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ARTIGO ARTICLE 83 Qualidade do espaço e habitação humana Quality of space and human dwelling 1 Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1.480/6 o , 21041-210 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. [email protected] Jorge de Campos Valadares 1 Abstract This study focuses on human hous- ing, as a task involving constructing, inhabiting and understanding the world. This task starts with inventing one’s own body, the first instru- ment for living and one’s first dwelling place. Since humans are made up of memory and conviviality, daily space and time are essential to this task, to the reconstruction of nature. Man’s house is first and foremost the place of presence and construction of histories. Alarm, which is essential to examine the situation of the subject, finds empty spaces, “nowhere lands”, now infinitely multiplied, where subjects emerge, but where they can also get lost forever. We con- firm, through the analysis of human housing, that there is no public health, but a collective health, to be continuously invented from new versions presented by subjects in the cultural scene. Key words Space and Quality of Life; Subject’s Situation; Subjectivity and Space Resumo Pretendemos acompanhar aqui a evolução da habitação humana como uma ta- refa de construir, habitar e compreender o mundo, iniciando pela invenção e habitação do próprio corpo, o primeiro instrumento de viver e a primeira morada. Como o ser humano é constituído a partir de memória e convívio, o espaço e o tempo do cotidiano são elementos es- senciais nessa obra. A casa do homem é, antes de tudo, lugar de presença e de construção de histórias. O espanto, essencial para o exame da situação do sujeito, vai encontrar espaços va- zios, “lugares-nenhum”, hoje multiplicados ao infinito, onde surgem os sujeitos, mas também onde podem eles se perder para sempre. Confir- mamos, na análise da história da habitação, que não há uma saúde pública, mas uma saúde coletiva, a ser continuamente inventada a par- tir de novas versões apresentadas pelos sujeitos na cena da cultura. Palavras-chave Espaço e Qualidade de Vida; Situação do Sujeito; Subjetividade e Espaço

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Qualidade do espaço e habitação humana

Quality of space and human dwelling

1 Departamento deSaneamento e SaúdeAmbiental, Escola Nacional de Saúde Pública,Fundação Oswaldo CruzRua Leopoldo Bulhões,1.480/6o, 21041-210 Rio de Janeiro, RJ, [email protected]

Jorge de Campos Valadares 1

Abstract This study focuses on human hous-ing, as a task involving constructing, inhabitingand understanding the world. This task startswith inventing one’s own body, the first instru-ment for living and one’s first dwelling place.Since humans are made up of memory andconviviality, daily space and time are essentialto this task, to the reconstruction of nature.Man’s house is first and foremost the place ofpresence and construction of histories. Alarm,which is essential to examine the situation ofthe subject, finds empty spaces, “nowhere lands”,now infinitely multiplied, where subjects emerge,but where they can also get lost forever. We con-firm, through the analysis of human housing,that there is no public health, but a collectivehealth, to be continuously invented from newversions presented by subjects in the culturalscene.Key words Space and Quality of Life; Subject’sSituation; Subjectivity and Space

Resumo Pretendemos acompanhar aqui aevolução da habitação humana como uma ta-refa de construir, habitar e compreender omundo, iniciando pela invenção e habitação dopróprio corpo, o primeiro instrumento de vivere a primeira morada. Como o ser humano éconstituído a partir de memória e convívio, oespaço e o tempo do cotidiano são elementos es-senciais nessa obra. A casa do homem é, antesde tudo, lugar de presença e de construção dehistórias. O espanto, essencial para o exame dasituação do sujeito, vai encontrar espaços va-zios, “lugares-nenhum”, hoje multiplicados aoinfinito, onde surgem os sujeitos, mas tambémonde podem eles se perder para sempre. Confir-mamos, na análise da história da habitação,que não há uma saúde pública, mas uma saúdecoletiva, a ser continuamente inventada a par-tir de novas versões apresentadas pelos sujeitosna cena da cultura.Palavras-chave Espaço e Qualidade de Vida;Situação do Sujeito; Subjetividade e Espaço

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à memória de Ênio Tourrasse

Introdução

Especialmente a monumental cúpula de SantaMaria del Fiore, o grande balão levitante sobreFlorença que, pela sua simples presença, redefi-ne toda a distribuição espacial da cidade me-dieval e a liga aos campos, aos morros e ao ter-ritório (Lorenzo Mammì, 1984).

A lanterna, ou seja, o elemento que efetuade fato a passagem do céu físico ao empíreo, oumais precisamente, ao simbólico (...) conjunçãoentre Florença moderna e Roma Antiga (GiulioCarlo Argan, 1992).

Preferiu sobrepor a ela a sua grande máqui-na espacial [a cúpula], que visava ao mesmotempo uma nova concepção de espaço e uma no-va tecnologia, como se fosse uma demonstraçãogigante de uma nova realidade política, cultu-ral, social. Definição urbanística como régio...mais extensa do que área da cidade... a cida-de...a domadora de todas (...) os problemas aserem resolvidos ainda são os mesmos: o valoruniversal do tempo e do espaço como coordena-das da ação humana, em seu acontecimento efê-mero e em suas conseqüências infinitas (Loren-zo Mammì in Argan, 1999).

O acontecimento efêmero ao qual se refe-re Lorenzo Mammì é o convívio entre pessoasque se dedicam, cotidianamente, a construir,juntas, novos espaços de vida. Porque qual-quer construção somente é possível dentro deuma significação para o grupo e implica umaescolha. Esse acontecimento se situa, então,dentro de uma ontologia, de uma história dohumano e de uma ética. As conseqüências in-finitas são as marcas da ação desse gesto de es-colha, sobre ambiente, sempre, também, refe-rido ao território da cidade.

O plano civilizatório da pólis se dá, sobre-tudo, na ação efêmera que o derrama sobre apaisagem e os terrenos, constituindo o feitoque chamamos cultura. Para aí convergem ascontensões dos sujeitos, ao verem, mais ou me-nos rapidamente, o valor do seu trabalho per-manecer como acontecimento singular e irre-versível da ação humana, e mais do espaço so-cial (Mammì apud Argan, 1999). Diríamos quetudo isso se passa porque tal acontecimentodá testemunho da mais profunda intimidadedo indivíduo. E falamos, por excelência, das ci-dades porque a cidade por ser um espaço cons-truído é também um fato histórico. E trata-se,aqui, de uma história vivida por sujeitos em

seus corpos. Ela está viva em uma presençageográfica, como afirma Milton Santos, masessa presença é, no dizer de Merleau Ponty(1984), uma lacuna escancarada e refere-se,segundo a psicanálise, ao prazer, sempre indi-zível e de impossível registro em um sítio geo-gráfico, nem mesmo em alguma cartografiado saber, pois é por demais tenso, denso e imen-so para caber no campo das representações.Os sítios para o homem, como locais de pas-sagem ou de permanência, são pontos de en-contro, consigo e com o outro, de onde perma-necerão como indícios, rastros de recordações,marcados a partir de uma falta, um sentimen-to de nostalgia, de um passado no passado. Sãoespaços ligados a épocas, a momentos, à in-fância, à juventude e a conquistas.

Com a psicanálise, podemos dizer ser essaapresentação única e singular, vivida e situa-da dos sujeitos, a transformar-se, depois, emrepresentação, aquilo que pode constituir ofato histórico. A história humana somente po-derá humana ser, se for a testemunha dessatransformação da carne tencionada pelo Ou-tro – aquele que está mergulhado na indeter-minação da cultura e da participação do su-jeito em sua encenação – em destino à escritae à escritura. É nesse fazer – quando o espaçose transforma dialética e poeticamente em cor-po, para acolher, no ato sempre inicial do co-tidiano, o desamparo constitutivo do huma-no – que aparece a finitude do sujeito e suanecessidade da linguagem e das representa-ções. A linguagem, a representação, ganha en-tão a digna função de se transformar em ho-rizonte. Com sua estrutura e seus rompimen-tos, sempre atualizados e retomados, é maisuma alegoria que passa diante de nós.

Assim, a cultura pode aparecer na sua con-dição inarredável de infinita presença e inde-terminação. Nesse sentido, Aparício, Brauns-tein & Saal (1980) dizem ser toda arte uma ar-te funerária, pois o espaço da arte transformaem lugares os espaços onde o nome dos sujei-tos são inscritos. Como aqueles que estão naslápides, esses lugares dão notícia, são sinais dapassagem de sujeitos e apontam que a sua his-tória pode ser reconstituída. Ou mais, deve serre-constituída a partir dos rastros, dos buracos,das faltas, das falhas às quais nos remetem, si-nais deixados por nós nas estradas por ondepassamos.

