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Gabinete do Reitor • Coordenadoria de Comunicação da UFRJ • Ano VI • Nº 58 • Janeiro/ Fevereiro de 2011 Heleno de Freitas Introduzido pela Constituição de 1988, o conceito de Se- guridade Social, prevendo a articulação entre Previdência, Saúde e Assistência Social e buscando garantir proteção so- cial digna a qualquer cidadão, não se efetivou na prática. Essa é a avaliação da pesquisadora Andréa de Paula Teixeira, professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ e uma das principais especialistas em Previdência Social no Brasil. Para ela, em entrevista ao Jornal da UFRJ , os últimos gover- nos contribuíram para deslocar a Previdência da lógica da cidadania, transformando os direitos sociais em “mercado- rias que devem ser vendidas no mercado”. Previdência mercanlizada Indomável Gênio Temperatura elevada na terceira rodada de entrevistas da série que discute o futuro da UFRJ. Eleonora Ziller Camenietzki, profes- sora e diretora da Faculdade de Letras (FL); Alcino Câmara Neto, professor do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI) do Instituto de Economia (IE); Alexandre Pinto Cardoso, professor da Faculda- de de Medicina (FM); e Ricardo de Andrade Medronho, professor da Escola de Química (EQ), incorporam novos ângulos na abor- dagem de temas recorrentes da agenda política e acadêmica da universidade. Mas também trazem à discussão observações con- troversas e originais acerca do presente e do futuro da UFRJ. Craque, gênio e polêmico. Assim era Heleno de Freitas, jogador de futebol que fez história no Botafogo Futebol e Regatas (BFR), seu time do coração. Qual UFRJ queremos ser ? Entrevista Andréa Maria de Paula Teixeira V Destaque Andifes de Jornalismo das Ifes Lugar

Qual UFRJ queremos ser · Saúde e Assistência Social e buscando garantir proteção so-cial digna a qualquer cidadão, não se efetivou na prática. Essa é a avaliação da pesquisadora

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Gabinete do Reitor • Coordenadoria de Comunicação da UFRJ • Ano VI • Nº 58 • Janeiro/ Fevereiro de 2011

Heleno de Freitas

Introduzido pela Constituição de 1988, o conceito de Se-guridade Social, prevendo a articulação entre Previdência, Saúde e Assistência Social e buscando garantir proteção so-cial digna a qualquer cidadão, não se efetivou na prática. Essa é a avaliação da pesquisadora Andréa de Paula Teixeira, professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ e uma das principais especialistas em Previdência Social no Brasil. Para ela, em entrevista ao Jornal da UFRJ, os últimos gover-nos contribuíram para deslocar a Previdência da lógica da cidadania, transformando os direitos sociais em “mercado-rias que devem ser vendidas no mercado”.

Previdência mercantilizada IndomávelGênio

Temperatura elevada na terceira rodada de entrevistas da série que discute o futuro da UFRJ. Eleonora Ziller Camenietzki, profes-sora e diretora da Faculdade de Letras (FL); Alcino Câmara Neto, professor do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI) do Instituto de Economia (IE); Alexandre Pinto Cardoso, professor da Faculda-de de Medicina (FM); e Ricardo de Andrade Medronho, professor da Escola de Química (EQ), incorporam novos ângulos na abor-dagem de temas recorrentes da agenda política e acadêmica da universidade. Mas também trazem à discussão observações con-troversas e originais acerca do presente e do futuro da UFRJ.

Craque, gênio e polêmico. Assim era

Heleno de Freitas, jogador de futebol que

fez história no Botafogo Futebol e Regatas (BFR),

seu time do coração.

Qual UFRJ queremos ser?

EntrevistaAndréa Maria de Paula Teixeira

V Destaque Andifes de Jornalismo das Ifes

Lugar2°

Reitor Aloisio Teixeira

Vice-reitora Sylvia da Silveira Mello Vargas

Pró-reitoria de Graduação (PR-1) Belkis Valdman

Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2)

Ângela Maria Cohen UllerPró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (PR-3)

Carlos Antônio Levi da Conceição Pró-reitoria de Pessoal (PR-4) Luiz Afonso Henriques Mariz Pró-reitoria de Extensão (PR-5) Laura Tavares Ribeiro Soares

Superintendência Geral de Administração e Finanças

Milton FloresChefe de Gabinete

João Eduardo FonsecaFórum de Ciência e Cultura

Beatriz ResendePrefeito da Cidade Universitária

Hélio de Mattos Alves Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) Paula Maria Abrantes Cotta de Melo

Coordenadoria de Comunicação Fortunato MauroOuvidoria Geral

Cristina Ayoub Riche

Fotolito e impressão Gráfica Posigraf

25 mil exemplares

Av. Pedro Calmon, 550. Prédio da Reitoria – Gabinete do Reitor

Cidade Universitária CEP 21941-590

Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 2598-1621

Fax: (21) 2598-1605 [email protected]

JORNAL DA UFRJ é UmA PUBlICAçãO mENSAl DA COORDENADORIA DE COmUNICAçãO DA UNIVERSIDADE

FEDERAl DO RIO DE JANEIRO.

Supervisão editorial João Eduardo Fonseca Jornalista responsável

Fortunato mauro (Reg. 20732 mTE) Edição

Coryntho Baldez, Fortunato mauro, luciana Crespo e márcio Castilho

PautaCoryntho Baldez, márcio Castilho

e Fortunato mauro Redação

Aline Durães, Bruno Franco, Coryntho Baldez, luiz Carlos maranhão, márcio

Castilho, Pedro Barreto, Rafaela Pereira, Vanessa Sol

Revisão Dayse Barreto, érica Bispo e

luciana Crespo Arte

Anna Carolina BayerIlustração

Anna Carolina Bayer, Diego Novaes, Jefferson Nepomuceno, João Rezende,

marco Fernandes e Zope Charge ZopeFotos

Gabriel Sperandio emarco Fernandes

Expedição marta Andrade

Interessados em receber esta publicação devem entrar em contato pelo e-mail

[email protected]

O Jornal da UFRJ publica opiniões sobre o conteúdo de suas edições. Por restrições de

espaço, as cartas sofrerão seleção e poderão ser resumidas.

Márcio Castilho

Janeiro/Fevereiro 2010UFRJJornal da 2

O primeiro tur-no do processo sucessório para

reitor e vice-reitor da UFRJ ocorrerá entre os dias 11 e 13 de abril, com consulta, em urna eletrônica, à comu-nidade da UFRJ. Um even-tual segundo turno ocorrerá de 18 a 20 de abril, com a di-vulgação do resultado pre-vista para o dia 22/04, pela Comissão Coordenadora do processo sucessório.

O resultado da consulta à comunidade será matéria de discussão e aprovação pelo Colégio Eleitoral (que esco-lherá, em lista tríplice, os nomes a serem submetidos ao Ministério da Educação), em reunião prevista para o dia 28/04.

De acordo com o calendário da sucessão, os candidatos deverão fazer a inscrição até o dia 15 de março. Eles terão a oportunidade de apresentar suas propostas – em debates coordenados pela Comissão Organizadora - até o dia 8 de abril. Podem se candidatar professores titulares ou associados nível 3, ou ainda os que tenham título de doutor, inde-pendentemente da classe.

A UFRJ recebeu nota máxima em diferentes níveis de avaliação em relatório divulgado pelo Ministério da Educação. O documento, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-sas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

O relatório da Avaliação Externa das Instituições de Ensino Superior conferiu nota máxima para a UFRJ nas seguintes dimensões: “Política para Ensino, Pesquisa e Extensão”; “Políticas de pessoal, de carreiras de corpo docente e corpo técnico-administrativo”; “Organização e gestão da instituição e participação dos segmentos da comunidade universitária nos processos decisó-rios”; “Infraestrutura física e Sustentabilidade Financeira”; e “Comunicação com a sociedade”. Nesta última dimensão, destaca-se o forte envolvimento da Coordenadoria de Comunicação (CoordCOM) da UFRJ.

Além da Avaliação Externa, o Sinaes, criado em 2004, é composto pela Avaliação Institucio-nal Interna, pela Avaliação dos Cursos de Graduação e pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). As avaliações possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cur-sos e Instituições de Ensino Superior (IES) no país.

O Setor de Con-vênios e Rela-ções Interna-

cionais (SCRI), do Gabinete do Reitor, realizará, dia 24 de março, o “I Seminário da sobre Internacionalização: a UFRJ e sua Inserção In-ternacional”. O objetivo do encontro é discutir o futuro das atividades de coopera-ção internacional na uni-versidade e ampliar a visão dos participantes sobre os recentes avanços e desafios relacionados ao tema.

O evento ocorrerá no Auditório Professor Mano-el Maurício de Albuquer-que, localizado no campus da Praia Vermelha (Av. Pas-teur, 250, Urca). Os inte-ressados devem confirmar presença através do e-mail [email protected].

UFRJ recebe nota máxima em avaliação do MEC

Fortunato Mauro

Cooperação internacional em debate

Bruno Franco

UFRJ divulga calendário da sucessão para reitor

Marco Fernandes

3UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011

Zope

Brasil

Pré-sal: risco ou oportunidade?

Coryntho Baldez

Com a descoberta das reservas do pré-sal, o Brasil passou a ter uma dimensão inesperada no

tabuleiro geopolítico internacional. Estu-dos indicam que as reservas totais podem chegar a 100 bilhões de barris de petróleo, o que colocaria o país entre os dez maio-res produtores daquela que é e continuará sendo a principal mercadoria energética do mundo nas próximas décadas. Se o pré-sal, de um lado, pode promover novo salto industrializante nacional e reforçar o papel de liderança do Brasil em um mundo que caminha para a multipolaridade, de outro, é alvo crescente da cobiça externa.

Os Estados Unidos da América (EUA)– que consomem quase 30% do petróleo mundial e detêm somente cerca de 3% das

reservas do planeta – estão propondo a cria-ção de uma “Bacia do Atlântico”, ligando o oceano Sul ao Norte, sobre a qual se exerce-ria uma espécie de “soberania compartilha-da”. Por trás da proposta, segundo especia-listas, reside o claro interesse do governo es-tadunidense nas reservas oceânicas do país. Diante de pressões externas que tendem a se intensificar, o Brasil não poderá fugir à escolha entre permanecer atado ao passado colonial de exportador de matéria-prima, como o petróleo bruto, ou romper tal lega-do para, a partir da exploração do pré-sal, adensar a cadeia produtiva interna e tornar-se ator de peso no cenário internacional.

Dependência tecnológica?Para Adilson de Oliveira, professor do

As novas reservas oceânicas vão alavancar

a indústria nacional e conferir novo papel ao

Brasil na geopolítica mundial? Tudo depende

da opção do país entre exportar petróleo bruto

ou trilhar o caminho do desenvolvimento

soberano.

UFRJJornal da 4 Janeiro/ Fevereiro 2011

UFRJ 90 anos

Brasil

Grupo de Energia, do Instituto de Econo-mia (IE) e diretor-executivo do Colégio Bra-sileiro de Altos Estudos (Cbae) da UFRJ, o desenvolvimento do pré-sal oferece oportu-nidade singular para que as empresas brasi-leiras adquiram vantagem competitiva que lhes permita romper a lógica de subordina-ção a tecnologias importadas. Segundo ele, após a II Guerra Mundial, o Brasil construiu um parque industrial articulado e capaz de suprir o essencial da demanda interna de bens e serviços. “O nosso desenvolvimento industrial, no entanto, foi estruturado com base na importação de tecnologias e ficou dependente de políticas industriais adota-das pelas empresas proprietárias do conhe-cimento tecnológico que importamos”, frisa o especialista em Política Energética. Ao contrário do que até então vem ocorrendo, a produção no pré-sal exigirá uma gama extensa de tecnologias pioneiras, que terão uso diversificado em outras atividades in-dustriais, sustenta Adilson.

Para Edmar Luiz Fagundes de Almeida, também professor e pesquisador do Grupo de Energia do IE, os investimentos na área do pré-sal podem ser utilizados para ala-vancar a indústria interna por meio de polí-ticas de conteúdo nacional. “Como o Brasil é um dos poucos países que descobriu pe-tróleo tendo passado por um ciclo de indus-trialização, o pré-sal representa uma grande oportunidade de desenvolvimento”, desta-ca o especialista em Regulação e Políticas Energéticas. Para aproveitá-la, no entanto, o Brasil deverá fazer uma “reforma tributária que desonere o setor produtivo e investir em inovação tecnológica e na capacitação de recursos humanos”, defende o professor do IE-UFRJ.

O risco cambialEmbora considere que a exploração do

pré-sal representa uma clara possibilidade para estruturar melhor o setor de bens de capital no Brasil, o ex-professor visitante do Instituto Al-

berto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ e especialista em Estratégia Nacional, Darc Costa, concorda que as decisões do gover-no na área econômica vão dar o tom do modelo de desenvolvimento brasileiro nas próximas décadas. Ele adverte que o avan-ço industrializante que as novas reservas poderão proporcionar está profundamente ameaçado pela situação cambial que o país atravessa. “A política de deixar o câmbio livre, sem controle, dada a quantidade de dólares que os EUA puseram em circulação por causa da crise global tem provocado a valorização excessiva do real, o que com-plica muito a possibilidade de se estruturar uma indústria no país”, salienta o ex-vice-presidente do Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social (BNDES) e atual presidente da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul.

Na mesma linha de argumentação, Car-los Lessa, professor titular do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, vislumbra no pré-sal uma fantástica oportunidade e, ao mes-mo tempo, um risco para o Brasil. “A partir da economia do petróleo, de tudo o que se produz para extraí-lo e da fabricação de produtos dele derivados, é possível robuste-cer enormemente a industrialização brasi-leira e criar uma frente interna de expansão para a economia. Isso vem faltando há mui-to tempo”, analisa o ex-reitor da UFRJ. Por outro lado, ele teme que a disputa acirrada pelas reservas mundiais – “já que o petróleo vem ficando escasso no mundo, especial-mente nos EUA” – leve o Brasil a se tornar um país exportador do óleo cru. “Essa seria a pior situação histórica para qualquer na-ção. Não se pode citar um país exportador de petróleo que seja modelo de desenvolvi-mento e de civilização, à exceção, talvez, da

Noruega”, destaca o especialista em Econo-mia Industrial e também ex-presidente do BNDES.

Papel externoAo comentar o trunfo que representaria

o pré-sal para a atuação externa do Brasil, Adilson de Oliveira realça que, ainda que os EUA exerçam papel determinante na con-dução dos negócios do mundo, a crise eco-nômica recente deixou clara a necessidade de mecanismos de coordenação com a pre-sença ativa das economias ditas emergentes. Segundo ele, a crise política que tomou con-ta do Norte da África indica que a questão do suprimento de petróleo ganhará maior dimensão, até pelos efeitos econômicos que a elevação do preço do barril produz nas economias industriais – especialmente na Europa, cujo suprimento de petróleo é lar-gamente dependente dos fluxos do Oriente Médio e do Norte da África.

O pesquisador afirma que a produção brasileira de petróleo está programada para crescer rapidamente até o final desta déca-da, devendo passar dos atuais dois milhões de barris/dia para cinco milhões em 2020. Como o consumo brasileiro deverá cres-cer menos que a produção, ele conclui que exportações brasileiras de petróleo aumen-tarão durante toda a década, alcançando o patamar de dois milhões de barris/dia em 2020. “Em um mundo ávido por fontes de suprimento de petróleo seguras, as exporta-ções brasileiras serão certamente um trunfo importante para o Brasil participar da go-vernança multipolar global. A informação veiculada pela imprensa de que o presiden-te Obama dará espaço privilegiado à coope-ração na área do petróleo em sua visita ao Brasil é uma indicação clara da importância do tema no equilíbrio geopolítico regional e global”, analisa Oliveira.

Para Edmar de Almeida, certamente o pré-sal muda a importância geopolítica do Brasil. “Fora da Opep, é o país que apre-senta o maior potencial de crescimento da produção de petróleo e na geopolítica do petróleo . Isso é muito importante”, frisa o pesquisador, acreditando que o Brasil pas-sou a ser visto de modo diferente pelos paí-ses dependentes do petróleo, como Japão e EUA, que consideram o Irã e a própria Rús-sia, por exemplo, como mais complexos do ponto de vista da estabilidade de suas forças políticas e sociais.

Commodities sobrevalorizadasDarc Costa afirma que não apenas pelo

pré-sal, mas pela valorização crescente das commodities, como alimentos e minério fer-ro, além do petróleo, o Brasil está ganhan-do espaço no mundo que vem pela frente. Em sua opinião, contudo, a maior presença internacional do Brasil foi deflagrada pelo movimento de mudança da política exter-na do país feito pelo governo Lula. “O papel dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) e a criação do G-20 nada mais são do que uma reestruturação das esferas de poder em nível mundial”, sublinha Costa.

O estudioso, no entanto, alerta que a sobrevalorização das commodities é um fe-nômeno ocasional. Desde o início da Revo-lução Industrial, a tendência universal que

Para Darc Costa, a

proposta de criação da

“Bacia do Atlântico” revela

claro interesse dos

EUA no pré-sal.

Gabriel Sperandio

5UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011Janeiro/ Fevereiro 2011 Brasil

se observa, segundo ele, é a perda de valor de produtos primários em relação aos bens manufaturados. “O Brasil não pode esque-cer que essa é uma tendência inexorável, deslocada no momento por força da con-juntura internacional. Mas a história mostra que os bens manufaturados têm tido preva-lência em relação às commodities”, sublinha o professor.

Para ele, o pré-sal tem grande importân-cia para o Brasil, mas, em termos mundiais, as suas reservas não modificariam de forma marcante a disponibilidade de petróleo no mundo. Darc Costa lembra que 67% das reservas do planeta estão em uma faixa que vai do Golfo Pérsico, passando pelo Mar Cáspio e subindo em direção ao Ártico. “Mesmo se o pré-sal tiver reservas de 80 bi-lhões de barris, o continente sul-americano possui apenas cerca de 8% do petróleo do mundo e, nesse caso, não estou consideran-do o óleo pesado, a lama asfáltica que existe no Orinoco (Venezuela), como se fosse pe-tróleo”, afirma Costa.

Edmar de Almeida concorda que, na divisão internacional do trabalho, o Brasil e a América Latina continuam como forne-cedores de matérias-primas. E ressalta que, embora a relação de troca no mundo atual esteja favorável aos países exportadores de commodities, o grande desafio do Brasil é repensar o modelo de industrialização que vigorou até a década de 1980. O professor do IE defende mudanças na estrutura tri-butária – “que penaliza a produção” – e o incentivo estatal ao empreendedorismo e à inovação. “Sem isso, não adianta ter petró-leo, que pode até agravar o processo de de-sindustrialização do país”, afirma Almeida.

“Diretrizes essenciais”Em tese, Carlos Lessa considera que o

pré-sal pode reconfigurar a geopolítica na América Latina e no mundo. Porém, deixa transparecer pessimismo com as primeiras declarações da presidente Dilma Rousseff, que “apontam para o desmantelamento da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a transformação do Brasil em país exportador de petróleo”. Ele lembra que Lula declarou que o Brasil não expor-taria petróleo cru, utilizaria os efeitos dinâ-micos da economia do pré-sal para desen-volver as forças produtivas brasileiras – “o que significa fazer todas as encomendas in-ternamente” – e destinaria os lucros da ati-vidade a fundos de resgate da dívida social. “Considero essas diretrizes fundamentais para o Brasil”, assinala Lessa. No entanto, o economista teme que, assim como a nova presidenta manifestou desejo de reapro-ximação com os Estados Unidos, “poderá simplesmente dizer que o nível tecnológi-co dos produtores estrangeiros de petróleo é tão superior que não iremos desenvolver indústria brasileira nesse ramo”.

Na avaliação de Adilson de Oliveira, o Brasil poderá ter maior influência, como produtor de petróleo, sobre o ritmo de pro-dução da economia capitalista neste século. Para o pesquisador, a garantia de fontes de suprimento seguras, a preços relativamente estáveis, é essencial para a preservação do crescimento econômico das sociedades in-dustriais. Ainda que o mundo tenha dado

“Recolonização” ou soberania tecnológica?

início ao processo de transição para novas fontes de energia, o pesquisador frisa que os hidrocarbonetos – petróleo e gás natural – permanecerão sendo o núcleo do sistema energético global por, pelo menos, mais duas décadas. “O pré-sal é a nova frontei-ra de expansão da produção petrolífera no mundo que pode oferecer hidrocarbone-tos de forma segura a preços relativamente confortáveis. Nesse cenário, o Brasil deverá exercer papel similar ao da Noruega e do Reino Unido nas décadas que se seguiram à crise do petróleo, em meados de 1970”, avalia Oliveira.

Apesar de considerar excessivamente otimista a hipótese de que o Brasil venha a exercer a liderança no processo de recon-figuração da geopolítica do petróleo, o di-rigente do Cbae-UFRJ está convencido de que o país terá voz de peso no novo cenário mundial. De acordo com o docente, o raio de influência do país poderá crescer caso consiga liderar a integração energética da América do Sul e criar condições para uma presença ativa da capacitação industrial e tecnológica do parque industrial brasileiro na costa ocidental africana.

Segurança territorialDarc Costa, no entanto, mostra preo-

cupação com a proposta norte-americana de criar a “Bacia do Atlântico”, ligando o oceano Sul ao Norte, que, em sua avalia-ção, “possui evidente relação com o pré-sal”. De acordo com o pesquisador, os Estados Unidos entendiam, até o final do século passado, que o continente ameri-cano era uma base dos recursos energé-ticos capaz de manter sua hegemonia. Tal concepção sofreu profunda alteração quando descobriram que ele possuía apenas 14% do petróleo mundial. Como consomem 28% do petróleo do mundo – prossegue Darc Costa – decidiram re-orientar a política mundial de tal forma que pudessem garantir o petróleo neces-sário para se manterem hegemônicos – a invasão do Iraque, em 2003, para garantir o controle sobre as suas reservas, é o ápice da nova estratégia estadunidense. “Quan-do foram descobertas as reservas do pré-sal, o governo dos EUA atualizou os cál-culos. Mas, ainda assim, acho que tería-mos mais problemas do que soluções se o Brasil tivesse encontrado uma Arábia Saudita no Oceano Atlântico, dado o interesse norte-americano em garantir suas fontes de suprimento de petróleo”, conclui o ex-professor da UFRJ.

