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7/24/2019 Psicodiagnóstico Interventivo http://slidepdf.com/reader/full/psicodiagnostico-interventivo 1/240 Psicodiagnóstico interventivo evolução de uma prática

Psicodiagnóstico Interventivo

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    Psicodiagnsticointerventivo

    evoluo de uma prtica

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    Psicodiagnstico interventivo : evoluo de uma prtica / SilviaAncona-Lopes (org.). 1. ed. So Paulo : Cortez, 2013.

    Vrios autores.ISBN 978-85-249-2064-6

    1. Psicodiagnstico 2. Psicologia existencial 3. Psicologia fenome-nolgica 4. Psicoterapia I. Ancona-Lopez, Silvia.

    13-07523 CDD-150.192

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Psicodiagnstico interventivo : Psicologia 150.192

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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    evoluo de uma prtica

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    PSICODIAGNSTICO INTERVENTIVO: evoluo de uma prtica

    Silvia Ancona-Lopez (Org.)

    Capa: de Sign Arte VisualPreparao de originais: Ana Paula Luccisano

    Reviso: Andra Vidal

    Composio: Linea Editora Ltda.

    Coordenao editorial: Danilo A. Q. Morales

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicadasem autorizao expressa dos autores e do editor.

    2013 by Silvia Ancona-Lopez

    Direitos para esta edio

    CORTEZ EDITORA

    Rua Monte Alegre, 1074 Perdizes

    05014-001 So Paulo SP

    Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290

    E-mail: [email protected]

    www.cortezeditora.com.br

    Impresso no Brasil agosto de 2013

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    Sumrio

    Sobre os Autores........................................................................................ 7

    Apresentao

    Marlia Ancona-Lopez........................................................................... 13

    I. Psicodiagnstico fenomenolgico-existencial:

    focalizando os aspectos saudveisGohara Yvette Yehia............................................................................. 23

    II. Psicodiagnstico Interventivo fenomenolgico-existencial

    Marizilda Fleury Donatelli..................................................................... 45

    III. O psicodiagnstico interventivo sob o enfoque da narrativa

    Giuliana Gnatos Lima Bilbao ................................................................. 65

    IV. Movimentos transferenciais no psicodiagnsticointerventivo

    Giselle Guimarese Mariana do Nascimento Arruda Fantini ...................... 77

    V. A compreenso da religiosidade do cliente nopsicodiagnstico interventivo fenomenolgico-existencial

    Marizilda Fleury Donatelli..................................................................... 90

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    6 SILVIA ANCONA-LOPEZ

    VI. Colagem: uma prtica no psicodiagnstico

    Ligia Corra Pinho Lopes, Maria Fernanda Mello Ferreira e

    Mary Dolores Ewerton Santiago............................................................. 107

    VII. Interlocues entre a clnica psicolgica e a escola nopsicodiagnstico interventivo

    Lucia Ghiringhelloe Suzana Lange P. Borges............................................ 127

    VIII.Visita domiciliar: a dimenso psicolgica do espaohabitado

    Ligia Corra Pinho Lopes....................................................................... 143

    IX. A importncia da interdisciplinaridade nopsicodiagnstico infantil: a colaborao entre aPsiquiatria e a Psicologia

    Flvio Jos Goslinge Rosana F. Tchirichian de Moura................................ 166

    X. Metfora e devoluo: O livro de histria no processo depsicodiagnstico interventivo

    Elisabeth Becker, Marizilda Fleury Donatelli e

    Mary Dolores Ewerton Santiago............................................................. 179

    XI. A elaborao de relatos de atendimento empsicodiagnstico interventivo: sua importnciana formao do aluno-estagirio

    Cicera Andra Oliveira Brito Patutti, Lionela Ravera Sardelli,Maria da Piedade Romeiro de Araujo Meloe Regina Clia Ciriano............... 197

    XII. Desafios no psicodiagnstico infantil

    Rosana F. Tchirichian de Mourae Silvia Ancona-Lopez.............................. 226

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    Sobre os Autores

    Cicera Andra Oliveira Brito Patutti CRP 06/46577-2. Psicloga Clnica;mestre em Sade Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Docente daUniversidade Paulista (UNIP); supervisora de estgio na mesmainstituio nas reas de Psicodiagnstico Interventivo e Psicoterapia,alm de atuar como psicoterapeuta.

    Elisabeth Becker CRP 12/12168. Psicloga Clnica pela PUC-SP; dou-tora em Psicologia do Desenvolvimento Psicologia (USP). Mestreem Psicologia Clnica (USP). Especialista em atendimento nas reasde deficincia. Exerccio docente e de Pesquisadora na USP, UNIP, UPMackenzie.

    Flvio Jos Gosling CRM 98215. Mdico Psiquiatra, residncia mdicaem Psiquiatria da Infncia. Mdico Psiquiatra Assistente do Hospital

    das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Pau-lo (HC/FMUSP). Mdico Perito do Departamento de Sade do Ser-vidor da Prefeitura do Municpio de So Paulo. Mdico Psiquiatradas Clnicas de Psicologia (CPA) da Universidade Paulista (UNIP).Professor do curso de Especializao em Sexualidade Humana daFaculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (FMUSP).

    Giselle Guimares CRP 06/48676. Psicloga graduada pelo IPUSP;

    especialista em Psicologia Infantil pela UNIFESP; mestre em Psicolo-gia Clnica pela PUC-SP; supervisora de Psicodiagnstico e Grupos

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    8 SILVIA ANCONA-LOPEZ

    e Comunidades (UNIP); supervisora clnica no ComTato InstitutoFazendo Histria.

    Giuliana Gnatos Lima Bilbao CRP 06/51428-1. Psicloga pela PUC Cam-pinas; mestre em Psicologia Clnica e doutora em Psicologia comoProfisso e Cincia pela mesma Universidade. Professora universit-ria. Fez aprimoramento em Psicologia Clnica e especializao emSade Coletiva em Trieste-Itlia. Publicou os livros Psicologia e arte(2004) e Os anjos de Zabine(2007) pela Editora tomo e Alnea. su-pervisora em psicodiagnstico, psicoterapia e oficina de criatividade

    no Centro de Psicologia Aplicada da UNIP-Campinas.

    Gohara Yvette Yehia CRP 06/411. Psicloga pela Universidade de SoPaulo (USP); mestre e doutora em Psicologia Clnica pela PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo. Colaboradora do Laboratrio dePrticas e Estudos em Fenomenologia Existencial (LEFE) da USP.

    Ligia Corra Pinho Lopes CRP 06/35835-9. Psicloga Clnica. Mestre emPsicologia Clnica pela PUC Campinas; doutora em Psicologia Clni-ca pela PUC-SP. Coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada(CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Alphaville/SP. Professo-ra universitria; supervisora de estgio nas reas de PsicodiagnsticoInterventivo e Psicoterapia.

    Lionela Ravera Sardelli CRP 06/21686-5. Psicloga Clnica; mestre em

    Sade Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Docente da Universida-de Paulista Campinas e Limeira; supervisora de estgio pela mesmainstituio nas reas de Psicodiagnstico Interventivo e Psicoterapia,alm de atuar como psicoterapeuta.

    Lucia Ghiringhello CRP 06/902. Psicloga formada pela Faculdade deFilosofia Cincias e Letras da Universidade de So Paulo (USP); mes-tre e doutora em Psicologia Clnica pelo IPUSP; supervisora de est-

    gio em Psicologia Clnica (Psicodiagnstico) na Universidade Paulis-ta (UNIP).

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    Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo CRP 06/45952. Psicloga pelaUNESP/Assis. Mestre em Psicologia Clnica; doutora em Sade Men-

    tal; psicoterapeuta, docente e supervisora de estgio no curso degraduao em Psicologia. Coordenadora do curso de Psicologia daUnip Campinas. Membro da Comisso Gestora do CRP e da Comis-so de Avaliao de Ttulo de Especialista (2008-2013).

    Maria Fernanda Mello Ferreira CRP 06/327029. Psicloga Clnica. Mestreem Comunicao e Semitica pela PUC-SP. Coordenadora do Centrode Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) da

    Cantareira e da Vergueiro em So Paulo. Professora universitria;supervisora de estgio nas reas de Psicodiagnstico Interventivo eOficina de Criatividade.

    Mariana do Nascimento Arruda Fantini CRP 06/508735. Psicloga Clnicagraduada pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia Psicanaltica IPUSP; mestre em Psicologia Clnica pela PUC-SP; supervisora de

    Psicodiagnstico e Psicoterapia Psicanaltica (UNIP).Marizilda Fleury Donatelli CRP 06/14481. Mestre e doutora em Psico-logia Clnica pela PUC-SP. Professora universitria; supervisora deestgio na Universidade Paulista (UNIP) nas reas de Psicodiagns-tico Interventivo e Psicoterapia. Atua em consultrio no atendimentoa crianas, adolescentes e adultos.

    Mary Dolores Ewerton Santiago CRP 06/00345-8. Mestre e doutora emPsicologia Clnica pela PUC-SP. Professora universitria; supervisorade estgio na Universidade Paulista (UNIP) nas reas de Psicodiag-nstico Interventivo e Psicoterapia. Atua em consultrio particularno atendimento a adolescentes e adultos. Coautora do livro Psicodiag-nstico processo de interveno, Cortez, 1993.

    Regina Clia Ciriano CRP 06/01357-4. Psicloga pela PUC Campinas.

    Especializao e Especializao avanada em Sade Mental Infantilpela UNICAMP. Mestre e doutora em Sade Mental pela FCM/DPMP/

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    UNICAMP. Docente da Universidade Paulista (UNIP) nas cidades deCampinas e de Limeira. Supervisora de estgio pela mesma institui-

    o nas reas de Psicodiagnstico Interventivo e Psicoterapia de basePsicanaltica. Atuao como psicoterapeuta em consultrio.

    Rosana F. Tchirichian de Moura CRP 06/26620. Psicloga Clnica; mestreem Educao e supervisora de estgio de Psicodiagnstico e Psicote-rapia na Universidade Paulista (UNIP).

    Silvia Ancona-Lopez CRP 06/2862. Mestre e doutora em Psicologia

    Clnica pela PUC-SP. Coordenadora dos Centros de Psicologia Apli-cada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Campinas e naChcara Santo Antonio/SP. Professora universitria; supervisora deestgio nas reas de Psicodiagnstico Interventivo e Psicoterapia.Membro do Comit de tica (CEP) da UNIP. Coautora do Livro Psi-codiagnstico processo de interveno, Cortez, 1993.

