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Revista Brasileira de Energia Vol. 2 | N o 1 Tópicos Atuais Questões Chave do Setor Elétrico de países em Desenvolvimento 1 Tópicos Atuais Questões Chave do Setor Elétrico dos Países em Desenvolvimento Adilson de Oliveira 1 l. Introdução A energia emergiu como uma questão na década de 70. Naquele momento, a preocupação com o rápido esgotamento das reservas petrolíferas mundiais gerou políticas ativas visando a descoberta de petróleo fora da zona controlada pela OPEP, a substituição do petróleo por fontes alternativas e a conservação de energia. Os resultados conseguidos por essas políticas foram substanciais: o ritmo de incremento do consumo de energia, especialmente de petróleo, se reduziu fortemente, sobretudo nos países desenvolvidos, e foram feitas significativas descobertas de recursos fósseis em diversas regiões do mundo. As transformações estruturais provocadas por asses resultados no mercado petrolífero foram tais que a preocupação com o esgotamento físico das reservas mundiais de combustíveis fósseis foi minimizada (Davis, 1989), ainda que permaneça no mundo desenvolvido a preocupação com o acesso político aos vastos recursos petrolíferos do Oriente Médio. Se a preocupação com o esgotamento dos recursos fósseis se reduziu, cresceu fortemente a preocupação com o meio ambiente, tendo o efeito estufa dado uma conotação também global à questão ambiental (Schneider, 1989). O setor elétrico se singularizou como o principal foco da atenção dos ambientalistas. Explicase: o crescimento do consumo de eletricidade segue sendo acentuado, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento; a oposição à energia nuclear não arrefeceu; a resistência à construção de barragens é crescente e as centrais termelétricas são o principal foco centralizado de emissões de C02. Este novo contexto deslocou as preocupações dos formuladores de política energética da disponibilidade física de recursos para o acesso aos mananciais petrolíferos do Oriente Médio e para a minimização dos impactos ambientais da produção e do uso de energia, principalmente eletricidade. Ambos os aspectos tem profundas implicações tanto no campo geopolítico quanto econômico. Para os países em desenvolvimento, o crescimento da oferta de eletricidade permanece sendo um componente essencial de sua estratégia de desenvolvimento econômico. O crescimento populacional, a urbanização e a industrialização deverão induzir por muitos anos ainda um forte crescimento do consumo desse energético (Energia e Desenvolvimento, 1986). A modernização e o incremento de produtividade das economias em desenvolvimento podem dificilmente ser concebidos sem o crescimento concomitante do consumo de eletricidade. Contudo, a eletricidade é uma indústria capitalintensiva. Ela drena uma parcela bastante substancial da capacidade de financiamento e dos recursos tecnológicos dos países em desenvolvimento e produz significativos impactos macroeconômicos que necessitam ser cuidadosamente avaliados. Estas preocupaç8es levaram o Programa Cooperativo sobre Energia e Desenvolvimento COPED 2 a realizar uma ampla pesquisa sobre as questões chave enfrentadas pelo sistema elétrico dos países em desenvolvimento (Oliveira, 1990). Este artigo resume e sintetiza o trabalho realizado, pretendendo oferecer aos "policymakers" tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento uma visão atual da situação e das perspectivas do setor elétrico dos países em desenvolvimento. 2. Metodologia e características da amostra Cada centro de pesquisa de país em desenvolvimento realizou o estudo do sistema elétrico do seu próprio país 3 analisou a situação do setor elétrico da sua subregião. Os centros europeus 1 Professor no Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ 2 A rede de centros COPED é constituída por 10 centros de pesquisa que se ocupam da economia de energia em países em desenvolvimento. A rede opera há dez anos e mantém um programa de pesquisa que é objeto de divulgação regular através do seu boletim (COPED bulletin, 1989). 3 A única exceção foi no caso do ENDA, que estudou 4 países africanos. A rede de centros e sua localização geográfica é apresentada no anexo 1

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Tópicos Atuais Questões Chave do Setor Elétrico de países em Desenvolvimento

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Tópicos Atuais

Questões Chave do Setor Elétrico dos Países em Desenvolvimento

Adilson de Oliveira 1

l. Introdução

A energia emergiu como uma questão na década de 70. Naquele momento, a preocupação com o rápido esgotamento das reservas petrolíferas mundiais gerou políticas ativas visando a descoberta de petróleo fora da zona controlada pela OPEP, a substituição do petróleo por fontes alternativas e a conservação de energia. Os resultados conseguidos por essas políticas foram substanciais: o ritmo de incremento do consumo de energia, especialmente de petróleo, se reduziu fortemente, sobretudo nos países desenvolvidos, e foram feitas significativas descobertas de recursos fósseis em diversas regiões do mundo.

As transformações estruturais provocadas por asses resultados no mercado petrolífero foram tais que a preocupação com o esgotamento físico das reservas mundiais de combustíveis fósseis foi minimizada (Davis, 1989), ainda que permaneça no mundo desenvolvido a preocupação com o acesso político aos vastos recursos petrolíferos do Oriente Médio.