Na avaliação de Edmar de Almeida, do ponto de vista da segurança geopo-lítica e territorial, é evidente que a des-coberta do pré-sal coloca essa discussão em outro patamar. “Como a maior po-tência econômica e militar do mundo, e para não fugir à regra histórica, os Esta-dos Unidos não querem ficar alheios à riqueza do pré-sal e, por isso, falam em soberania compartilhada no Atlântico”, ressalta Almeida.

O que é novo – completa o professor do IE – é a necessidade que o Brasil tem de dar atenção particular à segurança do seu mar territorial e das zonas econômicas exclusivas.

Há quem fale em uma espécie de “recolonização” do Brasil, caso o país abdique da política de conteúdo nacional para a exploração do pré-sal e prossiga, de modo açodado, realizando leilões de grandes blocos já des-cobertos. Uma vez que o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, poderia ditar o ritmo dessa produção de acordo com suas necessidades in-ternas, ao invés de destinar as reservas do pré-sal à sanha exploratória de empresas privadas, especialmente multinacionais.

Darc Costa, especialista em Estratégia Nacional e ex-professor do Ins-tituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, critica o fato de, mesmo depois da descoberta do pré-sal, o governo continuar loteando o território nacional para leilões prospectivos de petróleo. “Por que isso acontece, se acabamos de descobrir essas reservas e a Petrobras tem limites na sua capacidade de alocação de recursos para explorar esse óleo?”, indaga o professor. Segundo a Petrobras, a área total do pré-sal, já mapeada pelos levantamentos geofísicos, é de 149 mil km2, dos quais 41.772 já estão sob concessão e 107.228 km2 (72%) ainda não foram concedidos para exploração. A área concedida à Petrobras é de 35.739 km2 (24% do total).

Darc Costa associa os leilões a grandes interesses estrangeiros que estão se colocando acima dos interesses nacionais e diz que não faz sentido o Bra-sil almejar ser membro da Organização dos Países Exportadores de Petró-leo (Opep). “O petróleo tende a ser um bem cada vez mais caro e escasso. Podemos citar o caso da Indonésia, que explorou e exportou todo o seu petróleo a um preço médio de três dólares o barril e, hoje, compra petróleo a 100 dólares no mundo. Portanto, precisamos garantir esse petróleo para as gerações futuras do Brasil e não exportá-lo como se fosse uma simples commodity”, defende o especialista.

Thiago da Mota Souza, aluno do 10° período do curso de Engenharia Eletrônica e de Computação, critica a ocupação da Cidade Universitária pelas grandes empresas estrangeiras que têm interesse na exploração do pré-sal. “A indústria nacional, representante do capital nacionalista, terá de compartilhar a UFRJ com a indústria internacional, mas é isso mesmo que ela quer. A Universidade comemora a vinda dessas empresas como se fosse um reconhecimento da qualidade do seu ensino e de sua pesquisa”, afirma o estudante da Escola Politécnica (Poli) da UFRJ.

Mas, para ele, a questão da dependência tecnológica não é o maior risco que o Brasil enfrenta no momento, já que existem empresas estrangeiras que furam poços para a Petrobras e fretam e operam navios, o que não quer dizer que a estatal não tenha conhecimento próprio, ou esteja deixando de desenvolver tecnologia. Para Thiago da Mota Souza, importa saber em que proporção a Petrobras usará competências nacionais e em que áreas devem se concentrar os esforços de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). “Avalio que seja difícil que corramos risco de dependência tecnológica no curto prazo, pelo menos. Já a chamada ‘doença do petróleo’ é um risco bem mais real para a economia. Depender da venda de commodities é complicado e, hoje, se dá muito destaque ao setor de óleo e gás”, comenta opina o discente.

Adilson de Oliveira, professor do Instituto de Economia e dirigente do Colégio Brasileiro de Altos Estudos (Cbae) da UFRJ, descarta a ameaça de “recolonização” pela exploração do “ouro negro” do século XXI por corpo-rações estrangeiras. No entanto, adverte que há o risco de o aprendizado tecnológico decorrente do pré-sal ser absorvido por empresas sem vínculo com a sociedade brasileira. Para evitá-lo, considera essencial que o governo adote uma política tecnológica que articule as universidades e centros de pesquisa do país com a Petrobras e as empresas brasileiras fornecedoras de bens e serviços.

Já o ex-reitor da UFRJ e professor do Instituo de Economia (IE) da UFRJ, Carlos Lessa, afirma que o Brasil está sendo “recolonizado como Re-pública Velha”. Segundo ele, a economia da soja e do açúcar está sendo cada vez mais controlada diretamente pelo capital estrangeiro. Em relação ao pré-sal, afirma que muitos campos já leiloados foram arrematados pelo capital estrangeiro. “O modelo de partilha é melhor para o Brasil do ponto de vista financeiro, mas não é melhor do ponto de vista do modelo de desenvolvimento. Esse novo formato não incorpora a ideia de Nação”, critica o economista, propondo a fusão da Eletrobras com a Petrobras para que o Brasil tenha uma única grande empresa pública de energia – a Energibras –, a fim de evitar conflitos corporativos e controlar o ritmo de produção do petróleo do pré-sal, em fina sintonia com os interes-ses do desenvolvimento brasileiro.

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 6 Ensino Superior

Desafios da

licenciatura

Levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-

cacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação), em 2003, mostra que o Brasil conta com mais de 2,6 milhões de professores na Educação Superior e Básica (esta úl-tima inclui os ensinos Infantil, Fun-damental e Médio). Estes docentes são os principais responsáveis pela educação de mais 57 milhões de bra-sileiros, e 80% destes profissionais atuam em escolas públicas. Na UFRJ, a oferta de vagas nos cursos de licen-ciatura também tem aumentado. A instituição ofereceu, nos concursos de acesso dos últimos anos, apro-ximadamente, 1,7 mil vagas para diferentes cursos de licenciatura. O número de vagas aumentou em de-corrência do processo de democrati-zação do acesso às universidades pú-blicas e às políticas de governo para o setor.

Em alguns cursos, a formação de professores – figura fundamental para a produção do conhecimento e desenvolvimento do país – atravessa, no entanto, um momento delicado. Os cursos de licenciatura em Física e Matemática são os que apresen-tam menor procura em relação aos demais. Além disso, nem todos os estudantes conseguem se formar no tempo previsto. Em 2008, 70 discen-tes ingressaram na Licenciatura em Física, mais do que o dobro do nú-mero dos que se graduaram naquele ano, quando 32 concluíram o curso. No ano seguinte, 37 alunos se forma-ram. A licenciatura em Matemática registrou 39 e 22 concluintes, respec-tivamente, em 2008 e 2009.

Mesmo desvalorizados ao longo dos anos, os cursos de licenciatura continuam tendo boa procura dos estudantes. Entretanto, nem todos os alunos conseguem se formar no tempo previsto, principalmente em Física e Matemática.

Vanessa Sol

No curso de Licenciatura em Quí-mica da UFRJ, a formação dos alunos consegue atingir um bom patamar: 43 estudantes em 2008 e 50 em 2009. Joaquim Fernando Mendes da Silva, professor e coordenador do curso do Instituto de Química, afirma existir, no entanto, uma crise crônica no magistério. O professor ressalta que as deficiências são um re-flexo do baixo salário pago aos profissionais, sobretudo os da rede pública estadu-al, e de sua não fixação em uma única escola pública, tendo que le-cionar em diferentes locais para cumprir a carga horária da matrícula. Ele defende que os professores dos ensinos Fundamental e Médio trabalhem em regime de de-dicação exclusiva e com bons salários.

“No dia que o salá-rio do professor me-lhorar – porque in-centivo aos profes-sores e aos futuros professores se dá com bons salários –, e ele passar a ser de uma única escola, com a carga horária sendo exercida naque-la escola, não apenas com aula, mas com projetos e tempo para continuar a se aperfeiçoar; o panorama muda, pois a crise é crônica e não surgiu agora. Acho que este é um bom mo-mento para pensar nela e resolvê-la. Porém, tudo depende das políticas a serem adotadas”, destaca Mendes da Silva.

Rafael Winter, professor e coor-denador do curso de Licenciatura

em Geografia da UFRJ, acredita que o curso vive um momento promis-sor, com grande procura nos con-cursos de acesso aos cursos de gra-duação e também com número satis-fatório de formandos. Para ele, isso decorre do investimento que tem sido feito nas licenciaturas através da reestruturação do curso, que, a partir de resolução do Conselho Nacional

de Educação (CNE), órgão colegia-do do Ministério da Educação, de 18/02/2002, deixou de ser vinculado ao bacharelado. Com isso, desde o início, o estudante que opta pela li-

Diego Novaes

7UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011 Ensino Superior

cenciatura tem contato com discipli-nas relacionadas à Educação. “Agora, o estudante terá uma formação mais direcionada, que valoriza a formação do professor desde o início da gradua-ção. Ministrar aulas é a opção de 80 a 90% de quem se forma em Geografia. Então, os estudantes querem fazer a li-cenciatura”, explica Winter.

A determinação do Ministério da Educação pela reestruturação dos cur-sos, dissociando bacharelado e licen-ciatura nas universidades públicas, não afetará a qualidade do ensino, de acor-do com Doris Falkenstein, professora do Instituto de Biologia e assessora da Pró-reitoria de Graduação (PR-1). Contudo, ela adverte que o problema ocorre nas universidades particulares que, atualmente, priorizam as discipli-nas pedagógicas, deixando em segun-do plano o conteúdo específico.

Ana Maria Monteiro, professora e diretora da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ, também faz questão de enfatizar que as disciplinas pedagógi-cas, além de Filosofia, de Sociologia e de Psicologia, permitem uma forma-ção sólida ao futuro professor, mas

frisa que o domínio do conteúdo es-pecífico de cada disciplina a ser minis-trada é fundamental para o trabalho adequado do docente: “O professor precisa dominar o conteúdo que vai lecionar e aprender - através da Didá-tica - como desenvolver aulas nas quais este conhecimento pode ser reelabora-do de modo a se tornar possível de ser ensinado e aprendido por seus alunos. Para isso, as contribuições da Psico-logia, da Sociologia, da Filosofia, da História e da Antropologia são muito importantes”.

Valorização da licenciaturaEm dezembro de 2010, a Secreta-

ria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT) do Rio de Janeiro criou uma comissão com o objetivo de avaliar a situação dos cursos de licenciatura do estado. Foi indicado um representante de cada universidade pública do Rio de Janeiro. A UFRJ indicou a profes-sora Ana Maria Monteiro para fazer parte dessa comissão.

Ela explica que os temas discutidos pelo grupo incluem questões sa-lariais, condições de trabalho para o professor e possí-

vel oferta de bolsa para licenciandos. “Esse estudo sinaliza que o Estado de maneira geral reconhece a importân-cia do professor. Isso pode valorizar o curso. Mas temos insistido muito que a questão salarial e de condições de tra-balho precisa ser melhorada. A educa-ção é prioridade”, destaca Ana Maria.

Outra forma de incentivar os gra-duandos dos cursos de licenciatura é o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), ideali-zado pela Coordenação de Aperfeiço-amento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação. O programa concede bolsas tanto para alunos de cursos de licencia-tura quanto para coordenadores e supervisores institucionalmente en-volvidos no projeto.

No edital de 2011 do Pibid-Capes, que tem duração de 24 meses, a UFRJ foi contemplada com R$ 2 milhões, o que permitirá a ampliação do número de bolsas concedidas. Desta vez, serão oferecidas 100 bolsas distribuídas en-tre os dez cursos de licenciatura que

participarão do programa. No edital publicado em 2008, a UFRJ recebeu R$ 1 milhão e ofereceu 30 bolsas para os estudantes das cinco

licenciaturas: Física, Matemática, Bio-logia, Química e História.

Para Doris Falkenstein, embora a verba recebida pareça alta, ainda não é suficiente. “Quando se fala de R$ 2 milhões parece muito, mas para dois anos é pouco. E nesse valor tem que estar incluídas bolsas para estudantes, supervisores, coordenadores de área e coordenador geral, além de material de consumo”, explica a professora.

Ana Maria Monteiro ressalta a importância do programa visando à melhoria do ensino: “O Pibid é inte-ressante porque vincula a bolsa a um projeto de intervenção na escola”.

Doris salienta, no entanto, que o Pibid é um projeto delicado porque depende, sobretudo, das escolas para ser eficaz. “Para este projeto dar certo, o diretor da escola precisa estar enga-jado na iniciativa. Em algumas escolas isso aconteceu; em outras, não. Alguns diretores pediram inclusive para que o projeto continuasse no ano seguinte por terem gostado do resultado”, res-salta a assessora da PR-1. Ainda segun-do ela, além do Pibid, outras iniciati-vas de valorização e aprimoramento da formação de professores vêm sen-do desenvolvidas pela Capes, como o Pró-docência e o Plano Nacional de For-mação de Professor da Educação Básica (Parfor).

Mudança cultural Ana Maria critica a atuação da mídia,

que insiste em apontar a falta de quali-ficação do professor. Segundo ela, esse discurso precisa ser reavaliado sob pena de o professor ficar cada vez mais des-

motivado para realizar seu trabalho: “A mídia faz um ataque recorrente

à formação de professores di-zendo que é inadequada. Ela mostra profissionais extenu-ados e muito desvalorizados,

mas não questiona e discute as más condições de trabalho e de remuneração que expres-

sam um descompromisso do Estado com a educação pú-blica. Precisamos mudar esse discurso e valorizar a figura

do professor. É preciso mostrar as experiências bem sucedidas, porque

elas existem”.Joaquim Fernando, do curso

de Licenciatura em Química, vai além. Ele acredita que houve um esvaziamento sistemático do papel pro-fissional do professor ao longo dos anos para que ele não tivesse condições

de contribuir com a forma-ção de um cidadão crítico,

capaz de reunir conhecimento de diversas áreas e formar uma visão de sociedade a fim de criticá-la e modi-ficá-la: “O esvaziamento do magisté-rio é premeditado, porque ser profes-sor é uma profissão que pode mudar o rumo de uma nação inteira”.

Diego Novaes

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 8 Direito à Informação

Os papéis daOs arquivos públicos rece-beram, nos últimos anos, uma grande quantidade

de informações oficiais produzidas pelos órgãos do Estado durante a di-tadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Papéis da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justi-ça foram transferidos no final dos anos 1990 para o Arquivo Nacional, com sede em Brasília. O mesmo ocorreu em 2005 com os dados do Serviço Nacio-nal de Informações (SNI), do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Geral de Investigações. São documen-tos desclassificados, ou seja, disponíveis para consulta. Resgatar a memória da repressão militar, no entanto, não tem sido uma tarefa simples para os pesqui-sadores. Apesar do aumento no volume de transferências de papéis da ditadura, a falta de uma legislação nacional capaz de garantir o pleno acesso a essas infor-mações vem se tornando um dos prin-cipais entraves para o país fazer o en-frentamento do seu passado. No centro do debate, o direito à privacidade das pessoas citadas nos documentos. Sem uma lei abrangente, os técnicos dos ar-quivos temem ser responsabilizados em caso de uso indevido das informações. Esse argumento acaba por restringir o acesso.

Para Carlos Fico, professor do De-partamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, é um equívoco aplicar à docu-mentação produzida durante a ditadu-ra militar a regra de ocultar dados que possam agredir a intimidade ou mesmo oferecer riscos à Segurança Nacional. Isso deve valer, segundo ele, para re-gimes democráticos. “Essa não é uma documentação que seja proveniente de um Estado democrático funcionando regularmente. Não coloca em risco a Segurança Nacional; tampouco aque-las afirmações são testemunho da ver-dade. Elas fazem parte da memória do arbítrio”, analisa Fico, que coordena o Grupo de Estudos da Ditadura Militar (GEDM). Mesmo na hipótese de divul-gação indevida dos dados no período 1964-1985, o historiador afirma que a responsabilidade deve recair natural-mente sobre quem fez (mau) uso e não sobre os arquivistas que liberaram o acesso.

Esse foi o caminho adotado pelos governos de São Paulo e do Paraná em relação aos dossiês produzidos pelas Delegacias de Ordem Política e Social (Dops), que compunham o aparato repressor do regime militar. Nos dois estados, qualquer cidadão pode acessar os papéis, desde que assine um termo de responsabilidade, no qual ele é infor-mado que determinados dados não de-vem ser divulgados, sob pena de sofrer ação judicial pela pessoa supostamente agredida. Carlos Fico defende a adoção desse procedimento em âmbito nacio-nal. O Rio de Janeiro, por exemplo, é

Marcio Castilho

Brasil detém o maior acervo de documentos entre os países que passaram por regimes autoritários na América Latina. Boa parte das informações já foi transferida para o Arquivo Nacional, em Brasília, mas diferentes interpretações acerca do direito de privacidade dificultam o acesso aos dados sobre o passado ditatorial brasileiro.

um dos estados que não permite livre acesso aos documentos reunidos em seu arquivo público, observa ele.

O pesquisador Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), também salienta a importân-cia de um marco jurídico sobre o tema. “Temos aí uma incongruência: num só país, políticas diversas segundo cada Estado. Creio que já é hora de superar-mos essa situação injustificável”, afirma Reis. Ele considera positiva a experiência dos governos de São Paulo e do Paraná, que souberam conciliar acesso irrestrito aos papéis da ditadura com o respeito à privacidade. “É preciso continuar a luta pelo acesso irrestrito aos documentos guardados pelos arquivos públicos, ca-bendo a responsabilidade pelo eventual uso indevido ao autor ou pesquisador que divulgar os referidos documentos sem os necessários cuidados”, comple-menta o professor da UFF.

Cultura do sigiloA maior parte dos documentos des-

classificados e disponíveis ao público foi transferida pelo Executivo. Os poderes Legislativo e Judiciário ainda guardam

papéis importantes sobre o passado dita-torial. Historiadores e jornalistas travam uma batalha para abertura, por exemplo, do acervo do Superior Tribunal Militar (STM), que contém processos contra as vítimas do regime ditatorial. No final do ano passado, durante a campanha presi-dencial, o STM se recusou a disponibi-lizar ao jornal Folha de S. Paulo o pro-cesso que levou a então candidata Dilma Rousseff à prisão, no auge da repressão política, em janeiro de 1970. Dilma, que participava da resistência ao regime, fi-cou presa por cerca de três anos.

Os arquivos dos temidos Centros de Informação da Marinha (Cenimar) e do Exército (CIE) também são considera-dos valiosos para o resgate da memória do arbítrio. Já o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa) enviou parte dos dados secretos para o Arquivo Nacional no início de 2010. Em

breve, a documentação que a Aeronáu-tica negou existir durante anos deverá estar aberta para consulta pública. São 189 caixas, totalizando cerca de 50 mil documentos reunidos entre 1964 e 1985.

“É muito importante continuar a luta para que as Forças Armadas disponibili-zem seus arquivos dos sinistros tempos da ditadura. Neste caso, trata-se de en-frentar a cultura política anacrônica que continua vigindo nas Forças Armadas, como se elas estivessem ainda mergu-lhadas nas polarizações da Guerra Fria. Infelizmente, os governos reformistas moderados de Fernando Henrique Cardoso e Lula foram muito tímidos no enfrentamento dessa espinhosa ques-tão”, analisa Daniel Aarão Reis.

Ex-integrante do Movimento Re-volucionário 8 de Outubro (MR-8), um dos grupos de luta armada contra a ditadura, o pesquisador e professor

9UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011 Direito à Informação

Os papéis da

da UFF acredita que a revisão do pas-sado de autoritarismo pode avançar no governo liderado por uma vítima do aparato repressivo do governo militar. Mas Reis aponta também as limitações decorrentes das circunstâncias políti-cas: “Por sua trajetória política pessoal, Dilma Rousseff pode ser mais sensível a esta questão. Entretanto, a verdade é que uma liderança política não faz ape-nas aquilo que pensa. Seus movimentos também são condicionados, em não pequena medida, pelas forças que a ele-geram e pelas instituições existentes”.

Carlos Fico tem uma avaliação di-ferente sobre a atuação dos dois últi-mos governos quanto ao tratamento de temas sensíveis do período militar. O professor da UFRJ cita como avan-ços na gestão do presidente Fernando Henrique a discussão sobre as indeni-zações, o início do processo de libera-

ção dos documentos e a reestruturação do Arquivo Nacional a partir da trans-ferência do órgão para a Casa Civil da Presidência. No governo Lula, segundo ele, houve um aprofundamento do pro-cesso de transferência de documentos e informações públicas para o Arquivo Nacional, inicialmente com José Dir-ceu, quando era ministro-chefe da Casa Civil, e depois com a própria Dilma, que o sucedeu no cargo. A liberação do acervo da Aeronáutica foi articula-da diretamente pela atual presidente da República.

“Memórias Reveladas”Apesar das recentes conquistas, o

país parece ter um longo caminho a percorrer para esclarecer o passado recente. “É comum que seja assim. De-pois de regimes autoritários, demora um tempo para que você possa enfren-

tar esses eventos traumáticos. Quanto tempo levou para que houvesse um en-frentamento das questões do Holocaus-to? Esses processos são longos. É por isso que, na literatura especializada, usamos a expressão trauma, porque é um passado que não passa”, explica Carlos Fico.

Para superação do processo de esquecimento desses eventos trau-máticos, o historiador afirma ser fundamental a criação da Comissão da Verdade. O projeto prevê o es-clarecimento dos casos de torturas, mortes e desaparecimentos ocorri-dos durante os chamados “anos de chumbo”. De acordo com Fico, a co-missão serviria como instrumento mobilizador, atraindo a atenção da sociedade para o tema. “A verdade é que mobiliza , não propriamente uma ação política, de convencimen-to ou de proselitismo. O que mobili-za é a verdade. Os dados apresenta-dos com isenção, objetividade, com-provação ou depoimentos irrefutá-veis atraem a atenção das pessoas. A comissão não implica julgamento, mas esse enfrentamento da verdade”, explica o professor.

