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ESPECIAL 33 (ã";;;za QUALIDADE, ESTRUTURA DE MERCADO , E MUDANÇA TECNOLOGICA José Carlos de Toledo Professor Assistente do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos. * RESUMO: Numa primeira parte, o texto procura con- ceituar qualidade, a partir de duas vertentes: uma mer- cadológica, que corresponde à qualidade de adequação do produto ao seu uso; e outra técnica, que associa qualidade à conformidade do produto real com especificações. Apre- sentam-se, também, os principais enfoques da qualidade e os elementos componentes da mesma. Numa segunda parte, o texto procura situar a quali- dade, enquanto estratégia de concorrência, em relação aos tipos de estrutura de mercado e à diferenciação de produ- to. O texto também situa a qualidade, enquanto habili- dade técnica, em relação ao processo de mudança tec- nológica, apresentando-a como variável pertinente ao campo da mudança técnica otimizadora e como resultante de um processo evolutivo de aperfeiçoamento. * PALAVRAS-CHAVES: Qualidade de projeto, quali- dade de conformação, mudança tecnológica, estrutura de mercado, estratégia. * ABSTRACT: This paper concerns quality from both a market and a technical point of view. The market view refers to the fitness for use, and the technical one refers to the conformance of product with its requirements. We present the main quality approaches and its dimensions. First, we seek to understand quality - as a dimension of competitive strategy - in relation to the types of market structure and product difterentiation. Second, we approach quality - as a technical ability - in relation to the tech- nological change processo.In its last approach quality is presented as an element of the optimizing technical change, being the result of improvement evolution. * KEY WORDS: Quality of design, quality of confor- mance, technological change, market siruciure, strategy. Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30(3) 33-45 Jul./Set. 1990

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ESPECIAL

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(ã";;;za

QUALIDADE,ESTRUTURA DE MERCADO,E MUDANÇA TECNOLOGICA

• José Carlos de ToledoProfessor Assistente do Departamento de Engenhariade Produção da Universidade Federal de São Carlos.

* RESUMO: Numa primeira parte, o texto procura con-ceituar qualidade, a partir de duas vertentes: uma mer-cadológica, que corresponde à qualidade de adequação doproduto ao seu uso; e outra técnica, que associa qualidadeà conformidade do produto real com especificações. Apre-sentam-se, também, os principais enfoques da qualidade eos elementos componentes da mesma.

Numa segunda parte, o texto procura situar a quali-dade, enquanto estratégia de concorrência, em relação aostipos de estrutura de mercado e à diferenciação de produ-to. O texto também situa a qualidade, enquanto habili-dade técnica, em relação ao processo de mudança tec-nológica, apresentando-a como variável pertinente aocampo da mudança técnica otimizadora e como resultantede um processo evolutivo de aperfeiçoamento.

* PALAVRAS-CHAVES: Qualidade de projeto, quali-dade de conformação, mudança tecnológica, estrutura demercado, estratégia.

* ABSTRACT: This paper concerns quality from both amarket and a technical point of view. The market viewrefers to the fitness for use, and the technical one refers tothe conformance of product with its requirements. Wepresent the main quality approaches and its dimensions.

First, we seek to understand quality - as a dimensionof competitive strategy - in relation to the types of marketstructure and product difterentiation. Second, we approachquality - as a technical ability - in relation to the tech-nological change processo .In its last approach quality ispresented as an element of the optimizing technical change,being the result of improvement evolution.

* KEY WORDS: Quality of design, quality of confor-mance, technological change, market siruciure, strategy.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30(3) 33-45 Jul./Set. 1990

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1. LEONARD, ES. & SASSER,W.E., 'The incline of quality".Harvard Business Re0ew,6~5): 163-171, 1982 (p.164).2. FEIGENBAUN, A.V. "Qual i-ty and Business Growth".Quality progress, 13(1): 28-30,1980.

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INTRODUÇÃO

O fator qualidade tem se tornado, commaior intensidade na última década,uma variável estratégica fundamental

na luta pelo mercado entre as empresas. Essaemergência tem origem, principalmente, nacrise econômica que impôs acirrada com-petição entre as empresas, tanto em nível na-cional, como internacional, aliada ao desen-volvimento de novas tecnologias.

Na competição pelo mercado internacio-nal, o Japão consolidou-se como forte concor-rente, oferecendo produtos dotados de quali-dade melhor ou comparável à de seus concor-rentes e a preço igualou inferior, desbancan-do, assim, tradicionais detentores de segmen-tos do mercado internacional principalmentenas áreas eletrônica e automobilística.

Os japoneses investiram incansavelmentedurante as últimas décadas no aprimoramen-to da qualidade de seus produtos e processosindustriais, como parte integrante de uma es-tratégia nacional, com o objetivo de se criaruma sólida economia de exportação.

Segundo Leonard e Sasser, essa tendênciade melhoria da qualidade dos produtosdecorre não só do sucesso da estratégia dosfabricantes japoneses, mas também de mu-danças na natureza da demanda do consumi-dor final em direção a produtos de melhorqualidade. Vários fatores teriam desencadea-do essa mudança na natureza da demanda:

• "as taxas inflacionárias têm aumentado dras-ticamente e os consumidores sentem-se mais atraí-dos por produtos duráveis, com uma longa vidaútil, do que por produtos descartáveis;

• os altos custos energéticos estariam levandoos consumidores a preferirem produtos e serviçosmais econômicos do ponto de vista do consumo deenergia;

• em virtude do aumento das despesas comreparos e manutenção, os consumidores estariammais preocupados com a garantia oferecida pelosprodutos e a freqüência com que os mesmos neces-sitam de consertos?"

As pressões da concorrência e os anseios dedemanda do mercado consumidor fazem-sesentir em todos os estágios da cadeia de pro-dução. À medida que aumenta a demanda porprodutos melhores, mais duráveis e econômi-cos, cresce também a demanda por compo-nentes, peças e materiais de melhor qualidade.

Outro problema por trás da maior preocu-pação com a qualidade é a questão do des-perdício industrial. Grande quantidade de

tempo de trabalho e de recursos materiais éconsumida por causa de falhas e defeitosocorridos na produção de bens. Esses prejuí-zos, embora de difícil quantificação a nívelglobal do país, podem ser estimados, for-necendo-se uma idéia de sua significância emtermos econômicos.

De acordo com Feigenbaun', um dos maisimportantes consultores americanos na áreade qualidade industrial, a "fábrica invisível"constituída de mão-de-obra, equipamentos eespaço físico necessários para correções devi-das a falhas (retrabalho, produtos devolvidos,reteste etc.) representa de 15% a 40% da ca-pacidade produtiva nas empresas americanas.Estima-se, por exemplo, que os EUA perdem5%do seu PNB por problemas de qualidade.

No Brasil, se considerássemos o mesmoíndice de 5% de rejeição e refugos, obser-varíamos um prejuízo por falhas de qualidadeda ordem de mais de 15bilhões de dólares porano, aplicado ao PNB brasileiro de 1987.Deve-se ressaltar que esse índice, além de ser uma es-timativa otimista para o Brasil,por ser referentea um país industrialmente desenvolvido, nãoinclui as despesas de reparo e manutenção.

Se, de um lado, a qualidade é hoje apalavra-chave mais difundida dentro das em-presas, de outro, existe pouco entendimentosobre o que é qualidade. Os próprios teóricosda área reconhecem a dificuldade de sedefinir, precisamente, o que seja o atributoqualidade. Essa dificuldade existe principal-mente porque a qualidade pode assumirdiferentes significados para diferentes pes-soas e situações, dependendo de quem a ob-serva: se é um consumidor, um produtor ouainda um órgão governamental. A qualidadetambém assume diferentes significados paracada um dos setores da empresa, seja Marke-ting, Produção, Assistência Técnica, Projetosetc. Além disso, a palavra qualidade tem as-sumido diferentes significados ao longo dotempo, principalmente para bens de con-sumo, em função das conveniências e estraté-gias de mercado das empresas.