Se a preocupação com o esgotamento dos recursos fósseis se reduziu, cresceu fortemente a preocupação com o meio ambiente, tendo o efeito estufa dado uma conotação também global à questão ambiental (Schneider, 1989). O setor elétrico se singularizou como o principal foco da atenção dos ambientalistas. Explica­se: o crescimento do consumo de eletricidade segue sendo acentuado, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento; a oposição à energia nuclear não arrefeceu; a resistência à construção de barragens é crescente e as centrais termelétricas são o principal foco centralizado de emissões de C02.

Este novo contexto deslocou as preocupações dos formuladores de política energética da disponibilidade física de recursos para o acesso aos mananciais petrolíferos do Oriente Médio e para a minimização dos impactos ambientais da produção e do uso de energia, principalmente eletricidade. Ambos os aspectos tem profundas implicações tanto no campo geopolítico quanto econômico.

Para os países em desenvolvimento, o crescimento da oferta de eletricidade permanece sendo um componente essencial de sua estratégia de desenvolvimento econômico. O crescimento populacional, a urbanização e a industrialização deverão induzir por muitos anos ainda um forte crescimento do consumo desse energético (Energia e Desenvolvimento, 1986). A modernização e o incremento de produtividade das economias em desenvolvimento podem dificilmente ser concebidos sem o crescimento concomitante do consumo de eletricidade. Contudo, a eletricidade é uma indústria capital­intensiva. Ela drena uma parcela bastante substancial da capacidade de financiamento e dos recursos tecnológicos dos países em desenvolvimento e produz significativos impactos macroeconômicos que necessitam ser cuidadosamente avaliados.

Estas preocupaç8es levaram o Programa Cooperativo sobre Energia e Desenvolvimento ­ COPED 2 a realizar uma ampla pesquisa sobre as questões chave enfrentadas pelo sistema elétrico dos países em desenvolvimento (Oliveira, 1990). Este artigo resume e sintetiza o trabalho realizado, pretendendo oferecer aos "policy­makers" tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento uma visão atual da situação e das perspectivas do setor elétrico dos países em desenvolvimento.

2. Metodologia e características da amostra

Cada centro de pesquisa de país em desenvolvimento realizou o estudo do sistema elétrico do seu próprio país 3 analisou a situação do setor elétrico da sua sub­região. Os centros europeus

1 Professor no Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ 2 A rede de centros COPED é constituída por 10 centros de pesquisa que se ocupam da economia de energia em países em desenvolvimento. A rede opera há dez anos e mantém um programa de pesquisa que é objeto de divulgação regular através do seu boletim (COPED bulletin, 1989). 3 A única exceção foi no caso do ENDA, que estudou 4 países africanos. A rede de centros e sua localização geográfica é apresentada no anexo 1

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contribuíram com uma revisão das políticas adotadas pelo Banco Mundial e uma análise das questões chaves do sistema elétrico dos países desenvolvidos, que possam ter algum impacto nos países em desenvolvimento.

O estudo cobriu 11 países em desenvolvimento: 5 africanos, 3 asiáticos e 3 latino­americanos. Esses 11 países representavam 60,3% da população, 49,4% do produto interno bruto, 63,7% do consumo de energias modernas e 56,8% da geração de eletricidade total dos países em desenvolvimento em 1987 (figura 1). A situação de desenvolvimento econômico dos países estudados é bastante diferenciada (figura 2). Os países latino­americanos (Argentina, Brasil e México) fazem parte do grupo de países de renda per capita média e dispõem de um setor industrial relativamente sofisticado. A China e a Índia tão um setor industrial bastante desenvolvido, porém uma renda per capita muito baixa. A Tailândia e a Argélia também fazem parte dos países de renda per capita média, porém têm um setor industrial ainda emergente. Os países africanos, com exceção da Costa do Marfim, fazem parte do grupo de países de baixa renda per capita, e todos eles tem uma economia largamente sustentada pelo setor primário.

Uma situação econômica tão diversificada produz uma situação também bastante diversificada quanto ao consumo de energia (figura 3) e à geração de eletricidade (figura 4). Nos países latino­ americanos encontramos os níveis mais elevados de consumo de energia per capita, refletindo seu grau mais elevado de desenvolvimento econômico; o Brasil apresenta um consumo substancialmente inferior ao do México e da Argentina, em parte devido a uma estrutura energética mais eficiente e por outra paste devido à presença significativa de biomassas (que não foram contabilizadas) no abastecimento energético da economia brasileira. Na China, na Tailândia e na Argélia encontra­se consumos de energia per capita intermediários, se caracterizando a Índia e os países ao sul do Saara por níveis de consumo per capita muito baixos. O quadro identificado quanto ao consumo de energia se reproduz na geração de eletricidade.