Na re-cord-ação, na ação histórica de co-locarmos nosso coração nas coisas – como nosexige, por exemplo, a obra de arte –, podemos

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trazer de volta o ali representado, buscando-o a partir dessa marca inicial, infinitiva. Nes-se sentido a obra sempre atual de Giulio CarloArgan (1992, 1999) situa as limitações de umexame do mundo, feito unicamente através domodelo e da ação modelar. A representação, alinguagem, com sua ação de moldagem, falado passado, do representado, do que já foi pre-sente, do morto. O humano vivo está na de-pendência dessa representação enquanto apon-ta a falha, o horizonte, o efêmero.

O advento do cristianismo, com a exigên-cia de encarnação do próprio Deus, limita ocampo de ação das profecias e, como somentehá salvação onde há riscos, amplia a possibi-lidade da salvação, elogia os riscos da ek-sis-tência, e a presença da vida passa a ser o pri-vilegiado ato inicial da representação: a cul-tura renasce das escritas e da escrituras, ago-ra com novas determinações. Esse salto na cul-tura, trazido pela religião, não nega, pois, o lu-gar do histórico das lideranças passadas, inau-gurado pelo trabalho singular das tradiçõesegípcia e judaica. E é sempre necessária umavisão, uma perspectiva, no sentido de Brunel-leschi, nos lembrando infinitamente – para re-lembrarmos a belíssima expressão de Argan(1992), a nossa finitude. Mas será sempre umaperspectiva, e teremos sempre a responsabili-dade de dizermos do lugar e dos instrumen-tos com os quais construímos a nossa mirada,de onde nasce o nosso nome.

Olhamos os espaços, também, com o pra-zer do órgão (Freud, 1910) e esse desfrute, es-se saboreio, marca da ação vital, é, no dizer dopoeta Paul Valéry, aquilo que nos deve levar anão entrar nos espaços sem desejo. A presen-ça ou ausência do desejo transformará o espa-ço em tesouro ou túmulo, como diz seu escri-to no frontispício do Museu do Homem emParis:

Il dépend de celui qui passe que je sois tombe ou trésor,que je parle ou que je me taise,N’y entre pas sans désir.As idéias acima expostas podem ser assim

resumidas:• Presença é o fato inicial e imprescindíveldo cotidiano. Aí se constróem memória e con-vívio, os rastros de re-cord-ação e os con-textos.• A incorporação nos possibilita assimilar oque a representação esconde. A carne, tencio-nada pelo outro, possibilita a encarnação deidéias. Os líderes vão à frente, nesse gesto deelevação, pelo simples prazer de beber limpa

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a pura água da vereda, em alguma mata aindainexplorada, como nos diz Guimarães Rosa.Com eles nos identificamos e, assim, incorpo-ramos e damos vidas àquelas idéias.• O corpo reconhece os espaços a partir dodesejo. A presença ou ausência do desejo trans-forma o espaço em túmulo ou em tesouro. Odesejo implica o corpo do sujeito e o Outro,com sua lei. A lei sempre vinda do Outro, dacultura, mais que punitiva ou superegóica, éum norte, um marca ideal, um sinal ideal deum tempo, uma marca histórica.

Memória e convívio

Precisamos conviver, além de sobreviver. Oconvívio caracteriza e inicia a habitação hu-mana, na medida que somente em grupo po-demos ver o mundo, traduzindo em movimen-to, alegoricamente, o infinito imutável do co-tidiano. O convívio exige limites, delimitaçõesque se manifestam desde os seus inícios, co-mo contornos das espacialidades, transfor-mando-as em palcos para nossas presenças en-quanto vamos construindo signos, sinais, sím-bolos, metáforas, alegorias. São continentessem os quais os conteúdos se esvaem. É, para osujeito, o alumbramento.

Essas significações se superpõem às pra-ças, aos espaços da engenharia e da arquitetu-ra e a tudo que é usado pela linguagem, comoo espaço da lei e da legalidade, transforman-do-os novamente em lugares. Esses lugares – aum só tempo de liberdade e segurança – serãoos verdadeiros pontos de encontro e de des-pedidas, pois são um externo/interno, sempreleal ao sujeito e ao seu grupo, à reunião e àpossibilidade de destacamento. Como nãoexiste sujeito sem espaços de convívio, de cons-trução, de memórias, sítios de recordações,não existem grupos sem sujeitos, sempre não-assujeitados, que se lançam a partir do desco-nhecido, do inconsciente, o escondido, mesmodo próprio sentimento do si mesmo (Freud,1914).

O que organiza o espaço, visando a umaviabilidade do convívio, é uma busca contínuada doma da natureza. Domínio, principalmen-te, daquela natureza que produz, quando emcontato com a cultura, inquietação no interiordos corpos dos sujeitos. Somos condenados aessa busca, desde que nos abandonamos e so-mos abandonados, somos deixados a sós, lan-çados fora do mundo instintivo, da pachorra

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animal. Ou, mais propriamente, quando in-gressamos naquilo que Freud nomeou mundopulsional. Somos exilados do mundo dito ani-mal, ou o paraíso perdido, embora dele nuncanos consigamos libertar, de forma radical. Nos-sa raiz é a vida. Vamos fazendo nosso lugar, re-fazendo o nosso meio, que sempre será, comodiz Georges Benko (1994), um mi-lieu, ummeio lugar. Pois, para ser um lugar, depende-rá do concurso do Outro e de nossa aposta emnossas fundações plantadas na radicalidade davida, em um território que é vital. De nossaraiz que conservamos, tiramos algo vivo paranosso ponto de vista, nossas perspectivas. Esseponto de vista, para ser singular, então, é e se-rá sempre um ponto de inflexão em direção aalgo sempre novo, em movimento, vivo. Cons-titui-se, por tudo isso, a partir da capacidadede espanto, de perplexidade. Tem como ori-gem e destino sua contínua formação e o mo-mento sempre inicial de sua constituição.

Parece, pelo andar das coisas, que a fuga,o desprezo por um diálogo, quase impossível,entre os campos do saber e, sobretudo, do sa-ber fazer e do saber transmitir, transformaráo conhecimento em algo totalmente ineficaze dispensável. E isso é importante, pelo pró-prio fantasma da escassez que sempre amea-ça, desde os sujeitos e as potencialidades doespaço-ambiente, a toda a humanidade, trans-formando em humilhação o desperdício detempo e de recursos usados com informaçõesinúteis. A competição sistemática tem trans-formado o saber em mais um objeto de con-sumo, em detrimento de ser o lugar privile-giado, para a busca de sabedoria, a ser em-preendida pelo sujeito, pois é condição cen-tral de sua existência.

Essa importância do diálogo se liga, tam-bém, aos perigos do acréscimo da violência quefaz parte da evolução da cultura. Como assi-nalou Freud, o recalcamento da animalidadeé feito às expensas de algo que pode voltar, aqualquer momento. Esse diálogo é ainda im-portante porque, para continuarmos na mar-cha rumo às buscas próprias do humano, de-vemos percorrer um caminho paradoxal de ja-mais atingir o esperado, embora tenhamos denos contentar com o atingido. Como sempreaconteceu, e como bem mostrou Martin Hei-degger (1990), ao estudar as vicissitudes datécnica, avançamos fazendo encomendas, pro-duzindo um mundo sempre novo e selando,com isso, um destino, que abandona pelo ca-minho algumas opções impensadas, ou ainda

inaceitáveis. Escolhemos, como podemos, umadireção que nunca será a mesma para todos:há, sempre, os descontentes, a oposição, maisou menos re-voltada.

Temos insistido no fato de que o homem, osujeito, não abandona, nunca, a busca de seulugar, e sobre isto falaremos mais a seguir. Res-saltarei, apenas, que esta busca é sempre umfazer, uma ação singular, sempre transforma-dora do ambiente, dito natural. E está semprerelacionada a voltas e revoltas, a apresenta-ções, mais ou menos claramente manifestas,mas sempre atuantes, quando realmente se re-velam os sujeitos, apesar das boas intençõesdas representações, que podem ser, elas pró-prias, as referidas re-voltas ou motivo de re-voltas. A intelectualização, muitas vezes ma-ligna, despreza assim, de forma daninha, o no-vo e as invenções. É quando aparece a idéia dohomem normal ou homem “médio”, “media-no”, que os sujeitos singulares passam, nessacon-sider-ação imaginária, como inomináveisdesvios-padrão, em torno dessa média. Essamédia é moldada na construção de modelosditos paradigmáticos. Há um modelo de ale-gria, de prazer, um paraíso perdido, descritonão somente pela psicanálise, mas também pe-las ciências da história e, sobretudo, pela his-tória da arte.