As dificuldades conceituais e de tratamentoda qualidade surgem não apenas no âmbitoda gestão empresarial mas, também, na for-mulação de políticas tecnológicas e de desen-volvimento econômico. A qualidade apareceexcessivamente abrangente e analiticamentemuito heterogênea, entre outros motivos pornão se diferenciarem seus aspectos técnicos emercadológicos, conforme veremos adiante.

Não existe o que se poderia chamar deuma Teoria da Qualidade, ou seja, um conjun-to de conhecimentos que explique por quemuda e como muda a qualidade, como se dãoos saltos em qualidade.

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A literatura tradicional da área restringe-sea uma visão micro. A qualidade é pouco estu-dada enquanto fator de concorrência que searticula com questões como o mercado e asmudanças tecnológicas.

Por outro lado, recentemente, vememergindo a discussão sobre a qualidade co-mo fator de desenvolvimento econômico, ten-do como referência experiências bem-sucedi-das de industrialização de países como oJapão e a Coréia.

As áreas afetas aos estudos de estruturasde mercado e de mudança tecnológica, comoa Organização Industrial (OI) e a Economiada Tecnologia, dão um tratamento bastantegenérico e superficial à qualidade, conformeveremos ao longo do texto.

Após termos constatado a relevância daqualidade e a ausência de um tratamentoteórico mais adequado, passaremos, a seguir,a apresentar os conceitos existentes de quali-dade e a discutir as formas pelas quais ela in-terage com o ciclo de produção e situa-se emrelação ao paradigma Estrutura-Conduta-De-sempenho da Organização Industrial e em re-lação ao processo de mudança tecnológica.

o CONCEITO DE QUALIDADE

No dicionário Buarque de Holanda (1980),a qualidade, em seu sentido genérico, édefinida como "propriedade, atributo oucondição das coisas ou das pessoas capaz de distin-gui-las das outras e de lhes determinar anatureza". Assim, a qualidade seria uma pro-priedade inerente ao próprio produto.

Uma revisão da literatura, a partir dosprincipais autores da área de qualidade, per-mite identificar a presença de duas vertentesna conceituação da qualidade.

A primeira enfoca a questão de um ponto devista mais próximo ao do usuário/consumidore define qualidade como "adequação ao uso".

Segundo essa visão, um produto tem quali-dade quando está de acordo com as necessi-dades e anseios do consumidor.

A segunda vertente privilegia o ponto devista do fabricante e define qualidade como"conformidade com especificações" de pro-dução.

Essas vertentes representam dois enfoquesdistintos e complementares da qualidade den-tro da atividade produtiva, estando associa-das a segmentos específicos do ciclo de pro-dução. Um enfoque é mercadológico e o outro,técnico.

O ciclo de produção desempenhado pelasempresas dá-se em quatro etapas.

A primeira etapa reúne a identificação denecessidades, a concepção e o projeto do pro-

duto. Nessa etapa, são definidas as especifi-cações e o desempenho esperado do produto.A qualidade aqui é a de projeto do produto, aqual é definida pela estratégia de mercado e édeterminada pela capacitação tecnológica ede realização de projeto da empresa.

A segunda etapa consiste no planejamentodo processo e na definição da capacidade pro-dutiva. Aqui, as condições de produção, oscoeficientes técnicos e a capacidade do pro-cesso são estabelecidos. A qualidade nesse es-tágio é a de projeto do processo, e está estrei-tamente vinculada à capacitação tecnológica ede engenharia da empresa.

Em seguida, ocorre a etapa de produçãopropriamente dita, que engloba o suprimentode matérias-primas, a fabricação, o controleda qualidade, o gerenciamento da produção eoutras atividades pertinentes. Nessa etapa,buscam-se atingir as especificações do produ-to e a produtividade do processo, definidasnas etapas anteriores. A qualidade queaparece nessa etapa é a de conformidade etem como principal determinante a capaci-dade gerencial e de utilização dos recursos.

A etapa final é a comercial, envolvendo asatividades de venda, marketing e, dependen-do do tipo de produto, também as atividadespós-venda, tais como a assistência técnica ede realimentação de informações do mercadopara a reavaliação do projeto. A qualidadenesse estágio é a de comercialização e tem co-mo principais determinantes a capacidadecomercial e de assistência pós-venda.

Tendo em vista essas quatro categorias daqualidade, é possível observar que enquanto"adequação ao uso", a qualidade está associa-da à capacidade de a empresa servir ao mer-cado (habilidade comercial), e a "conformi-dade com especificações" está associada àcorreta execução dos procedimentos técnicosenvolvidos no processo produtivo; em outraspalavras, está associada à capacidade produ-tiva da empresa. Assim, as atividades dequalidade na primeira e quarta etapas (pré epós produção) estariam voltadas para a ade-quação ao uso e, na segunda e terceira etapas,que constituem os estágios produtivos, esta-riam concentradas na conformidade com es-pecificações.

A qualidade final, ou qualidade resultante,seria o resultado da correta execução e de-sempenho em cada uma dessas etapas do ci-clo de produção. Assim, é de esperar-se quedentro das empresas a função qualidade sevolte para todas as atividades que envolvamo projeto, a produção e a comercialização doproduto. A qualidade resultante, portanto, se-ria a síntese entre a produção e o mercado,não se devendo. perder de vista que ela as-

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3. GARVIN, DA "What DoesProduct Quality ReallyMean?" Sloan ManagementReview, Fali, 1984, pp. 25-43.4. Idem, ibidem.

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sume características distintas conforme sejapensada segundo a lógica da técnica ou se-gundo a lógica do mercado.

Garvin", a partir das visões de qualidadeda Economia, Marketing e Engenharia, procu-rou sistematizar os diversos conceitos e iden-tifica cinco enfoques principais para se definirqualidade:

1. enfoque transcendental2. enfoque baseado no produto3. enfoque baseado no usuário4. enfoque baseado na fabricação5. enfoque baseado no valor

1. Enfoque transcendentalSegundo este enfoque, a qualidade é sinô-

nimo de "excelência nata". Ela é absoluta euniversalmente reconhecível. Entretanto, aqualidade não poderia ser precisamente de-finida, pois ela é uma propriedade simples enão analisável, que aprendemos a reconhecersomente através da experiência.

2. Enfoque baseado no produtoPor este enfoque, a qualidade é definida

como uma variável precisa e mensurável, e asdiferenças na qualidade refletem-se nas carac-terísticas possuídas por um produto. Assim,existe a possibilidade de hierarquização daqualidade, classificando-se os produtos se-gundo as características que possuem. Essavisão contém dois pontos fundamentais:primeiro, a qualidade é uma característicainerente aos produtos e pode ser avaliada ob-jetivamente; segundo, uma qualidade melhorsó pode ser obtida a custos maiores, uma vezque a qualidade se reflete nas característicasque um produto contém e, como as caracterís-ticas são elementos valoráveis na produção,os produtos com qualidade superior serãomais caros.

3. Enfoque baseado no usuárioEste enfoque parte da premissa oposta, se-

gundo a qual a qualidade está associada auma visão subjetiva, do observador / consu-midor, baseada em preferências pessoais. Su-põe-se que os bens que melhor satisfazem aspreferências do consumidor são aqueles porele considerados como tendo alta qualidade.Daí derivou o conceito de adequação ao uso.

