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 QUILOMBOS: HISTÓRIA, IDENTIDADE, EDUCAÇÃO E ORALIDADE DE SABERES TRADICIONAIS. Anderson Santos 1  Josiane Oliveira Rabelo 2  Dinamara Garcia Feldens 3  GT6 Educação, Gênero e Diversidade Resumo: O presente artigo tr ata de uma pesquisa qualitativa de caráter histórico e etnográfico que ocorre no Município de Santa Luzia do Itanhi localizado ao sul do estado de Sergipe na Comunidade Remanescente de Quilombo Luziense, chamada Rua da Palha. A pesquisa tem como foco o estudo do cotidiano familiar e do trabalho das catadoras de aratu, bem com suas  práticas culturais, identidade e tradições mantidas pelo viés da oralidade, as quais são repassadas de geração para geração. Alguns referenciais teóricos como, Bauman, Skidmore, Eliot, Mattoso e Lindoso foram utilizados. A pesquisa encontra-se em andamento e os trabalhos de pesquisa são desenvolvidos a partir de entrevistas semiestruturadas, com foco nos conceitos históricos, étnicos, de identidade e culturais da comunidade. Palavras chave:  Quilombolas, marisqueiras, educação e oralidade. Abstract: This article is a qualitative research and ethnographic history occurring in the municipality of Santa Luzia Itanhi located south of the state of Sergipe in the Community 1  Aluno matriculado no 5º período do curso de licenciatura em História pela Universidade Tiradentes    UNIT, membro do Grupo de Pesquisa Educação Cultura e Subjetividades    GPECS e do projeto de pesquisa Quilombolas aratu: história e cultura no interior de Sergipe (FAPITEC/SE). 2  Aluna matriculada no 5º período do curso de licenciatura em História pela Universidade Tiradentes    UNIT, membro do Grupo de Pesquisa Educação Cultura e Subjetividades    GPECS e do projeto de pesquisa Quilombolas aratu: história e cultura no interior de Sergipe (FAPITEC/SE). 3  Possui graduação em História pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (1996), Mestrado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (1999 CAPES _ Conceito 6) e Doutorado em Educação Básica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos _ UNISINOS (2004 Capes - Conceito 6), com bolsa Cnpq na Universidade da Sorbonné - França na área da Educação e Antropologia do Corpo. Atualmente realiza pós doutorado na Universidade Complutense de Madrid, tendo como supervisor o Prof. Don Fernando Bárcena Orbe, na área de filosofia da Educação, como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq . È pesquisadora do ITP e  professora PPG I da Universidade Tiradentes no Programa de Pós Graduação em Educação nesta instituição e membro do Comitê Científico.Coordena o DINTER em Educação (PUC/RS) na Universidade Tiradentes. È avaliadora da CAPES na área do ensino PAEP/DPB. Tem experiência na área de Educação, História, Filosofia e Pesquisa, com ênfase em formação de professores, estudos de Gênero e Etnia, História do Conhecimento e Filosofia da Diferença.  

Quilombos Historia Identidade Educacao Oralidade Saberes Tradicionais

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Excelente texto sodre quilombo, identidade, educação e história.

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  • QUILOMBOS: HISTRIA, IDENTIDADE, EDUCAO E ORALIDADE DE

    SABERES TRADICIONAIS.

    Anderson Santos1

    Josiane Oliveira Rabelo2

    Dinamara Garcia Feldens3

    GT6 Educao, Gnero e Diversidade

    Resumo: O presente artigo trata de uma pesquisa qualitativa de carter histrico e etnogrfico

    que ocorre no Municpio de Santa Luzia do Itanhi localizado ao sul do estado de Sergipe na

    Comunidade Remanescente de Quilombo Luziense, chamada Rua da Palha. A pesquisa tem

    como foco o estudo do cotidiano familiar e do trabalho das catadoras de aratu, bem com suas

    prticas culturais, identidade e tradies mantidas pelo vis da oralidade, as quais so

    repassadas de gerao para gerao. Alguns referenciais tericos como, Bauman, Skidmore,

    Eliot, Mattoso e Lindoso foram utilizados. A pesquisa encontra-se em andamento e os

    trabalhos de pesquisa so desenvolvidos a partir de entrevistas semiestruturadas, com foco nos

    conceitos histricos, tnicos, de identidade e culturais da comunidade.