Devemos, no diálogo entre os saberes a quenos referíamos, considerar a correspondênciaentre o pensamento e a ação, pois cada gestohumano sempre adia outro gesto mais in-pen-sado. O saber cada vez mais atraente é aquelesaber sobre a habitação do mundo e confun-de-se, desde a habitação do próprio corpo, comum conhecimento (co-nascimento) sobre o am-biente. Trata-se de um gesto delineado com atransformação do corpo em instrumento deviver. Desde a configuração das mãos, da ex-pressão facial, o saber-sabor, fundado sobre apisada na cena do mundo, é o instrumento pri-meiro na modificação do espaço e sua explo-ração mais ou menos bem-intencionada.

Esse gesto tem deixado aos ambientalistasuma preocupação correspondente à gravida-de dos problemas: um círculo vicioso entre adesabitação e a compulsividade voraz em con-siderar as fontes ambientais como inesgotá-veis. Quem trabalha com o ambiente, sobre-tudo com o ambiente das cidades, deverá a-prender a lidar com uma carga de vontades eações de transformações que se refletem dire-ta e inexoravelmente nos espaços da geogra-fia, da arquitetura e do direito. O preço de re-

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cusar-se a aprender será um profundo mal-es-tar, angústia e depressão, que violentamentejá se mostram sob a forma do estresse. Sabe-mos que não bastam campanhas educativaspara nos levar a uma retomada mais frutíferado sistema motor, conduzida por uma refle-xão cada vez mais indispensável. O pensamen-to exigiria um adiamento das descargas, con-forme afirmou Freud, já em 1925. Mas o pen-sar em ato, a poiesis, em uma produção sem-pre inicial do mundo humano, conteria as re-voltas, conseguindo adiar os sonhos na pró-pria construção de espaços que, ao mesmotempo, os conservaria, aos sonhos, sempre instatu nascendi.

Assim, o espaço registra, atesta e testemu-nha percursos e práticas: é o posto de nasci-mento da ética e da ontologia. Mas essas nãosão, ainda, as suas mais nobres funções. É pre-ciso compreender, por isso, que o não-lugartraz uma importância complementar ao lugar.E que o vazio, deixado pela vocação mais al-tamente humana do espaço, como no caso deuma praça – a de São Marcos, em Veneza, é o e-xemplo clássico do arquiteto francês RobertAuzelle, do ateliê Tony Garnier da École deBeaux Arts da Universidade de Paris – devedar primazia para este espaço. O não-lugar écomo um silêncio. E as novas perspectivas,aquilo que não contém, ou o que não podeainda con-ter, deve indicar o espaço apropria-do para o humano. E assim, re-batido, proje-tado nas e pelas lideranças, é o futuro, a espe-rança e a possibilidade de espera o que devepré-ocupar, concern, no sentido winnicottia-no do termo (Winnicott,1982), o verdadeirolugar: o sítio das espacialidades humanas. Épor isso que dizemos: fulano conquistou seu lu-gar, ou fulano está procurando um lugar.

Olhamos, assim, o sítio a partir de três pon-tos de vista: como espaço onde se desenvolvemengenharias, arquiteturas e direitos; como ter-ritório, campo do biológico, da necessidade,da vida e sua vitalidade; e como lugar, quetambém implica a existência de um não-lugar,ou o lugar-nenhum. Não nos deteremos nasquestões do território e do espaço, que com olugar constituem o que chamo de espaço-am-biente, sítio de sustentação do humano.

O lugar é o local privilegiado para surgi-mento do sujeito, dispensa os controles, masaponta para sinais, limites, indícios, limiaresideais, por onde se dá a nomeação. Aí, no lu-gar-nenhum, que para Georges Benko pode sertodos os espaços de des-aparecimento da iden-

tidade e da cidadania e da nomeação dos su-jeitos – os aeroportos, os motéis, as auto-rou-tes ou high-ways são exemplos mais gritantes.Por lá, onde o sujeito pode fazer o seu ensaio,sua Probeakion, como observou Freud (1925)em sua reflexão sobre o mecanismo emocio-nal da denegação, ele pisa na cena humana, fazsua apresentação. E desse lugar-nenhum podese representar o seu mundo, con-ter nessa ha-bitação – que é gesto e construção – seus afe-tos, seus impulsos. É na tangência das açõesnos territórios, espaços e lugares que se dá asituação do sujeito que será um momento decontextuação (Freud, 1974) das alegorias sem-pre iniciais da significação para os encontros edes-encontros. Podemos afirmar com Kant eFreud que não há memória – e acrescentamos,história – sem espaço e sem tempo. Esse espa-ço é o que queremos nomear espaço-ambiente.É ponto central de interesse do sujeito, poislhe aponta limites seus e da ação social supor-tável, e nele se fermentam os acolhimentos(holdings) (Winnicott, 1982), as habitações.

É incrível que tenhamos de provar algo ób-vio para alguns, mesmo depois da des-confian-ça com que uma nova epistemologia vem en-riquecendo a ciência. Como fazê-lo? Sobretu-do se é nessa condição inarredável de somen-te podermos nos encontrar, como História,como perspectiva, esperança, e assim, comopresença, naquilo que é perdido? Desse lugarde encontros e desencontros, no falho, no fal-toso dos vazios espaciais, o sujeito será, inter-na e externamente, um originário do i-mun-do. Tão fragmentado, como o é a sua cidade,também consumida na desmesura de ummundo e um sub-mundo, se encontrará o su-jeito perdido querendo sempre descobri-la,modificando-a e modificando-se, isto é, civi-lizando-se, urbanizando e reurbanizando-se.Um mundo interno nem sempre dizível, nemsempre pronunciável, sem que fique o sujeitomal-dito, no próprio balbucio do seu desejo,na sua própria tentativa de ex-pressão. E as ci-dades devem contar com os espaços de aventu-ra, que Hartwood (1968) reserva às crianças.Parece que as provas, mesmo as da ciência, de-verão contentar-se com ensaios, que, por se-rem ensaios, serão sempre iniciais.

A fragmentação, o despedaçamento do ho-mem, como dissemos, revela, ao mesmo tem-po, uma exposição às seduções do mundo eum exílio de uma situação da qual nunca saiu:a animalidade. O despedaçamento, sempre in-contido, o desamparo pode ser vivido, ao mes-

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mo tempo, no corpo dos sujeitos, o que lhe émais profundo, e no corpo do espaço multipli-cado pelos sub-mundos, nos vazios presentesdas cidades, para empregar a forma criada porRicardo Piglia em A cidade ausente. Essas au-sências gritam, na indiferença trágica das ad-ministrações e dos teóricos que pensam sujei-tos sociais incorpóreos, desvitalizados de suassubjetividades in-domáveis e, ao mesmo tem-po, imaginariamente padronizados ou excluí-dos em desvios, que também imaginariamen-te eliminariam a possibilidade do inarredávelpara o sujeito, que é a singularidade, junto como saudável estado, o qual Joyce McDougall(1978) chama de uma certa anormalidade. Éna falha do pensar os locais que surge indo-mável, não assujeitável, o sujeito.

A presença do sujeito no mundo – suas ca-muflagens, seu camaleonismo, ou couraças,para empregar o termo caro a William Reich– já nos mostra que o conceito depurado decidadania não é suficiente para situá-lo. Nãohá cidadania que sobreviva ao desabrigo; pa-ra consegui-la é necessário que o homem se-ja capaz de produzir para seu próprio susten-to. E entendamos tal feito como sustentaçãono mundo, no con-texto, na situ-ação. Para sesustentar, nem sempre o sujeito é um cidadão.Há a lei e aquilo que não se consegue com alei como situa Soalheiros (1998).

As idéias acima podem ser assim resumi-das:• Os limites, os contornos, a geografia trans-forma os espaços em palcos para a cena hu-mana. Aí o sujeito, no grupo, con-tém as re-voltas que sempre vêm do corpo, a partir dereferências, registros, indícios, rastros.• O espaço do corpo deve ser domado, e as-sim se inicia a organização do espaço dito na-tural.• É necessária uma capacidade de espanto,uma ad-miração, com todas as origens e des-tinos que constituem o humano. Com o i-mun-do como é o mundo interno aos sujeitos, dian-te do socius.• No cotidiano se rebatem o presente e a his-tória. É aí que o homem enfrenta o desamparo,e se refaz, re-juntando, no con-texto, sua frag-mentação na história e nas geografias.• A arte tenta apresentar, a partir de restosda atividade humana, o momento da culturae os nomes que encaminham um entendimen-to para o ser movimento.• A incorporação, a encarnação dos ideais éo que fala da vida da cultura: uma língua viva

é uma língua de poetas vivos, como diz LilianaCavani em seu filme Gestos de amor.• Com o fazer, o céu fica mais próximo daterra, com o fazer na terra, a idéia se transfor-ma em um viver humano.• Um gesto humano sempre adia outro, maisin-pensado, pensado inconscientemente.• O espaço-ambiente é o lugar da educaçãomas é também o lugar da saúde. A saúde é aaceitação do não-lugar como fonte do enca-minhamento da vitalidade humana.• A pré-ocupação (concern) (Winnicott, 1982)é o lugar do nascimento do sujeito.• É na falha do pensar que surge o indomá-vel, o não assujeitável, o sujeito.• Há a lei e aquilo que não se consegue coma lei (Soalheiros, 1998).