    Suzana Lange P. Borges CRP 06/266033. Psicloga Clnica; mestre em

    Psicologia pela Universidade So Marcos. Especialista em Psicotera-pia Infantil e Psicoterapia de Grupo (Instituto Sedes Sapiente). Super-visora de estgio da Universidade Paulista (UNIP) de Psicodiagns-tico e Psicoterapia.

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    Agradecemos aos nossos clientes que

    compartilharam conosco suas histrias de vida

    e seus sofrimentos e aos alunos, que

    com seus questionamentos, levam reviso e

    evoluo da prtica do psicodiagnstico interventivo.

    Nossos agradecimentos a dra. Lilia Ancona-Lopez,pela inestimvel colaborao na organizao deste livro.

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    Apresentao

    O psicodiagnstico interventivo desenvolveu-se a partir da cons-tatao de que teoria e prtica nem sempre andam juntas. Apesar deessa constatao ser bastante bvia, ela adquire tons dramticosquando se apresenta na situao concreta do atendimento psicolgi-co. Diante do paciente, o psiclogo pode agir, falar ou calar-se, mas,mesmo no silncio, algo nele fala: o desejo de compreender, a atenofocada ou flutuante. Por vias racionais, intuitivas, sensveis, emocio-nais, o psiclogo busca apreender, entender, conhecer, compreendero outro que est diante de si. E, nesse processo, cliente e psiclogoconhecem cada vez mais a si mesmos.

    A lacuna que se faz presente na concretude da clnica, quandoos conceitos se mostram estreitos e as tcnicas insuficientes, coloca opsiclogo diante das limitaes do conhecimento e dos recursos deuma profisso que se baseia em um saber ainda pouco desenvolvido.

    Paradoxalmente, o psicodiagnstico interventivo desenvolveu-se,tambm, a partir da constatao de um excesso. O universo Psi eivado de conceitos, mtodos, procedimentos e tcnicas. Diferentesvises de homem e de mundo compem paradigmas diversos. Delesdecorrem propostas tericas que se apresentam como campo propciopara a proliferao de produes que se agrupam, buscando construircorpos consistentes e coerentes, que meream o estatuto de cientifi-

    cidade e deem conta das demandas da prtica. A existncia de pelomenos trs grandes eixos paradigmticos o behaviorismo, as psi-

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    canlises e a fenomenologia existencial e o incio de um quartoeixo transpessoal originam inmeras correntes. As psicologias com-

    portamentais, cognitivas, lacanianas, winniccotianas, gestlticas,humanistas, fenomenolgicas, existenciais, psicodramticas, transpes-soais e da psicossntese, entre muitas outras, evidenciam o que chameide excesso. No que diz respeito ao psicodiagnstico, cada correnteaborda e valoriza de forma singular o processo psicodiagnstico eutiliza estratgias, procedimentos e tcnicas diferentes ao realiz-lo.

    A palavra dramatem muitos significados. Na vida cotidiana, umconjunto de acontecimentos complicados, difceis ou tumultuosos,que causem dano, sofrimento e dor, pode ser um drama. Para outros, uma representao com episdios que contm elementos trgicos,paixes, situaes exacerbadas, doces, suaves e at mesmo cmicas.

    Foi uma situao dramtica, com episdios inesperados, compli-cados, difceis, tumultuosos, e simultaneamente agradveis e cmicos,que vivi dcadas atrs. Na ocasio, dirigia a clnica psicolgica de umainstituio de ensino superior e me sentia responsvel pela prestao

    de servio s pessoas que procuravam atendimento gratuito. Tinhaconscincia, tambm, da expectativa das escolas e dos setores da sa-de que as encaminhavam, confiantes em nosso trabalho institucional.Alm disso, sentia-me pressionada pela necessidade de oferecer umaformao de qualidade aos futuros psiclogos, preparando-os para osatendimentos psicolgicos, razo de ser da clnica-escola.

    Naquela cena, na qual psiclogos, professores, clientes, alunos e

    gestores aliavam-se ou afastavam-se uns dos outros, criando diferen-tes agrupamentos humanos conforme as posies que assumiamdiante das inmeras alianas, competies, disputas e negociaesque ocorriam em cenrios pessoais, profissionais, institucionais esociais, dispus-me a pensar em solues para um fato que me atingiaparticularmente: crianas chegavam clnica levadas por seus pais,a mando de professores ou de outros profissionais, e aps um longotempo na lista de espera eram chamadas para atendimento. Otempo de espera estendia-se muitas vezes por mais de seis meses e,como consequncia, boa parte dos inscritos no respondia ao chama-

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    do da clnica. No caso das crianas, os pais ou responsveis quecompareciam eram atendidos em uma breve entrevista de triagem,

    na qual apresentavam suas queixas pontuais e muitas vezes descon-textualizadas. As crianas eram inscritas para o psicodiagnstico einiciavam a sua carreira de paciente, sem consideraes a respeitodo contexto social geral e particular no qual os sintomas tinham sidogerados.

    No incio do processo psicodiagnstico, solicitava-se aos respon-sveis pelas crianas que expusessem as razes da sua vinda clni-ca e levantava-se a histria dessas crianas por meio de uma anam-nese. Em seguida, aplicava-se uma bateria de testes e, com os dadosobtidos, formulava-se uma hiptese diagnstica com base em mode-los sugeridos pelas teorias de desenvolvimento e da personalidade,ou por modelos oriundos das reas da Educao e da Medicina, comoos da Psicopatologia.

    Na elaborao de uma concluso diagnstica, cabia ao psiclogodesenvolver um raciocnio que integrasse de forma coerente os dados

    oriundos de diferentes testes originados em paradigmas diversos as informaes trazidas pelos responsveis pela criana obtidasem uma ou no mximo em duas entrevistas iniciais , as informaesda escola e de outros profissionais e as observaes realizadas dire-tamente com a criana. Era preciso, ainda, elaborar um relatrio finalem linguagem psicolgica. O relatrio psicodiagnstico orientava aentrevista final a ser desenvolvida com os responsveis pela criana

    e pelo seu encaminhamento. O processo todo resultava, na maioriadas vezes, em indicao para psicoterapia. Gerava-se uma nova listade espera que, aliada ao fato de que nem as crianas, nem os paisentendiam a razo desse encaminhamento, o que ele significava e oque podiam esperar dele, alm de no terem observado mudanasnas crianas durante o processo diagnstico, ocasionava uma novaleva de desistncias. Iniciado o atendimento psicoterpico, os respon-sveis esperavam que a criana melhorasse, ou seja, que os sintomase as dificuldades apresentadas desaparecessem rapidamente. Essa era,na maior parte das vezes, tambm a esperana dos professores. Como

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    a remoo de sintomas no o objetivo da maior parte das psicote-rapias, embora possa ser um de seus efeitos, poucas crianas chegavam

    ao final do atendimento. De fato, a primeira pesquisa que fiz sobre oassunto a fim de comprovar o que observava, realizada em 1986 epublicada no livro Psicologia e instituio, organizado por Rosa Mace-do (So Paulo: Cortez), mostrou que apenas 4,6% dos clientes quehaviam buscado as quatro clnicas-escola de instituies de ensinoanalisadas em So Paulo tinham alta, ou seja, encerravam o aten-dimento em comum acordo com o psiclogo, com o profissionalconcluindo que o atendimento tinha atingido o seu fim e o cliente

    considerando que poderia continuar a sua vida de forma positiva,com os prprios recursos. Estudos posteriores sobre a avaliao doatendimento se sucederam em diversas partes do pas, e um Grupode Trabalho da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao emPsicologia (Anpepp) trabalhou nesse assunto por muitos anos, masas diferentes pesquisas no mostraram grande avano na situaodescrita.

    Para os psicoterapeutas, o relatrio do psicodiagnstico noparecia ser de grande utilidade. Mais do que transmitir um conheci-mento sobre a criana, ele aparecia como uma garantia de que ascondies necessrias para o desenvolvimento da psicoterapia estavampreservadas e de que havia sido verificada a necessidade de atendi-mentos paralelos, fossem eles neurolgicos, psiquitricos, fonoaudio-lgicos ou outros. A funo do relatrio psicodiagnstico reduzia-se

    de uma triagem confivel. Quanto s questes da dinmica psqui-ca, os psicoterapeutas preferiam no se ater aos detalhes dos relatriosoriundos do processo psicodiagnstico, mas desenvolver uma com-preenso prpria no decorrer do atendimento.

    A relao custo-benefcio do processo psicodiagnstico parecia-mefora de equilbrio. Para as famlias de baixa renda havia um custofinanceiro, resultante da falta ao trabalho no dia do atendimento parapoder acompanhar as crianas clnica, acrescida das despesas coma conduo. Havia tambm o custo psicolgico decorrente do desco-nhecimento do tipo de atendimento para o qual levavam as crianas,

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    do fato de elas serem consideradas portadoras de alguma patologiapsicolgica e da no considerao das condies cotidianas tanto da

    vida familiar e escolar quanto de todo o contexto econmico, polticoe social em que viviam. Os estagirios viviam a tenso e a inseguran-a tpicas dos primeiros atendimentos, preocupavam-se com a ava-liao do seu trabalho e, no caso do psicodiagnstico, defrontavam-secom as vicissitudes de serem orientados a se manterem neutros eobjetivos na aplicao e na avaliao de testes cujos resultados noeram questionados e nem sempre coincidiam com o que observavamnas crianas. Os supervisores, por sua vez, aliavam a preocupao

    com o ensino responsabilidade pelo resultado dos atendimentos.A confiana na competncia profissional dos professores super-

    visores, na seriedade do seu trabalho e no cuidado que dispendiamaos alunos e s supervises eram a garantia institucional de que nohaveria danos nem aos estagirios nem aos clientes. Os alunos reali-zavam seus primeiros atendimentos e comeavam a desenvolver umaatitude clnica e uma identidade profissional. Os supervisores desem-

    penhavam a contento a sua funo. No entanto, uma questo silen-ciosa, subjacente ao andamento da clnica, colocava em dvida oservio oferecido, aparentemente frutuoso. O benefcio para os clientesera mnimo. Uma pequena porcentagem das crianas chegava ao fimdo processo psicodiagnstico, uma porcentagem menor ainda iniciavaa psicoterapia, e a grande parte dos clientes abandonava o atendimen-to por iniciativa prpria, sem justificativa. Como responsvel por todo

    o servio oferecido pela clnica-escola, sentia-me inquieta.A divulgao da pesquisa que teve como objetivo avaliar os re-sultados dos atendimentos psicolgicos oferecidos por quatro clni-cas-escola causou algum impacto no meio acadmico e levou-me aorganizar o primeiro encontro de clnicas-escola para discutir o as-sunto. Esse encontro se repetiu, sediado cada vez por uma instituiodiferente, e hoje se encontra na sua vigsima verso. O efeito da di-vulgao dos resultados obtidos nos atendimentos oferecidos nasclnicas-escola na ocasio, no entanto, foi maior na clnica que estavasob minha responsabilidade. Consequentemente, grande parte dos