Um dos programas lançados para o enfrentamento das questões da ditadura, no entanto, virou motivo de frustração para o pesquisador: o projeto Memórias Reveladas – Cen-tro de Referências das Lutas Políticas no Brasil, criado em 2009. Durante a campanha eleitoral para presidente, Carlos Fico pediu demissão do cargo de vice-presidente da Comissão de Altos Estudos do Centro de Referên-cias em protesto às restrições impos-tas pelo Arquivo Nacional, em Brasí-lia, para liberação de informações do regime militar. Um técnico do Arqui-vo Nacional negara o acesso a uma doutoranda do Programa de Pós-gra-duação em História Social da UFRJ. O arquivista alegou que jornalistas estariam fazendo uso indevido dos dados de candidatos que concorriam às eleições. O pedido de demissão foi acompanhado por Jessie Jane, presi-dente da Comissão de Altos Estudos e também professora do Departamento de História do Ifcs. Para Fico, os ar-quivos públicos devem ficar abertos independentemente da conjuntura política e acessíveis a qualquer cida-dão: “Muitos dirigentes de arquivo veem de maneira diferenciada o pes-quisador acadêmico, o jornalista e o estudante. Não pode ser assim. Qual-quer cidadão tem o direito de pleno acesso a todos os documentos da di-tadura, sem ter inclusive de explicar o motivo”.

A restrição do acesso a documen-tos do período da ditadura militar, que culminou no pedido de demis-são dos professores da UFRJ, também levou a organização Transparência Brasil a cancelar participação em um seminário organizado, no fim do ano passado, pelo Memórias Reveladas. Claudio Weber Abramo, diretor exe-cutivo da entidade, afirma que a dis-cussão sobre acesso deve ser mais am-pla e se estender para o período pós-ditadura. Segundo ele, o poder públi-co tem o dever de oferecer informa-ções de qualquer natureza, incluindo dados financeiros, indicadores sociais e processos decisórios. “Esta discus-são tem a ver com o presente. Hoje o governo fornece informações sem estar com vontade. Esse é o proble-ma. Há abundância de documentos. O país preserva mais informações do que os países desenvolvidos no plano federal”, afirma Abramo, que é mestre em Filosofia.

Para ele, o recolhimento de infor-mações oficiais nos estados e municí-pios é caótico. Muitos sequer recolhem esses dados, comprometendo a quali-dade das políticas públicas. “As regiões Sul e Sudeste, mais o estado da Bahia, concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas o que eles disponibili-zam de informação? Quase nada. Então, qual a qualidade das decisões tomadas no âmbito dessas administrações? Se a informação é ruim, a decisão também será péssima”, salienta o filósofo.

“A verdade é que

mobiliza, não propriamente

uma ação política, de

convencimento ou de

proselitismo. O que mobiliza

é a verdade. Os dados

apresentados com isenção, objetividade, comprovação

ou depoimentos irrefutáveis

atraem a atenção das

pessoas.”Carlos Fico

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 10 Direito à Informação

O tema da regulamenta-ção do setor de Comu-nicação vem mobili-

zando especialistas, profissionais da área e consumidores de informação. O assunto ganhou dimensão quan-

regular para democratizar

Com

un

ica

ção

Pedro Barreto

do Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação So-cial do governo Lula, afirmou que deixaria um anteprojeto de lei para a presidente Dilma Rousseff, con-tendo pontos aprovados na Confe-rência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezem-bro de 2009.

“As propostas da Confecom tra-tam de muitos detalhes, mas acre-dito que a lei poderia contemplar pontos mais abrangentes que, de-pois, uma agência regulamentadora poderá cumprir. Esses pontos vão desde o combate à discriminação de todo tipo, um fato consensualmente aceito, até questões de fomento ao conteúdo nacional e regional; além da proteção de direitos da infância e da juventude, que já estão incorpo-radas às legislações de países como Portugal, França, Inglaterra, en-tre outros”, afirma Marcos Dantas, professor da Escola de Comunica-

João Rezende

“Fortalecer a democracia”. Foi essa a expressão

utilizada pelo ministro das Comunicações, Paulo

Bernardo, ao ser perguntado sobre o projeto de regulação

da mídia. A declaração, publicada na página do

Ministério na Internet, foi retirada de entrevista

concedida ao programa de rádio “Bom dia, ministro”,

produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

11UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011 Direito à Informação

ção (ECO) da UFRJ, em entrevista ao programa Papo UFRJ, produzi-do pela WebTV da Coordenadoria de Comunicação (CoordCOM) da UFRJ.

A previsão inicial era que o an-teprojeto fosse enviado, ainda em fevereiro, para apreciação na Câ-mara dos Deputados. No entanto, o grande debate provocado pelo as-sunto fez com que o ministro Paulo Bernardo cogitasse a possibilidade de uma consulta pública, para que o tema seja amplamente debatido por todos os setores da sociedade. Neste caso, o mais prová-vel é que o docu-mento seja enviado ao Congresso Na-cional no segundo semestre deste ano.

A difícil regula-mentação

Os debates pro-metem ser acirra-dos, como já de-monstra a cober-tura da grande im-prensa e os fóruns de discussões nas mídias sociais da Internet. Eduardo Granja Coutinho, também professor da ECO, prevê di-ficuldades por par-te do governo em aprovar propostas que efetivamente criem uma nova configuração do setor de Comuni-cação no país. “Eu avalio que esse anteprojeto não significaria uma mudança drásti-ca. E, mesmo que não seja uma mu-dança significativa, o governo vai ter muita dificuldade de conseguir qualquer tipo de regulamentação na área. Ele vai ser acusado, em unísso-no, pelas grandes emissoras de estar cerceando a liberdade de imprensa e atacando um direito universal, que é o direito da comunicação”, apos-ta o especialista em Comunicação e Cultura.

Já André Vieira, mestrando, tam-bém da ECO, acredita que o docu-mento pode trazer mudanças positi-vas. “Temos que ver que essa é uma questão de Estado e que não existe parceiro na grande mídia. Ou o go-verno regula a Comunicação, para que haja outras vozes, inclusive que o apoiem, ou então será engolido pela mesma comunicação que ele vem favorecendo há muito tempo. A indicação de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações, que sempre era destinado ao PMDB, é

um sinal disso”, avalia o pesquisa-dor, cuja dissertação de mestrado versa sobre a democratização da Comunicação no Brasil.

Regulação de conteúdoou censura?

Entre os possíveis tópicos do novo marco legal para o setor estão a discussão acerca da propriedade cruzada dos veículos de comunica-ção, a criação do Conselho Nacional de Comunicação e a regulação do conteúdo produzido e transmitido nas emissoras de tevê brasileiras.

Este último, que prevê uma cota para o conteúdo nacional e regio-nal veiculado, vem sendo criticado pelos empresários do setor, que che-garam a chamar a proposta de cen-sura. “A principio, avalio o controle de conteúdo mui-to perigoso. Qual-quer controle pode dar espaço à cen-sura e é uma ame-aça à democracia”, afirma Paulo Ue-bel, diretor execu-tivo do Instituto Milenium, organi-zação não gover-namental formada por empresários, executivos e pro-fissionais liberais ligados ao setor da Comunicação, que tem entre seus princípios: difun-dir conceitos como “liberdade indivi-dual, proprieda-de privada, me-

ritocracia, economia de mercado”, de acordo com o site da entidade (http://www.imil.org.br/).

A garantia de uma programação mais diversificada é um dos pon-tos indispensáveis para Paulo Ber-nardo. “A Constituição prevê que haja uma produção local, conteúdo regional para veicular nas redes”, afirma o ministro, em referência ao inciso III do Artigo 221. “O que o governo não quer é controlar o que é dito. Isso é inconstitucional”, asse-gura Paulo Bernardo, para quem “a intenção de regular a mídia eletrô-nica está prevista na Constituição” - em referência aos artigos 220 a 224, que versam sobre a Comunica-ção Social. Entre eles, o Inciso I do Parágrafo 3º do Artigo 220 define que compete à Lei Federal “regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público infor-mar sobre a natureza deles, as faixas

etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apre-sentação se mostre inadequada”. Já o Parágrafo 5º do mesmo artigo es-tabelece que “os meios de comuni-cação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de mono-pólio ou oligopólio”. Finalmente, o Artigo 223 afirma que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão so-nora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e es-tatal”.

Internet sob riscoEm relação ao direito dos movi-

mentos sociais, Paulo Uebel defende que “eles também têm liberdade de se manifestar”. No entanto, o diretor do Instituto Millenium ressalva que “é importante evitar o conflito de interesses, principalmente quando estão em jogo as verbas publicitárias estatais”. Já Para Marcos Dantas, o que está em debate é o direito à co-municação. “As pessoas têm que ter o direito de comunicar suas ideias e de acessar informação”, afirma o professor da ECO. “Trata-se de uma disputa política. Ao longo dos sécu-los XIX e XX, vem ocorrendo uma luta na esfera pública pela democra-tização dos meios. Hoje, a Internet viabiliza isso, mas já há todo um processo para controlá-la”, ar-gumenta Dantas.

Um episódio que re-percutiu o assunto, nos úl-timos meses, foi a divulgação de documentos oficiais do governo estadunidense através do site Wiki-Leaks. Em todo o mundo, são sete os jornais que detêm acesso a tais documentos e cabe a esses veículos definir o que será efetivamente pu-blicado. No Brasil, o privilégio cabe a O Globo e à Folha de S. Paulo. “O que este sítio fez foi nada menos do que exercer o direito à informação. Eu pego a informação pública, do

Estado, e apresento”, resume Marcos Dantas.

Eduardo Coutinho não é tão oti-mista quanto ao poder da Internet no que se refere à democratização da informação. “Eu concordo que ela tem um grande potencial contra-hegemônico. Mas olha o que está acontecendo hoje, nesse momento, com Julian Assange (criador do Wi-kiLeaks). A hora em que a Internet significar uma ameaça real ao po-der, os caras mudam as regras. Vão cassar o WikiLeaks do Facebook, do Twitter, da Internet”, opina o profes-sor, em referência à prisão de Assan-ge por acusação de abuso sexual na Suécia, cujo governo teria suposta-mente sofrido pressões políticas dos Estados Unidos. Mais recentemente, antes de ser derrubado do poder por uma rebelião popular, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, desativou os servidores de Internet e a telefo-nia celular de todo o país.

Nos últimos anos, governos de países como Venezuela, Bolívia, Argenti-na, Uruguai, Paraguai e Equador adotaram medidas para mudar a configu-ração da Comunicação em seus territórios. No Brasil, se a democratização do direito pleno de se comunicar e receber informações ainda é um sonho, ao menos a popularização da Banda Larga é uma promessa de Paulo Ber-nardo. O ministro reconhece que o Brasil está atrás de países como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, nos quais se faz conexões de até um Giga-byte por segundo (Gbps) para grande parte da população, enquanto aqui a Internet a 10 Megabytes por segundo (Mbps) é um luxo para poucos. Se hoje, no Brasil, apenas 34% dos lares possuem Internet, o Plano Nacional de Banda Larga pretende expandir a rede de fibra ótica para todo o país. “Em um horizonte de quatro anos, pretendemos oferecer Banda Larga a um custo de R$ 30 a R$ 35”, promete o ministro Paulo Bernardo.

“Temos que ver

que essa é uma

questão de Estado

e que não existe

parceiro na grande

mídia. Ou o

governo regula a

Comunicação, para

que haja outras

vozes, inclusive que

o apoiem, ou então

será engolido pela

mesma comunicação

que ele vem

favorecendo há

muito tempo.”

André Vieira

Banda larga, um primeiro passo

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 12 Pós-graduação

A intensa produção científica de Bertha Becker não a impediu de exercer

os papéis de esposa e mãe.

No último dia 1º de janeiro, o Brasil vivenciou um de seus grandes momentos:

pela primeira vez, uma mulher, a mi-neira Dilma Rousseff, recebeu a faixa presidencial e ocupou o cargo político máximo do país. O acontecimento foi considerado por muitos um símbolo dos avanços sociais conquistados pelas mulheres nas últimas décadas.

Mas não é apenas na política que elas obtêm vitórias. Um recente levan-tamento realizado pelo Centro de Ges-tão e Estudos Estratégicos (CCGE), órgão vinculado ao Ministério de Ci-ência e Tecnologia (MCT), mostrou que as mulheres estão ocupando no-vos espaços também na universidade. Segundo a pesquisa, intitulada “Dou-tores 2010 – Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira”, des-

na PesquisaEstudo mostra que as mulheres são maioria entre os que concluem cursos de doutorado no país. Apesar disso, ainda

ganham menos e enfrentam mais dificuldades para ingressar no mercado de trabalho.

Aline Durães

Mulheresde 2004, o número de mulheres que se formam em cursos de doutorado é superior ao de homens.

Elas que, durante o período colo-nial brasileiro (1530 – 1822), foram impedidas de frequentar escolas e de aprender a ler e a escrever, conseguem, agora, ser maioria entre os que con-cluem o mais elevado nível de qualifi-cação educacional. “Até um momento da história, as mulheres enfrentaram mais dificuldades para se inserir no âmbito educacional, principalmente porque o machismo imperava com muita força na vida ordinária e, além disso, acreditava-se que elas deveriam apenas desenvolver o papel social de mãe e dona de casa”, observa Mani Te-bet, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropolo-gia (PPGSA) do Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ.O Brasil é a terceira nação do mundo

com maior proporção de formação de mulheres em cursos de doutorado. Per-de apenas para Portugal e Itália e fica na frente, até mesmo, dos Estados Unidos. De acordo com dados do Council of Gra-duate Schools (CGS), em 2008, 50,4% dos novos doutores norte-americanos perten-cem ao sexo feminino. No mesmo ano, entre os doutorandos brasileiros, 51,5% eram mulheres.

Para alguns especialistas, é inegável que a presença mais marcante das mu-lheres em cursos de pós-graduação seja resultado da recente democratização de oportunidades experimentada pelo gê-nero feminino. Ao longo das últimas dé-cadas, em especial a partir dos anos 1960, elas abandonaram o ambiente doméstico e ingressaram nas escolas, nas universida-des e no mercado de trabalho.

Ângela Maria Cohen Uller, professo-ra do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2) da UFRJ, acredita que os dados obtidos pelo estudo do CCGE são reflexo também da superioridade numérica das mulheres no conjunto da população. O último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE) constatou que existem 3,9 milhões de mulheres a mais do que ho-mens no Brasil. “A Ciência sempre foi um ramo muito masculino, mas houve mu-danças sociais significativas nos últimos anos. Na população brasileira, há mais representantes do sexo feminino do que do masculino. Na universidade como um todo também. Leva um tempo até que es-sas transformações cheguem realmente à academia, ao mestrado e ao doutorado. É necessária mais de uma geração para pro-duzir resultados”, avalia a professora, que é doutora em Engenharia Química pela Escola Superior de Química da Universi-dade de Paris.

Já Mani Tebet credita o crescimen-to da taxa de participação feminina nos cursos de doutorado à maior e melhor participação das mulheres no Ensino Bá-sico. Ela sustenta também que o direcio-

namento feminino para a pós-graduação se explica pela construção histórico-social de que a mulher deveria ser a responsável tanto pela educação de seus filhos como a dos filhos de outras famílias. “A mu-lher, portanto, teve - e tem - um papel de protagonista tanto na atividade de edu-car quanto na de cuidar. Esta ideia se encontra tão arraigada que, em geral, as mulheres brasileiras preferem inves-tir na trajetória acadêmica ao invés de priorizar a inserção profissional e téc-nica mais precoce no mercado de tra-balho. Em minha tese de mestrado, por exemplo, mostrei como as mulheres do curso de Engenharia tendem a investir na trajetória acadêmica (estudando, obtendo alto Coeficiente de Rendimento, conquis-tando bolsas de pesquisa) mais do que os homens do curso, que preferem atuar como estagiários e/ou técnicos de Enge-nharia, desde o começo da graduação”, aponta a pesquisadora do Ifcs.

Diferenças persistemO levantamento empreendido pelo

CCGE-MCT analisou também as áreas de saber mais procuradas pelas doutoras. Engana-se quem pensa que elas preferem as Ciências Humanas. A participação fe-minina é maior em cursos de Linguística, Letras e Artes. Elas representavam, em 2008, 63,8% dos estudantes dedicados à área. Lideravam ainda nos campos das Ciências Biológicas e da Saúde, com par-ticipação de 62,6% e 59,3%, respectiva-mente. As Ciências Humanas aparecem no 4º lugar, com 59%.

A presença feminina nos programas de pós-graduação em Engenharia, contu-do, é baixa. Apenas 33,3% dos concluintes de cursos de doutorado nessa área são mulheres. Embora pequena, essa porcen-tagem cresceu cerca de 30% em 12 anos. “Dizem que, quando determinada car-reira fica massificada e pouco atrativa, os homens não a procuram. Não sei se isso é verdade, mas o fato é que a área de Ciên-cias Exatas sempre foi muito procurada. A diferença agora é a quantidade enorme de empregos oferecidos. Às vezes, os dou-torandos passam num concurso público e abandonam a pós”, pondera Ângela Uller.

Marco Fernandes

13UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011

Participação feminina por área de saber no doutorado (2008)

Pós-graduação

Engenharia 33,3%Ciências Exatas e da Terra 37,7%

Ciências Agrárias 47,8% Área Multidisciplinar 49,5%

Ciências da Saúde 59,3%

Ciências Biológicas 62,6%

Ciências Humanas 59%

Ciências Sociais Aplicadas 42,7%

Linguística, Letras

e Artes 63,8%

A pesquisa do CCGE constatou evi-dências da existência de desigualdades de gênero mesmo no meio profissional de maior qualificação. Apesar de as mulhe-res terem passado a representar mais da metade dos titulados em programas de doutorado desde o ano de 2004, somen-te 47,7% das que concluíram o curso en-tre 1996 e 2006 estavam empregadas em 2008.

As diferenças salariais ainda persis-tem. As doutoras recebem remuneração mensal média 11% menor que a dos dou-tores. Ou seja, enquanto um homem com doutorado ganhava, em 2008, em média R$ 8,1 mil, uma mulher, com a mesma qualificação e titulação, recebia R$ 7,2 mil.

A realidade díspar não é exclusivida-de do Brasil. Nos Estados Unidos, elas também ganham salários inferiores a de seus colegas. Segundo a American Asso-ciation for University Women (AAUW), para cada dólar que um homem com graduação avançada recebe de salário, a mulher embolsa apenas 77 centavos. “As diferenças salariais continuam a existir, mesmo quando homens e mulheres ocu-pam o mesmo posto de trabalho, o que é um dado chocante. Outras diferenças que

ocorrem no mercado se relacionam, por exemplo, com os cargos de chefia e coor-denação, em geral, ocupados por homens. Além disso, as escolhas das especialidades profissionais por parte dos homens são mais valorizadas em termos de remune-ração salarial: por exemplo, no caso da Medicina, é incomum vermos uma cirur-giã mulher”, pontua Mani Tebet.

Desafios femininosBertha Koiffmann Becker é um dos

nomes expoentes da pesquisa em Ge-ografia do Brasil. A professora emérita do Instituto de Geociências (Igeo) da UFRJ nasceu em 1930 e acompanhou o surgimento e a consolidação da pós-graduação no país, com a cria-ção do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951. No total, são mais de 60 anos dedicados à academia.

A intensa produção científica não a impediu de desempenhar os papéis de esposa e mãe, mas ela admite que não foi tarefa simples conciliar pesquisa e mater-nidade. “No início, era difícil. Eu saía três vezes por semana à tarde para fazer traba-lho de campo e deixava meus filhos com

as empregadas. Sentia um pouco de culpa por deixá-los, mas, à medida que eles fo-ram crescendo, tudo se tornou mais fácil”, considera a professora, que é pós-dou-tora, pelo Department of Urban Studies and Planning do Massachusetts Institute of Technology (MIT), EUA.

A maternidade sempre foi um dos principais entraves para as mulheres in-teressadas em se aventurar no campo da pesquisa. Na maior parte das vezes, elas tinham de optar entre seguir a carreira acadêmica ou vivenciar a experiência de ser mãe.

Em 2010, as pesquisadoras obtiveram um auxílio importante nesse sentido: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pror-rogou, através da Portaria nº 220, o rece-bimento de bolsas em até quatro meses para mulheres que derem à luz durante a vigência do apoio financeiro. Agora, elas podem se afastar da pesquisa após o par-to sem perder a bolsa. “O direito à licença maternidade até o quarto mês de gravidez é uma conquista. Não podemos dizer, en-tretanto, que vivemos uma democracia de gênero, exatamente porque existem distinções por sexo no interior das pro-

fissões e do desenvolvimento científico. A pesquisadora Hildete Pereira de Melo, através de um estudo realizado em 2004, mostrou que, apesar de as mulheres terem mais títulos de doutorado, são os homens que conseguem os melhores recursos e fazem mais cursos fora do país”, alerta Mani Tebet.

Para Ângela Uller, o caminho da equidade de gênero passa por mu-danças na esfera familiar. O desafio maior é estimular os pais a criarem as filhas como pessoas capazes de concretizar suas próprias expecta-tivas. “O estímulo deve começar na infância. Devemos mostrar que elas são iguais aos meninos, capazes, e que podem chegar aonde querem. Precisa-mos também mudar a mentalidade do homem, porque, quando a mulher estuda e trabalha fora, deve haver uma divisão de tarefas domésticas. Não basta ainda a mulher entrar na Ciência. Ela tem que ocupar cargos de chefia, de destaque. E deve entender que, para ter sucesso, não precisa abdicar de suas características mais interessantes: o temperamento, o caráter afetivo, a maternidade...” conclui a pesquisadora.

O Brasil é a terceira nação do mundo com maior proporção de formação de mulheres em cursos de doutorado. Perde apenas para Portugal e Itália.

