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QUESTÃO AGRÁRIA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: O PRONERA COMO MEIO DE POTENCIALIZAR O TERRITÓRIO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS EM ALAGOAS Raqueline da Silva Santos Universidade Federal de Sergipe - UFS [email protected] Oneclarck Francisco Ramos Universidade Federal de Sergipe - UFS [email protected] Eraldo da Silva Ramos Filho Universidade Federal de Sergipe - UFS [email protected] Resumo O estudo se refere a uma análise do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) no Estado de Alagoas entre os anos de 2002 a 2007. A análise deste programa discorre sobre dois outros programas: o Programa de Formação de Professores em Exercício- PROFORMAÇÃO e o Programa de Capacitação de Jovens e Adultos- PROJERAL. Conhecer como vem sendo realizadas as políticas públicas de Educação no Campo em Alagoas torna-se essencial para fundamentarmos nossa análise numa visão crítica e propositiva. Desta maneira torna-se importante entender a execução do PRONERA nos acampamentos e assentamentos que foram beneficiados objetivando apreender as múltiplas relações que perpassaram na execução do mesmo, pois desta forma compreenderemos como se deu o processo de desenvolvimento dos Programas. Palavras-chave: Questão Agrária - Educação do Campo - Políticas Públicas - Território - Acampamentos e Assentamentos. Introdução Buscamos no presente texto compreender a efetividade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) em Alagoas, discutindo a Educação do Campo a partir da problemática da Questão Agrária no Estado e nessa relação analisar as implicações que existem na espacialização da luta pela terra materializada nos acampamentos e conquistas dos territórios dos assentamentos. Objetivando com isso mostrar como a concentração de terras no Estado traz consequências para a vida dos acampados e assentados do campo alagoano. Ao falarmos do PRONERA estamos incluindo a discussão dos dois outros Programas o PROJERAL e o PROFORMAÇÃO. Constituído como uma Política Pública de Educação do Campo que tem sido desenvolvida em áreas de Reforma Agrária o PRONERA visa o fortalecimento do campo enquanto território de vida abrangendo as

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QUESTÃO AGRÁRIA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: O PRONERA COMO MEIO DE POTENCIALIZAR O TERRITÓRIO DOS ASSENTAMENTOS

RURAIS EM ALAGOAS

Raqueline da Silva Santos Universidade Federal de Sergipe - UFS

[email protected]

Oneclarck Francisco Ramos Universidade Federal de Sergipe - UFS

[email protected]

Eraldo da Silva Ramos Filho Universidade Federal de Sergipe - UFS

[email protected] Resumo O estudo se refere a uma análise do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) no Estado de Alagoas entre os anos de 2002 a 2007. A análise deste programa discorre sobre dois outros programas: o Programa de Formação de Professores em Exercício- PROFORMAÇÃO e o Programa de Capacitação de Jovens e Adultos- PROJERAL. Conhecer como vem sendo realizadas as políticas públicas de Educação no Campo em Alagoas torna-se essencial para fundamentarmos nossa análise numa visão crítica e propositiva. Desta maneira torna-se importante entender a execução do PRONERA nos acampamentos e assentamentos que foram beneficiados objetivando apreender as múltiplas relações que perpassaram na execução do mesmo, pois desta forma compreenderemos como se deu o processo de desenvolvimento dos Programas. Palavras-chave: Questão Agrária - Educação do Campo - Políticas Públicas - Território - Acampamentos e Assentamentos. Introdução Buscamos no presente texto compreender a efetividade do Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária (PRONERA) em Alagoas, discutindo a Educação do

Campo a partir da problemática da Questão Agrária no Estado e nessa relação analisar

as implicações que existem na espacialização da luta pela terra materializada nos

acampamentos e conquistas dos territórios dos assentamentos. Objetivando com isso

mostrar como a concentração de terras no Estado traz consequências para a vida dos

acampados e assentados do campo alagoano.

Ao falarmos do PRONERA estamos incluindo a discussão dos dois outros Programas o

PROJERAL e o PROFORMAÇÃO. Constituído como uma Política Pública de

Educação do Campo que tem sido desenvolvida em áreas de Reforma Agrária o

PRONERA visa o fortalecimento do campo enquanto território de vida abrangendo as

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dimensões culturais, políticas, econômicas e sociais. Em Alagoas o Programa foi

concebido e desenvolvido no Estado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) que

propôs o trabalho para as áreas de acampamento e assentamentos rurais de Alagoas

beneficiando a dois movimentos sociais, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que tiveram a oportunidade de

alfabetizar 318 alunos e formar 17 educadores. O Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA) foi o concedente do Programa e teve parceria com a

Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES) que

gerenciou a execução do PRONERA entre 2002 a 2007.

O PRONERA abrangeu 3 acampamentos e 9 assentamentos distribuídos em 11

municípios alagoanos. De tal modo, o Programa foi desenvolvido a partir da escolha de

cinco regionais do MST no Estado, a saber: Paulo Freire, Canudos, Zumbi dos

Palmares, Maria Bonita, Virgulino Ferreira. O desenvolvimento desse Programa no

Estado contribuiu para a melhoria educacional dos atores envolvidos, tanto os

educadores quanto os educandos. Abaixo temos um mapa que espacializa as regionais

do MST a partir das mesorregiões do Estado.

FONTE: INCRA. Mapa elaborado por Raqueline da Silva Santos e Francisco Rodrigo da Silva Brito. Data 29/06/2012.

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Em Alagoas o PRONERA ocorreu em etapas e projetos desde o ano de 1999 a 2007. Os

projetos que envolveram o PRONERA foram o Programa de Capacitação de Jovens e

Adultos (PROJERAL) que ocorreu no Estado em cinco etapas e o Programa de

Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO). Este último foi

incorporado ao PRONERA de Alagoas porque este último exige que os professores da

educação de jovens e adultos tenham o nível médio completo. Na especificidade do

Estado os professores das áreas de acampamentos e assentamentos rurais não atendiam

a tal pré-requisito, com isso o PROFORMAÇÃO é incorporado ao PRONERA por meio

da parceria entre Secretaria de Educação do Estado de Alagoas (SEE/AL), Universidade

Federal de Alagoas (UFAL) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

possibilitando a formação continuada dos professores do campo que conseguiram

terminar o nível médio por meio do PROFORMAÇÃO.