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    supervisores que atuava nessa clnica envolveu-se no assunto e de-dicou-se, comigo, a enfrentar o desafio de encontrar formas de aten-

    dimento que se voltassem ao bem dos clientes, evitar as listas deespera, eliminar o uso de tcnicas desnecessrias, estabelecer umarelao de escuta e de respeito s histrias e aos significados atribu-dos pelos clientes s suas experincias, expor os objetivos e o modode trabalho dos profissionais de Psicologia e compartilhar o conheci-mento adquirido sobre as crianas em linguagem acessvel e atentas possibilidades de absoro e compreenso, alm de construir comos clientes novos significados e novas condutas. Analisada a situao

    na perspectiva de uma das finalidades da clnica-escola a de pre-parar os alunos do curso de graduao em Psicologia para o atendi-mento clnico , considerou-se que a postura proposta corrigia umasituao perversa: utilizar os clientes para o aprendizado dos alunos.Considerou-se, tambm, que o reverso dessa situao, ou seja, ensinaros alunos a atender s necessidades dos clientes utilizando os conhe-cimentos adquiridos durante o curso, acrescentados aos conhecimen-

    tos disponibilizados pelo supervisor e pela discusso dos casos, eraa postura tica necessria e imprescindvel para qualquer atividadevoltada formao do psiclogo.

    Em uma redistribuio dos recursos administrativos disponibi-lizados pela instituio para a clnica-escola, em forma de horas detrabalho docente, estabeleci reunies de estudo e discusso semanais.Nessas reunies formalizamos, em um primeiro momento, as obser-

    vaes realizadas sobre o estatuto atual dos atendimentos, estudandoos resultados do levantamento realizado. Em seguida, procuramosconhecer o que era feito a esse respeito em outros pases, em institui-es que ofereciam atendimento a populaes de baixa renda, se-melhana das clnicas-escola, e convidamos profissionais para pales-tras e workshops. Outra situao que se mostrou extremamentefavorvel ao desenvolvimento de nosso trabalho foi o fato de vriossupervisores estarem inscritos em programas de mestrado e douto-

    rado. Isto possibilitou que, semelhana do levantamento inicialsobre os atendimentos em clnica-escola, temas relacionados ao obje-

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    tivo de melhoria do atendimento e da preparao de alunos fossemescolhidos para o desenvolvimento de dissertaes e teses em Psico-

    logia Clnica.Nessa esteira, a psicloga Yara Monachesi formalizou uma pes-

    quisa sobre o problema do uso de testes originados em diferentesparadigmas tericos no processo psicodiagnstico e sobre o uso dosrelatrios psicolgicos pelos psicoterapeutas; Silvia Ancona-LopezLarrabure dedicou-se a uma proposta de trabalho em grupos de es-pera; Oara Varca Moreira da Silva props um grupo estruturado devivncia para pais; e Gohara Yvette Yehia apresentou uma tcnicaalternativa de superviso de estgio para a formao de psiclogos.Todas essas dissertaes foram realizadas no Programa de EstudosPs-graduados em Psicologia Clnica da Pontifcia Universidade Ca-tlica de So Paulo (PUC-SP).

    Iniciou-se a implantao dos novos atendimentos a par dos es-tudos, das discusses e do desenvolvimento de pesquisas: Grupos deEspera, Grupos de Triagem, Grupos de Orientao para Pais e Grupos

    de Psicodiagnstico Interventivo. O incio dos atendimentos em mo-delos diferentes daqueles j reconhecidos e difundidos pela reaexigiu novas reorganizaes administrativas, reformulaes na equi-pe e o desenvolvimento de uma relao mais ativa e colaborativaentre alunos e supervisores. Esse trabalho no se deu sem tenses nainstituio, no relacionamento intraequipe e no relacionamento comos alunos, mas os atendimentos traziam resultados evidentes: os

    clientes participavam ativamente, reformulavam significados e com-portamentos, compreendiam de forma nova os relacionamentos fa-miliares e os sintomas de seus filhos e ativavam seus recursos paralidar de forma positiva com a situao encontrada. Alm disso, com-preendiam melhor e valorizavam o trabalho dos psiclogos.

    Simultaneamente, tratou-se de transpor para uma linguagemterica as estratgias desenvolvidas. Novas discusses, desta vezocasionadas por diferentes preferncias tericas, tiveram lugar. Por

    fim, escolheu-se a linguagem da fenomenologia para sua apresentao,e novas dissertaes e teses foram realizadas no Programa de Estudos

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    Ps-graduados de Psicologia Clnica da PUC-SP. Apresentei uma tesesobre o atendimento a pais no processo psicodiagnstico infantil em

    uma abordagem fenomenolgica, Gohara Yvette Yehia versou sua tesesobre os efeitos do psicodiagnstico analisados em entrevistas defollow-up, e Christina Menna Barreto Cupertino desenvolveu umaanlise de desencontros no processo. Vrias publicaes se sucederam,entre elas a de Mary Ewerton Santiago e Sonia Jubelini, sobre umamodalidade alternativa do psicodiagnstico em instituio, a de SoniaJubelini, sobre o psicodiagnstico grupal, e um artigo de Silvia An-cona-Lopez Larrabure, Yu Me Yut e Teixeira, sobre a vivncia de

    exerccios de psicomotricidade em grupos de mes. Uma pesquisasobre crianas no psicodiagnstico grupal foi desenvolvida por MariaLuiza Munhoz. As reflexes sobre o psicodiagnstico interventivoforam apresentadas no livro organizado por mim, intitulado Psico-diagnstico: processo de interveno(So Paulo: Cortez, 1995). De fato,o livro tornou-se referncia para esse tipo de trabalho, que ultrapassouo espao da equipe e das clnicas em que o psicodiagnstico inter-

    ventivo se originou. Nele discute-se a prtica do psicodiagnstico,sua possibilidade como processo interventivo, reformulaes exigidaspara sua utilizao, a posio da criana e dos pais no processo, oenvolvimento da equipe e as transformaes necessrias para suaimplantao. O fato que o psicodiagnstico interventivo firmou-secomo estratgia de atendimento e passou a ser utilizado em diferen-tes dispositivos de atendimento clnico no pas. O livro foi adotado,tambm, por inmeras instituies de ensino e teve mais de 25 edies,o que levou a editora a solicitar uma nova publicao sobre o mesmoassunto.

    Por muitos anos, e ainda hoje, sou convidada a orientar, expor efalar desse trabalho, apesar de minha vida profissional ter seguidooutra direo, levando-me a novas implantaes e transformaestanto na rea da Psicologia quanto na rea da educao superior. Oatendimento em psicodiagnstico interventivo, no entanto, continuou

    a ser feito tanto por colegas da equipe inicial quanto por outros pro-fissionais que se agregaram ao trabalho, e o processo foi se aperfei-

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    oando. O livro que ora apresento mostra os avanos ocorridos eexpe como o psicodiagnstico interventivo realizado hoje.

    Os autores Elisabeth Becker, Cicera Andra Oliveira Brito Patutti,Flvio J. Gosling, Giselle Guimares, Giuliana Gnatos Lima Bilbao,Gohara Yvette Yehia, Ligia Corra Pinho Lopes, Lionela Ravera Sar-delli, Lucia Ghiringhello, Maria Fernanda Mello Ferreira, Maria daPiedade Romeiro de Araujo Melo, Mariana do Nascimento ArrudaFantini, Marizilda Fleury Donatelli, Mary Dolores Ewerton Santiago,Regina Clia Ciriano, Rosana Tchirichian de Moura, Silvia Ancona--Lopez e Suzana Lange P. Borges so psiclogos clnicos e atuam em

    instituies de ensino. Em seus textos apresentam os pressupostos dopsicodiagnstico, seus procedimentos, colaboraes com outras dis-ciplinas, dilemas e desafios, alm de estratgias como a colagem, avisita domiciliar, a visita escolar, o uso de metforas para a entrevis-ta de devoluo e a importncia da elaborao dos relatos dos aten-dimentos na formao dos estagirios de Psicologia. Falam de aspec-tos saudveis e adentram em temas at hoje pouco explorados na rea

    da Psicologia, como o da ateno religiosidade dos clientes e desuas famlias. Enfim, mostram como hoje o psicodiagnstico inter-ventivo, desenvolvido de forma colaborativa com as crianas e comos seus pais, tornou-se uma possibilidade concreta para uma atuaoclnica efetiva e tica. Ao avanar significativamente no desenvolvi-mento do processo do psicodiagnstico interventivo, os autoresapontam para um modo de levar adiante a profisso: desenvolver umtrabalho que integre teoria e prtica, analise os procedimentos psico-

    lgicos e seus fundamentos, ouse ir alm dos padres j estabelecidos,experimente dentro dos limites ticos e tenha por guia uma reflexoampla e multidisciplinar que considere o contexto e os efeitos pessoais,institucionais e sociais.

    So Paulo, 13 de abril de 2013.

    Marlia Ancona-Lopez

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    Captulo I

    Psicodiagnstico

    fenomenolgico-existencial:focalizando os aspectos saudveis

    Gohara Yvette Yehia

    Um pouco de histria

    Sade e doena vm sendo compreendidas de formas diferentes

    ao longo do tempo, sendo que as mudanas no modo de entend-lasacompanham a evoluo da cincia e da sociedade. Assim que, naIdade Mdia, a relao do homem com o mundo era marcada pelavida coletiva, assentada nas tradies e na crena de entidades pode-rosas que exigiam submisso, pois eram donas do destino. J noRenascimento, com as descobertas e a ampliao do comrcio, amultiplicidade de possibilidades traz consigo a sensao de desam-paro e incertezas quanto ao destino.