4. Enfoque baseado na fabricaçãoAs definições baseadas na fabricação iden-

tificam a qualidade como conformidade comespecificações. Uma vez que uma especifi-cação de projeto tenha sido estabelecida, qual-quer desvio significa redução na qualidade;portanto, identifica-se excelência com o

atendimento de especificações, independente-mente do conteúdo (ou qualidade intrínseca)da especificação.

De acordo com o enfoque baseado na fabri-cação, as melhorias na qualidade, que sãoequivalentes às reduções na porcentagem dedefeituosos (produtos não conformes), levama custos menores, uma vez que prevenir aocorrência de defeitos é considerado maiseconômico do que corrigi-los depois.

5. Enfoque baseado no valorAqui se define qualidade em termos de

custos e preços. De acordo com esse enfoque,um produto de qualidade é aquele que apre-senta desempenho a um preço aceitável e/ ouconformidade a um custo aceitável. Assim,um produto extremamente caro, em relaçãoao poder de compra do mercado, não impor-tando quão bem feito ele é, não poderia serconsiderado um produto de qualidade, poisteria poucos compradores. A dificuldade dese empregar essa abordagem estaria na uniãode dois conceitos correlatos, mas distintos, aqualidade e o valor, que não possuem limitesbem definidos, o que' complica qualquer ope-racionalização.

A coexistência desses diferentes enfoquesexplica os conflitos sobre qualidade entre, porexemplo, a área de Marketing, onde predomi-nam os pontos de vista baseados no produtoe/ ou no usuário, e a área de Produção, comênfase na fabricação. Segundo Garvin, a pardo potencial de conflito, é útil cultivar taisperspectivas diferentes, pois são essenciaispara a introdução bem-sucedida de produtosde alta qualidade.

Carvin' identifica ainda oito dimensõescom vistas a desagregar a qualidade em seuselementos básicos:

1. desempenho (função primária do produto)2. características(função secundária, acessórios)3. confiabilidade4. conformidade5. durabilidade6. assistência técnica7. estética8. qualidade observada

Juntas, essas oito dimensões da qualidadecobrem um vasto conjunto de conceitos. Hádimensões que envolvem atributos mensu-ráveis do produto e outras não. Algumas sãoobjetivas e não são influenciadas pelo elemen-to tempo. Há ainda as que são inerentes aosprodutos, enquanto que outras são associa-das. A confiabilidade, a conformidade, adurabilidade e a assistência técnica são di-mensões que envolvem atributos mensu-

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dade, promoções etc.) até a diferenciação dosprodutos em termos de imagem, variedade(modelos, tipos etc.) e de suas característicasfísicas (qualidade etc.), Nosso interesse aquise centra mais especificamente na concorrên-cia por diferenciação do produto.

Steindl' define a diferenciação de produtocomo o oferecimento de tipos, modelos e qua-lidade diferentes dos concorrentes. Podería-mos dizer que a diferenciação de produtos en-volveria mudanças em dois níveis: mudançasque alteram apenas a aparência e mudançasque alteram a estrutura física do produto que,supõe-se, melhorem a sua qualidade, emboraisso não necessariamente deva ocorrer.

De modo geral, a Teoria Econômica trata aconcorrência por diferenciação de produto,genericamente, como concorrência em quali-dade. Steindl também faz essa associação. As-sim, de acordo com ele, a concorrência unica-mente por publicidade, por exemplo, tambémseria uma forma de concorrência em quali-dade, uma vez que procura, ainda que atravésda persuasão, não só informar o consumidor,mas, principalmente, desenvolver uma ima-gem de diferenciação do produto em relaçãoaos concorrentes, mesmo que essa diferençaseja fictícia.

Entretanto, essa generalização emprestasentido demasiadamente amplo à qualidade.A nosso ver, isso confunde mais do que es-clarece e ainda contribui para maior desgasteda palavra qualidade, uma vez que se esta-riam considerando também formas de con-corrência que não dizem respeito à qualidadepropriamente dita dos produtos.

Podemos pensar em três tipos de diferen-ciação de produto:

ráveis do produto e são objetivas. O desem-penho e as características podem envolverpreferências pessoais; finalmente, a estética ea qualidade observada são as mais subjetivas.

Cada dimensão da qualidade impõe suaspróprias exigências à empresa. Alto desem-penho exige que se dê prioridade ao projeto,além de boa capacidade das áreas de enge-nharia e de projetos; durabilidade superior re-quer componentes mais duráveis; já a con-formidade superior implica em rigorosocumprimento das especificações na produção;e ótima assistência técnica pressupõe um sóli-do departamento de serviços ao consumidor ecompetentes representantes de campo. Em ca-da caso, uma função distinta assume o papelprincipal, sendo necessárias diferentes priori-dades para se atingir a meta pretendida.

O reconhecimento dessas dimensões daqualidade é importante do ponto de vista dadefinição da estratégia de concorrência.A com-petição em qualidade toma-se uma questãocomplexa, uma vez que o produto pode sediferenciar em uma multiplicidade de dimen-sões; ao mesmo tempo, permite que se identi-fiquem nichos para concorrência em qualidade.

QUALIDADE, DIFERENCIAÇÃO DEPRODUTO E ESTRUTURA DE MERCADO

Concorrência por Produto e Concorrênciaem Qualidade

Para os neoclássicos, os produtos das fir-mas de uma indústria são tratados como ho-mogêneos; tudo se passa como se não existis-sem diferenças em qualidade. O produto setransforma num índice, onde o que conta sãoo preço e a quantidade. Os preços e quanti-dades representariam o mecanismo de ajustedo sistema econômico. A partir de Schum-peter é que se adota um conceito de concor-rência mais amplo, via produto. Nesse caso, oproduto é visto como passível de mudanças esão as possibilidades de diferenciação que de-terminam a estratégia de concorrência. Acompetição passa a envolver também a mu-dança técnica, os esforços de venda e varia-ções de qualidade. A inovação toma-se umelemento interno ao sistema econômico,transformando-se no motor de sua evolução.

A estratégia de concorrência de uma em-presa pode apoiar-se em duas linhas de açãobásicas: concorrência por preço e concorrênciapor produto.

A concorrência por produto abrange umespectro bastante amplo de estratégias, envol-vendo desde a localização dos postos de dis-tribuição e vendas do produto, serviços ofere-cidos pela empresa (como assistência técnica,garantias etc.), esforço de vendas (publici-

1. diferenciação de imagem2. diferenciação de modelos e tipos3. diferenciação de características físicas

A diferenciação de imagem é desenvolvidaatravés da publicidade e de outras atividadespromocionais e seu objetivo é criar uma ima-gem diferente de produtos semelhantes. Essetipo de diferenciação tem, por!anto, dimen-são essencialmente subjetiva. E o caso, porexemplo, de diferentes marcas de xampus ecosméticos que nada ou pouco variam emsuas características intrínsecas; as diferençasque o consumidor supõe existir, muitas ve-zes, se sustentam apenas na publicidade.

A diferenciação de modelos e tipos dá-seatravés de modificações superficiais sobre odesign e estilo do produto, sem alterar a suanatureza ou estrutura, Essa diferenciação temdimensão objetiva em pequena escala e prin-cipalmente subjetiva, embora inferior ao caso

5. STEINDL, J. Maturidade eestagnação no capitalismoamericano. Colêção os Eco-nomistas. São Paulo, Abril,1983.

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6. SCHERER, EM. Industrialmarket structure and eco-nomic performance. Chica-go, Rand McNally, 1970.