O PRONERA, tanto na formação dos educandos como dos educadores, possibilita a

inserção destes sujeitos no contexto social, pois a importância dada à educação pode ser

uma aliada na melhoria da realidade dos acampamentos e assentamentos, onde os

sujeitos destes territórios sempre deixaram a educação em segundo plano, pelas

necessidades mais imediatas, como o trabalho, essencial a sua sobrevivência.

O trabalho está estruturado em Três seções. Das quais a primeira discute a Questão

Agrária no Brasil e a Questão Agrária em Alagoas por meio de uma abordagem sucinta.

Esse tema muito amplo apresenta várias discussões, seja em âmbito político, econômico

ou social, porém fazemos uma análise de como se constitui a luta pela terra no Brasil

para entendermos o processo de expropriação do camponês e como este busca lutar por

seus direitos.

Na segunda seção, buscamos mostrar como a luta pelos direitos torna-se essencial nessa

sociedade excludente e fragmentadora. Focalizamos a educação como conquista dos

movimentos sociais que se constituem em nossa história por meio da luta pela terra e

por direitos trabalhistas e sociais que lhes foram negados ao longo da história da

formação da sociedade brasileira. A abordagem que fazemos nesta seção parte da

compreensão de como surge a educação voltada para as especificidades dos

acampamentos e assentamentos. Partindo da análise da educação do campo e da origem

do Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária, fruto da luta dos Movimentos

sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) destaca-

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se, ainda a historicidade do Programa, entendendo este como a efetivação da luta pelo

direito a educação voltada para as áreas de Reforma Agrária.

Por fim, procuramos neste artigo mostrar a efetividade do PRONERA no Estado de

Alagoas a partir da análise específica dos Programas que o compuseram. Assim, a

pesquisa é um passo inicial para discutirmos a relação da concentração de terra com a

Educação do Campo no Estado.

Questão agrária no Brasil

A compreensão da questão agrária é bastante complexa, porém é possível entender tal

fenômeno, pois segundo FERNANDES, 2004, “a amplitude e a complexidade deste

problema possibilitam várias leituras, porque os cientistas que pensam a questão agrária

constroem diferentes paradigmas que projetam suas visões de mundo”. Baseando-se em

Ramos Filho, 2011,

paradigma é entendido pelo autor como “pensamento teórico e político que apresentam

distintas leituras da questão agrária, do desenvolvimento do campo e da reforma agrária

e, na realidade se materializam em diferentes projetos para o tratamento dos

problemas”.

A discussão da questão agrária na contemporaneidade se baseia em dois paradigmas, o

Paradigma do Capitalismo Agrário (PCA) e o Paradigma da Questão Agrária (PQA).

Cada um desse organiza-se em duas tendências onde o primeiro volta-se para a defesa

do agronegócio como meio para o desenvolvimento dos países e consequentemente a

transformação do camponês em agricultor familiar. Entretanto o PQA procura valorizar

o camponês e a luta deste pela terra, sendo esta considerada “essencial para a formação

do campesinato”. (RAMOS FILHO, 2011)

A luta pela terra no Brasil ocorre desde o processo de colonização, porém a questão

agrária em si “nasceu da contradição estrutural do capitalismo que produz

simultaneamente a concentração da riqueza e a expansão da pobreza e da miséria. Essa

desigualdade é resultado de um conjunto de fatores políticos e econômicos”.

(FERNANDES, 2004, p. 4)

Situando o entendimento da luta pela terra no Brasil, nos situamos na base histórica de

um colonialismo que estabelecia as regras e ditava as formas das relações existentes na

época, sendo constituído por imposições de poderes e de exploração dos sujeitos

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sociais. A base das desigualdades da sociedade brasileira, tanto no que tange a cidade

quanto ao campo não é recente e tal desigualdade ainda perpassa na conjuntura atual,

Delgado, 2005 bem expressa essa desigualdade da situação fundiária quando afirma

que:

A situação fundiária atual apresenta dois perfis básicos: i) ela mantém sua desigualdade, apesar do novo ordenamento de direito agrário que prescreve o princípio da função social da propriedade fundiária; e ii) os procedimentos e omissões da política fundiária do Poder Executivo e dos demais poderes do Estado arbitram contraditoriamente a reprodução dessa desigualdade. (DELGADO, 2005, p. 79)

As imposições das classes dominantes em boa parte do território brasileiro é fruto do

processo de desigualdade histórica em nossa sociedade, levando a uma parcela

significativa da população a lutar – coisa que há algumas décadas não era possível – por

melhores condições de vida e por direitos que lhes foram negados ao longo da história

de seus antecedentes.

A problemática da questão agrária não é uma discussão nova no Brasil, pois desde a

década de trinta, essa problemática vem sendo abordada, passando por vários momentos

como mostra Graziano: Na década de trinta, por exemplo, essa discussão girava em torno da crise do café e da grande depressão iniciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. Já no final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, a discussão sobre a questão agrária fazia parte da polêmica sobre os rumos que deveria seguir a industrialização brasileira. No período de 1967 até 1973, o país entrou numa fase de crescimento acelerado da economia. Nesse período, que ficou conhecido como o do “milagre brasileiro”, pouco se falou da questão agrária. [...] Mas o “milagre acabou”. Passada a euforia inicial, muitos começaram a se dar conta de que os frutos do crescimento acelerado no período de 1967/1973 tinham beneficiado apenas uma minoria privilegiada. E, entre os que tinham sido penalizados, estavam os trabalhadores em geral, e, de modo particular, os trabalhadores rurais. [...] Em 1978, muitas coisas voltam a ser discutidas, com o início de uma relativa abertura política no país. E, entre elas, retoma-se com pleno vigor o debate sobre a questão agrária, novamente dentro do contexto mais geral das crises do sistema econômico capitalista (GRAZIANO, 1980, p. 7-9).