    Palavras chave: Quilombolas, marisqueiras, educao e oralidade.

    Abstract: This article is a qualitative research and ethnographic history occurring in the

    municipality of Santa Luzia Itanhi located south of the state of Sergipe in the Community

    1 Aluno matriculado no 5 perodo do curso de licenciatura em Histria pela Universidade Tiradentes UNIT,

    membro do Grupo de Pesquisa Educao Cultura e Subjetividades GPECS e do projeto de pesquisa Quilombolas aratu: histria e cultura no interior de Sergipe (FAPITEC/SE).

    2 Aluna matriculada no 5 perodo do curso de licenciatura em Histria pela Universidade Tiradentes UNIT,

    membro do Grupo de Pesquisa Educao Cultura e Subjetividades GPECS e do projeto de pesquisa Quilombolas aratu: histria e cultura no interior de Sergipe (FAPITEC/SE).

    3 Possui graduao em Histria pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (1996), Mestrado em

    Educao pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (1999 CAPES _ Conceito 6) e

    Doutorado em Educao Bsica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos _ UNISINOS (2004 Capes -

    Conceito 6), com bolsa Cnpq na Universidade da Sorbonn - Frana na rea da Educao e Antropologia

    do Corpo. Atualmente realiza ps doutorado na Universidade Complutense de Madrid, tendo como

    supervisor o Prof. Don Fernando Brcena Orbe, na rea de filosofia da Educao, como bolsista do

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, CNPq . pesquisadora do ITP e

    professora PPG I da Universidade Tiradentes no Programa de Ps Graduao em Educao nesta

    instituio e membro do Comit Cientfico.Coordena o DINTER em Educao (PUC/RS) na Universidade

    Tiradentes. avaliadora da CAPES na rea do ensino PAEP/DPB. Tem experincia na rea de Educao,

    Histria, Filosofia e Pesquisa, com nfase em formao de professores, estudos de Gnero e Etnia, Histria

    do Conhecimento e Filosofia da Diferena.

  • Remnant Quilombo Luziense called Street of Straw. The research focuses on the study of

    daily family life and work of the pickers aratu well with their cultural practices, identity and

    traditions maintained by the bias of orality, which are passed from generation to generation.

    Some theoretical as Bauman, Skidmore, Eliot, and Mattoso Lindoso were used. The research

    is ongoing and research papers are developed from semi-structured interviews, with a focus

    on historical concepts, ethnic, and cultural identity of the community.

    Keywords: Maroons, seafood, education and orality.

    INTRODUO

    A Amrica durante muito tempo foi palco de um sistema escravocrata rgido e intenso,

    esse fato responsvel pela retirada de milhes de africanos de suas terras. Dentro dessa

    perspectiva o Brasil apontado como um dos grandes centros receptadores de escravos da

    Amrica do Sul e marcado tambm como o pas com o maior fluxo de importao de escravos

    africanos, alm de ser a ultima nao a abolir a escravido.

    Mesma com a utilizao da mo-de-obra escrava indgena, a mo-de-obra escrava

    africana destacava-se como o principal e mais utilizado meio de mo-de-obra em alguns eixos

    ao longo da colnia. Durante muito tempo as estruturas escravistas coloniais eram sustentadas

    a base dos mercadores de escravos, da violncia e coero. A juno desses elementos

    caracterizaram-se como componentes indispensveis para a manuteno dessas estruturas,

    pois ao contrrio, acarretaria a acomodao dos escravos e em consequncia disso o escravo

    no executaria suas atividades. Devido a esse fator o prprio sistema escravista tornava a

    violncia aos escravos como algo necessrio. A Coroa Portuguesa juntamente com os

    administradores do Brasil Colnia, foram os primeiros a fazerem meno aos quilombos que

    inicialmente s tinham sido mencionados nos relatos dos Capites do Mato ao assinalarem

    para a existncia de povoaes formadas por negros com certa distncia do local a que eles

    pertenciam. Desta forma, em meados do sculo XVIII a partir de correspondncia emitida

    pela Coroa Portuguesa, quilombos ou mocambos, obtiveram definio de toda povoao de

    negros fugidos que ultrapassassem o nmero de cinco membros.