A realidade do ambiente das cidades. Os sinais do urbano.Urbanismo e seus planos

Denomina-se, comumente, organização (amé-nagement) do território tudo que se faz e quemodifica a realidade do espaço, em direção aourbano, à urbanidade, ou seja, à cidade (sejaurbis ou pólis). E, portanto, ao que transfor-ma o cotidiano de seu habitante direcionan-do desejos, através do encaminhamento domovimento dos corpos. Falamos aqui de dispo-sitivos (einrichtungen), os planos, as leis, os de-senhos e também de disposições que, mais quelegais, correspondem a ações, a cuidados, aco-lhimentos, manejos, visando à sustentação dossujeitos.

Afirmamos, em outro lugar, que não se po-de fazer intervenções de saúde em pessoas semendereço. O endereço é um destino, um per-curso e um roteiro, indicações sobre movi-mentos que mesmo o nômade tem. E os mem-bros do coletivo se co-movem com o seu espa-ço-ambiente. A comoção é um movimento dosujeito a acompanhar o desenvolvimento dacena e as transformações do cenário. Esse sen-timento somente é possível na saúde, que apa-rece sob um sentimento de bem ou mal-estar,fundante da auto-estima, que Freud chamoude sentimento do si mesmo (Selbstgefühl). Essesentimento é quase sempre nomeado como fe-licidade, e partem daí os sentidos sentimen-tos ético e estético. Heberto Lyra afirma queescolhemos nossos espaços com o nosso cri-tério estético, pelo que, para nós, seja o belo.A economia e as finanças pessoais podem for-

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çar os indivíduos a irem para o Rio de Janei-ro, Serra Pelada, Volta Redonda, por exemplo,mas eles para lá não iriam, de forma desejan-te, se esse espaço não lhes agradasse. Um en-dereço é uma escolha. A prática dessa esco-lha, exercida através da técnica, é que consti-tui o viver, a partir de encomendas e destinospor essas encomendas selados (Heidegger,1990).

É nessa perspectiva que devemos exami-nar as condições de vida, o território, assimcomo os espaços: quais os lugares possíveis,sempre de sujeitos? Caso não consigamos oque buscamos, o nosso espaço-ambiente resta-rá, ainda assim, em nós como sonho ou res-sentimento, como rancor, ou atuação. O cer-to é que ficamos sempre mais ou menos des-pedaçados e, por isso, nos encontramos es-maecidos, esquecidos nos sítios por onde pas-samos, dependendo da força dos afetos comque os colorimos e da resistência que nos é an-teposta. Mas a força com que o esquecido po-de retornar é proporcional à intensidade dafragmentação e essa intensidade deve ser sem-pre sustentada, acolhida e cuidada, no trabalhocom as habitações humanas. Por isso os levan-tamentos visando à saúde devem des-confiardas palavras. O esquecido é indizível, e está nocorpo, como sintoma. Esses levantamentos sãotentativas de elevação, no sentido de que a teo-ria re-leva fatos, materiais e afetos a eles liga-dos. E ao revelar os contornos, limites dos es-paços, os suspende (aufhebet), encaminhan-do possibilidades, impossível tarefa, sem essetrabalho de modelagem, de metaforização.

Vejamos os espaços de que dispomos epensemos em nossas procuras. Não se trata,nesse diálogo, de falarmos como se não esti-véssemos aqui, agora, em um lugar – no Riode Janeiro, por exemplo. Pois os espaços – ek-sistem – existem aqui, como coisa que salta dedentro da vida do sujeito – como abstrações.Ou seja, promovem a existência de lugares, lo-calizam os sujeitos como emissores de fala sin-gular, a partir de um real sempre psíquico, queinvoca emoções e as con-tém. E esse trabalhode construção do lugar inclui os espaços dasvirtualidades. Examinemos o dado demográ-fico. Até a década de 1940, 30% da populaçãomundial vivia na cidade, 70% vivia no cam-po. Atualmente, já se diz que quase 80% denossa população vive nas cidades.

O campo deverá se instrumentalizar, semodificar muito, para que as pessoas deixemde se seduzir pelas luzes da cidade. Diz-se que

os centros urbanos tendem a se esvaziar, poisos escritórios do futuro serão virtuais e as pes-soas se deslocarão para as periferias, com seuscomputadores conectados a um espaço cujaarquitetura não necessita de dimensões reais.Os sinais do urbano podem estar nos espaçosvirtuais. Mas é o espaço real que convida, con-voca e até intima. E, então, mesmo assim, aanimação urbana, embora não conte mais coma efervescência da praça, necessitará ainda dehospitais, de centros de aprendizagem, dos es-tádios, dos teatros. E, apesar da televisão, nãose poderá prescindir do cinema e de sua at-mosfera de sonho. O real é o sonho, como emCalderón de la Barca.

A contraposição de um tempo lento, opa-co às velocidades ou ao luminoso, magníficoinstrumento de análise inventado por MiltonSantos (1993), não poderá deixar de conside-rar que um não existe sem o outro, fascinandosempre quem está no lado oposto. O campohoje é a cidade de antigamente, como a medi-cina popular é a medicina científica antiga(Boltanski, 1979) e se renova sempre guardan-do suas técnicas e espaços antigos, como lu-gares do esquecido. É assim que a estrada depedra, o moinho de vento, a muralha e a colu-na grega são, segundo Le Corbusier, ruínas co-moventes – diríamos co-moventes. E é assim,também, que não se sabe mais se peão de boia-deiro é uma invenção rural ou urbana ou se oadulto em sua habitação, circulação e trabalho,e mesmo no desfrute do mundo (dodo, boulot,métro, ou seja, naná, trabalho e metrô, comose dizia em Paris, em 1967-1968), vive uma vi-da muito diferente da vida infantil, na medi-da que adia, no sintoma ou no sonho, o idealdo crescimento. Essa organização para a cida-de está em um plano em que a repetição trans-forma os movimentos dos corpos em pura me-cânica de máquinas, em que a energia de seussonhos vem de uma ação externa.

Estas cogitações são de central importânciapara se pensar a cidade. É verdade que a orga-nização urbana precisa considerar os efeitosda demografia, como aqueles relativos às di-ferenças de idade e de sexo, à composição dapopulação, à diferença de classes e à sua dis-tribuição no espaço e, ainda, aqueles ligadosàs formas de vida aí encontradas, sobretudoaquelas relacionadas ao incremento da violên-cia. A demografia nos ajuda a fotografar. A po-pulação da cidade do Rio de Janeiro passou,no período de 1991 a 1996, de 5.480.768 para5.551.438 habitantes, crescendo um percen-

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tual de 1,28. As favelas cresceram, no mesmoperíodo, 69,43%.

A taxa de fecundidade brasileira, o quemais influencia o crescimento populacional,segundo o Banco Mundial, caiu de 6,3 filhosnascidos-vivos por mulher, em 1960 e chegoua 2,8 no ano de 1993. A taxa de crescimentopassou de 3% ao ano, em 1960, para 1,6% nadécada de 1990. Esses dados interessam à pro-gramação da atenção à saúde, educação, recrea-ção, esporte e lazer e de todas as preocupaçõesdo urbanismo. Mas nenhum dado, por maiselaborado, nos poderá ajudar a prever, a pro-duzir, um plano invulnerável à ação dos sujei-tos. Um plano, assim, aliás, não teria utilida-de. A depredação de equipamentos urbanos,com o que o pessoal ligado ao escoamento dedejetos, ao abastecimento de água e a centroscomunitários têm de lidar desde sempre, é tes-temunho disso.