    Nasce a necessidade de controle diante do mundo do qual ohomem se afastou e que passou a ser sentido como inspito. Nota-se,

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    ento, um progressivo movimento de introspeco via racionalidade.No perodo chamado de Moderno, o homem criou um mtodo

    construo de sistemas lgicos e coerentes que permitam explicar osfenmenos do universo e de si mesmo, com a consequente exclusodaquilo que no contemplado pela razo.

    Hoje, sabemos que sade e doena no podem ser vistas de for-ma dicotmica, e sim como parte de um nico processo no qualsade no o simples fato de no ter doena ou vice-versa. Assim, adoena mental pode passar a ser pensada como a construo deoutros modos de existncia, diante da dificuldade de responder, demaneira habilidosa, aos fatos do existir. Poder-se-ia pensar na pos-sibilidade de outra atitude existencial em face do mundo como ele vivido (Cautella Jr., 2003).

    Retomando ideias desenvolvidas por Morato e Andrade, deacordo com Webster (1974), sade vem do latim salus, significandocondio(orgnica ou organizacional) benfica, de bem-estar, de segurana.Refere-se cura (healein, em ingls antigo), comopromoo de integri-

    dade e/ou cuidado. Estas definies nos remetem a uma aproximaode clnica e de cuidado, tarefas que dizem respeito ao universo dofazer psicolgico no mbito da sade.

    Pensada a partir destas referncias e comprometida com atenoe cuidado para que o sujeito se conduza na direo de seu bem-estar,ou seja, de resgate de sentido, a prtica psicolgica inclina-se paraacolher o sofrimento humano como perda de sentido. Etimologica-

    mente originrio do gregopathos, sofrer assume o significado de sen-tir, experienciar, tolerar sem oferecer resistncia, ser afetado. Em latim,sofrerorigina-se de subferre, referindo-se a suportar por debaixo, im-plicando dois significados: tolerar um peso e sustentar um peso. Noprimeiro, sofrer diz respeito a uma dor, ao passo que, no segundo,diz de uma fora ou de um poder ser. Desse modo, em ambas asorigens, sofrimento refere-se situao de ser afetado pela ambigui-dade prpria da condio humana. Diz da dor diante do desamparodo homem na sua tarefa de existir, suportando a inospitalidade dosacontecimentos para conduzir-se adiante.

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    Na Idade Moderna, tanto a atividade clnica quanto a pedaggi-ca no fogem a um predomnio da tcnica. A clnica, afastando-se de

    sua peculiaridade originria, que se refere ao debruar-se sobre o leitodo doente, passa, cada vez mais, a privilegiar procedimentos tcnicos.Desse modo, hoje em dia, o clnico entendido e valorizado comoespecialista. Nessa composio, o momento clnico inicial, com todasua potencialidade de promover uma confiana teraputica atravsda ateno e do acolhimento, reduzido a uma atividade de triagem,a qual encaminhar os pacientes aos respectivos especialistas que,atravs da mediao da tcnica, trataro deles.

    Atualmente esse modelo tcnico-cientfico mostra sinais de es-gotamento. Em nossa prtica, no momento do encontro com o outro,percebemos que o domnio do saber no funciona como lugar seguro;no traz respostas exatas ou verdadeiras nem alivia a angstia peran-te a alteridade que aparece no encontro. Assim, a tendncia negara alteridade procedendo-se a uma reduo, na medida em que seprocura encaixar o outro em um esquema de referncia dado pelo

    saber terico. Neste caso, temos o homem terico, portador de umsaber racional que explica as irracionalidades (os desvios) e acreditadeter os meios de control-las ou ajust-las norma.

    O que se prope, antes de tudo, um deslocamento do saber, umaoutra postura tica em que no existe um saber dado a prioriou umaverdade a ser transmitida, mas uma construo conjunta de sentidos.Faz-se necessrio, pois, que o psiclogo se despoje do lugar de espe-

    cialista, portador de um saber a ser transmitido, e passe a funcionarcomo um mediador, um entre, que acolhe a produo emergentenos diversos encontros (Andrade e Morato, 2004).

    No se trata aqui de descaracterizar o psiclogo de seu saber deofcio. Pelo contrrio, trata-se de um resgate desta dimenso tica quedeveria ser prpria e especfica do saber de ofcio do psiclogo. Este,em sua prtica cotidiana, exerceria a funo de acolher o cliente, emum processo permanente de desmistificao de verdades naturalizan-tes e universalizantes geradoras de injustias e excluso sociais. Umtrabalho voltado para trans-formaes das relaes sociais exige

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    um desmonte permanente das cristalizaes que impedem a institui-o de outros modos de estar no mundo, de outras formas de

    afetamento, em que a diferena no aparece como algo a ser negadoou excludo, mas exatamente como aquilo que possibilitar a criao,as mudanas nos sistemas pensamento, relaes, crenas, entreoutros cristalizados.

    No entanto, o homem s capaz de chegar ao outro pela palavra,vale dizer, a cultura, e, nesse mbito, encontram-se sempre usos,costumes, preceitos e normas, ou seja, todo um corpo moral norma-tivo. Nessa medida, o comprometimento social implicado na prtica

    de orientao fenomenolgica existencial uma dimenso que nopode ser negada nem recusada por profissionais engajados em pro-mover o desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas. Essasprticas sob tica fenomenolgica existencial podem ampliar o espec-tro de ao humana para que se possa atender responsavelmente pluralidade da condio ps-moderna da vida do homem e seu so-frimento. Neste sentido, no mbito da atuao psicolgica, o olharvoltado ao sofrimento humano contextualizado carrega uma preocu-pao quanto busca de abordagens terico-prticas que contemplemas demandas inseridas nesta problemtica.

    A perspectiva fenomenolgica existencial foi o referencial defundamento dessa clnica, pois considera que a condio constituinteda existncia do ser humano relacional, ou seja, revela-se pelo en-contro com o outro. So essas situaes de encontro intersubjetivoque propiciam, no cotidiano da vida, mudanas para o desenvolvi-

    mento e aprendizagem do ser humano, bem como as formas deconvivncia no mundo e com os outros, vendo e sendo visto, ouvin-do e sendo ouvido (Figueiredo, 1995).

    O psicodiagnstico

    Focalizarei agora uma prtica psicolgica conhecida de todos, jque inaugurou a possibilidade de atuao do psiclogo enquanto

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    profissional. Refiro-me ao psicodiagnstico, cuja histria acompanha,obviamente, a do pensamento psicolgico como um todo.

    As instituies que oferecem atendimento psicolgico gratuito comunidade so procuradas por uma porcentagem significativa depais de crianas com algum distrbio de comportamento, dificuldadeescolar ou outra. Por um lado, os pais so geralmente encaminhadospela escola, pelo mdico ou por uma assistente social para atendi-mento psicolgico do filho. A instituio, por sua vez, em geral ofe-rece um psicodiagnstico, uma vez que, no caso de uma criana, odistrbio pode ter a concorrncia de vrias causas (intelectuais, emo-

    cionais, psicomotoras, neurolgicas, fonoaudiolgicas), sendo impor-tante investigar qual rea deve ser prioritariamente atendida.

    O psicodiagnstico infantil efetuado nos moldes tradicionais1cons-ta de uma ou duas entrevistas iniciais com os pais, para que o psiclo-go possa entrar em contato com a queixa, a dinmica familiar e o de-senvolvimento da criana. Em seguida, a criana testada, so avaliadosos testes com ela realizados e integradas as informaes obtidas. Final-

    mente, o psiclogo realiza uma ou duas entrevistas devolutivas com ospais, a fim de oferecer-lhes suas concluses diagnsticas e sugerir ospassos seguintes a serem trilhados: psicoterapia da criana, orientaoaos pais, psicomotricidade, entre outras possibilidades.

    Os pais que comparecem aos atendimentos indicados a partirdesta maneira de desenvolver o psicodiagnstico, quando compare-cem, mostram pouca motivao para eles. Se questionados a respeitodo atendimento anterior (o psicodiagnstico), revelam desconheci-mento do processo pelo qual passaram, limitando-se a repetir aqueixa inicial, s vezes acrescentando a ela a indicao teraputica.Alguns se mostram at mesmo decepcionados com os resultadosdesse atendimento, que no lhes parece ter trazido os benefcios quedele esperavam.

    Por outro lado, para o psiclogo que realizou o psicodiagnstico,este se constituiu em uma etapa importante do processo de compre-

    1. Seguindo-se a proposta de Ocampo e Garcia Arzeno (1981).

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    enso. Permitiu-lhe fazer uma indicao teraputica adequada snecessidades e possibilidades do cliente, baseada no entendimento

    do que est acontecendo com a criana e a dinmica familiar.2

    De fato, se considerarmos o psicodiagnstico como uma coletade dados sobre a qual organizaremos um raciocnio clnico que orien-tar o processo teraputico, este ser, como diz S. Ancona-Lopez(1995), um momento de transio, passaporte para o atendimentoposterior, este sim considerado significativo (porque capaz de provo-car mudanas), no qual o cliente encontrar acolhida para suas d-vidas e sofrimentos.

    Assim, a questo que se coloca : ser que tanto para os paiscomo para a criana o atendimento somente deve tornar-se efetivona psicoterapia? Tal questionamento, produzido a partir de insatisfa-es de uma equipe de psiclogos que trabalhavam em clnicas-esco-la, levaram-na a buscar outras formas de atender aos clientes quebuscam atendimento psicolgico, procurando torn-lo mais signifi-cativo e satisfatrio.

    M. Ancona-Lopez, em sua tese de doutoramento, em 1987, des-creve o atendimento em grupo a pais, durante o psicodiagnstico,realizado de acordo com uma metodologia fenomenolgica. Nessaocasio, entrou em contato com os trabalhos de Fischer, verificandoque havia aspectos comuns que diziam respeito possibilidade deinterveno durante o desenvolvimento do processo, entre os trabalhospropostos

    Eu mesma, em 1994, retomei o estudo do atendimento individuala pais durante o psicodiagnstico, realizando entrevistas defollow-upum ano depois do trmino do trabalho com eles. Esses estudos visa-vam colaborar para o desenvolvimento do psicodiagnstico comoprocesso participativo e interventivo.