    O reflexo da comercializao e utilizao de mo-de-obra escrava africana em

    territrios nacionais uma populao que tem como uma de suas bases centrais de formao,

  • o negro trazido da frica. No somente o trabalho, mas com os negros tambm vieram

    costumes, lngua e principalmente religiosidade, toda essa diversidade cultural facilmente

    encontrada na formao do povo brasileiro.

    QUILOMBOS E MOCAMBOS

    A convivncia em comunidade e o compartilhamento das terras e de uma identidade

    justifica a condio de coletividade. Nesse sentido ao se denominar uma comunidade como

    remanescente de quilombo, a condio a qual esta est sendo submetida a de pertencimento

    e herdeira direta de uma identidade ou territorialidade. O poder esclarecedor contido no

    conceito de identidade em si um aspecto cultural de muita relevncia. Como Zygmunt

    Bauman, aponta:

    A identidade no exceo: torna-se tema de reflexo aprofundada quando sua probabilidade de sobrevivncia sem reflexo comea a diminuir quando, em vez de algo bvio dado, comea a aparecer uma coisa problemtica, uma tarefa. Isso ocorreu com o

    advento da era moderna, com a passagem da atribuio realizao: deixar os seres humanos perderem para que possam precisem, devam determinar seu lugar na sociedade.

    Desta forma, medida que grupos organizam-se em estruturas localizadas e

    estabelecem laos de parentesco e territrios, o somatrio desses elementos constitui uma

    identidade.

    As chamadas comunidades mocambeiras so caracterizadas pela forma de comunidade

    de sobrevivncia, estas eram criadas por negros fugitivos das plantaes de acar. Apesar da

    iniciativa dos negros em construrem essas comunidades, a presena de ndios, de soldados,

    de brancos pobres e mestios era muito comum. Devido a esse fato, no se deve levar em

    considerao que a criao dessas comunidades era exclusivamente de iniciativa dos negros

    fugitivos, elas eram caracterizadas por serem comunidades de dinmica negro-africanas, mas

    com a participao de outras categorias tnicas, embora essas etnias se apresentassem em

    percentual mnimo comparado ao ndice dos negros residentes naquele meio. A presena dos

    ndios nas comunidades mocambeiras fez com que estes contribussem com alguns de seus

    costumes culturais. Como apontado na obra de Dirceu Lindoso:

    A cultura ndia das tribos migratrias-predominantemente tapuias- e essa a

    contradio, deu aos negros mocambeiros as tcnicas de coleta de mel de

  • abelha, as tcnicas de criao de plantas alimentcias, como a mandioca e a

    batata-doce, que s existiam aqui na Amrica, ou dos bredos carurus.

    Para a criao dos mocambos eram levados em considerao cuidados como, erguer as

    comunidades nas matas da periferia das plantaes de cana-de-acar a uma distancia segura,

    assegurar a existncia de um esconderijo e estabelecer um contato eventual, sendo que esse

    ltimo ficaria responsvel por manter um cuidadoso mercado de trocas e escambo. Segundo

    Mattoso (2003), o caso do clebre Quilombo dos Palmares, instalado no sculo XVII no

    interior do atual estado de Alagoas, pertencente poca capitania de Pernambuco. A partir

    do momento em que os negros fugitivos passaram a erguer em torno suas aldeias as chamadas

    cercas reais defensivas, construdas com troncos de rvores e ramas, tcnica herdada da

    cultura indgena presente na comunidade, foi se constituindo o ento poder quilombola, esse

    sim, autenticamente africano. Mas, o fato que o estado pacfico sobre o qual o quilombo

    deveria permanecer era uma caracterstica primordial. Como bem demonstra Mattoso (2003),

    o quilombo quer paz, somente recorre violncia se atacado, se descoberto pela polcia ou

    pelo exrcito que tenta destru-lo, ou se isto for indispensvel sua sobrevivncia. A criao

    dessas comunidades representava a soluo imediata aos problemas da inadaptao do negro

    africano no seio da comunidade branca. A incapacidade da organizao poltica de impedir

    essa concentrao marginal possibilitava aos negros rebelar-se e consequentemente fugirem.