Presença feminina nos programas de pós-graduação em Engenharia: 33,3% dos concluintes de cursos de doutorado nessa área são mulheres. Crescimento de 30% em 12 anos.

Diferenças salariais: as doutoras recebem

remuneração mensal média 11% menor que a dos

doutores:Homem (R$ 8,1 mil) Mulher (R$ 7,2 mil)

Fonte: Centro de Festão e Estudos Estratégicos - MCT

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 14 Especial

Qual UFRJ queremos ser?

Luiz Carlos Maranhão

Os professores ouvidos para esta terceira rodada de entrevistas que

discutem o futuro da UFRJ elevam a temperatura do debate. Eleonora

Ziller Camenietzki, professora e diretora da Faculdade de Letras

(FL); Alcino Câmara Neto, professor do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI) do

Instituto de Economia (IE); Alexandre Pinto Cardoso, professor da Faculdade de

Medicina (FM); e Ricardo de Andrade Medronho, professor da Escola de Química

(EQ), incorporam novos ângulos na abordagem de temas recorrentes da agenda

política e acadêmica da universidade. Mas também trazem à discussão observações

controversas e originais acerca do presente e do futuro da UFRJ.

Há estimulante pluralismo quando a discussão envolve cotas, Exame Nacional

do Ensino Médio (Enem), reorganização acadêmica, Plano Diretor UFRJ 2020,

presença da Petrobras no campus universitário e o Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Part

e III

15UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011 Especial

Expandir para democratizar o acesso

Jornal da UFRJ: O que é central no debate sobre o Programa de Apoio a Planos de Re-estruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)?Eleonora Ziller Camenietzki: O central é a questão da expansão mesmo, é meter o dedo na ferida e, no caso da UFRJ, é a quem nós servimos. Este é o debate central: se va-mos aproveitar ou não a possibilidade de, cada vez mais, atender o maior número de pessoas que for possível. O governo acenou com uma proposta que colocava no coração do problema algo que estava fora de nossas expectativas nos últimos 40 anos: a expan-são da universidade pública. Isso tem uma dimensão central e, durante um bom tem-po, uma parte das forças políticas que atua na universidade deixou correr essa discussão pelo ralo.

Jornal da UFRJ: Que forças políticas?Eleonora Ziller Camenietzki: Achei con-traditório que grupos que, teoricamente, deveriam estar empenhados na construção de pontes mais sólidas entre a universidade e as camadas populares acabassem vocalizan-do um discurso elitista de uma universidade para poucos, de um padrão de universidade que é para um grupo muito pequeno, um padrão de investimento que vai gerar uma universidade muito encolhida para as di-mensões das tarefas da UFRJ.

Jornal da UFRJ: Há crítica que diz que a uni-versidade não está aproveitando bem o Reuni.Eleonora Ziller Camenietzki: Nesse pon-to existem alguns problemas específicos da UFRJ. Nossa universidade tem uma estru-tura antiga, uma máquina emperrada, mas ela tem principalmente a ausência de sentido de instituição. Para a maioria, a universidade é vivida como uma federação de unidades, mais do que uma instituição universitária. Então, quando se invoca o programa de ex-

Eleonora Ziller CamenietzkiEleonora Ziller Camenietzki, atual diretora da Faculdade de Letras (FL), identifica na UFRJ “uma ausência de sentido de instituição”. Segundo ela, “para a maioria, a universidade é vivida como uma federação de unidades, mais do que uma instituição universitária”, o que resultaria na fragmentação das ações.No debate acerca dos caminhos da universidade, Eleonora diz que alguns grupos, que deveriam estar empenhados na construção de pontes com os setores populares, vocalizam discurso elitista de uma universidade para poucos. Em sua opinião, a Extensão Universitária, vital na relação com a sociedade, não tem compreensão consistente na UFRJ.

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 16

pansão da UFRJ, o pensamento que surge é de que forma eu posso encaixar a minha unidade. A discussão ainda é difícil quando se trata do compromisso da expansão da UFRJ. Posso dizer que hoje a Faculdade de Letras serve à expansão da UFRJ abrigando Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Defe-sa e Gestão Estratégica Internacional, porque o nosso sentido é a UFRJ. Há outras unida-des próximas da gente com grandes salas de aula, muitas condições de acolher esses cur-sos no horário noturno e que não quiseram. As direções fazem o discurso de que apoiam a expansão. Precisamos de proposições, atos e não de discurso bonito.

Jornal da UFRJ: E as cotas sociais? Eleonora Ziller Camenietzki: Acabei de-fendendo. São melhores do que as raciais. Marcelo Paixão esteve aqui e nós fizemos um debate. Concordo com toda argumen-tação acerca do racismo. O Brasil é um país profundamente racista, com herança escra-vocrata entranhada. Concordo com tudo até a hora da solução. Não consigo achar que alguém possa, em algum momento, avaliar justo que as pessoas possam ser separadas por qualquer motivo, seja pela cor da pele, seja pela origem étnica. Sou da opinião de que a universidade tem outro tipo de compromisso.

Jornal da UFRJ: Mas cotas sociais tam-bém. Eleonora Ziller Camenietzki: É um mal necessário. Não defendo nenhum tipo de cota, de bônus. Não gosto des-sa discussão. Avalio que a universidade deveria estar aberta a todos. Se você concluiu o Ensino Médio, tem um cer-tificado, um Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), algo que diga que você está apto a seguir, então você deveria ingressar no Ensino Superior. E é claro que você tem que ter políticas na uni-versidade para permitir que aqueles que não têm condições sócio-econômicas se mantenham. Dar condições para as pessoas permanecerem na universidade, bolsas, computador, assistência estudan-til, bandejão, transporte, eu concordo com tudo isso. Isso tudo é essencial. Eu não concordo é com a bonificação aca-dêmica, que assume este papel. Mas eu acabei aceitando (as cotas) porque hoje é um processo necessário.

Jornal da UFRJ: E o Enem é um fator de avanço?Eleonora Ziller Camenietzki: Ape-sar de todos os problemas, acho que o Enem é uma tentativa importante. De-ve-se lutar para que uma parte dele seja fortemente vinculada às universidades, que as universidades tenham uma in-terferência direta para que o exame não seja produzido de fora para dentro. Mas, ao mesmo tempo, o Enem não pode ser apenas isso. Ele precisa ser um instru-mento do sistema público de ensino. Ele

tem que ser vinculado ao Ensino Médio, ao Básico. Eu digo assim: a universida-de não pode ter o monopólio do Enem, também. Como se articula isso regional-mente? Ainda não tenho respostas. Mas acho que esse é o caminho.

Jornal da UFRJ: A universidade poderia fazer mais para enfrentar a tragédia do Ensino Médio na rede pública?Eleonora Ziller Camenietzki: Acho que a universidade poderia fazer mui-to mais do que o que está fazendo. Tem que se meter, fazer projetos, se envolver, propor, investigar, tem que se arriscar! Na área de Educação, a universidade, hoje, me parece muito acanhada. Não quer correr riscos. Eu penso assim: onde estaríamos hoje se o projeto lá atrás, na década de 1980, de qualificação profis-sional até a 8ª sé-rie, que não foi um projeto da univer-sidade, não tivesse sido interrompido? Hoje há certo reco-nhecimento de que muitos daqueles projetos estavam avançados. Horá-cio Macedo, então reitor da UFRJ, estava enxergan-do longe. Mas eu acho que ainda falta uma compreensão mais consistente na UFRJ do que seja a Extensão Univer-sitária, que é um campo poderoso.

Jornal da UFRJ: O que seria uma com-preensão mais consis-tente da Extensão?Eleonora Ziller Camenietzki: Bem, lá atrás, Horácio Macedo apontava: “a UFRJ precisa se transformar em uma instituição querida e amada pelo seu povo”. Ele dizia que isso era a pedra de to-que fundamental. No início achava esse ne-gócio esquisito, me parecia uma coisa meio piegas. Isso até a gente começar a olhar a movimentação desta formulação para a Extensão no sentido mais radical do termo. Quer dizer, a Extensão é a possibilidade de inserir a universidade no processo social vi-tal. É aonde eu vou, inclusive, transformar o modo de produção do conhecimento, a sociedade vai atuar na transformação da universidade.

Jornal da UFRJ: Mão dupla?Eleonora Ziller Camenietzki: Que não pode ser confundida com paternalismo. A missão da universidade não é atender aos pobres, não é fazer caridade, é produzir co-nhecimento. É essa relação que é conflitan-te, tensa, contraditória, produtora do novo.

Então, eu vou para a comunidade, para a sociedade para colocar em xeque o meu co-nhecimento, para que ele seja transformado e, é obvio, para que eu ofereça para a comu-nidade possibilidades de resistência. Isso é tão importante quanto os convênios com a Petrobras. São partes de um todo muito complexo.

Jornal da UFRJ: Há crise na licenciatura? Eleonora Ziller Camenietzki: Em Língua Portuguesa, faltam alguns professores. Em Química, Física e Matemática, o nó é mui-to mais complicado do que o nosso. Por-que nós, na Letras, formamos muita gente. Não são dados meus, são da Faculdade de Educação. Somos a unidade que mais for-

ma licenciados. Mais do que em Biologia, mais do que todo mundo. Então é uma área que tem muita gente qualificada. Agora, para atuar no Ensino Médio, temos o problema de formação desses professores com a perda de tradição de leitura, de intimidade com o texto escri-to. É um problema do mundo e não da UFRJ, mas se coloca para a gente, aqui, de forma mais intensa, pelo perfil dos alunos que nós atendemos. Na Letras, ainda há essa polêmica, que é a separação do ba-charelado e das li-

cenciaturas. Em alguns lugares - não é o nosso caso de jeito nenhum -, eu discutia com alunos por que eles não conseguiam entender a licenciatura como algo tão im-portante e válido, assim como o bachare-lado, com a mesma qualidade. Porque a mensagem corrente é a de que uma coisa é você formar pesquisador, outra é formar o professor. O que é um grande equívoco: eu não entendo como é que se forma um professor que não seja pesquisador.

Jornal da UFRJ: Qual é sua opinião acerca dos cursos pagos na UFRJ?Eleonora Ziller Camenietzki: Tem gen-te que vende caro e tem gente que vende barato. O Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) e Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Co-ppe) vendem caro. Mas há alguns cursos de especialização que, em geral, são bara-tos. Eu não acho, por exemplo, que a uni-versidade tenha que fechar as portas para as empresas. Pode oferecer cursos, prestar serviços. O problema é, na verdade, quando esse dinheiro entra. Aqui na Letras temos, há muitos anos, um curso pago de línguas,

que é o Curso de Línguas Aberto à Co-munidade (Clac), que cobra infinitamente menos do que qualquer curso de idiomas. A gente atende a quatro mil alunos. É uma taxa de 90 reais por semestre. Em momento algum da história da Faculdade de Letras, desde a criação do curso, o dinheiro foi re-vertido para o pagamento dos professores. Nenhum professor aqui coloca dinheiro no bolso, sobre qualquer forma de benefício pessoal. Esse dinheiro vem exclusivamen-te para pagar as bolsas. É um programa de bolsas com praticamente 200 bolsistas no Clac.

Jornal da UFRJ: Os recursos que ingressam na universidade através de cursos deveriam ser institucionalizados?Eleonora Ziller Camenietzki: Instituciona-lizados, claro. Para onde vai o dinheiro? Se for uma entrada de recurso que fortalece a instituição pública, fortalece os critérios acadêmicos e fortalece a vida univer-sitária, por que não? Agora eu preciso de dinheiro para colocar ar condicio-nado nas 80 salas da Letras. Enquan-to isso há unidades na UFRJ que têm dinheiro para pôr vidro Blindex, piso especial. Esse dinheiro tem que ser re-partido, porque a minha sala de aula, por exemplo, não tem ar refrigerado.

Jornal da UFRJ: Há casos de profes-sores que estabelecem relações unilate-rais com empresas?Eleonora Ziller Camenietzki: Aí é a universidade para os negócios. Te-nho severas críticas. Agora temos que discutir isso com cuidado. Há uma realidade que é muito difícil impedir. Acho melhor que se tenha um grande pesquisador, um grande laboratório produzindo na universidade e rece-bendo recursos para a instituição, mesmo que uma parte fique com ele, do que excluí-lo da universidade.

Jornal da UFRJ: Há restrições de al-guns setores às relações da Petrobras com a UFRJ. Sua opinião? Eleonora Ziller Camenietzki: Há exageros e problemas. O Parque Tec-nológico também tem problemas.

Jornal da UFRJ: Quais as restrições ao Parque Tecnológico?Eleonora Ziller Camenietzki:: Acho que se você tem uma grande empresa transnacional que tenha se envolvido num banho de sangue na África, por exemplo, e ela se instala num campus universitário de uma instituição pública, isso é um proble-ma. É ganho simbólico e de imagem muito maior para a empresa que passa a usar o nome da UFRJ. A Minerva é muito valiosa. No caso da Petrobras, não se trata de uma empresa qualquer, não é um sanguessuga apenas. Mas eu acho também, de qualquer forma, que a gente precisa discutir melhor essas contrapartidas.

Achei contraditório

que grupos que,

teoricamente, deveriam

estar empenhados

na construção de

pontes mais sólidas

entre a universidade

e as classes populares

acabassem vocalizando

um discurso elitista de

uma universidade para

poucos.

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Jornal da UFRJ: O senhor tem críticas ao Reuni?Alcino Câmara Neto: O Reuni significou mais verbas. Aponta o caminho para uma universidade não restrita a uma pequena elite e também trouxe recursos de capital, o que, há muito, as universidades públicas não vinham recebendo. Agora, ele veio de cima para baixo. Não surgiu a partir de um movimento em que a universidade brasilei-ra buscasse repensar seu papel para ser algo mais do que a mera federação de escolas profissionais, que tem sido nos últimos 50 anos.

Jornal da UFRJ: Um programa que veio de fora?Alcino Câmara Neto: Para a UFRJ foi um avanço. Vários projetos que estavam enga-vetados foram resgatados, de graduação inclusive. Expandiram-se vagas e chegaram verbas. Agora, dois problemas: o primeiro é que o Reuni na UFRJ é um programa de ex-pansão e não de reestruturação. A despeito do nosso Programa de Reestruturação e Expansão (PRE), na UFRJ o Reuni ainda não tem sido um programa de reestrutura-ção. A UFRJ não consegue se reestruturar, ela continua sendo uma federação de esco-las profissionais. O segundo é que as obras emperraram na burocracia.

Jornal da UFRJ: E o que deveria ser feito para se caminhar na direção da reestrutura-ção da universidade?Alcino Câmara Neto: A primeira questão é convencer que ela (a reestruturação) é dese-jável. E acho que as pessoas não estão mui-to convencidas disso. Existem muitos que

UFRJ: “mera federação de escolas

profissionais”

Alcino Câmara NetoAlcino Câmara Neto, professor do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI) do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, propõe a “refundação” da UFRJ, afirmando que “não adianta simplesmente expandir, o que se tem que fazer é revolucionar”. O ex-decano do CCJE explica que esta “revolução” tem que envolver o Ensino, a Pesquisa, a Extensão e a estrutura administrativa; e deve ser iniciada com a discussão do estatuto da instituição. O professor aponta que, mesmo com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a UFRJ não consegue se reestruturar e continua sendo “uma federação de escolas profissionais”. Acerca do Plano Diretor UFRJ 2020, Alcino Câmara é breve: “Ele ainda não existe”.

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 18 Especial

Para uma nação que se pretende

autônoma, a universidade é o instrumento que pode colaborar

com a construção do projeto de

cidadania.

apoiam a expansão, acham bom chegar e ter, digamos assim, alunos de camadas mais pobres, mas tem isso como uma concessão. Não estão imbuídos da noção de nação e de público, que deveria estar presente em todos nós. Continuam a ter sérias dúvidas se a função da universidade não é mesmo a formação profissional. Então, na verdade, já que o caminho tem sido no sentido de se buscar consenso, se precisaria ampliá-lo. Eu parto de outro ponto de vista integral e radicalmente diferente.

Jornal da UFRJ: Qual seria esse ponto de vista?Alcino Câmara Neto: O papel da univer-sidade em sua dimensão maior. Uma estra-tégia que passe por desenvolvermos nossos próprios nichos tecnológicos e científicos, conduzir uma nova capacidade de ex-pressão cultural que projete o brasileiro, o sul-americano como algo de ponta. Em uma frase: aumentar nossa autoes-tima através do desenvolvimento cultu-ral. E onde é que se faz cultura, ciência e tecnologia? Na universidade! Para uma nação que se pretende autônoma, a universidade é o instrumento que pode colaborar com a construção do projeto de cidadania. Sendo assim, meu foco é como a UFRJ pode se preparar para se adequar à construção de um proje-to nacional. Isso demanda uma grande revolução, quase uma refundação da instituição. Não adianta simplesmente expandir, o que se tem que fazer é revo-lucionar.

Jornal da UFRJ: Por onde se começa tudo isso?Alcino Câmara Neto: Uma revolução não se faz apenas de um lado deixando o outro, então ela tem que repassar os múltiplos campos de atividade, o Ensi-no, a Pesquisa, a Extensão e a estrutura administrativa. Tem que se discutir um novo estatuto, mas para isso nós temos que saber, previamente, o mínimo pos-sível; pelo menos os grupos organizados têm que saber as múltiplas formas de pensar a universidade. A universidade brasileira está em crise? Na Europa e nos EUA também. Mas a nossa crise é diferente e diz respeito a um modelo de formação profissionalizante. O segundo ponto é que ela (a universidade no Bra-sil) vai cumprir outros papéis que não vão ser cumpridos pelas universidades dos países europeus, que é o de ajudar na reconstrução da nacionalidade, do orgulho nacional, da autoestima e da integração sul-americana. É necessário evitarmos a armadilha do tipo “é o mer-cado que determina o número de profis-sionais a se formar”. A ideia da univer-sidade hoje deve ser a de transmitir ao individuo o conjunto de conhecimentos de certa área do saber e das áreas afins e, assim, gerar revoluções naquela área. Ela funda o homem criador.

Jornal da UFRJ: No curso dessas en-trevistas, a estrutura de departamentos tem sido criticada. Nas suas perspectivas abrangentes, essa estrutura seria substitu-ída?Alcino Câmara Neto: Não sei. Tenho um palpite, mas quem tem que decidir é a universidade. Eu percebo que nós, na UFRJ, temos níveis decisórios demais. Há quem ache que os centros têm que ser eliminados, outros avaliam que são os departamentos, outros vão além: as unidades. Agora se chegou a um con-senso em relação à eliminação de de-partamentos. Eu não sei se é esse o pro-blema, porque, na verdade, em vários locais, se fizeram revoluções mantendo-se a estrutura departamental, revoluções no sentido de se criar uma universidade e abandonar o modelo profissionalizante de faculdades separadas. Eu não sei se a ori-gem não está na unidade, eu não sei se na sobreposição de unidades no centro. Va-mos ter que avaliar para se construir um modelo. A minha utopia é uma estrutura matricial com umas 17 ou 18 grandes escolas nas quais os programas se reuniriam, criariam coordenações de cur-sos, enquanto desenvol-veriam programas de pesquisa. Penso assim, por adesão a um pro-jeto do professor Aloí-sio Teixeira, quando se lançou candidato em 1998. Ele se esqueceu dessas ideias ou talvez a realidade seja um pou-co mais crua.

Jornal da UFRJ: Na UFRJ que o senhor pensa, a pós-graduação e a graduação fica-riam como?Alcino Câmara Neto: A única universida-de que tem CEG e CEPG é a UFRJ. A maior parte tem conselho acadêmico, câmara de Graduação, câmara de Pós-graduação e Pesquisa, câmara de Extensão; assim devia ser aqui. Uma das questões que foi esque-cida no meio do caminho e sobre a qual a universidade já havia avançado, é o caso de estudantes que conseguem cursar discipli-nas da pós-graduação, mestrado e doutora-do ainda estando na metade da graduação. Por que frear esse aluno por cartorialismo, por causa de maturidade?

Jornal da UFRJ: Políticas de cotas, Exame Nacional de Ensino Médio (Enem)... Qual a sua opinião acerca da política de acesso à universidade? Alcino Câmara Neto: Tudo é necessário porque não se tem o ideal, que seria o aces-so universal. Enquanto isso não acontece, há de se garantir instrumentos de com-pensação já conhecidos, como as cotas. O que não é conhecido é como se remove o

estigma criado em relação ao cotista, pois isto implica um movimento na direção do Ensino Médio.

Jornal da UFRJ: Um movimento a partir da universidade?Alcino Câmara Neto: Dentro da universi-dade. Eu acho que a Pró-reitoria de Exten-são (PR-5) tem feito um trabalho extraor-dinário em relação aos múltiplos projetos existentes hoje na universidade, mas avalio que ela tinha que ter um norte. O norte da questão da Extensão devia ser o envolvi-mento da universidade com o Ensino Mé-dio. A única forma de o cotista não ser um peso, a gente não ter que inventar soluções paliativas e os conservadores, por isso, não porem o dedo no nosso nariz e dizerem “viu, eu bem que avisei que esse menino não ia conseguir terminar, mesmo que conseguisse alimentação etc”, é intervir-mos no Ensino Médio que, por sua vez,

também atinge o Ensino Fundamental.

Jornal da UFRJ: E como fazer isso? Alcino Câmara Neto: Um dos caminhos se-ria fazer um convênio voluntário com a Secre-taria de Estado de Edu-cação no qual, indepen-dentemente das cotas, se poderia desenvolver um programa de trei-namento de docentes e um programa de provas seriadas, para qualquer um, mesmo aqueles que não estivessem nas es-

colas que aderissem ao convênio. Há uma combinação perversa em nosso sistema de acesso, seja ele o Enem ou o vestibular tra-dicional: é excludente.

Jornal da UFRJ: A proximidade física das unidades é determinante para solidificar a integração a UFRJ. O Plano Diretor...Alcino Câmara Neto: Que Plano Diretor? Eu vejo muito pouco do PD UFRJ 2020 sendo construído. A primeira coisa que eu gostaria de saber é o porquê das obras na UFRJ serem as mais atrasadas dentre as várias federais que conheço.