    Estes e outros estudos encontram-se no livro de M. Ancona-Lo-pez, Psicodiagnstico: processo de interveno(1998).

    2. Encontra-se uma discusso a respeito de psicodiagnstico nos textos de Boy (1989), Cain(1989) e Schlien (1989).

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    O processo psicodiagnstico fenomenolgico-existencial comcrianas e seus pais

    Passarei, agora, a uma descrio do processo psicodiagnsticoinfantil que se desenvolve em 10 ou 12 sesses. Destas, frequente-mente, 6 ou 7 so com os pais e o restante com a criana.

    Do ponto de vista fenomenolgico-existencial, considera-se todoser humano mergulhado no mundo que, embora sempre presente,muitas vezes lhe despercebido. O sentido dos objetos est na relao

    que eles tm com um conjunto estruturado de significados e de in-tenes inter-relacionadas. Consequentemente, o mundo no obs-trutivo nem o so os objetos do mundo com os quais nos relacionamosdiariamente. Dito de outro modo, no nosso dia a dia, estamos comos objetos de uso corrente, com as pessoas, com nossa famlia, comnosso filho, sem, a todo momento, nos perguntarmos a respeito dosignificado de cada uma dessas pessoas e coisas.

    Entretanto, quando h ruptura, quando falta algo que deveriahaver, passamos a notar certos objetos. Similarmente, quando a crian-a comea a apresentar atitudes e comportamentos que rompem comalgumas expectativas dos pais, dos professores ou de outros agentesda comunidade, surge o encaminhamento ou a busca espontnea pelopsiclogo. neste momento que podem ser problematizadas, ques-tionadas, as relaes dos pais e da criana consigo mesmos, com osoutros e com o mundo. neste contexto que o psicodiagnstico seprope explicitar o sentido da experincia do cliente.

    No caso do psicodiagnstico infantil, o trabalho com os paisvisa explorar o significado da queixa trazida, dos sintomas apresen-tados pela criana, a compreenso que eles tm de sua prpria si-tuao e de sua relao com o filho. Por isso, considero que, mesmosendo a criana a precisar de atendimento psicolgico, so os paisque arcam com muitos dos custos do atendimento infantil: o tempo

    para levar e buscar o filho, o pagamento das sesses e os possveisefeitos transformadores do atendimento infantil na dinmica da

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    famlia. Assim, sem informaes, apoio, motivao e empenho paraesse atendimento, fica difcil esperar que os pais estejam dispostos

    a lev-lo adiante.Por isso, quando o psiclogo recebe pais encaminhados pelaprofessora, o pediatra ou outro agente da comunidade, importanteque trabalhe, desde o incio, o significado que este encaminhamentotem para eles mesmos. Deste modo, a primeira sesso com os paisdesenvolve-se, em geral, a partir do questionamento a respeito domotivo da consulta. Enquanto para eles a necessidade do atendimen-to psicolgico no tiver sentido, por atriburem a indicao a outroprofissional, sendo que eles mesmos apenas estariam se conformando proposta e obedecendo a uma autoridade, fica mais difcil, senoimpossvel, contar com sua colaborao ativa. Esta imprescindvelpara que a compreenso conjunta do que est acontecendo com acriana e com eles mesmos possa ocorrer.

    Outro ponto importante a focalizar como os pais entendem oatendimento psicolgico e qual sua expectativa em relao a ele.

    So-lhes oferecidos esclarecimentos a respeito da proposta de trabalho,dizendo-lhes que se trata de uma tentativa de compreenso do queest acontecendo com a criana no contexto pessoal, familiar e social.Tais esclarecimentos lhes possibilitam entender por que sua prpriaparticipao no processo importante e quais so os limites do tra-balho. Permitem-lhes tambm decidir, desde o incio do atendimento,se esto dispostos a compartilhar deste projeto.

    Ao psiclogo cabe compreender a pergunta trazida. Compreen-der participar de um significado comum, do projeto do cliente, desua abertura e limitaes para o mundo. importante identificar osacontecimentos e a forma como se desenvolveram em relao a seucontexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao pe-dido de atendimento.

    Nas sesses seguintes, atravs da anamnese, o psiclogo procu-ra conhecer as condies familiares e sociais, os vnculos estabelecidose os papis desempenhados, explicitando-os medida que os vaipercebendo e compreendendo.

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    O roteiro de anamnese, utilizado na sequncia do atendimento,permite o conhecimento do desenvolvimento biopsicossocial da crian-

    a, mas , sobretudo, uma oportunidade para os pais se debruaremsobre sua experincia passada e presente com o filho, podendo clari-ficar sentimentos e expectativas que atuam no relacionamento com acriana. Tambm oferece ao psiclogo a possibilidade de observarformas de relacionamento na famlia, focos de ansiedade, distribuiode foras na dinmica familiar.

    At este momento, o psiclogo no teve ainda nenhum contatocom a criana. Contudo, pode comear a formar uma imagem dela apartir do que vem sendo comunicado pelos pais. Ele ento a explici-ta a si mesmo e aos pais.

    Antes de marcar, em torno da terceira ou quarta sesso, o pri-meiro contato com a criana, orienta os pais no sentido de dizeremao filho que esto vindo consultar um psiclogo e por que o estofazendo. Nesta hora, s vezes necessrio voltar s fantasias dos paisem relao ao atendimento, pois, muitas vezes, eles no conseguem

    dizer ao filho por que esto consultando um psiclogo. Tm medo decontar-lhe que procuraram um profissional para falar dele e por queo fizeram. Imaginam que a explicitao daquilo que os est movendopossa fazer com que ele piore, se sinta diferente. importantemostrar-lhes, neste momento, que suas preocupaes esto presentesno dia a dia, na forma como agem com o filho, nas observaes quefazem a seu respeito, nas exigncias vrias vezes repetidas e nem

    sempre cumpridas por ele. Assim, a criana j pode perceber que algoest acontecendo, construindo sua prpria compreenso a respeito,mesmo que ela no consiga expressar claramente, nem da mesmamaneira que os adultos, quais so as preocupaes a seu respeito.Pensamos que a dificuldade dos pais em conversar com a criana arespeito da ida ao psiclogo e do motivo da consulta revela a relaoque eles mesmos mantm com o atendimento a ser desenvolvido,mesmo que, aparentemente, estejam colaborando com ele.

    O primeiro encontro do psiclogo com a criana se desenvolveatravs de uma observao ldica ou de uma entrevista acompanhada

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    da execuo de desenhos, dependendo de sua idade, capacidade epossibilidade de expresso verbal e grfica. A partir da, as sesses

    com os pais e com a criana so intercaladas.Algumas vezes, a partir da observao da criana, necessriopesquisar mais amplamente com os pais certos aspectos da vida e dorelacionamento que no se tinham mostrado relevantes at este mo-mento. Isto porque no haviam sido mencionados anteriormente, ouporque, embora tenham sido referidos, o contato com a criana fazcom que se abram outras possibilidades de compreenso.

    Por sua vez, o psiclogo tambm confronta aquilo que esperava,a partir da compreenso vinda da viso dos pais e o que pode obser-var em seus contatos com a criana. Atravs desses confrontos pode-semodificar e ampliar a compreenso anterior, tanto do psiclogo comodos pais.

    Uma vez que o psiclogo faz uso de certos instrumentos (testes,observaes), pertencentes a um cabedal de conhecimentos tcnicose sua disposio para conhecer a criana, importante que cada

    instrumento utilizado seja discutido com os pais. Os pressupostostericos sobre os quais este uso se baseia e como o psiclogo chegous suas prprias observaes necessitam ser explicitados. Este proce-dimento indispensvel para que os pais possam compreender melhora partir de onde e do que o psiclogo est falando, para poderemparticipar das decises a respeito de quais aspectos seria importanteinvestigar, a fim de esclarecer o que est acontecendo com a criana.

    As comunicaes a respeito dos instrumentos utilizados tambmservem para desmistific-los, contextualiz-los, mostrando que elesrepresentam bem mais uma possibilidade de enfoque do que umaverdade absoluta.

    Consequentemente, h tambm um contedo pedaggico nasentrevistas com os pais. Isto necessrio, uma vez que eles no soobrigados a conhecer a cultura e os instrumentos da Psicologia. Poroutro lado, outras vezes, seus conhecimentos, provindos do sensocomum, podem lev-los a expectativas que no podem ser realiza-das. J que consideramos importante que eles possam participar

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    do trabalho, esta participao deve ser feita a partir de bases comuns. claro que, dependendo do nvel socioeconmico e cultural dos

    pais, o psiclogo precisa usar sua linguagem de tal forma a se fazercompreender por eles. Ele efetua assim uma espcie de tradu-o dos conceitos tericos numa linguagem acessvel, deven-do certificar-se de que sua comunicao est fazendo sentido paraos pais.

    Ao final do processo, o psiclogo elabora um relatrio a respeitodo atendimento, no qual procura descrever o processo em seus passos.Na ltima sesso, este relatrio lido aos pais, para lev-los a com-preender que, em se tratando de uma sntese feita pelo profissional,e que sntese implica seleo, importante eles dizerem se tal sntesecorresponde a sua prpria compreenso do processo. Assim, elespodem propor modificaes, sugerir alteraes, acrscimo ou elimi-nao de situaes ou de termos.

    Psicodiagnstico interventivo, na abordagemfenomenolgica-existencial: uma mudana de atitude

    Uma das contribuies do psicodiagnstico interventivo, naabordagem fenomenolgica-existencial, est na reavaliao do papeldesempenhado pelo cliente e pelo psiclogo nesta situao. O cliente,antes agente passivo, torna-se um parceiro ativoe envolvidono traba-lho de compreenso e eventual encaminhamento posterior: corres-ponsvelpelo trabalho desenvolvido.3

    A reavaliao da atitude do psiclogo levou a uma mudana depostura. O psiclogo no mais o tcnico, o detentor do saber queprocura oferecer respostas s perguntas trazidas pelos pais. Seusconhecimentos tericos, tcnicos e os provindos de sua experinciapessoal representam apenas outro ponto de vista.