Essas discussões em torno da questão agrária no país expressam que a expansão

produtiva no Brasil afetou as relações sociais e econômicas, transformando

profundamente a vida de muitos trabalhadores. Essas transformações nas relações de

produção no campo suscitaram na expansão produtiva no Brasil, o que causou e causa

constantemente mudanças negativas para o camponês. Esses sujeitos sofrem com as

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transformações que tem ocorrido no campo, pois o processo de expropriação da terra, a

transformação nas relações de produção, de trabalho, na vida do camponês atinge

significativamente o modo de vida deste, sendo expropriado não só do acesso à terra

mais de direitos básicos, como: educação, saúde moradia de qualidade, etc.

Após a discussão acima sobre a década de trinta temos a partir de Delgado um

entendimento do debate de 1960 onde afirma que: A construção teórica e política da “questão agrária” no pensamento econômico posterior à Revolução de 30 irá ocorrer de maneira mais sistemática nos anos 1960, com a própria emergência da reforma agrária ao debate político e a contribuição que em torno dela fazem quatro centros de reflexão da intelectualidade: o Partido Comunista Brasileiro (PCB); setores reformistas da Igreja Católica; a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal); e os economistas conservadores. (DELGADO, 2005, p.52)

O posicionamento desses grupos nos leva a entender a relação que se estabelece entre a

indústria e a agricultura provocando desta forma a mudança na base produtiva. A partir

desta conjuntura o camponês se vê cada vez mais submetido as relações impostas pelo

sistema capitalista e este cada vez mais se insere em novas relações de produção-

distribuição- circulação que o submetem muitas vezes a mudança do seu território de

vida.

No Brasil a estrutura agrária passa por transformações que criam e recriam as formas de

relação do capitalismo e a expropriação e a recriação do camponês. A relação de

produção no campo submetida ao processo de industrialização favorece a

territorialização do capital e a subjugação do camponês a lógica deste sistema, desta

forma este se metamorfoseia a um agricultor familiar que se submete a produção

baseada em tecnologias abandonado desta forma a o trabalho camponês com vistas a

subsistência. Também tem o camponês que resiste e que luta pela terra e não se subjuga

a lógica do capital, buscando formas de sobrevivência e lutando constantemente pelo

direito a terra e aos direitos sociais que lhes cabe.

A estrutura agrária do Brasil vem passando por tais modificações ao longo dos anos

devido à inserção das novas relações de produção, econômicas e sociais, pois se instalou

no campo uma nova dinâmica, na qual aos poucos o campesinato foi tendo seu espaço

ocupado pelas diligências do sistema capitalista que se instalam no campo por meio de

relações agroindustriais. Segundo Ianni:

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as modificações nos modos de exploração da força de trabalho até a adoção do avião como meio de comunicação, passando pelo trator, adubos, rotação de lavouras, exame científico das possibilidades das terras, a economia agrária sofreu e continua sofrendo progressivamente a ação dos fatores internos e externos que revelam, entre outros fenômenos, a expansão da mentalidade capitalista no campo. (IANNI, 2004, p. 101).

Essas transformações se dão conforme a inserção do novo sistema econômico no país e

as novas relações produtivas que foram se reorganizando segundo as novas demandas

que surgem com o crescimento populacional. Nesse contexto sucinto da problemática da

questão agrária no Brasil, onde ainda hoje está em discussão nos remete a uma análise

mais local a qual é nosso foco de estudo, ou seja, o estudo desta problemática no Estado

de Alagoas.

Questão agrária em Alagoas

Queremos destacar no presente estudo, como o Estado de Alagoas é identificado dentro

da estrutura agrária do país, na qual há uma grande concentração de terras que favorece

o enriquecimento de poucos em detrimento da sobrevivência da maioria, sendo estes

cada vez mais subalternos ao sistema que rege a sociedade.

Alagoas tem sua estrutura fundiária polarizada entre um grande número de pequenos

imóveis. Baseando-se nos dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), entre

mais de 0 e menos de 1 (ha) o total de imóveis equivale a 2.588 e ocupam uma área de

1.545,88 (ha) ou seja, uma área reduzida. Entre 2 a menos de 5 (ha) o total de imóveis

equivale a 10.383 distribuídos numa área de 34.662,77 (ha). Porém os maiores imóveis

concentram um menor número em uma maio área. Vejamos que entre 500 a menos de

1000 (ha) o número de imóveis corresponde a 309 ocupando uma área de 210.219,64

(ha). Vemos que esses dados nos mostram a desigualdade de imóveis em relação as

áreas ocupadas, ou seja, existem um grande número de pequenos imóveis que ocupam

menores áreas em contrapartida os grandes imóveis são poucos e concentram-se em

uma maior área ocupada no território nacional.

Os pequenos estabelecimentos, na sua ampla maioria, não têm assistência técnica, recursos para o custeio e investimentos e capacidade para comercialização e, por isso, têm baixa produtividade; os grandes estabelecimentos, sempre localizados nas melhores terras, contam com mais

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infra-estrutura e têm acesso e vantagens que as pequenas propriedades não possuem (SOUZA, 2001, p. 03).

O Estado de Alagoas atravessa uma perversa trajetória da questão agrária brasileira.

Segundo Lessa: neste Estado da Federação todos os males e impasses existentes no uso da terra surgem aumentados e as dimensões positivas aparecem diminuídas. Trata-se de um dos casos mais emblemáticos do caminho não clássico de desenvolvimento capitalista do mundo rural. Em poucos Estados brasileiros o latifúndio implantou-se de maneira tão decisiva e determinou de modo tão radical quase todos os aspectos da sociedade. (LESSA, 2011)

Nessa sociedade o latifúndio tem o domínio do principal setor produtivo, a cana de

açúcar. Nesse contexto as relações de poder que são exercidas no contexto da sociedade

alagoana a mantém retardatária e dificulta a luta pela terra como também o

desenvolvimento do território dos acampamentos e assentamentos da sociedade

alagoana.

