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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO ICET - INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA DEPARTAMENTO DE QUÍMICA PSICOLOGIA VI DINÂMICA DE GRUPO - SARTRE CUIABÁ - MT NOVEMBRO DE 2010 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO ICET - INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

DEPARTAMENTO DE QUÍMICA PSICOLOGIA VI

DINÂMICA DE GRUPO - SARTRE

CUIABÁ - MTNOVEMBRO DE 2010

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ALGUMAS TEORIAS SOBRE A DINÂMICA DE GRUPO DE SARTRE

Para a compreensão dos grupos propostos por Sartre é necessário que se solte do

modo de pensar determinista e racional da lógica das coisas prontas e acabadas. A

inteligibilidade dos grupos passa pela dinâmica da troca e da reciprocidade, dinâmica

esta inscrita numa relação dialética. Dialética como o caminho do homem em sua

relação com a natureza e a sociedade, a fim de transformá-la: é a lógica da ação “sempre

recomeçada”, e sempre questionada. É, portanto a lógica do inacabado. E a dialética

como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa. ”Ela se

descobre durante a praxis e como um momento necessário desta, ou se prefere, ela se

cria de novo a cada ação e toma-se método teórico-prático quando a ação que se

desenvolve dá suas próprias luzes”.

O homem é medido pelas coisas na mesma medida em que as coisas são

medidas pelo homem. Este é um exemplo da circularidade do pensamento dialético.

Representa um tipo de raciocínio que deve ser feito para que o cenário humano seja

inteligível. A inteligibilidade é fundamental na questão de compreender o meio pelo

qual a pluralidade é constituída como um todo, assim seja, todo sujeito ou todo objeto.

Já a totalidade define como um ser que radicalmente distinto da soma de suas partes e

que entra em contato consigo mesmo quer por sua relação com uma ou várias de suas

partes, quer por sua relação com as relações que todas ou várias de suas partes mantém

entre si.

O grupo não pode ser pensado como uma totalidade pronta, acabada, e sim como

uma totalização em transformação. E a dialética dos grupos será o movimento sempre

inacabado dos grupos, que surgem e se mantém através da práxis.

Ao movimento dialético nos grupos opõe-se a antidialética. Segundo Sartre,

existem grupos coisificados. É a antidialética de um universo humano no qual os objetos

fabricados, coisas oriundas da práxis humana transforma-se em ordem “prático-inerte”,

vazios de qualquer sentido vivificante. E o conceito fundamental que descreve a

reificaçao dos grupos é o conceito de serie e seriedade.

SERIE E SERIALIDADE

O grupo encontra-se em luta constante contra a serialidade e a alienação.

Serialidade é o tipo de relação que estabelece entre indivíduos que compõem uma série.

Podemos definir série como uma forma de “coletivo” (conjunto humano) cuja unidade

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provém do exterior. Sartre, nos dá como exemplo uma fila de pessoas diante de um

ponto à espera do ônibus; onde cada um se sente em frente ao outro em solidão, como se

nada tivesse em comum com os demais. São pessoas de idade, sexo, classe e meios

muito diferentes, realizando na banalidade do cotidiano a relação de solidão. Relação

esta que caracteriza os cidadãos de uma grande cidade.

A solidão é vivida como a “negação provisória por cada uma das relações

recíprocas com os outros”. Cada um vive como reciprocidade no meio do social a

negação exteriorizada de toda interioridade. A intensidade da solidão de exterioridade

expressa o “grau de massificação” do conjunto social. Neste nível, as solidões

recíprocas como negação da reciprocidade significa a integração dos indivíduos na

mesma sociedade.

A série representa um tipo de relação que nega a reciprocidade. Coisifica o outro

e expressa a alienação do homem na serialidade. É um tipo de relação que tem

características do “idêntico”, onde todos são vistos como equivalentes aos demais. Cada

um é apenas um número substituível por outro. Os indivíduos na fila do ônibus negam

reciprocamente qualquer elo entre seus mundos interiores. É o ônibus, objeto material e

exterior, que determina esta ordem serial. O ônibus, como ser comum e exterior a cada

um, produz a série, vinculando indivíduos numa série onde cada um é um número

qualquer do conjunto.