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É interessante notar as enormes diferenças, tanto no consumo de energia per capita quanto na geração de eletricidade per capita, entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento (figura 5); as diferenças são muito mais acentuadas no que se refere ao consumo de energia do que à geração de eletricidade. Esses números são indicadores claros do enorme esforço que os países em desenvolvimento ainda têm pela frente no tocante à construção de sua infra­estrutura energética. A figura 1, se combinada com a figura anterior, nos aponta o enorme impacto que um incremento dos níveis de consumo de energia per capita dos países em desenvolvimento teria sobre a demanda de energia mundial. Esses elementos são suficientes para apontar a importância de se conhecer melhor a situação e as perspectivas que se apresentam para a evolução futura do sistema elétrico dos países em desenvolvimento.

3. As questões chave do sistema países em desenvolvimento

A energia, especialmente a eletricidade, é percebida pelas populações dos países em desenvolvimento como um insumo fundamental, que não só permite sua inserção na sociedade moderna, como também permite incrementar a produtividade do seu trabalho. Respondendo a esse anseio popular, e tendo como objetivo retirar rapidamente largos contigentes de população da situação de pobreza absoluta, governos dos países em desenvolvimento têm como objetivo prioritário o abastecimento de todas as regiões e todos os cidadãos, tanto em zonas rurais quanto urbanas, com eletricidade barata.

3.1 A diversidade de situações de abastecimento

Nos últimos 30 ou 40 anos pesados investimentos foram realizados na maioria dos países em desenvolvimento visando construir uma ampla infra­estrutura de abastecimento elétrico que pudesse atender parcelas ' crescente da população. Os resultados conseguidos foram substanciais tanto em termos de incremento da capacidade instalada quanto de expansão da parcela da população abastecida com eletricidade (Churchil, 1990). Em todos os países em desenvolvimento, contudo, persistem áreas geográficas e grupos sociais sem acesso à eletricidade.

As situações mais dramáticas são, sem dúvida, as da África ao Sul do Saara (Girod/Zhai, 1990j e da Indochina (Dang/Lima, 1990a), onde apenas uma pequena parcela das populações urbanizadas têm acesso à eletricidade e não há praticamente eletrificação rural .Nestas regiões, não existem redes nacionais interconectadas, ainda que existam redes isoladas atendendo os principais centros urbanos; a qualidade do serviço oferecido pelas concessionárias de energia elétrica é muito pobre, sendo freqüentes os cortes de abastecimento, quedas de voltagem, etc...

A situação é sensivelmente melhor no Norte da África (Rhelil,l990), na maior parte da América Latina (Altomonte et alli, 1990a; Altomonte el alli, 1990b; Bicalho,l990; Araujo, 1990; Martinez, 1990) e no Nordeste e Sudeste Asiático (Dang/Lima, 1990b). Nestas regiões, as populações urbanas estão quase que universalmente atendidas, existindo largas frações da população rural também servidas pelas concessionárias. Existem extensas redes nacionais interconectadas e a qualidade do serviço oferecido é bastante bom, ainda que no caso de alguns países latino­americanos, a qualidade tenha se deteriorado nos últimos anos.

A Índia (Mathur et alli, 1990) e a China (Liu/Xiong, 1990) estão em situação intermediária. Nesses países, a maior parcela das populações urbanas estão atendidas; apenas frações marginais das populações rurais, contudo, têm acesso à eletricidade. Ainda que existam extensas redes nacionais interconectadas, a qualidade do serviço oferecido é bastante ruim, sendo freqüentes cortes e racionamentos, assim como quedas de tensão.

3.2 A crise financeira

Em todos os países em desenvolvimento os planos de expansão tanto da capacidade de geração quanto da rede de distribuição são bastante ambiciosos. Mesmo naqueles em que a disponibilidade de eletricidade é relativamente abundante, as expectativas de crescimento populacional, de continuidade da urbanização e de crescimento industrial induzem programas de rápida expansão da oferta de eletricidade. Tais planos demandam substanciais investimentos nos próximos 10 anos (tabela 1). Existem, contudo, sérias dúvidas quanto à disponibilidade da maioria dos países em desenvolvimento ao conseguirem financiar seus programas de expansão.

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Tabela 1 ­ Investimentos

País Geração (%) Transmissão (%)

Distribuição (%)

Total 10 9 kcal US$/kW

China 66.0 6.7 18.0 156.0 1502 Índia 57.0 9.3 24.4 205.3 2061 Tailândia 63.5 7.8 20.3 14.0 2034 Argentina 63.3 12.6 14.2 16.2 1902 Brasil 48.0 28.0 17.3 75.7 2655 México 56.1 17.3 16.8 36.7 1949 Argélia 46.5 19.4 19.5 9.9 2347 C. Marfim 51.4 10.9 29.0 1.0 1680 Mali 28.0 35.0 27.7 0.4 1957 Senegal 49.3 11.8 31.6 0.3 13600 Zaire 17.2 34.5 17.2 0.1 ? Fonte: Banco Mundial