Há outro trabalho a ser feito se pensamosem manutenção. O ato de criação e de inau-guração é a preocupação maior do político.Nosso tempo, o tempo do que pensa a questão,deve ser mais lento: é com o tempo da perma-nência – habitação como demeure – o nossomaior cuidado. Para isso a invenção deve vi-gorar. Não podemos ficar indiferentes a fatoscomo a reconstrução de barracos em áreas derisco, onde já houve desabamentos e onde jáse promoveu uma evacuação anterior de mo-radores, com a intervenção do poder público.Esses moradores não ficarão indiferentes a nós,quando lhes levarmos saúde, educação ou qual-quer outra coisa. É na insistência, na morada,que se constituem as crenças. Há uma insis-tência (beharrarung) e um gesto no esperar(haren) presente em todo totem, como afirmaFreud, no seu livro Tótem e tabu. Se, de um la-do, há uma animação do inanimado, no totem,há, por outro lado, uma de-existência, tambémfruto do pensamento mágico infantil, no ges-to de habitarmos aquilo a que chamamos delugares-nenhum (Benko, 1994), tema que abor-daremos mais adiante. Quando saltamos deposições que nos foram dadas para a conquis-ta de nosso lugar, nosso nome, fazemos umade-existência. René Major em uma de suas con-ferências nos lembra que Freud o fez, quandorenunciou à biologia e as questões de raça,abraçando os temas da cultura para situar asbases da constituição do sujeito humano.

Embora no Rio de Janeiro, a população semantenha relativamente estável, os quatroprincipais complexos de favela cresceram cin-

qüenta vezes mais rapidamente do que o mu-nicípio todo. O complexo da Maré, de 1991 a1996, cresceu 68%, ao passo que a cidade cres-ceu 1,25%, no mesmo período. Esse crescimen-to tem conseqüências. O índice de homicídiose roubos é sete vezes maior na Maré e, em 1991,a taxa estimada de homicídios para Bonsuces-so foi de 241,1 homicídios por cem mil habi-tantes, enquanto na Lagoa, Jardim Botânico,Humaitá e Flamengo chega a zero. Lá, os do-micílios familiares são divididos e reduplicados– em termos de ocupação e fragmentação equase nunca reduplicados em termos de área –a cada separação de casal e casamento de filhose a cada chegada de família de outras partes dopaís. Ali os serviços urbanos são precaríssimos.

Podemos imaginar as condições de vida nafavela, pela observação das áreas ditas urbani-zadas. O canal do Mangue, na altura da praçada Bandeira, escoa, nos dias normais, uma pis-cina olímpica a cada dez segundos, e, em casode enchentes, necessitaria escoar quatorze. Nafavela essa realidade é catastrófica devido à e-rosão, com os escoamentos mal encaminha-dos, sobretudo nas favelas de encosta de mor-ros. São 2,5 milhões de favelados no Estado doRio.

São apressadas as análises ao relacionaremdelinqüência e pobreza, mas não o são aquelasque associam delinqüência a empobrecimen-to. A forte melancolia e depressão diante dasperdas e da ostentação, sempre impostas poruma sociedade de consumo, aumentam, tam-bém, com o desligamento de responsabilida-des, com a construção e a manutenção e comos cuidados com a sustentação, que colabo-ram na doma do mundo pulsional. Esse mal-estar liga-se, ainda, à ausência de recompen-sas pelo adiamento de satisfação imediata, de-lineadas em horizontes alcançáveis, e sempreobtidas, com a alegria da prática. Esse adia-mento somente é possível com a aceitação dastensões vindas das diferença de posições, coma valorização do questionamento a um sistemainstitucional (...) e à análise das estruturas so-ciais que o sustenta, levando-nos à crítica daneutralidade científica (Basaglia, 1985).

A construção de espaços que são feitos apartir de lugares, de possibilidades de busca,de situação para os sujeitos é conseguida, àsvezes, a partir de comportamentos não muitorecomendáveis. Aquela alegria é sempre possí-vel onde corre a verdadeira solidariedade, quenão pode desconhecer a solidão inerente à pre-cariedade humana, e que constitui o central

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da busca dos sujeitos, pois aí reside o encon-tro e o encontrar-se. É onde o convívio relem-bra o que a memória nos re-conduz a umacrença vinda de nossos fundamentos, nossasfundações, que sempre podemos, com alegria,re-começar. Falamos desse lugar de invenções,de nascimentos, quando fomos acompanha-dos, ajudados mesmo, na fragilidade, em nos-sa impotência inicial, a vencer desamparos aserem, desde então, para sempre revisitados.

Essas cogitações nos levam a crer que umprograma de financiamento de terrenos – ser-vidos com abastecimento de água e sistema deesgotamento e de drenagem de águas pluviais,rede elétrica – e de materiais de construção se-ria mais digno e habitável, do que os verda-deiros acampamentos, com quilômetros de re-petição e sistemas sanitários mínimos das cha-madas habitações planejadas. Todo habitantepaga impostos desde o pão matinal até a con-dução, vestuário, trabalho, entre outros, me-recendo – e não esquece esse merecimento(Freud, 1974) – uma solução técnica conve-niente e digna, de forma solidária e igualitária.Dizemos igualitária, conscientes da questãoda singularidade, mas também do direito deinclusão nos direitos quando somos todos in-cluídos nos deveres. Como poder-se-ia fazerum trabalho de mudança em que, desde a con-cepção, a invenção e a instrumentação técni-ca, não nos envolvêssemos com a exclusão atémesmo de colegas que pensam de outra for-ma? O sonho ambientalista fala de uma auto-sustentação ambiental. Pode um homem nãoacolhido, não sustentado por seu espaço-am-biente, sustentá-lo?

As idéias principais do presente capítulosão as seguintes:• As concepções técnicas, os dispositivos, de-vem implicar disposições, pois a uma organi-zação interna corresponde uma organizaçãoexterna. A saúde já está nas espacialidades, eo prazer do técnico deve ser o resultado deuma identificação com o usuário. O acolhi-mento é um rebatimento, uma projeção, no es-paço de um encaminhamento da utilização daenergia da natureza na arm-ação (Heidegger,1990) de cada técnica.• A auto-estima ou amor próprio é o senti-mento do si mesmo (selbstgefühl), vindo tam-bém com a confirmação pelo ambiente de pro-jetos pessoais (Freud, 1974). E se dá com umsentimento de bem-estar, um conforto do aco-lhimento no mundo. A esse sentimento de pra-zer, comumente se dá o nome de felicidade.

• O espaço pode estar em nós como sonhoou como ressentimento, rancor, lugar da ação(acting) a acionar o sistema motor, quando opensamento poderia adiá-lo, visando à refle-xão sobre um melhor caminho.• A cidade e sua animação possibilitam umaatenção específica, onde re-encontramos umanecessidade de satisfação. Na realidade, nãoencontramos nada, apenas re-encontramos(Freud, 1905) mas para re-encontrar aquilo quesempre interminavelmente procuramos, pre-cisamos encontrar e nos encontrar. (Sami-Ali,1974).• A criação e a invenção são pontos de parti-da no cuidado com o espaço. É preciso ofere-cer condições de criar: o material, o financia-mento, o terreno, os equipamentos sociais ur-banos.• A exclusão promovida pelas teorias e pe-las técnicas acirram a violência?• Pode um sujeito, sem a experiência de aco-lhimento, acolher?

A evolução do trato com a organização (aménagement) do território: a teoria e as instituições

Esse predador sistemático [o homem] busca,dentro dos formigueiros gigantes que edificou,interesses de sobrevivência e de satisfação nemmais nem menos estimáveis que os das toupei-ras, ou dos cicindelídeos (Alain Badiou, 1997).

Diante dessa realidade, devemos pensar co-mo vemos o meio ambiente. A pesquisa “O quepensa o brasileiro sobre o meio ambiente”, rea-lizada pelo Ministério do Meio Ambiente(MMA), em 1992 e repetida em 1996, mostradados e modificações interessantes: dois ter-ços dos brasileiros acham que o meio ambien-te é sagrado e não deve sofrer interferência. Ve-rifica-se uma concepção naturalista do meioambiente. Entre os de formação universitária,foram 38%. Poucos (29%) pensam que a fa-vela e a cidade fazem parte do meio ambiente;assim pensam 39% dos que têm mais alto ní-vel de escolaridade.

A animação do mundo, iniciada com opensamento mágico infantil, nunca abando-na o gesto humano. A própria organização doespaço é vivida como um descaminho. É o aves-so do corpo. O corpo humano necessita deuma organização do espaço de sobrevivência ede convívio, onde deve sustentar-se e conter-se.Suas atitudes mais viscerais nos levam a crer,

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entretanto, que dispensaria de bom grado tu-do, por um momento de excesso. Não seria poroutra razão que, magicamente, considera, àsvezes, a terra e o Outro, como inesgotáveis.

Nesse sentido o verso de Chico Buarque ‘teadorando pelo avesso’ nos mostra que a pró-pria língua é revirada para dar conta da reali-dade emocional. Somente se pode adorar,quando o fazemos, pelo avesso do humano,pois o homem não pode existir, como sujeito,adorando o outro. Seria o fim dos corpos, daspresenças e dos encontros. Nessa adoração ele-gemos ideais que pretensamente nos irão ofe-recer o que desperdiçamos e que não pode re-tornar, senão na magia, no mundo do fantas-mático ou fantasioso. A natureza sagrada, ado-rada, seria inesgotável para um conforto já re-encontrado, em um paraíso nunca abandona-do, sem necessidade de encontros, de procu-ras.

