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Quando a universidade se tornou um condomínio Mais uma vez me coloco a contar uma história sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie, instituição em que estudo e da qual muitas vezes, não todas, tenho grande orgulho. Hoje é um desses momentos em que meu orgulho se esconde e dá lugar a vergonha de estar nesta tão renomada dentre as universidades brasileiras. A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, por exemplo, é a mais antiga FAU do Brasil e já possuiu em seu corpo docente alguns dos maiores nomes da arquitetura brasileira e muitas promessas de composição da esfera estelar desta ciência. Enfatizo esse curso por dois motivos. Primeiramente, posso falar com certeza sobre todas as qualidades e defeitos da FAU- Mackenzie pois sou aluno nesta desde 2007 e já estou habituado. Como segundo fator desta ênfase está o assunto que desejo debater no momento, a relação urbana da universidade com a sociedade onde esta inserida. Esta universidade tem características pouco comuns as instituições de ensino superior brasileiras, principalmente quando instituições particulares. Um campus que ocupa um quarteirão de aproximadamente 60.000m² no coração da maior cidade da américa latina, mais de 40 mil alunos, 30 mil estudando somente dentro deste campi, em breve uma estação de metrô praticamente dentro de suas dependências. O terreno gigantesco citado não foi de todo doado ou comprado pela instituição. Como poucos sabem e alguns desconfiam, por decadas o Mackenzie ocupou, sob regime de comodato, lotes e uma rua pertencentes a prefeitura, a qual renovava o acordo todos os anos até pouco tempo atrás, quando decidiu que a Universidade precisaria comprar o terreno e os prédios locados nos mesmos. É importante entender que o valor de tal transação se tornou tão exorbitante que, segundo informado pela gerência financeira, o Mackenzie ainda não quitou esse débito, o que está sendo feito em nem tão suaves prestações. O importante desse fator é que essa instituição não seria o que é hoje, não totalmente, se não tivesse usufruido como tantas outras das “folgas” institucionais dos governos brasileiros. Ora, não vamos condenar ninguém por isso, tantos outros fizeram pior, ao menos o Mackenzie presta um serviço educacional e é uma instituição filantrópica. Esse é um ponto onde também se deve tomar cuidado ao citar a “filantropia” Mackenzista. Não nego que existam muitas ações sociais movidas pelo IPM, Instituto Presbiteriano Mackenzie, e pela própria universidade, mas logicamente nada disso é de graça. Todos que entendem um pouco sobre a tributação brasileira sabem que essas “Instituições filantrópicas” ou “Sem fins lucrativos”, como o Mackenzie se auto-interpreta, possuem uma série infindável de vantágens tributárias regidas por legilação federal. Taxas e impostos previdenciários além do 20° IPTU mais caro da capital paulista, R$ 2,71 milhões de reais em 2010, estão entre os impostos que deixariam de ser pagos pela instituição. As informações contábeis sobre a universidade não são claras aos estudantes pois o departamento financeiro nega qualquer acesso a essas informações por parte dos Centros e Diretórios Acadêmicos, inclusive o DCE, mesmo sendo esses os representantes dos estudantes. A falta de respeito aos representantes dos estudantes é tanta, que os C.A.s e D.A.s todos os anos são coagidos ou subornados, no pior tom das palavras, a assinar ciência e concordância com o aumento de mensalidade, mesmo que em muitos aspectos a universidade estar em péssimas condições de manutenção, como nos prédios de Engenharia, Arquitetura e direito. Para onde vão as mensalidades de até 1800,00

Quando a universidade se tornou um condomínio

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Quando a universidade se tornou um condomínio

Mais uma vez me coloco a contar uma história sobre a Universidade Presbiteriana

Mackenzie, instituição em que estudo e da qual muitas vezes, não todas, tenho grande

orgulho. Hoje é um desses momentos em que meu orgulho se esconde e dá lugar a vergonha

de estar nesta tão renomada dentre as universidades brasileiras. A Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo Mackenzie, por exemplo, é a mais antiga FAU do Brasil e já possuiu em seu corpo

docente alguns dos maiores nomes da arquitetura brasileira e muitas promessas de

composição da esfera estelar desta ciência. Enfatizo esse curso por dois motivos.

Primeiramente, posso falar com certeza sobre todas as qualidades e defeitos da FAU-

Mackenzie pois sou aluno nesta desde 2007 e já estou habituado. Como segundo fator desta

ênfase está o assunto que desejo debater no momento, a relação urbana da universidade com

a sociedade onde esta inserida.