A situação financeira de muitas das concessionárias de energia elétrica dos países em desenvolvimento é bastante difícil; as únicas exceções se encontram no Nordeste e Sudeste Asiático (Dang/Lima, 1990a). A prática generalizada de subsídios cruzados para fomentar objetivos de política social, regional e industrial, em si de pouco efeito sobre a performance financeira das concessionárias quando a tarifa média respeita o custo médio, foi levada a extremos, distorcendo fortemente os preços relativos. Na África (Diallo et alli, 1990), e, em menor escala, na América Latina, muitos consumidores, especialmente agências e órgãos de governo, simplesmente não pagam suas contas de eletricidade, colocando em risco a saúde financeira das concessionárias. Nas décadas de 70 e 80, as políticas de combate à inflação induziram tarifas irrealistas, que não refletiam os custos econômicos e financeiros envolucrados na oferta de eletricidade; a conseqüência dessas tarifas foi uma rápida deterioração da capacidade de autofinanciamento das empreses.

Na África, existem situações em que as tarifas não cobrem nem mesmo os custos de combustível; na Índia e na China, especialmente nas zonas rurais, as tarifas estão consistentemente muito abaixo dos seus custos; na América Latina, as tarifas elétricas foram continuadamente reduzidas desde a crise do petróleo, apesar da tendência crescente do custo de expansão de longo prazo. É verdade que esses problemas são reconhecidos por governos e concessionárias, que têm recentemente revertido as tendências passadas, promovendo aumentos das tarifas de modo a progressivamente refletir custos. Contudo, o problema do financiamento da expansão da oferta de energia elétrica permanece, posto que as concessionárias, nos casos mais otimistas, podem conseguir margens de autofinanciamento da ordem de 40%.

No passado os planos de expansão da oferta de energia elétrica contaram com o ativo apoio financeiro do Tesouro dos governos locais e de agências bilaterais e multilaterais de fomento ao desenvolvimento econômico. Infelizmente, porém, a crise financeira internacional deteriorou de forma dramática a situação das contas públicas da maioria dos países em desenvolvimento, praticamente inviabilizando aportes significativos do Tesouro para a expansão do setor elétrico. Paralelamente, as agências bilaterais e multilaterais modificaram sua abordagem do papel da eletricidade no processo de desenvolvimento econômico reduzindo­se substancialmente sua disposição de financiar a expansão do setor elétrico (Oliveira/MacRerron, 1990). O Banco Mundial estima que não mais de 25% das necessidades de financiamento do setor elétrico dos países em desenvolvimento será aberto por fontes bi e multilaterais; o resto terá que ser financiado por investidores privados, nacionais ou internacionais (World Bank,l988).

Esta situação está induzindo governos de países em desenvolvimento a estimular a participação de capital privado no setor elétrico. Na América Latina, diversos governos estão considerando a possibilidade de privatização do setor elétrico, mas não está ainda claro qual será o papel reservado para o capital privado; na Ásia e na África, tampouco, estão claramente estabelecidos os mecanismos pelos quais se pretende oferecer maior espaço para o capital privado no setor.

3.3 A política tecnológica

Uma das características dos países em desenvolvimento é a falta de capacitação tecnológica para suportar o processo de inovação inerente a toda dinâmica de desenvolvimento econômico (Ratz, 1987). No passado recente, o setor elétrico da maioria dos países em desenvolvimento conseguiu

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mascarar essa limitação através da rápida difusão de novas safras de tecnologias elétricas mais eficientes, importadas dos países desenvolvidos (Barnett et alli, 1988). Esta concentração da política tecnológica dos países em desenvolvimento na difusão de tecnologias importadas limitou o papel da inovação incremental no seu processo de inovação e, em conseqüência, a aquisição de capacitação tecnológica para adaptar e modificar as tecnologias elétricas importadas não foi desenvolvida.

Pude­se constatar uma substancial diversidade de situações quanto à capacitação tecnológica entre os países estudados. A África ao Sul do Saara e a Indochina adquiriram capacitações muito limitadas; nestas regiões a regra ainda é um desempenho pobre na operação tanto de centrais termoelétricas quanto hidroelétricas, e o uso generalizado de técnicos externos na definição, planejamento e implementação dos projetos energéticos.

A América Latina, o Norte da África e o Sudeste e o Nordeste da Ásia estão em posição bem mais favorável. Os países dessas regiões já adquiriram plena capacitação tecnológica para operar suas centrais, se bem que nos últimos anos tenham surgido alguns sinais alarmantes de deterioração dessa capacitação em alguns países latino­americanos. Certos países dessas regiões foram mais longe adquirindo capacitação para, inclusive, suprir bens de capital e serviços tecnológicos no caso das tecnologia elétricas convencionais.

A China e a Índia adquiriram substancial capacitação na operação, projeto e implementação de tecnologias elétricas; contudo, é importante ressaltar que a perfomance e os padrões de qualidade das tecnologias utilizadas nesses países deixam bastante a desejar, subsistindo substanciais oportunidades para aprimorá­las.