Continuemos com a pesquisa do MMA. Dapopulação da amostra, 43% acham que somen-te o povo e o governo brasileiro devem lidarcom o meio ambiente, e 39% pensam que de-vemos agir em cooperação com outros países.O desmatamento da Amazônia interessa aomundo todo, segundo 58% dos brasileiros, en-tre os quais 69% da população do Norte. Umterço da população acha que a Amazônia é deinteira responsabilidade dos brasileiros. Quan-to às árvores, 66% concordam que se podeusar, cortar, que crescem de novo; no Nortedo país, 49% da população discorda e 42%concordam. Quando ao uso da água, 35% dapopulação do Brasil pensa que, se continuarcomo está, dentro de pouco tempo não se teráágua para beber. No Norte do país, 42% da po-pulação está de acordo e 45% discordam destaafirmativa.

A técnica da administração pública é ini-ciada com o Estado-Nação. Essa opção, comoqualquer outra da cultura, é sempre assumi-da de forma ambígua. O mais ferrenho defen-sor do público terá seus momentos in-confes-sáveis – somente confessáveis para si mesmo,pois, pelo que tem de interditado, resta incons-ciente – de adesão à forma privada de organi-zação. Essa reflexão, profundamente enraiza-da na psicanálise dos movimentos do ego, nemsempre agrada a alguns teóricos do social. Aomesmo tempo em que se vê o espaço comumcomo terra de ninguém – um lugar-nenhum –,pode-se considerá-lo como propriedade pri-vada. E o que é privado é assumido pelo sujei-to, nas profundezas de sua subjetividade, co-

mo um espaço do sonho e do mito. Há uma a-preensão, uma pulsão de domínio, nos primór-dios da vida emocional – o bebê leva tudo àboca no seu início de saber-sabor, de degusta-ção do mundo. O próprio direito reconhececomo uma propriedade privada, somentequando se tem o direito de destruí-la. Com re-lação ao meio ambiente e às condições de em-prego, a pesquisa revela: dois terços da popu-lação não aceita poluição para a geração deemprego, 27% concordam em priorizar o eco-nômico e 47% da população confere primaziaao meio ambiente.

Three Milles Island, Minamata, Seveso eoutras catástrofes ambientais não demovemas pessoas de suas convicções. É mais prová-vel que a notícia do pânico produza denega-ções e leve ao apagamento, no psiquismo, defatos desagradáveis. O emprego e as possibi-lidades de gastos ligados a uma outra lógicaque não a da saúde pública, como aqueles comos eletrodomésticos, a televisão à frente, sãocolocados em primeiro plano, na vida das pes-soas, competindo mesmo com o abastecimen-to de água corrente. Por isso defendo a nomea-ção de saúde coletiva para as atividades públi-cas de saúde. Assim teremos as vicissitudes li-gadas aos imaginários, e portanto do subjeti-vo, realmente consideradas. A noção de perigoe de risco são outras para o sujeito e não sãopassíveis de descrições por uma fenomenolo-gia mesmo que muito bem-intencionada.

Com relação à questão sobre meio ambien-te, a pesquisa revela que 50% da população seacha bem-informada; um terço se acha mal-informado. Quanto maior a escolaridade,maior o sentimento de ser informado. Houvepouca mudança desde 1992. Quanto às açõesde proteção, em 1992, 51% pensavam que de-veriam ser de âmbito federal e, em 1996, 43%;cresceu a quota de responsabilidade atribuí-da às prefeituras. Quando se fala sobre insti-tuições, o Ibama é o mais citado. Oitenta porcento da população aprova as organizaçõesque trabalham com a proteção do meio am-biente. A fiscalização e as leis rigorosas paraas empresas são aprovadas por 55% e 47% dapopulação, respectivamente. E a prisão paraqueima de matas é aprovada por 46% da po-pulação; para os pichadores, é aprovada por34%. Nas capitais, 45% da população acha queos pichadores devam ser presos, contra 8% em1992. Multas devem ser aplicadas para quemconstrói em locais protegidos por leis ambien-tais, para quem fuma em locais proibidos, usa

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esgotos clandestinos ou caça e pesca em áreasonde essas atividades são proibidas.

As informações, como conhecimentos ad-quiridos, e arquivos mnêmicos, têm pouca va-lia diante dos gestos. Na alma das pessoas vigo-ra uma formação (bildung) interna, que im-plica, sempre, possibilidade de re-invenção delugares, liberdade para misturar conceitos, re-criar técnicas, arm-ações (ge-stell) (Heidegger,1990). E isso não deve ser esquecido por quemlida com o acolhimento ambiental. Não se tra-ta de acumular informações, o que certamen-te está ligado, hoje em dia, à venda de cursose conferências. Essa idéia era a defendida peloprofessor Paulo Freire quando militava con-tra uma concepção bancária de educação.

Pode-se lutar, entretanto, por um movi-mento de responsabilidades em direção às es-feras locais e por uma aprovação maciça, aímesmo, de todo tipo de trabalho em direçãoao meio e à sua habitação. Mas deve-se des-confiar de militâncias com claras caracterís-ticas fóbicas, de exclusão portanto, com rela-ção ao fumo, à carne vermelha, ao grafitismoe outros movimentos que apresentam, às ve-zes, a punição impiedosa como solução. O cas-tigo, já nos mostrou Bruno Bethelheim, nãoeduca.

Com relação ao trabalho voluntário emprol do ambiente, podemos acompanhar mo-vimentos importantes: 66% dos jovens são in-teressados. Desses, 60% têm instrução míni-ma de nível técnico (na região Norte, 64%; noNordeste, 63%; nas cidades de até 20 mil ha-bitantes, 62%). A disponibilidade para contri-buições financeiras revela um engajamento de39% dos jovens e o mesmo percentual dos mo-radores do Norte e Nordeste estão disponíveis.A disponibilidade de se tornar membro de en-tidades se dá em menor proporção do que pa-ra se envolver em trabalho voluntário. A pro-porção da população mais instruída em mu-tirões de reflorestamento é de 19% e a contri-buição financeira possível para essa atividade éde 3% da população. A obrigatoriedade da edu-cação ambiental (uso e preservação) é defen-dida por 93% da população; o Norte e o Nor-deste têm, respectivamente, 75% e 69% deadeptos.

Esses dados falam por si, mostrando os li-mites e as profundidades da opção dos maisinstruídos, que sempre optam por métodoseducativos fundados na punição e na obriga-toriedade. Não pretendemos aqui, desenvol-ver uma visão vol-d’oiseau do que tem sido a

teorização em torno do Urbanismo e do Plane-jamento Urbano, ao longo da história. Ressal-taríamos somente que vivemos, na organiza-ção do espaço, de retomadas de algo que foiperdido e que parece teimar em querer voltar,apesar, sobretudo, das intensas e criativas ma-nifestações dos teóricos. Françoise Choay(1992), em sua tese de doutoramento Urba-nismo: utopias e realidades, dividiu o cami-nho do saber sobre a ordenação do espaço,bem ao gosto estruturalista, em dois movi-mentos: um culturalista e outro progressista,além de um urbanismo naturalista. Houve, pa-ra a autora, um pré-urbanismo culturalista co-mo em Augustus Pugin, John Ruskin e Wil-liam Moris; e um pré-urbanismo progressis-ta como em Owen, Charles Fourrier, VictorConsidérant, Etiène Cabet, Pierre Proudhon eJúlio Verne.

Para Choay, alguns teóricos não tinham ummodelo de análise e intervenção no espaço, co-mo é o caso de Engels, em seu estudo sobre oproblema do alojamento, e como o de pensa-dores que viram as aglomerações urbanas co-mo lugares de uma utopia da técnica e da voca-ção para uma vida tecno-cultural, mais marca-da pelas diferenças dos sujeitos, relativas àsoutras espécies, como é o caso de Eugène Hè-nard, de Iannis Xenakis e do Relatório Bucha-nan. Aborda ainda a autora pensadores comoPatrick Geddes, Marcel Poète, Jane Jacobs,Leonardo Duhl, Kewin Lynch e Lewis Mun-ford, os quais pensam a cidade, desde uma or-ganicidade que parte do humanismo. Choaytrabalha as idéias de Tony Garnier, Benoit-Levy, Walter Gropius, Le Corbusier e Strumi-lin, como as de um urbanismo progressista eas concepções de Camilo Site, Ebenezer Ha-ward e Raymond Unwin, como as de um ur-banismo culturalista. Situa também uma filo-sofia da cidade a partir das idéias de VictorHugo, Georg Simmel, Oswald Spengler e Mar-tin Heidegger.