Em Alagoas um fato que provoca a proletarização do camponês é a subjugação deste ao

processo de exploração capitalista que tem forte domínio pela relação econômica do

setor canavieiro. Essa proletarização vem se dando frente a exploração do sistema

capitalista, no qual é explorado pela venda de sua força de trabalho. Entretanto, em

muitos âmbitos econômicos como é o caso de indústrias, o trabalhador menos

especializado volta-se para áreas mais pesadas e menos remuneradas. Segundo Andrade,

a proletarização do camponês ocorre com a expansão da cultura da cana de açúcar que

passa a ser cultivada em processos técnicos mais avançados proporcionando assim um

ciclo de pobreza no campo, pois as terras passam a ser tomadas por grandes

latifundiários. Nas zonas de grandes e de muitas usinas, no sul de Pernambuco e no norte de Alagoas, a proletarização dos trabalhadores já chegou ao auge. A maioria deles reside em casas localizadas nas sedes dos engenhos- lembrando antigas senzalas- e não tem direito de fazer lavouras. Mesmo aquelas usinas que, teoricamente, dão terras para esse fim na prática impedem o cultivo das mesmas, pois exigem dos trabalhadores seis dias de trabalho por semana. Dá-se, assim, a proletarização crescente do trabalhador do campo. À proporção que aumenta a produção de açúcar e que se usa a técnica agrícola e industrial mais avançada, o homem do campo fica mais pobre, mais necessitado, com menos direitos [...]. Por isso nessas áreas os trabalhadores não se fixam mais; nada possuindo, vivem errantes, trabalhando hoje em um engenho, amanhã em outro. [...] A proletarização e, consequentemente, o empobrecimento cada vez maior do trabalhador rural levam o mesmo ao descontentamento, à insatisfação. Os proprietários compreendendo isto, realizam pequenos trabalhos de assistência que servem de meros paliativos, sem consequências

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positivas, ou exercerem medidas drásticas, violentas, para conter os anseios populares (ANDRADE, 1998, p. 118).

Fazer uma análise da construção histórica do Estado é bastante importante para

entendermos como nasce a sociedade econômica de Alagoas que segundo, Diégues

Junior (1980, p. 23), “não se pode existir uma história das Alagoas sem a do açúcar”. A

partir disto subtende-se que o processo de formação do Estado se deu sob a

expropriação de muitos camponeses para dar lugar à expansão da cultura da cana o que

traz impactos significativos para a vida da sociedade como um todo.

Vejamos as palavras do autor que esclarece este processo: [...] Alagoas lhe deve tudo. Deve ao bangüê sua evolução econômica, inclusiva com os altos e baixos que as situações alternadas da indústria do açúcar registram; deve-lhe ainda as linhas de formação de sua sociedade; e também lhe deve a fixação das vigas mestras dentro das quais nasceu e cresceu o rumo do povoamento, sua distribuição, sua condensação, sua fixação (DIÉGUES JUNIOR, 1980, p. 23-24).

O autor destaca que Alagoas deve tudo ao bangüê, uma estrutura econômica que

fortaleceu a concentração de terras nesse Estado. Dentro do contexto apresentado por

Diégues, pode-se afirmar que esta estrutura fundamentava-se no Estado e proporcionou

benefícios apenas aos senhores de terras, logo a afirmação de que “Alagoas lhe deve

tudo. Deve tudo ao bangüê”, se expressa claramente no crescimento de grupos

oligárquicos que aos poucos foram dominando e apropriando-se do território alagoano

devido crescimento do bangüê, e posteriormente, da inserção das usinas de produção do

açúcar e do etanol. Esse contexto ora apresentado beneficiou aos grupos dominantes que

atualmente contribuem para segregar cada vez mais a população que se vê a mercê de

um sistema que favorece os latifundiários, sendo estes que decidem sobre a estrutura da

sociedade alagoana.

Lessa também traz uma contribuição significativa para entendermos como a formação

econômica do Estado reflete na sua estrutura social e política. Em Alagoas, desde a época colonial, os pequenos produtores sofrem as duras consequências de estarem em uma formação social politicamente dominada pelo latifúndio. Apesar de sua situação subordinada e débil, a pequena lavoura seguiu sobrevivendo ao lado da grande propriedade (em grande medida "dentro" do próprio latifúndio, no caso dos "moradores") e a proporção entre as áreas ocupadas pelos dois tipos de empreendimento foi diferente em cada conjuntura histórica e em cada região do Estado.

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É fundamental perceber que a estrutura agrária alagoana sempre foi baseada no domínio do latifúndio, mas também é decisivo notar que a sobrevivência da pequena propriedade em condições de penúria (tendendo, frequentemente, a tornar-se um minifúndio) é parte essencial da estrutura agrária baseada na grande propriedade exportadora. (LESSA, 2011)

Compreender o contexto apresentado pelos autores faz-se importante para entendermos

a conjuntura atual do Estado de Alagoas. Este infelizmente carrega em sua história, um

conjunto de dominações de poucas famílias sobre a sua organização social, econômica e

política. Entretanto, hoje, isso não pode ser desconsiderado, pois atualmente essa

situação não se diferencia muito, mudaram mesmo as relações de produção, em que

essas famílias, além de dominarem grandes indústrias, passam a dominar outros espaços

da sociedade, como espaços culturais, educacionais, políticos.

Como pensar na formação de Alagoas sem pensar nos engenhos que passa a substituir a

pequena agricultura e subjugar o camponês aos desejos dos senhores de terra. Essa

influência trouxe consequências para a formação econômica, cultural e política do

Estado. Vejamos como Diégues Júnior bem coloca essa questão,

E é de tal forma essa influência que a povoação nasce em função do engenho, ou talvez como uma necessidade dele. [...] Forma-se assim nas Alagoas uma espécie de ruralismo urbano: a influência rural na cidade; na sua vida; no seu movimento; no seu progresso. Tudo dependendo do engenho de açúcar. O ruralismo açucareiro criou esse tipo de outro ruralismo, que fazia as famílias do engenho procurarem as vilas ou cidades para as festas religiosas, as comemorações, o passar-a-festa (DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 84).

Com isso, constatamos como foi forte a presença dos engenhos na formação da

sociedade alagoana, que ao longo dos anos vem sendo subjugada as imposições

políticas de pequenos grupos.

Mediante a realidade da formação da sociedade alagoana merece destaque a

transformação dos engenhos que foram sendo sugados pela necessidade de expansão e

que precisavam de grandes extensões de terras para a cultura da cana-de-açúcar,

formando com isso grandes canaviais. Dentro desse contexto, há um intenso êxodo rural

em Alagoas, e também se acentua a emigração para outras regiões do país. Entretanto,

há uma massa de excluídos que intensificam os problemas sociais, saindo do campo

para a cidade, onde neste último espaço não encontram condições de sobreviver, sendo

desta forma subordinados aos processos de exclusão social: falta de moradia, de

educação, de emprego, de saúde.