Segundo Sartre, existe modos seriais de comportar-se, sentimentos seriais,

pensamentos seriais. “A série é um modo de ser dos indivíduos uns com relação com os

outros e com relação ao ser comum e esse modo os metamorfoseia em todas as

estruturas”.

A PRÁXIS GRUPAL

O grupo se constitui numa luta constante contra a serialidade e a alienação pela

superação das demais, o que gera uma unificação das liberdades e com ela a relação de

reciprocidade. A reciprocidade é a relação na qual cada um é para o outro como si

mesmo.

Sartre procura determinar a gênese de um grupo, as estruturas de sua práxis ou a

racionalidade da ação coletiva. Para ele “o grupo é como paixão, isto é, enquanto luta

interior contra a inércia prática que o afeta”.

E a práxis do grupo é o movimento que se institui na luta contra a seriedade e a

alienação. É um atuar com consciência da alienação para uma transformação ativa. A

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práxis é o processo pelo qual o homem constantemente busca desalienar-se, realizar-se

como homem, modificando-se e modificando o meio. Ao promover a modificação no

meio modifica-se também a si mesmo, o que implica em um “fazer” e um

“compreender”, pois ambos são momentos distintos da práxis.

O grupo constitui-se contra a série, nasce na fusão da serialidade. A série é

dispersão e o grupo é totalização. Diante disso podemos concluir que a vida do grupo,

sua dinâmica, constitui-se numa permanente tensão entre este dois pólos: Serialização e

Totalização. Sua existência é mantida em função de uma luta permanente contra um

sempre possível retorno à dispersão.

A totalização que constitui o grupo é sempre buscada, mas nunca conseguida de

modo definitivo. Totalização sempre inacabada, jamais se constitui como totalidade, de

um ser-do-grupo que transcenda os próprios indivíduos agrupados. Grupo é movimento

constante de desenvolvimento sem jamais atingir uma totalidade estruturada. É uma

práxis comum, grupal, com seus componentes estabelecendo uns com as outras relações

que constituem o grupo. Neste sentido Sartre define grupo como ato e não como ser. É a

ação do grupo sobre si mesmo.

O PROCESSO GRUPAL

A serialidade encontra-se na origem de todo grupo e este se constitui, num

primeiro momento, contra a serialidade. Ao constituir-se o grupo ocorre uma fusão das

distintas serialidades de cada um dos participantes. Essa ruptura pode ser descrita de

acordo com a necessidade de cada um.

O nascimento do grupo acontece com a tomada de consciência de uma tarefa

comum onde cada um depende dos demais. É o momento em que indivíduos isolados

tomam consciência de sua interdependência, de seus interesses próprios.

Esta fusão é vista como um momento fundamental na vida de um grupo é,

portanto o momento da superação da inércia petrificante da série. Surge então um novo

tipo de relação: cada qual se torna para si e para os outros uma pessoa com a qual é

necessário contar. Há então uma transformação qualitativa nas relações entre as pessoas

e a “fusão” dos interesses comuns conduzindo a uma ação comum (práxis grupal),

movendo as pessoas e transformando a realidade.

Uma característica importante da fusão dos grupos é que cada um é o grupo e o

grupo está em cada um, ao mesmo tempo, ”mediador”-ele próprio e o grupo.Ocorre uma

unificação das liberdades estabelecendo-se uma relação de reciprocidade, e nesta

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relação cada um é para o outro como si próprio, ou seja, cada um é o mesmo que o outro

num sentido humano e não idêntico ou de coisa.

Para Sartre as relações recíprocas e ternárias fundamentam todas as relações

entre os homens, classifica dentro de um grupo as relações como ternárias e não

binárias, ou seja, eu-tu, pois entre o individuo e o grupo há sempre um terceiro através

da mediação. Na mediação tanto o grupo pode ser o terceiro como cada integrante pode

funcionar como o terceiro no grupo. Deve-se considerar ainda que no grupo todos são

“terceiras pessoas” ao mesmo tempo em que se associam em partes de reciprocidade e

como terceira pessoa cada um totaliza as reciprocidades de outrem. Essa é uma das

mediações que constitui o grupo, pois cada terceira pessoa revela o grupo para as outras

terceiras pessoas que são todas constituintes do mesmo grupo, formando assim um

ciclo.