    3. Encontramos nos textos de Fischer, C. T., ideias das quais compartilhamos.

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    A situao de psicodiagnstico torna-se, ento, uma situao decooperao, na qual a capacidade de ambas as partes observarem,

    apreenderem e compreenderem constitui a base indispensvel parao trabalho. Tanto os pais como o psiclogo observam a si mesmos euns aos outros, procurando compreender o que est sendo vivencia-do, j que a compreenso dos pais e a do psiclogo so equivalentese compartilhadas.

    O psiclogo aceita as colocaes dos pais a respeito daquilo queeles observam, pensam e concluem, procurando ampliar seu campode viso, contextualizando a queixa particular para inseri-la em con-texto mais amplo. Ele observa e assinala aos pais aquilo que consegueapreender da relao deles com o filho e entre si, no caso de compa-recimento do casal. Esses assinalamentos no so considerados ver-dades, mas apenas possibilidades de compreenso que podem seraceitas ou no por eles. Desenvolve um trabalho alternado de focali-zao e ampliao, procurando explicitar o significado dos fenmenospara os pais e para si mesmo.

    Em geral, atravs de suas intervenes, o psiclogo procurapromover novas possibilidades existenciais na medida em que traba-lha com o outro a transformao de seu projeto. O conhecimento queo cliente traz valorizado, sendo a partir dele que as falas do psic-logo tero sentido ou no. Por outro lado, para que a interveno dopsiclogo seja eficiente, ela deve pertencer ao campo de possibilidadesdo cliente, margeando aquilo que ele no compreende, uma vez quese estiver distante deste campo, poder no ser entendida ou ser re-cusada por ele.

    A partir de seus contatos com a criana, o psiclogo procuradescrever como compreendeu os comportamentos que lhe apareceram.Compartilha com os pais sua experincia acerca de como foi o con-tato com a criana a partir das situaes propostas, para favorecer aobservao de como esta ltima se relaciona consigo mesma, com osoutros e com o mundo.

    O uso de qualquer instrumento discutido tanto com os paiscomo com a criana, sendo explicitados o objetivo e os princpios

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    gerais subjacentes a eles. Desta forma, os pais acompanham o estudodo filho, exploram as informaes, trazem questes e colaboram com

    observaes informais do filho em novas situaes.A partir das conversas com os pais e do conhecimento da crian-a, ainda durante o psicodiagnstico, o psiclogo pode sugerir alter-nativas de ao para os pais. Ele tambm pode, a partir da compre-enso da dinmica familiar, dar sugestes a respeito daquilo que lheparecia poder promover um desenvolvimento mais harmonioso.Assim, o psicodiagnstico fenomenolgico-existencial envolve umtrabalho de redirecionamento dos pais a partir da compreenso da

    criana e da dinmica familiar, com o objetivo de facilitar o relacio-namento, propiciar novas formas de interao e abrir novas perspec-tivas experienciais.

    O estilo das intervenes do psiclogo

    No incio do atendimento, as intervenes so sobretudo explora-trias e visam entender melhor as preocupaes dos pais para com acriana. Em geral, as perguntas no so consideradas intervenes paraajudar os clientes. Entretanto, como lembra Tomm (1987), elas podemter efeitos teraputicos, seja diretamente, na medida em que elas foca-lizem algum aspecto ou tema que no estava explcito, seja indireta-mente, atravs das respostas verbais e no verbais dadas a elas.

    O psiclogo mostra-se compreensivo e acrtico em relao svivncias relatadas pelos pais. Em certos momentos, suas intervenesse apresentam como possibilidades de compreenso, podendo serfeitas a partir das associaes dos pais a elas. Pode lanar mo deconfrontaes e incitar ativamente os pais a se defrontarem com suasangstias. Em outros momentos, apenas acompanha os pais, permi-tindo-lhes falar, sendo suas intervenes de apoio, questionamentoe/ou ampliao, dependendo do momento. Nesse sentido, vriasintervenes se colocam no mbito de conselhos e de informaespedaggicas.

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    Algumas vezes o psiclogo faz colocaes pessoais, visandodiminuir a distncia entre ele e os pais, mostrando-lhes no ser de-

    tentor de um saber. Frequentemente os encoraja e manifesta suasimpatia para com eles.

    Em geral, h uma tentativa de salientar os aspectos positivos,adaptativos e saudveis, em detrimento dos patolgicos. D apoioaos pais, procurando favorecer uma mudana do investimento nacriana, uma crena nas suas possibilidades de crescimento e umatentativa de promover a separao psquica entre eles e o filho, j que,muitas vezes, os filhos so considerados extenso dos pais, portado-res de suas ambies e desejos frustrados. Dirige-se o atendimento,portanto, no sentido de favorecer uma individualizao das partes.

    O ponto de impacto da interveno, no psicodiagnstico, ainterao pais versusfilho, dirigindo-se ao problema de identificaesrecprocas e projees.4

    A atitude do psiclogo no passiva e neutra no sentido deacompanhar as associaes dos pais. Como h um limite para a du-

    rao do trabalho, estimula-os a se confrontar com suas angstias.Para isto, utiliza o princpio de focalizao, que consiste em polarizarsua ateno sobre um conflito central do qual decorreriam os proble-mas principais.5

    A utilizao dos testes psicolgicos

    Cabem aqui alguns comentrios a respeito de como so conside-rados os testes nesta forma de atuar. Afinal, trata-se de psicodiagns-tico, apenas com outros pressupostos.

    Para conhecer a criana, o profissional faz uso de diversos ins-trumentos, pertencentes ao cabedal de recursos dos quais o psiclogo

    4. Aqui, compartilhamos as ideias de Cramer (1974).

    5. Ver tambm Gilliron (1990).

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    clnico dispe para atender a um cliente. Entre estes se destacam aobservao ldica, mais utilizada com crianas pequenas, entrevistas

    e testes.Frequentemente, em se tratando de dificuldades de aprendizagem, necessrio recorrer a testes de nvel intelectual. Como se sabe, essestestes pertencem tradio positivista, na qual uma das suposiesbsicas de que qualquer coisa que exista, existe numa determinadaquantidade e pode ser medida.

    So muitas as crticas que algumas abordagens em Psicologiafazem utilizao deste tipo de instrumento, quando utilizado se-guindo as normas da psicometria, mesmo depois de elas serem adap-tadas para a populao brasileira. Entretanto, a recusa desses instru-mentos parece-nos uma atitude extremada, uma vez que pode levar rejeio de possibilidades de interao com a criana nas situaespropostas pelo teste (uma vez que reproduzem algumas daquelas quea criana vive em seu dia a dia). Diante disto, consideramos as situa-es propostas pelo teste de inteligncia, por exemplo o WISC III,

    como metforas de situaes vividas pela criana em seu cotidianoescolar e mesmo no familiar e no social. Desta forma, buscamos com-preender com ela a partir de sua maneira de lidar com os estmulosapresentados. O resultado numrico serve apenas de referncia parauma classificao em relao quilo que seria esperado para a idadeda criana.

    Mais relevante para a compreenso do que est ocorrendo com

    ela a relao estabelecida entre a criana e o psiclogo, durante aaplicao dos testes, bem como sua forma de entrar em contato comeles: suas inseguranas, a maneira como soluciona os problemasapresentados, ou seja, sua postura em geral. O psiclogo conversacom a criana a respeito de suas observaes, relacionando a situaopresente s situaes que ela vive em seu cotidiano. Assim, o resul-tado do teste articula-se com a compreenso do vivido pela criana,sendo ela quem orienta as sugestes quanto ao que fazer.

    Situao similar se apresenta quando so utilizados os testesprojetivos. Estes, por sua vez, provm da tradio psicanaltica e

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    supem que o material do teste sirva de suporte a uma projeo glo-bal das representaes inconscientes, reativadas por um estmulo

    portador de uma problemtica latente. Pensamos, em vez disto, queas imagens propostas pelo teste possam colocar a criana diante deuma situao geradora de possibilidades metaforizadoras, a partirdas quais ela poderia revelar sua construo do mundo de uma de-terminada maneira.

    Resumindo, consideramos os testes organizadores que possibi-litam a emergncia de vivncias que ocorrem no cotidiano da criana.

    Referem-se experincia em outra situao, permitindo-nos compre-ender, junto com ela, como est sendo percebida sua relao consigomesma, com os outros e com o mundo.

    Outros recursos utilizados: a visita domiciliare a visita escola

    Vii diili

    Propomos, tambm, a realizao de uma visita domiciliar, como consentimento do cliente. Ela permite a observao, in loco, da fa-mlia, assim como a ressignificao de falas e observaes ocorridasdurante as sesses.

    Vii l

    Outro recurso utilizado a visita escola. Por essa ocasio, re-corre-se a uma entrevista com a professora, observao da crianana sala de aula e no recreio.

    Deste modo, atravs da visita, podem-se observar e, s vezes,redimensionar queixas em relao criana. Dependendo da dispo-

    nibilidade da escola, ainda torna possvel orientar a professora apartir da compreenso da criana.

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    As repercusses deste trabalho sobre os pais

    Em vrios casos estudados, nota-se um movimento dos pais queculmina, geralmente, em torno da quinta sesso, quando eles relatammodificaes em sua compreenso da criana e tentativas de mudan-a em sua forma de se relacionarem com ela, ao mesmo tempo que,tambm, parecem ter perdido seus referenciais, tornando-se depen-dentes das indicaes do psiclogo.

    Para permitir acompanhar essa observao, voltemos ao incio

    do processo. Quando os pais vm para a consulta, h a possibilidadede existncia de uma crise. Os contornos desta nem sempre so claros,e ela pode no estar sendo reconhecida ou estar sendo atribuda afatores externos ao relacionamento entre pais e filho. Neste primeiromomento, portanto, trata-se de clarific-la, com a finalidade de chegara um consenso quanto ao trabalho a ser desenvolvido.

    Em alguns casos, o trabalho se encerra nesta primeira fase. Defato, quando os pais no esto motivados para o trabalho proposto,

    por se mostrar distante de suas expectativas ou muito ameaador,desistem do atendimento. Pensamos que, talvez, este seja um aspectopositivo, uma vez que a desistncia ocorre no incio do processo, evi-tando investimentos desnecessrios e frustrantes de ambas as partes.