7. GEORGE, K.D. & JOLL, C.Organização Industrial: con-corrência, crescimento emudança estrutural. Rio deJaneiro, Zahar, 1983.

9. SCHERER, F.M. Op. cit.10. STEINDL, J. Op. cit.11. SCHERER, EM. Op. cit.

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anterior. Ela está presente em bens de con-sumo duráveis, tais como eletrodomésticos eprincipalmente na indústria automobilística,através dos vários modelos de veículos quesão lançados ano a ano com mudanças de de-senho, lanternas etc.

O terceiro tipo representa a diferenciaçãode produtos através de características físicas eestruturais que alterem a sua qualidade. Seria,portanto, uma diferenciação de caráter maisobjetivo que pode significar melhoria efetivana qualidade do produto mediante incorpo-ração de aperfeiçoamentos de desenho, es-pecificações, segurança, desempenho e dura-bilidade. Esse tipo aparece em indústrias co-mo a automobilística (através de mudançasno peso, projeto e aerodinâmica que im-pliquem melhorias de rendimento e estabili-dade do automóvel) e principalmente na in-dústria de bens de capital.

E preciso deixar clara a dificuldade de seisolar, para efeito de análise, a concorrênciaem qualidade stricto sensu da concorrênciapor diferenciação de produto. Ao longo dotexto, sempre que nos referirmos à diferen-ciação de produto, procuraremos associar àmesma o tipo que está sendo considerado.

O quadro 1 relaciona os tipos e meios dediferenciação com os tipos de produto.

Para cada tipo de produto e indústria,tende a predominar um tipo de diferenciação,e a política de qualidade a ser adotada estáassociada ao mesmo.

A diferenciação de produtos, em suas di-versas formas, traz reflexos tanto sobre a es-trutura de mercado como para os consumi-dores. Como elemento da estrutura de merca-do, a diferenciação, quando auxiliada por in-tensa publicidade, tende a fortalecer a posiçãocompetitiva das empresas que já se encon-tram no mercado, em detrimento da concor-rência potencial daquelas interessadas em en-trar nele. Scherer" e George & JolF observamque, em mercados onde prevalece a diferen-

ciação, o alto nível de despesas com publici-dade e promoção pode criar barreira efetiva àentrada, mesmo quando não existam econo-mias técnicas de escala significativas. E adiferenciação de produto agiria, dessa forma,como elemento de concentração de mercado.George & Jo1l8citam o mercado de deter-gentes na Inglaterra como um caso em que asbarreiras à entrada não seriam causadas poreconomias técnicas de escala, mas pela multi-plicidade de marcas e por elevados níveis depublicidade. Os gastos com publicidade de al-gumas marcas chegariam a 18,5% dos preçosde varejo.

Em princípio, a estratégia de diferenciaçãomais desaprovada é a de imagem e a decaráter superficial sobre o estilo e desenho doproduto (variações de modelos e tipos).

A diferenciação de imagem, eventual-mente, poderia ser benéfica, do ponto de vistado consumidor, na medida em que o auxi-liasse a selecionar produtos de melhor quali-dade. E a expectativa de que ele volte a com-prar produtos bons e rejeite produtos ruinsmotivaria o produtor a manter padrões ade-quados de qualidade. Entretanto, é ques-tionável o caráter informativo da publicidade,uma vez que as informações veiculadas, fre-qüentemente, não correspondem à realidade.Até que ponto a publicidade é informativa, enão persuasiva, tem sido uma questão bas-tante controvertida, observando-se na práticaque ambos os aspectos nela estão contidos.Scherer" afirma que, na publicidade, a infor-mação e a persuasão estão relativamenteequilibradas. Steindl'? também considera quea publicidade e a diferenciação de imagemtêm papel fundamentalmente de persuasãodo consumo.

Scherer" aponta três possibilidades para seassegurarem das vantagens da diferenciaçãode imagem: a implantação de um sistema uni-forme de níveis de qualidade por produto eindústria; a publicação por órgãos estatais de

Quadro 1: Tipos de produto versus tipos e meios de diferenciação.

TIpos de Diferenciaçio Meios de Díferencfaçio Produtollndústria

-Irnaqem - Publicidade - Bens de consumo não duráveis

- Modelos e Estilos • Mudanças superficiais • Bens de consumo duráveisno desenho-

- Mudanças na qualidade ~iii~imllil• Bens intermediários• Características físicas (especlficações, desempenho, • Algumas indústrias de

durabilidade etc.) bens de consumo duráveis

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12. LABINI, P.S. Oligopólio eprogresso técnico. Rio deJaneiro, Forense, 1980, P.116.13. STEINDL, J. Op. cit.

QUALIDADE, ESTRUTURA DE MERCADO ...

com oscilações, se as empresas introduziremsempre novas qualidades nos produtos.

Segundo Steindl", a estratégia de diferen-ciação de produto também 'seda superior à deredução de preços, em função do grau de difi-culdade do comprador para comparar racio-nalmente os diversos produtos disponíveis.Segundo esse autor, as diferenças de quali-dade tornariam o comprador menos sensívelà concorrência de preços, dentro de certoslimites, de forma tal que o ponto em que aconcorrência em qualidade deixa de ser supe-rior é tanto mais elevado quanto maior for adificuldade de se avaliar racionalmente aqualidade. Ele observa ainda que, com a di-fusão de um produto, pode aumentar a ca-pacidade de julgamento sobre ele; conseqüen-temente, a estratégia de diferenciação podemostrar-se menos eficaz que a concorrênciade preços. Note-se que, nesse raciocínio doautor, está implícita a idéia de uma diferen-ciação de produto muito mais fictícia do quereal e calcada na publicidade.

Se, por um lado, a concorrência por dife-renciação de produto e qualidade significaelevação dos custos de produção - por agirem sentido contrário à padronização, aosgrandes lotes de produção e à economia deescala e, ainda, em virtude dos custos associa-dos a uma qualidade superior - por outro la-do, beneficia a empresa, à medida que propi-cia a obtenção de receitas extraordinárias,através da expansão do mercado e/ou da ele-vação de preços. Dessa forma, poderíamospensar que existe um nível ótimo, do pontode vista da empresa, para a concorrência emqualidade, no qual a diferença entre as re-ceitas extraordinárias obtidas e a elevação doscustos é máxima.

Qualidade e Estrutura de MercadoAqui procuramos discutir como a diferen-

. ciação de produto e a concorrência em quali-dade se situám face à estrutura de mercado,ou seja, examinamos as possibilidades de con-corrência em qualidade de uma empresa, apartir da sua inserção em determinada estru-tura de mercado. Parte-se do pressuposto deque diferentes tipos de estrutura de mercadoinfluenciarão diferentemente o comportamen-to da empresa em qualidade.

A prática de diferenciação de produto nãoé uma simples questão de opção da indústrianem depende somente da capacidade ino-vadora das empresas ou de características daestrutura de mercado que propiciariam ouinibiriam esforços nessa direção. Antes disso,há certas características dos produtos e deseus consumidores que parecem condicionara tendência da indústria para a diferenciação

relatórios de avaliação da qualidade dos pro-dutos; e o estímulo à organização e atuaçãode associações de defesa dos consumidores.

A diferenciação mediante a introdução decaracterísticas adicionais ao produto pode terum custo maior que a realizada através demelhorias na qualidade das características jáexistentes e mais desejáveis do produto. Ouseja, embora não se disponha de dados, é ra-zoável esperar que a diferenciação por mode-los e estilo represente um ônus maior para asociedade do que a feita com base na quali-dade stricto sensu.