Pode se notar que a qualidade do serviço oferecido pelas concessionárias de energia elétrica dos países em desenvolvimento vem se deteriorando rapidamente. Esse problema é, em larga medida, fruto da crise financeira, se bem que a responsabilidade das políticas governamentais para o setor e da gerência das empresas não possa ser minimizada. Para tanto, contribui bastante o enfoque conservador, defensivo, utilizado pelas concessionárias na formulação de suas políticas energéticas. Esse enfoque resulta de uma certa dificuldade em compreender os profundos impactos das mudanças no meio ambiente macroeconômico sobre o setor elétrico, e a decorrente necessidade de uma revisão nas idéias estabelecidas sobre a dinâmica da demanda de eletricidade, e sobre as tecnologias elétricas.

A crise financeira está obscurecendo as substanciais oportunidades tecnológicas existentes para melhorar a produtividade do setor elétrico, reduzir seus custos e aumentar sua lucratividade. A interconexão, por exemplo, não só substituiria a eletricidade gerada em velhas e insuficientes centrais termoelétricas por hidroeletricidade de baixo custo, como também reduziria as margens de reserva do sistema. Tampouco foi dada a atenção devida à conservação ou à cogeração de eletricidade.

3.4 A gestão das concessionárias

O contexto do setor elétrico desde a crise do petróleo se tornou muito mais complexo, exigindo uma maior capacitação administrativa dos responsáveis pelo setor, que têm que enfrentar, por um lado, custos crescentes e enormes incertezas quanto ao futuro e, por outro, políticas de governo que buscam

limitar os efeitos econômicos e sociais da crise financeira. Nesse novo contexto, a centralização e o monopólio que no passado eram fontes de eficiência surgem como elementos de irradiação de decisões equivocadas de gestão do setor elétrico para toda a economia.

Nos países desenvolvidos, a gestão do setor elétrico está sendo revista desde a crise do petróleo. Esta revisão tem se orientado para a introdução de técnicas de avaliação dos impactos sociais, ambientais e macroeconômicos dos projetos elétricos; para o planejamento em condições de incerteza; e para estratégias de preço que permitam a gestão da demanda de eletricidade. Essas técnicas de gestão necessitam ser introduzidas nos países em desenvolvimento, onde , ainda se utilizam enfoques tradicionais de gestão.

3.5 A regulação

Alguns autores argumentam que a fonte de todos esses problemas do setor elétrico dos países em desenvolvimento está no "controle monolítico do Estado", que impede a concorrência e oferece condições para a interferência dos governos na gestão do setor elétrico (Mason et alli, 1988). Eles sugerem a introdução de profundas modificações institucionais, privatizando­se as empresas concessionárias de energia elétrica.

A experiência existente com o setor elétrico privatizado ou em processo de privatização dos países desenvolvidos não suporta, contudo, este argumento. De fato, ainda que a interferência dos

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governos tenha sido limitada, ela não desapareceu; mais ainda, a concorrência tem se revelado necessariamente delimitada.

A ênfase do debate sobre a reestruturação institucional do setor elétrico na propriedade (estatal ou privada) tem desviado a atenção da questão fundamental: a sua regulação (Teplitz­Sembitzky, 1990). 0 regime de regulação do setor elétrico dos países em desenvolvimento não se modificou apesar das radicais modificações no contexto em que opera. Por exemplo, ainda subsistem fortes restrições à geração de eletricidade por produtores independentes o que inviabiliza a cogeração. A situação brasileira é eloqüente: cerca de 2000 MW de capacidade de cogeração existe entre os produtores de açúcar e álcool, porém as concessionárias relutam a adquirir esta potência (Araujo, 1990).

Ainda que as condições de regulação do setor elétrico sejam necessariamente específicas a cada país, alguns pontos comuns existem que devem ser objeto de criteriosa análise no caso dos países em desenvolvimento. Primeiro, a administração das concessionárias deve ser liberada da ingerência dos governos, ainda que deva concordar em perseguir os objetivos sociais e econômicos fixados por estes. Segundo, um certo nível de descentralização pode ser benéfico, particularmente nos países de larga dimensão geográfica, para aumentar a flexibilidade do sistema elétrico e introduzir a concorrência onde possível e desejável; neste sentido a idéia de se abrir a rede interconectada para contratos entre geradores e consumidores de eletricidade parece ser uma idéia bastante promissora. Terceiro, devem ser oferecidas oportunidades justas de participação do setor privado, como mecanismo de aumentar a sua capacidade de financiamento. Quarto, a fixação e a monitoração de padrões de qualidade, assim como a indução da concorrência e a supervisão de custos e preços, devem ser garantidas através de uma agência de regulação forte e independente da interferência dos governos.

A dicotomia entre controle privado ou controle público do setor elétrico é enganosa; os países em desenvolvimento devem buscar um balanço racional entre propriedade privada e propriedade pública que garanta a expansão da oferta de energia elétrica, porém sob novas formas de regulação, que incrementem a eficiência do setor. A experiência das modificações em andamento nos países desenvolvidos sugere que reformas progressivas do setor elétrico produzem melhores resultados que reformas radicais.