Jornal da UFRJ: Por quê? Alcino Câmara Neto: Tenho lá minhas opiniões. A justificativa que ouço é o problema da Advocacia Geral da União (AGU), mas acho que o escritório da AGU que nos serve é o mesmo na Universidade Federal Fluminense (UFF) ou na Univer-sidade Federal do Estado do Rio de Ja-neiro (Unirio). Então acho que há algum outro problema por aí, mas não quero res-ponsabilizar ninguém até avaliação mais apropriada do objeto. Em relação à pro-ximidade física, acho que é benefício para o crescimento acadêmico. Em relação à

Praia Vermelha, prefiro alguma atividade acadêmica a correr o risco de ter aquele es-paço vazio. A questão é que ninguém nes-ta universidade concedeu, e não pode con-ceder, por ser um bem público, usucapião a nenhum professor, a nenhum aluno, a nenhum funcionário ou a qualquer um que lá trabalhe, para tomar como seu um espaço que é público. Querem fazer lá um campus de Humanas? Tudo bem, apresen-tem um projeto. Eu acho empobrecedor. Prefiro campi multidisciplinares.

Jornal da UFRJ: A Petrobras e a UFRJ. Qual a sua opinião?Alcino Câmara Neto: A primeira coisa que devo dizer é que é lamentável que a Petrobras ocupe o espaço que ocupa. Ela divide a universidade ao meio. A empre-sa lançou mão de um convênio antigo da ocupação do espaço físico. O espaço cedi-do já vem de administração bastante ante-rior a esta. O professor Aloísio Teixeira re-negociou o convênio em melhores termos. De qualquer maneira, eu acho lamentável que uma universidade tenha esse tipo de expediente para sobreviver. Mas a gente ainda não chegou a uma revolução socia-lista para quebrar contratos. Então, não podemos rompê-lo. Acho que temos que encontrar mecanismos de contrabalançar esse tipo de influência, principalmente, não abrir mão da posição crítica da uni-versidade.

Jornal da UFRJ: Há pesquisadores que têm relações unilaterais com empresas, e a uni-versidade não teria controle deste processo.Alcino Câmara Neto: Falando exclusiva-mente de professores com dedicação exclu-siva, o que cabe é regulamentar isto. Existe um projeto que prevê uma regulamentação específica que permite alguma sorte de prestações de serviço, mas toda ela passan-do por algum tipo de colegiado nas uni-dades. Eu avalio que foi baseado em como funciona o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pesquisa e Pós-graduação de Engenha-ria (Coppe). O que eu acho é que ele tem que ser assim, e o que eu sustento é que, em certos departamentos e em certas unida-des, não será esse o freio para que interesses de mercado sejam atendidos, tamanha é a nossa escassez de recursos. Agora, acredito piamente que, se a gente mostrar grandeza, vai arrancar da sociedade muito mais re-curso do que temos hoje.

Jornal da UFRJ: Sua posição em relação a cursos pagos na universidade?Alcino Câmara Neto: Sou contra cursos pagos a indivíduos. Agora cursos a em-presas devem ser pagos. Eu quero saber é por que certas empresas estatais nos pagam menos do que pagam à Fundação Getúlio Vargas (FGV), à Pontifícia Universidade Católica (PUC), ao Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), quando nós temos mais excelência. E isto eu vou cobrar.

Por uma expansão articulada

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Janeiro/ Fevereiro 2011 Especial

Por uma expansão articulada

Ricardo de Andrade Medronho

Jornal da UFRJ: Qual sua avaliação do Reuni? Ricardo de Andrade Medronho: O Reuni é um instrumento do governo, que tomou a decisão política de ampliar vagas nas universidades públicas. Na Argentina, 30% dos estudantes entre 18 e 24 anos estão na universidade. Na França, 33%. O Brasil tem apenas 12% de jovens entre 18 e 24 anos na universidade. Isso é um problema da mais alta gravidade para um país que pensa em ser potência econômica. O pior é que desses 12% apenas 3% es-tudam em universidades públicas.

Jornal da UFRJ: O Reuni interfere na autonomia universitária?Ricardo de Andrade Medronho: Não há obrigatoriedade de adesão ao programa. A instituição decide se quer entrar, apresenta um plano de expansão, de criação de novos cursos, de expansão dos cursos já em anda-mento e apresenta ao Ministério da Educação. Sendo aprovado, esse é um projeto seu, da universidade. Nós (na UFRJ) é que aprovamos este projeto. Passamos quatro anos discutindo um PDI, na primeira gestão do professor Aloísio Teixeira. Com base nisso, se criou um Plano de Reestruturação e Expansão (PRE). Muitas expansões que aparecem no Reuni já estavam no PDI da UFRJ.

Professor-titular da Escola de Química (EQ), Ricardo Andrade Medronho entende que não houve discussão generalizada na universidade sobre quais seriam os melhores caminhos para a expansão com os recursos do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), mas contesta qualquer ideia que caracterize o programa do governo como imposição. “Muitas das expansões que aparecem no Reuni já estavam no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UFRJ”, observa o especialista em Processos Bioquímicos.O PDI foi posto em discussão na primeira gestão de Aloísio Teixeira. Nesta entrevista, Ricardo Medronho afirma que a dicotomia graduação e pós-graduação existente na UFRJ é o preço pago por ela ter sido pioneira na criação de cursos de pós no Brasil. Ele defende, com afinco, as relações da Petrobras com a universidade.

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Jornal da UFRJ: Mas críticos do Reuni e do PRE reclamam que a discussão do PDI foi abandonada e que, por isso, a UFRJ não teria se preparado adequadamente para aproveitar melhor a transferência de recursos do Reuni.Ricardo de Andrade Medronho: A crí-tica que se pode fazer é que não houve uma discussão generalizada na univer-sidade sobre quais seriam os melhores caminhos para a expansão, quais os cursos realmente necessários. Talvez esse debate tenha sido localizado. Não se olhou o crescimento da universidade de uma forma estruturante e coerente. A discussão foi pontual. Outra crítica que existe é que não se criou primeiro a in-fraestrutura para depois criar os cursos. É verdade. A princípio, a infraestrutura deveria estar envolvida com os recursos que vieram para a criação de vagas.

Jornal da UFRJ: O debate sobre a ex-pansão de vagas trouxe a questão “como expandir sem perder a qualidade”. É uma falsa questão?Ricardo de Andrade Medronho: É a mesma história de “vamos criar primei-ro a estrutura para expandir depois”. Isso nunca vai funcionar assim, essas coisas andam em paralelo. Você começa a me-xer na estrutura e cria o curso. E você vai adequando a estrutura às necessida-des do curso. É assim que eu vejo a única forma de avançar. Acho que o problema são os cursos novos. Os cursos que já estão aí, que já têm muita experiência, tudo acertado. Agora, em todo curso novo, quando começa, seja com Reuni, seja antes, aparecem os problemas estru-turais e de organização. Nós costuma-mos sempre dizer que a primeira turma de um curso novo é sempre cobaia, vai ter que vencer os obstáculos inerentes à sua criação. Mas isso se resolve natural-mente.

Jornal da UFRJ: Vestibular, Exame Na-cional de Ensino Médio (Enem) e cotas sociais (recentemente aprovadas aqui), qual é sua opinião acerca da política de acesso à universidade?Ricardo de Andrade Medronho: Pri-meiro minha opinião geral. Avalio que a universidade devia estar aberta a todos os que nela queiram estudar. Não de-veria haver nem um tipo de seleção, na situação ideal. Se você deseja fazer cur-so x, você tem que conseguir fazê-lo. É assim que funciona nos países desenvol-vidos. Mas considerando que não temos vagas para todos, tem que haver um pro-cesso seletivo. O melhor processo sele-tivo seria uma prova única para todo o país. Um exame nacional. Com base em seu resultado, você pleiteia vagas em universidades do país.

Jornal da UFRJ: Como o senhor avalia o Enem?

Ricardo de Andrade Medronho: É um ca-minho. Eu não sei se o Sistema de Seleção Unificada (SiSU) é um caminho, o Enem é a avaliação do ensino, o SiSU é o sistema de escolha. Eu acho que eventualmente o SiSU, a longo prazo, poderá vir a ser o caminho, mas nesse momento sair de um vestibular como ocorre em todas as universidades e partir direto para o SiSU passa um longo caminho. Como um estágio intermediário para se chegar a essa seleção nacional, a universidade poderia usar a nota do Enem e estabelecer os critérios que melhor se ade-quassem à instituição. Jornal da UFRJ: E as cotas sociais?Ricardo de Andrade Medronho: É um absurdo o que acontece no Brasil. Quando nós estudamos, o Ensino Médio público era muito bom. Estudei no Colégio Pedro II e as escolas estaduais tinham o mesmo nível. Não precisava de cotas sociais em uma situação dessas. A situação se inver-teu por conta da política que foi aplicada, principalmente nos salários de professores. Ganhar 700 reais para dar 16 horas de aula... Há enorme descompas-so entre ensino público e privado. Acho razo-ável que se adotem co-tas sociais. Mas avalio que essa discussão foi atropelada. Ficou bem claro que a decisão que nós tomamos seria para esse ano. As cotas não seriam eternas. Então vamos voltar a discutir.

Jornal da UFRJ: Os de-partamentos atendem hoje às necessidades da UFRJ? Ricardo de Andrade Me-dronho: A criação dos departamentos foi feita numa proporção um para um: um catedrático, um departamento. Existiam departamentos com vários assistentes, se-cretaria, funcionários. Então, foi muito mais fácil de implantar o departamento, fa-zendo dessa forma que deixa todo mundo satisfeito. O catedrático virou chefe de de-partamento. Em contrapartida isso deixou muito fragmentada a estrutura da univer-sidade, que é muito conservadora. Agora é fato que tem que mudar, porque a estrutura de departamento engessa e torna rígida a estrutura dos cursos.

Jornal da UFRJ: Trazer unidades para a Cidade Universitária é determinante para integrar a UFRJ?Ricardo de Andrade Medronho: A proxi-midade facilita a cooperação entre as várias áreas da universidade. Sou a favor de ter a universidade toda em um campus. Ago-ra, a forma de fazer isso é outra história. Você não pode obrigar nenhuma unidade

a se transferir, se ela não deseja. Se a gente acredita na universidade centralizada num campus, se deveriam criar todas as condi-ções necessárias para que a mudança se tornasse atrativa. Mas tenho certeza de que a situação lá na Praia Vermelha é precária, por conta das imposições de patrimônio histórico, que não se pode expandir. O pro-blema também é a comodidade. Eu moro no Leblon. Se estivesse na Praia Vermelha, ia poder almoçar em casa.

Jornal da UFRJ: A dicotomia graduação e pós-graduação...Ricardo de Andrade Medronho: Para se entender o hoje, precisamos entender o ontem. Essa dicotomia entre graduação e pós-graduação que nós temos hoje é algo quase único aqui da UFRJ. Nas ou-tras universidades, não existe professor

de pós-graduação. To-dos os professores dão aula na graduação e

na pós-graduação. Por quê? São as unida-des que têm cursos de graduação e de pós-graduação, não exis-tem unidades isoladas que têm somente pós-graduação. Então por que temos isso? Porque somos pioneiros. A UFRJ é pioneira no en-sino de pós-graduação no Brasil. Isso come-çou com um professor deste departamento, o professor Alberto Luiz Coimbra. Ele, ao voltar de seu curso de pós-graduação no exterior,

decidiu que estava na hora de fazer uma pós-graduação também no Brasil. Criou isso em 1963. Foi o primeiro curso de pós-graduação do Brasil. O problema é que o curso que o professor Coimbra criou virou a Coordenação dos Programas de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe, atual Instituto Alberto Liz Coim-bra de Pós-graduação e Pesquisa de Enge-nharia), que é um dos maiores centros de pós-graduação da América Latina.

Jornal da UFRJ: Há interação entre os cur-sos de graduação e os cursos de pós?Ricardo de Andrade Medronho: Aqui, na Escola de Química, a interação se dá através dos professores e através da Ini-ciação Científica dos alunos de graduação nos laboratórios de pesquisa. Além disso, criamos condições para que bons alunos da graduação possam cursar as disciplinas da pós, encurtando, com isso, depois, o tempo do mestrado, por exemplo.

Jornal da UFRJ: Qual é sua opinião sobre cursos pagos na UFRJ?Ricardo de Andrade Medronho: Nos cursos de graduação, nem pensar. Cursos

de pós-graduação stricto sensu: mestrado, doutorado, inadmissível, porque essa é a função da universidade: formar gradua-dos para o mercado de trabalho e mestres e doutores para o desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa no Brasil, sejam de universidades ou de empresas.

Jornal da UFRJ: E outros cursos?Ricardo de Andrade Medronho: Cursos de Extensão, por exemplo, os MBA, esses cursos eu sou capaz de afirmar que, se a gente decidisse, a partir de amanhã, que nenhum curso de Extensão ou especiali-zação não poderia ser cobrado, eles sim-plesmente morreriam. Porque isso não é uma atividade essencial para a carreira do docente. Atuar em cursos de Extensão e especialização não vai contar nada na carreira.

Jornal da UFRJ: No caso de professores e pesquisadores que eventualmente estabele-çam relação unilateral com empresas, qual a sua opinião?Ricardo de Andrade Medronho: Sou ra-dicalmente contra. Nenhum docente pode fazer qualquer tipo de contrato de pres-tação de serviços com empresas que não seja institucional. Isso vale também para os cursos de especialização.

Jornal da UFRJ: A ampla presença da Pe-trobras tem os seus críticos.Ricardo Andrade Medronho: Prefiro cem vezes o Centro de Pesquisa da Petro-bras (Cenpes) na Cidade Universitária do que em outro campus. Talvez seja um pou-co suspeito para falar disso, pois sou enge-nheiro químico e nos beneficiamos muito do contato com a Petrobras. Eles (pesso-al do Cenpes) vêm nos procurar, propor projetos, então eu realmente tenho esse viés que me beneficia diretamente. Na Escola de Química e no Programa de Engenharia Química do Coppe, temos os laboratórios mais modernos do mundo graças a recursos da Petrobras. Mas, sinceramente, não somos apenas nós os beneficiados. A Petrobras fi-nancia, por exemplo, o banco de células, lá no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).

Jornal da UFRJ: Uma relação com a Petro-bras nessa amplitude tira a autonomia crítica da universidade a determinados problemas oriundos da indústria do petróleo?Ricardo Andrade Medronho: Não. O fato de nós conseguirmos, com recursos da Pe-trobras, montar laboratórios de ponta não quer dizer que os únicos projetos que de-senvolvemos são para a Petrobras. Eu, por exemplo, oriento 27 estudantes, tenho um número bem grande de alunos de orien-tação de mestrado, doutorado, final de curso e de Iniciação Científica. Desses 27, apenas quatro estão em projetos da Petrobras. Os outros 23 desenvolvem projetos diferentes, alguns até na área de petróleo não vinculados à Petrobras.

Avalio que a

universidade devia

estar aberta a todos

os que nela queiram

estudar.

Não deveria haver nem

um tipo de seleção, na

situação ideal.

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Jornal da UFRJ: Qual a leitura que o senhor faz do Reuni? Alexandre Pinto Cardoso: Este programa trouxe recursos para as universidades, mas tratou como iguais atores diferentes. E as universidades puderam aproveitá-lo mais ou menos em função da situação em que se encontravam.

Jornal da UFRJ: Como foi aqui na UFRJ? Alexandre Pinto Cardoso: Embora viesse discutindo alguns aspectos, a UFRJ sucum-biu ou aceitou as propostas do Ministério da Educação. E tratou de arranjar cursos novos dentro das possibilidades, mas dei-xou de lado alguns aspectos importantes da instituição, como as unidades de saúde, que não dizem respeito apenas à Faculdade de Medicina, mas a toda a área da saúde. A universidade tem um grande débito para com ela, para com a área médica.

Jornal da UFRJ: Houve falta de tempo para que a universidade absorvesse a chegada do Reuni de forma mais organizada, como apontam alguns críticos?Alexandre Pinto Cardoso: Acho que esta síntese pode ser interessante. Eu participei de várias reuniões no Centro de Ciências da Saúde (CCS) na época em que eu dirigia o HUCFF, mas toda a discussão era focada na graduação, nos novos cursos. Foi discutida, mas essa visão, que aqui apresento, não foi considerada, o que faz parte do processo democrático. Depois a universidade terá que contabilizar os erros e acertos desta política. Acho que foi uma proposta bené-

“Educação pravaler”

Professor da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ, Alexandre Pinto Cardoso tem vasta folha de serviço prestado à UFRJ. Ex-diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Cardoso foi vice-reitor na gestão de Horácio Macedo e, durante um período, assumiu o comando da UFRJ. Embora reconheça “os benefícios” que o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) trouxe “para algumas áreas”, o professor afirma que o programa deixou de lado a área da saúde nas universidades. Cardoso elogia o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas é cético em relação ao impacto da política de cotas sociais. “Eu o avalio pequeno. É mais político”, afirma o professor, que reclama melhor distribuição na aplicação dos recursos da Petrobras na universidade.

Alexandre Pinto Cardoso

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A questão é que a

educação brasileira

deve ser colocada

para valer, não

apenas no contexto

da universidade.

fica para algumas áreas, mas não repercutiu com um todo para a universidade.

Jornal da UFRJ: Qual é sua opinião acerca da política de acesso à universidade? Vestibu-lar, Enem, cotas...Alexandre Pinto Cardoso: Quando fui vice-reitor da UFRJ, na época do professor Horácio Macedo, o exame de acesso, atra-vés do vestibular, era unificado. Na ocasião houve uma grande discussão no âmbito das universidades federais, acerca do con-teúdo do 2º grau (hoje Ensino Médio). A preocupação era sairmos daquele vestibu-lar massificado, estimulando o estudante a raciocinar. Já simbolizava não estarmos sa-tisfeitos com essa questão do acesso à uni-versidade. Essa preocupação sempre exis-tiu, porque nós somos um equipamento do governo, um equipamento público e domi-nantemente, nas áreas mais procuradas, quem ocupa nossos bancos escolares são oriundos das escolas particulares, de maior renda. Então, isso é um ponto de preocupação de difícil solução para a universidade.

Jornal da UFRJ: Isso não se resolve na universidade?Alexandre Pinto Cardoso: É que amplia uma discussão para um campo a que nós não pertencemos e no qual temos difi-culdade de influir, do ponto de vista de um resultado que seja estatisticamente significativo. Então, essas medidas terão muito pouco impacto, por melhores que elas sejam. É preciso melhorar o ensino. Como é que nós podemos interagir? De várias maneiras, dependendo de cada unidade. Há unidades em que esta in-teração é mais fácil de ser feita, aquelas que trabalham com as licenciaturas, mas isso é uma parte da questão. Você pode, hoje, formar, de maneira espetacular, professores de Física, de Química, de Biologia, de Matemática para essas áre-as. Mas e o mercado, o que faz com essas pessoas bem formadas? Não reconhece esse profissional. Ele vai para outra “fre-guesia”, vai fazer pesquisa, vai trabalhar em outra área, porque essa preocupação que nós temos não é uma preocupação que sistemicamente se tem na socieda-de, nem está presente organicamente no Estado brasileiro, representado pelos esta-dos e municípios.

Jornal da UFRJ: Então, o papel da universi-dade na questão é limitado?Alexandre Pinto Cardoso: Quantas serão aquelas escolas que poderão se beneficiar com uma interação de formação de profes-sores com a UFRJ? Cinco, dez? Qual o im-pacto que isso tem para o conjunto? É um passo, claro, interessante, mas isso não vai ter um impacto importante. Tem valor simbó-lico. A questão é que a educação brasileira deve ser colocada para valer, não apenas no contexto da universidade. Por que não há,

hoje, um investimento na educação como um todo?

Jornal da UFRJ: As cotas sociais têm um impacto muito relativo?Alexandre Cardoso: Eu o avalio pequeno. É mais político. Na realidade, elas signifi-cam uma posição.

Jornal da UFRJ: E o Enem?Alexandre Pinto Cardoso: O Enem, como forma de avaliação progressiva, sistemática, aponta para uma melhor avaliação desse estudante, uma melhor avaliação das es-colas nas quais esses alunos são formados. Mas isso não pode se perder em si mesmo. É preciso que as instituições avaliadoras possam ter a possibilidade de intervir, mo-dificar ou fechar aqueles cursos que não estão oferecendo aquilo que deveriam ofe-recer. Se o Enem fosse sustentado ao longo de 12, 20, 40 anos, que o exame pudesse le-var à frente essa perspectiva de avaliação de maneira adequada, para que pudesse inter-ferir positivamente no conteúdo do Ensino Médio, poderíamos colher daí resultados, transformar isso numa política de Estado e não de governo. Acho que essas questões têm que ter certa continuidade para serem avaliadas. Por exemplo, em 1968 se discutia a reforma uni-versitária, acabaram as cátedras, criaram-se os departamentos. Ainda que o governo politica-mente fosse atrasado, a formulação era uma política avançada. Sig-nificava um avanço importante. No curso do tempo, ele se ma-terializou em construir quase uma nova universidade, em novos paradigmas. Então, não podemos rotular também o departamento como aquilo que entrava o avanço da universidade para sua multidisciplinaridade.

Jornal da UFRJ: A propósito disso, existem críticas que afirmam que, hoje, os departa-mentos engessam a dinâmica acadêmica?Alexandre Pinto Cardoso: Não concor-do. Engessa se quisermos engessar. Não acho que isso necessariamente ocorra. Não há esses limites estanques assim. Não me lembro, no meu departamento, que é um dos maiores departamentos da UFRJ, o de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, de algum professor que tenha manifestado interesse de ministrar uma disciplina em outro departamento e tenha sido impedido de fazer isso. Se você tem a proposta, você pode fazer. Então, eu não avalio que essa ex-periência de departamentos esteja vencida. Não me filio a esta corrente, que defende acabar com os departamentos. Da mesma

forma, não acho que a avaliação que hoje faz a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) dos pro-gramas de pós-graduação seja autoritária.