    Em outros casos, porm, possvel instalar-se um campo intera-cional, no qual os pais e o psiclogo vivero experincias. A instalaoe eficcia deste campo dependem tanto dos pais como do psiclogo.

    De fato, ambos precisam estar disponveis para a possibilidade deirrupo do desconhecido e a vivncia da angstia, decorrentes dorompimento da trama do cotidiano pelo surgimento de algo desco-nhecido a ser renomeado. Ou seja, preciso que a desconstruo daimagem do filho, associada a uma maneira de ser dos pais, a suaprpria forma de construir esta imagem e aos pressupostos implica-dos nesta construo, favorea uma nova construo. Quando e seeste campo est bem instalado, ele gera as condies para a ocorrn-cia de acontecimentos, no importando quem tenha sido o agente dotrnsito para a nova situao de compreenso.

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    Entretanto, enquanto esta nova construo ainda no se deu e aantiga encontra-se abalada, como se os participantes pairassem numa

    espcie de vazio, com a sensao de que perderam o p, no sabem oque fazer. Estes movimentos ocorrem mais intensamente em torno daquinta sesso, mas podem surgir at antes. ento que o psiclogodeve estar pronto para acompanhar os pais nesta trajetria, tomandoo cuidado de ajud-los a tornar estes momentos produtivos.

    esse o momento em que os aspectos teraputicos do processose manifestam mais claramente. Eles foram sendo preparados eaconteceram sem ter sido, obrigatoriamente, formulados atravs de

    verbalizaes. Agora, podem aparecer com a angstia prpria no-vidade da situao. O psiclogo pode, a partir desses movimentos,avaliar a plasticidade dos pais, ou seja, as possibilidades destes de seconfrontarem com novas formas de ser com o filho, pois aqui queintervm sua flexibilidade, sua abertura para possveis reinterpreta-es das situaes vividas, sua capacidade para compreender deoutro ponto de vista, a fim de se implicarem de outro modo nessa

    relao.Insisto, neste trabalho, busca-se sempre focalizar os aspectos saudveis

    da criana e dos pais, fazendo apelo abertura de novas possibilidades de

    estar-com em vez da busca de uma adequao a algo considerado normal

    pela cincia, respeitando a cultura e o contexto familiar.

    O psiclogo tambm se defronta com momentos de angstia,no sabendo como compreender aquilo que est sendo trazido nem

    qual o caminho a seguir. Para ele, tambm, pelas lacunas e ambi-guidades entre a expectativa e a vivncia que pode procurar um novoconhecimento.

    Desse modo, pode-se compreender a importncia da elaboraodo relatrio final. frequentemente neste momento que o psiclogopercebe aspectos que no valorizou durante as entrevistas ou queforam sendo esquecidos ao longo do processo. O relatrio final per-mite verificar a consistncia e a coerncia das concluses s quais sechegou. Ele tem a finalidade de constituir-se em uma sntese do pro-cesso, descrevendo o que ocorreu neste perodo de atendimento.

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    redigido pelo psiclogo, uma vez que seria difcil que fosse elabora-do em conjunto.

    Por essa perspectiva, a leitura do relatrio no final do atendi-mento se constitui em um momento significativo do processo. Visaverificar se ele retrata, tambm do ponto de vista dos pais, o proces-so vivido. A leitura provoca, ainda, um impacto sobre os pais, namedida em que eles se confrontam de uma s vez com vrios aspec-tos de sua experincia mencionados ao longo do processo.

    Para isso, o psiclogo est aberto para alteraes do texto, caso

    eles no concordem com este. Nessas ocasies, o assunto retomadoe procura-se chegar a um consenso. Quando isto no possvel, re-gistram-se as duas verses, a dos pais e a do psiclogo.

    O follow-up

    A entrevista defollow-up realizada com a finalidade de retomar,passado algum tempo, a experincia vivida pelos pais durante opsicodiagnstico, a fim de conhecer sua fecundidade e eficcia. Pu-demos perceber que, passado um ano do atendimento, as messentem-se mais seguras para lidar com o filho. Sua compreenso dealgumas atitudes da criana se alterou, gerando mudanas em suaforma de se relacionar com ela. Os pais revelam, tambm, a capaci-

    dade de separar o que deles e o que do filho. Desse modo, dizemconseguir aceitar que o filho no seja um prolongamento de si pr-prios, para poder ser mais ele mesmo, ainda que isso no coincidacom suas expectativas, pois passam a apreender as vantagens de ofilho ser como .

    Os pais ainda se referem a mudanas do filho que podem fun-cionar como elemento de retroalimentao para suas prprias mu-

    danas, mantendo-os atentos e mais abertos em relao a ele. Assimsendo, o trabalho realizado atravs do psicodiagnstico permite fre-

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    quentemente desdobramentos fecundos no que se refere compre-enso do filho e a como se relacionar com ele.

    Por outro lado, pudemos perceber que a entrevista de follow-uptambm propicia aos pais uma pausa reflexiva para se confrontar comseu momento atual de vida. Afinal, qual o objetivo de um trabalhoem psicologia clnica? Depende da demanda do cliente no momentoda procura. Ora, esta pode se modificar ao longo do tempo. As teorias,ou seja, as crenas e os padres utilizados pelas pessoas para lidarcom sua ansiedade, reduzindo a vivncia a algo j conhecido, pareciameficientes, mas podem deixar de s-lo aps um perodo, levando aoutras crises em momento posterior.

    Aqui, nos encontramos em um terreno movedio, j que, por suaprpria condio humana, tanto psiclogo como cliente mudam aolongo do tempo. Assim, passados alguns meses, aspectos que nohaviam sido valorizados na poca da realizao do psicodiagnstico,relegados a um segundo plano, podem aparecer agora como figura,j que o fundo se modificou, tornando necessrias uma reinterpreta-

    o e uma rediscusso das necessidades no momento atual.Nessa perspectiva, ofollow-uppode propiciar possibilidades de

    reviso por parte do psiclogo e do cliente, abrindo novos horizontes,levando a novas perspectivas. Torna-se, nesse sentido, um momentode encontro que pode propiciar acontecimentos. Assim considerado,realizar follow-up, prtica pouco difundida em nossos meios, podeabrir novas perspectivas no campo da pesquisa em Psicologia Clni-

    ca, alm de tornar-se, por si mesma, um momento significativo deateno e cuidado tanto para o profissional como para o cliente.

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    Captulo II

    Pd vv

    fenomenolgico-existencial

    Marizilda Fleury Donatelli

    Este captulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnsticointerventivo, destacando seus pressupostos. Essa prtica postuloudiferenas significativas, tanto no que se refere postura do psiclo-go quanto postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que secaracterizava somente pela investigao, um carter interventivo.

    Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de atendimen-to psicolgico.

    1. Psicodiagnstico como processo de interveno

    Durante muito tempo, o psicodiagnstico foi entendido como

    um processo que se desenvolvia a partir de um levantamento dedados do cliente (queixa, histria de vida pregressa e atual, funcio-

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    namento psquico etc.), cabendo ao psiclogo analisar esses dadoscom base na nosologia psicopatolgica e dar o encaminhamento

    possvel para o caso. Evitavam-se, nesse processo, estabelecer vncu-lo com o paciente e fazer interveno, sendo esses procedimentosdelegados aos processos psicoterpicos.

    Ocampo e Arzeno (1981, p. 13) comentam:

    O psiclogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimentode uma solicitao com as caractersticas de uma demanda a ser satis-feita, seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros

    (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo funda-mental de seu contato com o paciente era, ento, a investigao do queeste faz frente aos estmulos apresentados.

    Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez,no Brasil, na dcada de 1980, foram as precursoras na introduo dopsicodiagnstico interventivo, o qual, como indica o prprio nome,rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo

    ativo e cooperativo. No se trata apenas de um processo investigati-vo; ao contrrio, o que fundamentalmente o caracteriza a possibili-dade de interveno. No psicodiagnstico interventivo fenomenol-gico-existencial, as questes trazidas pelos clientes so ao mesmotempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir,em conjunto, possveis modos de compreend-las.

    As intervenes no Psicodiagnstico Interventivo se caracterizam

    por propostas devolutivas ao longo do processo, acerca do mundointerno do cliente. So assinalamentos, pontuaes, clarificaes, quepermitem ao cliente buscar novos significados para suas experincias,apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas experinciasanteriores.

    A esse respeito, Santiago (1995, p. 17) informa que os profissionais

    [...] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao pacien-te durante o processo Psicodiagnstico por considerarem que o trabalhoalcana uma dimenso mais ampla e compreensiva. Tambm argumen-

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    tam a favor de devolues parciais e de realizar um trabalho em con-junto com o paciente.

    No caso do psicodiagnstico infantil, esse processo pressupe aimplicao da famlia na problemtica, atribuda criana, na queixa.Parte da ideia de que, se a criana apresenta um comportamento queatinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psiclogo, a famliaest, de algum modo, envolvida no problema. Alm disso, como dizYehia (1995, p. 118):

    [...] mesmo sendo a criana a precisar de atendimento psicolgico, soos pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil; otempo para levar e buscar a criana, o pagamento das sesses (quandoestas so gratuitas, o pagamento das condues) e os possveis efeitostransformadores do atendimento infantil na dinmica da famlia.

    Esse modo de compreender o psicodiagnstico decorre, comoj mencionado, da concepo de homem e de mundo postulada pela

    fenomenologia existencial, isto , considera o ser humano como umser sempre em relao, cuja subjetividade se constitui pelas relaesque o indivduo estabelece no decorrer de sua existncia. Dessa forma,os pais ou responsveis tambm so clientes e tm participao ativano referido processo.

    2. Psicodiagnstico como prtica colaborativa

    O psicodiagnstico visto como uma prtica conjuntamenterealizada pelo psiclogo, pelos pais e pela criana. Os pais e a crian-a tm uma participao ativa nesse tipo de diagnstico; atribui-segrande valor s informaes trazidas pelos pais, forma de compre-enso do problema do filho, s explicaes prvias, s fantasias eexpectativas construdas antes e no momento da procura do psiclo-go. Nessa medida, no h uma relao verticalizada, pois o psiclogono se pe no lugar de quem detm o saber; ao contrrio, dialoga

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    com os clientes no sentido de construrem, juntos, possveis modosde compreenso acerca do que est acontecendo com a criana.