4. O novo contexto e as políticas propostas por agências internacionais

Pouco a pouco, um certo consenso vem emergindo entre os analistas do setor elétrico: na década de 1970, o setor passou por um ponto de inflexão na sua trajetória histórica, rompendo­se o círculo virtuoso que permitiu o rápido crescimento do setor a custos reais decrescentes (OTA, 1985). Um novo contexto emergiu, de elevadas taxas de juros, custo elevado do combustível e crescente preocupação com os impactos ambientais da eletricidade, que tem provocado continuado crescimento dos seus custos; esses fatores, aliados a inovações tecnológicas na área da microeletrônica (Walker, 1985 e 1986), que permitem o controle e o monitoramento da demanda, têm induzido a redução do ritmo de incremento da demanda de energia elétrica.

Na década de 1980, as pressões de custo e preços têm também sido fonte de crescente insatisfação por parte dos consumidores quanto ao serviço oferecido pelas concessionárias; os preços crescem continuada­ mente, enquanto a qualidade do serviço tem se deteriorado. Critica­se, em particular, a tendência dos governos de utilizarem as concessionárias para atender objetivos de política macroeconômica e a relativa liberdade que gozam os administradores das concessionárias para repassarem seus custos para os consumidores sem maior controle público das suas decisões.

A combinação de todos estes fatores enfraqueceu a posição das concessionárias e viabilizou a emergência de novos atores no setor elétrico, particularmente os grandes consumidores industriais. Reformas de estrutura, propriedade e formas de ; regulação do setor elétrico foram propostas, especialmente pelos neo­liberalistas, já no final da década de 1970 nos países desenvolvidos (Joskow/Schmalensee, 1985).

O novo contexto tem induzido à revisão da política das agências multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, no que se refere a seus empréstimos para o setor elétrico. Tem sido questionado 0 objetivo de rapidamente extender o abastecimento de energia elétrica, argumentando­se que "tal objetivo talvez não seja possível ou mesmo desejável" (Mason et alli, 1988). Estes críticos concedem que os países em desenvolvimento tiveram sucesso quanto a rápida expansão do acesso à eletricidade; eles, porém, criticam a pobre performance do setor elétrico "cujo declínio foi paralelo a uma mudança para concessionárias de energia elétrica grandes, monolíticas e controladas pelo Estado". Para eles, a ênfase da política das agências multilaterais para o setor elétrico deve se

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deslocar para o incremento da eficiência e para questões relativas à reetruturação do setor, deixando a expansão da oferta em segundo plano.

É importante notar que tal mudança na estratégia dessas agências tende a ter um impacto particularmente negativo no caso dos países menos desenvolvidos, de baixa renda per capita, pois são estes os países que têm uma rede pouco estendida de distribuição de eletricidade. As diretrizes de política propostas por estes autores para o setor elétrico dos países em desenvolvimento podem ser agrupadas em três grandes categorias:

a. Reestruturação institucional ­ os países em desenvolvimento deveriam introduzir novas estruturas institucionais para o setor elétrico, que fortaleçam o papel das forças de mercado na dinâmica do setor. A privatização é vista como um mecanismo privilegiado nesta direção, pois eliminaria a interferência dos governos na gestão do setor elétrico, introduziria a concorrência e descentralizaria o processo de decisão, criando­se, em conseqüência, o meio ambiente necessário para a melhoria da performance, tanto financeira quanto tecnológica, das concessionárias de energia elétrica dos países em desenvolvimento.

b. Reetruturação do financiamento ­ As tarifas elétricas deveriam ser substancialmente aumentadas para refletir os custos marginais. Desta forma, se reduziria o substancial déficit financeiro das concessionárias dos países em desenvolvimento e se aumentaria a sua capacidade de auto­ financiamento. O aumento tarifário, contudo, não será suficiente para garantir o financiamento da expansão do setor elétrico dos países em desenvolvimento; fundos privados, domésticos e internacionais, serão necessários. Para atrair capital privado para o setor elétrico, é sugerida uma bateria de incentivos visando reduzir o risco dos investimentos, particularmente dos investidores estrangeiros: redução de taxas, facilitação do acesso à sítios, isenção de impostos de importação, tarifas garantidas e rentáveis, repatriação de lucros, etc...

c. Reestruturação administrativa ­ As prioridades de gestão devem ser orientadas para a melhoria da eficiência e a redução do ritmo de crescimento da demanda. A reabilitação de centrais, a manutenção dos equipamentos, a conservação de eletricidade e o achatamento da curva de carga devem ser enfatizados. Mais ainda, os impactos macroeconômicos da expansão da oferta de eletricidade devem ser cuidadosamente analisados.