Jornal da UFRJ: A crítica em relação à Ca-pes e ao Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq) é que esses órgãos de fomento, hoje, estimulam a produtividade e comprometem o conteúdo da produção científica. O que o senhor pensa a esse respeito?Alexandre Pinto Cardoso: As pessoas estão refletindo, estudando, publicando e estão, também, trazendo recursos para si e para a instituição.

Jornal da UFRJ: A relação da universidade com o mercado, mais especificamente, a rela-ção de professores que desenvolvem pesquisa para empresas, isso deve ser mais transpa-rente e institucionalizado?Alexandre Cardoso: De um modo geral

você fez a formulação e apontou a resposta.

Jornal da UFRJ: Co-mente, por favor...Alexandre Pinto Car-doso: Sou inteiramente a favor de uma intera-ção importante, fértil, útil, por exemplo, com o Complexo da Maré, mas não temos que fechar os olhos para a Petrobras. Como, aliás, nós não fi-zemos, porque a Petro-bras está aqui, fazendo um campo tecnológico importante, isso é uma

interação, tem uma repercussão impor-tante. Eu acho que isso é possível. O im-portante é como tratar esses recursos.

Jornal da UFRJ: Como tratá-los?Alexandre Pinto Cardoso: Eu acho que eles são bem vindos, acima de tudo na situação de pobreza em que vivemos. Uns mais do que outros, claro. Então a in-dústria, o mercado nos olha porque somos uma instituição séria, nós somos a UFRJ, nós temos professores que são qualificados, alunos que são qualificados. Agora, qualquer relação que você faça com a sociedade tem que passar pelos trâmites da universidade, ser aprovado pelo departamento, verificar se tem relevância acadêmica. E, uma vez cumpridas as exigências, você avança. E va-mos discutir o problema financeiro: quanto você vai pagar a carga horária do professor, do estagiário, a remuneração do pesquisador responsável? Quanto fica para a universida-de para a manutenção de suas atividades? Não tem o menor problema se tratado com transparência. Isso, na realidade, já existe na universidade, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e no Instituto de Pós-

graduação e Pesquisa em Administração (Coppead).

Jornal da UFRJ: A presença da Petrobras na Cidade Universitária é alvo de críticas, a amplitude de sua presença física no campus é uma das restrições. Outro ponto: a univer-sidade hoje não teria autonomia para ter, por exemplo, uma perspectiva crítica em relação à indústria do petróleo e seus nexos com o im-pacto ambiental. Qual é sua opinião?Alexandre Pinto Cardoso: Em relação à autonomia, claro que petróleo é importante, mas não devemos perder o senso critico em relação aos impactos ambientais da explo-ração do petróleo por ser um combustível fóssil, por ser finito. E a pesquisa de outros combustíveis alternativos não pode ser im-pactada. O pessoal que trabalha com energia deve ter essa preocupação e a universidade, esse senso crítico. Já é antiga a relação com a Petrobras, aqui com o Cenpes. Não pode-mos fechar os olhos para isso. Agora, o que eu acho é que não há repercussão sistêmica dos recursos da Petrobras na UFRJ.

Jornal da UFRJ: Como seria essa reper-cussão?Alexandre Pinto Cardoso: Quanto é que se obtém desses recursos? Eu não tenho esse valor. Onde eles foram aplicados? Quanto disso foi para a área de Ciências da Saúde, por exemplo, com um suporte que tem uma interação imensa com a população que é o HUCFF? Nenhum, que seja de meu co-nhecimento. Então, fica direcionado. Você não pode administrar o Brasil nem a uni-versidade mandando recursos para quem já tem e não para quem precisa mais. Se o HUCFF quisesse trabalhar exclusivamente com empresas privadas, estaria em outra situação, mas nossa opção é trabalhar com o Sistema Único de Saúde (SUS). Não vou transformar o HUCFF em uma unidade de curta permanência para operar patologias oftalmológicas. Isso tem um alto custo-benefício, mas como vou ensinar Medicina assim? Não posso perder minha essência. Eu acho que uma instituição tecnológica apenas para o petróleo deve existir, mas em outro campus, não pode ser aqui. Da mes-ma forma para o hospital, não posso deixar que as influências externas o descaracte-rizem enquanto instituição. Avalio que os recursos são bem-vindos, até porque se nós tivéssemos os recursos orçamentários como merecemos, essa questão seria menor, mas temos que ter senso crítico sobre isso.

Jornal da UFRJ: No Plano Diretor UFRJ 2020, a transferência de unidades para a Ci-dade Universitária provocou e provoca deba-te acalorado. Sua opinião?Alexandre Pinto Cardoso: Eu não concor-do com a transferência. Acho que a proxi-midade ajuda, mas não determina. Nós, aqui no hospital, estamos desde 1978. Para atravessarmos aquela rua e fazermos pes-quisa básica levamos 30 anos.

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Andréa de Paula Teixeira

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A Constituição de 1988 introduziu no Brasil o conceito de Seguridade Social prevendo a articulação entre as áreas da Previdência, da Saúde e da Assistência Social com o propósito de garantir proteção social digna a qualquer cidadão. Mais de 20 anos depois da promulgação da “Carta Cidadã”, o modelo de Seguridade integrado e universalizante, extensivo ao conjunto de trabalhadores, não se efetivou na prática. Ao contrário, os direitos sociais do contribuinte, quando não pode mais oferecer sua força no mercado de trabalho, sofreram um processo de regressão a partir de 1990. Essa é a avaliação da pesquisadora Andréa de Paula Teixeira, professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ e uma das principais especialistas em Previdência Social no Brasil. Um dos fatores, segundo Andréa, está associado diretamente ao avanço do neoliberalismo no país. Para a coordenadora de Graduação da ESS, os últimos governos contribuíram para deslocar a Previdência da lógica da cidadania, transformando os direitos sociais em “mercadorias que devem ser vendidas no mercado”.

Em entrevista ao Jornal da UFRJ, Andréa Teixeira também avalia as reformas da Previdência empreendidas pelos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, nos últimos 16 anos.

A pesquisadora lançará, em 2011, um livro sobre Previdência Social no Brasil. O estudo retoma as questões tratadas em sua tese de doutorado, defendida na ESS da UFRJ, em 2006.

Entrevista

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Márcio Castilho

Jornal da UFRJ: Podemos começar fa-lando sobre sua trajetória acadêmica e como começou o interesse pelo tema da previdência social?Andréa de Paula Teixeira: Minha traje-tória está vinculada à UFRJ. Fiz gradua-ção na Escola de Serviço Social e, depois de formada, o mestrado e o doutorado. Sou cria da UFRJ. Passei no concurso para professora do Departamento de Política Social e me foi atribuída a dis-ciplina de Previdência Social. Lembro que ninguém queria lecionar nessa área. Todo mundo dizia que o tema era extre-mamente aborrecedor, muito vinculado a uma legislação. Então me interessei pelo tema como dever de ofício. Quanto mais estudava para melhorar as minhas aulas, mais me aprofundava na área.

Jornal da UFRJ: A Constituição de 1988 introduz a concepção de Seguridade So-cial, articulando as três áreas (Previdên-cia, Saúde e Assistência Social). Gostaria que explicasse melhor o significado de Seguridade Social e as limitações para sua implantação efetiva na sociedade brasileira? Andréa de Paula Teixeira: A concepção de Seguridade Social na Constituição de 1988 representou um avanço, porque o artigo 194 estabelece que a Seguridade é direito do cidadão. Ela articula as áreas de Saúde, Previdência e Assistência em uma mesma lógica. Isso é um avanço em relação às políticas sociais absolutamen-te fragmentadas, sem comunicação, sem nenhum tipo de vinculação. Isso foi fru-to de muito trabalho junto ao Congresso Nacional, de grupos de pressão na Cons-

Previdênciamercantilizada

tituinte. Uma das pessoas que fez parte ativa desse processo de introdução da Seguridade Social na Constituição foi o atual reitor da UFRJ, professor Aloísio Teixeira, que, na época, era secretário-geral do então Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).

Jornal da UFRJ: No entanto, essa articu-lação das três áreas prevista na Carta não se configura na prática. Quais as razões? Andréa de Paula Teixeira: A Consti-tuição afirmava que a Seguridade So-cial devia ser universal, absolutamente articulada e capaz de tratar de maneira igualitária os trabalhadores urbanos e os trabalhadores rurais, sobretudo no que diz respeito à Previdência Social. Ou seja, a lógica era avançar no sentido de uma universalização dessas três áreas centrais da proteção social cidadã. Mas por que fracassou esse movimento tão bonito em teoria? Não podemos atribuir esse fracasso a um único fator. Não po-demos subestimar o avanço do neolibe-ralismo nos países centrais. Esse foi um fator extremamente importante, porque estávamos no Brasil de 1988 na contra-corrente. Enquanto aprovávamos aqui uma espécie de bem-estar social, ainda que restrito a essas três áreas, o mundo capitalista já estava introduzindo as po-líticas neoliberais, tentando desconstruir exatamente o Estado de bem-estar social nos países centrais.

Jornal da UFRJ: O governo de Fernando Collor de Mello inaugurou o projeto neo-liberal que tratava a Seguridade fora do âmbito da cidadania?

Andréa de Paula Teixeira: A base políti-ca do presidente Collor já estava firmada no neoliberalismo. Não é a toa que Fer-nando Henrique, numa entrevista dada na época do impeachment, afirmou que o problema de Collor não eram as posi-ções políticas, com as quais ele concor-dava, mas a roubalheira. Esse projeto foi adiado também por conta do impeach-ment, mas o período entre 1990 e 1992 é fundamental porque nossa Constituição não é autoaplicável. Os artigos constitu-cionais precisam de legislação comple-mentar para sua implantação. E esta le-gislação começa a ser implantada a partir dos anos 1990. Na Lei Orgânica da Segu-ridade Social, aprovada em 1991, os 11 primeiros artigos tratam exatamente das questões presentes na Constituição: o que é, quais são os objetivos da Seguridade e a definição das três áreas que a compõem. A partir do 11º, todos os demais artigos tratam do custeio da Previdência Social, o que já é uma visão extremamente equi-vocada. Tanto que não há uma Lei Orgâ-nica da Previdência. Somente em 1993 a Lei Orgânica da Assistência Social foi aprovada, já no governo de Itamar Fran-co. Temos, portanto, um período muito grande entre a introdução da concepção de Seguridade na Constituição Federal e as leis complementares, um período em que a conjuntura já tinha mudado com-pletamente. Entre 1988 e 1993, quando a última lei orgânica foi aprovada, houve uma virada das circunstâncias políticas no Brasil, que inviabilizaram essa noção de Seguridade, que ficou sendo identifi-cada como Previdência. Saúde e Assis-tência Social ficam separadas.

Jornal da UFRJ: O projeto político neoli-beral pode ser apontado então como um dos fatores centrais para a não aplicação dos dispositivos da Constituição? Andréa de Paula Teixeira: O neolibera-lismo aprofunda a noção de que os direi-tos sociais não são direitos de cidadania. São mercadorias que, como tal, devem ser vendidas no mercado. Por isso, o ne-oliberalismo aponta para o Estado míni-mo. É mínimo para o trabalho e máxi-mo para o capital, como afirma o profes-sor José Paulo Netto, da ESS-UFRJ. As condições de reprodução do capital são mantidas e até ampliadas pelo neolibe-ralismo. Na área do trabalho, é preciso diminuir os gastos sociais, porque gasto social seria aquilo que inviabilizaria o crescimento econômico. Isso é absoluta-mente contrário à lógica da Seguridade Social, ou seja, a lógica de que o cidadão tem direito à Saúde, à Previdência e à As-sistência públicas.

Jornal da UFRJ: É o que a senhora cha-ma, em sua tese, de processo de “contrar-reforma”? Poderia defini-lo melhor?Andréa de Paula Teixeira: A noção de reforma sempre teve uma conotação progressista, de algo que amplia os direi-tos. O neoliberalismo tenta usar em seu favor este sentido progressista e chama de “reformas” as políticas regressivas que propõe. Mas, na verdade, o que existe é um movimento de desconstrução de direitos consagrados na Constituição de 1988. É por isso que chamo o que está acontecendo de “contrarreforma”, já que o que estava estabelecido não foi melho-rado, mas, ao contrário, desconstruído,

A professora Andréa Teixeira desmistifica o senso comum de que existe déficit previdenciário. A pesquisadora cita levantamento da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que reúne receitas e despesas das três áreas da Seguridade Social. “É um rombo não existente”, afirma a professora, salientando que o governo utiliza apenas os dados referentes à contribuição sobre a folha de salário para divulgar que as despesas superam as receitas: “O argumento de que é preciso fazer a reforma da Previdência porque ela é deficitária é uma falácia geral. A Previdência não é deficitária”. Para ela, o que está em jogo nesse discurso é a redução dos gastos com a proteção social.

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ou seja, houve e está havendo, uma re-gressão no que se refere aos direitos so-ciais de cidadania. Esse processo aparece claramente na Previdência Social.

Jornal da UFRJ: Essa política de Seguri-dade Social teve continuidade no governo Fernando Henrique Cardoso?Andréa de Paula Teixeira: O processo de privatização da Previdência pública começa no governo de Fernando Hen-rique com a Emenda Constitucional nº 20, aprovada em dezembro de 1998. A emenda defende a ideia, baseada nos preceitos neoliberais, de que se devem cortar os gastos sociais, de que gastos sociais não são investimentos. Então, é preciso reduzi-los ao máximo, o que pressupõe mudar a Previdência Social. A lógica é dinamizar o setor de Previdência privada. Esse processo não acontece ape-nas no Brasil. Isso tem lugar em todos os chamados países emergentes e depen-de diretamente do chamado Consenso de Washington, que impõe aos países emergentes, na renegociação da dívida externa, uma série de mudanças basea-das no neoliberalismo.

Jornal da UFRJ: O que mudou com a Emenda 20?Andréa de Paula Teixeira: O principal ponto da Emenda 20 é a junção de idade mínima e tempo de contribuição para os trabalhadores, sejam eles servidores públicos ou trabalhadores vinculados ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Esse projeto inicial, encaminha-do pelo Poder Executivo, sofreu mui-tas modificações no Congresso. Para os servidores públicos, foi aprovada a combinação de idade mínima e tempo de contribuição; já para o setor privado, estabeleceu-se a alternativa entre idade mínima ou tempo de contribuição, ou o que completasse primeiro. Qual foi a lógica do Congresso quando criou re-gras diferentes para esses dois setores? Naquele momento, o Congresso tomou uma decisão correta: o trabalhador do setor privado, vinculado ao INSS, co-meça a trabalhar mais cedo. Ele pode começar, na condição de aprendiz, com 14 anos, enquanto quem deseja ingres-sar no serviço público precisa ter pelo menos 18 para fazer concurso. Ou seja, a faixa etária de entrada no setor público é maior do que no setor privado. Não era justo colocar uma idade mínima, por-que isso significaria maior tempo para o trabalhador do setor privado. Aprovada a Emenda 20, a insatisfação do gover-no naquele momento foi muito grande, porque aquilo que eles queriam não foi aprovado. No ano seguinte, em 1999, o governo Fernando Henrique resolveu então instituir, através de decreto, uma alteração do cálculo do valor das apo-sentadorias do INSS.

Jornal da UFRJ: A senhora se refere ao Fator Previdenciário? Andréa de Paula Teixeira: É o que o decreto chama de Fator Previdenciário. Trata-se de uma fórmula matemática

que inviabiliza que qualquer pessoa com um conhecimento médio de Matemá-tica saiba o valor da sua aposentadoria. Antes, o trabalhador reunia as 36 úl-timas contribuições, somava e dividia por 36. Era uma média aritmética sim-ples. Qualquer pessoa que saiba fazer as quatro operações podia saber quanto receberia de aposentadoria. Atualmente não. Foi ampliado o prazo para o cálcu-lo da média salarial e sobre esta se aplica o fator. Esse fator pode ser igual a 1 (o trabalhador recebe igual à média), me-nor do que 1 (recebe menos do que a média) e maior do que 1 (recebe mais do que a média), desde que não ultrapasse o teto do INSS. Então, ninguém é capaz de saber exatamente quanto vai receber. Como era apenas uma modificação no cálculo do benefício, não precisava ser elaborada através de Emenda Constitu-cional. O Executivo pode fazer isso por decreto.

Jornal da UFRJ: Isso gerou perdas enormes para os tra-balhadores?Andréa de Paula Teixeira: Com cer-teza. No benefício pago ao trabalha-dor que se aposenta por idade, sem ter concluído 35 anos de contribuição, o valor cai mui-to. Para a mulher, cujo tempo de con-tribuição mínino é de 30 anos, cai mais ainda. A mu-lher ainda é mais prejudicada. Ela já recebe no mercado salários menores que os dos homens, mesmo exercendo as mesmas funções. Na hora da aposentadoria, ela também é prejudicada. Ela tem que trabalhar em média sete anos a mais para poder ter aquilo que ela teria na regra anterior.

Jornal da UFRJ: E a sua avaliação acerca da política de Seguridade Social no pri-meiro mandato do governo Lula? Houve mudanças? Andréa de Paula Teixeira: Uma das pri-meiras medidas do governo Lula foi en-caminhar outra reforma previdenciária ao Congresso Nacional. Esse projeto foi a complementação da Emenda 20, à qual o Partido dos Trabalhadores (PT) e ou-tras forças de esquerda se opuseram na época de Fernando Henrique. Essa nova proposta de Emenda Constitucional não teve oposição. Não houve oposição porque o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM) eram absolutamente a favor da medida. Essa proposta tramitou no Congres-so em tempo recorde: nove meses. A Emenda Constitucional 41 foi aprovada

em dezembro de 2003. Ela modifica o sistema previdenciário e, dessa vez, pre-judica o servidor público, com a alega-ção de que este é um privilegiado, com direitos que a maioria dos trabalhadores brasileiros não tem. O que ela estabelece em relação ao servidor público? Que a aposentaria com salário integral deixa de existir. O trabalhador do setor pú-blico, a partir de 2003, aposenta-se com o teto do INSS. Isso é claramente uma manobra para favorecer o setor privado. Como o servidor público tem estabilida-de no emprego e, em média, um salário maior que a massa de trabalhadores, ele é constrangido, para manter seus venci-mentos quando se aposenta, a recorrer à Previdência privada.

Jornal da UFRJ: A Emenda 41 também estabeleceu a taxação de 11% no contra-cheque de aposentados e pensionistas. Qual a sua avaliação? Andréa de Paula Teixeira: Ela posicio-

na os inativos e os pensionistas como contri-buintes do sis-tema, ou seja, todos os apo-sentados, antes ou depois de 2003, passam a contribuir com 11%, a mesma porcentagem de quem está na ativa. E cria o chamado Abo-no de Perma-nência: se você já tem o tempo de contribuição, mas continua t rab a l hando, deixa de descon-tar os 11%, mas, tão logo você se aposenta, volta a

pagar os 11%.

Jornal da UFRJ: É punitivo?Andréa de Paula Teixeira: Claro! É punitivo. A Previdência não mais obe-dece à lógica de proteção social previs-ta na Constituição de 1988 e tornou-se um artigo a ser comprado no mercado. Não se fala mais em Previdência em ter-mos de direito social, mas em termos monetários e financeiros. Maria Lucia Werneck Vianna, professora do Institu-to de Economia (IE) e atual decana do Centro de Ciências Jurídicas e Econô-micas (CCJE) da UFRJ, chama esse pro-cesso de “despolitização da Previdência Social”. A Previdência sai da esfera das discussões políticas e entra num âmbito meramente econômico. Assim se des-politiza uma área de política social que é absolutamente fundamental. Hoje, na grande mídia, quem fala sobre Previdên-cia Social? Os economistas, os consulto-res econômicos, os demógrafos, porque eles, salvo honrosas exceções, descolam a Previdência de toda discussão política.

Enquanto isso, os governos fazem políti-ca econômica com a política social. Isso é o mais trágico.

Jornal da UFRJ: Hoje, quando se discute Previdência na imprensa ou na socieda-de, é para falar de rombo previdenciário. A esse respeito, o governo afirma que o déficit previdenciário está em torno de R$ 50 bilhões. Existe realmente um déficit ou esse argumento serve de justificativa para reduzir os gastos com a proteção social? Andréa de Paula Teixeira: Não exis-te este propalado rombo. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Recei-ta Federal (Anfip) faz uma pesquisa anu-al sobre o balanço da Seguridade Social, que refaz o orçamento da Seguridade nos moldes da Constituição. O levan-tamento reúne todas as receitas e todas as despesas das três áreas da Segurida-de – e o balanço sempre é positivo. Há superávit. Não há déficit na Previdên-cia Social. Isso em termos de dados. Se pensarmos em termos políticos, não há mesmo, porque são recursos pagos pelo trabalhador ao longo do tempo. Fazem parte da produção direta e indireta do trabalhador. O Estado não tem máquina de fazer dinheiro. Ele arrecada através de impostos e contribuições. Então, no-minalmente, mesmo se houvesse déficit, não poderia ser classificado dessa forma sob o ponto de vista político. Sabemos que a verdade, se ela for descolada do seu contexto, torna-se uma mentira. E é exa-tamente isso que o governo faz quando diz que a Previdência é deficitária. Ele toma em consideração um único item do orçamento da Seguridade – ou seja, a contribuição sobre a folha de salário, que é a chamada contribuição previdenciária direta – e diz: “a receita é menor do que a despesa”. Mas essa é apenas uma parte da verdade. O governo, com a Desvincula-ção de Recursos da União (DRU), corta 20% das outras fontes de financiamento da Seguridade Social dispostas pela Car-ta de 1988, isto é, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido da Empresa (CSLL) e as receitas de concurso de prognóstico – e utiliza tudo isso para o pagamento dos juros da dívida pública.