O grupo em fusão esta em toda parte. A unidade do grupo é ubiqüidade. Nesta

ubiqüidade não é aquilo que sou no outro – nesta práxis unida não existe outro. Na

práxis do grupo em fusão a práxis de cada um é realizada por cada qual como eu em

toda parte. A unidade do grupo fundido encontra-se no interior de cada síntese. Segundo

Sartre, a unidade é dada pela ação grupal, pela unidade das ações. A unidade dos grupos

e prática não é ontológica, de um ser ou estado, mas de um ato em curso. Tomando o

exemplo das pessoas na fila de espera do ônibus, o número de pessoas era a série, uma

quantidade de indivíduos isolados, no grupo em fusão passa-se à ordem da qualidade.

Sendo assim o décimo no em fusão grupo, por exemplo, é ao mesmo tempo todo mundo

de dez o ninguém, já que cada pessoa é necessária para se constituir um grupo de dez

pessoas.

No grupo em fusão a relação sintética faz com que cada um seja em toda parte o

mesmo. Cada um pode decidir por todos. Tal explosão, segundo Sartre, é a liquidação

súbita dessa prisão pela liberdade comum em oposição à necessidade.

Podemos concluir então que o grupo em fusão é o inverso da serialidade.

Constitui-se por meio e no interior da dispersão que procede ao grupo. E uma de suas

características é manter sua existência como uma luta constante contra uma volta à

série, à dispersão, solidão e alienação.

Uma vez constituído o grupo, há um risco constante de uma nova dispersão

(volta à série). Surge então o “juramento” cuja origem é o temor permanente da

dispersão inicial, caracterizando-se como compromisso: a liberdade de cada um

comprometida com a permanência no grupo. “E quando a liberdade torna-se práxis

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comum para constituir permanência no grupo por ela mesma e na reciprocidade

mediada sua própria inércia, este novo estatuto chama-se juramento”.

O juramento tem como função evitar a ruptura do grupo, contra o próprio risco

de liberdade. “Pode ser visto como uma forma de resistência do grupo” à ação da

separação, como garantia do futuro através da falta de mudança provocada no grupo

pela liberdade.

O juramento é a passagem de uma forma imediata do grupo com risco de

dissolução a uma outra forma permanente mais reflexiva.

Sartre separa as duas evoluções do grupo em fusão em: o grupo de sobrevivência

e o grupo juramentado. A primeira diz respeito a uma fusão face á ameaça e perigo real,

material, exterior, e a segunda, no grupo juramentado não é algo material que une os

membros, pois o perigo agora não é real, é apenas possível. Uma vez desaparecida a

ameaça exterior (pela fusão) há o temor produzido pelo próprio grupo (juramentado). É

um temor reflexivo, interior.

A existência, portanto, do medo e do temor como condição de permanência no

grupo é necessária, pois a penas o perigo remoto não será suficiente para manter o grupo

unido. O juramento revela o surgimento de um estatuto de permanência no grupo que

faz surgir à organização do grupo como objetivo imediato do grupo organizado.

A organização se dá quando o grupo se torna como objetivo, a partir do

juramento. Com o estatuto de permanência produzido pelo juramento, a questão da

organização torna-se o objetivo imediato do grupo estabelecido. “A partir daí o grupo se

torna como objetivo e a organização como ação do grupo estatuário” recai sobre si e

sobre os seus membros. Isso significa que o grupo se trabalha, ou seja, se faz grupo e só

contínua a ser grupo na medida em que se faz continuamente. Dá-se a isso o nome de

autocriação contínua.

No estágio da organização o poder se define para cada um no quadro de

distribuição de tarefas, é a função. No exercício da atividade organizada, a função é uma

definição positiva do individuo comum, é uma determinação da práxis individual. Neste

estágio o individuo comum “pertence ao grupo na medida em que executa determinada

tarefa, e apenas essa”.

Sartre usa como exemplo uma equipe de futebol, onde a “função de goleiro,

atacante, etc. apresenta-se como uma pré-determinação para o jogador que inicia sua

carreira”, o jogador é significado por essa função. Cada um exige dele “pela equipe”

que faça o seu dever no interior do quadro definido pela organização. Assim os atos

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particulares do jogador “não apresentam qualquer sentido a não ser em conjunto com

todos os atos dos demais jogadores de sua equipe”.