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Neste processo de transformação da sociedade alagoana, como do próprio país, vem

ocorrendo um debate para melhorar esta situação que tem se agravado em várias

regiões. A reforma agrária tão desejada passa a ser rediscutida, sendo agora considerada

pelo Estado como “uma necessidade para o desenvolvimento da agricultura e passou a

tratá-la como uma política compensatória” (SOUZA, 2001, p. 40).

Porém para os movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST) a reforma agrária não é uma política compensatória e sim uma política

importante que é capaz de impedir a intensificação da expropriação do camponês.

(RAMOS FILHO, 2011).

A história alagoana é marcada pela luta da terra e através de Lessa, 2011 podemos

entender esse contexto quando o mesmo nos lembra a luta de movimentos que foram

resistentes às imposições dos grupos dominantes afirmando a seguinte história do povo

alagoano: Basta lembrar a epopéia do Quilombo dos Palmares, a heróica luta dos cabanos (1832-50) e a fantástica resistência dos povos indígenas ao esbulho de suas terras e do seu modo de vida. Contudo, a particular configuração da formação social alagoana tem sido, historicamente, uma verdadeira muralha contra o êxito político e econômico das lutas populares pela democratização da estrutura fundiária e do modelo agropecuário. (LESSA, 2011)

Vemos que a história alagoana é marcada de lutas heróicas que contribuíram para a

formação territorial desse Estado, entretanto essas lutas não modificaram o domínio

latifundiário existente no espaço alagoano, este que sempre foi determinante nas

relações produtivas do meio. O mesmo autor traz grandes contribuições para

entendermos as relações existentes na questão agrária alagoana, mostra algumas

microrregiões do Estado que tem o domínio da cultura da cana e destaca que esse fator

secular de nosso Estado tem atrapalhado a evolução do mesmo. No Leste Alagoano o latifúndio tem o domínio multissecular do principal setor produtivo; esta circunstância somou-se à relativa fragilidade da economia e das classes dominantes do Agreste e do Sertão e ao menor peso geográfico dessas regiões para estabelecerem, a partir de meados dos anos 1950, um domínio muito sólido dos usineiros na esfera política e no espaço da ideologia, dificultando bastante as vitórias, mesmo que parciais, das classes oprimidas. Em Alagoas, desde a época colonial, os pequenos produtores sofrem as duras consequências de estarem em uma formação social politicamente dominada pelo latifúndio. Apesar de sua situação subordinada e débil, a pequena lavoura seguiu sobrevivendo ao lado da grande propriedade (em grande medida "dentro" do próprio latifúndio, no caso dos "moradores") e a proporção entre as áreas ocupadas pelos dois tipos de empreendimento foi diferente em cada conjuntura histórica e em cada

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região do Estado. [...] No entanto, caso observemos uma série histórica de dados relativos às microrregiões e mesorregiões do Estado, perceberemos que apenas no Leste Alagoano a concentração fundiária constitui uma variável decisiva, ou seja, a taxa estadual de concentração da terra é constituída basicamente pela região canavieira, o que acaba encobrindo a relativamente menor incidência do latifúndio e o grave problema do minifúndio e da concentração da renda rural em outras partes do Estado. (LESSA, 2011)

Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

existem em nosso Estado 164 assentamentos (INCRA/AL, 2011) distribuídos em 42

municípios alagoanos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) a partir da pesquisa do Censo Agropecuário 2006, o índice Gini1 de Alagoas

concentra um índice de 0,871 pontos em relação ao índice do Brasil que tem um número

de 0,854. Desta forma vemos que no Estado de Alagoas a concentração é maior quando

analisada em relação ao índice do país.

A precariedade no campo é agravada em relação aos índices sociais, principalmente na

educação. Tendo em vista que esta é um meio para se modificar a realidade do Estado,

claro, se estiver voltada para o desenvolvimento articulado, onde fortaleça o

desenvolvimento dos povos, primordialmente dos camponeses que trazem consigo uma

história de luta que reflete a busca dos direitos mínimos as condições de sobrevivência

no espaço alagoano.

A concentração fundiária é marcada por lutas e reivindicações dos movimentos sociais

por melhores condições de vida. A luta por melhoria na sociedade alagoana não é tão

intensa, pois há uma acomodação de grupos que aceitam pacificamente tal situação,

porém esse fato reflete a falta de esclarecimento da população que em sua maioria são

beneficiadas por programas assistencialistas que impõe uma aceitação indireta pelas

condições de vida atuais da população alagoana, entretanto, alguns grupos como o

MST, por serem mais envolvidos com as lutas e reivindicações sociais se destaca pela

insistência de melhorias para os envolvidos nesse grupo. Nessas lutas destaca-se a da

educação que é considerada um fator primordial para a formação humana. A luta dos

acampados e assentados deste Estado, que vivem em áreas desprivilegiadas e

desassistidas pelos serviços públicos é pertinente para a conquista de políticas públicas.

Através das demandas dos Programas existentes da Educação do Campo os

Movimentos sociais tem procurado ampliar as condições de acesso e o direito a

formação humana, por meio da educação. Nesse contexto faremos nos próximos tópicos

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uma abordagem da Educação do Campo e do Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária.

Educação no campo

A educação do campo aqui não é tida como um termo e sim como um paradigma

educacional emancipatório no qual alguns pesquisadores o adotam como sinônimo de

educação rural, como moda ou para esvaziar politicamente a educação do campo e

alguns para fugirem do de debate teórico preferem educação no/do campo, porém o

trabalho discute a perspectiva da educação no campo, mas que seja emancipatória,

portanto do campo. Esse debate perpassa a essa discussão por estarmos trabalhando com

território imaterial que está em permanente construção e permanente disputa. (RAMOS

FILHO, 2012.)

A luta pela educação partiu de muitas reivindicações por parte dos Movimentos sociais

que lutam pelo acesso a terra, não se limitando apenas a esse direito e ampliando-o na

busca de condições que garantam aos camponeses a melhoria na condição de vida nesse

sistema capitalista tão excludente e fragmentador.