Esta universidade tem características pouco comuns as instituições de ensino superior

brasileiras, principalmente quando instituições particulares. Um campus que ocupa um

quarteirão de aproximadamente 60.000m² no coração da maior cidade da américa latina, mais

de 40 mil alunos, 30 mil estudando somente dentro deste campi, em breve uma estação de

metrô praticamente dentro de suas dependências. O terreno gigantesco citado não foi de todo

doado ou comprado pela instituição. Como poucos sabem e alguns desconfiam, por decadas o

Mackenzie ocupou, sob regime de comodato, lotes e uma rua pertencentes a prefeitura, a qual

renovava o acordo todos os anos até pouco tempo atrás, quando decidiu que a Universidade

precisaria comprar o terreno e os prédios locados nos mesmos. É importante entender que o

valor de tal transação se tornou tão exorbitante que, segundo informado pela gerência

financeira, o Mackenzie ainda não quitou esse débito, o que está sendo feito em nem tão

suaves prestações. O importante desse fator é que essa instituição não seria o que é hoje, não

totalmente, se não tivesse usufruido como tantas outras das “folgas” institucionais dos

governos brasileiros.

Ora, não vamos condenar ninguém por isso, tantos outros fizeram pior, ao menos o

Mackenzie presta um serviço educacional e é uma instituição filantrópica. Esse é um ponto

onde também se deve tomar cuidado ao citar a “filantropia” Mackenzista. Não nego que

existam muitas ações sociais movidas pelo IPM, Instituto Presbiteriano Mackenzie, e pela

própria universidade, mas logicamente nada disso é de graça. Todos que entendem um pouco

sobre a tributação brasileira sabem que essas “Instituições filantrópicas” ou “Sem fins

lucrativos”, como o Mackenzie se auto-interpreta, possuem uma série infindável de vantágens

tributárias regidas por legilação federal. Taxas e impostos previdenciários além do 20° IPTU

mais caro da capital paulista, R$ 2,71 milhões de reais em 2010, estão entre os impostos que

deixariam de ser pagos pela instituição. As informações contábeis sobre a universidade não

são claras aos estudantes pois o departamento financeiro nega qualquer acesso a essas

informações por parte dos Centros e Diretórios Acadêmicos, inclusive o DCE, mesmo sendo

esses os representantes dos estudantes. A falta de respeito aos representantes dos estudantes

é tanta, que os C.A.s e D.A.s todos os anos são coagidos ou subornados, no pior tom das

palavras, a assinar ciência e concordância com o aumento de mensalidade, mesmo que em

muitos aspectos a universidade estar em péssimas condições de manutenção, como nos

prédios de Engenharia, Arquitetura e direito. Para onde vão as mensalidades de até 1800,00

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reais pagas pelos estudantes? Para expansões absurdas da instituição para outros estados? Ou

em ações como o mega show meramente propagandista promovido todos os semestres com o

irônico nome de “Trote Solidário”. Só neste evento foram gastos nada mais nada menos que

aproximadamente 400.000 reais no ano de 2011. Com esse dinheiro poderia-se fazer muita

filantropia, com certeza.

Esses aspectos expostos, apesar de muito importantes, não são o foco no momento. O

importante desse texto é demonstrar como a Universidade Presbiteriana Mackenzie deve a

sociedade e não pode se fechar para a mesma. Não é possível que essa instituição usufrua da

infraestrutura disposta no centro da capital financeira do país e se negue a deixar suas ruas de

pedestre e bosques abertos a sociedade. Que essa instituição chame-se de fomentadora da

pesquisa e desenvolvedora do conhecimento e negue aos paulistanos o livre acesso a

biblioteca “George Alexander”, a biblioteca universitária mais antiga do Brasil, e a todo seu

acervo.

É notório que bairros murados, com portarias blindadas, cercas elétricas e bloqueios

de identificação, como as catracas que serão colocadas no Mackenzie, são tão ou mais

perigosos que os demais.

Afinal, os alunos, professores e funcionários mackenzistas só tem problemas de

violência dentro do campus da universidade? Bloqueios trarão alguma melhora na segurança?

Todos vão se trancar dentro da UPM e jamais sair? Será que essa medida está sendo pensada

ou é apenas mais uma bobagem sem nexo algum, e muito cara, feita pela UPM. Coloco abaixo

algumas notícias para reflexão. A quem interessar, leiam na integra nos links.