    3. Psicodiagnstico como prtica compartilhada

    Em tal modalidade de atendimento, o psiclogo compartilha comos clientes suas impresses, permitindo que estes as legitimem ouainda as transformem. Entende-se que no compartilhar de experin-

    cias e percepes que pode emergir uma nova compreenso, um novosentido, que possibilite diminuir ou eliminar o sofrimento psquicoda criana e da famlia.

    Essa uma posio derivada da Psicologia Fenomenolgica, namedida em que entende o indivduo, em seu estar no mundo, comouma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-sepor elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades. As in-

    tervenes do psiclogo, obtidas por meio de suas percepes, seoferecem como possibilidades para ampliar o campo de conscinciada pessoa, permitindo novas experimentaes.

    Para S. Ancona-Lopez (1991, p. 87), o processo de psicodiagnsticointerventivo, quando efetuado numa abordagem fenomenolgico-exis-tencial, uma prtica colaborativa, contextual e intervencionista.

    Yehia (1995, p. 120) complementa: A situao do psicodiagns-

    tico torna-se ento uma situao de cooperao, em que a capacidadede ambas as partes observarem, apreenderem, compreenderem cons-titui a base indispensvel para o trabalho.

    4. Psicodiagnstico como prtica de compreenso das vivncias

    O registro das experincias que as pessoas vo tendo ao longoda vida e s quais atribuem sentido constitui seu campo fenomenal.

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    No psicodiagstico interventivo fenomenolgico-existencial, opsiclogo busca compreender esse campo fenomenal e evita que as

    explicaes tericas se anteponham ao sentido dado pelo cliente.M. Ancona-Lopez (1995) comenta que, quando dodesenvolvi-

    mento do processo de psicodiagnstico interventivo, ocorreu naequipe que o desenvolvia uma mudana no modo de compreendera relao entre teoria e prtica. A prtica, embora planejada a partirde indicaes tericas, ultrapassa a teoria de referncia, expondo opsiclogo a experincias que no so abarcadas pelos conceitos te-ricos. Desse modo, torna-se local privilegiado para apontar lacunasdo conhecimento terico e produzir questionamentos. Segundo An-cona-Lopez, M. (1995, p. 93),

    No Psicodiagnstico essa posio trouxe como consequncia a valori-zao do conhecimento pessoal do cliente e de seus pais, assim comoa necessidade de se trabalhar desde o incio de modo conjunto e par-ticipativo, evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de refern-

    cias tericas.

    A fim de que possa compreender o campo fenomenal, o psic-logo deve, com os clientes, desconstruir a situao apresentada ebuscar seu significado principal. Ancona-Lopez (1995, p. 94) discorre:

    A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de

    acesso ao mundo do sujeito, a seus objetos intencionais, e aos conflitosnele instalados, considerando-se o esclarecimento dos significados alipresentes como processo necessrio para uma possvel re-significaoe consequente modificao do modo de estar consigo e com o outro.

    A identificao da experincia do outro, bem como seu signifi-cado, uma tarefa que exige, de alguma maneira, que o psiclogo sereconhea nesse outro. Portanto, preciso que haja um envolvimen-to existencial; preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilharseus cdigos, deixar-se enredar por sua trama de sentidos e, ao mes-

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    mo tempo, conseguir uma distncia suficiente que permita refletirsobre a situao.

    M. Ancona-Lopez (1995, p. 94), referindo-se a esse aspecto, ob-serva que ele se apoia no conceito de intersubjetividade, o qual afirmaa possibilidade de reconhecer o outro como um outro eu, que, pos-suindo um corpo inserido em um mundo, portador de comportamen-tos e construtor de significados, constitui a si e ao mundo.

    5. O psicodiagnstico interventivo como prtica descritiva

    O Psicodiagnstico, conforme concebido tradicionalmente, bus-ca obter um diagnstico do indivduo, classificando-o quanto s pa-tologias, a partir das definies das caractersticas de personalidadee fatores especficos, como nvel mental e outros.

    O psicodiagnstico interventivo evita classificaes. No preten-

    de montar um quadro esttico sobre o sujeito. um modelo descri-tivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa, em dadomomento e em determinado espao, focalizando seu modo de estarno mundo, com os significados nele implcitos.

    6. O psicodiagnstico interventivo e o papel do psiclogo

    e dos clientes

    Convm reiterar que os clientes, nesse atendimento, tm umpapel ativo, participam da construo de uma compreenso sobre oque acontece com eles. O psiclogo solicita e valoriza a sua colabo-rao na inteno de que o esforo conjunto possa produzir novoentendimento para as questes por eles trazidas.

    Desse modo, tanto as experincias do cliente quanto as impressesdo psiclogo sobre elas so compartilhadas, caindo por terra a ideia

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    de que existem aspectos que no devem ser mencionados pelo psic-logo ao cliente: o importante como dizer, e no o que dizer.

    Nesse sentido, diz M. Ancona-Lopez (1995, p. 98):

    Pais e psiclogo engajam-se no processo de criao de sentido e, di-minuda a assimetria na relao, o conhecimento profissional perdeseu carter de verdade, mostrando-se como uma forma possvel designificao.

    Descrio Do atenDimento em PsicoDiagnstico interVentiVoNA ABORDAGEM FENOMENOLGICO-EXISTENCIAL

    Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individual-mente, ou com mais frequncia, nas instituies. As etapas do pro-cesso so as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrio, apresentominha forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnsticointerventivo fenomenolgico-existencial.

    1. Entrevista inicial

    Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Inicio com os

    cumprimentos e apresentaes habituais e deixo-os falar sobre comovieram at mim, por que e o que esperam. Em seguida, conversosobre minha forma de trabalhar, ou seja, compartilho com eles o fatode o psicodiagnstico ser um processo cujo objetivo compreenderaquilo que ocorre com a criana e com eles, pais, na relao com ofilho, dos motivos que levam a criana a apresentar determinadoscomportamentos, bem como o que possvel fazer para ajud-la.Explico que parto da ideia de que se a criana tem uma dificuldade,os pais esto implicados nela, e que, por essa razo, a participaodeles no processo fundamental. Enfatizo que no se trata de um

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    diagnstico feito somente por mim, mas que buscaremos juntos com-preender o que se passa, que eles so parte ativa do atendimento, e

    que tanto as informaes por eles fornecidas como seu modo de en-tender a criana so essenciais para a efetivao do processo. Explicoainda as visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimentoe que sero realizadas durante seu curso. Combino dia, horrio, faloa respeito do sigilo. Certifico-me de que os pais compreenderamminha fala e pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. Pro-curo, por meio de seu discurso, entender as expectativas em relaoao processo. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da

    demanda. Deixo que eles falem sem interrupes. As eventuais d-vidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para depois que os paisderem sinal de que concluram o que tinham para comunicar. Procu-ro observar os temores, as fantasias, as angstias que eles demonstramao se referir criana, a si mesmos e vida de modo geral. Comeoa notar quais so as explicaes que constroem para dar conta de suaqueixa, dos sintomas apresentados pela criana. A esse respeito, M.

    Ancona-Lopez (1995, p. 98) relata:

    O valor atribudo escolha, responsabilidade e autonomia do clientepara imprimir direes sua existncia leva os psiclogos a privilegiarna relao clnica a participao dos pais, a valorizao do esforopessoal e a abrir espao para as crenas e construes explicativas quecriaram para dar conta das angstias levantadas pelos conflitos geradospelos papis, funes e jogos familiares.

    No caso de comparecer o casal, tento compreender se ambos tmas mesmas demandas e se atribuem a elas os mesmos significados.Desse modo, vou sendo transportada para outro universo que no o meu, mas no qual, de algum modo, tambm me reconheo. AssimYehia (1995, p. 120) diz:

    Compreender participar de um significado comum, do projeto docliente, de sua abertura e limitaes para o mundo. importante iden-tificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relao

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    a seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando aopedido de atendimento.

    Aps essa primeira imerso na teia de significados construdospelos clientes, procuro fazer eventuais intervenes de esclarecimen-to e pontuaes, de tal forma que possa compartilhar com eles minhasimpresses e eles possam ou no legitim-las. nessa interao entreo que eles me falam e o que eu apreendo do que me dizem que vamosestabelecendo um modo de trabalho que permite emergir de nspossibilidades de compreenso.

    Geralmente, verifico se a sesso atendeu ao objetivo, que acontextualizao da queixa e o esclarecimento da forma de trabalhoe, caso ainda existam dvidas, conversamos sobre o prosseguimentoda entrevista no prximo encontro, no qual pretendo tambm aclarardeterminados pontos. Informo aos pais que o atendimento posteriorser destinado a conhecer a histria de vida da criana e que, prova-velmente, dedicaremos a esse tema um ou dois encontros.

    2. Histria de vida da criana

    O segundo encontro destina-se anamnese, que pode ser feitade duas formas. Segundo M. Ancona-Lopez (1995), possvel entre-

    gar o questionrio de anamnese aos pais, que o levam para casa e lo respondem. Quando retornam ao atendimento, conversam com oprofissional sobre suas respostas e sobre como responderam ao ques-tionrio: se apenas o pai ou a me o fez ou se a famlia se reuniu emtorno dos temas, revivendo sua histria, se consultaram outros mem-bros da famlia em relao s informaes etc. Outra forma de enca-minhamento da questo entrevistar os pais ou responsveis duran-te o atendimento. Essa a maneira que prefiro utilizar em meutrabalho, pois me permite ver, sentir as emoes que os pais refletema cada pergunta ou cada etapa da vida do filho. Isso me d condies

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    de observar tanto o comportamento verbal como o no verbal en-quanto falam da criana.

    Comeo a histria de vida da criana pelo perodo em que ospais se conheceram. Converso sobre os planos e os projetos daquelapoca, sobre namoro, casamento e gravidez. A partir da, sigo o ro-teiro clssico de anamnese; entretanto, fao perguntas abertas, s quaisos pais respondem livremente. Detenho-me nas especificidades ape-nas se isso for necessrio, ou seja, caso no tenham sido mencionadasno discurso do casal. Meu objetivo sempre o mesmo: penetrar na-quele mundo repleto de significaes, entender o projeto de vida,

    desvendar o sistema de valores, de crenas, o modo d