Somente pela conquista da terra a reforma agrária não estaria concretizada, sendo necessárias novas conquistas, não só de infra-estrutura física, mas do saneamento básico, da saúde, da educação, etc. Só assim será garantida a continuidade das famílias no campo de forma digna. (...) O MST dá ênfase ao fato de que não basta somente aprender a “ler, escrever e contar”, é preciso realizar ações que tenham um sentido mais amplo, que considere a formação humana num sentido mais geral e num sentido estrito, considera a formação de quadros de trabalhadores para a organização do movimento (SANTOS, 2005, p. 46).

Como aponta a autora é uma luta constante dos movimentos, pois quando estes passam

da fase de acampados para assentados, a luta permanece, pois a militância persiste nas

reivindicações que ajudem estes a permanecerem no campo, buscando com isso sua

sobrevivência neste meio. Em nossa sociedade, existe um paradigma no qual identifica

os acampados e assentados, trabalhadores do campo, como povos arcaicos, sem

perspectiva de vida, que são baderneiros quando lutam por terra, a sociedade os

identifica desta forma por não conhecerem a efetividade de suas lutas, porém este vem

sendo modificado por meio das relações que esses grupos tem estabelecido na sociedade

14

mostrando que campo é um local de vida, de cultura, de educação, onde os sujeitos que

nele vivem são transformadores de sua própria realidade.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é um dos grandes precursores, desde 1987,

na criação de uma estrutura educacional para o campo. Por este motivo, torna-se

importante conhecer como surgiu o movimento de uma educação voltada para as

especificidades do campo. Este se concretiza por meio de uma articulação cujo nome se

dá: Por uma Educação Básica do Campo, que visa atender as necessidades a partir da

realidade dos povos do campo.

O movimento Por uma Educação Básica do Campo surge no ano de 1998, a partir da I

Conferência Nacional Por uma Educação Básica do campo, que aconteceu no Estado de

Goiás na cidade de Luziânia entre os dias 27 a 31 de julho. Esta conferência surge a

partir do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I

ENERA), feito em julho de 19972.

As lutas e os espaços de formação dos sujeitos do campo é um espaço de familiarização,

pois esses sujeitos passam por um processo reflexivo que compreende que este fator é

essencial para a formação do homem, aqui não queremos dizer que a educação seja a

solução para todas as mazelas sociais, mais focamos a importância desta para este grupo

cada vez mais excluído dentro do contexto social.

A visão dos acampados e assentados, trabalhadores do campo acerca da necessidade de

uma educação não é tão fácil o quanto se imagina, pois segundo Caldart (2000, p. 43)

“um dos entraves ao avanço da luta popular pela educação básica do campo é cultural”,

a mesma nos mostra como esses entraves se dá no campo:

[...] as populações do campo incorporam em si uma visão que é um verdadeiro círculo vicioso: sair do campo para continuar a ter escola e ter escola para sair do campo. Ou seja, uma situação social de exclusão, que é um dos desdobramentos perversos da opção de (sub)desenvolvimento do país feita pelas elites brasileiras, acaba se tornando uma espécie de bloqueio cultural que impede o seu enfrentamento efetivo por quem de direito. As pessoas passam a acreditar que para ficar no campo não precisam mesmo de “muitas letras” (CALDART , 2000, p. 43).

Esse desafio passa a ser enfrentado como movimento de luta para superar o cerco da

negação dos conhecimentos a esse grupo que foram excluídos historicamente de vários

processos sociais, em especial, o da educação.

O maior patrimônio de um país é seu próprio povo, e o maior patrimônio de um povo é a sua cultura, que lhe permite expressar conceitos e sentimentos, explorar as potencialidades de sua língua, formular ideias mais ricas,

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reconhecer sua identidade, exigir direitos, aumentar sua capacidade de organização, escolher melhor suas lideranças, libertar-se da miséria, comunicar-se melhor consigo mesmo e com outros povos, aprender novas técnicas, ter acesso ao que de melhor a humanidade produz na ciência e na arte (BENJAMIN, 2000, p. 23).

O autor destaca processos importantes para a formação humana e social de um povo.

É importante que compreendamos que o processo de luta por uma educação voltada

para as especificidades do campo, não se dá em uma visão da escola normal, ao qual

estamos acostumados. A hierarquia em classes seriadas não é o ensejo desta luta, há

algo mais que deve ser buscado, uma educação que vá além da escola normal.

A “Articulação Nacional Por uma Educação do Campo” não caminha só em seu

processo de luta, a mesma é formada por representantes de várias instituições: Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Universidade de Brasília (UNB), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Fundo das Nações Unidas Para a Infância (UNICEF). (NERY, 2000, p. 08-09).

O fruto desta união mostra-nos a necessidade de repensar a formação humana a partir da

educação, esta voltada para as necessidades dos acampados e assentados, trabalhadores

do campo.

Os povos do campo se caracterizam não apenas como os sem terra, mais há todo um

grupo que se caracteriza dentro deste processo de luta, pois como nos mostra CALDART:

No campo se encontra “milhões de brasileiros e brasileiras, da infância a terceira idade, que vivem e trabalham no campo como: pequenos agricultores, quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados caboclos, meeiros, bóia-fria, entre outros”. (CALDART, et. al. 2002, p. 16)

São nesses grupos, que identificamos o processo de luta, a sede de melhoria de vida,

que possibilita a estes se articularem a vários movimentos de lutas para alcançarem seus

direitos, que foram e são negados nesse país.

O que marca a luta desse movimento é a educação voltada para o campo com a

participação dos que tem interesse na conquista desse processo. Este movimento tem

um traço específico que fundamenta esta luta.

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A identidade deste movimento Por uma Educação do Campo é a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o seu direito à educação, e a uma educação que seja no e do campo. No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais. (CALDART, 2002, p. 26)

Conhecer essa distinção faz-se necessário para que possamos avançar em nossa

discussão sobre a educação do campo. O debate que se dá em torno desta luta tem

ocupado muitos espaços acadêmicos, políticos e institucionais, pois atualmente esta

força vem provocando cada vez mais os espaços públicos e de comunicação, mostrando

claramente que o campo é um território de vida, que precisa ser olhado não como o

lugar do atrasado, mas como o lugar de vida de vários povos, que criam e recriam dando

significado ao seu espaço, a sua história e a história da sociedade brasileira.