    Todavia, um quilombo no surge a partir de uma ao premeditada, de maneira espontnea

    ele surge, e esse um aspecto fundamental para explicar a variedade de classes presentes nos

    quilombos. Ktia Mattoso observa que:

    Na verdade, a maioria dos quilombos renem algumas centenas de homens e

    mulheres. Sua populao varia segundo a conjuntura e as circunstancias. Somente se

    tornam conhecidos quando as foras de ordem tomam contato com eles. Tudo leva a

    crer que esses ataques do exterior os obrigam a se organizar e cristalizar seu desejo de

    independncia econmica, tornando-os verdadeiros centros de produo.

    Contudo nem todos os negros escravos tem a condio de quilombola, essa

    perspectiva surge a partir de uma srie de atos sociais sucessivos antecedentes como, por

    exemplo, fugas, busca por esconderijos e construo de modo de vida de fugitivo.

    Atualmente, os quilombos so considerados territrios de resistncia cultural, pois

    deles so oriundos grupos tnicos sociais. Sua trajetria marcada por relaes territoriais

    especificas, ancestralidade negra e luta a opresso histrica sofrida, sendo que a soma de

    todos esses fatores os levam a se autoconsiderar comunidades negras de quilombos. Os

  • principais aspectos responsveis por distingui-los das demais coletividades nacionais ficam a

    cargo de seus costumes, tradies, condies sociais, culturais e econmicas.

    Os grupos denominados de comunidades remanescentes de quilombos so camadas

    sociais cujo sua identidade tnica define sua posio no meio social. Um aspecto relevante

    que deve ser levado em considerao ao tratar de identidade tnica a dinmica do processo

    de auto identificao, este no se resume apenas a elementos materiais, bem como traos

    biolgicos, a identidade tnica da comunidade a base para sua organizao, para o

    relacionamento com os demais grupos e tambm para aes polticas. Para definio de sua

    prpria identidade os grupos sociais promovem a juno de variados fatores, selecionados por

    eles mesmos. Ancestralidade comum, formas de organizao poltica e social, elementos

    lingusticos e religiosos, so fatores comuns de escolha coletiva para chegar aos traos

    identitrios tnicos da comunidade a qual pertencem.

    A partir das entrevistas realizadas na comunidade remanescente de quilombola Rua da

    Palha localizada ao sul do Estado de Sergipe no municpio de Santa Luzia do Itanhi, uma das

    entrevistadas, a marisqueira Salete nos responde de acordo com os conhecimentos adquiridos

    dos seus antepassados atravs da oralidade sua concepo sobre a questo quilombola. Salete

    - Que a histria daqui dos quilombolas do escravo que as pessoas se libertavam e fugia de

    outras cidades e vinham pra qui, e aqui eles construam famlias, faziam aquelas barracazinhas

    de palhas, e nas barraquinhas de palhas construam famlias, construam filhos, e ai se gerou,

    se gerou aqui ainda tem vrias famlias, e tem um povoado ali em baixo que quase trs

    famlias se gerou um povoado, porque eles de trs famlias tanto foi tendo muito filho e ai foi

    os filhos um casando com outro, o outro casando com o outro e ai gerou um povoado e aqui

    tem mais gente s no tem mais gente porque saiu fugido n? E as pessoas no tinham

    condies de fazer uma casa de bloco, fazia de paia fachinava as paredes de palhas cobriam

    de palha, fazia uma caminha de vara e ai fazia a casinha.

    Das estrias que circulam de famlia em famlia na comunidade, teria sido a partir da

    frequncia de casas construdas com palhas que deu origem ao nome do lugar, Rua da Palha.