A qualidade, enquanto forma de diferen-ciação de produto, é, portanto, resultado deuma estratégia de concorrência empresarial,circunscrita ao tipo de produto/indústria.Deve, pois, ser entendida como estratégia,ou seja, como meio para se aumentar a ca-pacidade competitiva da empresa e não co-mo um fim em si mesma. Assim, a qualidadeé considerada pela empresa em relação à suacapacidade de aumentar sua participação nomercado (vendas) e a lucratividade; nessestermos, a estratégia de qualidade passaria,ao menos teoricamente, pela avaliação da re-lação custo-benefício. Uma questão quesurge na prática se refere às dificuldadesteóricas e .de análise quantitativa da quali-dade, por exemplo: como fazer o cálculoeconômico entre melhoria da qualidade e lu-cro esperado? Além disso, nesse caso, a con-corrência por preço é substituída por umasituação muito mais complexa, na qual asempresas concorrem por meio de uma com-binação de preço, diferenciação do produto egastos de vendas.

Enquanto a alteração de preços está sujeitaa uma resposta imediata dos opositores, a·diferenciação de produto, particularmente emqualidade, requer dos concorrentes esforçosque poderão apresentar resultados somente amédio ou longo prazo; portanto, assegura,por mais tempo, uma posição vantajosa paraa empresa detentora da iniciativa. Essa em-presa poderia obter, assim, algumas carac-terísticas de monopólio durante certo períodode tempo. Entretanto, caso não existam obs-táculos objetivos como, por exemplo, de des-continuidade tecnológica, não há razão parase supor que, a longo prazo, as empresas con-correntes não realizem, com sucesso, imi-tações. Labini" nos lembra de que a receitaextraordinária derivada da qualidade especí-fica de um produto deixará de existir, ao lon-go do tempo, em conseqüência das reaçõesdos concorrentes que, por sua vez, intro-duzirão a nova qualidade nos seus produtos;mas o fluxo total de receitas extraordináriasdesse tipo pode perpetuar-se, mesmo que

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14. GUIMARÃES, E.A. Acu-mulação e crescimento dafirma, um estudo de organi-zação industrial. Rio deJaneiro, Zahar, 1980.

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de produto e, conseqüentemente, para as pos-sibilidades de concorrência em qualidade.

Os produtos podem ser classificados, entreoutras alternativas, de acordo com o númerode critérios utilizados pelo consumidor paraescolher entre produtos substitutos. Para de-terminados produtos, dado o propósito dosmesmos, a escolha do consumidor podebasear-se em uma única característica, como éo caso, por exemplo, de determinadas maté-rias-primas. Além disso, podem existir tam-bém restrições quanto à própria natureza doproduto que dificultariam mudanças nas suascaracterísticas. Ambas as limitações ou nãopermitem ou deixam margem muito pequenapara mudanças, não possibilitando aos produ-tores competirem através da diferenciação deproduto. Tais produtos são tradicionalmenteclassificados como "homogêneos". Exemplosdeles são aço, ferro, cimento, entre outros.

Por outro lado, existem casos em que a es-colha do consumidor se baseia na avaliaçãode múltiplas características dos produtos. E ocaso, por exemplo, de um automóvel, em quea escolha do consumidor se baseia em diver-sas características, como os custos demanutenção, desempenho, conforto, statusetc. Além disso, os diferentes consumidores,induzidos ou não, poderiam atribuir graus deimportância diferentes a cada característicado produto, o que deixa uma margem de per-suasão para as empresas e, ao mesmo tempo,permite que adotem políticas distintas dediferenciação de produto. Nas indústriasonde isso ocorre, existe maior margem paradiferenciação, sendo possível, em princípio,modificar o produto segundo cada uma dasdimensões pelas quais ele é avaliado. Essesprodutos podem ser classificados como"diferenciados" ou "heterogêneos".

A partir da dicotomia acima (produtos ho-mogêneos e diferenciados) e da dicotomia en-tre poucos e muitos produtores (mercadosoligopolista e competitivo) e considerandoainda as possíveis combinações entre os doismecanismos de competição, por preço e porproduto, Guimarães" identifica quatro tiposde mercado: o mercado competitivo homogê-neo, onde existe competição por preço, masnão por diferenciação de produto; o mercadocompetitivo diferenciado, onde ambos osmecanismos de competição, por preço e pordiferenciação de produto, estão presentes; omercado oligopolista homogêneo, onde nãoocorre nem competição por preço, nem pordiferenciação de produto; o mercado oligo-polista diferenciado, onde existe competiçãopor diferenciação de produto, mas não porpreço.

Os setores competitivos ou não oligopóli-

cos constituem um tipo de estrutura de mer-cado caracterizada por baixa concentração,presença minoritária de grandes empresas naliderança e inexistência de barreiras à entradade pequenos produtores. Pode-se separar osetor em duas categorias: uma cuja produçãoé constituída de produtos homogêneos, e ou-tra com produção diferenciada.

Uma empresa que se insere num mercadocompetitivo de produtos homogêneos teriapoucas oportunidades para diferenciar seusprodutos em relação à concorrência. Emboradeterminados produtos sejam passíveis demelhoria na sua qualidade intrínseca, a em-presa não estaria estimulada para empreen-der tais melhoramentos, pois isso poderia sig-nificar elevação dos custos em relação à con-corrência. Além disso, em face do caráter ho-mogêneo do produto, a superioridade de de-terminada marca dificilmente se evidenciariano mercado, a não ser através de muito inves-timento no esforço de vendas, elevando aindamais os custos da empresa. Nesse mercado, atendência é haver uma qualidade média, da-da pela natureza do produto e pelo estágio dedesenvolvimento tecnológico do seu processode obtenção, e seguida por todos os produ-tores.

As características estruturais do mercadocompetitivo homogêneo induzem, portanto, àcompetição essencialmente por preço, umavez que é possível aumentar a participação deuma empresa no mercado através de cortesde preços que não podem ser acompanhadospelos produtores marginais. Esse mercado éconstituído, predominantemente, por produ-tos intermediários para o consumo.

No mercado competitivo diferenciado, ograu presente de heterogeneidade dos produ-tos permite às empresas concorrerem atravésda diferenciação de produtos, tanto em ter-mos de qualidade como de diversificação demodelos, complementando ou substituindo acompetição por preços. Através da segmen-tação do mercado, por faixa de consumidores,pode-se concorrer mediante inúmeras marcasde produtos que representam diferentes re-lações de preço e qualidade. Os setores repre-sentativos desse mercado são, na maioria,constituídos por bens de consumo nãoduráveis, como as confecções, e por algunsbens de consumo duráveis, como é o caso daindústria de móveis.

O mercado oligopolista homogêneo carac-teriza-se por: elevada concentração técnica eeconômica, graças à qual um número reduzi-do de grandes empresas absorve parcela con-siderável da demanda; existência de significa-tivas barreiras à entrada, minimizando a pos-sibilidade de eliminação mútua; existência de

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RAE QUALIDADE, ESTRlITURA DE MERCADO ...

significativos diferenciais de custos, refletindoeconomias de escala e de técnicas de pro-dução; e um produto razoavelmente homogê-neo e pouco passível de diferenciação.As em-presas, nesse mercado, admitem a interde-pendência de seus comportamentos e aderem,tacita ou explicitamente, a acordos de preços,uma vez que a elasticidade da demanda é in-finita e pequenos cortes de preços conseguemdeslocar grandes parcelas das vendas doscompetidores, o que poderia levar a uma re-taliação mútua. Algumas indústrias represen-tativas desse mercado são: cimento, papel,siderurgia, elementos químicos, fertilizantes,combustíveis e lubrificantes etc.

