etc. E se um aluno só tira notas baixas e não tem interesse pela escola? E se não consegue se concentrar? E se tem dificuldades com a aprendizagem de certos conceitos e comportamentos-objetivos? Por que isso acontece? Mais especificamente: Quais são as causas do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem?

A resposta a essa pergunta, por mais redundante que isso possa ser, envolve identificar a interação entre diversos aspectos relativos ao aprendiz e ao contexto no qual ele se insere. Entretanto, no início do século XXI, a edu-cação brasileira (talvez a ocidental) tem passado por um processo perverso, que é equivocado em sua origem de considerar o fracasso escolar não como resultado da interação entre diversos fatores, mas como resultado pratica-mente puro e exclusivo das próprias crianças que fracassam ao longo do pro-cesso educacional. A esse processo pode ser atribuído o título de biologização do fracasso escolar. No que ele consiste? Em considerar que a causa precípua do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem são disfunções bio-lógicas que a criança apresenta. Essa “biologização do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem” se constitui em um equívoco porque, quando uma pessoa considera as disfunções orgânicas ou biológicas como causa pri-meira do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem, provavelmente ela está deixando de considerar e observar a interação entre diversos aspectos que estão interferindo no grau de sucesso educacional de uma criança, aspec-tos mais complexos e por vezes mais fidedignos.

Um estudo que examina a biologização do fracasso escolar e das dificul-dades de aprendizagem é o desenvolvido por Renata Guarido em 2007. Nele, a autora avalia as implicações do discurso psiquiátrico sobre o sofrimento psicológico, em especial na Educação. Segundo a autora, os fatores que têm influenciado para que os processos educacionais estejam sendo percebidos fundamentalmente como decorrência de variáveis biológicas são os resultados de pesquisas em Neurociência, que nem sempre consideram outras variáveis além das biológicas e fisiológicas; as categorias classificatórias de patologias crescentemente apresentadas na série DSM, o Manual diagnóstico e esta-tístico de transtornos mentais e o advento de psicofármacos. A congruência

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desses fatores tem produzido, segundo Guarido (2007), uma banalização da existência, a naturalização do sofrimento e a culpabilização do indivíduo.

De acordo com esse discurso, aquilo que acontece com as pessoas têm sido percebido, cada vez mais, como decorrência de processos fisiológicos, sem con-siderar a interação com o contexto no qual elas se inserem. Tal entendimento está sendo generalizado para o ambiente escolar e os processos apresentados nessa situação. Por meio desse discurso, se uma criança está apresentado certo fracasso escolar, é devido a fatores internos a ela, biológicos e fisiológicos, e é sobre esses aspectos que devem ser realizadas intervenções profissionais. Com esse tipo de entendimento, a medicalização da criança é a intervenção mais provável de ser realizada. E é a isso que a autora se refere como “culpabilização do indivíduo”: o indivíduo, que às vezes é vítima de um contexto que não valoriza o ensino, de técnicas de ensino ultrapassadas e ineficientes, de poucas condições para estudo, é considerado o culpado pelo próprio fracasso escolar. Mas isso é um equívoco, segundo a autora, uma vez que é sobre os processos de ensino e aprendizagem que devem ser feitas as intervenções para influenciar na aprendizagem das crianças. Ela cita as palavras de Manonni, publicadas no final da década de 1980, mas absolutamente atuais:

Em vez de revolucionar o ensino e sua estrutura, o Ocidente prefere, pelo contrário, remediar os efeitos das anomalias geradas por um ensino inadequado à nossa época. Remediar os efeitos significa, neste caso, encarregar a medicina de res-ponder onde o ensino fracassou. (MANNONI, 1988 apud GUARIDO, 2007).

A biologização e medicalização do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem pode ser percebida em relação a processos específicos, tais como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (MEIRA, 2012). Vale perceber que até a primeira palavra constituinte do nome dessa expres-são (“transtorno”) já revela um pressuposto: há na pessoa um transtorno. Ela é doente. Mas será mesmo? Será que uma criança que é classificada como por-tadora do déficit de atenção não vive em um contexto que não lhe propicia “focar sua atenção”? Será que o fato de a criança ser um pouco mais agitada que outras não pode ser considerado normal, uma vez que todas as pessoas são diferentes entre si? Será que o diagnóstico de “transtorno de déficit de atenção” não é é benéfico aos pais da criança, uma vez que, ao ser medicalizada, a criança fica quietinha e não os incomoda? Talvez sim. Mas o discurso da biologização

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do fracasso escolar e da culpabilização do indivíduo diz que não. O raciocínio parece ser o seguinte: a criança é portadora de um transtorno, esse transtorno é determinado por disfunções neurofisiológicas, essas disfunções devem ser trata-das e a melhor forma para tratá-las é por meio de fármacos.