    RUA DA PALHA

    A Comunidade Remanescente de Quilombo Luiziense Rua da Palha, localizada ao sul

    do estado de Sergipe no municpio de Santa Luzia do Itanhi agrega singularidades de valores

    culturais e histricos. As famlias desta comunidade dedicam-se inteiramente a atividade de

    pesca, sendo esse um dos principais meios de subsistncia. As mulheres desta comunidade

  • praticam no mangue a pesca do aratu, os homens catam caranguejo e suas crianas aprendem

    sua histria. Essas prticas de subsistncia so passadas de gerao para gerao. atravs

    dessa transmisso de conhecimento que a importncia da tradio oral e dos saberes populares

    dos remanescentes de quilombos demonstram-se. Estes aspectos pertencentes comunidade e

    ao seio familiar valorizam as tradies culturais dos seus antepassados, sejam nas prticas

    religiosas, na produo de remdios tradicionais com plantas, na prtica da pesca, que

    costuma ser ensinado os seus filhos desde muito cedo. Sobre esses aspectos, Jos Carlos

    Meihy afirma que:

    A complexidade da tradio oral reside no conhecimento do outro, nos detalhes

    autoexplicativos de sua cultura. Noes de tempo, lgica da estrutura de parentesco,

    solues de alimentao e ordenamento social, critrios de tratamento da sade, vises de

    vida e da morte, bem como a organizao do calendrio e dos processos de celebrao-

    rituais e demais cerimnias-so partes inerentes compreenso de grupos que sempre so

    exticos ao conhecimento comum.

    Em entrevista com uma das marisqueiras, Salete, quando ao relatar sua histria com

    muita espontaneidade e sem abandonar um grande e belo sorriso no rosto, apesar das

    dificuldades por conta do trabalho difcil na pescaria, ela nos aponta como foi sua iniciao na

    vida pesqueira. Salete - Quando eu comecei na mar eu ia mais minha me pega aratu, eu tava

    com 11 anos, de 11 anos em diante, agente j comeava a ir n, ai a gente ia com a me,

    chegava l se saco lava um pouco, porque no sabia caminhar um pouquinho, no pegava

    nada, porque no sabia de nada, no tinha pacincia para esperar o aratu vim. Ai depois a

    gente deixou o aratu que era o mais difcil, ai foi para o sururu, ai o sururu j era mais servio

    de criana n? Ai j ia tirar um pouquinho, ai fomos para a ostra, ns nos tempos de criana

    ns tirava mais sururu e ostra. Aratu porque o aratu era muito complicado porque agente no

    tinha pacincia de esperar ele sai, quando ele saia gente queria que ele viesse logo.

    Produtos como acar, cco, madeira e o crustceo de pequena intensidade, mas

    dotado de uma carne apetitosa, o aratu, so os elementos responsveis por proporcionarem a

    unio entre a comunidade da Rua da Palha e as marisqueiras. A memria e a histria vo

    sendo consolidadas por elas a cada gerao. Para Le Goff (1990), a memria um elemento

    essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca uma das

    atividades fundamentais dos indivduos e das sociedades de hoje, na febre e na angstia. O

    resgate da memria no deve ser sentimento de interesse somente dos povos de ascendncia

    negra, mas tambm das demais etnias, principalmente a branca. Dentro dessa perspectiva o

    pertencimento dessa memria constitui-se de forma coletiva, pois os costumes e culturas nos

  • quais lidamos diariamente so oriundos de variados segmentos tnicos. E mesmo sendo

    submetidos ao longo do seu desenvolvimento a condies desiguais, contriburam de forma

    acentuada e individualmente com a formao da riqueza da identidade nacional em mbitos

    culturais, sociais e econmicos.

    Fica a cargo do INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria,

    organizao de esfera federal, sob os critrios estabelecidos pelo Decreto n 4.887, de 2003,

    expedir os ttulos aos territrios quilombolas. Todavia, a Instruo Normativa 57, do INCRA,

    de 20 de outubro de 2009, diz que fica sob a responsabilidade das comunidades interessadas

    encaminharem Superintendncia Regional da instituio uma solicitao requerendo a

    abertura dos procedimentos administrativos que proporcionam a regularizao dos territrios.

    Para que seja atendida a solicitao de regularizao do territrio pelo INCRA, necessrio

    que a comunidade esteja cadastrada e possua Certido de Registro no Cadastro Geral de

    Remanescentes de Comunidades de Quilombos emitido pela Fundao Cultural Palmares.

    Atravs dessas consideraes disponibilizadas no endereo eletrnico da instituio, consta no

    processo de nmero 54370.000780/2006-11 que a comunidade quilombola Luziense

    encontra-se cadastrada, mas em processo de averiguao.