Desta forma o espírito de equipe é visto por Sartre como a “interdependência dos

poderes em ligação com o objetivo comum”. A iniciativa individual não é eliminada,

pois a função é “determinação indeterminada” que deixa lugar à criatividade individual.

O grupo só “age sobre o objeto na medida em que age sobre si mesmo”. E sua

ação sobre si – a única que exerce quanto grupo - se define a partir de sua práxis. A

partir daí conclui-se que “o grupo define,dirige,controla e corrige sem cessar sua práxis

comum...”. Partindo deste conjunto de operações e possível supor a diferenciação, por

exemplo: a divisão de tarefas supõe a criação de aparelhos especializados no interior do

grupo, tais como órgãos diretores, grupos encarregados de coordenar, mediar, distribuir

ou ajustar mudanças, serviços administrativos.

A partir dessa ação organizadora que recai sobre o grupo surge o problema do

poder interno que coloca em risco a soberania do grupo. Isso porque, no estágio da

organização, o poder se define para cada um no quadro de distribuição de tarefas, em

um grupo bem organizado efetua-se uma divisão de tarefas, ou seja, estabelecem-se

processos de trabalho e de decisão, há o reconhecimento de normas comuns às quais

devem ser cumpridas.

As manifestações de fraternidade começam a surgir quando o grupo está em fase

de organização. Sua origem encontra-se no juramento no momento em que começam a

surgir os temores da eclosão do grupo pela desorganização.

A fraternidade se apresenta ao grupo como um conjunto de obrigações

recíprocas e singulares, definidas por todo grupo a partir das circunstancias e seus

objetivos. É vista como laço real dos indivíduos comuns, pois cada vive seu ser e do

outro, como forma de obrigações recíprocas. Assim a fraternidade-terror possibilita o

controle das possíveis fugas e não participação exerce a “depuração” dos opositores e

traidores. O terror não se constitui numa ditadura da maioria, é uma estrutura

fundamental do grupo em sua totalidade que fundamenta um tipo de relação. Cada um

se sente solidário com todos na solidariedade pratica do perigo vivido e na violência

comum, como exemplo tem-se o linchamento do traidor, dado por Sartre.

A fraternidade-terror como autentica relação de interioridade entre os membros

do grupo funda sua violência e sua força coercitiva no mito do novo nascimento.

O grupo continua, assim, sua luta incessante em adquirir seu “estatuto

ontológico”, a unidade de um organismo.

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É na práxis e através dela que surge um novo estatuto da inércia no grupo,

quando o grupo organizado inicia sua auto-transformação tornando-se instituição.

A instituição não pode ser produzida como livre determinação da prática por si

mesma. Mas se a prática volta a tomar a cargo a instituição como defesa contra o terror,

o faz na medida em que esta petrificação de si mesma é uma metamorfose induzida,

cuja origem, está em outro lugar: sua origem é, precisamente, o renascimento da

serialidade.

A instituição, como ressurgimento da serialidade e da impotência, necessita

consagrar o poder para garantir sua permanência pela lei. Impotência porque a

instituição, como algo fundamentalmente imutável, toma minha práxis no grupo

institucionalizado como incapaz de modificá-lo.

O grupo institucionalizado volta à inércia e seus componentes sujeitos isolados

que se submetem às regras da instituição. O grupo, após tanto lutar para evitar a

dispersão da série, é um novo conjunto de indivíduos dispersos que não se comunicam e

sem consciência das regras que os regem.

CONCLUSÃO

De acordo com Sartre o grupo é um conjunto de pessoas enfrentando um

problema comum. O objetivo principal de sua vida humana é a solução de problemas

que se da à luta contra a alienação e a serialidade são trechos muitos citados por Sartre

durante o seu trabalho. Ele fala sobre os diferentes momentos do processo grupal,

abordando conceitos importantes como série e serialidade.

É evidente a valiosa contribuição teórica que Sartre oferece a inteligibilidade das

relações humanas e da vida dos grupos. Sua análise chama a atenção para o intrigante

problema do relacionamento humano e suas diferentes formas de associação. Para

Sartre, o grupo é um processo sempre inacabado.

BIBLIOGRAFIA

Artigo do Psicólogo Carlos Rubini: Dialética dos Grupos: Contribuições de

Sartre à Compreensão dos Grupos.

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