A educação do campo se identifica pelos seus sujeitos: é preciso compreender que por trás da indicação geográfica e da frieza de dados estatísticos está uma parte do povo brasileiro que vive neste lugar e desde as relações sociais específicas que compõem a vida no e do campo, em suas diferentes identidades e em sua identidade comum; estão pessoas de diferentes idades, estão famílias, comunidades, organizações, Movimentos sociais (CALDART, 2000, p. 27).

Nesse contexto, cabe educar não só as crianças e jovens, mas todos que de uma forma

ou de outra foram excluídos do processo educativo, seja pela falta de escolas no meio

onde vivem, seja pelo abandono destas em troca da sobrevivência ou pela falta de

oportunidades para se inserirem neste processo. A educação do campo deve ser

desenvolvida para estes sujeitos a partir da realidade destes.

Os sujeitos da educação do campo são aquelas pessoas que sentem na própria pele os efeitos desta realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São os sujeitos da resistência no e do campo; sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores apesar de um modelo de agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra e pela reforma agrária; sujeitos da luta por melhores condições de trabalho no campo; sujeitos da resistência na terra dos quilombos e pela identidade própria desta herança; sujeitos da luta pelo direito de continuar a ser indígena e brasileiro, em terras demarcadas e em identidades e direitos sociais respeitados; e sujeitos de tantas outras resistências culturais, políticas, pedagógicas (CALDART, 2002, p. 29).

Estes por sua vez lutam por uma educação que seja transformadora, onde sejam

participantes dessa mudança. Os direitos são mais amplos, não se restringem a uma

educação básica, mas a um caminho que os levem a Universidade, onde sejam criados

cursos próprios às suas realidades. Este fato já ocorre em várias regiões do país, com

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cursos de licenciatura do campo, ou cursos promovidos pelo PRONERA, seja em nível

médio, técnico ou formação continuada.

O PRONERA no contexto Alagoano

Em 16 de Abril de 1998, por meio da portaria nº. 10/98 foi criado o Programa Nacional

de Educação e Reforma Agrária (PRONERA) vinculado ao gabinete do Ministério

Extraordinário da Política Fundiária, mais tarde em 2001 o programa passa a incorporar

o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

O Pronera passou por algumas limitações jurídicas a partir de 2008 devido ao Tribunal

de Contas da União (TCU) desautorizar a execução de convênios por parte do INCRA

com instituições estaduais, municipais e privadas, onde o Acórdão 2.653/08

regulamentava que o INCRA, ao invés de estabelecer convênios com as instituições de

ensino para a execução dos projetos, o faça por meio de contrato, precedido de

procedimento licitatório.

Contudo, em 2009, foi aprovado o PRONERA em Lei, pelo Congresso Nacional e, no

final de 2010, durante o IV Seminário Nacional do PRONERA realizado em Brasília, o

presidente Lula assinou o Decreto 7.352, que trata da educação do campo e institui

formalmente o PRONERA no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),

executado pelo INCRA. Isso significa que o PRONERA compõe a política de educação

do campo, mas preserva sua especificidade de Política Pública de educação vinculada à

Reforma Agrária. Tendo em vista esse novo ato do Programa, este passa a englobar toda

a população do campo, pois antes só atendia aos acampados e assentados da Reforma

Agrária, atualmente visa beneficiar agricultores familiares, extrativistas, pescadores

artesanais, ribeirinhos, acampados, trabalhadores rurais assalariados, quilombolas,

caiçaras, povos da floresta e caboclos.

O PRONERA se constitui em uma política pública de educação, executada pelo

governo federal para beneficiar as áreas de reforma agrária. A construção deste

Programa foi fruto da luta dos movimentos sociais e sindicatos dos trabalhadores rurais

(STRs). Desta forma, este programa vem se tornando um relevante instrumento de

democratização do conhecimento formal em todos os níveis de ensino. O PRONERA se

desenvolve sob uma gestão compartilhada e com isso descentraliza as ações

institucionais.

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A participação conjunta dos atores envolvidos no Programa: Governo Federal,

Universidades, Movimentos sociais, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, Governos

Estaduais e Municipais, visou segundo o Manual do Programa o “fortalecimento do

mundo rural como território de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais,

ambientais, políticas, culturais, éticas, educacionais, etc.” (Manual de Operações do

Pronera, 2004, p. 34).

Através da gestão compartilhada, o PRONERA procurou alfabetizar e elevar a

escolaridade de jovens e adultos, aperfeiçoou educadores e universitários (formadores) e

formou recursos humanos para atuarem no desenvolvimento dos acampamentos e

assentamentos da reforma agrária, seja na formação de educadores do campo, técnicos

agrícolas, universitários especializados em manejo, etc. Em todos esses âmbitos, o

PRONERA teve como estratégia elevar a capacidade técnica e científica e, com ela,

promover a sustentabilidade dos assentamentos da reforma agrária.

A metodologia utilizada pelo PRONERA é a Pedagogia da Alternância, que enfatiza a

existência de diferentes tempos pedagógicos. É uma forma de adaptar a educação

escolar à realidade do trabalho camponês, e caracteriza-se pela alternância de tempo-

escola e tempo-comunidade. O PRONERA é voltado para a educação de jovens e

adultos acampados/assentados em diferentes áreas de formação profissional e técnica de

nível médio e superior; garantindo, inclusive, a formação de educadores.

O Programa visava proporcionar a milhares de “jovens e adultos, trabalhadores e

trabalhadoras das áreas de reforma agrária o direito de alfabetizar-se e de continuar os

estudos em diferentes níveis de ensino” (Manual de Operações do PRONERA, 2004, p.

11). De acordo com a idealização do Programa, estes objetivos seriam essenciais para a

melhoria da educação nos acampamentos e assentamentos, entretanto quando

analisamos a realidade da execução do mesmo, em especial no Estado de Alagoas,

percebemos como há divergências no que está posto na Lei e o que se vivencia, pois não

há uma continuidade de estudo nos diferentes níveis de ensino. Diante da realidade,

poucos conseguem terminar o 1º ciclo do ensino fundamental.