    No geral a comunidade apresenta caractersticas culturais conservadoras e modernas,

    com bem demonstrou Eliot (2011), que a cultura de um indivduo dependente da cultura de

    um grupo ou classe, e que a cultura de um grupo ou classe dependente de cultura do

    conjunto da sociedade qual pertence aquele grupo ou classe. Esses aspectos so

    demonstrados atravs dos modelos das casas e ao critrio de parentesco. Considerando que

    esse critrio atualmente no mais o fator definitivo no preenchimento espacial familiar

    residencial, tendo em vista que as novas famlias estabelecem suas residncias distantes dos

    ncleos familiares. Essa nova dinmica esta ligada ao fato da disponibilizao de terrenos e

    melhores condies econmicas das famlias recm-formadas. Diferentemente de tempos

    passados, mas no muito remoto, onde as famlias aglomeravam-se em stios que possibilitava

    os novos casais fixarem suas residncias prximas casa dos seus pais, seja do homem ou da

    mulher. No que diz respeito ao estilo da casa, h ainda uma grande quantidade de casas

    construdas a base de taipa, parede de barro colocada entre estacas e ripas

    (MINIDICIONRIO SOARES AMORA, 2009,705). Todavia, h construes de casas de

    alvenaria, mas sem abandonar o estilo antigo das residncias que em sua maioria dispe de

    duas cozinhas, sendo a cozinha externa composta por um fogo a lenha. Ao longo da rua

    principal, a arquitetura das casas apresenta-se de forma diversa, tendo essas, estruturas mais

    amplas que tomou o espao das antigas casas de taipa que passaram a predominar nos

  • chamados becos, rua estreita e curta (MINIDICIONRIO SOARES AMORA, 2009,88).

    Nesses becos a proximidade das residncias bem mais significativa se comparado ao espao

    do mesmo tipo de moradia predominante na rua principal.

    A localidade dispe de um ncleo escolar, cujo nome Escola Municipal Raimundo

    Carvalho de Menezes. A escola foi fundada no ano de 1972, na gesto do prefeito Lindinalvo

    Dantas do Amor. A nossa proposta aqui tambm falar sobre a educao quilombola dentro

    desta localidade. Alm da educao dentro do seio familiar, a escola tambm importante,

    pois est tem o papel de fonte de afirmao da identidade de um povo. Diante diste

    necessrio que o aluno conhea suas origens atravs de espaos pedaggicos que propiciem a

    valorizao da mltipla identidade (miscigenao) no que resultou o povo brasileiro.

    CONSIDERAES FINAIS

    fato que os povos de origem africana ao longo da histria brasileira desenvolveram

    diversificadas formas de resistncia e luta contra a opresso e discriminao. As estratgias

    includas nessas formas de resistncia tinham por objetivos, primeiro a manuteno da vida e

    segundo, a consolidao cultural, seus valores e por fim a garantia da memria. Sendo assim,

    podemos considerar o surgimento dos quilombos como as primeiras manifestaes de

    descontentamento e negao da escravido.

    Mesmo com o advento da abolio, a populao negra, principalmente as

    comunidades quilombolas, continuou sendo excluda do quadro social. Suas reinvindicaes

    so resultantes desse tratamento recebido pelo Estado que de maneira incrustada negou-lhes o

    direito de ser incorporada a populao. Como bem demonstrou Regiane Mattos (2011), alguns

    ofcios existentes nas sociedades africanas esto relacionados tradio oral, a um

    conhecimento sagrado, a ser revelado e transmitido para as futuras geraes, o caso dos

    ferreiros, carpinteiros, teceles, caadores e agricultores.

    A histria oral dentro deste artigo s foi possvel de ser trabalhada a partir do

    momento em que entramos em contato com a comunidade e observamos a realidade de muitas

    mulheres que tiram do seu trabalho dirio (pesca) seu principal sustento familiar.

    Compreendemos assim o sentido dos saberes tradicionais desta comunidade.

    Repassando pelos valores e benefcios atribudos a essas comunidades garantidos pelo

    Governo Federal atravs do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA

    que dispe internamente da Coordenao Geral de Regularizao de Territrios Quilombolas

    DFQ, a comunidade quilombola Luiziense ainda no possui titulao de territrio

  • quilombola segundo consta no edital de processos de titulao em aberto disponveis no site

    da instituio.

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