Meira (2012) destaca que, no site da Associação Brasileira de Déficit de Atenção, tal processo é “definido como um transtorno neu robiológico de causas genéticas que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida” (p. 137). Ou seja, no site dessa associação, são excluídas como possíveis causas dos comportamentos classificados como TDAH, quaisquer causas relativas à interação que a criança estabelece com o meio. Neste capítulo, ao examinarmos a forma de comunicação denominada “enviar mensagens contraditórias”, vimos que os pais às vezes solicitam ao seu filho que ele lhes chame de forma educada, mas só o atendem quando ele berra e esperneia. Depois de certo tempo vivendo em tal condição ou “contingência de reforçamento”, é comum que seja aumentada a probabili-dade de a criança espernear, berrar, ficar agitada. Será que ela tem mesmo um transtorno? Ou será que foi a interação que ela estabeleceu com o meio que determinou que ela agisse dessa maneira? Nesse exemplo, obviamente, foi a interação da criança com seu meio que determinou a sua forma de agir.

Em 2010, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo publicou o livro Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos. Segundo o exame que Toassa (2012) publicou a respeito desse livro, há nele uma desconstrução das bases pseudocientíficas do TDAH. Essas bases consistem nos argumentos que indicam que tal processo, o TDAH, é determinado simplesmente por causas biológicas, genéticas ou por disfunções fisiológicas. No livro, é fundamen-tada a influência da indústria farmacêutica no aumento dos diagnósticos de TDAH e como essa indústria vem ocultando descobertas relativas aos efeitos colaterais do princípio ativo utilizado para tratá-lo, o metilfenidato, presente em remédios como Ritalina e Concerta.

Outro problema da biologização do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem, em especial em relação ao TDAH, é a banalização com que esse processo tem sido tratado e a falta de clareza de profissionais educadores a respeito dele. A banalização do TDAH é revelada pelo aumento significativo

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da quantidade de diagnósticos. Em uma pesquisa realizada em 17 escolas da cidade de Porto Alegre, da qual participaram os professores e as pessoas que compunham a equipe de coordenação das escolas, a média de alunos indi-cados com TDAH foi de 3%. Mas, em uma das escolas, 51% alunos foram classificados com TDAH; em outra, 0,2% (JOU et al., 2008). Mais do que revelar a variabilidade dos processos entendidos como TDAH nessas escolas, os dados dessa pesquisa indicam a falta de preparo de profissionais de educa-ção para lidar com tal tipo de processo, inclusive a respeito da atuação mais simples de ser realizada em relação a ele: identificá-lo.

É preciso, portanto, cuidado com o uso banalizado de diagnósticos sobre as crianças com dificuldades de aprendizagem, seja qual for essa dificul-dade, mas, em especial, o TDAH. Esse cuidado é necessário por vários moti-vos: pelo equivocado pressuposto de que causas biológicas são os principais determinantes do fracasso escolar; por desconsiderar variáveis contextuais (pedagógicas, sociais, políticas) na produção do fracasso escolar; pela falta de preparo dos profissionais da Educação em identificar o TDAH; pelos efeitos colaterais dos medicamentos utilizados para o tratamento desse processo; pela perversidade em considerar como causa do fracasso escolar e das dificulda-des de aprendizagem justamente os indivíduos que talvez sejam as maiores vítimas de um sistema social e educacional pouco atrativo e distanciado da realidade social na qual tais indivíduos, os aprendizes, inserem-se.

SínteseNo que a Psicologia pode auxiliar nos processos de ensino e aprendi-

zagem? A ênfase que a Psicologia atribui às interações dos aprendizes com o ambiente no qual eles se encontram pode ser a principal resposta a essa per-gunta. O olhar para os estágios de desenvolvimento das crianças e dos alunos em geral; a relação entre os aprendizes e o contexto social no qual eles vivem; a identificação das necessidades sociais com as quais precisarão lidar em sua vida cotidiana, social e profissional; a proposição de objetivos de ensino coe-rentes com tais necessidades sociais; a proposição de atividades de ensino efi-cientes e eficazes; a avaliação dos processos de ensino e aprendizagem. Todas essas são contribuições que os psicólogos já produziram e que podem, em algum grau, melhorar a educação nacional.

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Referências

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