Em face da não concorrência por preço eda homogeneidade dos produtos, a estratégiade crescimento e acumulação dessas indús-trias fundamenta-se, basicamente, na buscade vantagens comparativas de custos atravésde inovações de processos e de técnicas deprodução. Não haveria, portanto, aí, espaçopara concorrência em qualidade.

O mercado oligopolista diferenciado, alémdas características do oligopólio homogêneo,apresenta a competição por diferenciação deprodutos, que desempenha papel fundamen-tal na concorrência entre as empresas. A exis-tência de barreiras à entrada e o elevado nívelde concentração da indústria permitem suporque as firmas marginais apresentem resistên-cia financeira e taxa de lucro particularmenteelevadas, o que inviabilizaria a variação depreços como um mecanismo de competição.Entretanto, segundo Guimarães, alguns fa-tores tornam mais difícil o acordo de preçosno oligopólio diferenciado em relação ao ho-mogêneo: "o caráter multidimensional da com-petição, que dificulta a obtenção de acordos tácitos;a necessidade de uma nova rodada de decisões so-bre preços cada vez que um novo produto é intro-duzido no mercado; e as diferenças entre os produ-tos, que podem permitir variações de preços semprovocar retaliações" 15.

Esse mercado é constituído por bens deconsumo duráveis dos ramos de material detransporte, como veículos automotores, e deeletrodomésticos, como rádios, televisores, re-frigeradores etc. A concorrência por quali-dade e, principalmente, por diferenciação demodelos, como é o caso na indústria automo-bilística, é preponderante para a capacidadecompetitiva de tais indústrias. O mercadooligopolista diferenciado é constituído tam-bém por alguns setores de bens de consumonão duráveis, como cigarros, produtos farma-cêuticos, perfumaria e laticínios, em que aconcorrência é fundamentalmente baseada namultiplicidade de marcas, sem alterações deconteúdo dos produtos, e por esforço de ven-das.

O quadro 2 apresenta, grosso modo, um re-sumo das estratégias de concorrência por tipode estrutura de mercado

Existiria maior espaço para a concorrênciaem qualidade, tanto no mercado competitivodiferenciado, como no oligopolista diferencia-do. O que distingue as duas situações é queno mercado competitivo diferenciado a com-petição por preços coexiste com a competiçãopor diferenciação de produto. Enquanto acompetição por preços é, em geral, amorteci-da nas indústrias concentradas, a competiçãopor diferenciação de produto deverá ocorrersempre que as características da indústriatornem viável essa forma de competição,sendo razoável esperar que maior concen-tração possa contribuir para maior capaci-dade de diferenciação.

O fato de outras indústrias não apre-sentarem vocação para diferenciação de pro-duto não significa, em princípio, que seja im-possível a introdução de modificações e me-lhorias na qualidade. O que se está admitindoé a inexistência ou a dificuldade de se gerarum fluxo contínuo de inovações nos produtosdessas indústrias, que permita o recurso àdiferenciação como estratégia de concorrên-

Quadro 2: Estrutura de mercado e estratégia de concorrência.

Estrutura Estratégia de Concorrência

de Imagem e Inovaçi:JesPreço Qualidade ModeJos Técnicas

mercado (OlJsign)

Competitivo homogêneo X

Competitivo diferenciado X X X

Oligopólio homogêneo X

Oligopólio diferenciado X X 15. Idem, ibidem, p. 43.

41

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QUAUDADE, ESTRUTURA DE MERCADO ... RAE

16. ARROW, K.J. Economicwelfare and allocation of re-sources for invention in TheRate an Direction on Inven-tivity Ativity. Princeton,1962.17. NELSON, R.R. & WIN-TER, S.G. An evolutionarytheory of economic change.Mass., Harvard Press, 1982.18. ARROW, K.J. Op. cit.

19. LABINI, P.S. Op. cit.

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cia. Assim, pO.rexemplo, embora seja difícil adiferenciação. de um produto. cO.mO.O.cimento,são. possíveis, em princípio, alterações nassuas características físico-químicas, de modoque melhore a sua qualidade em termos derendimento. e resistência.

Contudo, é importante não. perder de vistaque não. só a concentração industrial e O.Scritérios segundo. O.Squais O.produto. é avalia-do. pelos compradores potenciais, mas tam-bém as características tecnológicas, as funçõesbásicas do. produto e ainda a natureza do.mercado. consumidor da indústria são. ele-mentos fundamentais na determinação. dadiferenciação. de produto. e da concorrênciaem qualidade.

QUALIDADE E MUDANÇA TECNOLÓGICA

Uma questão. polêmica entre neoclássicos eschumpeterianos é quanto' à mudança técnica.

A Teoria Neoclássica tradicional supõe quea informação tecnológica seja plena e igual-mente disponível a todas as firmas e que estasescolham as alternativas técnicas que maxi-mizem O.lucro, face às condições externas.Trata-se de um mundo. de omníscíentes, deconhecimento perfeito. das funções de pro-dução, onde O.Snovos investimentos seriamsempre em tecnologias de melhor prática enão. existiriam incertezas sobre as característi-cas das novas tecnologias, As firmas adota-riam, a cada instante, a técnica mais adequa-da e estas se difundiriam como epidemia ...

A partir do. trabalho. de Arrow", da cor-rente Schumpeteriana, passou-se a valorizar O.papel das pequenas inovações técnicas loca-lizadas, que ocorreriam de forma endógena ea partir da própria utilização. dos métodos eprocessO.s produtivos existentes. Reconhece-se O.caráter cumulativo. e incerto. do. processo.de decisão. e aprendizagem tecnológica em di-reção. à melhor prática.

Nelson & Winterl7, na direção. do. trabalho.de ArrO.w18, desenvolveram uma teoria da fir-ma (Teoria Evolucionária) que supõe ummundo. em transformação, com a possibili-dade de inovações incrementais de produto. eprocesso., a partir da própria firma. As opçõestecnológicas, bem corno a melhor prática, não.são. dadas, a firma procura-as e as aperfeiçoaa partir de esforços e ações próprias.

As firmas, em qualquer momento, são. vis-tas como possuindo diferentes capacidades,procedures e regras de decisão. que determi-nam O.que elas fazem, dadas as condições ex-ternas. Elas também se engajam em diferentespesquisas (search) e pO.risso. descobrem, sele-cionam e avaliam possíveis mudanças emsuas maneiras de fazer as coisas,

A TeO.ria Evolucionária evita O.ScO.mpO.-nentes analíticos neoclássicos baseados emfunções de produção. bem definidas e empre-ga em seu lugar conceitos como "regras dedecisão", "pesquisa (search)" e "seleção", quedenotariam as atividades e O.ambiente das fir-mas dirigidas para O.melhoramento da tec-nologia corrente, Essa Teoria Evolucionáriaforneceu, como veremos a seguir, as basespara uma tentativa de inserção. da qualidadeno.processo. de mudança técnica.

A noção dê progresso. técnico. O.uinovaçãotecnológica está associada a alterações nO.sprodutos, matérias-primas, processO.s (técni-cas de produção) e nos sistemas de produção.(formas de organização da produção) resul-tantes de modificações não. rotineiras das téc-nicas de engenharia e de gerenciamento.seguidas pO.ruma unidade produtiva.

A maioria dos textos sobre inovação tec-nológíca apóia-se no. trabalho. original deSchumpeter e apresenta três grandes fasespara O.prO.cessO.de inovação: invenção, ino-vação e difusão, as quais, ao. serem desagre-gadas, compõem as fases de pesquisa básica,pesquisa aplicada, desenvolvimento, enge-nharia, fabricação. e consumo,

Labini" conceitua três tipos de inovações: aprodução. de um novo bem, a variação. doscoeficientes técnicos na produção. dos já exis-

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perspectiva de longo prazo, a melhoria daqualidade obtida na produção e a produtivi-dade se confundem.