Jornal da UFRJ: E qual o papel que os meios de comunicação vêm desempe-nhando nesse debate?Andréa de Paula Teixeira: A grande imprensa comprou a lógica da ideolo-gia dominante e vem reproduzindo o discurso oficial. Ela desloca a discussão política sobre direitos sociais e traz a Pre-vidência para uma discussão meramente monetária. A Previdência não foi cria-da para isso, mas, por conta desse mo-mento neoliberal do capitalismo, ela se transforma e ganha o mundo com seus argumentos falaciosos.

Jornal da UFRJ: Mas alguns economistas observaram que a grave crise financeira de 2008 teria contribuído para arrefecer esse movimento neoliberal pelo mundo...

A Previdência não mais obedece à

lógica de proteção social prevista na Constituição de 1988 e tornou-se um artigo a

ser comprado no mercado. Não

se fala mais em Previdência em

termos de direito social, mas em

termos monetários e financeiros.

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 26 Entrevista

Andréa de Paula Teixeira: Na Europa, as lutas dos trabalhadores ocorrem nesse momento porque há, mais uma vez, mu-danças nas aposentadorias e nos salários. Quem paga a conta é sempre o trabalha-dor. Isso está acontecendo na Grécia, na França, na Espanha, em Portugal e na Itália.

Jornal da UFRJ: E no Brasil?Andréa de Paula Teixeira: O governo Lula continuou a tratar a Previdência como um setor da política econômica. Em 2009, setores do Senado, incluindo senadores do PT – como Paulo Paim (RS), que é defensor da Previdência pública –, fizeram uma proposta para derrubar o Fator Previdenciário. Essa proposta foi para a Câmara dos Deputa-dos, que incluiu a aprovação do percen-tual de aumento para todos os benefícios do INSS. O Congresso aprovou os 7,7% de aumento e também conseguiu orga-nizar maioria para colocar fim ao Fator Previdenciário. O que aconteceu? O presidente aprovou o aumento de 7,7% e vetou o fim do Fator Previdenciário no mesmo dia em que o Brasil fazia seu pri-meiro jogo na Copa do Mundo de 2010. Ninguém ficou sabendo. Ninguém dis-cutiu, até porque os meios de comunica-ção fizeram campanhas diárias para que o veto fosse dado pelo Lula. Apoiaram o veto, dizendo que o fim do Fator Previ-denciário quebraria ainda mais a Previ-dência.

Jornal da UFRJ: Qual o balanço do go-verno Lula?Andréa de Paula Teixeira: No governo Lula, houve um incremento da polí-tica de Assistência Social, mas um in-cremento meramente compensatório e emergencial. O Bolsa-Família é um programa extremamente importante. Sou assistente social e sei o significa-do de programas emergenciais. Mas qual é a nossa crítica? É que eles per-manecem puramente emergenciais. Uma parte da população recebe um benefício assistencial permanente, mas não há nenhuma outra medida para que ela saia dessa situação, de modo a não precisar mais receber a bolsa assistencial. Quem tem fome tem pressa. Mas quem tem fome não quer somente receber Bolsa-Família. Ele quer ter emprego, quer estar inte-grado à sociedade. Quer saúde que lhe garanta a vida e educação pública que dê oportunidades para seus filhos. O Bolsa-Família auxiliou para que essas pessoas saíssem da miséria absoluta, mas elas foram integradas ao mercado de tra-balho? Elas estão recebendo dinheiro e, portanto, podem consumir mais, o que é ótimo para o sistema capitalista. É mais dinheiro para gerar o consumo; e, quan-to maior o consumo, maior a produção. Então, a máquina capitalista de produ-ção está funcionando. Mas, em relação à realidade dessa população, não há al-teração alguma. Ela não está integrada a nada, mas está consumindo. Os índi-ces de aprovação de Lula refletem isso: a

entrada desse contingente de pessoas na sociedade de consumo, o que não deixa de ser funcional à manutenção do capi-talismo. Na área da Assistência Social, que foi o campo da Seguridade no qual Lula mais investiu, temos, na verdade, o que poderíamos chamar de “assisten-cialização” da Assistência Social. Não temos um programa de assistência con-cebida como um direito do cidadão e um dever do Estado; uma política que seja transversal a todas as outras. A política de assistência não deve ser uma política em si. Trata-se de uma política que deve ser integrada a outras políticas sociais, por-que, se não for assim, ela é meramente compensatória e focalizada.

Jornal da UFRJ: Qual o papel da univer-sidade e dos movimentos sociais nessa dis-cussão?Andréa de Paula Teixeira: Um dos pa-péis fundamentais da universidade é o de produzir conhecimento, multiplicar a in-formação, combater os preconceitos ideo-lógicos e, em não último lugar, estimular a reflexão crítica. Esse é nosso papel diante de nossos alunos, de nossos colegas servi-dores públicos e da sociedade. O espaço para fazer essa discussão na grande mídia é nenhum.

Jornal da UFRJ: Em sua tese, de 2006, a senhora traça um cenário bastante distan-te da ideia de “reformismo revolucionário”, conceito utilizado por Carlos Nelson Couti-nho. De 2006 a 2010, continuamos no mes-

mo patamar? Aprofundou-se o processo de “contrarreforma”? Andréa de Paula Teixeira: Continua-mos no mesmo patamar e não vislumbro mudanças significativas. Já na campanha eleitoral para a Presidência, mais uma vez disseram que era preciso reformar a Pre-vidência, que os gastos públicos com ela são muito grandes etc. Isso, como vimos, não é confirmado pelos dados. Portanto, voltamos ao ponto de partida: um novo governo, uma nova contrarreforma da Previdência. Para termos alguma modi-ficação com base no “reformismo revo-lucionário” sugerido pelo Carlos Nelson, seria necessário começar a discutir, pro-por e aprovar reformas (e não contrar-reformas) que começassem a atingir o modo de produção capitalista nas suas bases, como, por exemplo, a distribuição da propriedade e da riqueza, as reformas agrária e urbana, a taxação das grandes fortunas, entre outras. Mas, infelizmente, a atual correlação de forças entre o capi-tal e o trabalho não parece favorecer uma política deste tipo.

Jornal da UFRJ: A senhora citou a cam-panha presidencial. Concorda que ela foi marcada pela superficialidade do debate político... Andréa de Paula Teixeira: Gramsci, pen-sador marxista italiano, diz que existe a pequena e a grande política. A grande política é a discussão dos grandes projetos nacionais em disputa, enquanto a peque-na política é a política do cotidiano, do

corredor, do dia a dia. Esta última campa-nha eleitoral foi dominada pela pequena política. Com exceção dos candidatos de esquerda, que não dispunham do tempo de televisão necessário para se fazer ou-vir, nenhum grande projeto de sociedade, nenhum grande problema nacional foi discutido. Quando apareceu a questão do aborto, foi discutida com hipocrisia e fal-so moralismo. A candidata que havia dito que o aborto era uma questão de saúde pública se desdisse e adotou a posição dos fundamentalistas católicos e evangélicos. Essa foi uma campanha medíocre, que girou apenas em torno de questões rela-tivas à pequena política. A Previdência Social não apareceu na campanha. O melhor cenário para a previdência na concepção hegemônica de hoje é que o trabalhador morra trabalhando e não deixe dependentes, porque assim ele contribui a vida inteira e tal contribui-ção vai poder ser utilizada pelos admi-nistradores da forma como quiserem, sem devolver nada ao trabalhador. Isso é trágico. Trata-se, como disse antes, da mercantilização dos direitos sociais.

Jornal da UFRJ: A senhora, então, não vislumbra alternativas? Andréa de Paula Teixeira: Sabe por que não vejo alternativa? Porque as pessoas estão convencidas pela mídia e pelo governo de que a Previdência pú-blica é um caso de morte por exaustão de suas potencialidades. Os processos sociais se tornam algo supostamente natural, que não pode ser modificado pela ação dos homens. Os defensores da contrarreforma afirmam que esse siste-ma previdenciário está morto, ou seja, já deu o que tinha que dar, como uma planta que nasce, cresce, se reproduz e morre. Está na hora de morrer e precisa ser substituído por outro. E qual? O sis-tema privado, porque o neoliberalismo, pelo menos por enquanto, ganhou ide-ologicamente.

Jornal da UFRJ: Começamos a entre-vista com a Constituição de 1988 e suge-rimos terminar com ela. Diante de suas considerações, podemos concluir que pouco se avançou nos últimos 20 anos?Andréa de Paula Teixeira: Volto a ci-tar Gramsci, um dos meus mais que-ridos pensadores. Ele repete sempre uma frase: “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”. Pessimismo da inteligência significa que temos de en-tender a realidade em todas as suas con-tradições estruturais e conjunturais, de modo realista, sem ilusões. É preciso re-nunciar a todas as lentes cor de rosa na hora de analisar a realidade. Mas é pre-ciso articular esta análise realista com o otimismo da vontade, ou seja, mobilizar atores sociais que não estão conforma-dos com o que está aí, formular projetos políticos coletivos para conseguir fazer uma frente a partir da vontade otimista de inverter esse diagnóstico que o pessi-mismo da inteligência fez de forma bas-tante racional. É preciso articular as lutas para termos voz.

27UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011 Graduação

Pedro Barreto

A partir de março, a mais nova unidade da UFRJ receberá seus primeiros es-

tudantes. Através da Resolução 27/2010, aprovada na sessão de 9/12/2010 do Conselho Universitário (Consuni), o Departamento de História do Institu-to de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) transformou-se no Instituto de Histó-ria (IH) da UFRJ. “Será um semestre e, talvez, um ano em que ainda vamos ter que nos adequar a uma nova realidade. Mas estamos recebendo todo o apoio da Reitoria, das pró-reitorias, da decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) e de unidades como a Facul-dade de Educação (FE) e o próprio Ifcs. Por isso, acredito que, sim, vamos estar preparados para receber os novos estu-dantes”, afirma Fábio de Souza Lessa, historiador, professor e diretor da nova unidade acadêmica da UFRJ.

Fábio Lessa ocupava o cargo de chefe do extinto Departamento de História do Ifcs. Agora, tem a missão de comandar a equipe do IH e enfrentar todos os seus desafios. A previsão é de cerca de 1,5 mil alunos sejam inscritos nos cursos de graduação e pós-graduação, número superior ao do próprio Ifcs, de acordo com o diretor. “Já tínhamos uma confi-guração de unidade antes. O que muda é que agora teremos mais autonomia de ação junto ao CFCH e à própria Reitoria. Além disso, teremos mais independên-cia para firmar convênios com outras universidades e até mesmo com a inicia-tiva privada”, argumenta o dirigente.

Perspectiva de expansãoPara os próximos dez anos, o diretor

espera aumentar para dois mil o núme-

Históriarecebe os primeiros estudantes

ro de alunos. Tal crescimento trará a necessidade de incremento de docentes e técnico-administrativos. Atualmente, segundo Lessa, o IH conta com 40 pro-fessores, o que totaliza uma relação de 38 alunos para cada docente. A meta é de, nos próximos anos, alcançar um núme-ro próximo de 60 professores e uma mé-dia de 25 alunos por docente, algo pró-ximo da proporção 18/1, considerada satisfatória pelo Ministério da Educação. “Sabemos que os números de hoje não são os ideais, mas, se o governo federal mantiver o apoio que tem dado nos últi-mos anos, acho que temos chances de diminuir essa distorção”, analisa o histo-riador.

O corpo técnico-ad-ministrativo já está sendo reforçado. Dos anteriores quatro funcionários, o IH acabou de receber outros sete, mas Lessa espera che-gar a 16. “Seremos uma unidade enxuta em relação às demais. Mas o que te-mos hoje posso dizer que são funcionários que ‘vestem a camisa’ e que ajudarão a consolidar este projeto”, avalia o diretor.

Para comportar o crescimento espe-rado, Lessa já planeja a expansão do IH. Inicialmente, a unidade vai continuar funcionando no mesmo local onde fun-cionava o Departamento de História, no 2º andar do prédio do Largo de São Francisco, o mesmo que abriga o Ifcs. Para isso, as direções do Ifcs e do IH planejam a criação de um comitê gestor, que terá a responsabilidade de gerenciar o espaço físico e as decisões comuns dos

dois institutos. Desde já, salas que esta-vam desativadas voltarão a ser utilizadas. Com a medida, o IH ganhará cerca de 380 m2 de área. “Esse espaços estão co-meçando a ser reformados com recursos dos programas de pós-graduação e da Reitoria. Com isso, teremos mais uma sala de aula em funcionamento já em março, além de outros espaços para la-boratórios de pesquisa e auditórios”, es-clarece Fábio Lessa.

Apesar de dizer que, inicialmente, a ida para a Cidade Universitária não está nos planos, Fábio Lessa também não

descarta essa alternativa em um futuro próximo: “Nossa posição sempre foi dialogar ao máximo com a Reitoria. De fato, aqui, temos poucas perspectivas de ampliação, por isso ainda não temos uma decisão fechada e va-mos precisar discutir o que o Plano Diretor UFRJ 2020 propõe para a gente”. O diri-gente acrescenta, ainda, que a unidade poderia ser insta-lada no futuro complexo de

Ciências Humanas, no qual, atualmen-te, está localizada a Faculdade de Letras (FL). “Parece-me que há uma movimen-tação para algumas unidades. Mas volto a dizer que nossa preocupação agora é funcionar enquanto unidade a partir de março”, ressalta Fábio.

Nova estrutura acadêmicaEntre as novidades na estrutura

acadêmica, está a transição do modelo departamental para uma organização a partir de setores: História Antiga, Histó-ria Medieval, História Moderna e Con-

temporânea, História do Brasil, História das Américas, Teoria e Metodologia da História e História da África, que entra em funcionamento a partir do primei-ro semestre de 2011. A mudança faz parte de uma reestruturação planejada pela nova direção da unidade. De acor-do com Fábio Lessa, a proposta é reali-zar uma modernização do currículo: “Precisamos valorizar a junção entre Ensino e Pesquisa e ampliar as ativi-dades de Extensão, o que é, inclusive, uma reivindicação do corpo discente”. Além disso, a direção da nova unidade pretende, aos sábados, promover ati-vidades para a comunidade. “Foi uma experiência de muito sucesso no se-mestre passado e, agora, pensamos em torná-la permanente”, afirma Lessa.

Outra mudança pode ser encon-trada na estrutura da nova direção da unidade. Além do diretor-geral, foram criados os cargos de diretor-adjunto de Graduação e Extensão, responsável por, entre outras atribui-ções, planejar, organizar e adminis-trar os cursos em nível de graduação; e diretor-adjunto de Administração, a ser ocupado por um técnico-adminis-trativo, encarregado pelo planejamento, organização e execução das atividades referentes à administração dos serviços de apoio técnico-administrativo, en-tre outras funções. “Este último é uma inovação que estamos propondo, pois resgata o fazer dos funcionários. As de-cisões no IH serão tomadas pelo diretor, mas a partir de um consenso com os dois diretores. Acho que poucas unida-des contam com essa presença decisória dos funcionários que a gente vai ter”, ex-plica Fábio Lessa.

“Precisamos valorizar a

junção entre Ensino e

Pesquisa e ampliar as

atividades de Extensão”

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 28 Internacional

Tea Partya festa do conservadorismo

Os mais práticos diriam “é a economia, estúpi-do!” Após ter mobiliza-

do a população dos Estados Unidos da América (EUA), como há muito não se via, e conquistado a simpatia de parte significativa da comunidade internacional, com slogans de suces-so como “Yes, we can” (Sim, nós po-demos), e a inesgotável repetição da palavra de ordem change (mudança), bem como propostas de reformas so-ciais e de diálogo mais aberto com as nações amigas, o carisma de Barack Obama não tem resistido à lenta re-cuperação da economia norte-ame-ricana – epicentro da crise financeira global de 2008 – e ao repúdio, por parte dos contribuintes, de medidas que onerem ainda mais o Estado.

A mudança anunciada por Oba-ma ficou aquém da realizada pelo presidente na prática e, com a taxa de desemprego acima dos padrões histó-ricos e a estagnação da economia, o que muda é o humor da opinião pú-blica. O estopim para o contragolpe dos conservadores foi o anúncio do pacote de estímulo econômico – pro-posto pelo governo, em 2009, para enfrentar a crise e evitar uma hipoté-tica recessão – orçado em 787 bilhões de dólares. Os protestos foram tími-dos no início, como uma passeata de 120 pessoas em Seattle, no estado de Washington.

Com a dificuldade demonstrada pela economia estadunidense em recuperar-se da crise financeira e com déficit fiscal crescente, o governo Obama vê sua popularidade cair. A mudança, propalada pelo slogan “Change”, ainda não foi percebida, e o que muda, de fato, é o ânimo dos eleitores. A

festa dos conservadores parece estar só começando...

Bruno Franco

Protestos crescentesNo entanto, o movimento cresceu

vertiginosamente. Sobretudo, quando o jornalista Rick Santelli clamou por maior mobilização, em seu programa na NBC, exortando: “Esta é a Améri-ca! Quantos de vocês estão dispostos a pagar a hipoteca do vizinho que tem um banhei-ro extra e agora não pode pagar as contas?”. San-telli sugeriu, en-tão, que fizessem um “Chicago Tea Party”, aludindo à cidade natal de Obama e ao epi-sódio histórico – no qual colonos, em 1773, protestaram contra novos impostos criados pela Inglaterra, jo-gando ao mar de Boston um carrega-mento de chá – conhecido como Fes-ta do Chá (Tea Party).

Em 15 de abril de 2009, os mili-tantes fizeram manifestações em 750 cidades aproveitando o Dia do Im-posto (Tax Day) - último dia em que os contribuintes podem declarar seus bens para o cálculo do Imposto de Renda. Na ocasião, em frente à Casa Branca, manifestantes jogaram caixas de chá pelo portão. Em 12 de setem-bro, 100 mil pessoas marcharam em

Washington, considerado o maior protesto contra Obama até então.

De acordo com Igor Lapsky da Costa Francisco, pesquisador do La-boratório de Estudos do Tempo Pre-sente (Tempo) do Instituto de Filoso-fia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, o

movimento atual protesta contra a situação econômi-ca decorrente da crise de 2008, ini-ciada no governo George W. Bush. “Obama foi eleito para tentar resol-ver a crise e ain-da não resolveu. O dólar continua baixo, as empresas ainda estão se re-

cuperando. O movimento foi criado para reclamar quanto a questões eco-nômicas e também de defesa do país”, analisa o historiador.

Na avaliação de Lapsky, o Tea Party é um retrato da sociedade con-servadora estadunidense: “Toda vez que há uma crise econômica forte, a ala conservadora daquela sociedade ressurge de alguma forma. Branca, evangélica, WASP (white, anglo-saxan and protestant – branca, anglo-saxã e protestante). Um dos seus principais pontos é o ataque aos imigrantes ile-gais, bem como a desoneração do Es-

tado e a diminuição de impostos que, comparados aos nossos, nem são tão altos, tanto sobre renda, quanto sobre a produção”.

No, you can’tComo o voto nos Estados Uni-

dos é facultativo, a mobilização dos eleitores é fundamental. O desejo de mudança, encarnado por Obama, fez com que muitos jovens compareces-sem às urnas em 2008. Na ocasião, 18% dos votantes tinham entre 18 e 29 anos de idade. Nas eleições legis-lativas de 2010, esse percentual caiu a 11%, e o percentual de hispânicos e negros, também.

Para Igor Lapsky, tal queda se ex-plica. ”Obama não cumpriu o prazo de retirada das tropas, não resolveu Guantánamo (base militar norte-americana em Cuba), aumentou o efetivo no Afeganistão e não resolveu a questão econômica. A única maté-ria que resolveu, e sobre a qual pesa contestação judicial, é o Healthcare (reforma da saúde pública). Como o voto não é obrigatório, muitas pesso-as se abstêm de votar”, analisa o pes-quisador.

Em artigo publicado no jornal Los Angeles Times, o sociólogo Mar-shall Ganz afirma que a derrota nas eleições legislativas pode ser expli-cada, em parte, pela desmobilização do eleitorado. De acordo com Ganz, “o presidente desmobilizou a mais ampla, profunda e eficaz organização de base já construída para apoiar um presidente democrata. Com a ajuda da nova mídia e um núcleo de cerca de três mil organizadores bem treina-dos e altamente motivados, 13,5 mi-lhões de voluntários distinguiram a campanha de Obama das outras. Não eram os ‘suspeitos de sempre’ — se-guidores leais do partido, sindicalistas ou militantes pagos — mas um amplo espectro de cidadãos-ativistas”.

A impopularidade do governo expressou-se de modo incontestável

“Não é verdade que

todas as culturas são

iguais. Algumas são

melhores. A nossa é

a melhor de todas”.

“Nós, o povo” Os adeptos do movimento,liderado atualmente pelo ex-

fuzileiro naval Dale Robertson e conhecidos como Tea Partiers, se consideram beneficiários da coragem dos que colonizaram os EUA, que em 1773 desafiaram a Grã-Bretanha, no episódio conhecido como Boston Tea

Party. O site www.teaparty. org menciona que aqueles que se juntam à causa encampam os princípios estabelecidos na Constituição estadunidense e naDeclaração de Direitos. O movimento é, na opinião de seus idealizadores, a voz dos verdadeiros donos da América,

“Nós, o Povo”. O movimento seria do cidadão típico norte-americano, ainda que “o americano comum seja qualquer coisa menos comum, pois o verdadeiro patriota é um herói dos heróis”, nas palavras do ativista StephenEichler.

29UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011 Internacional

a festa do conservadorismo

com a derrota do Partido Democrata nas eleições legislativas em novembro do ano passado. O partido perdeu o controle da Câmara dos Representan-tes para o Partido Republicano. Em menos de quatro meses, o Tea Party passou de uma passeata com 120 pes-soas para 750 manifestações pelo país, que apontaram, talvez, que Obama não poderia cumprir o que prometeu (No, you can’t – Não, você não pode).

Rumo à Casa Branca?

O advento do Tea Party pode re-forçar as aspirações de uma persona-gem da cena política norte-america-na, que foi coadjuvante nas últimas eleições presidenciais. Sarah Palin, ex-governadora do Alaska, e vice na chapa de John McCain (candidato derrotado por Obama em 2008), ad-mitiu ao jornal New York Times, que avalia a possibilidade de se candida-tar em 2012. “Ela já começou a viajar pelos EUA em busca de apoio para as eleições de 2012 e será um nome muito forte do Partido Republicano”, acredita Igor Lapsky.