O PRONERA é operacionalizado de forma estratégica, associado ao desenvolvimento

territorial, para contribuir com a elevação das condições de vida e de cidadania de

milhares de brasileiros e brasileiras que vivem no campo. Compreende que o modo de

vida do povo do campo tem especificidades quanto a maneira de se relacionar com o

tempo, o espaço, o meio-ambiente, de organizar a família, a comunidade, o trabalho, a

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educação e o lazer que lhe permite a criação de uma identidade cultural e social própria.

Por essa razão, o PRONERA é o executor das práticas e de reflexões teóricas da

Educação do Campo, (no âmbito do INCRA), que tem como fundamento a formação

humana como condição primordial, e como princípio a possibilidade de todos e todas

serem protagonistas da sua história. Assim, criarem novas possibilidades para descobrir

e reinventar, democraticamente, relações solidárias e responsáveis no processo de

reorganização socioterritorial em que vivem (Manual de Operações do PRONERA,

2004, p. 13).

O Manual de Operação do PRONERA traz claramente os objetivos que o mesmo visava

atingir, como também, o grupo que se inseriria nas demandas da educação a partir da

sua ação. No mesmo Manual, são apresentados princípios políticos-pedagógicos

pautados na “relação indissociável da educação e do desenvolvimento territorial como

condição essencial para a qualificação do modo de vida da população assentada”

(Manual de Operações do PRONERA, 2004, p. 18).

Os princípios que baseiam o processo pedagógico são: inclusão, participação, interação

e multiplicação. É organizado por uma Gestão Nacional e pela Gestão Estadual. Onde a

primeira tem uma direção executiva e uma comissão pedagógica; a estadual, por sua

vez, tem caráter de operacionalização e contribui para a efetivação do programa,

respectivamente, em âmbito Estadual; desta forma o programa descentraliza as suas

ações. O PRONERA capacitou educadores para atuarem nas escolas dos acampamentos

e assentamentos; e capacitou ainda, os coordenadores locais, que atuavam como

multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias.

Em Alagoas, o PRONERA traz em si uma possibilidade de melhoria educacional para

os acampados e assentados. Entretanto é importante chamar a atenção na execução

deste, pois foi possível constatar que tal Projeto em nível de Brasil apresenta problemas

que dificultam sua execução e em Alagoas isso não foi diferente, pois a falta de

continuidade, o atraso de verbas e a precariedade dos materiais didáticos pedagógicos,

etc., também foi uma característica da execução do Programa no Estado.

Em Alagoas, as principais dificuldades e limitações à execução do Programa foram a

carência de infraestrutura adequada: salas de aula, bebedouros, bibliotecas, etc.; não

existia insumos e material escolar; e o educador muitas vezes não tinha a formação

necessária compatível com a atividade que estava desenvolvendo. Fazendo a análise da

execução do PRONERA em Alagoas, compreendem-se as dificuldades e limitações de

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sua execução, porém mesmo diante dos impasses, houve benefícios, pois segundo os

relatórios parciais e finais3 do programa, analisados durante o processo de estudo do

Programa no Estado, os resultados foram alcançados em virtude da força de vontade dos

educandos e dos educadores em continuar lutando pelo direito a educação e o apoio

concedido pelos Movimentos sociais e pelas instituições envolvidas, UFAL, INCRA,

SEE/AL.

Conclusões O presente artigo procurou mostra a problemática da questão agrária alagoana e suas

consequências no contexto da vida dos povos do campo que sofrem com a grande

concentração de terras desse Estado. O domínio dos senhores de terras ao longo da

história desse Estado provoca até os dias atuais uma concentração de poder no contexto

político, social, econômico, cultural. A questão da terra no território alagoano é um

espaço de luta e poder. A partir deste artigo buscamos mostrar como essa concentração

afeta a vida da sociedade alagoana em especial a vida dos acampados e assentados no

que tange ao processo educativo por meio da Política Pública do PRONERA. Contudo

podemos afirmar que nessa relação da questão agrária em Alagoas com a educação do

campo muita ainda deverá ser feito, pois o índice de concentração de terra é muito

grande e com isso respalda-se na exclusão dos sujeitos sociais deste território tão

problemático. É preciso pensar como proporcionar uma educação do campo que seja

construída por meio de ações integradas que viabilizem o crescimento destes povos no

contexto político, cultural e econômico, dando possibilidades aos sujeitos do campo

potencializar o desenvolvimento do seu território de vida.

Notas _________ 1 O índice ou coeficiente de Gini é uma medida de concentração ou desigualdade. O índice de Gini varia de "0 a 1", em que a escala zero representa uma distribuição de terras absolutamente igual e um, uma distribuição de terras totalmente desigual. No resente trabalho o Índice utilizado faz referência ao grau de concentração de terras em Alagoas. 2 Essas informações básicas sobre o surgimento desta articulação pode ser encontrada nos livros da coleção Por uma Educação Básica do Campo, onde consta 4 volumes. De forma mais ampla no Livro: Educação do campo: identidade e políticas públicas. KOLLING, Edgar Jorge. CERIOLI, Paulo Ricardo e CALDART, Roseli Salete, (org). Articulação Nacional Por uma Educação do Campo, Brasília, DF. 2002. Coleção Por uma educação do campo, n.º 4.

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3 BARROS, Abdizia Maria Alves. MELO, Kátia Maria da Silva. Primeiro Relatório Parcial do Projeto de Capacitação de Jovens e Adultos nas Áreas de Assentamentos da Reforma Agrária em Alagoas Projeral IV. UFAL/FUNDEPES/INCRA/SEE-AL/MST. Maceió, Outubro de 2005 a fevereiro de 2006. VERGNE, Ana. Relatório final do Projeto de Educação e Capacitação de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária em Alagoas. UFAL/PROJERAL/INCRA/MST/AL. Maceió, Abril de 2002. VERGNE, Ana. Relatório final do Projeto de Educação e Capacitação de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária em Alagoas. Etapa 2005-2007. Maceió, novembro de 2008.

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