Segundo Kupfer", dentre as conceituaçõesutilizadas na análise de progresso técnico, anoção de "melhor prática" (best practice) é aque mais se relaciona com a qualidade, en-quanto habilidade produtiva ou técnica. Aqualidade, enquanto adequação ao uso quereflete a habilidade comercial da empresa, es-tá afeta ao campo da diferenciação de produ-to e estratégia de mercado e já foi abordadano capítulo anterior.

A discussão sobre "melhor prática" remeteà seleção entre alternativas técnicas e à ope-ração da técnica selecionada, isto é, à gestãotecnológica.

De acordo com esse autor, qualidade, me-lhor prática e gestão tecnológica estão interli-gadas. Ele sugere o conceito de "mudança téc-nica incrementaI", como ponto de partidapara associar esses aspectos ao processo demudança técnica como um todo. São dois ostipos de mudança técnica incremental: asadaptativas e as otimizadoras.

Pensando-se do ponto de vista de paísesnão desenvolvidos, as mudanças técnicasadaptativas correspondem às atividades téc-nicas que visam a adequar a base técnica,geralmente importada, a condições específi-cas e distintas daquelas que imperam naeconomia geradora de tal tecnologia.

As mudanças técnicas otimizadoras resul-tam das atividades que visam a maximizar orendimento operacional de uma dada tecnolo-gia produtiva já instalada e, diferentemente dasmudanças adaptativas, não envolvem alte-rações sensíveis nas instalações. Em princípio,as atividades otimizadoras são desenvolvidasao longo de toda a vida útil de uma dada tec-nologia produtiva instalada, sendo, normal-mente, conduzidas como rotina operacional.São determinadas por atividades tanto da áreaadministrativa/ gerencialcomoda área técnica.

Relacionando-se as atividades tecnológicasàs etapas do processo de mudança técnicamais amplo, temos que as atividades tec-nológicas inovadoras estão associadas à etapade geração e introdução de novas técnicas, asde tipo adaptativo correspondem à etapa dedifusão tecnológica, enquanto as atividadesotimizadoras estão vinculadas à operação detecnologias já difundidas.

A qualidade, enquanto habilidade produti-va (capacidade de adoção e execução da"melhor prática"), está circunscrita à área deatuação das atividades otimizadoras, ou seja,ocorre no nível das inovações menores.

Assim, o nível de qualidade alcançado poruma firma está diretamente associado à inten-

tentes e variação na qualidade dos produtos.Resumidamente, poderíamos dizer que a ino-vação está voltada para o desenvolvimento deprodutos novos ou melhores (de melhor qua-lidade) e processos novos ou melhores.

Scherer", citando uma pesquisa do Depar-tamento de Economia da McGraw-Hill, rea-lizada nos EUA,verifica que a grande maioriadas inovações nas empresas está voltada parao desenvolvimento de produtos novos oumelhores e apenas uma pequena parcela serefere ao desenvolvimento de melhores pro-cessos; 45% das empresas pesquisadas afir-maram que seu principal objetivo era o de-senvolvimento de novos produtos; 41%, queera a melhoria nos produtos existentes e ape-nas 14%das empresas, que era o desenvolvi-mento de novos processos. Esses números,entretanto, devem ser analisados tendo-se emmente que um produto novo de uma empresapoderá fazer parte do processo de outra em-presa; de qualquer forma, fica assinalado nes-sa observação do autor que a direção dos es-forços de inovação é mais no sentido do pro-duto do que no dos processos.

Os efeitospossíveis da inovação tecnológicapodem ser resumidos basicamente em: aumen-to da produtividade e melhoria da qualidade.

De modo geral, os estudos realizados naárea consideram, principalmente, os efeitosda inovação na produtividade, dadas as difi-culdades de se medirem as mudanças naqualidade do produto. Entretanto, Labini afir-ma que o progresso técnico, mais do que nacriação de novos bens e na redução dos coefi-cientes na produção de cada unidade do pro-duto, propicia a melhoria de qualidade doproduto mesmo quando os coeficientes técni-cos se mantêm inalterados. Não obstante, elepróprio reconhece que a avaliação dessa me-lhoria de qualidade no caso de bens de con-sumo é muito problemática. Scherer, por suavez, após analisar diversos estudos na área,observa que a proporção de esforços de ino-vação voltados para o aumento da produtivi-dade em relação à melhoria da qualidade éatualmente desconhecida; entretanto, tudo in-dica que essa relação deve ser grande em fa-vor da produtividade.

Alémdisso,as inovaçõescomvistasà melho-ria da qualidade muitas vezes visam mais di-retamente às operaçõesde produção, procuran-do melhorar a qualidade das matérias-primas ecomponentes, de maneira a assegurar maiorcontrole do processo e a reduzir os índices deperdas. Essas inovações estariam, portanto,muito mais próximas de um aumento de pro-dutividade do que da melhoria propriamentedita da qualidade intrínsecados produtos.

Deve ficar claro nesse ponto que, numa

20. SCHERER, F.M. Op. cit.

21. KUPFER, D. TecnologiaIndustrial Básica (TlB) eSistema Produtivo: Norma-lização e Qualidade Indus-trial e seus Aspectos Insti-tucionais no Brasil. Tese deMestrado, lEI/UFRJ, 1986.

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sidade e competência demonstradas na reali-zação do conjunto de atividades otimizadoras.

A capacidade de realização de atividadesotimizadoras de uma firma é determinadapor vasto espectro de fatores, endógenos eexógenos à firma.

Os fatores endógenos são essencialmente deordem organizacional e técnica. Estão incluídosaqui o estilo administrativo adotado; a políticade informação e desenvolvimento tecnológicoda firma; o status conferido a departamentoscomo P&D, Engenharia e Controle da Quali-dade; a qualificação da mão-de-obra de pro-dução, do corpo técnico e de engenharia; apolítica de modernização e reposição deequipamentos da empresa. Os fatores exógenosdizem respeito à estrutura de mercado e aospadrões de comportamento a ela associados, aonível de capacitação tecnológica e de formaçãoda mão-de-obra da sociedade e a oferta deserviços tecnológicosno país. •

Esses fatores não são independentes entre sinem complementares. São fortemente inter-relacionados, condicionando-se uns aos outros.A importância relativa desses fatores e seugrau de associação irão depender diretamentedas especificidades técnicas, econômicas ehistóricas que cada setor industrial apresenta.

Kupfer" atribui importância a três carac-terísticas setoriais para a determinação darelevância desses fatores:

1. ritmo do progresso técnico do setor2. direção dos fluxos interindustriais de normas3. margem de tolerância da indústria

Pensando-se mais especificamente na ca-pacidade de uma empresa produzir quali-dade, a partir de atividades tecnológicasotimizadoras, ela deve ser considerada emdois níveis: a capacitação para se gerar aqualidade de projeto (projeto do produto) e acapacitação para a qualidade de conformação.

A par das restrições econômicas e da es-tratégia de mercado, a qualidade de projeto édeterminada pela capacidade de inovação ede realização de projeto da empresa. Essa ca-pacidade é refletida, entre outros, pelos in-vestimentos e esforços em P&D, pelos recur-sos laboratoriais, pelo nível de capacitaçãotécnica do elenco de Engenharia e de Projeto,pela Engenharia da Qualidade e pelo acervode informações tecnológicas da empresa.