Em 2011, começarão a se dese-nhar as pré-candidaturas para a su-cessão de Barack Obama. As eleições primárias de cada partido, que defi-nem os candidatos à sucessão, come-çam em janeiro de 2012.

O movimento teve um impacto nítido nas elei-ções legislativas. Candi-datos apoiados pelo Tea Party venceram figu-ras de proa do Partido Republicanos nas primá-rias, para então desbancarem os democratas, no Kentucky (Rand Paul) e na Flórida (Marco Rubio). No Wisconsin, Ron Johnson impediu a reeleição do influente ex-senador Russel Feingold. E os 39% de eleitores formados por Tea Partiers foram decisivos para que Pat Toomey fosse eleito senador pela Pen-silvânia.

A medida do governo Obama mais repudiada pe-los ativistas do Tea Party é o Healthcare (chamado pelos Tea Partiers de “Obamacare”). Dos 219 congressistas democratas que votaram por sua aprova-ção, 33 foram derrotados nas urnas.

A constitucionalidade da medida, que exige que cidadãos contra-tem um seguro médico público, foi posta em questão pelos ativistas, gerando ampla mobili-zação pela impugnação do ato legislativo por tribunais dos diversos estados da fede-ração. A Suprema Corte ainda não avaliou o caso, pois a lei ainda não foi anali-sada pelas instâncias inferio-

res, o que indica um longo processo até o julgamento final da constitucio-nalidade do Healthcare.

As liberdades civis são conside-radas pilares da sociedade estaduni-dense e, com base na preservação do direito de escolha do cidadão, os ati-vistas entendem que não se pode exi-gir que o cidadão adquira um serviço, mesmo que público.

A radicalização do conservadorismoDe acordo com Thomas Mann,

analista do Brookings Institute, os Tea Partiers adotam posições mais extre-mas do que as endossadas pelo Parti-do Republicano, sendo mais radicais em relação à imigração e à religião.

Tal avaliação se justifica por pro-nunciamentos, como o de Tom Tan-credo, orador da Convenção Nacional do Tea Party, realizada em fevereiro de 2010 em Nashville (Tenessee). Na ocasião, Tancredo afirmou: “Não é verdade que todas as culturas são iguais. Algumas são melhores. A nos-sa é a melhor de todas”. Para o ex-congressista republicano, a civilização ocidental está ameaçada e seria hora

de “os patriotas retomarem a nação”.Para Igor Lapsky, o movimento

gera preocupações tanto entre demo-cratas como republicanos. “Por ques-tões políticas e econômicas, os EUA não teriam condições de serem tão conservadores nas relações interna-cionais quanto gostaria o Tea Party”, explica o historiador.

E sua opinião, o movimento é uma ala radical do pensamento con-servador. Como exemplo desse ex-tremismo ideológico, Lapsky men-ciona que seus adeptos consideram Obama socialista. Para o pesquisa-dor, as medidas adotadas por Oba-ma não podem ser consideradas socialistas: “O pacote de estímulo foi a solução que Obama encontrou para reequilibrar a economia e, bem ou mal, ela está equilibrada. Inves-tiu nos bancos, injetou dinheiro na economia. O FED (Federal Reserve - Banco Central dos EUA) abriu enor-mes linhas de crédito para empresas e outros bancos. Isso também onerou mais o Estado”.

O FED, por sinal, conta com a an-tipatia dos Tea Partiers. Um de seus partidários, o congressista texano Ron Paul, lançou, em 2009, o livro End the Fed (Acabem com o Banco Central), que, em sua semana de lançamento, en-trou em 6º lugar na lista de best-sellers de Nova Iorque, e que defende a extin-ção da instituição.

O Tea Party é um movimento mais amplo e popular do que os chamados neocons (neoconservadores) do go-verno George W. Bush, agregando não apenas republicanos como também independentes e até democratas. “Os neocons eram membros da alta socie-dade. O Tea Party congrega, sobretudo, elementos da classe média”, compara Lapsky.

Quanto às possíveis implicações para o futuro do Partido Republicano, Lapsky considera mais provável que o Tea Party se dissolva no partido do que o contrário, pois “ele não é um partido político nem tem a organização de um. É possível que formem uma ala mais con-servadora no Partido Republicano”.

Janeiro/ Fevereiro 2011UFRJJornal da 30 Saúde

a pedra no meio do caminhocrack,

Aline Durães

30% dos

usuários de crack

morrem, num prazo máximo de cinco anos

A fumaça do crack chega ao cérebro em apenas 12 segundos

”Com o crack tudo muda, porque ele passa a dominar a pessoa de uma forma que

ninguém entende. A sensação é difícil ex-plicar, porque só quem usa sabe como é. Descrevo que, nos primeiros segundos, é um prazer imenso, mas logo o efeito ilu-sório vai passando, a língua trava, os olhos ficam grandes e a fisionomia muda com-pletamente. Sem falar nas consequências que a pedra traz. Sempre fui trabalhador honesto e, de repente, comecei a assaltar. Foi tudo muito rápido. Parece que não é a minha história de vida, mas infelizmente é. Fiquei preso três anos, dez meses e 22 dias. Devo isso ao crack”, depõe Antônio, encanador, de 33 anos, que fuma crack há 13 para Meninos do Crak (Ed. Da autora, 2009), obra da jornalista Ana Paula Non-nenmacher.

Assim como ele, estima-se que cerca de 1,2 milhão de pessoas usem a droga no Brasil. A quantidade expressiva de usuários aliada aos efeitos sociais nocivos provocados pelo crack vêm chamando a atenção do governo, da sociedade e dos meios de comunicação.

O crack nada mais é do que pasta de cocaína misturada com bicarbonato de sódio. A combinação produz uma pedra que, aquecida em cachimbos ou latas de alumínio, gera a fumaça inalada pelos usuários.

É essa forma de utilização que poten-cializa a ação do alucinógeno e o transfor-ma em um dos mais potentes, com alto grau de dependência. Enquanto a coca-ína em pó leva de 10 a 15 minutos para começar a fazer efeito, a fumaça do crack chega ao cérebro em apenas 12 segundos, causando sensação de euforia, poder e autoconfiança. A “onda”, no entanto, pas-sa rápido. Depois de 10 minutos, a inten-sa alegria é substituída por sofrimento, depressão e desespero. Pode surgir, então, a necessidade, muitas vezes incontrolável, de usar novamente a droga, momento que os especialistas chamam de “fissura”. “As sensações são parecidas com as da co-

caína, mas a intensidade do crack é muito maior e o início e o final do efeito são mais rápidos. Ele é absorvido e eliminado rapi-damente. Os efeitos de prazer instantâneo e de desprazer brusco reforçam o padrão de alta utilização do entorpecente”, explica Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao uso Indevido de Drogas (Projad) do Instituto de Psi-quiatria (Ipub) da UFRJ.

Dependendo do vínculo desenvolvi-do pelo usuário com o crack, as conse-quências podem ser nefastas. A vida do indivíduo passa a girar em torno das pe-dras. Ele começa a dormir e a comer mal; emagrece, se descuida da higiene pessoal e fica suscetível a doenças. Na busca de-senfreada por novas doses, abandona a família e o trabalho. A violência e a agressividade são outras caracterís-ticas comuns aos usuários da droga.

Dados divulgados pela Confe-deração Nacional de Municípios (CNM) mostram que 30% dos usu-ários de crack morrem, num prazo máximo de cinco anos após o pri-meiro uso. Estimativas indicam tam-bém que, nos próximos seis anos, cerca de 300 mil dependentes não re-sistirão aos malefícios causados pelo entorpecente.

A alta taxa de mortalidade é re-flexo dos comportamentos de risco. Não raro, os usuários enveredam por atividades criminosas. Podem recor-rer a assaltos e furtos para financiar a droga. Muitas vezes, adquirem dívi-das com traficantes e acabam pagan-do o vício com a própria vida. Um estudo da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) cons-tatou que, aproximadamente, 60% dos dependentes analisados morre-ram assassinados, compondo um ín-dice oito vezes superior à taxa geral de mortes na capital paulista.

Além disso, a prostituição é a saí-da para muitos dependentes que de-sejam obter as pedras a todo custo.

O saldo dessa prática é o aumento da exposição ao risco de contrair o vírus HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST). “A fissura para conseguir a droga é um fator que au-menta o comportamento sexual sem proteção. Prostitutas assumem que, depois de se tornarem viciadas em crack, não negociam o preço do pro-grama, local ou uso da camisinha. Sob o efeito da substância, a pessoa deixa de ser capaz de escolher um parceiro ou de evitar situações que a coloquem em perigo”, informa Mar-celo Cruz.

Raio-X do crackMarcelo Cruz integra uma equipe

da UFRJ que, em colaboração com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e sob a chancela do Ministé-rio da Saúde (MS), pretende mapear o perfil dos usuários do crack. Serão en-trevistadas 240 pessoas — 100 do Rio de Janeiro, 80 de Salvador e 60 de Ma-caé. A ideia é conhecer melhor quem são os dependentes da droga e levantar informações acerca de sua situação so-cial, padrão de uso, comportamentos de risco e estado de saúde.

A principal dificuldade da pesquisa até o momento é o acesso restrito aos usuários de crack. “Muitos dependen-tes em clínicas não estão aptos a par-ticipar do estudo. Por não terem se drogado nos últimos 30 dias, suas in-formações não são confiáveis. Quanto mais tempo a pessoa estiver afastada da droga, menos ela se lembra daquela realidade. As pessoas em tratamento nos centros também são de difícil aces-so, porque não costumam frequentar o local com regularidade. As que estão em ‘cracolândias’ são as mais compli-cadas de entrevistar. Por questões de segurança, não podemos interpelá-las no meio da rua. Tudo isso dificulta a coleta de informações”, destaca o pes-quisador do Ipub.

Essas barreiras, contudo, não im-pedem o prosseguimento do estudo. Depois de analisar as informações, os pesquisadores poderão traçar ações para aproximar os dependentes dos centros de reabilitação. “Observando outros países, percebemos que não adianta oferecer tratamento específi-co à dependência do crack. Não basta criar serviços e esperar que os usuários cheguem até nós. Vale mais atraí-los aos centros para resolver outros pro-blemas, como desnutrição e questões de saúde, por exemplo. Por isso, par-te da pesquisa é ouvir as pessoas para identificar quais serviços elas preci-sam. O objetivo é que, a partir de um primeiro atendimento, elas tenham vontade de se tratar em relação à dro-ga”, ressalta Marcelo.

Popularização da droga Apesar de ter chegado ao país na

década de 1990, durante muito tem-po, o crack esteve circunscrito a deter-minadas localidades, em especial São Paulo. Nos últimos anos, porém, o ví-cio se disseminou. Cerca de 70% das cidades brasileiras sofrem atualmente problemas de segurança pública, saúde e assistência social gerados pelo consu-mo da droga. A droga está se espraian-do até mesmo para cidades de peque-no e médio porte e para zonas rurais.

31UFRJJornal da

Janeiro/ Fevereiro 2011

Há um notório esforço do governo e da sociedade civil em combater as drogas. O tema está na ordem do dia. Mas, para alguns especialistas, o debate em torno da drogadição (termo genérico criado para compreender a adição bioquí-mica no organismo humano) está sendo conduzido de maneira equi-vocada.

De acordo com Márcio Moreno, é ingenuidade pensar que, algum dia, a humanidade se verá livre de todos os entorpecentes. Para ele, as ações devem se destinar não ao combate ao uso de drogas, mas à violência gerada pela repressão e pelo tráfico. “O homem se droga desde que o mundo é mundo. Ele

O xis do problemainventa drogadição mesmo onde não tem. Quando não houver substâncias psicoativas, o homem se viciará em outra coisa. As drogas não devem ser combatidas, mas, sim, a violência. O problema do Rio de Janeiro não é o tráfico, são as armas. Tráfico existe em todas as cidades do mundo, mas ele ocorre no varejo. A sociedade tem que aprender a lidar com as drogas. Deve-mos ter o controle social delas. Há pes-soas decentes que trabalham com a tese de que legalizar é o primeiro passo para atingirmos esse controle”, sublinha o pesquisador.

Moreno frisa que a dimensão so-cial do crack não é fruto apenas dos malefícios químicos das pedras, mas, principalmente, reflexo do despreparo

da saúde pública em lidar com um pro-blema que, nos últimos anos, ganhou repercussão nacional. “A epidemia não é de crack, mas de falta de cuidado. Tal-vez nunca tenha havido uma demanda tão grande por cuidados como acontece agora. E há poucos serviços e dispositi-vos de atenção disponíveis. O problema da drogadição não é algo simples de ser resolvido. Na maioria dos casos graves, haverá recaída. As pessoas não vão pa-rar de se drogar, mas elas podem ter melhorias. Temos que trabalhar com a redução de danos”, enfatiza o médico, citando o “Consultório de Rua” como experiência-piloto de redução de da-nos. A iniciativa fornece cachimbos de vidro para viciados em crack. A ideia é evitar a inalação de alumínio, que ocor-

re quando o usuário queima as pe-dras em latas, minimizando os pre-juízos à saúde.

O caminho para a solução do problema de saúde pública criado pelas drogas exige, na opinião de Márcio Moreno, menos moralismo da sociedade e sensacionalismo da mídia. “Apesar de reconhecer que o crack é um problema, atendo pesso-as que usam a droga e acho que elas merecem respeito. Sou antipático à postura midiática de alarde sobre o crack, de urgência, de demoniza-ção, de sensacionalismo, de tentativa de confundir o senso comum. Gera mais preconceito, estigma, falta de diálogo. Isso não é prevenção”, con-clui o médico.

O Brasil possui 1,2 milhão de usuários

Cerca de 70% das cidades

brasileiras sofrem atualmente

problemas de segurança pública, saúde

e assistência social gerados pelo

consumo da droga.

O consumo de crack cresceu 139%

entre pessoas com renda superior a vinte salários mínimos.

O Rio de Janeiro foi um dos últi-mos estados a ser afetado. Registrou a primeira apreensão de crack em 2003. Especialistas creem que acor-dos entre facções de traficantes pau-listas e fluminenses abriram as portas para o comércio e o consumo da pe-dra no Rio. Hoje, há “cracolândias” nas favelas de Manguinhos e Jacarezinho; a quantidade apreendida da droga dobrou nos últimos três anos; e cerca de 50% dos usuários em tratamento já usaram o narcótico. “O Brasil é a maior fronteira da cocaína mundial. Todos os países produtores fazem fronteira

com a gente, por isso ela sempre foi o nosso problema. Nos últimos anos, o crack rompeu barreiras e atingiu di-versas regiões. Quando chegou ao Rio, ganhou dimensão nacional. A grande especulação é que o tráfico percebeu a lucratividade e resolveu difundir o uso das pedras”, pontua Márcio Moreno, médico e diretor do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Centra-Rio), que atende, em média, 400 pessoas por mês, a maior parte delas viciada em crack.

A popularização da droga pelo país diversificou o público consumidor. Da-dos da Secretaria de Saúde de São Paulo comprovam que o crack já não é exclusi-vidade das classes menos favorecidas. O consumo dessa variante da cocaína cres-ceu 139% entre pessoas com renda supe-rior a 20 salários mínimos. “No início, a gente via que ele era restrito a guetos e a populações marginalizadas, com maior risco social. Quando passou a ser vendido nas bocas de fumo, atraiu todas as classes. Quem ia comprar dro-gas nesses locais, começou a comprar o crack também. Hoje, qualquer clínica chique tem ‘crackeiro’ internado”, ob-serva Moreno.

As camadas sociais marginaliza-das, entretanto, ainda são as grandes vítimas do potencial destrutivo da droga. “O agravante do crack é que ele atingiu em cheio uma população frágil, crianças e adolescentes, regiões de maior risco social e se tornou um problema de saúde pública. Se você vai a uma ‘cracolândia’, encontra tragédias sociais, pessoas à deriva que, além de todos os riscos sociais já enfrentados, estão ainda mais vulneráveis por usar crack. E preocupa o fato de a maioria dos usuários não estar interessada em se tratar. Para eles, não é um problema de saúde pública, sequer é um proble-ma de saúde pessoal”, alerta o médico do Centra-Rio.

Saúde

Janeiro/ Fevereiro 201132 UFRJJornal da

Persona

Craque, gênio e polêmico. Assim era Heleno de Freitas,

jogador de futebol que fez história no Botafogo Futebol e Regatas (BFR), seu time do

coração.

Indo

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el G

ênio

Rafaela Pereira

Nascido na pequena cidade de São João Nepomuceno, próxima a Juiz de Fora (MG), Heleno de Freitas

(1920-1959) era de uma família abastada. De to-dos os cinco irmãos, Heleno era o que mais gos-tava de futebol. Sua primeira bola ele chutou ainda na sua cidade natal, em um cam-po improvisado, e a bola era feita com meias femininas.

Com sete anos, já buscava con-quistar seu espaço e treinava como reserva do infantil no Mangueira Futebol Clube, um dos melhores da região, e logo depois virou titular. Ra-pidamente o time se tornou o mais temido por contar com Heleno na equipe.

E assim seguiu em sua infância até a morte do pai, quando a família se muda para o Rio de Janei-ro, mais precisamente para Copacabana. Ali Heleno se apaixonou, à primei-ra vista, pelo mar. Mais tarde, no Posto Quatro, começou a jogar futebol na areia.

Apesar de ser fascinado pela bola, por jogos e está-dios, Heleno tinha apreço pelos livros. Estudava no Colé-gio São Bento e somente faltava aula para treinar no Fluminense ou para jogar bola na praia. For-mou-se em Direito pela UFRJ.

Craque galãVaidoso, sempre com o cabelo

arrumado, penteado para trás e com bastante gel, era a atração da praia. As mulheres apareciam para acompa-nhar cada jogada e, aos gritos e suspiros, presenciavam as rixas travadas na areia.

Heleno de Freitas

“Ele era de família distinta, tinha um nível diferen-ciado dos outros jogadores. E sabia que era bonito“, conta o historiador e museólogo Brás Pepe, sócio-be-nemérito do Botafogo.

Sua beleza se destacava. Heleno vivia cercado por mulheres. Marcos Eduardo Neves registra em seu livro Nunca houve um homem como Heleno (Ediouro, 2006) que muitas eram as mulheres que sonhavam com o jo-gador. Suas vitórias eram dedicadas às fãs que acompa-nhavam as partidas.

E foi numa dessas paixões que Heleno teve um filho, Luiz Eduardo. Contudo, o craque morreu sem saber de sua existência. Luiz Eduardo também soube de seu pai após seu falecimento.

Paixão pelo futebolQuando Heleno conheceu o Botafogo, o time estava

festejando seu bicampeonato e a cidade estava vestida de branco e preto. A festa da torcida de General Seve-riano atraiu o garoto para o clube onde marcaria 204 gols em sua carreira, levando-o inclusive para a seleção brasileira.

O jogador também teve passagem turbulenta pelo Fluminense. Sua ficha no clube registra mui-tas brigas e desentendimentos. Por convite de João Saldanha, transferiu-se novamente para o alvinegro para substituir Carvalho Leite, outro ídolo do alvine-gro.

No final da carreira, Heleno chegou a jogar tam-bém no argentino Boca Juniors e no América (RJ). Apesar de ídolo botafoguense, o clube foi campeão carioca sem o jogador, em 1948. Somente conquista-ria o título atuando pelo Vasco da Gama.

“Era o ídolo de nossa geração, jogava bem de cos-tas para o gol. Várias pessoas, assim como eu, foram para o Botafogo por causa dele. Jogávamos pelada juntos na praia, tínhamos até um clube – o 103 – e ele era o craque”, recorda Rogério Carneiro, ex-jogador do Botafogo.

Temperamento difícilPara Rogério Carneiro, era difícil lidar com o cra-

que, tanto que começou a ser considerado um caso perdido por causa do temperamento. “Com ele no time o grupo não era homogêneo, sempre acontecia uma cisão. Era o tipo de pessoa que era amado ou odiado. Não havia meio termo”, conta o ex-compa-nheiro de clube.

Os apelidos o irritavam bastante. Uma situação que mais detestava era o fato de a torcida adversária chamá-lo de “Gilda”, comparando-o à personagem de Rita Hayworth no filme homônimo de Charles Vidor. Gilda era uma mulher extremamente tem-peramental, como Heleno de Freitas. Em campo, ficava a ponto da insanidade. Como resposta, dava bananas para a torcida ou reagia de forma agressiva e pornográfica.

Sua irritação não era apenas durante o jogo. Ao contrário do que pregaria mais tarde Didi, para He-leno, treino não era treino, era jogo – e de vida ou morte. Até mesmo nas peladas da areia, ele brigava, era expulso e achincalhava o juiz.

Fora do campo era uma pessoa mais calma, mas apenas quando queria. “Heleno era um dos craques mais criadores de caso e desentendimento. Porém, fora do campo era uma dama”, conta Francisco Ca-mões de Menezes, historiador e sócio-benemérito do Botafogo.

Fim de jogoA doença (sífilis) começou a aparecer aos pou-

cos. Como seu gênio era forte, muitas vezes os sinto-mas eram confundidos com sua fama de briguento. Heleno nunca quis fazer exames e cuidar da doença. Apenas quando abandonou o futebol foi examina-do com diagnóstico de sífilis em estado bastante adiantado. “Ele não se tratou porque diziam que ele era temperamental. Ele não queria acreditar nem admitir que poderia estar doente”, explica Camões de Menezes.

Em 1953, a família o internou em um hospital em Barbacena (MG). Faleceu em 8 de novembro

de 1959, distante da torcida, dos dirigentes e dos companheiros. Muitas décadas depois, a história do mítico centroavante do Botafogo e da Seleção Brasileira se transformou no livro Nunca houve um homem como Heleno, e inspiração para o filme “Heleno” (2010), de José Henrique Fonseca.