Estudante do Mackenzie baleado nos Jardins continua na UTI

FOLHA.COM – COTIDIANO – 24/11/2011

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1011419-estudante-do-mackenzie-baleado-nos-jardins-continua-na-uti.shtml

Como foi a tragédia em Realengo “Na quinta feira, 7 de abril, Wellignton Menezes de Oliveira chega bem vestido a sua antiga escola. Ele alega que vai apenas buscar um documento que havia de fato requisitado na semana anterior...Saca dois revólveres de uma bolsa e começa a disparar contra os alunos.” Reconstituição dos fatos PORTAL G1 – 07/04/2011 http://g1.globo.com/Tragedia-em-Realengo/noticia/2011/04/como-foi-tragedia-em-realengo.html

Condomínio de luxo é assaltado na Zona Sul de SP “Os três homens armados e encapuzados renderam uma funcionária e invadiram... A segurança é feita por uma

empresa particular e o condomínio conta com um sistema de vigilância por câmeras...”

PORTAL G1 – 19/05/2010

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/05/condominio-de-luxo-e-assaltado-na-zona-sul-de-sp.html

Onda de roubos a celulares assusta moradores e alunos em Higienópolis “Nos últimos cinco meses, a Polícia Civil registrou mais de 100 boletins de ocorrência sobre esses tipos de crimes na região. O corredor de ônibus na Rua da Consolação, que liga o Centro à Avenida Paulista, concentra o maior número de casos, com quase 40 notificações. Dados da Polícia Militar revelam outros números e crimes diferentes dos da Polícia Civil. Segundo a PM, as ruas Itambé, Maria Antônia e Piauí, que cercam a Universidade Mackenzie, tiveram juntas 63 casos de furto, dez de furto a veículos,

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16 roubos e três de roubos a veículos. Separadamente, cada uma das três vias também teve aumento em índices de criminalidade.”

"Sou morador do bairro de Higienópolis e estudo no colégio Mackenzie. Em dois meses, já fui assaltado duas vezes na

mesma rua, a Piauí, a menos de 100 metros da escola e também a menos de 100 metros da minha casa...”

“Minha filha de 11 anos estuda no Mackenzie e já foi assaltada também no caminho da escola para casa”

“A gente tem observado que antes os policiais militares ficavam na esquina da Avenida Higienópolis com a Rua Dona

Veridiana, mas não tenho visto isso faz um tempo...”

Portal G1 – 17/11/2011

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/onda-de-roubos-celulares-assusta-moradores-e-alunos-em-higienopolis.html

E agora? O que tem a ver tudo isso com as catracas do mackenzie? E a segurança do

campus?

Bom, qualquer um, por menos instruído que seja, percebe com essas notícias alguns

fatos. Primeiramente, todos os estudantes do Mackenzie vivem em São Paulo, maior cidade da

América Latina, a sexta maior do mundo, e uma das 20 mais globalizadas do planeta. Não

estão menos suscetiveis a criminalidade por se trancar durante as aulas, pois o fim de semana,

a parada no bar após a aula, o caminho para casa, tudo isso é muito mais perigoso do que se

imagina, mas é tão perigoso quanto sempre foi, ou menos.

Segundo o estudo “Mapa da violência 2011 – Os jovens do Brasil” de Julio Jacobo

Waiselfisz o índice de homicídios em São Paulo caiu continuamente cerca de 73% de 1998 a

2008.

Tabela 3.2.1. Número de Homicídios na População Total por Capital e Região. Brasil, 1998/2008.

Fonte: SIM/SVS/M

Mesmo estando em uma cidade mais segura não se pode negar que os perigos

existem, e muitos, mas será que eles estão dentro da Universidade Presbiteriana Mackenzie? A

própria polícia noticía que o entorno, e não o interior, da universidade é a região mais perigosa

do bairro. O estudante que vai embora para casa de onibus, provavelmente vai passar pelo

ponto da consolação, em frente ao prédio da Reitoria do Mackenzie, ponto colocado como o

mais suscetivel a furtos dos arredores. Já os estudantes que pegam metrô na volta para casa

não contam mais com o policiamento na Rua Itambé, como contou em reportagem ao Portal

G1 membro da associação de moradores do bairro. O jeito seria se mudar para perto da

instituição, mas morar a 100 metros de distância não tem resolvido a vida de alguns

estudantes do Colégio Mackenzie, contíguo a universidade, que foram assaltados no caminho

para casa, e não dentro da instituição.

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Se cercar de muros, cameras e alarmes não é de grande valia quando se é o foco dos

bandidos, se bancos são invadidos com todo seu aparato, o que são catracas no mackenzie?

Nada, talvez menos.

Impedir a passagem de qualquer um pela universidade é possível. Identificar quem

deseja entrar e registrar o motivo também. Mas o que impede qualquer pessoa de cometer

crimes quando do lado de dentro? O RG falso anotado pelo segurança? Ou o cartão do

terminal interativo do aluno – TIA, como é chamado, que pode ser facilmente furtado de

qualquer estudante?