A qualidade de conformação, por sua vez,é determinada basicamente:

22. Idem, ibidem.

• pela capacidade do processo produtivo,ou seja, pelo nível tecnológico e de sofistica-ção das máquinas e equipamentos;

• pela capacidade do processo de trabalho,

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ou seja, pela qualidade da mão-de-obra pro-dutiva;

• pela capacitação em Tecnologia Industri-al Básica da empresa, em termos de desen-volvimento e aplicação de normas e padrões edos recursos de metrologia industrial;

• pela capacidade do Sistema de Controleda Qualidade, ou seja, pelo grau de controledo processo e pela capacidade de inspeção eacompanhamento da produção, em termos dematéria-prima, produto em processo e produ-to acabado. Aqui, a qualificação da mão-de-obra de inspeção, a capacidade dos equipa-mentos/instrumentos e laboratórios de en-saios, a Engenharia da Qualidade, o uso detécnicas de controle estatístico e a eficiênciados sistemas de informação para qualidadesão elementos fundamentais.

A busca de elevação da qualidade de con-formação, evidentemente, também exige es-forços tecnológicos voltados para aperfeiçoa-mentos do processo e dos materiais, demaneira que se obtenham melhorias na con-formação e redução nos índices de perdas.

As estratégias e a capacitação da empresaem relação às qualidades de projeto e de con-formação podem ser independentes e terdinâmicas próprias, em função da sua estraté-gia tecnológica mais ampla. Uma empresaoperando, por exemplo, com uma tecnologialicenciada, terá seus esforços voltados essen-cialmente para a qualidade de conformação e,caso haja o uso de marca do cedente, este nor-malmente também realizará auditorias para seassegurar da conformidade do usuário da li-cença às normas e especificações do projetooriginal. Esta seria a mesma situação de umaestratégia tecnológica dependente, que é o casode empresas subordinadas às empresas maisfortes. Tais empresas realizam mudanças técni-cas na qualidade de seus produtos somente apartir de solicitações dos clientes e com basenas especificaçõés técnicas fornecidas. Em umaestratégia tecnológica ofensiva e defensiva, acapacidade de desenvolvimento e domínio daqualidade de projeto são fundamentais para acapacidade competitiva da empresa e, conse-qüentemente, as áreas de P&D, Engenharia eProjeto devem ter um papel-chave.

Se, de um lado, o desempenho em quali-dade da empresa é determinado pela sua ca-pacidade tecnológica, de outro, o controle daqualidade pode ser visto como uma etapa noprocesso de sua capacitação tecnológica .

Na busca do desenvolvimento tecnológico,as empresas vencem etapas. E assim, gradual-mente, que se capacitam e respondem aos de-safios que o mercado lhes apresenta.

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23. KATZ, J. et alii. Produc-tividad, tecnologia y estuer-zos locales de investigaciony desarollo. ProgramaBID/CEPAL, Monograma deTrabajo nº 13, 1978.

QUAUDADE, ESTRUTURA DE MERCADO ...

2. a qualidade possui duas vertentes: umatécnica e uma mercadológica, e resulta deações desempenhadas ao longo de todo o ci-clo de produção (da concepção ao uso), po-dendo ser trabalhada como um elemento deintegração das diversas etapas do ciclo pro-dutivo;

3. a qualidade pode ser vista como um con-ceito-síntese entre produção e mercado, queremete a questões como produtividade, eficiên-cia e custos. O projeto seria o elemento-ponteentre o mercado e a produção, assegurando amanufaturabilidade com alta qualidade;

4. a qualidade do produto revela-se atravésde um conjunto de atributos de projeto e deprodução, o que abre um leque de possibili-dades para a concorrência em qualidade;

5. em relação ao paradigma estrutura-con-duta-desempenho, pode-se dizer que a qua-lidade é um elemento tanto da estrutura -condicionada ao mercado e ao tipo de pro-duto - como também de conduta e desem-penho. A estratégia de qualidade, por exem-plo, é ponto de relevo dentro das grandes.corporações, não só do ponto de vista mer-cadológico mas, também, integrada à estraté-gia de manufatura. A qualidade tem-se tor-nado ainda uma variável de desempenho,através da incorporação dos custos da quali-dade e de índices da qualidade na avaliaçãodo desempenho global da empresa;

6. a qualidade, enquanto habilidade produ-tiva (habilidade técnica), aproxima-se do con-ceito de "melhor prática" (best practice) e éaperfeiçoada a partir de um processo evoluti-vo de mudança técnica incrementaI. Esta últi-ma característica da qualidade remete àquestão da gestão eficiente da estrutura tec-nológica existente. Tal questão, por sua vez,leva à discussão da tecnologia industrialbásica como condição necessária ao processode melhoria da qualidade, urna vez que amesma está voltada para urna melhor gestãoda tecnologia em uso.

O aperfeiçoamento da qualidade da pro-dução industrial ocorre tanto a partir de açõesgerenciais (ações internas à empresa) corno apartir de políticas e ações a nível governa-mental. Do ponto de vista gerencial, tende aprevalecer atualmente a visão segundo a quala qualidade e a produtividade são duas va-riáveis positivamente correlacionadas, sendoque a qualidade do sistema produtivo (emseu sentido amplo) determina o desempenhoem produtividade desse sistema.O

Os arquivos, os bancos de dados, os re-latórios de ensaios e inspeção, de desempe-nho e de falhas de campo etc. da área de Con-trole da Qualidade constituem uma impor-tante fonte de informações para a capacitaçãotecnológica de uma empresa e são uma dasetapas a serem cumpridas nesse processo dedesenvolvimento.

Um estudo de caso realizado por Katz etalii" é bastante elucidativo para a questão darelação mercado-tecnologia-qualidade. Osautores, estudando a evolução tecnológicade uma fábrica de rayon de uma subsidiáriaargentina da Du Pont americana, apresen-tam-nos um exemplo de como os esforços demelhoria da qualidade são determinadospor pressões de mercado, ainda que eles im-pliquem necessariamente uma estratégiaconcomitante de investigação experimentale de desenvolvimento de novos conheci-mentos tecnológicos. Enquanto a empresaoperou em condições de monopólio, com omercado assegurado, seu objetivo básico eraproduzir mais, ficando os aspectos de quali-dade num segundo plano. Com a entrada nomercado de um concorrente, observou-se aintensificação dos esforços tecnológicos comvistas à melhoria da qualidade, diversifi-cação dos tipos de produtos e mudanças dasmatérias-primas. A estratégia de qualidadeda empresa fixou-se em três bases: ospadrões teóricos dados pela matriz; as exi-gências do mercado; e a qualidade da con-corrência. A qualidade e os esforços tec-nológicos necessários a sua melhoria pau-taram-se pela compreensão das variáveisbásicas determinantes da qualidade do pro-duto, suas correlações, e o peso relativo decada uma nos índices da qualidade final doproduto. A partir de uma concorrênciamaior no mercado, observou-se na empresamelhoria da qualidade ao longo do tempo,uma estratégia de qualidade superior à daconcorrência e o desenvolvimento de es-forços tecnológicos significativos para me-lhoria das variáveis associadas à qualidade.A partir do momento em que houve retraçãodo mercado, com o surgimento de um pro-duto concorrente (o nylon), o padrão de de-senvolvimento tecnológico passou a pautar-se principalmente pela redução de custos.

COMENTÁRIOS FINAIS

Delineamos, a seguir, algumas conclusõesque procuram resumir parte das questões queforam levantadas ao longo do texto:

1. a qualidade é um fator estratégico para acapacidade competitiva das empresas;

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