O que nos interessa aqui é ressaltar umaperspectiva que ora privilegia o pensamentoe a importância do pensar, pois o desejo é oque governa, doma os impulsos, e ora o cor-po e o sensível, esse, às vezes, valorizado pordemais em sua biologia pelos ecologistas co-mo um corpo animal. Não restam dúvidas deque a pólis e a urbis se desenvolvem a partir deum ordenamento social dos desejos, de leis.Mas elas também estruturam um espaço, cujoacesso à percepção e à legibilidade facilita oudificulta a vida das pessoas, tornando-a mais

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fácil ou mais difícil de ser vivida. É o campodo traço ou o risco de uma engenharia e ar-quitetura estranhas (unheimliche), acolhendocomportamentos estranhos, uma vez que de-vemos admitir existir aqui uma razão da de-sordem. O trabalho de Gordon Cullen (1968)é uma preciosidade em torno dessa questão dotraço no urbano. Ali o traço tende a trazer oambiente para uma ordem mais próxima à vi-da intima, interna ao sujeito, o que seria parao externo uma desorganização. Mas nem to-da a desorganização interna pode ser desenha-da, porque apenas pode ser prevista interna-mente, a cada instante da vida do sujeito.

Tendemos a crer que as instituições nãocooperam muito. Por isso afirmamos que umacesso ao terreno e ao crédito talvez fossemas únicas providências a serem tomadas pelopoder público quanto à habitação. A situaçãodo sujeito, sempre condicionada ao corpo, aseu conforto e à técnica, portanto, está amar-rada às espacialidades. A inquietude do ho-mem, suas navegações infindáveis não o exi-mirão jamais de viver sem água e sem se preo-cupar com o espaço para onde a dispensarádepois de usada. Não há como pensar em umacidade onde falte água por quinze dias segui-dos.

A perambulação humana foi acompanha-da pela teoria sobre seus deslocamentos e fi-xações. Criou-se uma teoria que acompanhouos Ciclos, as Redes, os Pólos e a sua comple-mentaridade. Milton Santos (1993) chegou acriar uma teoria unitária em que juntava omovimento à inércia: os fixos e os fluxos. Acres-centaríamos que fluxo, para o sujeito, não é omesmo que rotina ou ritualística. É o lugar dapulsão, daquilo que não tem governo e umateoria unitária não alcançaria esse movimen-to em todos os sujeitos. Freud inventou a teo-ria pulsional, ao perceber que as representa-ções não dariam conta da inquietude do su-jeito. Seria necessário, como dissemos, umcontínuo acolhimento da apresentação dos su-jeitos que se deslocam nos palcos do seu espa-ço-ambiente, para se falar de algo vivo, da teo-ria para um traçado, para uma geografia comlugares para o sujeito e portanto para o inu-sitado, para o risco. Os arquitetos ou engenhei-ros medievais eram conhecidos como mestresdo risco, cabendo, nessa metáfora, o perigo naexecução de um projeto para as volutas de umacatedral, que eram traçadas na medida queeram construídas, as tensões sendo examina-das na medida que eram ajuntadas as pedras.

Para eles as pedras eram tão importantes quan-to o traçado do arco, como mostrou Ítalo Cal-vino em seu livro Cidades invisíveis.

Um movimento a situar a periferia comosítio de consumo de pensamentos e práticasoriundos dos centros de produção da cultura– que pode ir até um mundo que não sabe desi mesmo – deve convocar algum exame. A ver-dade, quando vinda de um só centro, é como aluz vinda da boca da caverna de Platão. Comonos diz Badiou (1997), o problema está emquerermos, quando chegados do centro, con-vencer a quem está nas sombras, de que vimosa verdade.

Por isso, as cidades aparecem, na literatu-ra e na arte, como divididas, partidas, invisí-veis, ausentes, minerais (de quartzo), comoutopias e como sede de democracias ou dita-duras, ou formas imaginárias para situar vi-das pré-tensamente governáveis. O possível, nacompreensão do fato urbano hoje, está, pois,mais próximo da arte. Com a modernidade, aarte se separa definitivamente da técnica. Se,até Platão, a arte (poiesis) e a técnica (tekné)andaram juntas (Heidegger, 1990), algum es-forço devemos fazer, acompanhando Argan(1999), para ver a dialética clássico-anticlás-sico, contida em toda produção humana e nãosomente no trabalho da arte. Então, a ciência,não estaria, tão obsessivamente, presa a mo-delos. Na época clássica eles deveriam ser pro-curados e repetidos à exaustão. Estavam já nanatureza, eram graça divina a ser encontrada.E mesmos os grandes mestres faziam esforçosobre humano para colocar uma idéia nova,dita anticlássica.

Resumindo as idéias deste capítulo, pode-ríamos dizer que o ambientalismo não com-porta teorias messiânicas.• Nas práticas ambientais, a sua teoria sem-pre deve con-ter a perspectiva do outro. É nes-se sentido que para vários autores nada é maiseficaz do que uma boa teoria, que seria refei-ta continuamente, reconhecendo-se no lugarda representação. As teorias oscilam entre umespaço organizado, segundo leis que seriam asda natureza e aquelas que se formam seguindoum conforto, que direta e incessantemente, oscorpos dos sujeitos demandam.• O fluxo, nas cidades, é regido pelo desejoque, às vezes, é de permanência. Nesse senti-do, habitação é demeure, morada.• A evolução da organização do espaço ca-minha para uma aproximação poética dos ele-mentos em seu con-texto.

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Aquilo que fica de fora: o espaço,a desterritorialização e o território humanizado; o lugar-nenhum e o lugar do sujeito

...choc-Erlebnis de Benjamin... a metrópole nãoé mais cidade... o objeto é substituído pela ima-gem, pela escrita luminosa. A arte, que produzobjetos-que-têm-valor, é substituída por umaexperiência estética, cuja finalidade não podeser outra que a criação de imagens-choque, desinais, de notícias elementos urbanísticos. (...)a profunda função estética do mundo não cita-dina, em que se desconhece a superação tecno-lógica e talvez também, o ocultamento que atechné faz do erlebnis (Bruno Contardi, in GCArgan,1992).

A vivência-choque, citada por Benjamin,é o espanto, a perplexidade, pois a vivência(erlebnis), implicando aventura, é a apresen-tação da vida, no simples gesto do viver, com abusca de lugares de encontros. Como a vidahumana implica convívio, toda apresentaçãodos sujeitos se dispõe em direção à representa-ção, a essa outra praça, esse outro ponto deencontro que é a língua, o simbólico e a his-tória. Se teorizamos sobre o viver humano de-vemos falar sobre outros humanos e devemos,pois, ir ao seu encontro. O início do humanoestá no sonho e o ato de encontrá-lo – queFreud chamou de anstoss, e que tem, sem dú-vida, um choque inicial – é surpreender-secom o aparecimento da imagem, no alumbra-mento, para empregar a linda expressão deManuel Bandeira em sua Evocação ao Recife(1986). Mas essa imagem deve ser construída,formada (bildet), no ritmo do sujeito, que es-tá sempre buscando uma história, uma narra-tiva, um esclarecimento para o gesto do seuviver.

Esse choque, entretanto, não pode mais sernegado e, por isso, devemos retomar a teoriada angústia para, em um movimento inversoao da psicanálise, assim podermos nos enri-quecer com o saber da filosofia e dar um novolugar para a perplexidade e o espanto. Somen-te dessa maneira, poderemos nos situar dian-te do que se tem chamado de objeto, ou mes-mo a coisa, (das Ding ou la chose) (Heidegger,1958), ou qualquer ponto que despende emnossas perspécticas para, mais uma vez, em-pregar o saber infinitivo de Brunelleschi (Ar-gan, 1992,1999) e seu dispositivo de com-preensão do espaço que era, ao mesmo tem-po, de entendimento da História. Somente nes-

sa perspectiva, ou perspéctica, poderemos nosaproximar do que chamamos de lugar-ne-nhum.

O lugar-nenhum é uma aproximação cui-dadosa para espaços da tardia modernidade,trazida por Benko (1994), que devemos valo-rizar, apesar e justamente por causa do cho-que do mal-estar e do estranhamento que es-se lugar pode trazer. Lembremos que o mal-estar está associado à angústia, ao medo, aosusto, ao choque. O que é traumático nos le-va à repetição, na procura de seu entendimen-to: na verdade é como se nos situássemos,diante de um acidente, sempre e repetidas ve-zes, querendo, depois do ocorrido, magica-mente, paradoxalmente, estar em momentosanteriores, e nos munirmos, assim, de instru-mentos para enfrentá-lo. A entrada na vida,que se dá a todo instante, tem, no lugar-ne-nhum, oportunidades de re-apresentação, eportanto de simbolização e de compreensão,de pequenos traumas, agora controláveis pe-lo sujeito.