5. Conclusões

Apesar de os objetivos e questões enfrentados pelo setor elétrico serem similares, a situação do setor elétrico dos países em desenvolvimento é bastante diversificada. Esta diversidade de situações exige políticas diferenciadas em cada uma das regiões em desenvolvimento. Não se pode propor o mesmo conjunto de políticas para atender os objetivos e problemas enfrentados pelo setor elétrico dos países ao sul do Saara e dos países do Sudeste Asiático. Isto pode parecer óbvio, porém é bastante comum serem apresentadas propostas para a reestruturação do setor elétrico dos países em desenvolvimento sem distinção das suas situações específicas.

Pudemos notar a existência de um terreno comum nas percepções existentes no Norte e no Sul quanto aos problemas enfrentados pelo setor elétrico. Existe, contudo, uma profunda divergência quanto ao diagnóstico da origem desses problemas e, consequentemente, nos remédios a serem adotados. No Norte tende­se a argumentar que os problemas têm sua origem na pobre performance das concessionárias, o que resultou nos problemas financeiros atuais; as reformas propostas têm como objetivo prioritário recuperar a saúde financeira das empresas. No Sul argumenta­se que a origem da pobre performance está na crise da dívida, a qual posteriormente induziu os problemas financeiros atuais das concessionárias; não se visualiza a solução dos problemas financeiros das concessionárias sem que seja encontrada concomitantemente uma solução para o problema da dívida externa, ainda que se concorde com a necessidade das reformas.

As conseqüências dessa divergência de ponto de vista são significativas. No Norte tende­se a uma perspectiva estreita do papel do setor elétrico no processo de desenvolvimento econômico existe pouca preocupação com os conflitos entre viabilidade financeira e os problemas de equidade social vinculados ao abastecimento elétrico. Pressiona­se para que sejam privatizadas as concessionárias de energia elétrica, com o objetivo de recuperar a capacidade de investir do setor elétrico e se propõe postergar o objetivo de prover todas as regiões e todos os cidadãos com eletricidade. No Sul, a eletricidade segue sendo percebida como uma infra­estrutura estratégica no processo de desenvolvimento econômico; tem­se muito claro as profundas implicações sociais e econômicas de se postergar o abastecimento elétrico e, apesar de se aceitar alargar o espaço do capital privado no setor

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elétrico, não se aceita introduzir reformas que coloquem em risco os objetivos de desenvolvimento econômico.

Os resultados desta pesquisa indicam a necessidade de uma reorientação nas políticas para o setor elétrico dos países em desenvolvimento:

a. Viabilidade financeira

O setor elétrico deve recuperar sua capacidade de investir, para não comprometer seus objetivos. Não existe, contudo, uma solução simples para este problema complexo. Em qualquer circunstância, a taxa de auto­financiamento das concessionárias deve ser aumentada substancialmente, de forma a reduzir as necessidades de financiamento externo. Para isto, é indispensável uma profunda revisão na política tarifária; os preços devem ser colocados em níveis que garantam a lucratividade, devendo os preços médios cobrir custos médios, mesmo quando for necessário acomodar políticas sociais ou regionais. Deve ser oferecido espaço para o capital privado no setor elétrico, como mecanismo complementar de financiamento da expansão; cumpre ressaltar que inovações tecnológicas tornam possível acomodar capitais privados sem concessões quanto aos objetivos do setor elétrico.

b. Inovação

A performance tecnológica das concessionárias dos países em desenvolvimento pode e deve ser melhorada substancialmente. A atual capacidade instalada pode atender uma demanda maior se a política tecnológica for orientada para inovações incrementais. A interconexão, tanto de redes domésticas quanto internacionais, oferece sensíveis oportunidades para reduzir as margens de reserva, melhorando a confiabilidade e diminuindo os custos operacionais das concessionárias. A eletrificação rural pode ser significativamente induzida se os padrões forem revistos para aceitar tecnologias mais simples. A conservação de eletricidade e a cogeração podem ser, ambas, fontes de substanciais incrementos de eficiência, se a capacitação tecnológica existente for convenientemente disseminada entre os consumidores.

c. Sustentabilidade

Os impactos sociais, econômicos e ambientais da eletricidade devem ser cuidadosamente avaliados. Altas taxas de juros e prazos curtos de recuperação do capital investido estão induzindo a reorientação da expansão do setor elétrico das hidroelétricas para as termoelétricas. Este movimento terá fortes impactos sobre o balanço de pagamentos e a meio ambiente, agravando as já fortes tensões no mercado de combustíveis fósseis. Uma fonte não exportável de energia será substituída por outra exportável ou importada; uma fonte renovável de energia será substituída por outra não renovável. O longo prazo está sendo sacrificado para atender contingências de curto prazo devido a uma alta taxa de desconto. Existe um "trade off" entre as limitações financeiras, essencialmente de curto prazo, e a sustentabilidade da expansão do setor elétrico, que necessita ser adequadamente equacionada.