A segurança não está ligada a quanto dinheiro se gasta com ela, está sim

absolutamente conectada ao modo como as pessoas encaram a vida nas cidades. Não

bastassem os fatos recentes e obviamente convincentes quanto a ineficiência da colocação de

catracas podemos consultar a bibliografia especializada, muito provavelmente deixada de lado

pelos dirigentes dessa instituição. A autora Jane Jacobs, em seu livro “Morte e vida das

grandes cidades” trata com maestria o assunto e usa de todo o conhecimento adquirido em

sua vida de ativismo político. Para os que não leram a obra, a resenha de Fernando R. no blog

de Democracia e Liberdade explica um trecho do livro bastante relevante para o fato aqui

analisado.

“Um fato interessante, é que as cidades que a autora procura descrever são aquelas em que é possível o pedestrianismo. O maior obstáculo para os deslocamentos a pé e a monotonia das ruas. A monotonia, ou Grande Praga da Monotonia como chama a autora, é vista como a maior inimiga das ruas e das grandes cidades. Quando as ruas tornam-se monótonas, elas afastam as pessoas. E ruas pouco movimentadas são, nas grandes cidades, um chamariz para a criminalidade. Esta observação decorre na idéia muito clara que Jane Jacobs tem do que é uma grande cidade: grande cidade não é uma coleção de cidades pequenas, justapostas: uma grande cidade é um local onde a grande maioria das pessoas com as quais nos relacionamos, fazemos trocas e compartilhamos os espaços públicos nos são predominantemente desconhecidos. Esta dinâmica das grandes cidades faz com que o controle social das ruas, que é exercido apenas parcialmente pela polícia, seja feito pelos olhos atentos de todos estes desconhecidos, e pela capacidade deles de intervir em favor de outros desconhecidos em caso de necessidade que só é possível através dos códigos implícitos de conduta.”

http://democraciaeliberdade.blogspot.com/2008/11/morte-e-vida-de-grandes-cidades-jane.html

Com base nesse livro, que vale a pena ser lido por todos que vivem em grandes

cidades, a segurança não virá da polícia, nem da tecnologia mas da vivência que fazemos das

cidades e o modo como nos cuidamos mutuamente.

Analisados os fatos e os estudos, pode-se ancontrar motivos vários para afirmar que

bloqueios nas entradas da Universidade Presbiteriana Mackenzie não só serão ineficiêntes

para garantir a segurança dos estudantes, professores e funcionários, como vão piorar os

fatores de risco, tornando o fluxo de pessoas mais difícil, as ruas mais vazias durante os

períodos de aula, a universidade desconectada da cidade ao redor e a sociedade mais pobre de

cultura, espaço de contemplação.

Com vocação para urbanista, apesar de ainda precisar aprender muito, me recordo do

dia em que entrei pela primeira vez no Mackenzie, pouco antes do vestibular em 3 dias que já

não existe mais. Meu primeiro olhar para o campus foi de estranhesa, pensei que ao ir estudar

no centro de São Paulo perderia totalmente contato com bosques, contemplação da natureza,

áreas de conversas, passeios, costumeiros em meu colégio encrustrado junto a um convento

de terreno gigantesco. Foi uma agradavel surpresa descobrir a universidade que permitia,

mesmo em seu território privado, a circulação de pessoas não matriculadas em qualquer

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ambiente. Outra lembrança que me vem a cabeça é a de quando me encontrei com um senhor

parado diante do DAFAM – Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura Mackenzie –

Preocupado com a expressão de melancolía deste homem, questionei o motivo de sua feição e

o mesmo me respondeu com a seguinte frase “Eu fiz parte desse diretório no tempo da

ditadura, foram tempos difíceis”. Ele obviamente se referia ao tempo em que esse diretório

tinha tendências socialistas e não era bem visto nem por seus pares Mackenzistas.

Ao trancar uma instituição de 140 anos, 60 mil metros quadrados, 30 mil alunos,

egressos renomados, e outras coisas mais, ao fazer isso a Universidade estará não somente

desrespeitando seu corpo docente e discente, largando-os a própria sorte quando fora dos

muros mackenzistas, mas estará também cospindo e destruindo parte importante da

manutenção da vida e da história desse lugar, a livre visitação de antigos e novos amigos do

Mackenzie.

Dito isso, despeço-me com a o momento que comprova, em fotografia de Luís Prado, a

hipocrisia das atitudes da administração dessa universidade.

Funcionários medem local para a colocação de catracas no acesso da Rua da Consolação da UPM

Saudações Mackenzistas,

Miguel Angelo Aguiar de Lima

Ficando farto da falta de profissionalismo do Mackenzie