A possibilidade de um trabalho significa-tivo com a organização do espaço urbano e re-gional parece ter se transformado em uma uto-pia, em algo impossível, para além das teoriase dos bons desenhos. O atendimento às neces-sidades das aglomerações em termos de em-prego, saneamento, transporte, educação, la-zer, dos espaços de moradia, resultaria em dis-pêndios vultosos. Produzir um retorno aocampo, parece um sonho ainda mais estapa-fúrdio. Pensar biosferas como as do Arizona,lugares onde estaríamos protegidos de tudo,parece delírio desnecessário, sobretudo paraum país pobre. O entendimento, reconheci-damente em crise, em torno de teorias e depráticas, de agrupamento de técnicas, pareceimprovável, sem uma transdisciplina, um ges-to de comoção, que dependerá do reconheci-mento do que Brunelleschi e, depois, Arganchamaram de perspéctica.

As proposições mais interessantes tem si-do conseguidas a partir de uma ética do con-tinuar, de uma possibilidade do impossível(Badiou, 1997) cuja manifestação central se-ria a da consideração da inclusão local de su-jeitos, em uma época de exclusões. O próprioMovimento dos Trabalhadores Sem Terra, úni-co movimento social do Brasil no momento,exclui os jecas-tatus e os lúmpen.

Vivemos, entretanto, em um mundo ondeas pessoas estão cada vez mais desapercebidas.As liberdades e as espacialidades impessoali-

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zadas fazem os sujeitos ao mesmo tempo em-preenderem uma busca desenfreada por iden-tificações e referências e, por outro lado, que-rerem desfrutar esse espaço do vazio, onde te-rão um tempo infinito para se re-encontra-rem. É o caso dos sem-nome e sem-número,submetidos a uma miséria radical, pois sempossibilidade de escolhê-la (Carneiro Leão,1992), portadores até mesmo de cartões mag-néticos, ou em uma Geografia de Lugar Ne-nhum (Benko, 1994), como os espaços de altarotatividade dos motéis, aeroportos e auto-es-tradas, por exemplo.

Voltamos a insistir, com Freud, que não en-contramos nada, apenas re-encontramos. Nãodesistimos de nossos verdadeiros mestres,aqueles que nos trazem o saber como sabor,como dizia Roland Barthes. Nossas identifica-ções, nossos espaços de re-cord-ações, que sãorastros, indícios, pistas em nossa memória(erinnerunspuren) se vão transformando emum espaço encorpado (embodied), ou de in-corporação (verkörperung), personificação docorpo próprio. Somos revitalizados, na medi-da que o sonhamos, em que vamos construin-do nosso sonho, ao vivê-lo mesmo, pois comojá nos mostrou Calderón de La Barca, la vidaes sueño. Espaços que vão, assim, se tornandonossas habitações, nossas construções, nossopensamento, os três momentos concomitan-tes da morada humana, no pensar heidegge-riano (Heidegger, 1958). A habitação ou o tú-mulo, a teoria ou a inscrição funerária, ga-nham vida quando trazem a vida. A nossa oua dos que nos sucederem. É nesse sentido queHomero afirmava que os demônios do sub-mundo da Odisséia ganham vida quando pro-vam sangue. E é no mesmo sentido que Freudse refere às lideranças. E a análise institucio-nal representa as maquinações do poder.

Uma des-habitação e uma desterritoriali-zação têm levado os sujeitos a um descuidocom o ambiente. Pois os sentimentos ligadosa esses estados não permitem uma avaliaçãocorreta das possibilidades de seu corpo e, por-tanto, do que a ele não pode faltar e do que,para ele, é falha constituinte. É inútil, pois,uma militância ambiental para pessoas, des-corporificadas e desespacializadas. Falamos deespaços próprios para o humano, que devemprever o necessário para o biológico, mas tam-bém para a criatividade, para a inventividadesem a qual o homem humano não existe. O es-paço deve incluir, assim, uma óbvia possibili-dade de vida e de sobrevivência. Mas deve per-

mitir para além do controle, preocupaçãoprincipal dos desenhos, um lugar sempre dedes-adequação, lugar do sujeito e do novo.Como? Tentando-se, como é de costume davida.

O trabalho com o espaço deverá, agora,considerar um novo momento dos sujeitos,que já se procuram nas virtualidades, mas quenão podem mais adiar uma re-volta contínua,presente na busca de espaços esquecidos, decorpos des-habitados. Essas revoltas, essas bus-cas, às vezes, compulsivas na motricidade, de-senterram uma série de técnicas alternativaspara o corpo. Uma institucionalização de prá-ticas a ele ligadas – das cirurgias plásticas econsultas para nutrição adequada e dietas, atéas academias, as tatuagens e o pearcing – o temmortificado cada vez mais.

É assim que vamos re-solvendo, dissolven-do, infinitamente – diríamos com Freud e Ar-gan –, sempre velhas tensões e velhas transfe-rências, agora, mais ainda de forma imperati-va, pois caímos no vácuo dos espaços das re-des telemáticas. Esses espaços são, agora, aque-les onde a intimidade é trazida para o merca-do. Diante disso, o corpo humano não podemais adiar os movimentos, que sendo huma-nos devem ser criativos, por mais interditadosque sejam, em direção aos lugares. Lugaresnunca a priori desenhados, onde o homem de-ve, paradoxalmente, perdido, se re-encontrarem uma indagação, fundada em uma indigna-ção que o legitima. Indagação sobre o destinodos sítios e da sua situação de sujeito, a elesdiretamente ligada. Nesse movimento serãore-encontrados a memória e os convívios, emencontros e des-encontros.

Parece que o sujeito estará, cada vez mais,exposto à fadiga e ao mal-estar, no seu desti-no interminável de procura de um lugar, dian-te de um exército de supérfluos em que foitransformado juntamente com seus semelhan-tes. Mas parece, também, que aqueles envol-vidos com o poder, o controle e a administra-ção estarão mais propensos à desilusão. Os es-paços reservados pela modernidade tardia, sedeixam os sujeitos mais perdidos, também osdeixam mais difíceis de serem encontrados,sobretudo para uma lealdade tão desejada pe-los governos.

Podemos dizer que qualquer pensamentoatual sobre a qualidade do ambiente deve par-tir dessa des-qualifição própria dos lugares.Dessa multiplicidade de vias de ek-sistência,trazida agora, pela civilização, com uma pos-

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sibilidade de descorporificação das presençasvindas com a proliferação dos lugares-nenhum.Diríamos, uma des-corporificação – presentenas redes de acesso público, a contarem ago-ra com a telemática, e nos novos enredos daarte possibilitando, aos sujeitos, em todo o es-paço da cidade uma vida que é, ao mesmotempo, memória e convívio, apresentação e re-presentação.

Esse fato nos revela um homem com maispossibilidade de liberdade e, talvez, por issomesmo, tão caçado e cassado pelo poder.

As idéias principais do presente capítulosão as seguintes: • Há um ocultamento do mais profundo davivência, para que o sujeito se preserve comotal. Esse ocultamento está ligado ao choquecom o ambiente e à capacidade de espanto queé vivida no próprio corpo e se dá de forma efê-mera.• A capacidade de espanto é condição cen-tral para se entender o espaço necessário pa-ra os sujeitos humanos.• A psicanálise sozinha não pode delinear oscaminhos do sujeito no espaço-ambiente, mas

é por onde poderemos ter uma idéia inicialdos pontos de partida.• O transdisciplinar, antes de ser um espaçodisciplinar, é um lugar de abandono de saberesa priori constituídos. O desamparo inicial,constitutivo do humano, revivido nesse aban-dono é essencial para a compreensão do queseja o espaço-ambiente, necessário para umasituação do sujeito humano.• O verdadeiro mestre é o que reconhece aexistência de outros ideais.• O mesmo espaço, se encorpa, nos acolhe eé por nós incorporado, na medida que é nos-sa morada.• O espaço para o novo compreende umacerta desadequação dos sujeitos.• O espaço da telemática elimina interdições,expõe intimidades, dificulta e facilita contro-les e convívios.• Os espaços da atualidade, se deixam os su-jeitos perdidos, os deixam, também, mais difí-ceis de serem controlados pelos governos.• Esses espaços revelam um homem compossibilidades de encontros mais genuínos e,por isso, mais caçado e cassado pelo poder.

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