d. Regulação

O regime de regulação sob o qual as concessionárias operam deve ser revisto. Deve­se criar um órgão regulador forte e independente que assegure que as concessionárias sigam as diretrizes fixadas pelo governo, roas ao mesmo tempo ofereça escopo suficiente para que as concessionárias possam administrar seus negócios em sólidas e sãs condições financeiras. O órgão regulador deve proteger os consumidores do poder de monopólio das concessionárias e oferecer oportunidades justas para que produtores independentes de eletricidade possam vender sua eletricidade para a rede interconectada; onde possível e desejável ele deve encorajar a concorrência.

e. Financiamento e ajuda

Os problemas financeiros das concessionárias dos países em desenvolvimento devem ser analisadas no contexto amplo da crise da dívida, para a qual, é preciso ressaltar, as concessionárias não podem dar uma resposta isoladamente. Neste contexto, é interessante recordar os propósitos do Banco Mundial quando de sua criação . Estes podem ser resumidos em três aspectos: compensar as imperfeições do mercado privado de capitais, provendo fundos para projetos que apresentassem boas taxas de retorno no longo prazo, ainda que não se mostrassem atrativos para os investidores privados; ajustar os cicios pico e vale que têm caracterizado historicamente os investimentos privados nos países em desenvolvimento; prover financiamento para investimentos de infra­estrutura que o capital privado reluta em prover. Uma área à qual as agências de financiamento e ajuda dos países desenvolvidos deveriam dar mais atenção é a interconexão de sistemas elétricos.

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f. Cooperação tecnológica

Os países desenvolvidos continuarão a desempenhar um papel central no processo de transferência de tecnologia e "know­how" para o setor elétrico dos países em desenvolvimento. Esta transferência, contudo, deve ir além da simples venda de equipamentos e a assistência técnica; é preciso reduzir a elevada dependência atual de pessoal técnico externo. Para tanto, devem ser articulados financiamento oficial e privado de forma a explicitamente melhorar a capacitação tecnológica dos países recipientes para comprar, operar, manter e melhorar incrementalmente a performance dos equipamentos importados. As agências de financiamento devem abandonar seu enfoque de análise de projetos individualizados; um enfoque de longo prazo, no qual o sequenciamento dos projetos do setor elétrico seja utilizado para capturar o máximo dos "learning effects" que podem ser obtidos desses projetos, permitirá fomentar o desenvolvimento da capacitação tecnológica local.

g. Reformas institucionais nos países em desenvolvimento

Os países desenvolvidos experimentaram diversas reformas do setor elétrico na década passada. No caso britânico, a reforma foi radical, envolvendo a privatização total do setor e a maximização da concorrência; em outros casos, as mudanças foram bem mais limitadas, tendo o foco sido menos na propriedade e mais na reforma do sistema de regulação, para permitir uma maior participação de produtores independentes; em parte como conseqüência desses produtores independentes, uma maior competição foi introduzida na periferia do setor elétrico. É importante, que na sua tentativa de influenciar a reestruturação do setor elétrico dos países em desenvolvimento, a experiência dos países desenvolvidos não seja mal interpretada. A privatização nos países desenvolvidos foi limitada em seu escopo e está se provando difícil de ser implementada. O princípio fundamental que governa o setor elétrico ainda é a cooperação, não competição. O que os países industriais estão fazendo é regular melhor para dar maior transparência e reduzir o poder de monopólio das concessionárias, independentemente da propriedade, pública ou privada.

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Anexo 1

As organizações membros da COPED:

­ ACES, Arab Centre for Energy Studies, OAPEC, Kuwait

­ AIT, Asean Institute of Technology, BANGKOK

­ COPPE, Coordenação dos Programas de Pós­Graduação de Engenharia, Área Interdisciplinar de Energïa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RIO DE JANEIRO

­ ENDA, Environnement et Developpemdnt du Tiers Monde, DAKAR

­ IDEE/FB, Instituto de Economia Energética, Associado a Fundacion Bariloche, BARILOCHE, RIO NEGRO

­ IEPE, Institut Economique et Politique de 1' Energie, Universite de Sciences Sociales, GRENOBLE

­ IIE, Instituto de Investigaciones Electricas, GUERNAVACA

­ INET, Institute of Nuclear Energy Technology, BEIJING

­ TERI, Tata Energy Research Institute, NEW DELHI

­ SPRU, Science Policy Resarch Unit, University of Sussex, BRIGHTON

­ APRUE, Agence Nationale pour la Promotion et la Rationalisation de 1' Utilisation de 1' Energie, ALGER

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Abstract

Electricity consumption in development countries is likely to increase rapidly in the next 20 years. Aowever, utilities capacity to match supply and demend is challenged by their financial crisis. This paper summarizes the main findings of a project carried out by a network of research c®ntres ( COPED) in 1990 /1991. It identifies the key issues facing their electricity systems: diversity of situations; financial crisis; technology policy; management and regulation. The new context utilities have to face is analyzed as well as the policy recommendations emerging at the World Bank. It includes with a few guidelines for policy­ markers both in develoament and industrialized countries.